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1 Título: O Rimonabant como fármaco anti-obesidade O papel duplo do Rimonabant - fármaco regulador do apetite e normalizador da adiponectina Titulo abreviado: O Rimonabant como fármaco anti-obesidade Autor: Ana Melo Abreu Filiação: Serviço de Bioquímica Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Alameda Prof. Hernâni Monteiro 4200-319 Porto Correspondência: Ana T. Abreu Serviço de Bioquímica Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Alameda Prof. Hernâni Monteiro 4200-319 Porto Tel/Fax: 351 22 5513624 e-mail: [email protected]

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Título:

O Rimonabant como fármaco anti-obesidade

O papel duplo do Rimonabant - fármaco regulador do apetite e normalizador da adiponectina

Titulo abreviado:

O Rimonabant como fármaco anti-obesidade

Autor:

Ana Melo Abreu

Filiação:

Serviço de Bioquímica

Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

Alameda Prof. Hernâni Monteiro

4200-319 Porto

Correspondência:

Ana T. Abreu

Serviço de Bioquímica

Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

Alameda Prof. Hernâni Monteiro

4200-319 Porto

Tel/Fax: 351 22 5513624

e-mail: [email protected]

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Resumo: 183 palavras

Abstract: 184 palavras

Introdução: 460 palavras

O papel do sistema endocanabinóide na obesidade: 729 palavras

O efeito antiobesidade do Rimonabant: os receptores CB1 centrais: 515 palavras

O efeito antiobesidade do Rimonabant: os receptores CB1 periféricos: 511 palavras

Conclusões: 241 palavras

Agradecimentos

A autora agradece à direcção do Serviço de Bioquímica da Faculdade de Medicina da Universidade do

Porto e em particular à Prof. Doutora Maria de Fátima Martel.

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Resumo

A crescente prevalência da obesidade nos países industrializados aumenta o risco de doenças

cardiometabólicas. A obesidade caracteriza-se pela acumulação excessiva de gordura em diversos

tecidos e órgãos, particularmente no tecido adiposo, comprometendo a sua estrutura e função. Tendo

em consideração a importância do tecido adiposo como órgão endócrino, bem como a função das

adipocinas na obesidade, torna-se necessário o desenvolvimento de novos fármacos que possam actuar

a este nível.

O sistema endocanabinóide surgiu como um novo alvo no controlo da obesidade e suas

comorbilidades. Este sistema encontra-se super-activado em obesos, sendo o bloqueio específico dos

seus receptores conseguido pelo Rimonabant. Este fármaco actua como inibidor dos receptores

endocanabinóides CB1 presentes no cérebro e em órgãos periféricos, que desempenham um

importante papel na regulação do metabolismo da glicose e dos lípidos. Estudos clínicos demonstram

que o Rimonabant apresenta um duplo efeito, promovendo uma redução da ingestão alimentar e

aumentando os níveis plasmáticos de adiponectina. Este artigo faz a revisão do potencial terapêutico

do Rimonabant e evidencia a adiponectina como um alvo promissor no sucesso dos tratamentos

antiobesidade.

Palavras-chave: Rimonabant, Obesidade, Endocanabinóides, Receptores CB1, Adiponectina.

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Abstract

The increased obesity prevalence observed in industrialised countries determines a higher risk of

developing cardiometabolic diseases. Obesity is characterized by an excessive fat storage in different

organs and tissues, in particular adipose tissue, compromising its structural and functional integrity.

Taking into account the importance of the endocrine function of adipose tissue and the key role of

adipokines in obesity, it seems interesting to develop new drugs that can exert a specific action at this

level.

The endocannabinoid system has emerged as a new target for controlling obesity and its associated

conditions. This system is overactivated in obese patients, and the specific blockade of its receptors is

obtained with Rimonabant. This drug acts by blocking endocannabinoid CB1 receptors found in brain

and peripheral organs, which play an important role in the regulation of glucose and fat metabolism.

Clinical studies show that Rimonabant presents a dual effect by decreasing food intake and increasing

adiponectin circulating levels. This article focuses on the therapeutic potential of Rimonabant and

highlights adiponectin as a promising target for successful future antiobesity treatments.

Key Words: Rimonabant, Obesity, Endocannabinoids, CB1 Receptors, Adiponectin.

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Introdução

O tratamento da obesidade, um problema crescente no mundo industrializado, tem sido alvo de

pesquisa intensa (1). A redução ponderal é considerada o primeiro passo na prevenção das

consequências clínicas da obesidade. Na maioria dos indivíduos que não são capazes de reduzir o peso

por meio de alteração da dieta alimentar e do estilo de vida, o tratamento farmacológico pode ajudar a

atingir as metas de gestão ponderal. No entanto, o tratamento farmacológico deve ser apenas

considerado como parte de um programa sistemático de controlo de peso que inclui uma dieta

equilibrada e um estilo de vida saudável (2).

A gravidade deste problema está directamente relacionada com a sua associação a distúrbios

metabólicos, responsáveis pelo aumento do risco de doenças cardiovasculares (3). A obesidade é uma

doença metabólica frequentemente associada a um grupo de patologias crónicas e progressivas, que

em conjunto constituem o síndrome metabólico, nomeadamente diabetes mellitus tipo 2,

hiperinsulinemia e resistência à insulina, dislipidemia, aterosclerose, hipertensão, esteatohepatite e

inflamação (4).

A acumulação de gordura em tecidos e órgãos envolvidos no controlo do metabolismo energético, tal

como o tecido adiposo, fígado e músculo, prejudica a sua integridade estrutural e funcional, e promove

inflamação local (5). Este estado inflamatório tem um papel determinante no desenvolvimento de

resistência à insulina nestes tecidos, uma vez que o aumento dos níveis de TNF-α pode saturar a

cascata de sinalização da insulina (6,7). A resistência à insulina reduz a oxidação dos ácidos gordos,

amplifica o armazenamento de gordura nos tecidos, promovendo a natureza crónica e progressiva

deste processo patológico (5).

A obesidade também é caracterizada por um estado inflamatório global (3), com um aumento dos

níveis de citocinas pró-inflamatórias na circulação, tais como TNF-α, proteína C reactiva (PCR),

interleucina 1-β (IL-1β), interleucina-6 (IL-6), inibidor do activador do plasminogénio-1 (PAI-1),

factor transformador do crescimento β (TGF-β), bem como um decréscimo no nível de citocinas anti-

inflamatórias como a adiponectina (8). Este componente inflamatório associado à obesidade parece

desempenhar um papel importante na progressão da obesidade e suas comorbilidades (5).

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Adicionalmente, a disfunção metabólica dos principais órgãos envolvidos no metabolismo dos lípidos

e da glicose está associado a dislipidemia, caracterizada pelo aumento dos níveis plasmáticos de

colesterol, triglicerídeos e ácidos gordos livres, e pela redução da razão HDL-colesterol:LDL-

colesterol. A dislipidemia está associada a um risco aumentado de doenças cardiovasculares,

inclusivamente aterosclerose, hipertensão e enfarte do miocárdio (9).

A integridade estrutural e funcional de órgãos e tecidos, tais como o tecido adiposo, envolvidos no

controlo do metabolismo da glicose e dos lípidos e na homeostasia energética, tem um papel central na

patofisiologia da obesidade e distúrbios metabólicos associados (Figura I) (10). O desenvolvimento de

fármacos que têm como alvo a restauração da integridade estrutural e funcional destes tecidos é

promissor para a maior eficácia dos tratamentos antiobesidade.

O papel do sistema endocanabinóide na obesidade

O sistema endocanabinóide desempenha um papel importante no controlo metabólico. Este sistema é

constituído por endocanabinóides, receptores canabinóides e enzimas (11).

Os endocanabinóides são ligandos lipídicos endógenos dos receptores canabinóides que apresentam

efeitos semelhantes aos do cannabis, nomeadamente ao nível da estimulação do apetite (12). A

anandamida e o 2-araquidonoilglicerol (2-AG) são dois endocanabinóides produzidos no hipotálamo,

principal centro da saciedade. Eles são neuromoduladores lipídicos que estimulam a ingestão

alimentar (13), encontrando-se aumentados em animais obesos quando comparados aos mais magros

(14).

Os endocanabinóides exercem os seus efeitos biológicos através da interacção com dois subtipos de

receptores, os receptores canabinóides tipo 1 (CB1-R) e os tipo 2 (CB2-R) (10). Os CB2-R estão

presentes nas células do sistema imunitário, especialmente nas células B e nos macrófagos. Esta

localização está directamente associada à acção destes receptores na supressão da expressão das

citocinas pró-inflamatórias. Os CB1-R são abundantes no sistema nervoso central (gânglios da base,

hipocampo, córtex cerebral e hipotálamo), bem como no sistema nervoso periférico, sistema

gastrointestinal, sistema reprodutivo, sistema cardiovascular e tecido adiposo (15). Estes receptores

estão directamente envolvidos no efeito orexigénico dos endocanabinóides, no controlo do

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metabolismo, peso corporal e na resistência à insulina, e são assim, os principais alvos no

desenvolvimento de novos fármacos para o tratamento da obesidade (16).

O Rimonabant foi o primeiro fármaco a ser desenvolvido de uma nova classe terapêutica, os

antagonistas selectivos dos receptores canabinóides. A inibição selectiva dos receptores canabinóides

centrais e periféricos demonstrou melhorar o metabolismo da glicose e dos lípidos, bem como

promover o controlo da ingestão alimentar e do balanço energético do organismo (17).

Estudos clínicos demonstraram que o Rimonabant reduziu a ingestão alimentar e o peso ponderal de

ratos Zucker geneticamente obesos (fa/fa). No entanto, foi observada uma discordância entre a

redução da ingestão alimentar e a redução ponderal obtida durante o período em que decorreu o

tratamento com Rimonabant. De facto, a perda ponderal induzida por este fármaco compreende duas

fases. A primeira fase é dependente do controlo da ingestão alimentar: durante os primeiros dias de

tratamento o Rimonabant reduziu a ingestão alimentar e o peso ponderal. Esta redução ponderal é

devida à supressão do apetite, mediada por mecanismos de regulação da expressão e secreção de

neuropeptídeos hipotalâmicos relacionados quer com a ingestão alimentar, quer com o controlo

ponderal (efeito central do Rimonabant). A segunda fase é independente do controlo da ingestão

alimentar: após a primeira fase e durante todo o tratamento, a perda ponderal induzida pelo

Rimonabant manteve-se, embora tenha ocorrido um aumento da ingestão de alimentos (18). É de notar

que a perda ponderal promovida por este fármaco ultrapassa aquela correspondente à redução da

ingestão alimentar, o que sugere que o composto tem uma acção no controlo metabólico em orgãos

periféricos (19). Estes factos também foram observados em estudos clínicos com seres humanos. Num

dos mais importantes estudos sobre o Rimonabant – “Rimonabant in Obesity (RIO)” - avaliou-se o

papel deste fármaco no controlo da obesidade, na melhoria dos factores de risco relacionados com a

obesidade e o seu efeito sustentado a longo prazo (20). Os resultados deste estudo demonstraram que

os doentes tratados com Rimonabant exibiam uma redução significativa dos factores de risco

cardiometabólicos. As alterações observadas incluíam uma redução dos níveis de triglicerídeos e um

aumento dos níveis de HDL-colesterol, uma redução do perímetro abdominal e do peso ponderal, uma

melhoria da tolerância à glicose e uma redução da tensão arterial. Outros dados importantes foram

verificados nos marcadores de risco, inclusivé um aumento dos níveis de adiponectina, uma proteína

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relacionada com a redução do risco de diabetes e de doença cardíaca, e uma redução do nível da

proteína C reactiva, um marcador de inflamação associado a risco cardiovascular (21).

No entanto, efeitos laterais tais como alterações do foro psiquiátrico foram relatados, nomeadamente

depressão e comportamentos de ideação suicida, colocando limitações à sua utilização. Por este

motivo, o Comité de Produtos Médicos para Utilização Humana da Agência Europeia de

Medicamentos (EMEA) recomendou em finais de 2008 a suspensão da sua comercialização, referindo

a necessidade de estudos de longo prazo que garantissem a sua segurança e eficácia no tratamento da

obesidade (22).

Independentemente das suas limitações, o Rimonabant sugere que o antagonismo selectivo dos CB1-R

periféricos poderá apresentar efeitos benéficos no perfil metabólico e nos factores de risco

cardiovasculares, o que pode constituir uma alternativa à sua aplicação terapêutica.

O efeito antiobesidade do Rimonabant: os receptores CB1 centrais

Os receptores CB1 (CB1-R) estão presentes em várias áreas cerebrais implicadas no controlo da

ingestão alimentar, nomeadamente o hipotálamo, o núcleo accumbens, o nervo vago e os nódulos

ganglionares (23). No hipotálamo de rato, o RNAm dos CB1-R apresenta uma localização comum à

de numerosos neuropeptídeos, tais como o transcrito de corticotrofina regulado pela anfetamina

(CART), a orexina e a hormona concentradora de melanina (MCH) (16).

O nível de expressão dos CB1-R é regulado pelo comportamento alimentar, bem como por péptidos

orexigénicos e anorexigénicos. Na região límbica do cérebro de ratos alimentados com uma dieta

palatável, a expressão do RNAm dos CB1-R encontra-se sub-regulada (24). Nos nódulos ganglionares

o RNAm dos CB1-R encontra-se sub-expresso, na saciedade, nos neurónios que contêm

colecistocinina (CCK), aumentada na saciedade. Assim, a sua expressão encontra-se sobre-regulada

no jejum e sub-regulada na saciedade (25). Além disso, a expressão de CB1-R nos neurónios aferentes

vagais é subregulada pela CCK (16). Surpreendentemente, a grelina, uma hormona orexigénica

presente no estômago, opõe-se ao efeito inibitório da CCK na indução dos CB1-R nos nódulos

ganglionares (26).

Tal como os CB1-R, os endocanabinóides também foram identificados no cérebro, nomeadamente no

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hipotálamo, no lobo límbico e no tronco cerebral (23). A leptina, uma hormona anorexigénica

segregada pelos adipócitos, inibe especificamente a síntese de anandamida e de 2-AG no hipotálamo.

Ratos Zucker obesos e ratos obesos ob/ob e db/db, mutantes em leptina ou nos receptores da leptina,

respectivamente, apresentam níveis elevados de anandamida e de 2-AG no hipotálamo (18). Os

glicocorticóides estimulam a síntese e secreção dos endocanabinóides no hipotálamo através de

receptores nucleares e a leptina bloqueia este efeito (27). O jejum aumenta os níveis límbicos de

anandamida e de 2-AG, enquanto no hipotálamo apenas o 2-AG está aumentado (28). Foi sugerido

que um nível elevado de grelina também está relacionado com um aumento do tónus endocanabinóide

(29). Estes dados demonstram o controlo dos níveis de endocanabinóides pelas hormonas relacionadas

com o apetite no SNC.

Em relação ao Rimonabant, este antagonista dos CB1-R diminui a ingestão alimentar em ratos

selvagens hiperfágicos, para níveis similares aos observados em ratos mutantes sem CB1-R (CB1-/-),

mas não apresenta qualquer efeito sobre a ingestão alimentar em ratos mutantes CB1-/- (18). Os ratos

mutantes apresentavam ligeira anorexia e um fenótipo magro, com uma massa gorda reduzida (16). A

injecção de anandamida no hipotálamo e 2-AG na cápsula do núcleo accumbens promove hiperfagia

nos ratos, respectivamente, e este efeito foi atribuído à estimulação dos CB1-R (28). A hormona α-

estimuladora de melanócitos (α-MSH) e o Rimonabant têm um efeito sinérgico na diminuição da

ingestão alimentar (30).

Os endocanabinóides também estão envolvidos no controlo dos níveis de factores orexigénicos, tais

como os opióides endógenos, MCH, orexinas, neuropeptídeo Y (NPY) e grelina, e factores

anorexigénicos, tais como a CCK, α-MSH, CART e a hormona libertadora de corticotrofina (CRH)

(31). Nos ratos CB1-/- a expressão de CRH encontra-se aumentada e a de CART diminuída (16).

Recentemente, foi descrito que os endocanabinóides participam nos processos de sinalização cerebral

de recompensa alimentar através da activação do sistema mesolímbico dopaminérgico (32).

O efeito antiobesidade do Rimonabant: os receptores CB1 periféricos

No tecido adiposo, o bloqueio dos receptores CB1-R pelo Rimonabant aumenta a expressão e

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excreção de adiponectina, uma adipocina que promove a redução do peso corporal e da massa gorda,

da hiperinsulinemia, dislipidemia, inflamação e esteatohepatite. Adicionalmente, a adiponectina

melhora a sensibilidade à insulina e a tolerância à glicose nos vários tecidos e órgãos envolvidos no

metabolismo da glicose e dos lípidos, tais como o fígado, o tecido adiposo e o músculo, promovendo

uma melhoria do síndrome metabólico assim como a diminuição dos factores de risco para doença

cardiovascular (Figura II).

Estudos clínicos demonstraram que o tratamento com Rimonabant estimula a expressão do RNAm da

adiponectina no tecido adiposo de ratos Zucker obesos (fa/fa). Esta estimulação também foi

encontrada em adipócitos de rato em cultura, tendo sido sucedida por um aumento do nível de

adiponectina. Pelo contrário, verificou-se que o Rimonabant não demonstrou qualquer efeito nos

níveis de adionectina expressos em adipócitos de ratos mutantes para os CB1-R (10).

A hiperinsulinemia e a resistência à insulina estão frequentemente associadas à obesidade e a níveis

reduzidos de adiponectina no plasma (33). O tratamento com Rimonabant também demonstrou reduzir

a hiperinsulinemia dos ratos Zucker obesos (fa/fa). Este efeito está relacionado, pelo menos em parte,

com o aumento dos níveis de adiponectina (10).

Os níveis de adiponectina circulantes estão inversamente relacionados com os níveis plasmáticos de

colesterol, ácidos gordos livres, triglicerídeos e HDL-colesterol (34). O tratamento com adiponectina

reduz os níveis plasmáticos destes parâmetros sugerindo um papel desta hormona no metabolismo dos

lípidos e da glicose, bem como o seu envolvimento nos distúrbios metabólicos como a dislipidemia

(35). O tratamento com Rimonabant melhora a dislipidemia através da sua acção sobre os níveis de

adiponectina (36).

Níveis plasmáticos reduzidos de adiponectina estão também associados ao desenvolvimento de

esteatose hepática (37). O tratamento de modelos animais com Rimonabant diminuiu a hepatomegalia,

eliminou a esteatose hepática e reduziu os níveis plasmáticos dos marcadores enzimáticos de lesão

hepática (aminotransferase do aspartato, aminotransferase da alanina, gama-glutamil transpeptidase)

(38). Surpreendentemente, o Rimonabant promoveu uma diminuição acentuada dos níveis hepáticos

de TNF-α, caracteristicamente elevados na esteatohepatite. Níveis elevados de citocinas pró-

inflamatórias hepáticas, tal como o TNF-α, estão envolvidas no desenvolvimento da resistência à

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insulina no fígado e na progressão da esteatohepatite para fibrose e cirrose (39). O Rimonabant

também diminuiu os elevados níveis plamáticos de TNF-α característicos de estados de inflamação

crónica de baixo grau associados à obesidade e doenças metabólicas. Esta redução dos níveis de TNF-

α hepáticos e plasmáticos pelo Rimonabant está provavelmente envolvida na reversão da esteatose

hepática, e pode prevenir ou impedir a progressão da esteatohepatite para fibrose ou cirrose, sugerindo

um papel anti-inflamatório por parte deste fármaco (40).

Outro efeito do Rimonabant ao nível dos CB1-R periféricos consiste na inibição da proliferação de

pré-adipócitos e na indução de marcadores de maturação tardios (adiponectina e desidrogenase do

gliceraldeído-3-fosfato) nos adipócitos sem que se verifique acumulação lipídica (41). Estes efeitos

promovem a redução da massa gorda bem como a manutenção da estrutura do tecido adiposo e das

suas funções endócrinas.

Conclusões

O Rimonabant, um antagonista dos receptores CB1, demonstrou resultados promissores no tratamento

da obesidade e do síndrome metabólico. Este fármaco promove a redução ponderal, a redução do

perímetro abdominal, aumenta a sensibilidade à insulina e melhora o metabolismo dos lípidos e da

glicose. Apesar da sua comercialização se encontrar actualmente suspensa pela Agência Europeia de

Medicamentos (EMEA) devido a efeitos laterais, nomeadamente casos de depressão e ideação suicida,

os seus efeitos periféricos podem constituir uma alternativa à sua aplicação terapêutica.

Vários estudos clínicos evidenciam que a grande maioria do sucesso terapêutico do Rimonabant é

obtido pela sua acção ao nível dos receptores CB1 do tecido adiposo. A inibição destes receptores

promove o controlo da expressão e secreção da adiponectina, bem como a inibição da proliferação de

pré-adipócitos.

A adiponectina é uma hormona exclusivamente produzida e segregada pelo tecido adiposo e níveis

plasmáticos reduzidos desta hormona estão envolvidos na patogénese da obesidade, resistência à

insulina e hiperinsulinemia, dislipidemia, inflamação, esteatohepatite e distúrbios cardiovasculares.

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Adicionalmente, a inibição da proliferação dos pré-adipócitos contribui para uma redução da massa

gorda e para o restabelecimento da integridade do tecido adiposo e da sua função endócrina, alteradas

na obesidade.

Torna-se assim pertinente o desenvolvimento de novos fármacos que actuem selectivamente ao nível

dos receptores CB-1 do tecido adiposo, contribuindo para a integridade da sua estrutura e função, bem

como para a normalização dos níveis de adiponectina, uma hormona que apresenta um efeito

multiprotector no síndrome metabólico.

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Figuras

Figura I: Mecanismo do Síndrome Metabólico. Neste esquema a obesidade, diabetes tipo 2,

dislipidemia, inflamação e esteatohepatite estão representadas por círculos que mantêm o síndrome

metabólico e induzem o desenvolvimento de doenças cardiovasculares (CVDs). Cada ciclo de um

distúrbio metabólico é promovido por um outro distúrbio, nomeadamente por um excesso energético,

hiperinsulinemia, colesterol, ácidos gordos livres (FFAs) e triglicerídeos (TGs), citocinas pró-

inflamatórias, gordura e inflamação. No interior dos ciclos, estão os principais órgãos ou tecidos

envolvidos: sangue, tecido adiposo (TA), fígado e músculo. A diminuição da ingestão alimentar, o

aumento do gasto energético e fármacos com acção no metabolismo energético inibem a progressão

do síndrome metabólico. Adaptado com autorização de Maynadier M (10).

Mecanismo do Síndrome Metabólico

Diminuição da ingestão

alimentar

Aumento do gasto

energético

Fármacos com acção no metabolismo

Obesidade

Excesso energia

Diabetes tipo 2

Hiperinsulinemia

Esteatohepatite

Inflamação

Citocinas pró-inflamatórias

Gordura e inflamação

Colesterol

FFA TGs

Dislipidemia

Síndrome Metabólico TA

Figado

Figado

Sangue TA

Figado Músculo

Sangue

TA

Fígado

Sangue

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Figura II: Efeito antiobesidade do Rimonabant a nível periférico. Ao nível dos receptores CB1 do

tecido adiposo o Rimonabant aumenta os níveis de adiponectina, que diminuem o peso corporal e a

massa gorda, a hiperinsulinemia, dislipidemia, inflamação e a esteatohepatite. A adiponectina também

melhora a sensibilidade à insulina e a tolerância à glicose nos vários tecidos e órgãos envolvidos no

metabolismo da glicose e dos lípidos, que estão na origem da melhoria do síndrome metabólico,

induzindo uma diminuição dos factores de risco cardiovasculares. Adaptado com autorização de

Maynadier M (10).

Efeito antiobesidade do Rimonabant a nível periférico

Rimonabant

CB1-R

Aumento da adiponectina

Melhora a sensibilidade à

insulina e a tolerância à glicose Diminui: • peso corporal e a

massa gorda

• hiperinsulinemia

• dislipidemia

• inflamação

• esteatohepatite

Melhoria do síndrome metabólico

Melhoria dos distúrbios

cardiovasculares