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Universidade Federal de Minas Gerais Programa de Formação de Conselheiros Nacionais Curso de Especialização em Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais O papel dos programas governamentais na expansão das universidades brasileiras: caminhos para uma política de educação superior democrática e inclusiva Juliana Alvarenga Silvas BELO HORIZONTE 2010

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Universidade Federal de Minas GeraisPrograma de Formação de Conselheiros Nacionais

Curso de Especialização em Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais

O papel dos programas governamentais na expansão das

universidades brasileiras: caminhos para uma política de

educação superior democrática e inclusiva

Juliana Alvarenga Silvas

BELO HORIZONTE

2010

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JULIANA ALVARENGA SILVAS

O papel dos programas governamentais na expansão das

universidades brasileiras: caminhos para uma política de

educação superior democrática e inclusiva

Monografia apresentada ao Curso de Especialização

em Democracia Participativa, República e

Movimentos Sociais do Programa de Formação de

Conselheiros Nacionais da Secretaria da Presidência

em Parceria com a UFMG, como requisito parcial

para aprovação.

Prof. Orientadora: Natália Guimarães Duarte Satyro

BELO HORIZONTE

2010

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Sumário

Introdução ................................................................................................................................04

I. O cenário educacional a partir da Constituição de 1988: conquistas e desafios...................07

I.I Os desdobramentos legais da Constituição 88 e atuação dos setores privados na área da

educação....................................................................................................................................09

II . A educação superior no Brasil ............................................................................................15

III. Os programas do governo federal e a ampliação da abrangência e da qualidade do ensino

superior......................................................................................................................................22

III.I O Prouni – Programa Universidade para Todos ...............................................................25

III.I O Reuni e a Promoção da Assistência Estudantil .............................................................28

IV. Os desafios da Democratização da Educação: Inclusão Social e Expansão de Direitos....34

Referências Bibliográficas........................................................................................................39

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Introdução

No final da década de 90, a emergência e consolidação de diversas políticas públicas

e o surgimento de espaços participativos institucionalizados e legitimados, introduziram uma

nova concepção acerca da legitimidade política. A ampliação e afirmação de direitos,

respaldada por princípios de inclusão e pluralismo, igualdade e autonomia, reordenaram a

lógica tradicional de poder. Tal contexto, evidencia a busca por transformações democráticas

na política, pautadas na efetividade da ampla participação social e no controle dos recursos

públicos e perpassa a pressão pública para que os governos passem a agir mais honesta e

transparentemente e se comprometam com a justa distribuição de bens públicos.

A união de forças entre lideranças comunitárias, ONG's, organizações sociais e

acadêmicas, empresas, cidadãos e cidadãs, apontam para o comprometimento da sociedade e

do Estado com uma agenda conjunta de metas que tenha como foco o desenvolvimento social

sustentável. A esfera pública passa a ser considerada espaço de construção de novas

identidades, onde os indivíduos e grupos sociais subalternizados precisam se auto-

organizarem, em espaços que permitam inventar e difundir contra discursos, definindo o

significado de suas ações e construindo interesses e necessidades comuns reconfigurando sua

própria identidade de maneira autônoma.

Neste sentido, a desigualdade social não deve ser compreendida como um fenômeno

circunstancial, mas estruturalmente reproduzida, através da negação de direitos e políticas

sociais. O enfrentamento do modelo predominante e excludente de desenvolvimento

neoliberal, paralelo à concepção democrática elitista, demarca a presença de um poder

econômico patrimonialista e assimétrico do ponto de vista dos direitos e deveres, remontando

a exclusão social como herança histórica do período colonial e, posteriormente ditatorial.

A educação é atualmente reconhecida como uma das bases do desenvolvimento

político, social e econômico das sociedades. O aumento da escolaridade média da população

brasileira, assim como a melhoria da qualidade do ensino ofertado, constituem desafios a ser

superados e, em grande medida, são afetados por desigualdades de várias ordens. No caso

brasileiro, a situação educacional da população é profundamente afetada pela ação do Estado,

mediante políticas e programas governamentais.

Empreender uma avaliação, mesmo que preliminar, sobre a gestão e a organização das

políticas educacionais brasileiras nestes últimos 20 anos, constitui complexa tarefa, não

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apenas devido à profundidade das mudanças, mas também pelo fato destas ainda estarem em

curso.

A educação superior, enfrenta no país, uma série de desafios, dentre os quais se

destaca a produção de conhecimento enquanto fator potencial de transformação social e de

novos horizontes para a redução das desigualdades, no objetivo de projetar melhoria na

qualidade de vida da sociedade brasileira. Numa conjuntura globalizada em que o

conhecimento sobrepuja os recursos materiais como fator de desenvolvimento humano, a

importância da educação superior é cada vez maior.

A legislação brasileira preceitua que nenhum país pode aspirar o desenvolvimento,

independentemente de um forte sistema de educação superior e, dessa forma, as universidades

constituem o principal instrumento de transmissão da experiência cultural e científica

acumulada pela humanidade. A Constituição afirma que o dever do Estado com a educação

efetiva-se mediante a garantia de, entre outros, acesso aos níveis mais elevados do ensino,

pesquisa e criação artística, segundo a capacidade de cada um. Na prática, impõe-se o desfio

de reformular o rígido sistema de controles burocráticos educacionais, através de uma

expansão planejada e de qualidade.

A presente monografia se propõe a empreender uma reflexão crítica acerca da

contribuição das políticas e programas governamentais de inclusão e expansão do ensino

superior no Brasil, nos últimos vinte anos, tendo como marco histórico referencial a

Constituição Federal de 1988. Qual a contribuição dos programas governamentais voltados à

expansão, ampliação do acesso às universidades e promoção da assistência estudantil, em

especial, o ProUni, o Reuni e o Pnaes, para a inclusão de grupos e segmentos societários

historicamente privados desse direito? Ou seja, em que proporção eles democratizam a

educação superior, reduzindo a seletividade social dos seus instrumentos de acesso e

favorecendo a igualdade de oportunidades de formação qualificada? Qual a efetividade da

atuação governamental, através destes programas na construção de um arranjo institucional

educacional mais democrático?

Para tal, procedemos a investigação documental acerca da gênese, expansão e

consolidação do sistema de políticas educacionais no Brasil, através de um levantamento de

fatos e eventos históricos significativos neste contexto. A partir da análise da dinâmica das

principais políticas implementadas pelo Ministério da Educação (MEC), na atualidade,

relacionadas à educação superior, objetiva-se mapear as relações construídas historicamente

entre o processo de implementação dos programas governamentais de inclusão e permanência

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no ensino superior e sua conjuntura institucional, política e social. Para fins desta análise, o

trabalho foi dividido em quatro capítulos.

No primeiro capítulo pretende-se delinear o cenário educacional brasileiro a partir da

Constituição Federal de 1988, situando a abrangência da política educacional no país, com a

finalidade de ressaltar suas conquistas e desafios. A reflexão se desenvolve por meio da

análise de alguns fatos e aspectos relevantes observáveis e passíveis de comparação com

contextos anteriores.

No segundo capítulo realizamos uma breve análise descritiva do arcabouço legal e

institucional relacionado à política de educação superior no Brasil e da trajetória dos

indicadores e dados quantitativos que expressem o diagnóstico da educação superior no país.

Tal análise demonstra que, apesar de consolidado o caráter universalizante, público e gratuito

dos programas e das ações governamentais na área da educação por todo o território nacional,

o crescimento do setor privado, a partir da década 90, estabeleceu uma contraditória relação

de concorrência – muito mais que a cooperação e complementação com as IES públicas.

O terceiro capítulo apresenta uma problematização acerca da dinâmica dos programas

governamentais no contexto da ampliação da abrangência e da qualidade do ensino superior:

o Programa Universidade para Todos (ProUni), o Programa de Apoio a Planos de

Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) e o Programa Nacional de

Assistência Estudantil (Pnaes). Pretende-se destacar a partir dos resultados observados, quais

foram os avanços, conquistas, limites e os desafios desses programas sociais do governo

federal na consolidação das políticas de inclusão e expansão do ensino superior brasileiro nas

últimas duas décadas.

O último capítulo trata dos desafios impostos à democratização da educação superior,

relacionado-os aos aspectos da inclusão social e da expansão de direitos. Avalia-se que a

formulação de uma política educacional responsável e comprometida com o interesse público,

que compreenda a expansão do acesso à amplas camadas populacionais, acompanhada de

garantia de qualidade dos serviços prestados, talvez seja o mais significativo desafio.

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I. O cenário educacional a partir da Constituição de 1988: conquistas e

desafios

Desde a regulamentação das políticas sociais na Constituição de 1988, a implantação

das conquistas estabelecidas ainda vêm se desenvolvendo, com distintos graus de sucesso,

estagnação ou retrocesso. Neste capítulo, pretende-se apresentar as transformações na

situação educacional da população brasileira, a partir da Constituição, enquanto marco

jurídico-legal, para em seguida analisar os desdobramentos legais e institucionais pós-

Constituição. Mais especificamente serão analisadas a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (LDB), o Plano de Nacional de Educação (PNE) e o Plano de Desenvolvimento da

Educação (PDE).

A história das políticas sociais está intimamente ligada, em sua origem à história da

moderna sociedade capitalista e à consolidação dos modernos Estados nacionais. A nova

ordem liberal e capitalista produziu a necessidade de erradicar a pobreza, vista como fonte de

instabilidade política e social. Entretanto, esse processo deverá ser impulsionado sem intervir

nos direitos recém-constituídos destes sujeitos, que não eram mais servos submetidos às

antigas relações senhoris, mas indivíduos livres, cidadãos responsáveis por si e pelos rumos

da sociedade.

A gênese, a expansão e a consolidação de um sistema de políticas sociais no Brasil,

sob os princípios conservadores meritocráticos no período anterior à Constituição, não

explicitavam entre seus objetivos principais a erradicação da pobreza e a diminuição forte e

sustentada da desigualdade. Draibe, Castro e Azeredo (2001) afirmam que “(...) parece ter

sido reduzida no Brasil a capacidade das políticas sociais alterarem a estrutura de

oportunidades, contribuindo assim para diminuir os graus de desigualdades nas condições

básicas de vida e nas probabilidades com que os indivíduos e as famílias acessam e se

beneficiam dos próprios programas sociais (p. 83)”.

O início dos anos 1980 trouxe, em seu contexto de redemocratização e forte crise

econômica, um claro esgotamento do sistema nacional de políticas sociais em vigor até então.

Por intermédio da garantia dos direitos civis, sociais e políticos, a Constituição de 1988 visava

a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; com erradicação da pobreza e da

marginalização; redução das desigualdades sociais e regionais; e promoção do bem de todos

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sem preconceitos ou quaisquer formas de discriminação. Para tanto, combinaria as garantias

de direitos com a ampliação do acesso da população a bens e serviços públicos.

É importante salientar que um dos grandes desafios colocados atualmente para as

políticas sociais no Brasil consiste em combinar crescimento econômico com distribuição de

renda. Para fazer frente aos atuais problemas sociais brasileiros, não se pode abrir mão de

taxas de crescimento econômico mais elevadas e sustentáveis no tempo. Mesmo

reconhecendo a enorme importância que teve a recente retomada do crescimento econômico

para gerar empregos, elevar a formalização no mercado de trabalho e combater a pobreza, não

se pode considerar que apenas o crescimento econômico será capaz de trazer o

desenvolvimento social (DELGADO;THEODORO, 2005).

Desde o início dos anos 80 já estavam estruturados os serviços públicos de

alfabetização, educação básica, educação superior e pós-graduação e serviços que se faziam

acompanhar da distribuição de bens como alimentação e livros/materiais didáticos para alunos

de alguns níveis educacionais. Verifica-se que o leque de serviços disponibilizados na área de

educação, fica relativamente constante dos anos 1980 até hoje, mas a oferta era muito mais

restrita.

Nesta década, a taxa de analfabetismo na população de 15 anos ou mais era de 25%;

de cada mil crianças matriculadas na 1a série do ensino fundamental, apenas 540 se

matriculariam na 2a série no ano seguinte e apenas 200 concluiriam o ensino fundamental oito

anos depois (IPEA, 2007).

A expansão do ensino fundamental, nas décadas posteriores, resultou na queda da taxa

de analfabetismo, mas, de acordo com a PNAD (2008) ainda se mantém em elevados 10% da

população com mais de 15 anos. Ressalte-se também que, este índice deve-se à um

desempenho ainda insuficiente das políticas de educação de adultos.

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I.I Os desdobramentos legais da Constituição 88 e atuação dos setores privados na área

da educação

Desde o período da Constituinte, grande embate no campo da educação, emergiu em

razão dos interesses divergentes entre o setor do ensino privado e os defensores da escola

pública. O principal conflito dizia respeito à destinação dos recursos públicos: se deveriam ser

exclusivos para o ensino público ou se poderiam financiar escolas privadas (PINHEIRO,

1996). Na defesa de que os recursos públicos deveriam restringir-se a financiar o ensino

público, estavam várias entidades que congregavam: professores, pesquisadores, especialistas

da educação e estudantes universitários, as quais constituíram o Fórum de Educação na

Constituinte em Defesa do Ensino Público e Gratuito. Na oposição, encontrava-se o setor

privado, em segmento leigo ou confessional, empresarial ou comunitário. O Fórum de

Educação na Constituinte em Defesa do Ensino Público e Gratuito compunha-se de 15

entidades com representatividade nacional. Os vários debates realizados neste fórum, geraram

um documento com os seguintes princípios gerais:

(...) a defesa do ensino público laico e gratuito em todos os níveis, sem nenhum tipo de discriminação econômica, política ou religiosa; a democratização do acesso, permanência e gestão da educação; a qualidade do ensino; e o pluralismo de escolas públicas e particulares (PINHEIRO, 1996).

Pelo setor privado, as entidades que mais atuaram foram: Confederação Nacional dos

Estabelecimentos de Ensino (Confenen), representando especialmente os interesses das

instituições leigas empresariais; Associação de Educação Católica do Brasil (AEC);

Associação Brasileira de Escolas Superiores Católicas (ABESC), que defendiam interesses do

setor privado confessional; e a Campanha Nacional das Escolas da Comunidade (CNEC), que

representava as não empresariais. Tais entidades não organizaram um fórum único, porém,

apesar de algumas divergências internas, uniram-se para lutar por pontos de interesses

comuns, como liberdade de ensino e apoio do poder público para iniciativas na área da

educação (CARDOSO, 1989; NEVES, 1991; PINHEIRO, 1991; SILVA, 2008).

Diante de várias disputas que se desenrolaram durante meses, o texto aprovado para a

Constituição acabou refletindo o resultado da negociação possível entre atores de interesses

tão divergentes. Nem todas as propostas dos defensores da escola pública prosperaram, uma

vez que contrariavam interesses dos setores privados e de políticos (MONLEVADE, 2000).

Ainda assim, algumas posições progressistas de valorização do ensino público acabaram por

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permanecer no texto, notadamente o estabelecimento da gratuidade do ensino público em

todos os níveis e a definição da destinação de recursos para a educação. Ao vincular a receita

de impostos federais para o setor educacional, elevando os percentuais de 13% para 18%, a

Constituição reinseriu no debate das políticas públicas a preocupação com o desenvolvimento

e com o planejamento. Este aumento na capacidade de financiamento, também significou na

prática um exemplo de orientação para o crescimento econômico combinada com inclusão

social.

A Constituição reafirmou o direito à educação, mas, além da obrigatoriedade do

ensino fundamental, desta vez garante-se também sua gratuidade, sendo dever do Estado e

direito de todos, o que representou considerável avanço em relação à lei anterior, que só

considerava obrigação do Estado o fornecimento do ensino fundamental entre 7 e 14 anos.

Além de estabelecer o compromisso com a progressiva extensão da obrigatoriedade e da

gratuidade ao ensino médio e com a garantia do acesso à educação infantil, incorporando uma

nova estrutura de financiamento para as políticas de educação.

Além do fundamental restabelecimento dos direitos que dizem respeito à vida, à

liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei e à participação nas decisões políticas,

inscrevia-se na Constituição uma série de direitos sociais, com o objetivo de promover mais

igualdade na participação dos cidadãos no desenvolvimento econômico do país.

A nova LDB que deveria viabilizar a aplicação dos dispositivos da Constituição

começou a ser elaborada e discutida no Congresso Nacional durante o processo constituinte,

com a contribuição do Fórum Nacional de Defesa da Escola Pública (FNDEP), no entanto,

sua tramitação envolveu nove anos e, ao ser aprovada em 1996, não o foi em versão originada

na Câmara, mas a partir do substitutivo de autoria do senador Darcy Ribeiro, apresentado ao

Senado em maio de 1992. O contexto sociopolítico-econômico era distinto daquele vigente.

Os anos 80 haviam sido marcados pelo ideário da redemocratização, do fortalecimento da

cidadania e da participação social na construção de um novo projeto para o país. Já na década

de 1990, em virtude do aprofundamento da crise econômica, a partir do colapso do regime da

ditadura militar, o país vivenciava a necessidade de inserir-se no processo de globalização de

maneira eficiente e competitiva. Esta perspectiva ganhou força e acabou norteando ações

então empreendidas de reforma do Estado e de reestruturação produtiva. Muitas práticas

clientelistas adotadas neste cenário sócio-político, contribuíram para reforçar uma cultura de

desigualdades sociais e econômicas (LIBANEO, 1999).

Frente a tal mudança conjuntural, a versão final do projeto de LDB apresentou

diferenças marcantes em relação às primeiras propostas. Em sua elaboração, o Poder

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Executivo, por intermédio do MEC, teve participação expressiva. As orientações,

influenciadas pelos discursos internacionais, priorizavam o aumento da eficiência e da

competitividade do país, não incorporando dispositivos que eram defendidos pelos setores

organizados, tais como a constituição do sistema nacional de educação. A aprovação da LDB

coincidiu com a Emenda Constitucional (EC) no 14/1996, que criou o Fundo de

Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF)1,

trazendo mudança significativa no texto constitucional.

A LDB estabeleceu um ano de prazo para o encaminhamento do Plano Nacional da

Educação (PNE). As entidades presentes no primeiro e segundo Congresso Nacional de

Educação elaboraram documento intitulado PNE da sociedade brasileira e o encaminharam à

Câmara dos Deputados, na mesma tônica defendida anteriormente, com a reivindicação de

fortalecimento da escola pública e a democratização da gestão educacional, como vetores de

universalização da educação básica.

Entre os méritos reconhecidos do PNE, aprovado em 2001, encontra-se a tentativa de

considerar a educação como sistema, apresentando diagnóstico de cada nível e modalidade de

ensino, propondo metas e objetivos na esfera da União e conferindo aos estados e aos

municípios a tarefa de elaborar planos estaduais e municipais. Através deste sistema, seriam

articulados os diferentes níveis e sistemas de ensino, bem como suas funções normativa,

redistributiva e supletiva.

Por meio da Constituição Federal, da LDB e do PNE, ficou explicitado o papel e as

funções que as instituições de ensino superior brasileiras devem exercer para que elas

participem ativamente da vida cultural e econômica brasileira. A LDB, em seu artigo 43

estabelece as finalidades da educação superior:

(a) estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo; (b) formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua; (c) incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive; (d) promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino,

______________ 1 O FUNDEF voltado para valorização do ensino fundamental e do magistério, recebeu, em sua gênese, críticas por não abranger a educação infantil, a educação de jovens e adultos e o ensino médio. Foi substituído, posteriormente pelo FUNDEB, regulamentado pela Lei no 11.494, de 20 junho de 2007, que estende tais recursos para a educação básica, como um todo.

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de publicações ou de outras formas de comunicação; (e) suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração; (f) estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade; (g) promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e dos benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição.

Ao estabelecer as diretrizes para a educação superior o PNE ressalta que:

(a) nenhum país pode aspirar a ser desenvolvido sem um forte sistema de educação superior; (b) a produção de conhecimento, hoje mais do que nunca e assim tende a ser cada vez mais, a base do desenvolvimento científico e tecnológico e que este é que está criando o dinamismo das sociedades atuais; (c) as instituições de ensino superior têm muito a fazer, encontrando a solução para os problemas atuais, em todos os campos da vida e da atividade humana e abrindo um horizonte para um futuro melhor para a sociedade brasileira, reduzindo as desigualdades; (d) o núcleo estratégico do ensino superior há que ser composto pelas universidades, que exercem as funções que lhe foram atribuídas pela Constituição Federal: ensino, pesquisa e extensão, e têm como missão contribuir para o desenvolvimento do País e a redução dos desequilíbrios regionais, nos marcos de um projeto nacional, mantendo uma estreita articulação com as instituições de ciência e tecnologia; (e) as universidades constituem, a partir da reflexão e da pesquisa, o principal instrumento de transmissão da experiência cultural e científica acumulada pela humanidade.

Vê-se, portanto, que há um complexo de papéis e funções a serem cumpridas pelas

instituições de ensino superior brasileiras, que percorrem um largo espectro de atividades –

desde estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento

reflexivo, como prevê a LDB, até encontrar solução para os problemas atuais, em todos os

campos da vida e da atividade humana e abrindo um horizonte de um futuro melhor para a

sociedade brasileira, reduzindo as desigualdades, como estabelece o PNE.

Para o setor público, o PNE atribui as responsabilidades de pesquisa, oferecimento de

programas de pós-graduação e desenvolvimento de ações que permitam uma expansão que

procure absorver alunos carentes e alunos trabalhadores em cursos noturnos.

Há necessidade de expansão das universidades públicas para atender à demanda crescente dos alunos, sobretudo os carentes, bem como ao desenvolvimento da pesquisa necessária ao País, que depende dessas instituições, uma vez que realizam mais de 90% da pesquisa e da pós-graduação nacionais – em sintonia com o papel constitucional a elas reservado.”; (b) “Ressalte-se a importância da expansão de vagas no período noturno, considerando que as universidades, sobretudo as federais, possuem espaço para este fim, destacando a necessidade de se garantir o acesso a laboratórios, bibliotecas e outros recursos que assegurem ao aluno-trabalhador o ensino de qualidade a que têm direito, nas mesmas condições de que dispõem os estudantes do período diurno.

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Ao setor privado especifica-se o papel de suportar uma grande expansão do número de

vagas respeitando-se um parâmetro de qualidade, além do fato de que a instituição privada

classificada como universidade precisaria, também, desenvolver pesquisa e oferecer pós-

graduação stricto sensu.

Ressalta-se também, neste contexto, a permissão de admissão de professores, técnicos

e cientistas estrangeiros nas universidades e concessão de autonomia às instituições de

pesquisa científica e tecnológica.

Neste contexto, nasce o PDE – Plano de Desenvolvimento da Educação, como

estratégia governamental em resposta ao baixo desempenho persistente na educação básica,

no âmbito das redes públicas, mas também com intuito de ampliar acesso aos níveis de ensino

mais elevados. O PDE, criado em abril de 2007, consolida a concepção da educação como um

sistema em seus diversos níveis e modalidades de ensino. Ao abarcar uma visão sistêmica, e

não mais fragmentada da educação, o plano enfatiza as conexões entre educação básica,

superior, profissional e alfabetização de jovens e adultos.

O PDE é uma ferramenta definida pelo MEC, para o enfrentamento de problemas que

historicamente têm comprometido o desempenho dos sistemas de ensino. Sua principal

prioridade é a promoção de uma educação básica de qualidade, o que requer investimento na

educação profissional e superior, afinal estão intimamente ligadas. A ampliação do acesso dos

educadores ao ensino superior, além da reestruturação e expansão das universidades públicas,

são ações do PDE, que reafirmam a estratégia do MEC na consolidação de um sistema

educacional articulado e sustentado nos seguintes pilares: visão sistêmica da educação;

territorialidade; desenvolvimento; regime de colaboração; responsabilização; e mobilização

social.

Além do objetivo de oferecer uma base sobre a qual as famílias possam se apoiar para

exigir uma educação de maior qualidade e realizar uma prestação de contas à sociedade, é

prevista a participação social no processo, através do envolvimento de familiares, alunos,

docentes e gestores, em iniciativas que visem o sucesso e a permanência do aluno na escola.

O plano também inclui o acompanhamento e assessoria aos municípios com baixos

indicadores de ensino.

A regulamentação dos diversos dispositivos legais da educação foi objeto, ao longo

desses 20 anos, de muitas discussões e embates entre Estado e sociedade civil. As políticas

educacionais devem cooperar para a consolidação de um modelo de desenvolvimento que

incorpore a busca pela igualdade –igualdade de oportunidades, igualdade de capacidades,

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igualdade de resultados. Reafirma-se que, para tal, é indispensável a promoção do acesso dos

grupos sociais historicamente excluídos às condições produtivas, aos benefícios do

crescimento econômico e às garantias de um sistema de proteção social. Nesse sentido, torna-

se premente reconhecer e incorporar, como um dos pilares do processo de desenvolvimento

do país, o fortalecimento do sistema nacional de políticas sociais.

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II . A educação superior no Brasil

Conforme explicitado no capítulo anterior, observamos que a educação superior

passou a fazer parte do rol de temas considerados prioritários e estratégicos para o futuro do

país, numa convicção de que o desenvolvimento requer, cada vez mais, uma ampliação dos

níveis de escolaridade da população. A defesa dos direitos sociais, a aspiração das famílias

por mobilidade social através da educação, a demanda por maiores e melhores competências

para enfrentar o mercado de trabalho e as características da sociedade do conhecimento e de

uma economia que demonstra a dependência crescente do conhecimento científico e

tecnológico, dentre outros fatores, têm contribuído para a crescente valorização da educação.

Veremos neste capítulo que tais circunstâncias e aspectos estão ligados à questão da

ampliação do acesso à educação superior.

Apesar do baixo desempenho do sistema de educação brasileiro, caracterizado pela

presença de uma pirâmide educacional profundamente perversa do ponto de vista do acesso,

inclusão e permanência, a trajetória dos indicadores da educação superior no Brasil, foi

positiva no sentido de apresentar relevantes avanços em relação à situação vigente nos anos

1980.

Temos, na atualidade, um sistema educacional ainda insuficiente para alcançar os

estágios necessários para o nível de desenvolvimento almejado pelos brasileiros. Tal sistema

se constituiu, historicamente como público e privado. No público, o Estado garante o

financiamento pleno dos estudos e no privado, as famílias ou os próprios estudantes precisam

arcar com o pagamento das mensalidades. Percebe-se, para além desta dinâmica, o

entrelaçamento entre poder público e o segmento privado pelo instituto da filantropia, por

programas de crédito e subsídios estatais diretos ou indiretos.

Comparando com o período anterior à Constituição de 88, observamos a gratuidade do

ensino de segundo grau e superior nos estabelecimentos oficiais. Ressalta-se que tal

gratuidade era assegurada apenas aos alunos que apresentassem insuficiência de recursos e

comprovassem aproveitamento nos estudos. A concessão de bolsas de estudo deveria

substituir gradualmente a gratuidade nestes níveis de ensino e, no caso do ensino superior,

ficaria sujeita à restituição. A responsabilidade pela oferta do ensino superior era atribuída

tanto ao poder público quanto ao setor privado. Todo o processo que se seguiu, nos anos pós

Constituição, inclusive o desenvolvimento dos dispositivos legais e institucionais na área da

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educação, deu margem ao setor privado em beneficiar-se de recursos públicos para sua

manutenção e funcionamento2.

No final da década de 80, a escolaridade média da população brasileira de 15 anos ou

mais era de apenas 5,1 anos de estudos, ou seja, bastante aquém do mínimo de oito anos de

estudos estabelecido constitucionalmente e referendado pela LDB. Pouco mais de um terço

dos brasileiros (37,5%) que tinham idade para ter cumprido as quatro séries iniciais haviam

atingido este nível de escolaridade, 20% nem sequer possuíam um ano de estudo. Na área

rural, a escolaridade média era inferior a 2,5 anos. Além da baixa escolaridade média, em

1988, quase um quinto da população de 15 anos ou mais era constituída de analfabetos. O

Brasil era, portanto, um país subescolarizado apesar da rápida, porém, desigual expansão das

oportunidades educativas nos decênios anteriores, em quadro de acelerado crescimento

demográfico (GUSSO, 1990).

Após rápida expansão ocorrida nos anos 70, quando as matrículas em cursos de

graduação ampliaram-se de 425 mil naquele ano para 1,38 milhão em 1980, o crescimento

ocorrido na década subsequente foi medíocre devido, principalmente ao insuficiente

dinamismo da economia naquele período. O acesso ao ensino superior, em 1988, estava

restrito a 5% da população de 18 a 24 anos. No Nordeste, este percentual era apenas 2,7%.

Essa taxa líquida era muito inferior à taxa de escolarização nesta faixa etária, uma vez que

parte significativa desta ainda frequentava os níveis de ensino precedentes.

Após baixo crescimento no número de vagas ao longo dos anos 80, observa-se a

expansão das vagas na rede pública, em meados dos anos 90, lideradas pelas instituições

estaduais, que se expandem quase duas vezes mais rápido do que as federais. No entanto, sem

dúvida, a grande mudança no período deveu-se à expansão acelerada das instituições privadas

de ensino superior, a partir de 1990. Neste período, o total de matrículas era de 1,54 milhão, o

que correspondia a aumento de apenas 12% sobre o contingente de matriculados em 1980.

_______________2A própria reforma do ensino superior ( Lei no 5.540 sancionada em 1968 conhecida como Reforma Universitária), além de reiterar a liberdade de ensino à iniciativa privada, respeitadas as disposições legais, introduziu a possibilidade de os poderes públicos concederem amparo técnico e financeiro ao setor privado, inclusive sob modalidade de concessão de bolsas de estudo.

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Tabela 1. Matrículas em cursos de graduação presenciais, por rede de ensino (1990 a 2005)

Fonte: IPEA, 2007

O crescimento desenfreado do setor privado, ao longo da segunda metade dos anos 90,

foi estimulado pela facilitação nos processos de autorização de funcionamento de cursos e

credenciamento de instituições. Tal facilitação aliada à uma demanda crescente por vagas

resultou na perda de controle sobre a qualidade dos cursos ofertados. Nesse sentido, definir e

fazer cumprir requisitos para a criação de instituições e cursos, assim como avaliar

continuamente o desempenho destes, constituem iniciativas imprescindíveis para a melhoria

da qualidade da formação educacional prestada por essa rede de instituições.

Observa-se que, apesar de consolidado o caráter universalizante, público e gratuito,

dos programas e das ações governamentais na área da educação por todo o território nacional,

não impediu o avanço e a concorrência - muito mais que a cooperação/complementação – dos

setores privados.

O modelo de expansão da educação superior, adotado no período 1995-2002, elevou

as taxas de expansão da matrícula nesse nível do ensino, no entanto, tal modelo de

crescimento, orientado pela via privada, apresentava em si mesmo limites de ordem

econômica impostos pela decrescente capacidade de consumo da classe média brasileira.

O fato de a oferta de vagas ter crescido para além da demanda efetiva (em meados de

2000, o número de vagas disponibilizadas nas IES superava o número de concluintes do

ensino médio), expressa o paradoxo entre a baixa inserção de jovens de 18 a 24 anos na

educação superior e o elevado nível de ociosidade das vagas ofertadas pelo conjunto das

instituições privadas, fenômeno que explicita a distorção idade-série na educação básica e a

insuficiente oferta de vagas pelos sistemas públicos de educação superior.

Com base nos dados disponíveis, em 2007, verifica-se a existência de 4.880.381

matrículas no ensino de graduação, das quais 74,5% concentram-se no setor privado, o que

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revela uma expansão do ensino superior, até então, focada no maior crescimento da oferta de

vagas e de matrículas no segmento privado. O segmento público concentra 25,5% das

matrículas nos cursos de graduação presencial, oferecidos gratuitamente independentemente

da renda e capacidade econômica do estudante, àqueles que ultrapassam a barreira imposta

pelos mecanismos de seleção nos estabelecimentos oficiais.

Tabela 2. Matrículas graduação presencial por Organização Acadêmica e Administrativa

Fonte: IPEA, 2007

No ensino de pós-graduação estão registrados 141.664 estudantes, dos quais 91.996 no

mestrado e 49.638 no doutorado (INEP, 2007). Ao contrário da graduação, a concentração das

matrículas, no ensino de pós graduação, dá-se em IES públicas federais e estaduais.

Analisando tais indicadores, verifica-se que o acesso à educação superior, no Brasil,

ainda é bastante restrito, não apenas quando comparado ao de países desenvolvidos, mas

também em relação a diversos países latino-americanos (TEIXEIRA, 2002). Além disso,

mostra-se bastante desigual quando se comparam segmentos populacionais segundo níveis de

renda, raça/cor, localização regional e situação domiciliar (rural/urbana).

A baixa progressão e a evasão verificadas nos ensinos fundamental e médio têm

impactos sobre os níveis de acesso e permanência na educação superior. De acordo com

estimativas do Inep/MEC, apenas 57% das crianças que ingressam na primeira série do ensino

fundamental conseguem concluí-lo. Esse processo de exclusão agrava-se quando se trata do

ensino médio, cuja conclusão se torna realidade para somente 37% daqueles estudantes (Ipea,

2005).

Portanto, o universo de potenciais demandantes de educação superior, que disporiam

do requisito mínimo para tal, restringe-se a pouco mais de 1/3 dos jovens brasileiros que

tiveram acesso à educação básica. Isso não significa, no entanto, que todos eles seguirão a

Categoria Administrativa Total Universidades Centros Univ. Faculdades Integradas Faculdades Isoladas Centros Tecnol.4880381 2644187 680938 233147 1213971 108138

Público 1240968 1082684 17617 10398 77236 53033 Federal 615542 578536 1475 35531 Estadual 482814 439585 25727 17502 Municipal 142612 64563 17617 10398 50034Privado 3639413 1561503 663321 222749 1136735 55105 Empresarial 2257321 693313 353462 192376 963930 54240 Comunit/Confes/Filant 1382092 868190 309859 30373 172805 865

Fonte: INEP/MEC, 2007

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vida acadêmica. Vários fatores levam boa parte desses estudantes a interromper os estudos

após a obtenção do diploma de nível médio, principalmente a necessidade de ingressar no

mundo do trabalho. Cabe ressaltar que mais da metade dos concluintes do ensino médio

freqüentava o ensino noturno e, provavelmente, essa opção esteja relacionada à necessidade

de trabalhar no período diurno.

Conforme dados do Inep/MEC, cerca de 60% dos concluintes do ensino médio, em

2004, o fizeram com idade de 20 anos ou mais. Além disso, estes dados mostram que a

disputa por vagas públicas e gratuitas também é bastante desigual entre os estudantes que

freqüentam o ensino médio privado e mesmo o público diurno, e aqueles matriculados no

ensino público noturno. Nesse sentido, prosseguir nos estudos, para aqueles que se encontram

nessa faixa etária, constitui desafio por vezes insuperável, sobretudo quando se torna

necessário conciliar trabalho com os estudos em cursos noturnos e pagos.

Tendo em vista tais fatores, verifica-se que as condições socioeconômicas da maioria

dos que concluem o ensino médio, associadas à reduzida oferta de vagas pelo sistema público

de educação superior, constituem fatores limitantes de suas expectativas de acesso à educação

superior.

Apesar de serem reduzidas as possibilidades de acesso à educação superior a

estudantes de baixa renda, sua participação no total de matrículas das instituições públicas é

maior que nas privadas. De acordo com dados da Pnad 2004, a freqüência de estudantes com

renda domiciliar per capita de até um salário mínimo em instituições públicas equivalia a

15,3% do total de matriculados, enquanto nas Instituições de Ensino Superior (IES) privadas

esse índice era de apenas 7,1%. Em sentido oposto, os que auferiam renda per capita de dez

salários mínimos ou mais correspondiam a 3,6% do total de estudantes matriculados nas redes

públicas, contra 5,2% nas privadas. A presença de estudantes afrodescendentes nas

instituições de ensino superior públicas correspondia, naquele mesmo ano, ao dobro da

registrada nas instituições privadas.

Pelos dados de 2008, as taxas de atendimento dos estudantes, por nível de ensino,

segundo as correspondentes faixas etárias apropriadas, à exceção do Ensino Fundamental, são

significativamente baixas. A taxa de atendimento da Educação Fundamental é de 95%, do

Ensino Médio, 48%, e da Educação Superior 13%.

A última análise do ensino superior no Brasil, realizada pela Pesquisa Nacional por

Amostra de Domicílios (PNAD) de 2007, revela uma situação absolutamente desfavorável para o

país. Sessenta e nove por cento dos jovens de 18 a 24 anos não estão estudando e a média de

escolarização dos jovens nesta faixa etária é 8,3 anos. No total dos que estão estudando, 4% ainda

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se encontram no nível fundamental; 13% se encontram no nível secundário; e 13% no nível

superior.

Apesar de nos últimos dez anos, as políticas governamentais na área educacional,

apresentarem avanços, no sentido da universalização da educação básica, e da expansão,

reestruturação e melhoria do ensino público superior; a situação ainda, é muito aquém do

necessário.

Em 2001, o percentual de jovens de 18 a 24 anos no nível superior era de 10%. O PNE

projetou para 2010 a meta de superação de dois grandes desafios relacionados à expansão das

matrículas: a incorporação de 30% desta faixa etária populacional matriculadas nesse nível

educacional e 40% das matrículas na educação superior alocadas nas IES públicas.

Tal projeção já se demostrou inviável, visto que no ano de 2008 apenas 13,9% dos

jovens com idade entre 18 e 24 anos estavam matriculados na educação superior e apenas

26,7% dos estudantes nesse nível educacional estavam matriculados nas instituições públicas,

uma das mais baixas do continente latino americano. A tabela abaixo, demostra a evolução

desses indicadores no período 1995-2008.

Tabela 3. Percentual de jovens com idade entre 18 e 24 anos matriculados no ensino superior brasileiro, no

período de 1995 a 2008

Fonte: MEC, 2008

Como o percentual de jovens com idade entre 18 e 24 anos passou de 5,9% em 1995

para 13,9% em 2008 e o PNE se encerrará em janeiro de 2011, a meta estabelecida relativa ao

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aumento desse percentual (30% até 2011) se demonstrou inexequível. Há portanto, que se

projetar para o novo PNE que terá validade de janeiro de 2011 a janeiro de 2021, que ela seja

alcançada. Elevar o quantitativo de jovens com idade entre 18 e 24 anos, matriculados na

educação superior, nesta proporção até 2020, significa ainda um grande desafio: efetivar um

crescimento de 110,5%. Atingir, também, 40% dessas matrículas na educação superior

pública, até 2020, significa um aumento de 214,9%.

Os desafios da educação superior brasileira, explicitados neste capítulo, suscitam uma

tentativa de transformação no sistema de ensino superior brasileiro, no sentido de promover e

oportunizar uma expansão, em direção às classes populares, por meio da ampliação da rede

pública e subsídios estatais diretos ou indiretos ao segmento privado.

Ressalta-se a exigência, nos próximos anos, de ações concretas para que as instituições

não se tornem puramente utilitaristas, com alguns poucos núcleos de excelência científica e

intelectual. Para sobreviverem nesse patamar, teriam que angariar recursos no mercado,

vinculando os seus trabalhos e projetos aos interesses dos financiadores, sejam estes governos

ou empresas.

Como conseqüência, o Brasil perderia um complexo de instituições que além de

“estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento

reflexivo”, como prevê a LDB, deveria ter condições para “encontrar solução para os

problemas atuais, em todos os campos da vida e da atividade humana e abrindo um horizonte

para um futuro melhor para a sociedade brasileira, reduzindo as desigualdades”, como

estabelece o PNE.

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III. Os programas do governo federal e a ampliação da abrangência e da

qualidade do ensino superior

Após breve análise do panorama legal institucional da educação superior no Brasil e

da sua trajetória histórica, ressaltando o desafio de promoção de uma expansão planejada e de

qualidade, pretende-se neste capítulo refletir sobre a contribuição dos programas

governamentais voltados à expansão, ampliação do acesso às universidades e promoção da

Assistência Estudantil, neste contexto.

O PDE engloba sete ações e programas do MEC voltados especificamente para o

ensino superior: O Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB) que prioriza a capacitação

de professores da educação básica, tendo por base o aprimoramento da educação a distância.

O Programa de Bolsa Institucional de Iniciação à Docência (PIBID) que visa o incentivo à

carreira do magistério, oferecendo bolsas de iniciação à docência aos estudantes de cursos

presenciais que realizem estágio nas escolas públicas e se comprometam com o exercício do

magistério na rede pública, após a conclusão do curso. O Fundo de Financiamento ao

estudante do Ensino Superior (FIES) destinado a financiar cursos de graduação, para

estudantes matriculados em IES da rede particular, cadastradas no programa. O Programa

Universidade para Todos (PROUNI) com finalidade de concessão de bolsas de estudos

integrais e parciais a estudantes de cursos de graduação e sequenciais, em instituições

privadas de educação superior, que aderem ao programa. O Programa de Apoio a Planos de

Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) a fim de garantir as

universidades federais as condições necessárias para a ampliação do acesso e permanência na

educação superior. O Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) que visa promover e

apoiar a permanência de estudantes de baixa renda matriculados em cursos de graduação

presencial das instituições federais de ensino superior (Ifes). E o Programa de Reformulação

dos CEFET's (Centros Federais de Educação Tecnológica) que conta com a criação de 38

institutos federais de educação, ciência e tecnologia, oferecendo ensino médio integrado ao

profissional, cursos superiores de tecnologia, bacharelado em engenharias e licenciaturas.

No entanto, para o desenvolvimento do tema proposto neste estudo, aprofundaremos

as discussões em torno de apenas três destes programas, o ProUni, o Reuni e o Pnaes,

analisando suas contribuições e desafios impostos à potencialização das políticas de inclusão

e democratização da educação superior.

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O grande desafio para a educação superior é a democratização do acesso. Se apenas

31,2% dos concluintes do ensino médio (que são na prática 1/3 dos jovens brasileiros de 18 a

24 anos) aspiravam ingressar na educação superior; a democratização do acesso à educação

superior pressupõe real desafio, no sentido de garantir não apenas ampliação na oferta de

vagas de cursos superiores, mas também a viabilidade de permanência dos estudantes até sua

conclusão. Os programas Prouni, Reuni e Pnaes convergem para esses objetivos. O atual

processo de expansão da oferta de vagas, pelo Reuni, com a implantação de novas

universidades e consolidação de vários campi em universidades federais (a estimativa é

chegar, em 2010, a uma ampliação de mais de 15 % nas vagas públicas de ensino superior) e a

criação do Prouni são estratégias estruturadas pelo governo federal para mitigar o problema

apontado. Portanto, o ProUni e o Reuni configuram novas tentativas de expansão do acesso ao

ensino superior, e considerando-se o Pnaes, com preocupações mais explícitas com o combate

a desigualdades de toda ordem.

Após a década de 90, a redução de investimentos públicos na área da educação, ao

lado da ampliação da demanda por educação superior no país, favoreceu a forte expansão na

oferta de vagas e matrículas no setor privado3. Já a situação das Instituições Federais de

Ensino Superior (IFES), que não contavam com recursos suficientes para suprir seus gastos

com manutenção da infraestrutura, era agravada pela cobrança paralela do MEC, concernente

a ampliação da oferta de vagas, a partir de sua capacidade instalada. Os concursos públicos

para servidores docentes e técnico-administrativos haviam sido suspensos, a despeito do

substancial crescimento das aposentadorias ocorridas no período.

A redução de investimentos nas IES públicas, no período 1995-1998, implicou na

diminuição de oferta de vagas nos cursos de graduação destas, ao mesmo tempo em que

verificou-se maior dinamismo das redes estaduais, sobretudo daquelas pertencentes aos

estados de maior expressão econômica. De acordo com os Censos da Educação Superior,

realizados pelo Inep/MEC, o crescimento das matrículas no ensino de graduação nas IES

estaduais, no período 1995/2004, foi de 97%, ou seja, bastante superior ao das IFES (56%).

Somente a partir de 2002, emerge uma nova postura na priorização dos investimentos

governamentais, possibilitando a gradativa recuperação orçamentária e a ampliação das

universidades federais._________________________________3 Em 1995, as vagas ofertadas pelas IES públicas correspondiam a 29,2% do total ofertado. Essa participação havia declinado, em 2004, para 13,3% do total. Ou seja, o aumento das vagas ofertadas pelas instituições privadas foi cinco vezes maior que o das publicas.

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Em virtude desta redução contínua, da oferta de vagas em instituições públicas de

ensino superior, ao longo do período 1995-2004, que foram instituídos o Fies e o Prouni. Tais

instrumentos de financiamento ao estudante, o primeiro sob a forma de empréstimo, e o

segundo na modalidade de bolsas de estudos, foram de maneira implícita, uma forma de

favorecer a sobrevivência econômica da rede privada.

No intuito de assegurar a sobrevivência desse modelo de expansão, foram criados

mecanismos de avaliação do ensino, com vistas a monitorar a qualidade ou, pelo menos,

oferecer referências à sociedade sobre a qualidade dos serviços educacionais prestados pelas

instituições de ensino. A avaliação da educação superior no Brasil é de tradição recente. Uma

das primeiras tentativas de avaliação dos cursos de graduação, originariamente proposta pela

Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) ao

MEC, em 1993, foi o Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras

(PAIUB).

Ainda que sua abrangência tenha sido restrita e tenha funcionado por curto período, o

PAIUB constituiu iniciativa pioneira de avaliação da qualidade do ensino de graduação. A

partir de 2003, foi substituído pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior

(Sinaes), construído com a participação direta de diferentes segmentos representativos da

comunidade universitária. Em março de 2004, também foi criado o Exame Nacional de

Desempenho dos Estudantes (Enade), de caráter obrigatório, a ser aplicado com periodicidade

de um a três anos. Tal sistema de avaliação da educação superior, vem evidenciando melhor

desempenho dos estudantes matriculados nas IES públicas e, em especial, daqueles oriundos

das instituições estaduais e federais.

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III.I O ProUni - Programa Universidade para Todos

O ProUni foi criado pelo Governo Federal em 2004, institucionalizado pela Lei nº

11.096, em 13 de janeiro de 2005, e incorporado como ação integrante do PDE, em 2007. O

programa insere-se no objetivo de ampliar o acesso à educação superior àqueles estudantes

egressos do ensino médio da rede pública ou da rede particular na condição de bolsista

integral, com renda per capita inferior a três salários mínimos que não seja portador de

diploma de curso superior. A IES que aderir ao Programa deverá conceder, a cada dez

estudantes regularmente matriculados, uma bolsa de estudo respeitando-se tal proporção em

relação aos cursos oferecidos, aos turnos e à unidade administrativa da instituição. Além

disso, a distribuição de bolsas deverá atentar para a composição étnica estadual considerada,

na qual se insere a instituição de ensino, de modo que negros e indígenas sejam beneficiados

em sua proporção no conjunto da população. Em contrapartida, as IES participantes do

ProUni ficam isentas do recolhimento de impostos e contribuições incidentes sobre a receita

auferida por intermédio de atividades de educação superior (cursos de graduação e

seqüenciais de formação específica).

O ProUni já atendeu, desde sua criação até o processo seletivo do segundo semestre de

2009, cerca de 600 mil estudantes, sendo 70% com bolsas integrais.

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No primeiro ano de sua implantação, foram disponibilizadas, por intermédio do

ProUni, mais de 112 mil bolsas de estudos. Desse total, 64% corresponderam a bolsas

integrais, destinadas a estudantes com renda de até 1,5 salário mínimo. Para o segundo

semestre de 2009, foram ofertadas 91,2 mil bolsas, sendo que desta feita 69% correspondem a

bolsas integrais.

Todavia, apesar da absorção da demanda de grande número de vagas destinada ao

PROUNI, se faz necessário ressaltar que, das 2.641.099 vagas ofertadas em 2008, 1.442.593,

o que representa 54,6%, ficaram ociosas. Tal fato nos reporta à reflexão acerca da

continuidade do crescimento do setor privado, em seus limites estruturais relativos à alta

concentração e desigualdade na distribuição de renda na sociedade brasileira.

O quadro abaixo, demonstra a ampliação do número de matrículas nos cursos de

graduação presencial, por categoria administrativa, no período compreendido entre 2002 e

2008.Tabela 4. Evolução e número de matrículas, por Categoria Administrativa – 2002 a 2008

Fonte: MEC, 2008

Destaca-se a significativa ampliação, passando-se de 3.479.913 para 5.080.056 alunos

matriculados, ou seja, um aumento de 45,9%. Esse importante crescimento de matrículas

ocorreu, contudo, com o crescimento constante do setor privado. Em 2002, o setor privado

detinha 69,8% das matrículas e o setor público possuía 30,2% das matrículas. Em 2008, numa

tendência de constante elevação, o setor privado atingiu 74,9% das matrículas, enquanto o

setor público ficou reduzido a 25,1% das matrículas. Houve ainda expressivo crescimento do

número de cursos de graduação presencial, passando de 14.399 em 2002 para 24.719 (71,7%)

em 2008, decorrente da performance do setor privado que praticamente dobrou o seu número

de cursos (96,2%).

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Entre as críticas endereçadas a essa ação de governo, figura o argumento de que os

recursos que deixam de ser arrecadados com a isenção de impostos poderiam ser utilizados

para a ampliação da oferta de vagas pelas instituições de ensino públicas. Para alguns críticos

do ProUni, o Estado estaria comprando vagas, já existentes e ociosas, e ao mesmo tempo

oferecendo um serviço de qualidade duvidosa. Por sua vez, os dirigentes do MEC

argumentam que o que se deixaria de arrecadar seria irrisório, quando comparado ao benefício

da ampliação do acesso à educação superior.

O sistema de educação superior brasileiro se constitui de IES públicas – federais,

estaduais e municipais – e das IES privadas, comunitárias, confessionais e filantrópicas que,

conjuntamente, compõem o sistema universitário nacional. O grande desafio da

democratização e ampliação do acesso à educação superior, que representa uma conquista

básica dos direitos de cidadania, consiste em aumentar a participação relativa do setor público

na oferta de vagas e nas matrículas do sistema universitário brasileiro, marcado pelo

predomínio avassalador do setor privado.

Outro desafio, premente, no contexto da expansão da educação superior brasileira,

consiste em que as IES privadas, comunitárias, confessionais e filantrópicas, responsabilizem-

se pela oferta do ensino de graduação e pós-graduação, e desenvolvimento da pesquisa

científica, com qualidade, em todas as áreas de conhecimento e em todas as regiões do país.

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III.II O Reuni e a promoção da Assistência Estudantil

O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades

Federais (Reuni), instituído pelo Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 2007, também se

configura enquanto ação integrante do PDE, em reconhecimento ao papel estratégico das

universidades federais para o desenvolvimento econômico e social. Tendo em vista a média

nacional de apenas 13,9% dos jovens brasileiros, com idade entre 18 e 24 anos, que têm

acesso ao ensino superior (PNAD, 2008), torna-se premente a necessidade de expansão,

reestruturação acadêmica e retomada do crescimento nesse nível de ensino.

O Reuni, foi implantado inicialmente em 2008 e tem sua conclusão prevista para 2012.

Em sua formulação teve como principais objetivos: garantir as universidades as condições

necessárias para a ampliação do acesso e permanência na educação superior; assegurar a

qualidade por meio de inovações acadêmicas; promover a articulação entre os diferentes

níveis de ensino, integrando a graduação, a pós-graduação, a educação básica e a educação

profissional e tecnológica; e otimizar o aproveitamento dos recursos humanos e da

infraestrutura das instituições federais de educação superior. A adesão da totalidade das

universidades federais de ensino superior existentes no país no ano de criação do Reuni,

demonstra o interesse e preocupação destas universidades em efetivar uma expansão e/ou

reestruturação, pautadas no aumento da qualidade da educação superior pública.

O acompanhamento da evolução do número de vagas nos cursos de graduação

presenciais no primeiro ano do programa Reuni nos períodos diurno e noturno, permite

observar e avaliar a execução de algumas metas pactuadas pelas IFES. Em 2007 o número de

vagas em cursos presenciais de graduação totalizava 132.451, os projetos institucionais das

IFES, aderindo ao REUNI, pactuaram um aumento para 146.762, o que representa acréscimo

de 11%. Em 2008 as universidades federais ofertaram um total de 147.277 vagas, superando

essa meta, o que equivale a um aumento de 14.826 novas vagas, como pode ser observado no

quadro a seguir:

Tabela 5 – Número de vagas nos cursos presenciais de graduação das Ifes em 2008

FONTE: Coleta PingIFES (dados de execução) e Simulador REUni/SIMEC (dados de pactuação).

IFESProjetadas Executadas Diferenças

Diurno Noturno Total Diurno Noturno Total Diurno Noturno TotalTotal 108553 38209 146762 109690 37587 147277 1137 -622 515

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Com o REUNI, a previsão para o período 2008-2012, é que as Ifes vão mais do que

duplicar a sua oferta de vagas para ingresso de alunos nos seus cursos de graduação. A sua

parcela percentual no total de vagas ofertadas e ocupadas por todas as instituições públicas e

privadas do país se elevará de 8,6 %, em 2005, para 14,0% em 2012. No entanto, verifica-se

a dificuldade na execução de aumento da oferta de vagas em cursos noturnos, uma vez que o

quadro demonstra uma diferença positiva no cumprimento da meta de vagas em cursos

diurnos e negativa na de cursos noturnos. O mesmo ocorre em relação à criação de cursos

presenciais de graduação, no conjunto das Ifes no primeiro ano do Reuni. Embora os cursos

de graduação efetivamente criados (2506) resultem num percentual de 98% da execução dos

cursos projetados (2552), a diferença negativa consiste justamente na oferta de cursos

noturnos.

O sucesso do programa não pode ser medido apenas na criação de novos cursos e

vagas, é fundamental o incremento na contratação de servidores docentes e técnicos

administrativos em educação, além da garantia de condições de permanência para os

estudantes de baixa renda.

Com o aumento da oferta de novas vagas e cursos, as universidades federais passam a

receber um contingente significativo de novos estudantes, muitos deles oriundos de escolas

públicas e em condições socioeconômicas desfavoráveis. Para minimizar tais dificuldades e

possibilitar a esses alunos condições menos desiguais para cursar uma universidade pública, foi

instituído, por meio da Portaria Normativa nº 39, de 12 de dezembro de 2007, o Programa

Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes), a fim de viabilizar a igualdade de oportunidades,

contribuindo para a melhoria do desempenho acadêmico, a partir de medidas que buscam

combater situações de repetência e evasão e com isso aumentar as taxas de diplomação; tais

como assistência à moradia estudantil, alimentação, transporte, saúde, inclusão digital,

cultura, esporte, creche e apoio pedagógico.

Seja pela dificuldade de se conciliar trabalho e escola seja pela perda de atrativo social da escola no que diz respeito às possibilidades reais de ascensão social via estudos ou ainda, em razão de que as alterações na esfera da produção acabaram por deslocar certos processos de qualificação da mão de obra, através de conhecimentos e informações, da escola para as próprias unidades produtivas ou por todos os fatores combinados, o fato é que a escola vinha se esvaziando qualitativa e quantitativamente de forma cada vez mais acelerada. Daí o conjunto de ações assistenciais que foi tomado para mudar esse quadro, inclusive na esfera da educação superior, onde são extremamente elevados os índices de evasão, chegando a cerca de 50%. (ALMEIDA, 2000,p.73)

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Na política de educação superior a assistência estudantil tem como finalidade prover

os recursos necessários para transposição dos obstáculos e superação dos impedimentos ao

bom desempenho acadêmico. Para ALMEIDA (2000), a crise estrutural do sistema

educacional brasileiro não permite a universalização do acesso à educação escolarizada. Em

razão das condições objetivas da luta pela sobrevivência, que obriga grande parte da

população a optar pelo trabalho, a política educacional no Brasil mostra-se atualmente

atravessada por um forte traço assistencial com programas focados nos diferentes segmentos e

grupos subalternizados.

A busca da redução das desigualdades socioeconômicas faz parte do processo de

democratização da universidade e da própria sociedade brasileira e essa democratização não

se pode efetivar apenas mediante a ampliação do acesso à educação superior, tornando-se

necessária a criação de mecanismos que garantam a permanência dos que nela ingressam,

reduzindo os efeitos das desigualdades apresentadas por um conjunto de estudantes,

provenientes de segmentos sociais cada vez mais pauperizados e que apresentam dificuldades

concretas de prosseguirem sua vida acadêmica com sucesso. Cabe às universidades públicas

assumir a assistência estudantil como direito e espaço prático de cidadania, buscando ações

transformadoras no desenvolvimento do trabalho social com seus próprios integrantes. Nesse

sentido, FARIA afirma:Podemos dizer que, genericamente, sem perder de vista as

experiências e iniciativas diferenciadas, a assistência não é considerada como um espaço de ações educativas e de produção e transmissão do conhecimento, convivendo com sua marginalização no conjunto das prioridades acadêmicas e administrativas. (FARIA, 1993, citada por ALVES, 2009)

Tendo como objetivo conhecer o perfil dos estudantes matriculados nas Ifes, o

FONAPRACE4 - ANDIFES - realizou e publicou, em 1997, e posteriormente em 2004,

pesquisas amostrais sobre o Perfil Sócio-econômico e Cultural dos Estudantes de Graduação.

A pesquisa de 2004 contou com um percentual de participação de 88,6% das Ifes e identificou

uma demanda potencial por programas assistenciais de 42,7% dos alunos.

_________________________________

4 O Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis – FONAPRACE é órgão assessor da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior – ANDIFES. Criado em 1987 com a finalidade de promover a integração regional e nacional das Instituições de Ensino Superior (IES) Públicas visando fortalecer as políticas de Assistência ao Estudante o FONAPRACE objetiva: garantir a igualdade de oportunidades aos estudantes das IES Públicas na perspectiva do direito social; proporcionar aos alunos as condições básicas para sua permanência na Instituição; assegurar aos estudantes os meios necessários ao pleno desempenho acadêmico; contribuir na melhoria do Sistema Universitário, prevenindo e erradicando a retenção e a evasão escolar, quando decorrentes de dificuldades sócio-econômicas.

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Os resultados desta pesquisa demonstraram ainda os principais indicadores sociais

de sobrevivência: moradia, alimentação, transporte, saúde, manutenção e trabalho. Indicador

importante da condição socioeconômica, que reforça os dados sobre a renda familiar, é o

percentual de 47% de alunos egressos da escola pública do ensino médio, um pouco superior

ao encontrado pela pesquisa anterior (45%).

Gráfico 1. Tipo de escola que cursou o ensino médio por classificação socioeconômica

Fonte: FONAPRACE, 2004

A variável local de moradia antes do ingresso do estudante na universidade, também

é outro importante indicador de sua qualidade e condições de vida. A pesquisa de 1997

apontou que 34,79% dos estudantes se deslocam de seu contexto familiar, ao ingressarem na

universidade, apresentando, portanto, necessidade de moradia e apoio efetivo. Em 2004,

verificou-se a redução deste percentual para 22%, residentes em casa de amigos, familiares,

pensão, hotel, pensionato, e/ou república particular. Do universo de estudantes apenas 2,6%

residem em moradia estudantil.

No que concerne à alimentação, o Restaurante Universitário (RU) constitui

importante instrumento de satisfação de uma necessidade básica, educativa, de ação social e

de convivência universitária de 27,7% dos estudantes pesquisados, ao passo que, em 1997,

este percentual era de 19,10%. Ressalta-se que 25,5% das IFES pesquisadas, em 2004, ainda

não possuíam restaurantes universitários. Dada a sua importância para a vida acadêmica, é

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fundamental que o restaurante universitário seja, também, em espaço gerador de atividades de

ensino, pesquisa e extensão.

Conciliar trabalho (sustento próprio e/ou participação no sustento familiar) e estudos

é outra condição que se constata em todas as categorias socioeconômicas, verificou-se que a

inserção dos estudantes em atividades acadêmicas remuneradas é tímida, pois apenas 19,1%

do universo pesquisado participavam desses programas. Deve-se, no entanto, considerar o

número e a remuneração dos programas em questão. A tendência para a busca da

automanutenção apresentada pelos estudantes, aliada à baixa oferta de programas acadêmicos

remunerados, apontavam, em 2004, para a necessidade de sua ampliação, estimulando-se a

inserção dos estudantes de baixa renda nas atividades de ensino, pesquisa e extensão,

respeitado o desempenho acadêmico. Ressalta-se que, no total, 44% dos estudantes participa

na vida econômica do grupo familiar, destes 21,3% participa, mas depende da família, 14,3%

participa e contribui ou é arrimo de família e 8,5% trabalham para o sustento próprio.

Os estudantes das categorias de maior vulnerabilidade social também são os que

mais freqüentam os serviços públicos de saúde e utilizam transporte coletivo para

deslocamento até a universidade. Para o FONPRACE (1997) "torna-se imperativo

sensibilizar as autoridades, os legisladores e a Comunidade Universitária para a

importância da Assistência como parte de um projeto acadêmico que tem a função

fundamental de formar cidadãos qualificados e competentes." Nesse sentido a assistência

estudantil é compreendida como um investimento, com o relevante papel de mobilizar

recursos de forma a garantir a permanência dos estudantes socialmente diferenciados no

processo de formação profissional.

Sabendo que 42,7% dos estudantes das IFES fazem parte do público potencial das

políticas de assistência estudantil, observa-se uma discrepância entre a demanda potencial e a

oferta de programas de assistência estudantil. Compreender a assistência estudantil como

parte da política educacional significa assegurar um componente mobilizador da educação,

cujo acesso pode e deve se estender igualmente a todos os segmentos sociais.

Considera-se que a busca por redução nas desigualdades socioeconômicas faz parte

do processo de democratização da universidade, a partir da preocupação com a qualidade da

expansão do ensino superior, para além da ampliação do número de vagas, mas atenta à

criação de mecanismos que viabilizem a permanência e conclusão. Portanto, este estudo do

perfil socioeconômico, realizado em 2004, reforça a necessidade de inclusão da assistência na

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matriz de alocação de recursos orçamentários das IFES para viabilizar a implementação do

Pnaes.

Os programas governamentais Reuni e Pnaes, tem como desafio não só a garantia de

eficiência na alocação de recursos humanos, orçamentários e infraestruturais, mas que esta

reestruturação física e acadêmicas se concretize em um contexto de avaliação dos seus

aspectos qualitativos, ou seja ampliar o acesso assegurando a qualidade e contribuindo com a

redução das desigualdades sociais.

A necessidade de estabelecer uma política de expansão que diminua as desigualdades

de ofertas existentes nas diferentes regiões do país está atrelada à criação de políticas que

facilitem às minorias, vítimas de discriminação o acesso à educação superior, através de

programas de compensação, que permitam uma maior igualdade de condições nos seus

processos de seleção e admissão. A criação de conselhos com a participação da comunidade e

das entidades da sociedade civil organizada para acompanhamento e controle social das

atividades universitárias e a garantia da adoção de programas de assistência estudantil nas

universidades públicas, destinados a apoiar estudantes pobres com bom desempenho

acadêmico, são eixos fundamentais da política educacional para a gestão do ensino superior

brasileiro.

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IV. Os desafios da Democratização da Educação: Inclusão Social e

Expansão de Direitos

No desenvolvimento desta monografia, observamos que, grande desafio posto para o

ensino superior é a promoção e controle da qualidade do ensino, por parte das IES. A busca

de equilíbrio entre um mínimo de qualidade do ensino, a sustentabilidade financeira das

instituições e a capacidade de permanência dos estudantes constituem, significativos desafios

a serem transpostos, no intuito de colocar essa imensa rede de ensino superior a serviço do

efetivo desenvolvimento societário. Neste capítulo, pretende-se correlacionar algumas

reflexões já desenvolvidas anteriormente, aos desafios impostos à democratização da

educação superior, principalmente em relação aos aspectos da inclusão social e da expansão

de direitos.

A escassez de canais de participação na formulação de políticas por parte dos outros

níveis de governo, bem como da sociedade civil e dos demais atores envolvidos com a

problemática social e a inefetividade na estrutura e funcionamento dos mecanismos de

controle social, são fatores problemáticos a ser superados. Os mecanismos participativos,

como conferências, conselhos e fóruns, estabelecidos pela Constituição e regulamentados pela

LDB (1996) e PNE (2001), possuem um papel fundamental e indispensável, na composição

da política educacional do país.

A necessidade de introdução de mecanismos de avaliação e monitoramento dos

programas, que promovam visibilidade aos resultados alcançados, e maior disseminação de

instrumentos, disponibilizando mais informações sobre a satisfação do beneficiário com a

qualidade dos serviços públicos na área da educação também constitui outro grande desafio à

um sistema educacional que se propõe democrático e universal.

A emergência de novas possibilidades na administração pública a partir da construção

de novos modelos de gestão democráticos e participativos, trouxe consigo a consolidação de

uma organização política estatal mais horizontal, que deve agregar uma mobilização social

mais efetiva, em prol da universalização e expansão de direitos, em função de um paradigma

de justiça social efetivamente inclusivo e embasado nos seguintes valores políticos: liberdade,

autonomia, publicidade, paridade, participação política, controle público e accountability. A

expansão e reestruturação do ensino superior, com vistas ao esforço de resgate da dívida

social e educacional, reconhecendo as graves consequências dos processos de globalização

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para a cidadania, deve ser pensada de forma a consolidar os direitos originários das

populações subalternas, incluindo medidas reparadoras de suas condições históricas de

sujeitos discriminados. Isto, sem que se utilize políticas meramente assistencialistas ou

clientelistas, mas recuperando a cultura, as utopias e projetos desses sujeitos, privilegiando os

aspectos da inclusão e integração social.

A construção de uma democracia pragmática, crítica, do interesse público, deve estar

orientada pela participação política dos cidadãos e pelo máximo controle social e político

sobre o Estado e as políticas públicas. A atuação estatal, com foco na diminuição das

diferenças sociais, à medida que garante direitos aos cidadãos, atribui à sociedade a

capacidade de se constituir e atuar de forma autônoma, tendo melhores condições de

participar da discussão pública e verbalizar suas opiniões e demandas.

O estabelecimento de estratégias que efetivem estas transformações, perpassa a

compreensão de que atualmente, não é mais possível, traçar uma política nacional sem

considerar, detidamente, as interações com o setor privado – viciosas ou virtuosas. Neste

sentido o ProUni e o Reuni, são significativos exemplos de política pública que nasce

justamente de alterações na abordagem regulatória e tributária do Estado. Não ignoramos, no

entanto, seu caráter de ambiguidade: o Prouni não deixa de ser um investimento social na

ampliação do acesso ao ensino superior.

Para CURY (2008) a educação é “um dos direitos mais importantes da cidadania”. O

saber é considerado direito igualitário e universal, fruto da conquista das lutas sociais para

além da função instrumentalizadora (sujeito das relações contratuais de mercado). A exclusão

é demarcada pela inclusão precária, instável e marginal daqueles alcançados pela

desigualdade social produzida pelas grandes transformações econômicas. O elemento

contraditório presente na política de educação superior está no seu caráter ambíguo, inclusiva

em alguns aspectos e seletiva em outros. Sua distribuição ainda não está efetivamente posta à

disposição do conjunto dos cidadãos sob a égide da igualdade de oportunidades e de

condições. No entanto, a formulação de uma política de educação superior responsável e

comprometida com interesse público, deve compreender não só a existência de garantia de

condições adequadas para o acesso de amplas camadas populacionais a este nível de ensino,

como também, prever mecanismos destinados a proporcionar sua permanência, viabilizando

sua conclusão.

A democratização da universidade, passa necessariamente pela discussão do seu

compromisso social. Defende-se, neste trabalho, o ponto de vista que o compromisso social

da universidade não consiste no fato que ela deva estar sempre a serviço dos interesses e

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exigências socioeconômicos do sistema vigente; o compromisso social da universidade está

intimamente relacionado ao contexto social mais amplo que envolve tanto a instituição de

uma sociedade mais justa e igualitária, quanto a realização integral do ser humano como

indivíduo e cidadão.

Muitas IES de fato, vêm atuando como pequenas, médias, ou grandes empresas que

atuam no campo da educação, regidas pelos preceitos do mercado, visando essencialmente o

lucro, privilegiando interesses privados em detrimento da dimensão pedagógico-formativa, e

provendo uma contribuição duvidosa para a transformação e melhoria do bem estar social.

Além disso, muitas instituições particulares apresentam fraca produção de conhecimento e

poucas universidades comunitárias, possuem plano de carreira para os docentes e técnicos, e

preocupam-se com apoio continuado à pesquisa.

O PNE endossa esta crítica ao expressar a visão da educação superior brasileira com a

missão estratégica e única voltada para a consolidação de uma nação soberana, democrática,

inclusiva e capaz de gerar emancipação social. O sistema de ensino superior brasileiro tem

como desafio premente promover uma expansão qualificada do acesso, que gere

democratização, rompendo com o sistema tradicional, excludente, catedrático, “às vezes,

quase privado mesmo dentro do espaço público.”(INEP, 2006). Para muitos o acesso a este

nível educacional representa a própria oportunidade de mobilidade social.

A reestruturação e ampliação da estrutura das universidades federais, aliadas às

políticas afirmativas, de cotas ou equivalentes para a rede pública devem efetivar o princípio

da equidade produzindo resultados quantitativos que não comprometam a qualidade dos

serviços prestados. Ou seja, cabe ao Estado a responsabilidade tanto pela oferta direta de

educação por meio de instituições públicas, quanto pelo monitoramento e controle da

qualidade dos serviços prestados pelas instituições privadas, autorizadas a atuar no setor. Ao

longo das duas últimas décadas, a política de ensino superior no país, vivenciou momentos

ora promissores, ora decepcionantes. Promissores, pela expansão quantitativa; decepcionantes

pelo fato de tal expansão ter se dado, com base na privatização neoliberal da década de 90,

ditada por interesses econômicos, alheia aos requisitos de qualidade e responsabilidade social.

Os programas governamentais de expansão e as novas políticas de inclusão social no

ensino superior ensejam um desafio, que vai além de introduzir inovações administrativas e

gerenciais de análise, planejamento, avaliação e controle, integrando às atividades de

pesquisa, inovação, transferência tecnológica. A atuação do Estado, como planejador,

organizador e fomentador do desenvolvimento econômico nacional ambientalmente

sustentável e socialmente inclusivo, requer um paradigma de multidisciplinaridade e

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indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Isso reporta à reflexão sobre a

contribuição da formação teórica e prática atualizada dos estudantes, em relação à sua

realidade social, política, econômica, artística e cultural.

No interior de muitas instituições públicas, também, encontra-se instalado um

ambiente de grande mercantilização de serviços acadêmicos. Este é um ponto a ser seriamente

debatido e analisado na esfera governamental, por trazer o risco de que, tais instituições

percam as condições para desempenharem o seu mais importante papel, estabelecido na LDB

e no PNE: realizar pesquisa, oferecer programas de pós-graduação e desenvolver ações que

permitam uma expansão que procure absorver alunos carentes e aluno-trabalhador em cursos

noturnos. Os valores “solidariedade, cooperação, colegialidade, tolerância, paz, justiça e

outros de mesma linha são substituídas por outros valores economicistas, como eficiência,

produtividade, competitividade, utilidade, funcionalidade.” (DIAS SOBRINHO, 2002, p.16).

Diante desse panorama do sistema de educação superior brasileiro e do papel

estratégico desempenhado pelas IES para o desenvolvimento nacional, consideramos de

fundamental importância apresentar algumas propostas como contribuição para o debate dos

problemas estruturais da educação superior e o planejamento do seu desenvolvimento para as

próximas décadas.

Para ampliar as matrículas e assegurar a qualidade nos cursos de graduação em áreas

estratégicas para o desenvolvimento do país, é crucial manter e aperfeiçoar os programas

governamentais de expansão e as novas políticas de inclusão social no ensino superior, como

o ProUni, o REUNI e o Pnaes, corrigindo possíveis distorções através da adoção de

mecanismos de avaliação e acompanhamento sistemáticos. Faz-se necessário o

desenvolvimento de mecanismos que assegurem uma maior integração entre essas

instituições, contribuindo para uma maior eficácia nos investimentos governamentais e nos

seus resultados acadêmicos para a sociedade brasileira.

É imprescindível o reconhecimento do papel estratégico das IES para a formulação e a

implementação de políticas públicas nas áreas sociais, tais como o sistema público de saúde e

a formação de professores para a educação básica, e em áreas que propiciem o

desenvolvimento científico e a inovação tecnológica. Por estas razões a educação superior

representa um dos suportes estruturais, para que a sociedade brasileira transforme em

realidade todos os prognósticos positivos das atuais tendências, que apontam para um

desenvolvimento econômico e social que promova a distribuição de renda e da riqueza

nacional e consolide a democracia através da universalização da cidadania e da justiça social

para todos os brasileiros. A histórica “precariedade democrática de acesso à educação

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superior no país está enraizada num tecido social articulado por aguda desigualdade

econômica.” (Trivinho, 2009)

Para que haja a efetiva democratização do acesso à educação superior, não se pode

desconsiderar a questão racial, sobretudo no que se refere à ampliação da presença de

afrodescendentes nesse nível do ensino. Ainda que a menor incidência de grupo étnico na

educação superior esteja associada à condição econômica, verifica-se que existem diferenças

de acesso entre brancos e negros pertencentes à mesma faixa de renda, o que sugere a

existência de um tipo de discriminação, para além da condição econômica. Nesse sentido, a

perspectiva de intensificação das políticas afirmativas, de cotas ou equivalentes para a rede

pública enquanto forma de incentivar e permitir aos alunos desta rede uma maior mobilidade

social vem atuando no país em complementariedade com os programas do governo federal

voltados para à educação superior. Embora não haja tempo para o aprofundamento desta

discussão que é complexa e longa, reafirma-se o reconhecimento da centralidade da questão

da diversidade étnico-racial na discussão de uma política de educação superior amplamente

democrática e inclusiva.

A educação não deve ser pensada como um campo autônomo e isolado das demais

dimensões da vida social. A universidade ocupa um lugar fundamental, pois a produção

científica, tecnológica e cultural está articulada à disputa entre projetos de desenvolvimento

nacional, nas condições da globalização do mundo contemporâneo. Assim, ela é uma

instituição que não deve apenas seguir e servir a tendências hegemônicas, mas deve ser capaz

de construir cenários a partir de diagnósticos de seu tempo e sua conjuntura. Para transpor

minimamente o apartheid social instaurado historicamente em nosso país, o processos de

democratização educacional devem vir acompanhados de processos de democratização

econômica e social.

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