o papel da agenda escolar no cotidiano ana simara

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  • CENTRO UNIVERISTRIO LA SALLE PROGRAMA DE PS-GRADUAO

    MESTRADO EM EDUCAO

    ANA SIMARA FRAGOSO KILPP

    O PAPEL DA AGENDA ESCOLAR NO COTIDIANO DAS INSTITUIES DE EDUCAO INFANTIL:

    Uma questo em debate

    CANOAS, 2010

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    ANA SIMARA FRAGOSO KILPP

    O PAPEL DA AGENDA ESCOLAR NO COTIDIANO DAS INSTITUIES DE EDUCAO INFANTIL:

    uma questo em debate

    Dissertao de Mestrado apresentado ao Programa de Ps-Graduao em Educao do Centro Universitrio La Salle como requisito parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Educao.

    Orientadora: Dra. Dirlia Fanfa Sarmento

    CANOAS, 2010

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    ANA SIMARA FRAGOSO KILPP

    O PAPEL DA AGENDA ESCOLAR NO COTIDIANO DAS INSTITUIES DE EDUCAO INFANTIL:

    uma questo em debate

    Dissertao de Mestrado apresentado ao Programa de Ps-Graduao em Educao do Centro Universitrio La Salle como requisito parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Educao.

    Aprovado pela banca examinadora em 16 de julho de 2010.

    ________________________________________

    Profa. Dra. Ana Maria Colling Unilasalle

    _______________________________________

    Prof. Dr. Balduno Antonio Andreola Unilasalle

    ________________________________________

    Profa. Dra. Dirlia Fanfa Sarmento Unilasalle

    ________________________________________

    Profa. Dra. Gilca Maria Lucena Kortmann Unilasalle

    ________________________________________

    Profa. Dra. Andrea Gabriela Ferrari Unisinos

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    Aos meus avs, Edith e Vicente (in memoriam), e aos meus pais, Isabel e Aramis, com todo o meu carinho.

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    AGRADECIMENTOS

    Aos meus pais, Aramis e Isabel, incentivadores do estudo, exemplos de vida, agradeo pela base familiar que me deram, to necessria para que eu chegasse at aqui.

    Ao meu incansvel amigo, incentivador e companheiro, Fbio, por me oferecer todo carinho e apoio.

    Aos meus colegas de mestrado, profissionais competentes e amigos dedicados, pelas contribuies constantes.

    minha orientadora Prof Dr Dirlia Fanfa Sarmento pela orientao segura e firme, que ao mesmo tempo em que me permitia escrever livremente, auxiliava-me a no perder o rumo da trajetria.

    Aos professores do Programa de Mestrado do Centro Universitrio La Salle, exemplos de vida acadmica, por me mostrarem quo lindos so os percursos do exerccio da pesquisa.

    A todos os pais, crianas e profissionais que fizeram parte dessa pesquisa, por oportunizarem a concretizao desse estudo.

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    Chega mais perto e contempla as palavras Cada uma

    Tem mil faces secretas sob a face neutra E te pergunta, sem interesse pela resposta,

    Pobre ou terrvel, que lhe dires: Trouxeste a chave

    Carlos Drummond de Andrade

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    RESUMO

    A pesquisa visa compreender como ocorre a comunicao, via agenda escolar, entre as instituies de Educao Infantil e as famlias dos alunos matriculados nas mesmas. Para ampliar nosso campo de estudo e obter dados para acrescentar nesta discusso, buscou-se coletar as informaes em dois tipos de instituies de Educao Infantil, sendo uma privada, e uma pblica. Para a coleta dos dados foram realizadas observaes, entrevistas semi-estruturadas com os familiares, educadoras e alunos, e tambm, anlise documental, dando prioridade aos bilhetes registrados nas agendas escolares. Os dados foram analisados por meio da Tcnica de Anlise de Contedo proposta por Bardin. Nesta pesquisa foi observado que na escola infantil de natureza privada, os bilhetes registrados nas agendas eram utilizados como principal meio dos familiares acompanharem o cotidiano de seus filhos. Foram encontrados, em sua maioria, recados que se resumiam a frases-padro para todos os integrantes da turma, demonstrando certo descomprometimento com a individualidade de seus educandos. Entretanto, na instituio pblica, percebeu-se que os bilhetes reforavam o carter assistencialista e higienista da Educao Infantil, alm dos familiares no se apropriarem deste meio de comunicao, j que a maioria no tinha o domnio da linguagem escrita. As pesquisas na rea da Educao Infantil e os escritos sobre a relao escola-famlia foram de importncia fundamental para este estudo. No entanto, ao realizar buscas nos principais centros acadmicos, percebeu-se que esta temtica de carter indito nos estudos da primeira infncia.

    Palavras-chave: Comunicao escola-famlia - Agenda Escolar - Educao Infantil

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    ABSTRACT

    The inquiry aims to understand how it takes place to communication, road schedules schoolboy, between the institutions of Childlike Education and the families of the pupils enrolled in same. To enlarge our field of study and to obtain given to add in this discussion, it was looked to collect the informations in two types of institutions of Childlike Education, being a toilet, and the public one. For the collection of the data there were carried out observations, glimpsed semi-structured with the relatives, educators and pupils, and also, documentary analysis, giving priority to the tickets registered in the school diaries. The data were analysed through the Technique of Analysis of Content proposed by Bardin. In this inquiry it was observed that in the childlike school of private nature, the tickets registered in the diaries were used like principal way of the relatives accompanied the daily life of his children. There were found, in his majority, regards that were consisting in sentences-standards for all the integrants of the group, demonstrating right compromising with the individuality of his infants. Meantime, in the public institution, it was realized that the tickets were reinforcing the character childcare and tidiness of the Childlike Education, besides the relatives not to be appropriated of this way of communication, since the majority had not the power of the written language. The inquiries in the area of the Childlike Education and the written ones on the relation school-family were of basic importance for this study. However, while carrying out you look in the principal academic centers, it was realized that this theme is of unpublished character in the studies of the early childhood.

    Key words: Communication school-family - School Diary - Childlike Education

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    SUMRIO

    1 INTRODUO......................................................................................................11 2 EDUCAO INFANTIL: CONSIDERAES INICIAIS.......................................15 2.1 A infncia e suas concepes............................................................................15 2.2 A sensvel relao entre cuidar e educar na Educao Infantil..........................18 2.3 A formao do educador infantil ........................................................................20 2.4 Espaos e tempos na Educao Infantil.............................................................22 2.5 Educao Infantil e seus aspectos legais...........................................................24 2.6 Tendncias atuais dos estudos realizados na rea da Educao Infantil..........26 3 A RELAO ESCOLA-FAMLIA NA EDUCAO INFANTIL............................30 3.1 Famlia: conceito e definio..............................................................................30

    3.2 A relao escola-famlia no cotidiano das instituies de Educao Infantil......31 3.3 Modos de comunicao entre escola-famlia......................................................36 4 METODOLOGIA....................................................................................................39 4.1 Caracterizao do estudo...................................................................................39 4.2 O campo de investigao....................................................................................41 4.3 Participantes do estudo.......................................................................................43 4.4 Instrumentos para coleta de dados.....................................................................45 4.5 Procedimentos para anlise dos dados..............................................................49 5 A AGENDA ESCOLAR SOB DIFERENTES ENFOQUES....................................52 5.1 O Projeto Poltico Pedaggico das escolas........................................................52 5.2 Concepes das educadoras sobre o uso da agenda na rotina escolar........... 56 5.3 Concepes dos pais sobre o uso da agenda na rotina escolar.........................59 5.4 Concepes das crianas sobre o uso da agenda na rotina escolar..................62 5.5 Bilhetes e registros..............................................................................................63 6 CONSIDERAES FINAIS...................................................................................78 REFERNCIAS.........................................................................................................82 APNDICE A - Termo de autorizao para a realizao do estudo.........................91 APNDICE B -Termo de Consentimento para os responsveis..............................93 APNDICE C - Termo de Consentimento para as educadoras................................96 APNDICE D - Termo de Consentimento para os pais ou responsveis................99 APNDICE E - Roteiro de Entrevista semi-estruturada com pais e mes.............102

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    APNDICE F - Roteiro de Entrevista semi-estruturada com as educadoras.........103

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    1 INTRODUO

    A pesquisa tem como temtica investigativa o papel da agenda escolar como instrumento de comunicao entre a famlia e a escola nas instituies de Educao Infantil. O estudo est inserido na linha de pesquisa Cultura, Currculo e Prtica Educativa do Programa de Ps-Graduao Mestrado em Educao. A linha de pesquisa tem como foco:

    Matrizes epistemolgicas do ensinar e do aprender, polticas curriculares, dinmicas do cotidiano e das prticas educativas em diferentes contextos scio-culturais (escolares e extra-escolares), com ateno s relaes de poder, cultura organizacional e aos discursos e prticas pedaggicas. Processos de tomada de deciso curriculares relativos formulao, gesto e avaliao de aes e projetos educativos. (http://www.unilasalle.edu.br/canoas/pagina.php?id=758).

    A realizao desta pesquisa impulsionada pela experincia vivida como educadora, iniciada em 1993 com a habilitao oferecida pelo Curso de Magistrio. A partir desta conquista, iniciei minha carreira profissional como professora de Educao Infantil, atuando em instituies privadas, caracterizadas como creches e pr-escolas. E, ao longo dos anos de atuao como educadora infantil, segui buscando qualificao e mais conhecimento sobre os aspectos globais que envolvem a faixa etria de zero a cinco anos1.

    Percebo que a realidade que encontramos hoje nas escolas infantis , at certo ponto, diferente daquela descrita em dcadas passadas, visto que a criana inserida cada vez mais cedo nessas instituies, onde muitas permanecem a maior parte de seu dia.

    As instituies privadas de Educao Infantil caracterizam-se por um tipo de atendimento, cuja finalidade atender s necessidades de horrio e responsabilidades familiares. Tambm se distinguem de outras escolas justamente pela sua maior ou total flexibilidade de horrio de funcionamento, perodo de frias e de matrcula, aspectos que no so identificados nas instituies pblicas.

    1 A Lei 11.274, de fevereiro de 2006, artigo 32 da LDB (Brasil, 1996) estabelece que: O ensino

    fundamental obrigatrio, com durao de 9 (nove) anos, gratuito na escola pblica, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, ter por objetivo a formao bsica do cidado.

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    Enquanto professora de Educao Infantil constatei a intensa cobrana das direes destes espaos educativos quanto ao preenchimento das agendas escolares. No ponto de vista da gesto escolar, este objeto consistia no principal meio de comunicao entre escola e famlia. Desta forma, constantemente, chamavam a ateno do corpo docente para os contedos dos bilhetes enviados.

    A maioria das educadoras, que atuavam nestas instituies, pensa que o uso da agenda escolar se resume escrita de frases-padro para todos os integrantes da turma, demonstrando certo descomprometimento com a individualidade de seus educandos. Por outro lado, evidente a falta de acompanhamento de algumas famlias em relao s informaes enviadas por esse meio de comunicao.

    Outro aspecto que me chamou a ateno foi a dificuldade de acesso ao interior das escolas por parte das famlias e o controle, quase absoluto, por parte da equipe tcnica da escola, entendidas aqui como diretora, vice-diretora e coordenadora pedaggica. Penso que esta dinmica, na rotina pr-escolar, dificulta a comunicao entre professora e familiares.

    Constatei que o preenchimento das agendas escolares absorvia um tempo demasiado longo das educadoras, visto que, na maioria das vezes, suas turmas eram compostas por quinze a vinte e cinco alunos. E, apesar de tanta dedicao, nem sempre esse meio era explorado e utilizado pelos familiares.

    Outro aspecto que cabe ressaltar era a falta de um espao de discusso sobre o uso da agenda escolar na rotina das instituies de Educao Infantil. Na maioria das vezes, era reservado um espao de tempo nas reunies pedaggicas, onde a coordenao apontava sugestes e levantamentos de hipteses de como aperfeioar os bilhetes enviados s famlias.

    Por meio destas experincias vivenciadas, questionei-me se as escolas de Educao Infantil podem ser definidas como um lugar onde crianas, famlias e profissionais convivem, crescem e aprendem juntos, onde a agenda escolar seria o principal meio de comunicao para integrar essas aes.

    Assim, mobilizada por tais inquietaes, tracei o seguinte problema de investigao: Qual o papel da agenda escolar enquanto um instrumento de comunicao entre a escola e a famlia nas instituies de Educao Infantil?

    Com base nesse problema, o objetivo geral da pesquisa analisar como a agenda escolar utilizada nas instituies privadas e pblicas de Educao Infantil. Quanto aos objetivos especficos, destacam-se: a) identificar as concepes das

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    crianas, dos pais e das educadoras em relao ao uso da agenda escolar na Educao Infantil; e b) descrever os modos de atuao dos pais e das educadoras no que se refere ao uso da agenda escolar enquanto um instrumento de comunicao entre a escola e a famlia.

    O referencial terico que d sustentao ao estudo constitudo a partir da interlocuo com os pressupostos tericos de autores que abordam questes atinentes a Educao Infantil, destacando-se entre eles: Carvalho (2003), Aris (2006), Dornelles (1998), Barbosa (2001), entre outros.

    O campo de investigao foi constitudo por duas escolas de Educao Infantil, sendo uma da rede privada e uma da rede pblica de ensino, situadas no municpio de Porto Alegre. Participaram deste estudo duas turmas, envolvendo crianas, em torno de cinco anos de idade, bem como seus pais e professoras.

    Com base no exposto, entendo que o estudo se justifica considerando-se duas dimenses: as motivaes pessoais da pesquisadora e a relevncia acadmico-cientfica. No que se refere s motivaes pessoais da pesquisadora, vale retomar que a temtica investigativa oriunda das reflexes e inquietaes que foram se constituindo no decorrer de minha trajetria de vida, entendendo-a na dupla face que entrecruza o pessoal e o profissional. Em relao relevncia acadmico-cientfica, ressalto que:

    a) Os peridicos, especialmente nas reas da Educao e da Psicologia, tm trazido com regularidade artigos e/ou fazem nmeros temticos sobre a infncia. Entretanto, atravs da pesquisa bibliogrfica realizada, identifiquei um nmero reduzido de estudos que versam sobre a temtica da comunicao entre famlia e escola na Educao Infantil.

    b) Os trabalhos apresentados no Grupo de Trabalho Educao da Criana de zero a seis anos (GT 7) da Reunio Anual da Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao (desde a 23 at 32 Reunio) tambm se constatou a ausncia da discusso sobre o uso da agenda escolar no contexto da Educao Infantil.

    c) Na consulta ao Banco de Teses da Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES), com o descritor agenda escolar Educao Infantil foram localizados 11 trabalhos sendo que destes, apenas um utilizou a agenda escolar como fonte de coleta dos dados.

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    Atualmente, a pesquisa na rea da Educao Infantil vem aumentando e se sofisticando, sendo divulgada em congressos acadmicos e, cada vez mais, ampliando seu campo para alm dos grupos sobre a pequena infncia. Segundo a indicao de Vianna (2003, p. 11):

    [...] importante iniciar a pesquisa fazendo uma reviso da literatura, limitada, digamos, aos trs ou quatro ltimos anos anteriores ao incio da observao e, depois, partir para a formulao de algumas idias sobre a natureza do fenmeno a ser considerado.

    Nesta perspectiva, o trabalho est estruturado da seguinte forma: no primeiro captulo, apresentada uma reviso bibliogrfica sobre os processos histricos e sociais da Educao Infantil no Brasil, aspecto considerado fundamental para compreender as origens desta etapa de ensino.

    O segundo captulo apresenta os pressupostos tericos que analisam as relaes entre escola e famlia, fundamentando uns dos problemas desta pesquisa.

    O terceiro captulo versa sobre o mtodo cientfico utilizado na realizao da pesquisa, onde so apresentadas: as razes da opo metodolgica, a descrio do campo de investigao e dos sujeitos, alm dos procedimentos de coleta e anlise dos dados.

    No quarto captulo os resultados so debatidos atravs de interlocues tericas e, para finalizar, no ltimo captulo, apresento as concluses deste estudo.

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    2 EDUCAO INFANTIL : CONSIDERAES INICIAIS

    A educao da criana de 0 a 5 anos de idade configura-se como uma rea de recente institucionalizao no campo da educao brasileira. As instituies de Educao Infantil tornaram-se uma necessidade e uma realidade nos dias atuais e, em funo disto, tm sido debatidas nas dimenses poltica, pedaggica e econmica.

    Desta maneira, este captulo chama a ateno para as seguintes: concepes da infncia, dicotomia entre educao e o cuidado, formao dos profissionais que atuam nesta rea e os aspectos legais que envolvem esta etapa de ensino. Tambm apresentado um mapeamento do que os grupos de pesquisa produzem na rea da Educao Infantil no Brasil.

    2.1 A infncia e suas concepes

    De acordo com as cincias jurdicas, considera-se criana toda a pessoa na faixa etria entre 0 e 12 anos, caracterizado como um ser completo possuidor das dimenses cognitivas, afetivas, psicomotoras e sociais, sendo imprescindvel considerar o seu contexto de vida, suas necessidades, peculiaridades e diferenas culturais, tnicas e de gnero. J, o termo infncia, define um conjunto de sentidos normativos que enfatizam o carter disciplinar do que ser criana.

    Para Kramer (2002) a infncia hoje um campo temtico de natureza interdisciplinar, e essa viso se difunde cada vez mais entre aqueles que pensam a criana, atuam com ela e desenvolvem pesquisas sobre ela.

    Aquele ser paparicado ou moralizado, miniatura do homem, sementinha a desabrochar cresceu como estatuto terico. Nesse contexto, muitos pesquisadores tm buscado conhecer a infncia e as crianas com um conceito de infncia e uma prtica de pesquisa que podem ter enfoques terico-metodolgicos diversos, mas com os quais as crianas jamais so vistas ou tratadas como objeto (KRAMER, 2002, p.44).

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    Para Abramowicz, Levcovitz e Rodrigues (2009) o termo infncia revela uma concepo de criana, etapa que pode, ou no, atravessar os adultos, da mesma forma que pode, ou no, atravessar as crianas. Neste entendimento, a idia de infncia no est vinculada somente faixa etria, a etapa psicolgica ou a uma temporalidade linear, cumulativa e gradativa, mas tambm ao acontecimento, arte, ao inusitado, ao intempestivo.

    A infncia, nesse sentido, aquela que propicia devires, um vir-a-ser, que nada tem a ver com um futuro, com um amanh ou com uma cronologia temporalmente marcada, mas com aquilo que somos capazes de inventar como experimentao de outras coisas e outros mundos. A infncia, em suas experimentaes, est associada criao, trabalha dentro de mais de um regime de tempo, o que est dado, que lhe dado a conhecer, linear ou circular, com um tempo mais estendido, generoso - um tempo do acontecer e da inveno (ABRAMOWICZ, LEVCOVITZ E RODRIGUES, 2009, p.03).

    Assim, a infncia no uma categoria natural, mas histrica e cultural, compreende uma experincia heterognea (BARBOSA, 2006), onde os conhecimentos produzidos acerca desta temtica tm estreita ligao com o lugar social que a criana ocupa na relao com o outro.

    Na atualidade a infncia se tornou um produto, j que, em torno dela, estruturam-se padres de conduta, de entretenimento, de criao, de educao e, at mesmo, de consumo. Faria (1999) comenta sobre a dupla alienao da infncia, qual estariam sujeitas tanto as crianas ricas quanto as pobres, indicando as creches e pr-escolas como lugares para se tornar criana, onde se descobre o mundo atravs do brincar, das relaes mais variadas com o ambiente, com os objetos e as pessoas, principalmente entre elas: as crianas.

    As crianas encontram-se em um mundo estruturado por relaes materiais, sociais, emocionais e cognitivas que organizam suas vidas cotidianas e suas relaes com o mundo. nesse contexto que elas vo constituindo suas identidades como crianas e como membros de um grupo social. No devem, como afirma Faria (1999), serem vistas como sujeitos passivos que apenas incorporam a cultura adulta que lhes imposta, mas como sujeitos que, interagindo com esse mundo, criam formas prprias de compreenso e de ao sobre a realidade. Isso porque esse contexto no apenas constrange suas aes, mas tambm lhes traz novas possibilidades.

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    Borba (2006) acrescenta que as relaes sociais entre pares configuram-se como elementos fundamentais para a construo das culturas infantis nos espaos educacionais, visto que partilham os mesmos espaos e tempos e o mesmo ordenamento social institucional. Assim, as crianas criam conjuntamente estratgias para lidar com a complexidade dos valores, conhecimentos, hbitos e artefatos que lhes so impostos e, dessa forma, partilham formas prprias de compreenso e de ao sobre o mundo. Na opinio desta autora, cria-se assim um sentimento de pertencimento a um grupo - o das crianas - e a um mundo social e cultural.

    As experincias vividas pelas crianas nos espaos familiares e escolares contribuem para que internalizem suas normas e valores de organizao e de funcionamento. Entretanto, principalmente no contexto da construo conjunta entre pares de valores comuns, altamente referenciados por um sentimento de partilha e de comunho gerados pela necessidade de compreender as ordens sociais institudas, de criar e manter um espao interativo comum e de brincar juntas, que as crianas instituem sua prpria ordem social (Borba, 2006).

    Estudos etnogrficos realizados em outros contextos vm contribuindo para a compreenso dos processos de constituio das culturas infantis. Corsaro (2003), ao aprofundar seus estudos sobre a socializao das crianas salienta que as crianas no apenas internalizam a cultura, mas tambm contribuem ativamente para a mudana cultural de toda a sociedade.

    De acordo com RCNEI2 (1998) o grande desafio da Educao Infantil o de compreender, conhecer e reconhecer o jeito particular das crianas serem e estarem no mundo:

    [...] embora os conhecimentos derivados da psicologia, antropologia, sociologia, medicina etc. possam ser de grande valia para desvelar o universo infantil apontando algumas caractersticas comuns de ser das crianas, elas permanecem nicas em suas individualidades e diferenas (RCNEI, 1998, p.22).

    A concepo de criana e a forma de atendimento a ela dispensado vm sofrendo mudanas significativas desde o incio da Idade Moderna. Mudamos de uma concepo de criana como um adulto em miniatura para uma de criana como ser histrico e social, de um atendimento feito em asilos, por adultos que apenas

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    gostassem de cuidar para um feito em uma instituio educativa, por um profissional da rea do qual se exige formao adequada para lidar com as crianas.

    Acreditamos que as escolas de Educao Infantil tm como funo prioritria promover as infncias, oferecendo a oportunidade de serem sujeitos sociais e histricos, portadores e produtores de cultura.

    2.2 A sensvel relao entre cuidar e educar na Educao Infantil

    Diversos autores tm insistido na necessidade de integrar cuidar e educar no atendimento criana pequena (Bondioli, A. & Mantovani, S. 1998; Carvalho, 2003; Rossetti-Ferreira, 1998; Vasconcelos, 2006). A inseparabilidade de cuidar e educar como um princpio bsico que deve reger as polticas pblicas de atendimento primeira infncia aparece nas diretrizes estabelecidas pelo RCNEI/1998.

    As propostas pedaggicas para as instituies de Educao Infantil devem promover em suas prticas de educao e cuidados a integrao entre os aspectos fsicos, emocionais, afetivos, cognitivo/lingsticos e sociais da criana, entendendo que ela um ser total, completo e indivisvel (BRASIL, 1998, p. 12).

    Essa dicotomia entre cuidar e educar tem origem na diferena de servios oferecidos s crianas das camadas sociais mais baixas e quelas provenientes de famlias abastadas, registrados nos primeiros jardins de infncia e creches.

    Tratavam-se, porm, de instituies privadas, sendo que as crianas de famlias abastadas foram as que primeiro tiveram acesso a esse tipo de servio.

    Com o intuito de diferenci-los das creches destinadas s crianas da classe trabalhadora empregava-se com freqncia o termo "pedaggico" (KUHLMANN, 2001). Em outras palavras, os jardins de infncia, para as crianas ricas, visavam educao; as creches, para as crianas pobres, tinham por objetivo o cuidado. Ao longo do sculo XX, ocorreram vrias transformaes nesse cenrio. A partir da

    2 Referencial Curricular Nacional para a Educao Infantil. De agora em diante RCNEI/1998.

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    dcada de 1920, o processo de industrializao provocou mudanas estruturais na sociedade brasileira.

    Todavia, durante vrios anos o governo no se preocupou em regulamentar e fiscalizar os servios de atendimento criana pequena. Mesmo quando a legislao trabalhista do governo do Presidente Getlio Vargas (1930-1945) estabeleceu a obrigatoriedade da criao de creches para abrigar os filhos de mes trabalhadoras durante o perodo de amamentao, tal conquista legal no se tornou realidade.

    Durante o regime militar (1964-1985), o governo encarregou-se de construir algumas creches. Em consonncia com as polticas da poca, o atendimento criana pequena visava promoo de uma educao compensatria. Na LDB3, de 1971, a oferta de educao anterior educao obrigatria (sete aos 14 anos) pretendia preparar as crianas oriundas das camadas sociais mais baixas para a alfabetizao, a fim de diminuir os altos ndices de fracasso escolar (KRAMER, 2001). Essa mesma concepo estava presente em outros programas de ateno primeira infncia, os quais buscavam compensar carncias (nutricionais, sanitrias, afetivas e sociais).

    Em 1977, a Legio Brasileira de Assistncia (LBA) lanou o Projeto Casulo que visava criao e manuteno de creches comunitrias. Para complement-lo o Ministrio da Previdncia e Assistncia Social publicou um documento intitulado Vamos Fazer uma Creche?, no qual props que as creches e pr-escolas tivessem, alm da "funo guardi", a "funo pedaggica". Assim, pela primeira vez, apareceu a proposta de superao da dicotomia entre cuidar e educar presente tambm nas polticas de atendimento criana pequena no Brasil. Posteriormente, est abordagem foi fundamentada no RCNEI (1998):

    Contemplar o cuidado na esfera da instituio da Educao Infantil significa compreend-lo como parte integrante da educao, embora possa exigir conhecimentos, habilidades e instrumentos que extrapolam a dimenso pedaggica. Ou seja, cuidar de uma criana em um contexto educativo demanda a integrao de vrios campos de conhecimentos e a cooperao de profissionais de diferentes reas (p.24).

    As prticas de cuidar e educar envolvem atitudes, comportamentos, conhecimentos, habilidades e at valores que contribuam para o desenvolvimento

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    integral da criana. Assim, aquele que assumir o papel de adulto ensinante, necessita de aporte terico/prtico para ler as disposies afetivas das crianas, como as emoes, as quais so indicadoras privilegiadas, nessa fase, dos estados psicolgicos (MACDO E DIAS, 2006, p.03).

    Percebemos que o grande desafio das instituies de Educao Infantil no apenas de integrar estas prticas que esto implicitamente ligadas, mas tambm de estabelecer uma forma de atendimento criana pequena, que no se reduza, exclusivamente, no atendimento de suas necessidades bsicas.

    2.3 A formao do educador infantil

    Os professores da Educao Infantil4 diferenciam-se dos educadores das outras etapas de ensino, por tratarem-se de profissionais que so especficos no atendimento s crianas pequenas. Estes docentes necessitam utilizar procedimentos diferenciados aos seus alunos, em virtude do nvel de autonomia e dependncia dos mesmos.

    Ao longo dos anos, esses profissionais, vm experimentando diferentes exigncias em relao a sua formao, as quais buscam acompanhar as transformaes nas concepes de infncia e de educao das crianas. A dcada de 90 foi marcada por vrias reformas, entre elas a da educao bsica e da formao de seus professores. Assim, temos na LDBEN5 a seguinte indicao:

    A formao de docentes para atuar na educao bsica far-se- em nvel superior, em curso de licenciatura, e graduao plena, em universidades e institutos superiores de educao, admitida, como formao mnima para o exerccio do magistrio na Educao Infantil e nas quatro primeiras sries do ensino fundamental, a oferecida em nvel mdio, na modalidade Normal (TTULO VI, art. 62, 1996).

    3 Lei de Diretrizes e Bases da Educao (Lei 5.692)

    4 Utilizarei o termo professor de Educao Infantil para designar todos os profissionais

    responsveis pela educao direta da criana de zero a seis anos, ciente de que esta profisso, no momento presente, vem sendo exercida, basicamente, por mulheres. Na forma feminina, no singular ou plural, ser utilizada ao referir-me a um grupo especfico, constitudo por mulheres. 5 Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (Lei n9394/1996)

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    Estas exigncias surgiram a partir das seguintes justificativas: necessidade de elevar a qualificao dos profissionais dedicados Educao Infantil e aos anos iniciais do Ensino Fundamental e a dissociao entre a teoria e a prtica (KISHIMOTO, 2000).

    A discusso que envolve os cursos de pedagogia nos tempos atuais, na opinio desta autora, trata da seguinte questo: se devem formar especialistas ou professores, ou seja, se a pedagogia tem afinidades com cincias da educao e, portanto, restringe-se ao aprofundamento de estudos na rea ou se envolve tambm questes de formao docente.

    Uma das questes que se coloca nos cursos de formao a relao desigual entre teoria e prtica. Micarello (2003) aponta que preciso considerar como os saberes que constituem a teoria esto sendo produzidos e partilhados nos processos de formao. A prtica que pode levar o professor a uma apropriao de seu fazer deve ser pensada e refletida. Quanto teoria, esta precisa estar fundamentada no conhecimento que se produz em relao criana, enquanto sujeito histrico-cultural, para a cena dos processos de formao.

    Silva e Rosetti-Ferreira (2000) questionam a existncia de uma incapacidade ou comodismo por parte dos professores, no momento em que estes no modificam sua prtica pedaggica, apesar de terem acesso s diferentes teorias. Tambm refletem sobre as condies de produo desse suporte terico e o modo como repassado aos professores:

    Pode-se falar de um "saber que no sabe, produzido no mbito das universidades, o que dizer quando este saber chega ao professor esvaziado, sob a forma de repasses consecutivos? Esse esvaziamento impede que o professor reconhea no saber da teoria os desafios com os quais se depara no seu dia-a-dia. No caso dos professores que atuam na Educao Infantil, a situao agravada pelo fato de no haver, na formao inicial, uma preparao adequada (SILVA E ROSETTI-FERREIRA, 2000, p.6, grifo das autoras).

    Para a constituio da pedagogia da infncia necessrio que se repensem os currculos de formao, pois estes, na maioria das vezes, no enfatizam prticas educativas fundamentais para a atuao profissional, tais como: ouvir, observar, desafiar, analisar, comparar, pesquisar, etc.

    Bondioli e Mantovani (1998) selecionaram os seguintes aspectos como definidores da especificidade da docncia na Educao Infantil: promover a

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    interao dos alunos em situaes diversas para a construo e ampliao de seu conhecimento; articular atividades previamente selecionadas com experincias inditas para as crianas; atuar na organizao do espao, na proposio de agrupamentos infantis, na seleo de materiais, no planejamento do tempo e das atividades; ser mediador das interaes e articular as atividades propostas com as experincias das crianas.

    preciso buscar ampliar os espaos de discusso que abordam a formao dos professores que atuam na Educao Infantil, sendo necessrio pensar em uma poltica que permita a ascenso na escolaridade, e a valorizao dessa formao no patamar de outros cursos. Tambm precisamos estar atentos s novas configuraes de trabalho na rea da Educao Infantil e presena de novos cargos, como os de auxiliares, atendentes, e monitoras, que exercendo as mesmas funes das professoras esto cuidando e educando sem a escolaridade requerida e a qualificao necessria.

    2.4 Espaos e tempos na Educao Infantil

    Em decorrncia de seu amplo crescimento nos ltimos anos, as escolas infantis esto recebendo maior ateno por parte dos pesquisadores, pois atendem um nmero cada vez maior de crianas, provenientes das diferentes classes sociais. Desta forma, atualmente, no se aceita mais que o termo creche seja sinnimo de depsito ou estacionamento de crianas, pois:

    Creche coisa sria. Qualquer que seja o nome adotado pela instituio que cuida de crianas, ela tem de se constituir em espaos montados de tal forma que se transformem em ambientes especiais de criar crianas, oferecendo a elas tudo de que precisam para se desenvolverem, atendendo s suas necessidades fsicas, biolgicas, intelectuais e afetivas de forma integrada. (RIZZO, 2003, p. 45)

    Atualmente, a maioria das crianas ingressa nestas instituies a partir dos primeiros meses de vida e permanece, em tempo integral, cada dia da sua infncia, voltando para o convvio da famlia somente no final do dia. Batista (2001) informa

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    que as creches e pr-escolas vm se constituindo como espaos de educao coletiva no mundo contemporneo, cuja relevncia no possvel ignorar j que:

    O tempo de convvio com outras pessoas, outros objetos, outros espaos e outros tempos torna-se muito reduzido. Este dado revela que o tempo- espao da creche exerce na vida da criana um papel fundamental e distinto dos demais tempos e espaos (escola, famlia, rua, entre outros), exigindo que seja pensado, discutido, refletido e pesquisado. (BATISTA, 2001, p.08)

    Garanhani (2005), em uma reviso preliminar de estudos e documentos recentes sobre orientaes curriculares para a Educao Infantil em diferentes pases, identificou uma preocupao destes veculos em apresentar orientaes para a organizao de ambientes educativos e facilitadores, tanto do desenvolvimento quanto da aprendizagem infantil. Para a formao desse ambiente, descrevem a necessidade de que o trabalho pedaggico organize aes para o desenvolvimento das diferentes linguagens de expresso e comunicao que a criana utiliza para conhecer e se relacionar com o meio. Essa idia complementada por Secchi e Almeida (2007) ao explicarem que:

    No devemos fazer da Educao Infantil uma dura cano, repetitiva, mecnica, rgida. Entendemos que na Educao Infantil a rotina ajuda, tanto ao professor quanto criana, uma programao estruturada contribui para as crianas entenderem a sistemtica do trabalho e para conciliar o tempo externo, definido pelas necessidades institucionais, com suas demandas internas (preparar-se para as atividades preferidas, agentar a espera do horrio do lanche, decidir quando iro biblioteca). Refere-se aqui a rotina que no seja maante, nem cerceadora das manifestaes das crianas. necessrio lembrar que as crianas necessitam de horrios flexveis, que atendam suas necessidades, e de atividades variadas que potencializem sua aprendizagem e seu desenvolvimento (SECCHI e ALMEIDA, 2007, p.06).

    O espao uma das variveis que precisa ser considerada na hora do planejamento, pois desta maneira a escola de Educao Infantil conceber a gesto do espao e do tempo de forma integrada ao projeto educativo. De acordo com Zabalza (1998, p.50):

    A Educao Infantil possui caractersticas muito particulares no que se refere organizao dos espaos: precisa de espaos amplos, bem diferenciados, de fcil acesso e especializados (facilmente identificados pelas crianas tanto do ponto de vista da sua funo como das atividades que se realizam nos mesmos). [...] O espao acaba tornando-se uma condio bsica para poder levar adiante muitos outros aspectos-chave.

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    Os princpios de uma Educao Infantil democrtica, que valoriza as competncias, os direitos e os deveres de seus protagonistas, sero viveis a partir do momento que considerarmos o espao como:

    [...] um elemento organizador das relaes, e sendo nossa inteno promover o exerccio da cidadania e o desenvolvimento da individualidade, teremos que atuar na construo do espao, tendo em vista esse objetivo. O espao passa, ento, a ser contedo de planejamento, tendo como suportes uma concepo de sociedade, de educao e de criana (SECCHI e ALMEIDA apud SEKKEL e GOZZI, 2003, p. 15).

    Tempo e espao esto integrados s rotinas pedaggicas na Educao Infantil, pois agem sobre a mente, as emoes e o corpo das crianas e dos adultos (BARBOSA, 2001, p.06). O termo rotina definido por Barbosa (2006) como o conjunto de prticas sistemticas de rituais, cerimnias, castigos, imagens e condutas de ser e proceder, tendo como principal objetivo a estruturao e a organizao de ordens morais e formais.

    As instituies de Educao Infantil devem rever seus currculos objetivando atender o espao-tempo da infncia, entendendo esta experincia como fator estruturante da subjetividade de todos os envolvidos.

    2.5 Educao Infantil e seus aspectos legais

    O movimento em favor da Educao Infantil, no Brasil, adquiriu uma fora maior a partir da Constituio Brasileira que foi aprovada em 1988. Na dcada de 80, os movimentos sociais aumentaram a presso sobre o Estado para que implantassem as polticas sociais bsicas, tais como, educao e sade.

    O artigo 24 desta Constituio estabelece, pela primeira vez, uma das garantias da efetivao do dever do estado com a Educao Infantil, orientando que: IV o atendimento em creche e pr-escola s crianas de zero a seis anos de idade. E, no pargrafo 2 do artigo 211, fica determinado que : os Municpios atuaro prioritariamente no ensino fundamental e pr-escolar.

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    A Emenda Constitucional n 14, entre outras modificaes introduzidas na Constituio, deu nova redao ao pargrafo 2 do artigo 211, passando a ser da seguinte forma: Os Municpios atuaro prioritariamente no ensino fundamental e na Educao Infantil. Assim, os municpios passam a ser os principais responsveis pela oferta da educao das crianas menores de seis anos, contando com o amparo tcnico e financeiro da Unio e dos Estados.

    Essa nova redao consagra a expresso Educao Infantil, que compreende creches (zero a trs anos) e pr-escolas (quatro a seis anos), ficando claro que os municpios devem dar atendimentos s crianas de zero a seis anos e no apenas de quatro a seis, como se podia interpretar com a redao original da Constituio de 1988.

    A Lei n 8.069/906 estabelece no seu artigo 54 que dever do estado assegurar: IV Atendimento em creche e pr-escola s crianas de zero a seis anos de idade.

    A Lei n 9.394/96 7 destinou vrios artigos Educao Infantil, reconhecendo-a como primeira etapa da educao bsica, sendo um dos princpios das diretrizes gerais da Poltica Nacional de Educao Infantil. A seguir, seguem as principais determinaes:

    Art. 4 - O dever do Estado com educao pblica se r efetivado mediante a garantia de: IV atendimento gratuito em creches e pr-escolas s crianas de zero a seis anos de idade. Art. 11 Os municpios incumbir-se-o de: V oferecer a Educao Infantil em creches e pr-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida atuao em outros nveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua rea de competncia e com recursos acima dos percentuais mnimos vinculados pela Constituio Federal manuteno e desenvolvimento do ensino. Art.29 A Educao Infantil, primeira etapa da educao bsica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criana at seis anos de idade, em seus aspectos fsico, psicolgico, intelectual e social, complementando a ao da famlia e da comunidade. Art.30 A Educao Infantil ser oferecida em: I creches, ou entidades equivalentes, para crianas de at trs anos de idade; II pr-escolas, para crianas de quatro a seis anos de idade.

    6 Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA).

    7 Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional.

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    Tanto a Constituio Federal quanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional explicitam a co-responsabilidade das diferentes esferas do Governo e da famlia. Assim, compreende-se que o cuidado e a educao das crianas pequenas devem ser partilhados pela famlia e pelos poderes pblicos.

    O RCNEI/1998 configura-se num documento de orientao curricular, elaborado pelo Ministrio da Educao o qual, na opinio de Medeiros (2004), refora que a relao entre lar e escola deve ser um dos eixos centrais da Educao Infantil.

    No plano terico-conceitual, Rosemberg (2002) concebe a Educao Infantil como um subsetor das polticas educacionais e de assistncia aos trabalhadores, portanto, integrada s polticas sociais. A autora define como polticas sociais aquela interveno do poder pblico no sentido de ordenamento hierrquico de opes entre necessidades e interesses explicitados pelos diferentes segmentos que compem a sociedade (ROSEMBERG, 2002, p. 03).

    Atravs do que foi exposto acima, percebemos que o pas avanou em relao aos textos legais que sustentam a Educao Infantil, mas tem falhado na implantao de polticas efetivas para a expanso e qualificao desta etapa de ensino.

    2.6 Tendncias atuais dos estudos realizados na rea da Educao Infantil

    A partir de uma anlise geral dos resumos de dissertaes e teses defendidas em Programas de Ps-Graduao de instituies educativas no contexto brasileiro, possvel observar que as pesquisas sobre a Educao Infantil tm aumentado significativamente nos ltimos anos.

    A fonte de consulta utilizada para mapear os resumos das dissertaes e teses produzidas em Programas de Ps-Graduao do contexto nacional foi o Banco de Teses da Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES). Neste foi possvel constatar o crescimento das pesquisas na rea da Educao Infantil, com os seguintes descritores: escola-famlia educao infantil, relao comunicao escola-famlia, comunicao escola-famlia educao infantil, agenda escolar Educao Infantil.

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    No descritor relao escola-famlia educao infantil foram encontrados 21 teses/dissertaes, onde demonstram preocupao em discutir a interao entre escola e famlia. De modo geral, tais estudos apontam para a importncia de promover a implantao de estratgias que sinalizem como famlia e escola poderiam se articular no sentido de somar esforos e interesses para garantir a continuidade da formao proposta aos indivduos de determinada cultura.

    Com o descritor relao comunicao escola-famlia foram identificados 37 teses/dissertaes. Alguns trabalhos relacionam o contexto socioeconmico e poltico regido pelo sistema capitalista, com as polticas pblicas de atendimento s reas sociais e, entre elas, a educao. A relao escola-famlia tem subsidiado discusses no somente no mbito da educao, mas tambm da psicologia.

    Resultados de alguns desses estudos revelaram a presena de caractersticas familiares e de prticas escolares padronizadas de acordo com o nvel econmico destas instituies. Revelaram, ainda, que a comunicao e a interao entre as escolas e as famlias estudadas ocorrem de modo escasso, sugerindo que o nvel de desenvolvimento escolar dos alunos pode ser significativamente melhorado atravs de uma aproximao mais efetiva entre os contextos escolar e familiar.

    No entanto, o nmero de pesquisas que tm investigado as relaes entre os papis da famlia e da escola ainda visando favorecer a construo de estratgias que promovam o aprimoramento e a ampliao dos modelos de colaborao entre estes dois ambientes, so limitados.

    Acrescentando ao descritor comunicao escola-famlia o termo educao infantil o nmero de dissertaes/teses passou a ser 3. A maioria realizou sua pesquisa numa instituio pblica, averiguando que, quanto comunicao, pode-se afirmar que a escola delimita os momentos e as formas como o dilogo deve ocorrer, assim como, quais informaes sero transmitidas, concluindo que a famlia e a escola no se concebem como instncias que devem trabalhar em parceria para o benefcio da criana.

    Por fim, com o descritor agenda escolar educao infantil forma localizados 11 dissertaes/teses, mas apenas uma utilizou a agenda como fonte de coleta dos dados. Neste trabalho a autora define a agenda como um regulador do tempo o qual permitir a apreenso do modo como a noo temporal vivenciada na escola, a mesma buscou um aporte terico-metodolgico que permitisse visualizar a

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    diversidade, cujas reflexes rompem com a percepo de tempo linear e homogneo.

    Em relao aos trabalhos apresentados no Grupo de Trabalho Educao da Criana de zero a seis anos (GT 7) da Reunio Anual da Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao (desde a 23 at 32 Reunio) tambm se constatou a ausncia da discusso sobre o uso da agenda escolar no contexto da Educao Infantil. De modo geral, foram abordadas temticas diversas da Educao Infantil.

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    3 A RELAO ESCOLA-FAMLIA NA EDUCAO INFANTIL

    Neste captulo buscaremos definir o termo famlia, alm de compreender como ocorre a relao da mesma com a instituio de Educao Infantil atravs dos canais de comunicao.

    3.1 Famlia: conceito e definio

    Ao se falar em famlia necessrio ter presente que no existe um modelo nico de organizao familiar, j que as mudanas nos mbitos sociais, polticos e econmicos influenciam a estrutura e a dinmica familiar. O conceito de famlia tem sido empregado para designar uma unidade de reproduo biolgica e social, sendo um grupo concreto de convivncia, no interior do qual ocorre a socializao dos filhos e a construo e instituio de hbitos.

    O sentimento de famlia, o sentimento de classe e talvez, em outra rea, o sentimento de raa surgem, portanto, como manifestaes da intolerncia diante da diversidade, de uma mesma preocupao de uniformidade (ARIS, 2006, p. 196).

    A famlia , na maioria das vezes, o primeiro ambiente frequentado pelas crianas, no qual se inicia o processo de socializao. Ela transmite, alm do sustento biolgico, cuidados adequados, afeto, padres, valores e normas de conduta que so incorporadas pelas crianas durante o desenvolvimento de sua personalidade (Zamberlan, 1997). Deste modo, a famlia exerce um papel fundamental para o desenvolvimento psicolgico saudvel de crianas e adolescentes (SZYMANSKI, 1994).

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    Romanelli (2003) mostra que o conceito de famlia tem significados diversos, de acordo com as reas de conhecimento que tratam desse tema, tais como a Antropologia, a Sociologia e a Histria. A famlia , portanto a base de estratgias de reproduo, estratgias de fecundidade, estratgias matrimoniais, estratgias de herana, estratgias econmicas e, por fim, estratgias educativas (BORDIEU, 1997 apud ROMANELLI, 2003, p. 250).

    Esse autor esclarece que, atualmente, h outras modalidades de arranjos familiares, sendo que cresceu o nmero de famlias recompostas, fruto de duas ou mais unies de um ou de ambos os parceiros. Entretanto, cabe ressaltar que o conceito de "famlia nuclear", tradicional, continua servindo como parmetro para a sociedade em geral, principalmente a escola, sendo um dos fatores que dificultam a relao escola-famlia.

    Friedmann (2008/2009) explica que a famlia contempornea est em profunda crise de valores, os quais so descartveis e se desfazem rapidamente, no constituindo vnculos, alm de preencher com objetos, as carncias e vazios psquicos.

    Devido s grandes mudanas na sociedade atual, existe uma diferenciao entre famlia pensada e famlia vivida. A famlia pensada o modelo de famlia que a maioria da populao almeja ter, mas, a famlia vivida o modo cotidiano que a famlia vive, hoje, sua prpria realidade.

    Para Silva (2008), as estruturas familiares esto, continuamente, se modificando, e outras configuraes familiares tem se estabelecido, tais como: me, av e crianas; pai e filho; casais sem filhos; casais em que ambos tm filhos de relacionamentos anteriores e tambm em comum. Desta forma, a famlia nuclear no mais regra nem modelo de famlia na atualidade.

    3.2 A relao escola-famlia no cotidiano das instituies de Educao Infantil

    As escolas de Educao Infantil so procuradas por mes e pais que no tem mais tempo para cuidar dos filhos, ou que buscam um determinado tipo de servio oferecido por estas instituies. Desta forma, famlias das mais diversas condies

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    sociais e culturais tm buscado compartilhar com instituies de ensino a misso de educar os filhos.

    Essas mudanas na dinmica familiar propiciaram certos encontros e desencontros na relao escola-famlia. Se antes a escola apenas cuidava de seus alunos, agora ela passava a ser exigida e convocada a se preocupar com atitudes, valores, sentimentos, que tambm so ensinados. Rgia e Medeiros (2003) confirmam esta ideia, acrescentando que a escola tambm assumiu a responsabilidade de desenvolver habilidades sociais que eram considerados encargos da famlia.

    A relao escola-famlia, na maioria das vezes, pontuada por conflitos, sejam eles, ideolgicos, contratuais ou sociais, sendo afetada pela pala satisfao ou insatisfao de professoras, alunos e familiares. Essas desavenas podem ser averiguadas em diferentes momentos da rotina da pr-escola, seja ao realizar a matrcula, na hora da sada e entrada de seus alunos na instituio, ao receber pareceres e avaliaes numa linguagem de difcil compreenso ou ao participar de encontros que no favorecem a reflexo crtica necessria para a ao educativa.

    Para Abuchaim (2006), na relao entre escola-famlia podem ocorrer diversos desacertos, visto que as duas instituies possuem cdigos e padres de conduta, na maioria das vezes, diferenciados:

    As concepes da escola e da famlia, a respeito do desenvolvimento infantil, por exemplo, so diferentes, podendo ocorrer acusaes mtuas, principalmente quando surge alguma dificuldade por parte da criana. Tambm, vislumbro que, muitas vezes, os papis educativos dessas duas instituies esto misturados, o que acaba por gerar conflitos e desentendimentos. (ABUCHAIM, 2006, p. 13-14).

    Bassedas, Huguet e Sol (1999) salientam que no podemos esquecer que cada famlia tem pautas prprias de relao, que influenciam sua dinmica interna e a relao desse grupo com a escola.

    Como conseqncia desta aproximao com o contexto familiar, as creches e pr-escolas preferiram limitar o acesso dos pais s instituies, estabelecendo aos mesmos um acesso restrito. Para isso, os familiares s podem circular dentro da instituio quando so convidados para participarem de programas e projetos pedaggicos, festas da famlia, palestras, cursos, jornadas, etc. Desta maneira, os familiares transitam diariamente apenas nos espaos destinados recepo e ao

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    porto de entrada, ficando a visitao s outras dependncias da instituio limitada a ocasies especiais.

    Rgia e Medeiros (2003), definem essa organizao como pseudoparticipao, onde a participao da famlia transformada num mecanismo de excluso. J, Preedy (2006), acredita que essas so oportunidades para as escolas apresentarem suas estratgias de marketing:

    Fazer marketing no significa preocupar-se apenas com apresentao, propaganda e venda. Inclui, certamente, comunicao como parte da promoo das relaes famlia-escola, englobando qualidades como escuta e resposta. (PREEDY, 2006, p. 312, grifo da autora).

    Para a autora, a relao prxima entre escola e comunidade pode fornecer insights valiosos, entretanto isto no ser possvel enquanto os pais forem reconhecidos apenas como clientes. No entender da referida autora a escola tornou-se lugar privilegiado e seguro para a famlia depositar aquilo que no pode fazer, que educar seus filhos. Do outro lado, a escola por razes de mercado aceitou tal tarefa, ao custo de sua autonomia e independncia, tolerando pais que as questionam quanto a sua conduta financeira, administrativa ou mesmo pedaggica. Os pais na pr-escola, alm de clientes, so tambm educadores que vivem, na sua maioria, as primeiras experincias nessa posio, visto que as crianas tm pouca idade.

    Na maioria das vezes, a continuidade do trabalho pedaggico no lar da criana, pode gerar conflitos e equvocos, j que a busca das escolas em manter alunos a qualquer custo, pode acarretar como um meio da escola perder a sua identidade e tornar-se continuao da famlia. Este tipo limitador de prtica curricular no assume o compromisso de considerar e interpretar a participao das famlias como uma fonte enriquecedora do trabalho pedaggico.

    Conforme Dornelles e Barbosa (1998), esta dinmica poderia ser evitada se as educadoras das instituies infantis no tivessem tanto receio de mostrar aos familiares o que acontece no interior das salas de aula. Para essas autoras, o fato dos pais saberem como funciona a instituio, estimula e fortalece o sentimento de segurana em relao aos responsveis pelas crianas. As escolas esto sempre localizadas em uma comunidade, entretanto nem sempre fazem parte dela, ao contrrio, encontram-se isoladas e fechadas para o seu meio.

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    Para Vlez (2008) as instituies de Educao Infantil so espaos onde se pode compartilhar com as famlias e a sociedade em geral a criao e a educao dos pequenos, oferecendo um marco de vida em um espao diferente do familiar, mas prximo dele, que permita o desenvolvimento e o crescimento de uma forma equilibrada e harmnica. Entretanto, para isso, as instituies infantis devem atender de forma adequada as necessidades sociais e familiares na comunidade em que est inserida, alm de oferecer a melhor resposta educativa s crianas que atendem.

    Carraro (2006) entende que preciso qualificar essa relao:

    Ser chamado apenas para saber sobre o comportamento do filho, por exemplo, no aproxima pais e mes da escola. preciso atribuir significados a essa participao. Ser convidado para discutir o projeto pedaggico da escola j bem mais interessante. Sentindo-se valorizado em seus saberes, os pais acabam se envolvendo com a vida escolar do filho com muito mais intensidade. Os pais ou responsveis devem conhecer e monitorar a proposta pedaggica, saber como seus filhos so atendidos, conhecer a rotina da instituio e acompanhar as atividades desenvolvidas (CARRARO, 2006, p.43).

    Entretanto, a autora faz um alerta sobre as dificuldades dos pais em participarem da rotina de seus filhos, levando em conta diferentes aspectos como a falta de tempo, j que a grande maioria trabalha o dia todo. Tambm aponta que a relao entre escola e famlia s ganhar em qualidade se: investir na formao de professores e passar o discurso - parceria entre escola e famlia - para a prtica escolar.

    A escola precisaria mudar o jeito como olha a comunidade, ampliar seu olhar, ser mais acolhedora. Os pais, por sua vez, precisariam se esforar mais para participar dos conselhos escolares, ou mesmo para acompanhar mais de perto o processo de aprendizagem dos filhos. Para isso, os projetos escolares precisariam ter etapas inclusoras da famlia (CARRARO, 2006, p. 44).

    Zabalza (1998), que faz interessantes apontamentos acerca de quais seriam as condies para se realizar uma Educao Infantil de qualidade, tambm menciona a relao entre a escola e as famlias como uma dessas condies e a justifica da seguinte forma:

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    A questo que a escola, por si mesma, possui capacidade de ao limitada (pelo espao, pelo tempo e pelas prprias dimenses suscetveis de serem afetadas pelo trabalho dos professores (as). Refiro-me, logicamente, a questes curriculares importantes: dentro da sala de aula ou como continuao em casa de atividades iniciadas dentro da sala de aula. Esse tipo de participao [das famlias] enriquece o trabalho educativo que desenvolvido na escola (a presena de outras pessoas adultas permite organizar atividades mais ricas e desenvolver uma ateno mais personalizada com as crianas), enriquece os prprios pais e mes (vo sendo conhecidos aspectos do desenvolvimento infantil, descobrindo caractersticas formativas em materiais e experincias, inclusive o jogo, conhecendo melhor os filhos, aprendendo questes relacionadas com a forma de educar) e enriquece a prpria ao educativa que as famlias desenvolvem depois em suas casas. Tambm os professores(as) aprendem muito com a presena dos pais e mes, ao ver como eles enfrentam os dilemas bsicos da relao com crianas pequenas (ZABALZA, 1998, p. 54-55).

    Para Oliveira (2007) a formao inicial dos professores de Educao Infantil apontada como uma fonte de obstculos para uma produtiva relao entre instituio educacional e a famlia. Segundo a autora, os educadores so introduzidos, de forma inadequada, na rea das teorias, alm de no possurem a oportunidade de refletirem criticamente sobre as mesmas.

    Faria (1999) faz a seguinte reflexo acerca da necessidade de um trabalho integrado entre as diferentes instituies educativas:

    A demanda por educao pode ser satisfeita quando a famlia, a escola e as outras realidades formativas cooperam construtivamente entre si em uma relao de integrao e de continuidade. , portanto til levar em conta todas as possveis interaes existentes entre os vrios contextos educativos, pois uma perspectiva que os considerasse isoladamente revelar-se-ia parcial e desviante. A distino das tarefas, com base no comum reconhecimento do direito da criana educao, a condio necessria para estabelecer relaes produtivas entre as diversas agncias educativas. (FARIA, 1999, p. 72).

    Os pais so os que mais precisam de informao e orientao, cabendo s instituies educativas criar espaos para acolher as inquietaes e dvidas relativas s crianas (FRIEDMANN, 2008, 2009).

    Percebemos que o cenrio educacional no uniforme, e algumas instituies so mais abertas do que outras para escutar e compartilhar as opinies e sugestes dos pais. Entretanto acreditamos que a qualidade da Educao Infantil depende, cada vez mais, da parceria entre a escola e a famlia.

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    3.3 Modos de comunicao entre escola-famlia

    O RCNEI/1998 evidencia as seguintes formas de estabelecer os primeiros e demais contatos com a famlia:

    - Antes de a criana comear a freqentar a instituio de Educao Infantil, so previstos espaos e tempos para que mes, pais, familiares e/ou responsveis, professoras, professores, gestoras e gestores iniciem um conhecimento mtuo; - O perodo de acolhimento inicial (adaptao) demanda das professoras, professores, gestoras e gestores uma ateno especial com as famlias e/ou responsveis pelas crianas, possibilitando, at mesmo, a presena de um representante destas nas dependncias da instituio; - Professoras, professores, gestoras e gestores so atenciosos com mes, pais e familiares ou responsveis, estando disponveis cotidianamente para ouvir solicitaes, sugestes e reclamaes; - Informaes sobre as atividades e o desenvolvimento da criana so disponibilizadas periodicamente para mes e pais e/ou responsveis tendendo que seu cumprimento fator imprescindvel para garantir qualidade nas instituies de Educao Infantil (RCNEI, 1998, p.72).

    A comunicao entre escola-famlia acontece, na maioria dos ambientes escolares, atravs de: contatos telefnicos, conversas na entrada e na sada das aulas, reunies de entrega de avaliaes, e tambm atravs, dos relatos da prpria criana. O RCNEI (1998, v.1, p. 75) argumenta sobre a diversidade de arranjos familiares que devem ser compreendidos pela instituio educativa, e com relao ao que a escola deve fazer, especifica-se o seguinte:

    Cabe, [...] s instituies estabelecerem um dilogo aberto com as famlias, considerando-as como parceiras e interlocutoras no processo educativo infantil (v.1, p.76). Assumir um trabalho de acolhimento s diferentes expresses e manifestaes das crianas e suas famlias significa valorizar e respeitar a diversidade, no implicando a adeso incondicional aos valores do outro. [...] Nesse sentido, as instituies de Educao Infantil, por intermdio de seus profissionais, devem desenvolver a capacidade de ouvir, observar e aprender com as famlias (v.1, p.77).

    O documento tambm alerta que quando se trata dos canais de comunicao entre as partes, preciso um contato mais individualizado com as famlias, tanto mais quanto menores forem as crianas. Afirma, ainda, que os pais, tambm, devem ter acesso :

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    - filosofia e concepo de trabalho da escola; - informaes relativas ao quadro de pessoal com as qualificaes e experincias; - informaes relativas estrutura e funcionamento da creche e de pr-escola; - condutas em casos de emergncia; - informaes quanto participao das crianas e famlias em eventos especiais (v.1, p.79).

    Fernandes (2006), em seu estudo, priorizou as prticas discursivas que permeavam a rotina escolar, e concluiu que as mesmas eram materializadas atravs dos bilhetes na agenda escolar e dos contatos na entrada e sada da aula, bem como as prticas pedaggicas que delimitavam a participao da figura materna, sobretudo na semana do dia das mes. Nas suas observaes a pesquisadora faz referncia ao uso da agenda escolar:

    As escolas de Educao Infantil comumente se valem de diversos recursos para manter a comunicao entre famlia-escola. So esses meios de comunicao que constituem os encontros entre famlia/me e escola. A instituio observada utilizava a agenda como meio de comunicao alm, claro, dos encontros na chegada e na sada da aula, onde professoras e famlia (na sua maioria representada pelas mes) conversavam sobre seus filhos/as e alunos/as. A agenda era pouco utilizada, nela havia em maior nmero recados da escola e no da professora. Os encontros no incio e ao final das aulas eram rpidos, todos sempre tinham pressa de ir para casa. Mas, ainda assim, esses encontros funcionavam como o lugar da relao mais intensa entre casa-escola (FERNANDES, 2006, p. 1).

    Apesar da nfase atribuda participao das mes na escola, esta autora acredita que as mesmas so chamadas apenas em momentos definidos e delimitados pela escola e pela professora, mostrando que essa atitude no proporciona uma troca maior de informaes entre famlia e escola. A autora entende que no faz sentido pensar na educao da criana pequena desvinculada da ao educativa da sua famlia, a qual se constitui como fonte de seus valores e de cultura.

    A comunicao entre escola-famlia realizada atravs de murais informativos, reunies e, tambm, atravs da agenda, a qual se configura num instrumento de registro dirio de informaes sobre a criana e a rotina da instituio. Rizzo (2003) salienta que para todas as crianas com at trs anos, este meio deve ser um facilitador da comunicao entre famlia e escola a respeito de sua sade. No entanto, alerta que as crianas maiores podem utilizar um modelo que permita o

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    registro de outras informaes, mais pertinentes do que os remdios e mamadeiras administrados aos bebs.

    Oliveira (2007) explica que bastam episdios simples ou comunicaes distorcidas para desequilibrar o bom relacionamento entre educadores e famlias. Assim, a autora orienta que os profissionais da educao ofeream, desde o primeiro contato, um clima favorvel de relacionamento, colaborando para diminuir a ansiedade e a insegurana dos pais.

    A partir do que foi exposto sobre os modos de comunicao entre escola e famlia, conforme mencionado na introduo do trabalho, neste estudo direciono o olhar para o papel da agenda escolar como um dos instrumentos de comunicao. Nesse sentido, no captulo a seguir apresento a metodologia adotada para a realizao da investigao.

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    4 METODOLOGIA

    Neste captulo discorro sobre os procedimentos metodolgicos utilizados para a realizao da investigao. Apresento a tipologia do estudo; situo o campo de investigao; caracterizo os participantes da pesquisa; descrevo os instrumentos utilizados para a coleta de dados e a tcnica adotada para a anlise e interpretao dos dados.

    4.1 Caracterizao do estudo

    Tendo presente, de um lado, a importncia atribuda participao da famlia na rotina das instituies de Educao Infantil, que na maioria das vezes interpretada de maneira equivocada, e de outro, o uso no to generalizado da agenda escolar, proponho o seguinte problema de investigao : Qual o papel da agenda escolar enquanto um instrumento de comunicao entre a escola e a famlia nas instituies de Educao Infantil?

    Com base nesse problema, o objetivo geral da pesquisa analisar como a agenda escolar utilizada nas instituies privadas e pblicas de Educao Infantil. Quanto aos objetivos especficos, destacam-se: a) Identificar as concepes das crianas, dos pais e das educadoras em relao ao uso da agenda escolar na Educao Infantil; e b) descrever os modos de atuao dos pais e das educadoras no que se refere ao uso da agenda escolar enquanto um instrumento de comunicao entre a escola e a famlia.

    O presente estudo de cunho qualitativo, do tipo Estudo de Caso, visto que as inmeras pesquisas qualitativas que se desenvolvem no Brasil, em especial na rea de educao, mostram que a teorizao sobre esta metodologia vem crescendo, acompanhada de uma significativa prtica investigatria.

    Os pesquisadores que se dedicam ao processo de investigao qualitativa precisam refletir sobre sua prpria experincia, fazendo-a acompanhar suas

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    trajetrias de investigao. Assim, segundo Duarte (2002), h processos na pesquisa qualitativa que tm o poder de provocar mudana de percepo no sujeito que responde, a ponto de faz-lo refletir criticamente acerca do tema em foco e repensar suas prticas.

    O mtodo qualitativo faz com que o pesquisador esteja em contato direto com o universo a ser investigado, de modo a obter os dados que descrevem tal contexto. Todas as situaes vivenciadas pelo pesquisador durante a coleta de dados so relevantes, j que o foco entender como acontecem as interaes no cotidiano de determinado grupo e no apenas o que acontece.

    Nessa abordagem, segundo Ludke e Andr (1986), busca-se, investigar diretamente com as pessoas envolvidas, questes relativas a situaes da vida humana, para conhecer e compreender significados e prticas individuais e coletivas, focalizando crenas, expectativas, valores, desejos, conhecimentos e sentimentos, admitindo a integrao com mtodos quantitativos quando o objeto de estudo assim o exige.

    Nas abordagens qualitativas, a preocupao central compreender o objeto estudado como nico e que representa uma realidade singular, multidimensional e historicamente situada. Este mtodo tambm possibilita conhecer o processo de construo dos fenmenos, entendendo-se que esses so concebidos pela subjetividade humana e pela integrao de seus significados culturais, afetivos e ambientais, particulares e coletivos.

    Por suas caractersticas, os mtodos qualitativos so apropriados para orientar estudos fundamentados em pressupostos da fenomenologia e da dialtica, incluindo aqueles de viso holstica, sistmica e ecolgica, que pressupem a complexidade dos fenmenos sociais num dado contexto.

    Esse mtodo coloca o pesquisador escuta do que dito, a refletir sobre a forma e contedo da fala do entrevistado, alm dos tons, ritmos e expresses gestuais que acompanham ou mesmo substituem essa fala. Tambm se faz necessria uma ateno permanente do pesquisador aos seus objetivos, buscando uma alternativa metodolgica mais adequada anlise de seu objeto de estudo.

    A opo pelo estudo de caso decorreu da busca de descrever detalhadamente o contexto de cada escola estudada, de modo a compreender as aes e percepes dos sujeitos, usando, para isso, observaes, anlise de documentos e entrevistas. E tambm porque:

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    No estudo de caso, os resultados so vlidos s para o caso que se estuda. No se pode generalizar o resultado atingido no estudo de um hospital, por exemplo, a outros hospitais. Mas aqui est o grande valor do estudo de caso: fornecer o conhecimento aprofundado de uma realidade delimitada que os resultados atingidos podem permitir e formular hipteses para o encaminhamento de outras pesquisas (TRIVIOS, 2008, p. 111).

    Esse tipo de mtodo contribui para a compreenso de fenmenos sociais complexos, pois uma investigao que preserva as caractersticas holsticas e significativas dos acontecimentos da vida real (YIN, 2005, p. 20). Tambm configura-se na estratgia mais adequada quando as questes de pesquisa envolvem como e por qu, e quando o objeto de estudo um fenmeno inserido na realidade atual, o qual o pesquisador no possui meios de controlar sua evoluo.

    4.2 O campo de investigao

    O campo de investigao foram duas instituies de ensino: uma escola da rede privada (doravante denominada escola A) e uma da rede pblica de ensino (doravante denominada escola B), ambas situadas no municpio de Porto Alegre.

    A opo por essas duas instituies foi intencional e os critrios principais foram: a disponibilidade e o interesse das escolas em colaborar com a pesquisa. Foram realizados contatos prvios, com o objetivo de apresentar a proposta do estudo e esses dois campos serviram de referncia para a organizao do roteiro de coleta de dados. A Direo de cada uma das escolas assinou o Termo de Autorizao do Estudo (Cf. anexo A).

    A Escola A

    A escola A localiza-se na Zona Sul do municpio de Porto Alegre, mas num bairro residencial, onde residem famlias de nvel socioeconmico mdio e alto. A instituio oferece diferentes opes quanto ao turno de permanncia das crianas, os quais podem ser: integral, semi-integral ou intermedirio.

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    O prdio da instituio uma casa constituda por dois pavimentos de alvenaria, sendo ampla, bem arejada e com reas de ptio, e totalmente calada. Apresenta salas de atividades, organizadas conforme a faixa etria, alm de refeitrio, cozinha, despensa, lavanderia, banheiros para crianas e adultos (masculino e feminino), secretaria, sala de equipe diretiva, saguo de entrada e sala para o intervalo e descanso dos funcionrios.

    Alm da diretora, tambm trabalham na instituio: a cozinheira e a auxiliar de cozinha, a auxiliar de servios gerais, o porteiro, a secretria, professoras e educadoras assistentes. Todos estes, participam diariamente da rotina da escola.

    A equipe profissional complementada pela psicloga, nutricionista, coordenadora pedaggica e os professores das aulas especializadas, tais como, jud, ballet, educao fsica e informtica. Estes comparecem apenas uma vez por semana na instituio.

    A Escola B

    A escola B tambm est localizada num bairro da Zona Sul do municpio de Porto Alegre, atendendo crianas que moram nas proximidades da escola, sendo uma populao de nvel socioeconmico mdio e baixo. A instituio oferece turno integral, e assim a maioria das crianas permanece o dia inteiro na instituio. O processo de seleo e ingresso leva em considerao as orientaes da SMED, do ECA e, tambm, de critrios elaborados pela Assemblia de Pais das crianas inscritas, desde que estes no sejam contrrios aos estabelecidos pela mantenedora.

    O prdio da instituio constitudo por um pavimento nico de alvenaria, sendo amplo, bem arejado e com rea de ptio bem distribuda, em espaos no calados e uma rea coberta. Apresenta salas de atividades, organizadas conforme a faixa etria, alm de refeitrio, cozinha, despensa, lavanderia, banheiros para crianas e adultos (masculino e feminino), secretaria, sala de equipe diretiva, saguo de entrada e cozinha para funcionrios.

    Na equipe multiprofissional, a escola conta com direo, vice-direo, secretria, professoras, monitoras, cozinheira, auxiliar de cozinha e auxiliar de servios gerais, alm da nutricionista que visita a escola uma vez por semana.

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    A mantenedora da escola municipal de Educao Infantil a Secretaria municipal de Educao (SMED). A resoluo 003/2001 estabelece normas para a oferta de Educao Infantil no Sistema Municipal de Ensino (SME). J o Decreto Municipal n 13791de 03 de julho de 2003 altera a d enominao da Escola Municipal Infantil (EMI) para Escola Municipal de Educao Infantil (EMEI).

    4.3 Participantes do estudo

    Os participantes desta pesquisa foram educadoras, mes e pais de alunos e crianas na faixa etria de cinco a seis anos de idade, das duas instituies de Educao Infantil caracterizadas anteriormente.

    As educadoras

    A educadora da Escola A tinha vinte e sete anos, j havia concludo o curso superior em Pedagogia, explicando que desde o incio do curso de Magistrio, j trabalhava com crianas na faixa etria de quatro a seis anos. Atualmente, lecionava numa turma de Nvel Trs (crianas de cinco anos a seis anos), sendo composta por quinze alunos. J a educadora da Escola B tinha trinta e cinco anos. J havia concludo o curso superior em Educao Fsica e estava cursando especializao em Educao Infantil. Ela no havia realizado o curso de Magistrio e tinha menos de cinco anos de experincia nesta rea da Educao.

    As mes e o pai

    Na Escola A foram entrevistados quatro mes e um pai. As mes e o pai entrevistados tm filhos matriculados na turma citada anteriormente. Todos possuem graduao no Ensino Superior (Arquitetura, Direito e Administrao de

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    Empresas) e apenas quatro trabalham nas suas respectivas especialidades, sendo que uma optou por interromper sua carreira para acompanhar o desenvolvimento de seus filhos. Todos so casados e moram com seus cnjuges e filhos. As idades desse grupo de pais variam entre trinta e dois anos e quarenta e sete anos.

    J na Escola B, foram entrevistadas cinco mes. As mes entrevistadas na escola pblica possuem filhos matriculados na turma citada anteriormente. Do grupo de mes, apenas trs so casadas, e as outras duas moram com seus familiares, pois esto separadas dos pais de seus filhos. Suas idades variam de vinte e oito anos a trinta e nove anos. Todas possuem o Ensino Fundamental completo, mas apenas duas trabalham, uma desempenha a profisso de auxiliar de cozinha e a outra de domstica.

    As crianas

    Na Escola A, a turma observada, denominada de Nvel 3, havia quinze crianas matriculadas, com idades de cinco anos e onze meses a seis anos e onze meses. J na Escola B, a turma de Jardim II (turno da manh) era freqentada por 25 crianas, com faixa etria de cinco anos e onze meses a seis anos e onze meses.

    Os participantes do estudo assinaram o Termo de Consentimento (Cf. anexo B). No caso das crianas, o Termo de Consentimento foi assinado por um dos seus responsveis (Cf. anexo D). Conforme Szymanski (2004, p. 12):

    A concordncia do entrevistado em colaborar na pesquisa j denota sua intencionalidade pelo menos a de ser ouvido e considerado verdadeiro no que diz , o que caracteriza o carter ativo de sua participao, levando-se em conta que tambm ele desenvolve atitudes de modo a influenciar o entrevistador.

    Entendemos que a escuta da opinio das crianas ofereceria uma viso diferente ao nosso objeto de estudo.

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    4.4 Instrumentos para coleta de dados

    Os instrumentos de coleta de dados foram: entrevista semi-estruturada, anlise de documentos e observao.

    A entrevista semi-estruturada foi realizada com os responsveis e com as professoras, pois segundo Pdua (2004, p.70) este :

    [...] um dos procedimentos mais usados em pesquisa de campo, tem suas vantagens como meio de coleta de dados: possibilita que os dados sejam analisados quantitativa e qualitativamente, pode ser utilizada com qualquer segmento da populao (inclusive analfabetos) e se constitui como tcnica muito eficiente para obteno de dados referentes ao comportamento humano.

    A autora explica que a entrevista semi-estruturada viabiliza que o investigador organize um conjunto de questes sobre o tema que est sendo estudado, mas permite, e s vezes at incentiva, que o entrevistado fale livremente sobre assuntos que vo surgindo como desdobramentos do tema principal (PDUA, 2004, p.70). Para isso foi elaborado um roteiro com questes norteadoras (Cf. anexos E e F) que tambm foi utilizado em relao s crianas, j que forneceram apontamentos e explicaes sobre o objeto de pesquisa por meio de uma dinmica.

    As questes das entrevistas giraram em torno das seguintes temticas: Educao Infantil, relao escola-famlia e comunicao.

    Ao se referir entrevista semi-estruturada Trivios (2008, p. 146) salienta que:

    Podemos entender por entrevista semi-estruturada, em geral, aquela que parte de certos questionamentos bsicos, apoiados em teorias e hipteses, que interessam pesquisa, e que, em seguida, oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de novas hipteses que vo surgindo medida que se recebem as respostas do informante. Desta maneira, o informante, seguindo espontaneamente a linha do seu pensamento e de suas experincias dentro do foco principal colocado pelo investigador, comea a participar na elaborao do contedo da pesquisa.

    Elas foram feitas pela pesquisadora no prprio ambiente escolar, em local que preservasse a privacidade dos participantes. As entrevistas tiveram como objetivo

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    principal, conhecer e analisar o entendimento do papel que, tanto a as educadoras quanto as famlias, atribuem a agenda escolar. De acordo com Szymanski (2004, p. 12):

    [...] a entrevista face a face fundamentalmente uma situao de interao humana, em que esto em jogo as percepes do outro e de si, expectativas, sentimentos, preconceitos e interpretaes para os protagonistas: entrevistador e entrevistado. Quem entrevista tem informaes e procura outras, assim como aquele que entrevistado tambm processa um conjunto de conhecimentos e pr-conceitos sobre o entrevistador, organizando suas respostas para aquela situao. A intencionalidade do pesquisador vai alm da mera busca de informaes: pretende criar uma situao de confiabilidade para que o entrevistado s e abra. Deseja instaurar credibilidade e quer que o interlocutor colabore, trazendo dados relevantes para seu trabalho.

    Para Duarte (2002), a entrevista exige do pesquisador uma caracterstica especial que expresse sua competncia humano-cientfica, conferindo-lhe um papel importante na qualidade do processo e do produto pesquisa. Conforme o autor, na metodologia de base qualitativa, o nmero de sujeitos que viro a compor o quadro das entrevistas dificilmente pode ser determinado a priori, j que tudo depende da qualidade das informaes obtidas em cada depoimento, assim como da profundidade e do grau de recorrncia e divergncia destas informaes.

    Por mais que se saiba, hipoteticamente, aquilo que se est buscando, adquirir uma postura adequada realizao de entrevistas semi-estruturadas, encontrar a melhor maneira de formular as perguntas, ser capaz de avaliar o grau de induo da resposta contido numa dada questo, ter algum controle das expresses corporais (evitando o mximo possvel gestos de aprovao, rejeio, desconfiana, dvida, entre outros), so competncias que s se constroem na reflexo suscitada pelas leituras e pelo exerccio de trabalhos dessa natureza. (DUARTE, 2002, p.32)

    As entrevistas com os familiares foram realizadas em ocasies distintas, como na chega ou na sada das duas escolas, cuja escolha foi aleatria, de acordo com a disponibilidade de tempo dos entrevistados. Vale salientar, que o maior nmero de entrevistas foi feito com as mes dos alunos destas instituies, pelas seguintes razes: por manterem efetivamente um maior contato no cotidiano da escola, e tambm por algumas serem chefes de famlia, e outras, porque o contato foi feito em

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    horrio no compatvel com a presena dos pais. Os depoimentos foram gravados e transcritos posteriormente.

    Para a coleta de dados consideramos os seguintes documentos: agendas, avisos, minutas de reunies, documentos administrativos (propostas, relatrios de avaliao e outros documentos internos) e estudos ou avaliaes formais do mesmo local sob estudo (YIN, 2005, p. 112). Nesse sentido, Pdua (2004, p. 77) sugere que:

    Quando o estudo de caso se refere a instituies especficas, por exemplo uma escola, um hospital, um centro de sade, uma universidade , no momento de caracterizao do caso podemos recorrer aos registros institucionais disponveis, como atas, regimentos, folders, jornais de circulao interna e outros. Se necessrio, este material tambm pode ser anexado ao trabalho de pesquisa, no todo ou em parte, a ttulo de complementao ou comprovao dos dados coletados.

    Tambm foi oferecida ateno especial aos bilhetes, recados e mensagens registrados nas agendas escolares, fontes fundamentais para levantar questionamentos sobre o funcionamento da comunicao entre famlia e escola, visto que:

    Devido a seu valor global, os documentos desempenham um papel explcito em qualquer coleta de dados, ao se realizar estudos de casos. Buscas sistemticas por documentos relevantes so importantes em qualquer planejamento para a coleta de dados (YIN, 2005, p. 114).

    Tambm foram realizadas observaes da rotina escolar com o objetivo de complementar o enfoque que estava sendo pesquisado, j que a identificao de problemas para fins de pesquisa, inclusive as de natureza observacional, sempre partem de tpicos bastante amplos para, depois de sua anlise, concentrar-se em um problema especfico (VIANNA, 2003, p. 13).

    A observao [...] utiliza os sentidos na obteno de determinados aspectos da realidade. No consiste apenas em ver e ouvir, mas tambm em examinar fatos ou fenmenos que se deseja estudar (MARCONI E LAKATOS, 2006, p. 88). J Laville e Dionne (1999) consideram a observao como um modo privilegiado de contato com o real, sendo um instrumento importante para o desenvolvimento de saberes,

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    principalmente quando falamos de cincias humanas. Pdua (2004, p. 79) salienta que:

    Nosso conhecimento do mundo fsico e do mundo social se realiza a partir da observao espontnea, informal ou assistemtica; registramos os fatos observados a partir de nossa experincia, cultura, viso de mundo, tentando buscar uma explicao para a realidade e as relaes entre os fenmenos que a compem.

    As observaes foram registradas no dirio de campo que se configura como um lugar onde registrado aquilo que [...] o investigador ouve, v, experiencia e pensa no decurso da recolha e refletindo sobre os dados de um estudo qualitativo (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 150). Nesta prtica importante que o observador desenvolva um mtodo pessoal para fazer suas anotaes, interferindo ou participando o mnimo possvel das situaes observadas (VIANNA, 2003). Alm disso, a observao uma tcnica que tem contribudo para o desenvolvimento do conhecimento cientfico, principalmente na pesquisa educacional, visto que complementa as entrevistas.

    As observaes tinham por objetivo conhecer no cotidiano, as relaes existentes entre as escolas e as famlias. Os registros das observaes foram concentrados em diferentes espaos coletivos: ptio na hora do recreio, corredores, portes de entrada e sada, salas de coordenao e direo, secretaria. Tambm foram observadas as reunies de pais e as atividades pedaggicas, pois:

    Partindo-se do princpio de que os fenmenos de interesse no so puramente de carter histrico, encontrar-se-o disponveis para a observao alguns comportamentos ou condies ambientais relevantes. Essas observaes servem como uma outra fonte de evidncias em um estudo de caso (YIN, 2005, p.120).

    Um dos objetivos desta pesquisa era o de abrir um espao para que as crianas revelassem o seu prprio olhar, mostrando como pensam, sentem e imaginam o mundo (KRAMER, 2002), j que:

    Histria, sociedade e cultura vo se delineando como categorias importantes para se reconceber a infncia, e a prpria infncia passa a ocupar esse outro lugar em uma concepo de histria que se v e se quer crtica. Fica instaurada uma nova ruptura conceitual, no entendimento da

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    infncia, que tem ntidas repercusses para a prtica de pesquisa (KRAMER, 2002, p. 46).

    Segundo essa autora, para entender a infncia, a linguagem desempenha um papel central nessa busca pela ressignificao. Para isso, cada grupo de alunos foi convidado para uma dinmica que favorecesse a coleta de informaes.

    A escuta sensvel possibilitou interpretar a voz das crianas, em torno do que estava sendo pesquisado, pois:

    [...] fica evidente que ouvir o que pensam, sentem e dizem as crianas na perspectiva de estudar, desvendar e conhecer as culturas infantis, constitui-se no apenas em mais uma fonte (oral) de pesquisa, mas principalmente em uma possibilidade de investigao acerca da infncia (QUINTEIRO, 2002, p. 35).

    A escuta das crianas foi realizada atravs de uma dinmica onde, com o auxlio da professora, o grupo foi organizado numa grande roda. Utilizei um saco surpresa para adivinharem o que havia dentro e ofereci apenas uma dica: algo que permanece dentro da sala de aula! O saco surpresa foi passando de mo em mo, para que todos pudessem manuse-lo, alm de levantar hipteses sobre seu contedo.

    Buscando desvelar a infncia das crianas convidei os interlocutores a decifrar a seguinte questo: Para que serve a agenda? A partir deste momento ofereceram algumas pistas sobre o objeto de pesquisa que est inserido na cultura infantil. Pinto e Sarmento (1997, p. 25) entendem que o olhar das crianas permite revelar fenmenos sociais que o olhar dos adultos deixa na penumbra ou obscurece totalmente.

    Assim, interpretar as representaes sociais das crianas pode ser no apenas um meio de acesso infncia como categoria social, mas s prprias estruturas e dinmicas sociais que so desocultadas no discurso das crianas.

    4.5 Procedimentos para anlise de dados

    Os dados foram analisados pelo Tcnica de Anlise de Contedo proposta por Lawrence Bardin (2004), o qual bastante pertinente ao estudo de caso. Esta

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    tcnica consiste na descrio analtica, sendo complementada pela interpretao dos dados com o uso da objetividade, atingindo a compreenso dos significados do contedo manifesto.

    A anlise de contedo pode ser empregada tanto na abordagem quantitativa quanto qualitativa e, nesta ltima, a anlise de interpretao inferencial. Nesta investigao, a anlise de contedo do material coletado seguiu trs etapas: a pr-anlise, a explorao do material e o tratamento dos resultados.

    Na primeira etapa houve a leitura do material e o desmembramento dos textos (entrevistas, atas de reunio, legislaes e bilhetes) para encontrar unidades constituintes, ou seja, as unidades temticas que focavam o fenmeno pesquisado.

    Na segunda etapa, os dados apreendidos do texto foram transformados em unidades de sentido e receberam um ttulo que expressasse o que os caracterizam. De acordo com Pdua (2004, p.82-83) na fase de categorizao dos dados imprescindvel observar trs dimenses:

    - pertinncia: deve-se verificar se a informao registrada pertence rea pesquisada e efetivamente essencial pesquisa [...] Caso a pertinncia do item em questo seja duvidosa, a ficha de apontamentos pode ser arquivada para verificao ou utilizao posterior; - relevncia: mesmo que a informao pertena rea pesquisada, pode no ser relevante para a pesquisa em questo. O problema da relevncia vai depender do conhecimento do pesquisador em relao sua rea de especializao, e de uma anlise comparativa das informaes coletadas. - autenticidade: ao longo da pesquisa pode-se encontrar citaes no-documentadas, quando vrios autores e obras so consultados sobre determinado assunto. Deve-se ento localizar e documentar a informao original, para que possa ser incorporada como nota crtica da pesquisa. Verificar tambm se no h concentrao d