o papel da mulher na profissÃo do magistÉrio

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O PAPEL DA MULHER NA PROFISSÃO DO MAGISTÉRIO Maria do Socorro Baptista Barbosa 1 1 INTRODUÇÃO Sempre que se pensa em sala de aula da Educação Infantil ou de Ensino Fundamental, a primeira imagem que nos vem à mente é de uma professora, normalmente cercada por crianças que a chamam, inadvertidamente, de “tia”. Por que não pensar o professor? Por que essa relação de gênero no que se refere à profissão do magistério? A resposta não é simples nem imediata. É preciso um rápido mergulho na história para que se entenda a relação entre magistério das séries iniciais e a mulher. Assim, pensa-se fazer um levantamento histórico de como o magistério se tornou uma “profissão feminina”, ou, como aponta Rabelo (2006, p. 1), de que forma o magistério se transformou em “um ‘gueto’ profissional feminino”. Afinal, em um mundo marcadamente masculino, todas as profissões remuneradas pertenciam ao homem, e as mulheres não tinham acesso ao mercado de trabalho. Entretanto, em um determinado momento histórico, essa situação se modifica, e mulheres passam a exercer a função, que, a partir de então, passa a ser vista como feminina. É importante entender que essa feminização do magistério o coloca em uma posição inferior às demais atividades profissionais, e que isso é resultado de uma construção histórica cultural que entende o trabalho feminino como subalterno, de menor importância que o trabalho exercido por homens. Desta forma, traçar a trajetória histórica dessa construção leva-nos a refletir sobre como se dá essa relação de gênero das diversas esferas profissionais. Esse trabalho tenciona, portanto, levantar essa trajetória histórica do magistério feminino e discutir a desvalorização dessa profissão após a inclusão da mulher do mercado de trabalho. Entretanto, foi através dessa profissão que as mulheres brasileiras puderam se inserir no espaço profissional, já que esta foi uma das primeiras atividades profissionais que as mulheres puderam exercer com dignidade, 1 Doutora em Letras pela UFSC, Professora Adjunto da UESPI.

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Page 1: O PAPEL DA MULHER NA PROFISSÃO DO MAGISTÉRIO

O PAPEL DA MULHER NA PROFISSÃO DO MAGISTÉRIO

Maria do Socorro Baptista Barbosa1

1 INTRODUÇÃO

Sempre que se pensa em sala de aula da Educação Infantil ou de Ensino

Fundamental, a primeira imagem que nos vem à mente é de uma professora,

normalmente cercada por crianças que a chamam, inadvertidamente, de “tia”. Por

que não pensar o professor? Por que essa relação de gênero no que se refere à

profissão do magistério? A resposta não é simples nem imediata. É preciso um

rápido mergulho na história para que se entenda a relação entre magistério das

séries iniciais e a mulher.

Assim, pensa-se fazer um levantamento histórico de como o magistério se

tornou uma “profissão feminina”, ou, como aponta Rabelo (2006, p. 1), de que forma

o magistério se transformou em “um ‘gueto’ profissional feminino”. Afinal, em um

mundo marcadamente masculino, todas as profissões remuneradas pertenciam ao

homem, e as mulheres não tinham acesso ao mercado de trabalho. Entretanto, em

um determinado momento histórico, essa situação se modifica, e mulheres passam a

exercer a função, que, a partir de então, passa a ser vista como feminina.

É importante entender que essa feminização do magistério o coloca em uma

posição inferior às demais atividades profissionais, e que isso é resultado de uma

construção histórica cultural que entende o trabalho feminino como subalterno, de

menor importância que o trabalho exercido por homens. Desta forma, traçar a

trajetória histórica dessa construção leva-nos a refletir sobre como se dá essa

relação de gênero das diversas esferas profissionais.

Esse trabalho tenciona, portanto, levantar essa trajetória histórica do magistério

feminino e discutir a desvalorização dessa profissão após a inclusão da mulher do

mercado de trabalho. Entretanto, foi através dessa profissão que as mulheres

brasileiras puderam se inserir no espaço profissional, já que esta foi uma das

primeiras atividades profissionais que as mulheres puderam exercer com dignidade,

1 Doutora em Letras pela UFSC, Professora Adjunto da UESPI.

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e que era possível conciliar com o espaço doméstico. Dessa forma, pretende-se

mostrar também como a entrada no espaço profissional pelo viés do magistério

permitiu à mulher alçar vôos maiores, e sair da esfera a ela destinada pela

sociedade patriarcal.

2 O PAPEL DA MULHER NA PROFISSÃO DO MAGISTÉRIO

Iniciando-se com a colonização, quando os jesuítas implantaram no Brasil não

apenas a religião católica, mas um modelo pedagógico tradicional, patriarcal e

elitizado, até a metade do século XVIII a maioria das escolas brasileiras estava

ainda sob a administração da Companhia de Jesus, e estes cuidavam apenas da

educação e instrução dos homens. De acordo com Schaffrath (2007, p. 4),

durante todo o período colonial, a mulher brasileira esteve bastante afastada da escola em detrimento das atividades que lhes eram atribuídas como naturais para o seu sexo: costurar, bordar, cuidar da casa, do marido e dos filhos. Suas oportunidades de instrução se restringiam aos ensinamentos oferecidos nos conventos religiosos.

As discussões acerca da universalização da instrução primária e,

consequentemente, da educação feminina, tornaram-se visíveis com os ideais da

Revolução Francesa. No Brasil, entretanto, somente a partir da Independência é que

se verificou algum investimento neste sentido, pelo menos com relação à legislação.

Em 1827, surge a Lei de 15 de Outubro que criava as primeiras escolas primárias

para o sexo feminino em todo o Império, fazendo surgir, assim, a necessidade de

professoras, já que, como não se concebiam escolas mistas, nas quais tanto

meninos como meninas estudassem, também não se podia conceber que meninas

fossem ensinadas por homens. Conforme reza a lei:

Art. 11. Haverão escolas de meninas nas cidades e vilas mais populosas, em que os Presidentes em Conselho, julgarem necessário este estabelecimento.

Art. 12. As Mestras, além do declarado no Art. 6º, com exclusão das

noções de geometria e limitado a instrução de aritmética só as suas quatro operações, ensinarão também as prendas que servem à economia doméstica; e serão nomeadas pelos Presidentes em Conselho, aquelas mulheres, que sendo brasileiras e de reconhecida honestidade, se mostrarem com mais conhecimento nos exames feitos na forma do Art. 7

º.

(BRASIL, 1827, p. 2)

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Dessa forma, foram criadas as primeiras vagas para o magistério feminino.

Neste sentido, afirma DEMARTINI (1991, p. 32) que "a Escola Normal, então,

passou a representar uma das poucas oportunidades, se não a única, das mulheres

prosseguirem seus estudos além do primário". A autora aponta também que a

criação das primeiras Escolas Normais no Brasil leva a uma determinação legal de

que o magistério público poderia ser exercido por mulheres.

A discussão acerca de uma feminização do magistério é sem dúvida bastante

complexa. Vale enfatizar, entretanto, que no final do século XIX, algumas correntes

de pensamento (determinismo biológico, por exemplo) — que certamente

influenciaram nas medidas educacionais adotadas pelo governo brasileiro —

apontavam que havia diferenças "naturais" entre homens e mulheres. E que cabia às

mulheres, por sua constituição natural, socializar as crianças, como parte se suas

funções maternas. Assim, como afirma Schaffrath (2007, p. 4), “como o ensino

primário era entendido como extensão da formação moral e intelectual recebida em

casa, foi fácil admitir que a educação das crianças estaria melhor cuidada nas mãos

de uma mulher, a professora.”

A educação da época, fosse formal ou informal, baseava-se na aprendizagem

através da assimilação de modelos ideais. Assim a criança era exposta às narrativas

sobre grandes personagens da história do país, e exigia-se também que o próprio

professor servisse de modelos aos alunos. No caso das mulheres, essas tinham de

ser o modelo máximo de moralidade, honestidade, virtude e submissão ao modelo

patriarcal da época. Sem esses requisitos a mulher não poderia ser educadora.

Havia muitas exigências também para que o homem fosse professor, mas a pressão

sobre a mulher era maior, já que a ela cabia orientar as garotas para serem futuras

esposas e mães respeitáveis.

A segunda metade do século XIX, no Brasil, caracteriza-se como uma época

de intensas transformações nos planos político, social e econômico. Segundo o

historiador Sérgio Buarque de Holanda,

Mesmo depois de inaugurado o regime republicano, nunca, talvez, fomos tão envolvidos, em tão breve período, por uma febre tão intensa de reformas como a que se registrou precisamente nos meados do século passado e especialmente nos anos de 51 a 55 [...]. Pode-se mesmo dizer que o caminho aberto por semelhantes transformações só poderia levar logicamente a uma liquidação mais ou menos rápida de nossa velha herança rural e colonial (HOLANDA, 1998, p.74).

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Entre as mudanças apontadas por Holanda (1998) a feminização do magistério

é certamente uma das mais importantes, pois é a partir desse processo que as

mulheres saem do anonimato da vida doméstica e adentram a esfera pública, a

princípio como a “professorinha primária” para depois se tornar professora do ensino

secundário e finalmente ensino superior. A fundação de Escolas Normais por todo o

país é um fator de mudança social considerável, pois oficializa a mulher em seu

papel de professora.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não há dúvidas de que a profissão do magistério está intimamente ligada à

figura feminina. Por causa disso é uma das profissões menos valorizadas,

principalmente porque a mulher ainda é vista como o “outro” em relação do homem,

e sua função no mercado de trabalho vista como algo menor, menos importante.

Entretanto, sem a professora primária não haveria nenhuma das profissões

consideradas mais elevadas, elitizadas, como medicina, direito, engenharia.

É importante lembrar que hoje a mulher exerce muitos mais papéis que

aqueles que lhes eram destinados. A partir do momento em que entrou no mercado

de trabalho como professora, a mulher descobriu que podia muito mais, e entrou em

todos os espaços antes destinados ao masculino. Nesses tempos de pós

modernidade, deve-se pensar nos seres humanos como diferentes entre si, como

homens e mulheres, mas iguais em direitos e capacidades, todos membros da

humanidade.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Império do. Lei de 15 de outubro de 1987. Rio de Janeiro: Assembléia

Geral Legislativa, 1827. DEMARTINI. Zélia B. F. Magistério primário no contexto da 1ª República. (Relatório de Pesquisa) São Paulo: Fundação Carlos Chagas/CERU, 1991. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ª. ed. São Paulo: Companhia

das Letras, 1998.

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RABELO, Amanda Oliveira; MARTINS, António Maria. “A Mulher no Magistério Brasileiro: um Histórico sobre a Feminização do Magistério”. Anais do VI Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação: Percursos e Desafios da Pesquisa e do Ensino de História da Educação. Uberlândia: FACED/UFU, 2006. SCHAFFRATH, Marlete dos Anjos Silva. “Profissionalização do Magistério Feminino: uma história de emancipação e preconceitos.” In.: LARA, Angela Mara B.; TOLEDO, Cezar A. A.; SCHAFFRATH, Marlete dos Anjos Silva (Org.). Pesquisa Educacional: Coletânea de textos. 1. ed. Editoração Eletrônica, 2007. v. 1.