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Rev Port Cien Desp 9(2) 159–195 159 O Olimpismo hoje. De uma diplomacia do silêncio para uma diplomacia silenciosa. O caso das duas Chinas Gustavo Pires Faculdade de Motricidade Humana Universidade Técnica de Lisboa Portugal Presidente do Fórum Olímpico de Portugal RESUMO O Movimento Olímpico, devido à contestação política que têm como cenário de fundo os Jogos de Pequim (2008), vive um momento crucial que, por paradoxal que possa parecer, está a pro- piciar as condições necessárias à sua evolução e ao seu progresso. Por um lado, a República Popular da China (RPC) comprometeu-se a realizar a abertura necessária no âmbito do respeito pelos Direitos Humanos quando, em 2001, Pequim recebeu a incumbên- cia de organizar os Jogos da XXIX Olimpíada. Por outro lado, o Comité Olímpico Internacional (COI) passou a sofrer as maiores pressões das mais diversas organizações não governamentais (ONGs), a fim de obrigar a China a cumprir o prometido. Tal como Jacques Rogge reconheceu, o Movimento Olímpico acabou por ficar no meio de uma crise difícil de gerir a contento de todos. Contudo, o ambiente de crises entre o COI e a RPC não era uma situação totalmente desconhecida para as duas entidades. De facto, no início dos anos cinquenta desencadeou-se o desig- nado problema das “duas Chinas” que chegou ao ponto do Comité Olímpico Nacional (CON) da RPC, em plena guerra- fria, abandonar o COI e a generalidade das federações interna- cionais (FI). Ao tempo, Avery Brundage Presidente do COI, afirmava que o desporto nada tinha a ver com a política. Passados mais de cinquenta anos, como se tem vindo a consta- tar na Olimpíada de Pequim, a questão das relações entre o desporto e a política, pelas mais diversas razões, ainda não está resolvida. Por um lado, os dirigentes políticos continuam a manipular as questões desportivas de acordo com as suas con- veniências, por outro lado, contra todas as evidências, a genera- lidade dos dirigentes do mundo do Movimento Olímpico conti- nua a afirmar que o desporto nada tem a ver com a política. O objectivo do presente ensaio é analisar a questão política do desporto tendo em consideração as relações passadas e presentes entre a RPC e COI, no quadro do problema das “duas Chinas”. Palavras-chave: China, desenvolvimento, ideologia, Olimpismo, política ABSTRACT The Olympic movement today. From a diplomacy of silence to a silent diplomacy. The case of both China Due to the political protest which scenery was Peking Olympic Games of (2008), the Olympic Movement, for paradoxical reasons, is in a cru- cial moment which can be the appropriate and necessary one to promote his evolution and progress. On one side, the People’s Republic of Chine (PRC) promised to accomplish the necessary opening in the ambit of the respect for the Human Rights when, in 2001, Peking received the incumbency to organize the Games of the XXIX Olympiad. On the other hand, the International Olympic Committee (IOC) started to suf- fer the largest pressures from several non-governmental organisations (NGOs), in order to force China to accomplish his promises. Jacques Rogge recognized, that the Olympic Movement was in the middle of a crisis difficult to manage in a satisfactory way for every one involved in the process. However, the atmosphere of crises between IOC and RPC was not an unknown situation for the two entities. As matter of fact, in the begin- ning of the fifties the so called «two China» problem got to a point that the national Olympic Committee of PRC, in the middle of the cold war, abandoned the IOC and several of international sports federations (IF). At the time, Avery Brundage President of IOC, affirmed that the sport has nothing to do with policy. Passed more than fifty years, as it is possible to verify in the Olympics of Peking, the subject of the relationships between the sport and the politics, for the most several reasons, was not still resolved. On one side, the political leaders continue to manipulate the sport subjects in agreement with their conveniences, on the other hand, against all the evidences, most of leaders’ of the Olympic Movement continues to affirm that the sport has nothing to do with policy. The objective of the present rehearsal is to analyze the political subject of the sport, considering the last and present relationships between PRC and IOC, in the context of the «two China» problem. Key-words: China, development, ideology, Olympics, policy

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O Olimpismo hoje. De uma diplomacia do silêncio para uma diplomacia silenciosa. O caso das duas Chinas

Gustavo Pires Faculdade de Motricidade HumanaUniversidade Técnica de LisboaPortugalPresidente do Fórum Olímpico de Portugal

RESUMOO Movimento Olímpico, devido à contestação política que têmcomo cenário de fundo os Jogos de Pequim (2008), vive ummomento crucial que, por paradoxal que possa parecer, está a pro-piciar as condições necessárias à sua evolução e ao seu progresso.Por um lado, a República Popular da China (RPC) comprometeu-sea realizar a abertura necessária no âmbito do respeito pelosDireitos Humanos quando, em 2001, Pequim recebeu a incumbên-cia de organizar os Jogos da XXIX Olimpíada. Por outro lado, oComité Olímpico Internacional (COI) passou a sofrer as maiorespressões das mais diversas organizações não governamentais(ONGs), a fim de obrigar a China a cumprir o prometido. Tal comoJacques Rogge reconheceu, o Movimento Olímpico acabou por ficarno meio de uma crise difícil de gerir a contento de todos. Contudo, o ambiente de crises entre o COI e a RPC não erauma situação totalmente desconhecida para as duas entidades.De facto, no início dos anos cinquenta desencadeou-se o desig-nado problema das “duas Chinas” que chegou ao ponto doComité Olímpico Nacional (CON) da RPC, em plena guerra-fria, abandonar o COI e a generalidade das federações interna-cionais (FI). Ao tempo, Avery Brundage Presidente do COI,afirmava que o desporto nada tinha a ver com a política.Passados mais de cinquenta anos, como se tem vindo a consta-tar na Olimpíada de Pequim, a questão das relações entre odesporto e a política, pelas mais diversas razões, ainda não estáresolvida. Por um lado, os dirigentes políticos continuam amanipular as questões desportivas de acordo com as suas con-veniências, por outro lado, contra todas as evidências, a genera-lidade dos dirigentes do mundo do Movimento Olímpico conti-nua a afirmar que o desporto nada tem a ver com a política. O objectivo do presente ensaio é analisar a questão política dodesporto tendo em consideração as relações passadas e presentesentre a RPC e COI, no quadro do problema das “duas Chinas”.

Palavras-chave: China, desenvolvimento, ideologia, Olimpismo,política

ABSTRACTThe Olympic movement today. From a diplomacy of silence to asilent diplomacy. The case of both China

Due to the political protest which scenery was Peking Olympic Gamesof (2008), the Olympic Movement, for paradoxical reasons, is in a cru-cial moment which can be the appropriate and necessary one to promotehis evolution and progress. On one side, the People’s Republic of Chine(PRC) promised to accomplish the necessary opening in the ambit ofthe respect for the Human Rights when, in 2001, Peking received theincumbency to organize the Games of the XXIX Olympiad. On theother hand, the International Olympic Committee (IOC) started to suf-fer the largest pressures from several non-governmental organisations(NGOs), in order to force China to accomplish his promises. JacquesRogge recognized, that the Olympic Movement was in the middle of acrisis difficult to manage in a satisfactory way for every one involved inthe process. However, the atmosphere of crises between IOC and RPC was not anunknown situation for the two entities. As matter of fact, in the begin-ning of the fifties the so called «two China» problem got to a point thatthe national Olympic Committee of PRC, in the middle of the cold war,abandoned the IOC and several of international sports federations (IF).At the time, Avery Brundage President of IOC, affirmed that the sporthas nothing to do with policy. Passed more than fifty years, as it is possible to verify in the Olympicsof Peking, the subject of the relationships between the sport and thepolitics, for the most several reasons, was not still resolved. On oneside, the political leaders continue to manipulate the sport subjects inagreement with their conveniences, on the other hand, against all theevidences, most of leaders’ of the Olympic Movement continues toaffirm that the sport has nothing to do with policy.The objective of the present rehearsal is to analyze the political subjectof the sport, considering the last and present relationships betweenPRC and IOC, in the context of the «two China» problem.

Key-words: China, development, ideology, Olympics, policy

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INTRODUÇÃOA atribuição da organização dos Jogos da XXIXOlimpíadai a Pequim, devido às questões relativasaos Direitos Humanos na China, à guerra no Darfure à autonomia do Tibete, veio, mais uma vez, trazerao decima a questão da utilização política do despor-to que, recorrentemente, atinge as parangonas dacomunicação social e as preocupações de muitosdirigentes desportivos. Contudo, independentementede, só em determinados momentos, as questões polí-ticas do desporto poderem merecer os favores privi-legiados da atenção social, o que é facto é que, asmais diversas ideologias, da esquerda à direita e ageneralidade dos regimes políticos, embora não oadmitam, sempre que lhes convém, utilizam o des-porto como uma arma política. Dum lado, esgrimemaqueles que representam os eternos complexos deuma esquerda envergonhada que gosta do desporto edos seus efeitos propagandísticos mas, como tempreconceitos em admiti-lo, desvaloriza-o e despresti-gia-o, transformando-o numa actividade menor, fol-clórica, à margem dos assuntos sérios da vida, peloque, para ela, o dito só serve para alienar as desgra-ças do povo. Do outro lado, o apetite fogoso de umadireita mercantilista, desavergonhada, com tiquesreaccionários, por vezes até mesmo fascistas, funda-mentalmente interessada em transformar o desportonuma “vaca leiteira”ii que é necessário mugir até àúltima pinga de leite, em nome dos interesses dapátria amada. Perante estes dois cenários, o Movimento Olímpicotradicionalmente adoptou um comportamento queinvariavelmente se situou entre a metáfora da aves-truz que faz por ignorar os problemas e um determi-nado oportunismo que procura tirar partido dassituações em benefício próprio. Estas duas perspecti-vas, ao longo dos últimos mais de cinquenta anos,sob a desculpa do apolitismo desportivo, impediramo Comité Olímpico Internacional (COI) de possuiruma agenda política própria, acabando por, em mui-tas situações, andar a reboque de agendas políticasalheias e, muitas vezes até, das próprias agendaspessoais de dirigentes desportivos e políticos. Até à II Guerra Mundial, à excepção das disputasrelativas ao boicote aos Jogos de Berlim (1936), aquestão política do desporto, para além de algunsassuntos importantes mas, de certo modo, delimita-

dos, decorreu sem problemas de maior, quer dizer, àmargem das grandes questões de ordem ideológica,até porque era o COI quem controlava a situação,uma vez que a acção política decorria de dentro doCOI para fora, quer dizer, do COI para os líderes, asorganizações, os governos e os países com quemmantinha relações, ou desejava influenciar politica-mente.iii A partir dos anos cinquenta, com as seque-las da II Grande Guerra, a situação alterou-se radi-calmente na medida em que o COI começou a ter delidar com problemas que lhe chegavam de fora paradentro. Ora, o COI não estava minimamente prepa-rado para resolver este tipo de situações. Por isso,perante a incapacidade de lidar com problemas queestavam fora da sua esfera de acção, optou por sefechar sobre si próprio, através da posição de que odesporto nada tinha a ver com a política. Esta atitu-de deu origem ao designado apolitismo desportivono qual o COI se refugiou durante mais de cinquen-ta anos, a fim de não se deixar contaminar pelasquestões ideológicas e políticas que sempre marca-ram e sempre hão-de marcar a vida mundial.A seguir à II Guerra Mundial, as condições sociais,económicas e políticas do mundo, alteraram-se radi-calmente. As relações entre o desporto e a políticadeixaram de ter o quadro mais ou menos cordato dopassado, só verdadeiramente perturbado com osJogos de Berlim (1936). A partir dos anos cinquenta,as questões começaram a ser outras completamentediferentes, pelo que, de um momento para o outro, oCOI viu-se invadido pelos mais diversos problemas,alguns provenientes dos tempos modernos que omundo vivia, outros, decorrentes das enormessequelas políticas deixadas pela própria Guerra. A problemática do apolitismo desportivo começou aser levantada por Avery Brundage (1887-1975) naqualidade de Presidente do Comité Olímpico dosEstado Unidos (COEU) a propósito do eventual boi-cote dos EUA aos Jogos de Berlim (1936), devido àquestão dos judeus. Depois, não só na sua qualidadede Vice-presidente do COI como, de 1952 até 1972,como seu Presidente, Brundage com a maior dahipocrisias e cinismos sempre defendeu que o des-porto nada tinha a ver com a política, causando comesta sua posição enormes problemas ao próprioMovimento Olímpico.iv Mas, como vamos ter a opor-tunidade de verificar ao longo do presente ensaio, a

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máxima adoptada por Brundage surgiu de uma inca-pacidade absoluta dos dirigentes enfrentarem asquestões ideológicas e políticas que o desporto lhescolocava, pelo que acabaram por ser manipuladospor todos os lados inclusivamente por AveryBrundage. Depois, a II Grande Guerra Mundial acabou porcolocar problemas políticos e desportivos aoMovimento Olímpico, para os quais o COI não esta-va preparado para resolver. Tudo aquilo que a gene-ralidade dos dirigentes do COI verdadeiramentedesejavam, era manter o Movimento Olímpico emcada país, fora do controlo governamental. Todavia,para o conseguirem, escolheram a estratégia errada.E escolheram a estratégia errada na medida em quenem todos os protagonistas de ambos os lados erammovidos pelas melhores intenções. Por isso, porparadoxal que possa parecer, para ultrapassarem osproblemas políticos com que se defrontavam, ideolo-gia era aquilo que os dirigentes do MovimentoOlímpico mais necessitavam. Até porque, uma orga-nização seja ela qual for, sem ideologia e sem umaagenda política próprias, acaba por ser gerida aosabor das conveniências, dos impulsos e das pres-sões internas e externas a que, em cada momento,está sujeita. E foi o que aconteceu. Em consequên-cia, embora contra a opinião da generalidade dosinvestigadores que se tem dedicado ao estudo dasrelações do desporto com a política, o que é facto éque a ideia de Brundage resistiu durante mais decinquenta anos. Mas resistiu não pela força dos seusargumentos mas pela força dos interesses da genera-lidade dos dirigentes desportivos e políticos que pas-saram a utilizar a metáfora das mais diversas manei-ras, em função dos seus interesses. Em conformidade, contestamos o discurso “politica-mente correcto” que afirma que o desporto nada tema ver com a política. Este tipo de discurso, em muitascircunstâncias, conduziu injustamente o desporto emgeral e o Olimpismo em particular, para uma imagemdistorcida junto da generalidade das pessoas. Agora, o Movimento Olímpico, com todos os proble-mas que decorreram da atribuição em 2001 da reali-zação dos Jogos XXIX Olimpíada à cidade dePequim, está a viver um momento crucial de mudan-ça de paradigma, em que o velho adágio cunhado porAvery Brundage está, sob a nova Liderança de

Jacques Rogge, a dar lugar a uma outra perspectivade entender a questão, em que o desporto é entendi-do como um catalizador de mudança e de progressoao serviço do Desenvolvimento Humano.v E, devidoa este novo posicionamento social e político, o quese verifica é que o COI está a evoluir de uma “políti-ca de silêncio” que caracterizou a sua acção no pas-sado, para uma “política silenciosa” que há-de carac-terizar a sua acção no futuro e que já começou a teralguns efeitos nos Jogos de Pequim.Na realidade, do movimento de contestação aosJogos Olímpicos de Pequim, pode ter começado asurgir uma alternativa ao apolitismo desportivo queenvolveu os discursos da generalidade dos dirigentespolíticos e desportivos, sempre que lhes conveio.Porque, o que se tem vindo a passar na Olimpíadade Pequim, muito provavelmente, indicia umamudança de paradigma em que um discurso velho edesajustado aos tempos actuais, pode estar a darlugar a um discurso novo que assume que o despor-to, tal como outra qualquer actividade do domíniosocial, é política pelo simples facto de estar envolvi-do na própria vida das pessoas e das comunidades.Nesta perspectiva, o desenvolvimento do desportono quadro da acção do COI passa a avocar uma fun-ção catalítica de mudança no domínio do designado“soft power”, que acaba por ser bem mais eficiente noque diz respeito à promoção dos valores doOlimpismo. Porque, como defende Jacques RoggePresidente do COI, muito embora não seja função doOlimpismo resolver os problemas do mundo, toda-via, também não os pode ignorar metendo a cabeçana areia, dizendo que o desporto nada tem a ver comaquilo que se passa à sua volta, para além do rendi-mento, da medida, dos recordes e dos espectáculosdesportivos que, à escala do Planeta, acontecem dequatro em quatro anos. Entre a institucionalização por Avery Brundage damáxima de que “o desporto nada tem a ver com apolítica” e a proferida por Jacques Rooge de que “odesporto é um catalizador de mudança”, decorrerammais de cinquenta anos. Neste período de tempo, omundo viveu mais ou menos convencido de que odesporto nada tinha a ver com a política até que, noinício da XXIX Olimpíada, em Março de 2008, asmanifestações contra a política interna e externa daRepublica Popular da China (RPC), bem como contra

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a aparente passividade do COI relativamente aos atro-pelos aos Direitos Humanos na China, surgiram tãoinopinadamente e com tanta violência, que ninguémficou indiferente ao que se estava a passar. Tanto oCOI como as autoridades chinesas foram apanhadoscompletamente desprevenidos, perante uma situaçãoque podia atingir proporções desastrosas para a pró-pria organização dos Jogos Olímpicos de Pequim. Osmanifestantes exigiam à RPC o respeito pelos DireitosHumanos e ao COI que assumisse a suas responsabi-lidades de acordo com o seu quadro ideológico dereferência, expresso na Carta Olímpica. Depois, perante a gravidade dos acontecimentos aAmnistia Internacional (AI)vi, emitiu um comunica-do aonde afirmava:“A China está a aproveitar os Jogos Olímpicos, para realizaracções de repressão que violam os direitos humanos, nomea-damente está a limpar Pequim de ‘indesejáveis’. (…) Arepressão sobre defensores dos Direitos Humanos, jornalistase advogados, tem vindo a tornar-se mais forte devido aosJogos Olímpicos. Caso as autoridades não mudem imediata-mente de rumo, o legado dos Jogos Olímpicos de Pequim nãoserá positivo para os direitos humanos na China”.vii

Claro que a China repudiou as acusações da AI edefendeu a forma como o país testava a evoluir naquestão dos Direitos Humanos. Não há dúvidas deque a RPC progrediu extraordinariamente desde ofim da Revolução Cultural (1966-1976), no entanto,essa evolução ficou-se em grande medida a dever àspressões das mais diversas organizações da comuni-dade internacional, entre elas as do COI. E não podeser de outra maneira, até porque quando a tese doapolitismo desportivo defende a ideia da indepen-dência total da prática desportiva relativamente àsquestões de ordem política, transforma o desportonuma simples actividade de raiz física e biológicaque se esgota no corpo máquina do rendimento, damedida e do recorde ao serviço do espectáculo.Deste modo, desencadeia uma perspectiva fascizanteda prática desportiva na medida em que inverte osobjectivos e os valores do desporto e, em última aná-lise, coloca o desportista ao serviço do desporto enão o desporto ao serviço daqueles que, das maisdiversas maneiras, estão ligados às suas práticas.Vasco Pulido Valente escrevia em 1988 imediatamen-te a seguir aos Jogos Olímpicos de Seul: “O desporto Olímpico é um sacrifício humano aos valores

mais sórdidos e perversos do mundo contemporâneo. É umademonstração ritual de que a barbárie existe.”viii

Esta constatação que vinte anos depois, como seconstatou em Pequim (2008) com, entre outras, aceleuma acerca da verdadeira idade das ginastas chi-nesas, continua a ser oportuna, na medida em que,por detrás das performances das ginastas que encan-taram o mundo, estão questões de direitos humanosnos quais se inclui a exploração do trabalho infantil,pelo que, quer os arautos do apolitismo desportivoqueiram quer não, dão uma dimensão política aofenómeno desportivo deste logo porque o colocamnuma posição central no que diz respeito aos direi-tos humanos em geral e aos das crianças em particu-lar. E o texto de Pulido Valente continua a ser deenorme oportunidade na medida em que tem preva-lecido a ideia de que o desporto é qualquer coisa quepode funcionar à margem da política, sem quaisquerpreconceitos de ordem moral para que todos aquelesque afirmam que “o desporto nada tem a ver com apolítica”, possam dormir descansados, porque nin-guém sabe nem quer saber quantas atletas ficarampelo caminho e, sobretudo, quais as razões.ix

Perante este quadro e as enormes pressões a que oCOI estava a ser sujeito, no início da XXIXOlimpíada, Jacques Rogge foi obrigado a vir a públicomanifestar a posição do COI. Então, a 10/4/2008,numa conferência de imprensa realizada em Pequim,Rogge não se coibiu de recordar às autoridades chine-sas os compromissos assumidos em matéria de direi-tos humanos aquando da escolha da cidade de Pequimpara sediar os Jogos da XXIX Olimpíada. E disse:“Pedimos claramente à China que respeite esse compromissomoral”.As declarações de Rogge suscitaram uma rápidareacção de Jiang Yu, a porta-voz do Ministério dosNegócios Estrangeiros da RPC, que pediu aos res-ponsáveis do COI para não introduzirem políticanos Jogos:“Acredito que os membros do COI apoiam os JO e a inten-ção dos princípios olímpicos de não discutir factores políti-cos irrelevantes.” “Espero que os membros do COI conti-nuem a respeitar os estatutos olímpicos”.Quando Jiang Yu, em nome do governo da RPC,afrontou daquela maneira Jacques Rogge o COI,estava-se a esquecer ou a ignorar que os dirigentesda RPC, desde a sua fundação em 1949, sempre se

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utilizaram do desporto e do Olimpismo como instru-mentos da sua estratégia política ao serviço da ideo-logia. Até meados dos anos sessenta, a máxima dodesporto chinês que era levada às últimas conse-quências dizia: “Primeiro a amizade depois a competição.”Ora, quando no desporto, a competição naquilo quesignifica a luta leal e honrada pela vitória, não é oalfa e o ómega da prática desportiva, é porque exis-tem interferências externas que nada têm a ver como próprio desporto. E foi o que aconteceu comovamos ter a oportunidade de ver ao longo do presen-te ensaio.Em conformidade, o presente ensaio tem como objec-tivo contribuir para o esclarecimento da dimensãopolítica do desporto, à luz do problema das “duasChinas” que teve a sua origem ao tempo da organiza-ção dos Jogos Olímpicos de Helsínquia (1952), desen-volveu-se durante quase trinta anos influenciando arealização de vários Jogos Olímpico, sem que, aindahoje, esteja completamente resolvido. A questão das “duas Chinas” demorou mais do quedevia a resolver, porque nunca nenhuma das partesactuou com clareza e abertura, na medida em que,sob a metáfora de que o desporto nada tinha a vercom a política, sempre se limitaram a tentar imporos seus interesses explícitos ou implícitos, própriosou alheios.No presente ensaio vamos analisar as relações e opercurso da RPC no âmbito do Movimento Olímpicointernacional, tendo em atenção a problemática polí-tica que envolveu toda esta questão, que ficouconhecida como o problema das “duas Chinas”.

ABERTURA DO OLIMPISMO A ORIENTEUm Movimento Olímpico fechado é a última coisaque pode agradar àqueles que verdadeiramente seinteressam pelas questões do Olimpismo e do des-porto. Só pode convir àqueles que querem fazer doOlimpismo uma espécie de “clube de amigos”, aoserviço de vários interesses que nada têm a ver nemcom os atletas nem com a “celebração da humanida-de”. Por isso, a abertura do COI às mais diversasculturas, regiões, países e regimes, é uma questãoque tem de estar sempre na ordem do dia, de acordocom o próprio espírito internacionalista doMovimento Olímpico. E a grande oportunidade para

o COI dar mais um passo em frente na construçãodo Olimpismo moderno, aconteceu na 112ª reuniãodo Comité Olímpico Internacional (COI) realizada a13 de Julho de 2001 em Moscovo, quando foi anun-ciada a escolha de Pequim como a cidade sede dosJogos da XXIX Olimpíada que seriam realizados em2008. Na referida reunião, o COI:— Arriscou a abertura ao desconhecido;— Tomou uma decisão potencialmente portadora defuturo;— Assumiu-se como uma instituição portadora demudança à escala planetária;— Proporcionou aos chineses a possibilidade demanifestarem o seu orgulho nacional; — Desencadeou uma nova perspectiva política deabordagem das questões desportivas.Ao tempo, foram muitos aqueles que entenderamque o COI tinha tomado uma decisão portadora defuturo. Todavia, existia também consciência de que,se por um lado, a decisão iria, de alguma maneira,contribuir para a abertura da República Popular daChina (RPC) ao mundo, por outro lado, sabia-se quese estava a tomar uma decisão de alto risco, namedida em que o COI aceitava entrar num processode longo prazox sem retorno, que, em muitas cir-cunstâncias, não controlava. Quer dizer, o COIabriu-se por vontade própria à RPC, um país comuma população de mais de mil milhões, atribuindo arealização dos Jogos Olímpicos à cidade de Pequimque se candidatava pela segunda vez, sabendo queessa decisão, no futuro, lhe ia certamente levantarproblemas difíceis de resolver. Contudo, o COI nãoestava em condições de não decidir a favor dePequim, sob pena de poder ser acusado de parciali-dade e de estar a introduzir questões ideológicas noprocesso de tomada de decisão da escolha da cidadesede dos Jogos Olímpicos.

Um bilião e trezentos milhões de habitantesA abertura do COI a Oriente também foi uma acçãointeressada, na medida em que o COI é uma máqui-na que gere uma das indústrias mais proveitosas domundo. Em conformidade, não podia deixar de setentar pelo país mais populoso do mundo, com umaeconomia que, nos últimos trinta anos cresceu auma taxa média anual de 9.6%.xi Com um rendimen-to per capita de 1290 dólares,xii a RPC transformou-se

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num exército económico extraordinariamente efi-ciente e barato, que passou a dificultar as economiasocidentais, entre elas a dos EUA. Perante este cená-rio A contestação aos Jogos Olímpicos de Pequimtambém aconteceu certamente por motivos de inte-resse de ordem exclusivamente económica que nadatinham a ver com os aspectos da defesa dos DireitosHumanos que anunciavam.

Receios – parlamento europeuIndependentemente das motivações de cariz humani-tário ou económico, as reacções não se fizeram espe-rar, mesmo antes da decisão ter sido tomada em2001. As possíveis opções relativamente aos Jogosda XXIX Olimpíada eram:— Pequim;— Toronto;— Osaka;— Paris;— Istambul.Perante este número de opções, o ParlamentoEuropeu, com alguma antecedência, não deixou demanifestar as suas preocupações relativamente àdecisão do COI, alertando-o para a necessidade deter de:xiii

— “Estabelecer directrizes que incluíssem o respeitopelos Direitos Humanos e pelos princípios democrá-ticos como regra geral a cumprir pelos países candi-datos a acolherem os Jogos Olímpicos”;— “Proceder a uma avaliação global do impactoambiental no que se refere, em particular, às defi-ciências repetidas de abastecimento de água, aoimpacto do turismo de massas e às repercussõessociais na região que circunda Pequim”;— “Reconsiderar a candidatura de Pequim quando asautoridades da RPC tivessem alterado profundamen-te a sua política em matéria de direitos do Homem ede promoção da democracia e do Estado de Direito.”Contudo, não foi por isso que o COI deixou de esco-lher Pequim, contrariando os desejos do ParlamentoEuropeu e indo contra os grupos de defesa dosDireitos Humanos que afirmavam que a RPC erauma ditadura, onde se praticavam ideias contráriasao Olimpismo, pelo que Pequim devia ser o últimolugar da Terra aonde se podia celebrar uma festa deliberdade e de fraternidade, como devem ser osJogos Olímpicos.

E os grupos de defesa dos Direitos Humanos nãotiveram qualquer pejo em avançar com o exemplodos Jogos Olímpicos de Berlim (1936), em que oCOI, de cedência em cedência, deu a sua contribui-ção para a hecatombe que foi a II Guerra Mundial.Os críticos argumentaram ainda com Tien An Menque, em 1993, tinha levado o COI a decidir entregara realização dos Jogos da XXVII Olimpíada à cidadede Sydney e não a Pequim que também tinha concor-rido. Como nada de verdadeiramente significativo,entretanto, mudara, não havia qualquer razão paraoptar por Pequim.O que é facto é que, em 2001, prevaleceram os argu-mentos que em 1981 tinham determinado a escolhada cidade de Seul para a realização dos Jogos daXXIV Olimpíada. Na realidade, a atribuição dosJogos de 1988 à capital da Coreia do Sul, coincidiucom o lento transformar de uma autocracia numademocracia. Hoje, é possível dizer que a sociedadecoreana evoluiu definitivamente para uma democra-cia plena e a realização dos Jogos Olímpicos, de algu-ma maneira, contribuiu para isso. Queremos acredi-tar que foi nesta perspectiva que o COI entregou arealização dos Jogos da XXIX Olimpíada a Pequim.

Bomba-relógioO mundo olímpico viveu mais ou menos sossegado,muito embora os mais atentos estivessem conscien-tes de que, de um momento para o outro, a bombarelógio ia rebentar. E rebentou. Em Março de 2008, portanto no início da XXIXOlimpíada, começaram a saltar para a comunicaçãosocial as três grandes questões latentes que ameaça-vam os Jogos de Pequim: — A questão dos Direitos Humanos na China; — A questão da guerra do Darfur;— A questão do genocídio cultural no Tibete.E a bomba-relógio rebentou ao desencadearem-sevárias manifestações em Lhasa capital do Tibete como propósito claro dos seus mentores se aproveitaremdos Jogos Olímpicos para chamarem a atenção domundo sobre a situação do Tibete. Das manifesta-ções resultaram, segundo o Governo de Pequim, 13mortos e 325 feridos e, segundo o Governo tibetanono exílio, pelo menos, 99 mortos, a maioria na pró-pria capital.xiv

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Depois, o percurso mundial da Tocha Olímpica criouuma excelente oportunidade para diversasOrganizações Não Governamentais (ONGs) se mani-festarem contra o que se estava a passar na RPC. Etudo começou logo na cerimónia do atear da ChamaOlímpica realizada em 24 de Março de 2008 emOlímpia, já que o mundo teve a oportunidade deassistir em directo na televisão, a manifestações emdefesa dos direitos dos tibetanos, levadas a efeitopela ONG Repórteres sem Fronteiras (RSF).

Uns Jogos excepcionaisPerante o impacto das manifestações, diversos diri-gentes políticos e desportivos apressaram-se a mani-festar a sua contrariedade relativamente ao que seestava a passar. Segundo eles, não era legítimo quediversas ONGs se imiscuíssem nos Jogos Olímpicoscom os quais nada tinham a ver. Contudo, não faziaqualquer sentido que o COI, por um lado, assumisseos Jogos Olímpicos como um ritual à escala do pla-neta, em que pretendia “celebrar a humanidade”,mas, por outro, se tenha permitido, ao longo dosúltimos cinquenta anos da sua existência, convivercom as maiores misérias do mundo, sustentandoinvariavelmente a sua posição numa declaração hipó-crita como aquela que diz que “o desporto nada tema ver com a política”. Na realidade, perante as enormes transformaçõessociais que aconteceram desde os Jogos de Atenas2004, para além dos problemas políticos e económi-cos que envolvem o mundo e, em especial, a China,só os ingénuos podiam supor que a Olimpíada dePequim bem como os Jogos Olímpicos, iam decorrersem problemas, quer dizer, numa espécie de pazcelestial. Assim, a abertura do COI a Oriente, foi umaespécie de risco calculado, que só o futuro poderáfazer a contabilidade dos custos benefícios de talopção, na certeza de que, o Olimpismo nunca maisserá o mesmo depois dos Jogos Olímpicos de Pequim.O COI ao escolher Pequim para sediar a organizaçãodos jogos Olímpicos, apostou, arriscou e, para já,ganhou. Os Jogos decorreram na maior das harmoniase foram, como Jacques Rogge teve a oportunidade dereferir, sem sombra de dúvidas, um acontecimentodesportivo que, de facto, apesar de tudo, celebrou ahumanidade. O Presidente do COI considerou que oorganismo que lidera “saiu reforçado” da China:

“Foram jogos excepcionais em termos de universalidade”.xv

Todavia, a Olimpíada de Pequim vai continuar até aodia 31 de Dezembro de 2011, pelo que todo o pro-cesso em curso vai continuar. O que é que se vaipassar na China durante esse período de tempo é apergunta a fazer. Do ponto de vista interno e exter-no, qual é o legado político, económico e social dosJogos Olímpicos de Pequim?Vamos ter de esperar algum tempo para nos aperce-bermos do significado da decisão de 2001 tomadapelo COI.

O DESPORTO AO SERVIÇO DA RPCJiang Yu, porta-voz do Ministério dos NegóciosEstrangeiros da RPC, em plena crise originada pelacontestação à política chinesa durante o percurso daTocha Olímpica, veio recordar ao mundo umas dasrealidades mais hipócritas do desporto, isto é, que odesporto nada tem a ver com a política quando ascircunstâncias não jogam a favor dos nossos interes-ses, e, tem tudo a ver com a política, quando elasjogam a nosso favor. E esta dualidade de critérios, foio que sempre aconteceu na RPC.Hoje, é possível saber que, as autoridades da RPC atéao final da Revolução Cultural (1966-1976), subordi-naram a competição desportiva aos desígnios daorientação política. Ao fazê-lo, perverteram o espíritodo desporto. Mas é necessário dizer que os dirigentesda RPC ao utilizarem o desporto como arma política,não faziam nada mais do que os dirigentes de todosos outros países, na medida em que esse procedimen-to sempre foi utilizado pela generalidade dos políticosdos mais diversos países do mundo e de todos os regi-mes. O grande problema é que, se por um lado, ageneralidade dos dirigentes políticos nunca teve gran-de respeito pelo desporto e os seus dirigentes, poroutro lado, a generalidade dos dirigentes desportivosnunca se deu muito a respeitar.Em conformidade, todos eles só não utilizaram odesporto em benefício dos seus interesses políticosquando o não puderam fazer. Umas vezes, fizeram-no com bons propósitos, outras vezes, nem porisso. Porém, quando as coisas não iam no sentidoque mais lhes interessava, começavam logo a acusaros seus opositores de utilização política do despor-to, dizendo que o desporto nada tinha a ver com apolítica.

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Espanto, admiração e receioNa realidade, o desporto tem e muito a ver com apolítica e as autoridades chinesas até têm uma longaexperiência acerca do assunto. Toda a estratégia dacandidatura e organização dos Jogos da XXIXOlimpíada, assentou na necessidade política de afir-mação da RPC no mundo, processo iniciado ainda aotempo de Mao Zedong (1893-1976) com a diploma-cia do ping-pong, muito embora o desejo dos chine-ses organizarem o Jogos Olímpicos viesse de princí-pios do século XX. A própria entrada da RPC nasNações Unidas, sempre foi vista pela autoridadeschinesas como uma questão que andava a par daentrada no COI. E porquê? Pelo problema da “duasChinas”, uma disputa que se desenvolveu no COIdurante mais de 30 anos e que ainda hoje não estácompletamente resolvida. Se alguma coisa esta dis-puta prova, é que o desporto e a política estão com-pletamente envolvidos um no outro.Na realidade, as autoridades da RPC sempre utiliza-ram Olimpismo como um instrumento da sua afir-mação no mundo. Mais recentemente, desde o ping-pong de Mao Zedong, passando pela primeira candi-datura falhada da cidade de Pequim à organizaçãodos Jogos Olímpicos da XXVII Olimpíada que acaba-ram por se realizar em Sydney, até à candidaturavitoriosa de Pequim para a organização dos Jogos daXXIX Olimpíada, continuaram a fazê-lo de umaforma bem empenhada, mas debaixo de uma descon-fiança crescente por parte da comunidade internacio-nal, na medida em que ninguém é capaz de concluirse o estão a fazer com bons ou maus propósitos.Hoje, o mundo olha com espanto, admiração ealgum receio para a China e aguarda com expectativaas consequências a prazo, tanto do ponto de vistainterno como externo, que hão-de decorrer dos Jogosde Pequim.O que parece já não haver dúvidas é que o desporto,de há uns anos a esta parte, no mundo globalizadoem que vivemos, passou a ser um instrumento de“soft power” da geopolítica chinesa. Em boa verda-de, ninguém pode prever o que vai ser a Chinadepois dos Jogos. Porém, uma coisa parece certa, odesporto é para os chineses um instrumento da suaafirmação no mundo, pelo que a desconfiança comque alguns olham para os grandes eventos desporti-vos em que a RPC se envolve, é absolutamente justi-

ficada até pelos ensinamentos que é possível colherda história recente.

Países de língua oficial PortuguesaO sentimento de desconfiança referido é, também,partilhado por muitos daqueles que nos Países deLíngua Oficial Portuguesa (PALOPs) se interessampelas questões do desenvolvimento do desporto. A primeira edição dos Jogos da Lusofonia decorreuna Região Administrativa Especial de Macau, entre 7e 15 de Outubro de 2006. Segundo os seus promoto-res, com o objectivo de celebrarem:xvi “O espaço da lusofonia como comunidade de afinidadesconstruídas em redor de uma mesma língua”. No entanto, a realidade é completamente diferente.A institucionalização dos Jogos da Lusofonia maisnão é do que um muito útil e adequado instrumentoao serviço de uma estratégia de afirmação da Chinano continente africano, e muito especialmente emAngola e Moçambique. Para atingir este desiderato aRPC fez um investimento de 160 milhões de patacasou seja cerca de 16 milhões de euros na realizaçãodos Primeiros Jogos da Lusofonia. Nesta perspectiva em que os Jogos da Lusofonia sãopura e simplesmente uma alavanca estratégica daafirmação da RPC em África, pelo que Portugal atra-vés do COP está a ser simplesmente um peão daque-la estratégia, sem que daí advenham quaisquer resul-tados desportivos, devido ao desnível competitivoentre as equipas dos diversos países e regiões parti-cipantes, xvii ou quaisquer outros dignos de nota. Poroutro lado, ao abrir os Jogos da Lusofonia a outrosespaços geográficos aonde Portugal impôs uma pre-sença colonial, pode ser contraproducente na estraté-gia de afirmação de Portugal no mundo. O que sepassa por exemplo em Goa quando o Presidente daRepública Cavaco Silva recebeu em 2007 sob protes-tos um Doutoramento Honoris Causa pelaUniversidade de Goa, até às manifestações deOutubro de 2008 de protesto por parte da “freedom-fighters fraternity”, que acusam Portugal de estar adesenvolver uma política colonialista e a FundaçãoOriente de ser um agente ao serviço do GovernoPortuguês, são aspectos que devem ser consideradossob pena de “o feitiço se virar contra o feiticeiro”.Nesta perspectiva, também o Brasil, pelo menos apa-rentemente, olhou para a primeira edição dos Jogos

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da Lusofonia com alguma desconfiança. Aguarda-secom interesse, a posição que irá tomar relativamenteà segunda edição dos Jogos que decorrerá emPortugal em 2009, para a qual o governo portuguêsconsagrou no Orçamento de Estado a verba de 1,44milhões de euros, absolutamente insignificante secomparada com a dispendida pelos chineses na pri-meira edição dos Jogos da Lusofonia.

Os guerreiros de terracotaApesar de tudo, os Jogos da Lusofonia são só umpequeno aspecto da estratégia de “soft power” deafirmação da RPC no mundo. No que diz respeito aogrande projecto que foram os Jogos de Pequim, setudo começou na monumentalidade das infra-estru-turas desportivas e para-desportivas, não é por issoque os chineses deixaram de cuidar de todos oslados da organização até ao mais ínfimo pormenor,numa lógica de integração vertical de uma cadeia devalores políticos, económicos e comerciais, que che-gou até ao detalhe dos equipamentos que os atletasolímpicos usaram durante os Jogos, fornecidos pelaNIKE o que, desde logo se revela uma atitude desimpatia para com os americanos, na medida em quena China existe uma marca semelhante à NIKE quedá pelo nome de Ni Ling. O Estádio Olímpico – Ninho de Pássaros – com umacapacidade para 91 mil espectadores e um custo de425 milhões de dólares, mostrou ao mundo umanova China rica e moderna, bem diferente da Chinapobre e miserável transmitida nos anos sessenta esetenta pelas televisões de todo o mundo. Mas amonumentalidade das instalações desportivas projec-tou-se até ao nível da acção no terreno, através dosequipamentos. Repare-se que os equipamentos queos atletas chineses utilizaram, foram inspirados noscélebres guerreiros de Terracota. Eles procuramtransmitir os sentimentos de patriotismo e sacrifícioque o lendário imperador Qin Shi Huangdi promo-veu para a unificação da China. Os atletas afirmavamque quando vestiam os equipamentos se sentiam napele de “super-heróis”, na medida em que: — Incorporavam o espírito guerreiro de Terracota; — Sentiam um enorme orgulho em pertencerem àequipa nacional; — Usufruíam do supremo sentimento de servirem opaís.

Para que tudo isto pudesse ser explorado ao máxi-mo, o vermelho dos equipamentos foi testado sob osefeitos da iluminação das transmissões televisivas nopróprio Estádio Olímpico, a fim de ser conseguida acor mais desejada. Mas havia ainda um segredo bemguardado que procurava atingir o íntimo de cadaatleta. No interior dos equipamentos, num localonde ninguém a não ser o próprio podia ver, estavamescritas duas palavras do Hino Nacional da RPC: “Levantem-se e marchem…”. xviii

Os chineses idolatram os seus atletas mais famosos,desde Liu Xiang, ouro em Atenas nos 110 metrosbarreiras, até a Yao Ming, jogador de basquetebol daNBA. Assim, perante o desafio dos Jogos Olímpicos,a RPC preparou-se para os vencer porque, actual-mente, ao contrário do passado, as vitórias desporti-vas passaram a fazer parte da afirmação política eeconómica da RPC no mundo.

Uma Educação Física ao serviço da PátriaHoje, a RPC voltou à linha dura da competição des-portiva de Mao Zedong (pré-marxista), quer dizer,dos seus tempos de juventude. O “grande timonei-ro” da revolução chinesa, em 1917, muito antes dasua visão marxista do mundo, escreveu um livrointitulado “Um Estudo de Educação Física”, aondecomeçava por lamentar a deficiente condição físicada população chinesa. E, depois, escreveu: “A educação física não só harmoniza as emoções como tam-bém fortalece a vontade. (…) O principal desígnio da edu-cação física é o heroísmo militar. Os objectos do heroísmomilitar como a coragem, desafio, audácia e perseverança sãotodos questões de vontade. (…) As corridas de longa dis-tância são particularmente boas para o treino da perseve-rança.”xix

Note-se que, por contraditório que possa parecer,esta visão desportiva de Mao Zedong até era coinci-dente com a do nacionalista Chiang Kai-shek. E detal maneira que, segundo Andrew Morris (2008),xx

nos anos trinta aconteceram várias tentativas paraencontrar na China um modelo desportivo nacionalque pudesse contribuir para a unidade do país. Eesta ideia era partilhada tanto à esquerda como àdireita. Aliás, a confusão entre diferentes perspecti-vas ideológicas de direita e de esquerda aconteceutambém em França nos anos trinta.xxi

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Assim, nesta política de afirmação nacionalista, apartir dos términos da Revolução Cultural, a RPCdesenvolveu toda uma estratégia conducente àobtenção de resultados desportivos que se projectas-sem no mundo em benefício do país. Em consequên-cia, nos Jogos de Atlanta (1996) ficou em quartolugar com 16 medalhas de ouro; em Sydney (2000)ficou em terceiro lugar com 28 medalhas de ouro;em Atenas (2004) ficou em segundo lugar com 32medalhas de ouro (três atrás dos EUA); em 2008 emPequim a China ficou em primeiro lugar com 51medalhas de ouro num total de 100 medalhas con-quistadas.

Ser rico é gloriosoA guerra, em muitas circunstâncias, já não aconteceentre os exércitos dos países. Agora, a verdadeira“guerra” é económica. Em conformidade, a RPCassumiu decididamente o pensamento do antigoPrimeiro-ministro Deng Xiaoping quando este deu osinal de partida, quer dizer, o mote, para o combateeconómico que se avizinhava: “Ser rico é glorioso”. Do ponto de vista interno a RPC na última décadacriou uma classe média de 100 a 150 milhões depessoas com possibilidades para comprarem casa,automóvel e outros bens, até há pouco tempo ina-cessíveis. Do ponto de vista externo, os JogosOlímpicos de Pequim ao provocarem a visita de maisde 500 mil turistas e, entre os dias 8 a 24 de Agosto,a atenção de 4,7 biliões de telespectadores, ou seja,cerca de 70% da população da Terra, foram bem ummarco fundamental de toda uma estratégia de pro-moção e afirmação política e económica da RPC nomundo. A Organização Mundial do Turismo estimaque a China deve atingir o topo da lista de paísesmais procurados pelos turistas até 2010. Hoje, não restam dúvidas que a realização dos JogosOlímpicos com uma organização perfeita aos olhos domundo, era de fundamental importância para a ima-gem da China. Contudo, perante os perturbadoresacontecimentos relativos ao percurso da TochaOlímpica, as autoridades chinesas não podiam procla-mar que o desporto nada tem a ver com a política, namedida em que elas, sempre o utilizaram como umdos seus “feitiços” para resolverem questões, econó-micas, sociais e políticas, com que se deparavam.

De facto, ao longo dos últimos quase sessenta anos,Mao Zedong, Zhou Enlai (1898-1976), DengXiaoping (1904-1997) e agora Hu Jintao (n.1942)nunca deixaram os créditos do desporto por mãosalheias. Sempre que lhes conveio envolveram o des-porto nas questões políticas e utilizaram-no de acor-do com a estratégia que mais convinha ao país.

REGRESSO AO PASSADOMas se Jiang Yu, em nome do governo da RPC, aoafrontar o COI, estava a ignorar o passado recente daRPC, em que o desporto se transformou no instru-mento político do domínio do “soft power” que doponto de vista interno contribui para a construção daidentidade nacional sem a utilização da violência dopassado, do ponto de vista externo está também aser um instrumento poderosíssimos de “soft power”de afirmação da RPC no mundo, no que diz respeitoao passado mais longínquo, Jiang Yu também seesqueceu que o chineses sempre tiveram uma afini-dade muito especial relativamente ao MovimentoOlímpico e ao COI.

A humilhação colonialEm finais do século XIX a China era um país subju-gado aos interesses das principais potências colo-niais. O domínio colonial exercia-se com o apoio e aconivência dos imperadores chineses da dinastiaManchu que governavam a China desde o séculoXVII. A revolta era uma questão de tempo. Em1900, os Boxers, membros de uma sociedade secretaque praticava o “boxe sagrado”, desencadearam umarevolta nacional contra os estrangeiros. Acabarampor ser massacrados pelos exércitos das potênciascoloniais.Em 1911, o movimento nacionalista liderado porSun Yat-sen derrubou a dinastia Manchu e a repúbli-ca foi proclamada. Sun Yat-sen acabou por ser o pri-meiro Presidente da República. Depois, com os seusapaniguados, fundou o Kuomintag, Partido Nacionaldo Povo. Todavia, a república não conseguiu fazerfrente nem às potências estrangeiras, nem aos chefesmilitares locais, os “senhores da guerra”.Toda a lógica da evolução do desporto na China temde ser entendida a partir da humilhação colonialsofrida no século XIX. O desporto na China duranteo último século serviu para demonstrar o seu poder

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político e social, mas também para demonstrar a suaprofunda ansiedade relativamente a um passado quea feria profundamente. Nestes termos, o processo dedesenvolvimento do desporto na China foi umaquestão central do chamado problema das “duasChinas”, na medida em que sempre esteve relaciona-do com a sua identidade e dignidade nacionais.

Guerra civil e cisãoEm 1921, foi criado o Partido Comunista Chinês(PCC). Os seus principais fundadores foram o inte-lectual Chen-Tu-xiu, o educador Peng-Pai e o activis-ta político Mao Zedong. Depois, em 1927, o generalChiang Kai-shec assumiu o comando do Kuomintag,disposto a criar ordem no país. Mas, ao atacar os“senhores da guerra”, acabou também por atacar oscomunistas o que desencadeou um conflito de enor-mes proporções. Os comunistas estavam numa posi-ção desvantajosa, por isso, Mao Zedong, para evitaro cerco, dirigiu-se para Norte para a província deShensi, através de uma operação que ficou conhecidacomo a “Longa Marcha”.A guerra entre nacionalistas e comunistas só foiinterrompida em 1937 a fim de ambos os exércitoscombaterem o Japão que havia invadido aManchúria, e durante a II Guerra Mundial a fim deenfrentarem as forças Nazis.Com o final da II Guerra Mundial, os japonesesforam expulsos do território chinês e as tropas deChiang Kai-shec, com o apoio dos EUA, lançaramuma ofensiva contra exército popular de MaoZedong. Apesar do apoio dos EUA a Chiang Kai-shec, as tropas de Mao acabaram por vencer e, em 1ºde Outubro de 1949, proclamaram a RepúblicaPopular da China (RPC). Chiang Kai-shec, financiado e armado pelos EUA,refugiou-se na ilha de Taiwan (Formosa), onde insta-lou o governo da República da China (RC) com acapital em Taipé. No continente, ficou a RPC lideradapor Mao Zedong. A RC (Taiwan) passou a ser com-posta pelas ilhas de Taiwan, Pescadores, Kinmen,Matsu e outras menores. Na China continental, orga-nizou-se a RPC, que hoje incluiu as regiões adminis-trativas especiais de Hong Kong e Macau. O problema é que se por um lado a RPC consideravaTaiwan como uma província da China, quer dizer,como parte do seu território soberano, pelo que a

RC era uma entidade extinta, pelo que ilegítima, poroutro lado, a RC reivindicava a supremacia sobretoda a China, na medida em que era o Kuomintagque governava a China, quando foi forçado a transfe-rir-se para Taiwan em Dezembro de 1949, depois deter perdido a guerra civil com o exército de Mao. Eassim, se originou aquilo a que ficou conhecido peloproblema das “duas Chinas”, que acabou tambémpor ter significativas incidências no mundo do des-porto e do Olimpismo.

“Realpolitik”Se até 1971 a Organização das Nações Unidas(ONU) reconhecia a RC, a partir de 1971, através daresolução 2758 {XXVI} de 25 Outubro daAssembleia-geral, passou a reconhecer a RPC daChina como o único representante da China nasNações Unidas.xxii De facto, em 1971, a RC (Taiwan)perdeu o seu lugar na ONU tendo o mesmo sidoocupado pela RPC. Desde então, a ONU consideraTaiwan como uma província da China. Depois, a“realpolitik” determinou que a maioria dos Estadosacabasse por transferir o seu reconhecimento diplo-mático para a RPC, passando a considerar esta últi-ma como o único representante legítimo da unidadechinesa. Contudo, a RC continuou a manter relaçõesoficiosas com quase todos os países do mundo,incluindo a própria RPC. O desporto, como não podia deixar de ser, sempreesteve no meio das “duas Chinas”, pelo que as ques-tões desportivas nunca foram fáceis de gerir. Osparadoxos e as contradições próprias da política,envolveram as questões desportivas e estas, por suavez, atiçaram as próprias contradições políticas. Mas também no desporto imperou a “realpolitik” namedida em que, hoje, Taiwan é conhecida comoChina Taipé nos eventos desportivos internacionaistais como os Campeonatos do Mundo, JogosAsiáticos e Jogos Olímpicos. Tudo o resto funcionadentro da ambiguidade da “realpolitik”. Por exemplo,o basebol é considerado a modalidade nacional emTaiwan. A fase final que apurava para os Jogos dePequim, realizou-se em Março de 2008 precisamenteem Taiwan. Tudo sem quaisquer problemas.Contudo, quando o COI divulgou o percurso daTocha Olímpica, verificou-se que ia do Vietname(Cidade de Ho Chi Minh) para Taipé, antes de passar

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por Macau e Hong Kong. Taiwan rejeitou que aTocha Olímpica passasse por Taipé na medida emque, nestas circunstâncias, seria reconhecer queTaiwan é parte integrante da RPC.Este é o espírito de convivência e gestão de ambigui-dades que anima as relações entre as “duas Chinas”.Para além de Taiwan participar nos próximos JogosOlímpicos de Pequim com uma comitiva própria,muitos atletas de delegações de Taiwan têm competi-do com atletas de delegações da RPC em múltiploseventos internacionais, sem que, até Maio de 2008,tenham existido relações oficiais directas entre aRPC e Taiwan. Entretanto, em Abril de 2008, aconteceu um encon-tro histórico entre o líder da RPC, Hu Jintao e oVice-presidente eleito da RC, Vicent Siew. Foram asnecessidades da economia a determinar esta aberturade relações e o desporto com os Jogos Olímpicos afazer de catalizador a fim de que o processo químicose desencadeasse como pretendido. “Boa química,química harmoniosa” foram as palavras de um mem-bro da delegação taiwanesa ao comentar areunião.xxiii

Hoje, existem diferentes opiniões jurídicas sobre oestatuto político da RC pelo que, o que melhor carac-teriza a situação é a ambiguidade. Taiwan, tem parti-dos, eleições e governo próprio, está representada emdiversas organizações internacionais e negoceia compraticamente todos os países do mundo, incluindo aprópria RPC sem que, aparentemente, seja posto emcausa o princípio da unidade chinesa ou em questão aautoridade de Pequim. A política do real tomou contada situação. Recentemente, iniciaram-se contactosdirectos entre o RPC e Taiwan e, em Julho de 2008,efectuou-se o primeiro voo de Taiwan para o conti-nente desde 1949.

A CHINA E O MOVIMENTO OLÍMPICOO envolvimento da China nas questões doOlimpismo começou, tal como começou em muitosoutros países, pela iniciativa de Pierre de Coubertin.Em 1894, Coubertin, através da embaixada francesana China, enviou uma missiva aos governantes dadinastia Manchu convidando-os a enviarem repre-sentantes aos Jogos Olímpicos de Atenas (1896).Contudo, Coubertin não obteve qualquer resposta namedida em que os chineses não estavam familiariza-

dos com as questões do Olimpismo. Depois:— Em 1904, a imprensa chinesa relatou algumasestórias sobre os Jogos de St. Louis nos EUA;— Em 1906, apareceu numa revista local um artigoacerca da história do Olimpismo;— Em 24 de Outubro de 1907, o pedagogo ZhangBoling realizou uma conferência em Tianjin que seseguiu a um evento desportivo, tendo defendido aparticipação chinesa nos Jogos Olímpicos indepen-dentemente dos resultados;— Em 1915, o COI convidou a China a pertencer aoMovimento Olímpico Internacional e a enviaralguém às suas reuniões. xxiv

Wang Cheng-ting, por diversas vezes entre 1932 e1939 Ministro dos Negócios Estrangeiros, um dosfundadores em 1913 da Federação Atlética AmadoraNacional Chinesa, organismo que foi o motor dearranque do desporto na China, responsável pelaorganização em 1921 dos Jogos do Extremo Orienteem Changai, foi cooptado em 1922 para membro doCOI. Em 1924, os chineses participaram extra-pro-grama nos Jogos Olímpicos de Paris e, em 1928,mandaram observadores aos Jogos de Amesterdão. O Comité Olímpico Nacional Chinês (COC) acaboupor ser fundado em Pequim e inscrito no COI em1931. Ainda segundo o site do actual COC da RPC,a China só foi realmente convidada pelo COI paraparticipar nos Jogos Olímpicos de Los Angeles em1932. De facto, a China foi aos Jogos Olímpicos emLos Angeles com uma delegação de seis elementos.Em 1936, apresentou-se em Berlim com uma comiti-va de 139 elementos. Em 1939 e em 1947, o membro chinês do COI,Wang Zhengyan, propôs ao COI a entrada de novoselementos chineses. Eles foram respectivamenteH.H. Kung (Kong Xiang-si) Presidente do Banco daChina e Shou Yi Tung (Dong Shouyi) (1895-1978)um professor de educação física, secretário-geral doCOC, cooptado na 41ª Sessão do COI, realizada emEstocolmo de 18 a 21 de Junho de 1947.Em 1946, o COC tinha a sua sede em Xangai e em1947 mudou-se para Nanquim, sendo, ao tempo, oProf. Shou Yi Tung o seu secretário.xxv Com a procla-mação da RPC por Mao Zedong em 1 de Outubro de1949, o governo militar de Chiang Kai-shek retirou-se para Taiwan. A maioria dos membros do COCque, antes da II Guerra Mundial, tinha sido reconhe-

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cido pelo COI, foram para Taiwan, pelo que o COCpassou a funcionar em Taipé.

Novos tempos e problemasDepois da Revolução Chinesa e da fundação da RPCem 1949, o COI recebeu do COC a informação deque a sua direcção se tinha mudado para Taipé emTaiwan aonde, como se disse, sob a liderança dogeneral Chiang Kai-shec, se organizou a ChinaNacionalista debaixo da protecção dos EUA. ParaAvery Brundage, ao tempo Vice-presidente do COI, amudança não levantou quaisquer problemas no COI,pelo que a ocorrência foi registada nos escritórios daorganização em Lausanne, como:“Um acto rotineiro ao qual não foi atribuído nenhum sig-nificado político” xxvi

Contudo, esta informação que Brundage verteu paraas suas memórias, levanta sérias dúvidas, na medidaem que o mundo tinha acabado de viver a maiorhecatombe da sua história e olhava para o que sepassava na China com desconfiança e preocupação.Muito embora a ONU tenha continuado a reconhe-cer o governo de Taipé como legitimo representanteda China, o que é facto é que se estava perante umasituação muito melindrosa que não podia ser tratadacomo um simples acto de rotina administrativa. Estaperspectiva é defendida por Xu Guoqi (2008)xxvii

quando afirma que o facto de Taiwan ter continuadono seio da “Família Olímpica” tem sobretudo a vercom a conjuntura da “guerra-fria”, até porque mui-tos países ocidentais, até 1970, reconheciam o gover-no de Taipé em prejuízo do governo de Pequim. Emconformidade, hoje, parece não haver dúvidas que aquestão foi tratada pelo COI com alguns preconcei-tos relativamente à RPC, em defesa dos interesses deTaiwan, cujo governo era protegido pelos EUA.Entretanto, os problemas não se fizeram esperar.

Federação Atlética Amadora de Toda a China (FAATC)Em 1951, um ano antes dos Jogos de Helsínquia(1952), fundou-se na RPC a Federação AtléticaAmadora de Toda a China (FAATC) que se conside-rava a si própria como a legítima representante doMovimento Olímpico em toda a China.xxviii Em con-formidade, o COI recebeu uma carta de Pequimaonde se dizia que o CON estava formado, pelo quedesejava ser reconhecido pelo COI a fim da RPC

poder participar nos Jogos Olímpicos a realizar naFinlândia (1952). O Comité Organizador dos Jogosde Helsínquia também recebeu uma carta através daembaixada chinesa em Estocolmo, aonde era solicita-do um convite para a RPC participar nos Jogos daXV Olimpíada. O Comité Olímpico Chinês com sedeem Taipé (Taiwan) também solicitou um convite afim de participar nos Jogos de 1952.Depois, durante os trabalhos da 47ª Sessão do COIrealizada em Oslo em 12 e 13 Fevereiro de 1952, oentão Presidente do COI o sueco Sigfrid Edströmteve uma reunião com o representante da FAATC,em que o dirigente chinês o informou que a suaFederação representava o Movimento Olímpico paratoda a China, pelo que desejava ser reconhecida peloCOI a fim de participar nos Jogos de Helsínquia(1952). Edström prestou-lhe todas as informaçõesnecessárias inclusivamente acerca dos pré-requisitosnecessários para que o CON da RPC pudesse seraceite como membro do COI.xxix

Como nenhum dos três membros chineses do COIcompareceu à reunião, Edström informou ainda orepresentante da FAATC que desejava consultar oschineses membros do COI.

Má VontadeDa reunião de Sigfrid Edström com o representanteda FAATC transparece alguma má vontade contra osChineses da RPC, protagonizada por alguns mem-bros do COI, para a qual não vemos outros motivossenão políticos, na medida em que existiam enormespreconceitos contra o regime comunista da RPC. Narealidade, ao tempo, não fazia qualquer sentido colo-car as exigências que foram colocadas à RPC, como aquestão das Federações Internacionais terem de terrepresentantes da RPC, um país acabado de sair deuma guerra com os japoneses havia sete anos e deuma guerra civil havia pouco mais de dois anos.Apesar destas dificuldades, o COI decidiu que se asFederações Internacionais não respondessem na suamaioria afirmativamente à questão, o CON da RPCnão seria convidado a participar nos Jogos deHelsínquia. Por outro lado, ao desejar consultar os membros chi-neses do COI que eram três, Edström, secundadopor Avery Brundage, ao tempo vice-presidente doCOI, sabia que as moradas eram desconhecidas, o

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que tornava a situação ainda mais risível. Por outrolado, os membros do COI eram e são cooptados pelopróprio COI. Eles não representavam nem represen-tam no COI o país da sua nacionalidade. Eles eramos representantes, quer dizer, os embaixadores doCOI na China. Por isso, os membros chineses doCOI estarem ou não presentes era um problema doCOI e não da RPC. Ainda hoje, os membros do COIsó representam os interesses do próprio COI no paísonde habitam. Na versão de Karl Lennartz (1995),27 Edström reu-niu-se com o representante da FAATC mas comonão se sabia se as Federações Internacionais tinhamfederações da RPC filiadas e o reconhecimento dosCONs era por via das Federações Internacionais, oCOI acabou por não tomar naquele momento qual-quer decisão. Ainda segundo Lennartz, AveryBrundage, manifestou a opinião de que deviam serconsultados os membros chineses do COI, antes dehaver qualquer decisão. Segundo as memórias de Brundage (1976),26 com oobjectivo de resolver a filiação da RPC no COI,Sigfrid Edström reuniu-se com os chineses.Contudo, iniciada a reunião, ao verificar que estavaperante entidades políticas representantes do gover-no, Edström recusou-se a falar com elas sobre ques-tões desportivas. Para além do mais, Edström infor-mou os chineses presentes que desejava, antes detudo, falar com o único membro chinês do COI queainda vivia na China continental, o Prof. Shou YiTung.

O Prof. Shou Yi Tung O Prof. Shou Yi Tung não tinha respondido às tenta-tivas de contacto de Sigfrid Edström. Aliás, segundoXu Guoqi (2008)27 os dirigentes de Taiwan tinhamposto a correr o boato de que ele tinha morrido. Dequalquer maneira, a questão da RPC, não devia serresolvida sem ouvir o único membro chinês do COIque se sabia ter ficado na China continental depoisda revolução, se tal fosse possível. Esta era a posiçãode Edström e Brundage. Mal sabiam eles que o tirolhes ia sair pela culatra.O Prof. Shou Yi Tung, foi um desportista eclético,membro das equipas nacionais de basquetebol, fute-bol, basebol, atletismo e ténis. Esta variedade demodalidades ficou-se muito provavelmente a dever ao

facto de ter sido durante dois anos estudante noSpringfield College (Manssachusetts - EUA). Depois,foi capitão e mais tarde em 1934/36, treinador daequipa nacional de basquetebol, tendo participado naqualidade de treinador nos Jogos Olímpicos de 1936.Foi árbitro internacional da FIBA. Em 1944, foinomeado secretário-geral da Federação AmadoraAtlética Nacional Chinesa que, com sede em Nankin,cumpria as funções do Comité Olímpico NacionalChinês. O Prof. Shou Yi Tung acabou por instalar asede do Comité Olímpico Nacional Chinês em Nankin,tendo sido seu vice-presidente. Em 1948, foi secretá-rio-geral da delegação chinesa aos Jogos de Londres.Enquanto professor de educação física, foi director doInstituto de Educação Física da Young Men’s ChristianAssociation (YMCA) em Tien Tsin. Foi, ainda, de 1947 a1958, membro do COI. Quer dizer, o Prof. Shou YiTung apresentava um currículo desportivo muito signi-ficativo pelo que era uma pessoa intransponível noquadro da integração da RPC no Movimento Olímpico,desde logo e para além de tudo, porque era membrode pleno direito do COI. xxx

Ao decidir, em 1949, ficar na RPC, ao contrário dosoutros dois elementos chineses membros do COI, oDr. H. H. Kong e o Dr. C. T. Wang que aderiram àChina Nacionalista, o Prof. Shou Yi Tung acabou porse tornar o principal protagonista de uma das pági-nas mais confusas do Movimento OlímpicoInternacional que tem precisamente a ver com o cha-mado problema das “duas Chinas”.

Duas Chinas e duas equipas Os Jogos Olímpicos de Helsínquia (1952) aproxima-vam-se e os chineses da RPC não esperaram peloconvite para se fazerem convidados. O que aconte-ceu foi que em antevésperas dos Jogos a equipaolímpica da RPC aguardava em Estalinegrado autori-zação para entrar na Finlândia. A situação no que dizrespeito ao problema das “duas Chinas” era extraor-dinariamente melindrosa. Sigfrid Edström começoupor recordar aos membros do COI que: “A organização Olímpica deve ignorar as questões raciais,religiosas, ou políticas, o seu fim é a união da juventude domundo.”xxxi

Segundo Lennartz,27 Sigfrid Edström informou quemuito embora só a China da Formosa (Taiwan)tenha sido convidada para participar nos Jogos, toda-

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via, a Comissão Executiva tinha tomado a posição denão permitir que qualquer das Chinas participassenos Jogos. Perante a dureza de tal decisão, houvequem se manifestasse contra, argumentando que jáhavia Federações Internacionais (FI) aonde estavaminscritas Federações Desportivas da RPC. Em confor-midade, a Comissão Executiva do COI decidiu ouvircada um dos representantes das “duas Chinas”. O deTaiwan, Sun-hoh Gun, argumentou que 19 dos 25membros do COC viviam em Taiawn o que legitima-va a continuidade do próprio Comité OlímpicoNacional Chinês na RC. O representante da RPCCheng Chi-pai, para além de se declarar o represen-tante legal do Prof. Shou Yi Tung, contra-argumen-tou afirmando que falava em nome de 400 milhõesde chineses, pelo que pediu que o seu CON fosse oúnico reconhecido pelo COI, uma vez que as federa-ções internacionais de futebol, natação e basquete-bol, já tinham federações da RPC. Segundo XuGuoqi (2008)26 as referidas federações tinham entra-do nas federações internacionais na medida em quese tinham disponibilizado para pagar as quotas ematraso das antigas federações chinesas. Entretanto,Cheng Chi-pai pediu também a imediata expulsão doCOI, do CON-Taiwan. Edström acabou por concluirque, das duas uma:— “Ou nenhum dos comités nacionais podia partici-par nos Jogos de Helsínquia”;— “Ou os dois comités nacionais podiam participarnos Jogos de Helsínquia”.A segunda hipótese ganhou 29-22. Na sequência da votação, o francês François Piétrifez a seguinte proposta aprovada por 33 de 53 votos:“O COI, reservando a sua posição definitiva no quediz respeito às respectivas situações da RepublicaPopular da China e do Estado de Taiwan, decisãoque depende principalmente de uma determinaçãoprecisa do estatuto internacional destas duas entida-des, autoriza os atletas tanto de uma como de outrade acordo com o Comité Organizador dos JogosOlímpicos de Helsínquia a participarem nas provasda Olimpíada actual nas modalidades desportivas emque as respectivas Federações Internacionais tenhamadmitido as suas inscrições.” xxxii

Aprovada a solução, Brundage apressou-se a afirmarque havia de ficar claro que:

“A permissão de participar não implicava o reconhe-cimento do CON da China Vermelha” e que a atitu-de do COI “tinha de ser entendida como uma excep-ção e não como um precedente” Lennartz, Karl(1995:60).27

Na realidade, segundo a Carta Olímpica, só podiamcompetir nos Jogos atletas que pertencessem a umCON reconhecido pelo COI.De acordo com Liang Lijuanxxxiii, a comitiva da RPC,liderada por Ron Gaotang (1912-2006)xxxiv secretárioda Liga da Juventude, era composta por quarentaelementos que iriam participar no futebol, no bas-quetebol e na natação. Infelizmente, a comitiva che-gou atrasada pelo que só um nadador de seu nomeWu Chuanyu, participou nas provas de qualificação,mas foi eliminado. Contudo, para os chineses, “fazeriçar a bandeira vermelha das cinco estrelas da novaChina nos Jogos Olímpicos já era uma vitória” Liang,Lijuan (2007:26)32, na medida em que havia elemen-tos no COI que se opunham à participação da RPCnos Jogos. E opunham-se de tal maneira que o con-vite para a RPC só tinha sido enviado quando osJogos já tinham começado.

O Regresso do Prof. Shou Yi TungDos encontros havidos com a delegação da RPC, oPresidente Edström tomou conhecimento de que oProf. Shou Yi Tung, membro do Comité OlímpicoInternacional, com quem tinha tentado entrar emcontacto depois da fundação da RPC, afinal, estavavivo e vivia em Pequim. Para todos os efeitos, elecontinuava a ser o Embaixador do COI para a RPC.Em conformidade, Edström pediu aos representantesda RPC para que o Prof. Shou Yi Tung se deslocasseimediatamente a Helsínquia. O Prof. Shou Yi Tung acabou por chegar a Helsínquiaa 2 de Agosto, a tempo de participar na última reu-nião da Comissão Executiva do COI. Porém, o Prof.Shou Yi Tung não chegou sozinho mas acompanhadode um intérprete, que dizia que o Prof. Shou Yi Tungsomente falava chinês. O intérprete era nem maisnem menos do que He Zhenliang que mais tardeviria a ser Presidente do Comité Olímpico Chinês,membro da Comissão Executiva do COI, Vice-presi-dente do COI e responsável pelas candidaturas dePequim à organização dos Jogos Olímpicos. Aotempo, Zhenliang iniciava a sua carreira no domínio

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do Movimento Olímpico, precisamente naquela reu-nião. Liang, Lijuan (2007:41)32 Porquê HeZhenliang? Porque segundo Xu Guoqi (2008)26 àfalta de outra organização, as autoridades de Pequimserviram-se da Liga Comunista da Juventude da qualHe Zhenliang fazia parte, para acompanhar a equipada RPC a Helsínquia.O currículo do Prof. Shou Yi Tung era suficientemen-te expressivo para causar pelo menos algumas preo-cupações às autoridades da RPC. Por isso, somoslevados a especular, que as autoridades chinesas nãose podiam permitir colocar nas mãos de alguémconotado com o antigo regime e com uma currículoamericanizado, os destinos da RPC no MovimentoOlímpico internacional, muito embora, posterior-mente, o Prof. Shou Yi Tung passasse a ser no inte-rior do COI, como alguém que tinha aderido às filei-ras de Mao Zedong.xxxv

He Zhenliang, com pouco mais de vinte anos, ini-ciou a sua actividade no domínio do MovimentoOlímpico, enquanto intérprete, mas, o que ele era defacto, era um quadro do partido encarregue dedefender as decisões do seu governo junto do COI.Relativamente à presença de Zhenliang enquantotradutor, Liang, Lijuan afirma: “Zhenliang podia ser seu tradutor (do Prof. Shou Yi Tung),e se acontecesse qualquer coisa inesperada os dois podiam-na discutir entre eles.” Liang, Lijuan (2007:41).32

O problema é que o Presidente do COI Edströmsabia que o Prof. Shou Yi Tung falava inglês, já quetinha estudado nos EUA e tinha trabalhado durantemuitos anos para o YMCA na China. Quanto à justi-ficação de Zhenliang poder ter qualquer opiniãosobre qualquer assunto tratado, é no mínimo ingé-nua, na medida em que, ao tempo, Zhenliang era umjovem de 22 anos completamente ignorante emassuntos desportivos e, ainda mais, em assuntos doforo do Olimpismo.Irritado com a situação, Edström pediu ao Prof. ShouYi Tung e ao intérprete para abandonarem a sala.xxxvi

A propósito deste incidente segundo a versão deBrundage (1973), 30 o Prof. Shou Yi Tung apareceunuma Sessão do COI acompanhado por dois compa-triotas. O Presidente do COI, Sigfrid Edström, sau-dou o Prof. Shou Yi Tung, perguntando-lhe de segui-da quem eram os seus companheiros?Imediatamente um deles informou que eram intér-

pretes, na medida em que o Prof. Shou Yi Tung nãofalava nem francês, nem inglês. Depois, Edströminformou os acompanhantes do Prof. Shou Yi Tungque a Sessão do COI era restrita aos seus membros,pelo que lhes pedia para saírem. E saíram os três.Efectivamente, só o Prof. Shou Yi Tung era membrodo COI com plenos direitos a participar na reunião.Esta situação foi muito penosa para os chineses, namedida em que o próprio Primeiro-ministro ZhouEnlai tinha recebido os líderes da comitiva antesdeles partirem para Helsínquia, recomendando-lhesque se deviam opor à existência no COI de “duasChinas”. Mas mais, Zhou Enlai instruiu a delegaçãopara fazerem todos os possíveis para travarem osobjectivos de T. C. Wang, um dos membros chinesesno COI que se tinha retirado para Hon Kong. Liang,Lijuan (2007:41)32 Quer dizer que a situação deTaiwan era uma obsessão para os líderes chinesesque se serviam do desporto para a combaterem.Apesar deste catastrófico encontro, por pressão daURSS sobre o COI, a RPC acabou por participar nosJogos da XV Olimpíada. Entenda-se que a pressão daUnião Soviética sobre o COI, não teve outra intençãosenão a de obter vantagem competitiva no âmbito dapolítica internacional. Na realidade, a URSS tinhaaderido ao COI em 1950, pelo que era de seu inte-resse reforçar o bloco comunista dentro da organiza-ção. Nos Jogos de Helsínquia a URSS obteve resulta-dos extraordinários que espantaram o mundo dodesporto. Brundage, completamente enganado, con-gratulou-se com o facto, dizendo convictamente queera uma vitória do Olimpismo na medida em quefazia cair a “cortina de ferro” que separava a URSSdo resto do mundo. Mal sabia Brundage que o inte-resse da URSS pouco ou nada tinha a ver com a pro-moção do Olimpismo, mas tão-somente com a pro-paganda do regime soviético e a superioridade dosistema comunista. E o primeiro resultado consegui-do pela URSS, ao forçar a entrada da RPC nos JogosOlímpicos, foi o afastamento por iniciativa própriada delegação do regime nacionalista (Taiwan) queem protesto pela participação da RPC acabou por seretirar dos Jogos. Claro que esta retirada representoutambém uma derrota para os EUA. Depois, as auto-ridades de Taiwan promoveram um blackout total nacomunicação social relativamente a qualquer notíciaacerca do Jogos Olímpicos de Helsínquia (1952).

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Ainda segundo Xu Guoqi (2008),26 a URSS ao forçara entrada da RPC conseguiu antecipar o problemadas “duas Chinas”, obrigando o COI a tratar de umassunto que não estava minimamente preparadopara o fazer. Vivia-se já em plena guerra-fria e oMovimento Olímpico era um excelente local para seesgrimirem argumentos ideológicos, através da com-petição desportiva.

Reconhecimento do CON-PequimO Prof. Shou Yi Tung acabou por aparecer sozinhona 50ª Sessão do COI realizada de 10 a 15 de Maioem Atenas. Contudo, a situação desencadeada pelaexistência de “duas Chinas” no seio do COI não erafácil de resolver:— Levantar problemas ao CON-Taiwan era ir contrao regime de Chiang Kai-shek protegido dos EUA;— Não reconhecer o CON-Pequim era não reconhe-cer o CON do país mais populoso do mundo mas,em contrapartida, era reconhecer o CON de um paísque não pertencia à ONU;— Reconhecer os dois CONs era ir contra a CartaOlímpica que só aceitava um CON por país.Então, depois de um longo debate, o CON-Pequim,quer dizer, da China Popular, foi reconhecido peloCOI, numa votação que 23 a favor, 21 contra.Segundo o COI, uma das razões porque o CON daRPC levou tanto tempo a ser reconhecido, ficou-se adever ao facto de se fazer representar por políticos“cheios de legalidades” e não por desportistas.xxxvii

Ora, isto só revela que todo o processo estava conta-minado e por todos os lados, por questões de ordempolítica.A partir de então, para além do CON-Taiwan daChina Nacionalista, com sede em Taipé, passou aexistir também um CON-Pequim da China Popular.Segundo o COI, ambos os CONs estavam em condi-ções de participar nos próximos Jogos Olímpicos arealizar em Melbourne (1956) na Austrália. Aparentemente parecia que tudo estava resolvido. Oproblema é que a procissão ainda ia no adro.

Duas Chinas dois Comités OlímpicosSegundo Otto Schantz (1995),xxxviii em 1955, o CON-Taiwan reivindicou ser o único representante da Chinano Movimento Olímpico. Como não podia deixar deser, o CON-Pequim tinha de reagir. Em conformidade,

o Prof. Shou Yi Tung, na 51ª Sessão do COI que serealizou de 13 a 18 de Junho de 1955 em Paris, levan-tou a questão de Taiwan ser parte integrante daChina, pelo que o desporto naquela ilha devia estarsubordinado ao CON-Pequim. Em consequência,pedia a exclusão do CON-Taiwan do COI.Avery Brundage, ao tempo já Presidente do COI,segundo as suas próprias memórias,26 informou oschineses da RPC que o problema das “duas Chinas”era um problema político que não competia ao COIresolver. Para Pequim o problema das “duas Chinas”era uma questão crucial ao ponto dos dirigentes daRPC colocarem as relações com o COI ao mesmonível das relações com a ONU. Segundo o site doCOC,xxxix em Junho de 1955, Rong Gaotang, Vice-Presidente e Secretario-Geral do CON-Pequim,defendeu numa reunião da Comissão Executiva doCOI que: “A aceitação do Comité Olímpico de Taiwan pelo COI erailegal e violava o espírito da Carta Olímpica” (…) “o COIdevia desistir do seu reconhecimento.”46

Brundage, não aceitou as pretensões do CON-Pequim, dizendo aquilo que ele, contra toda a evi-dência, mais gostava de dizer: “O desporto nada tem a ver com a política.” Brundage, ao instituir nesta perspectiva acéfala deabordar as questões políticas no seio do COI, origi-nou uma das maiores confusões de que há memóriano Movimento Olímpico. Segundo os chineses,Brundage jogava com truques políticos sujos (dirtypolitical tricks), na medida em que, debaixo do dis-curso apolítico, defendia os seus próprios interessese os interesses dos EUA. Em consequência, o CON-Taiwan continuou a coexistir com o CON-Pequim daChina Popular. Em conclusão, o que aconteceu na 51ª Sessão doCOI foi uma estrondosa derrota da RPC, ao ponto dacomitiva chinesa, de volta Pequim, ter sido criticadapelo próprio Primeiro-ministro Zhou Enlai.Entretanto, as relações entre o Prof. Shou Yi Tung eAvery Brundage começaram a aquecer.

Jogos de Melbourne (1956)Aquando da preparação dos Jogos da XVI Olimpíada– Melbourne (1956), o CON-Pequim escreveu umacarta aos trabalhadores e desportistas da “provínciade Taiwan” a fim de os convidar a participar nos

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campeonatos a realizar em Pequim, que selecciona-riam uma única equipa chinesa que participaria nosJogos de Melbourne. Também foi garantido aos chi-neses de Taiwan que, uma vez concluídas as provasde selecção em Pequim, eles seriam livres de regres-sar a Taiwan. É evidente que os chineses de Taiwannem se deram ao trabalho de recusar tal convite. Emconsequência, segundo Brundage, quando os Jogosde Melbourne (1956) estavam prestes a começar, osdirigentes do Comité Olímpico da República Popularda China informaram o COI que não participariamcaso os “bandidos de Taiwan” participassem.38

Segundo o relato de Brundage (1973:261)26 as coisaspassaram-se assim: “À minha chegada a Melbourne para os Jogos, os dirigentesdo Comité Olímpico de Pequim pediram-me uma entrevista.Desejavam saber se ia chegar uma delegação da Formosa.Disseram-me que tinham preparado uma equipa de 150 dehomens e mulheres que aguardavam em Pequim, mas quenão iriam aos Jogos caso viessem “os bandidos de Taiwan”.Brundage, respondeu-lhes com o discurso do costume:“Não eram os países que competiam mas os atletas pelo queo reconhecimento de um CON não significava necessaria-mente o reconhecimento do governo do país.” Como os dois comités eram reconhecidos pelo COI,ambas as delegações podiam participar. Entretanto, o Prof. Shou Yi Tung fez os maioresesforços para explicar a Brundage a situação deTaiwan no quadro histórico da China. No entanto, oPresidente do COI manteve-se na sua, considerandoa existência de “duas Chinas”, o que a RPC se recu-sava a aceitar. Para além do mais, apesar dos repeti-dos protestos do CON de Pequim, o COI insistia emutilizar nos seus documentos “ Pequim - China” e“Formosa-China” o que para além de sugerir a exis-tência de “duas Chinas” colocava as duas realidadespolíticas em igualdade de circunstâncias, coisa que aRPC discordava. Brundage recusou-se a admitir qualquer argumento,pelo que o COI acabou por confirmar que reconheciadois CONs de “duas Chinas”: CON-Pequim e CON-Taiwan. O “reconhecimento” implícito da existênciade “duas Chinas” foi também assumido por diversasFederações Internacionais o que era inaceitável paraa RPC. Em consequência, a RPC decidiu não partici-par nos Jogos de Melbourne.

Avery Brundage, nas suas memórias, conta aindaque, na cerimónia de boas vindas à delegação deTaiwan, pronunciaram-se os habituais discursos, abanda tocou o hino nacional e içou-se a bandeira.Mas, quando o responsável australiano se preparavapara içar a bandeira da China Nacionalista, um chi-nês vindo não se sabe de onde, chegou-se ao pé doaustraliano e disse-lhe que a bandeira da China nãoera aquela. O australiano foi imediatamente trocar abandeira. O problema é que trocou a bandeira daChina Nacionalista (Taiwan) pela bandeira da ChinaPopular (Pequim). E a bandeira da China Popular foiiçada perante os olhos incrédulos da delegação daChina Nacionalista. Após a cerimónia, claro que abandeira foi rapidamente arreada e novamente subs-tituída. Claro que, o solícito chinês desapareceu talcomo tinha aparecido. Estórias da guerra-fria.

Ruptura e isolamentoA 19 de Agosto de 1958, em plena crise do Estreitoda Formosa, a RPC anunciou retirar-se doMovimento Olímpico. Depois, a 25 de Agosto de1958 foi recebido na chancelaria do COI emLausanne um comunicado oficial a confirmar a situa-ção.xl A fim do abandono do COI não poder vir a serconsiderado uma questão pessoal contra Brundage, aRPC retirou-se simultaneamente de várias organiza-ções desportivas internacionais, optando por umapolítica de isolamento desportivo. Assim, abandonouas Federações Internacionais de Atletismo,Basquetebol, Futebol, Luta, Pesos e Halteres,Natação, Tiro e Ténis.A retirada da RPC deixou o COI bastante perturbadode tal maneira que, a “Olympic Review” nº 64 deNovembro de 1958, acusava a RPC de ter optado porum “isolamento esplêndido”, perguntando-se simul-taneamente as razões de tal atitude?O que é facto é que a RPC, abandonou o COI acu-sando Brundage de ser um “agente imperialista dosEUA”. E o Prof. Shou Yi Tung escreveu ao COI: “Brundage, Presidente do Comité Olímpico Internacionalviolou deliberadamente a Carta Olímpica com o fim de ser-vir o projecto imperialista dos Estados Unidos de criar“duas Chinas”. Declaro formalmente que recuso cooperarcom ele ou de ter quaisquer relações com o COI enquantoesta organização estiver sob o seu domínio.” Na carta resposta que Brundage escreveu ao Prof.

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Shou Yi Tung, argumentou que Taiwan não pertenciaà China e que os nativos de Taiwan não eram nemchineses nem japoneses. Mas, como argumentava oProf. Shou Yi Tung desde os tempos mais remotosque Taiwan era território chinês. Tinha, de facto,estado debaixo da ocupação Japonesa de 1895 a1945, mas, depois da II Guerra Mundial, de acordocom a Declaração do Cairoxli e a Declaração dePotsdamxlii, foi restituída à China. Mas o que mais perturbou Brundage foi o facto daRPC ter afirmado que não voltaria ao COI enquantoBrundage fosse o seu líder. E cumpriu.Mesmo relativamente à URSS, a RPC optou por umcorte de relações. Aliás, nos anos sessenta desenro-lou-se um conflito aberto entre a RPC e a URSS,pelo que o corte das relações desportivas vinhamesmo a calhar. Entretanto, em meados dos anos sessenta, a RPCentrou em plena Revolução Cultural pelo que as rela-ções desportivas internacionais ficaram reduzidas aospaíses em vias de desenvolvimento. Em consequência,o Movimento Desportivo na RPC sofreu um enormeretrocesso e os maiores atentados à dignidade não sódos desportistas como do próprios dirigentes.A ruptura da RPC com o COI, tendo em atenção aideia de Michel Bouet (1968),xliii caracterizou-se porser do tipo de conflito que dissimula por detrás deleum outro mais importante e mais grave.Efectivamente, a RPC utilizou o desporto para dissi-mular um conflito muito mais grave e importantepara as autoridades chinesas que era o das “duasChinas”, que, no fundo, representava duas concep-ções do mundo radicalmente opostas. A partir deentão, o COI que dizia não ser uma organização polí-tica, passou a estar no centro das questões políticasentre dois sistemas que se digladiavam: o sistemacapitalista e o sistema comunista. A entrada da RPC no COI processou-se com enor-mes dificuldades na medida em que estavam emconfronto duas ideologias fechadas, a do COI e a daRPC, que se julgavam a salvação do mundo. Cadauma delas tentou impor à outra as suas ideias e osseus objectivos sem fazer o mínimo esforço paracompreender as ideias e os objectivos da parte con-trária. Portanto, as confusões e a ignorância de partea parte, os mal entendidos e o sacrifício de pessoascomo o Prof. Shou Yi Tung, acabaram por dificultar a

normal resolução de um problema em que todosfalavam mas ninguém se ouvia. Tudo acabou inglo-riamente na ruptura e no isolamento desportivo daRPC que, posteriormente, como vamos ver, conduziua situações degradantes no Movimento Desportivomundial.

ESTRATÉGIA ALTERNATIVA DA RPCApesar de tudo lhe ter corrido mal, a RPC não sepodia deixar isolar completamente da cena desporti-va internacional, pelo que decidiu começar a jogarnoutros tabuleiros políticos. Nesta conformidade,conseguiu que nos IV Jogos Asiáticos (1962), aIndonésia enquanto país organizador impedisseTaiwan de participar. O próprio Primeiro-ministroZhou Enlai meteu-se no assunto. O que aconteceufoi que a RPC conseguiu manobrar nos bastidores demodo a que a República da China (Taiwan) não par-ticipasse nos IV Jogos Asiáticos porque os vistos deentrada na Indonésia nunca lhes chegaram às mãos.Assim, a Indonésia salvava a face e a RPC tinhaaquilo que mais queria que era afastar Taiwan dosJogos Asiáticos. Como se vê, em matéria de utiliza-ção do desporto pela política, a RPC nunca “brincouem serviço”.xliv

Perante esta situação, algumas organizações interna-cionais decidiram não reconhecer os Jogos Asiáticose deixaram de reconhecer o Comité Olímpico daIndonésia. Para além do mais, a Indonésia foi proibi-da de participar nos Jogos Olímpicos. Em resposta, oPresidente da Indonésia Sukarno (1901-1970) pro-pôs a institucionalização dos Jogos das NovasPotências Emergentes. Estes Jogos realizaram-se emJakarta em Setembro de 1963 e em 1966 em PhnomPenh. Ora, os Jogos das Novas Potências Emergentesserviram sobretudo para demonstrarem a força doTerceiro mundo no Movimento Desportivo interna-cional, que pretendia substituir-se ao próprioMovimento Olímpico.

Primeiro a amizade, depois a competiçãoA partir da institucionalização da RPC e a conse-quente organização social, a perspectiva belicista,chauvinista e hiper competitiva de Mao Zedong queele próprio expressou no livro “Um Estudo deEducação Física” a que já nos referimos, não seadaptava aos novos tempos da revolução comunista.

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Na realidade, a visão que Mao expressou no seulivro, tinha a ver com tudo menos com uma visãomarxista da organização politica e social que se deviatambém projectar nas práticas desportivas. Assim,na fase de isolamento da RPC, o desporto foi coloca-do ao serviço dos superiores interesses da políticaexterna, mas numa perspectiva completamente dife-rente da preconizada por Mao em 1917. Já não setratava simplesmente da preparação para a guerra ousequer simplesmente vencer os jogos e os campeo-natos. As relações entre os povos passaram a ser apalavra de ordem do desporto na RPC. E o desportopassou a ser um poderoso instrumento da constru-ção daquela amizade. Em consequência, a amizadesobrepôs-se à lógica da vitória que deve presidir atoda e qualquer competição desportiva. No entanto,a máxima adoptada pelo desporto chinês não deixavamargem para dúvidas: “A amizade é eterna, a vitória passageira.”A partir de então, na RPC os jogos passaram a serdisputados sem árbitros, na medida em que o resul-tado era o que menos interessava. O sistema ideoló-gico da RPC fundamentava-se na construção de umarede de solidariedade em que o modelo de competi-ção desportiva era pura e simplesmente desprezado.Assim, nos anos cinquenta as autoridades chinesascomeçaram a impor aquilo a que John Hoberman(1984:219)xlv designou por uma visão “maoísta orto-doxa” que sobreviveu até 1976, quer dizer, até aofim da Revolução Cultural. Esta visão, baseava-sefundamentalmente na construção de uma rede derelações humanas à margem dos modelos construí-dos na base da promoção da performance humana.Assim, o modelo maoísta, inspirado no modelo dosprimeiros tempos da URSS, assentava em três pila-res fundamentais: — A educação física;— O desporto; — A condição física.O que interessava era promover a educação física, odesporto recreativo e a saúde das populações. Osprogramas desenvolvidos, segundo Hoberman, foraminspirados na máxima do desporto Soviético dosanos trinta que dizia “prontos para o trabalho e paraa defesa”. Contudo, nos anos cinquenta, quando aChina aderiu ao programa da URSS, já esta tinhaabandonado a visão de um “desporto não competiti-

vo”, na medida em que tinha decididamente aderidoao Movimento Olímpico.A visão Maoísta ortodoxa, à semelhança daquilo quetinha acontecido na URSS era muito mais marcadapela ideologia do que pela performances desportivas.A competição era desvalorizada. O objectivo era con-trariar os sentimentos agressivos entre competidoresque caracterizavam a prática desportiva burguesa.Conforme refere Huang Yaling,xlvi da Universidadedo Desporto de Pequim, durante a RevoluçãoCultural o desporto devia ser jogado pelo simplesprazer de jogar, sem quaisquer preocupações compe-titivas. De alguma maneira, foi com este espírito quea RPC participou nos Jogos das Novas PotênciasEmergentes – África, Ásia e América Latina.xlvii

Jogos das novas potências emergentes Os primeiros Jogos das Novas Potências Emergentesrealizaram-se em Novembro de 1963 em Jacarta. ARPC atribuía-lhes grande importância, ao ponto dacomitiva chinesa ter sido recebida pelo Primeiro-ministro Zhou Enlai, que a alertou para a necessida-de de se reforçar a unidade entre os países de África,Ásia e América Latina. Nesta conformidade, a comi-tiva da RPC devia ser portadora de um espírito pro-piciador do desenvolvimento de uma nova atmosferapolítica entre as nações envolvidas. Para Zhou Enlai,não se tratava de competir numa perspectivaOcidental em que os atletas se consideravam uns aosoutros como rivais, mas de promover a amizademútua através do desporto. E Zhou Enlai até deu omote que devia animar a comitiva da RPC: “Unidade contra o imperialismo, consulta democrática,aprender com os outros e elevação comum.” Liang, Lijuan(2007:85).32

Mas Zhou Enlai foi ainda mais longe. De facto, oPrimeiro-ministro chinês recomendou à comitivapara: “Ajudar a equipa da Indonésia a conseguir bons resultadosna medida em que era um país fundador dos Jogos dasNovas Potências Emergentes e, simultaneamente, organiza-dor dos primeiros Jogos. O badminton era uma modalidademuito popular na Indonésia pelo que o país tinha altasperspectivas de ganhar a medalha de ouro.” (Liang,Lijuan, 2007:85-86).32

O problema é que, ao tempo, a China no badmintonera possuidora de atletas de alto gabarito. E como os

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atletas chineses tinham estado fora das competiçõesmundiais durante bastante tempo, estavam desejo-sos de mostrar a sua força. Por isso, o Vice-primeiro-ministro Chen YI disse: “Considerem os sentimentos do país organizador e deixem aIndonésia ganhar algumas medalhas em badminton, quandoregressarem a casa tratarei de vocês.” (Liang, Lijuan,2007:86).32

Entretanto, He Dong também Vice-primeiro-minis-tro contrapôs: “Há muito que não competimos no estrangeiro, devemosmostrar ao mundo os nossos progressos no desporto. Seganharem todas as medalhas em badminton, quando regres-sarem a casa tratarei de vocês.” (Liang, Lijuan,2007:85).32

Zhou Enlai riu-se e disse: “Prestem igual atenção à amizade e à performance desporti-va, desenvolvam o vosso potencial em ambos.” (Liang,Lijuan, 2007:85).32

O Vice-primeiro Ministro He Long acompanhou aequipa chinesa a Jacarta pelo que assistiu in loco todaa competição. Contudo, quando se apercebeu que oschineses iam ganhar tudo, e do prejuízo que essefacto podia significar para as relações entre a China ea Indonésia, ordenou que deixassem a Indonésiaganhar a medalha de ouro. Claro que o atleta chinêsfez por perder o jogo enquanto que a televisão indo-nésia comentava que parecia que o chinês, de ummomento para o outro, tinha deixado de saber jogar.(Liang, Lijuan, 2007:87).32

Lijuan Liang a propósito comentou: “Nesta perspectiva, podemos ver que embora He Long – oVice-primeiro-ministro – tivesse uma personalidade caracte-rizada por gostar de ganhar, ele tinha dos assuntos umaperspectiva dos altos interesses políticos. Os indonésios tive-ram um entendimento tácito do jogo e ficaram muito agra-decidos à China.” (Liang, Lijuan, 2007:87).32

E Zhou Enlai enviou um telegrama de felicitaçõescom os seguintes dizeres: “A inauguração dos Jogos das Novas Potências Emergentesmarcam uma grande vitória conquistada pelo povo dasnovas nações emergentes, na sua luta contra o controlo e omonopólio sobre o desporto internacional pelo imperialismoe o velho e novo imperialismo.” (Liang, Lijuan,2007:87).32

De facto, toda a missão tinha sido acompanhadapelo Primeiro-ministro Zhou Enlai e não era para

menos. O interesse dos chineses era tal que, mesmonuma situação de grandes dificuldades económicas,pagaram a participação nos Jogos das NovasPotências Emergentes aos países que não podiamsuportar as despesas. Pelo seu lado, o COI, liderado por Avery Brundage,ameaçava excluir da participação nos JogosOlímpicos, pelo período de 12 meses, todos os atle-tas que participassem nos Jogos das Novas PotênciasEmergentes.xlviii A Indonésia e a Coreia do Norteforam admitidas à participação nos Jogos Olímpicosde 1964 realizados em Tóquio, na condição denenhum dos seus atletas ter participado nos Jogosdas Novas Potências Emergentes. Mesmo assim, ospaíses visados enviaram para Tóquio atletas quetinham competido nos Jogos das Novas PotenciasEmergentes na expectativa de poder haver umamudança de atitude por parte do COI. Todavia, oCOI foi intransigente e não mudou de posição. ACoreia do Norte acabou por retirar a totalidade dasua equipa. (Liang, Lijuan, 2007:97).32 Quer dizer,os atletas foram apanhados no fogo cruzado da guer-ra-fria.A interpretação que se pode fazer é a de que haviada parte do COI e em especial de Avery Brundageuma séria intenção política de isolar a RPC. ComoBrundage não podia atacar directamente os países,resolveu de uma forma a todos os títulos reprovávelpenalizar os atletas, perante a indiferença da genera-lidade do Movimento Desportivo. Avery Brundage sempre manifestou uma profundahipocrisia nas disputas no interior do COI relativa-mente ao problema das “duas Chinas”. Por um lado,afirmava que o COI não se podia imiscuir em ques-tões políticas, mas, por outro, era ele que se utiliza-va politicamente do COI em defesa dos seus pró-prios interesses e também dos interesses dos EUA.Note-se que as relações entre EUA e China haviamsido cortadas em Outubro de 1949 quando forçascomunistas lideradas por Mao Zedong depuseram ogoverno nacionalista do general Chiang Kai-shek.Na perspectiva política da RPC, a continuação dosJogos da Novas Potências Emergentes era uma ques-tão crucial. Assim, Zhou Enlai voltou a envolver-seno processo quando soube que o Egipto exigia umasoma considerável para organizar os II Jogos. E fazia-o com a convicção do conhecimento que tinha de

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que a RPC havia auxiliado a Argélia com um subsí-dio substancial para construir o centro de conferên-cias que serviu para a realização da IIª conferênciaÁfrica-Ásia, realizada em 1965. (Liang, Lijuan,2007:98).32 Muito embora o investimento não tenhasido realizado, podemos simplesmente concluir quese a China teve aquela atitude estratégica em defesados seus interesses no mundo, num tempo de gran-des dificuldades económicas, o que é que ela hojenão fará em defesa dos seus interesses estratégicos,com a capacidade financeira de que é possuidora.xlix

Campeonato do Mundo de Ténis de Mesa - 1971Em 1971 o Campeonato do Mundo de Ténis de Mesadecorreu no Japão em Nagoya. A Coreia do Norte nãoqueria participar na medida em que existia no Japãouma comunidade 600 mil norte-coreanos que, peranteos previsíveis fracos resultados desportivos, podiademonstrar alguma hostilidade para com o regime dePyongyang. Em consequência, as autoridades daCoreia do Norte entenderam não participar. Contudo,aos chineses interessava-lhes que a Coreia do Nortetambém participasse. Então, como refere Xu Guoqi(2008),30 através da intervenção directa de ZhouEnlai, os norte-coreanos foram convencidos a partici-par a troco de algumas vitórias com que impressiona-riam os concidadãos que viviam no Japão. O problema foi que aconteceu um imponderável. Acomitiva chinesa era liderada por Zhao Zhenghongum militar que não esteve pelos ajustes políticos.Para ele, o desporto tal como a guerra era paraganhar. Em consequência, a equipa da China que,apesar dos efeitos negativos da Revolução Cultural,tinha os melhores jogadores do mundo, acabou porderrotar a Coreia do Norte por 3-0 impedindo-a deganhar os homens singulares como estava previsto.Quanto ao Japão, todos os atletas chineses derrota-ram os atletas japoneses. O segundo problema surgiu quando a comitiva chi-nesa regressou a casa. Aquilo que aconteceria emqualquer outro país do mundo, na China aconteceuprecisamente o contrário. A equipa foi chamada aZhou Enlai que obrigou o chefe da comitiva ZhaoZhenghong a fazer um relatório autocrítico e,depois, mandou-o ir à Coreia do Norte pedir descul-pas. Zhao apresentou directamente desculpas aoPresidente nortecoreano Kim II Sung. O próprio

Zhou Enlai, não deixou também de se desculparperante os norte-coreanos pelo comportamento daequipa chinesa. Depois, Kim II Sung teve a oportuni-dade de agradecer aos camaradas Mao e Zhou osesforços realizados para reforçarem a amizade entrea China e a Coreia do Norte.

Aprender à própria custa - competição é competiçãoOs chineses, ainda segundo Xu Guoqi (2008),30

haviam de aprender à sua custa. No apuramento dofutebol para os Jogos de Moscovo (1980), os chine-ses e os norte-coreanos voltaram a combinar o resul-tado. Para que todos ficassem satisfeitos o resultadoajustado foi de 3-3. Mas, quando o resultado atingiua cifra combinada, os norte-coreanos “roeram acorda”, meteram mais um golo e fizeram 4-3.Depois, puseram-se a jogar à defesa e não deixaramos chineses empatar o jogo como estava combinado.Com esta derrota, os chineses acabaram por concluirque, no domínio da competição desportiva nãopodem existir resultados de amizade. Competição écompetição. Apesar de tudo, uma nova perspectivade entender a competição quer nacional quer inter-nacional de uma forma séria, só veio a ser posta emprática a seguir à morte de Mao Zedon.A RPC utilizou o desporto das maneiras mais criticá-veis, ao chegar ao ponto das autoridades políticas aomais alto nível promoverem a corrupção dos resulta-dos em nome de uma solidariedade que, como se viu,não tinha qualquer sentido, na medida em que a con-trapartida geralmente não funcionou. Depois, os chi-neses acabaram por aprender à própria custa que acompetição é uma coisa séria que não dá para brincar. Mas o problema mais sério originado pela posiçãohipócrita de que “primeiro estava a amizade e,depois, a competição”, originou que um “modelo dedesporto não competitivo”, a partir dos anos sessen-ta, passasse a ter influência em países como a Françaaonde os neo-marxistas, desanimados com o revisio-nismo do Partido Comunista Francês promoviam omaoísmo. Ora, esta perspectiva ultrapassou as fron-teiras francesas e projectou-se noutros países entreos quais Portugal com incidências nefastas nos pro-gramas da disciplina de Educação Física que aindahoje se fazem sentir e comprometem o desenvolvi-mento do desporto do país.l

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EXPULSÃO DA REPÚBLICA DA CHINA (TAIWAN) DO COIHá muito que a RPC tinha assumido que a sua lutadentro e fora do COI ultrapassava em grande medidaos problemas do mundo do desporto. De facto, paraa RPC o desporto e o Olimpismo eram instrumentosfundamentais para ser reconhecida pela ONU. Emconformidade, jogava fortemente com os conflitos deinteresses internos do próprio COI, uma organizaçãointernacional, como todas elas, com muitos parado-xos e contradições.Na 56ª Sessão do COI realizada 23 a 28 de Maio de1959 em Munique, o problema das “duas Chinas”foi um dos temas da sessão. A partir de uma propos-ta do Marquês de Exeter (1905-1981), foi decididopor 48-7 retirar o CON-Taiwan que utilizava o nomede Comité Olímpico Nacional Chinês da lista oficialdos comités reconhecidos pelo COI e considerar asua readmissão caso aceitasse mudar o nome. Otexto da decisão que passou a ser conhecida como a“Decisão de Munique” foi o seguinte: “O Comité Olímpico Nacional Chinês com sede em Taipé,(Taiwan) será notificado pelo Chanceler do ComitéOlímpico Internacional que não pode continuar a ser reco-nhecido sob aquele nome na medida em que não controla odesporto na China, e o seu nome será retirado da lista ofi-cial. Se for realizada uma candidatura de reconhecimentocom um diferente nome, será considerada pelo ComitéOlímpico Internacional.” li

Em conclusão, aquilo que para todos os efeitos aosolhos do mundo foi decidido, foi que a República daChina (Taiwan) tinha sido expulsa do COI.Esta decisão do COI causou tantos problemas quenão se percebe como foi possível Brundage deixaravançar o processo. Quanto a nós, só vemos uma deduas possibilidades:— Ou a votação (que viria a ser posteriormente con-testada) apanhou Brundage completamente distraído;— Ou, pelo contrário, Brundage estava bem cons-ciente do que se estava a passar, só que os seus inte-resses naquele momento ultrapassavam as posiçõesque tinha assumido no passado. O problema é que as novas conveniências deBrundage entravam frontalmente em confronto comas dos EUA. Hoje, é legítimo pensar que Brundageenquanto Presidente do COI, dificilmente podia con-viver com a situação de ter o CON do país maispopuloso do mundo, ao tempo, com cerca de 600

milhões de habitantes, fora do COI. Mas mais. ParaBrundage, era certamente muito difícil conviver como facto das autoridades da RPC terem afirmado sole-nemente que só regressariam ao COI depois deBrundage sair. Em conformidade, Brundage fez umajogada de mestre. O que ele, muito provavelmente,desejava era criar as condições para o regresso aoseio do COI da RPC. Afastada Taiwan, a RPC regres-saria em grande triunfo e ele faria parte desse triun-fo. Entretanto, relativamente a Taiwan era só umaquestão dos nacionalistas mudarem de nome o queaté já vinha a acontecer noutras organizações inter-nacionais. O problema é que Brundage não foi capaz de, mini-mamente, imaginar a reacção de várias entidadesnorte-americanas, bem como, posteriormente, dageneralidade da população norte-americana. Se anível das entidades as questões se colocavam nadimensão global da guerra-fria,lii no que diz respeitoao povo americano a imagem que passou foi a deuma Taiwan protegida dos EUA, a ser trucidadapelos interesses da enorme China comunista. Emconsequência, Brundage deve ter passado um dosperíodos mais difíceis da sua vida, na medida emque, para além de aos olhos dos americanos, terposto em causa os interesses do seu próprio país,teve, por diversas vezes, de ouvir aquilo que nãoqueria e de contradizer aquilo que tinha sido decidi-do pelo COI. Para alguém com uma personalidademais ou menos autocrática como era a de Brundage,não deve ter sido mesmo nada fácil.

O Pesadelo de BrundageAo tempo, a ONU ainda não tinha reconhecido a RPCo que só viria a acontecer em finais de 1971. SóTaiwan era reconhecida como República da China naONU. Por outro lado, a decisão de expulsão relativa-mente ao Comité Nacional Olímpico da China –Taiwan, ia contra tudo aquilo que tinha sido o discur-so oficial que afirmava que o desporto nada tinha aver com a política, e que não eram os países que inte-ressavam mas os atletas. Se o desporto nada tinha aver com a política, como era possível que o COI, noque diz respeito ao reconhecimento dos países, ultra-passasse a situação existente na ONU, tornando-se,deste modo, um instrumento de pressão no sentidode forçar a entrada da RPC na ONU? Porque, de facto,

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esse era o primeiro objectivo da RPC e o COI, com asua atitude, estava pura e simplesmente a ser um ins-trumento político nas mãos da RPC.Assim, a resolução de Munique, em plena guerra-fria, não podia deixar de ter enormes repercussõesnos EUA. Brundage e o COI foram acusados deceder aos países comunistas liderados pela URSS, afim de facilitarem o regresso da China Popular(Pequim) ao Movimento Olímpico, à custa da exclu-são da China Nacionalista (Taiwan). Brundage aca-bou por ser atacado pelo Governo, pelo Congresso epelo próprio Presidente Eisenhower. Até a contagemdos votos na Sessão do COI realizada em Muniquefoi posta em causa e precisamente por um membroamericano do COI de seu nome Douglas Roby(1898-1992). Simultaneamente, a população norte-americana come-çou a sentir que o significado da expressão guerra-friaafinal não era assim tão fria quanto isso, ao tomarconhecimento dos bombardeamentos efectuados pelaRPC às ilhas nacionalistas de Quemoy e Matsu. Emconsequência, o embaixador dos EUA nas NaçõesUnidas, Henry C. Lodge, pediu que a decisão do COIrelativamente a Taiwan fosse reconsiderada.Pelo seu lado, o COA afrontava o COI no sentido de odesafiar a voltar a reconhecer o Comité Olímpico daRepública da China (China Nacionalista). Para os diri-gentes do Comité Olímpico Americano (COA) qualqueratraso na reentrada do Comité Olímpico da Repúblicada China prejudicaria seriamente o movimentoOlímpico nos EUA. Na realidade, o COA estava decerto modo em pânico na medida em que se encontravaa praticamente um ano da realização dos JogosOlímpicos de Inverno em Squaw Valley (1960), peloque não se podia permitir ter um caso que lhe secasseas fontes de financiamento. A questão da expulsão daChina Nacionalista do seio do COI estava a pôr emrisco os apoios financeiros aos Jogos de Squaw Valley(1960) provenientes dos “sponsors” americanos. Alémdo mais, muitas entidades exigiam pura e simplesmentea saída do COA do COI o que, ainda pior, comprometiaa realização dos próprios Jogos de Squaw Valley.liii

O dito por não ditoPerante tal situação, Brundage, pondo de lado todo oseu “horror” a envolver a política no desporto, foiobrigado a entrar em negociações com os chineses

de Taiwan, e, desta feita, numa posição de extraordi-nária debilidade na medida em que estava sem reta-guarda. E ao fazê-lo, entrou em contradição com afilosofia do próprio COI que defendia que “só discu-tia com atletas e não com os governos” ou que “sóreconhecia organizações desportivas e não gover-nos”,liv conforme esclarecimento prestado pelo COIimediatamente depois da Sessão de Munique.Apesar de tudo, as negociações iniciaram-se, mascomo os chineses de Taiwan estavam numa posiçãofavorável, resolveram “esticar a corda” pelo que exi-giam ser reconhecidos por Comité Olímpico daRepública da China. Ora, esta posição seria sempreinaceitável para a RPC.Perante a situação, Brundage teve de dar o dito pornão dito. Assim, começou simplesmente por dizer quea resolução de Munique tinha sido mal interpretada e,a 19 de Julho de 1959, fez a seguinte declaração: “Os termos da resolução adoptado pelo COI na Sessão de28 de Maio de 1959 (Sessão de Munique) foram infelizes erealmente não expressaram a intenção da Sessão deMunique. A intenção do Comité Olímpico Internacional foimeramente no sentido de identificar os atletas que viviamem Taiwan (Formosa). A Formosa chinesa agora candida-tou-se sob o nome do seu país – Comité Olímpico daRepública da China. Eu recomendarei e apoiarei o reconhe-cimento deste comité sob este nome.”lv

Apesar de tudo o que Brundage pudesse dizer, aosolhos dos americanos, na Sessão de Munique, aChina Nacionalista foi expulsa do COI e a prová-loestá o facto de, conforme a acta da Sessão deMunique, se Taiwan quisesse voltar pertencer aoCOI, tinha de desencadear uma nova candidatura.

Jogos Olímpicos de inverno Squaw Valley (1960)Em todo este processo a organização dos JogosOlímpicos de Squaw Valley (1960) teve um papelfundamental. Eram enormes as verbas e os apoios detoda a ordem que estavam em jogo. Em conformida-de, a 29 de Junho de 1959, Prentis C. Hale,Presidente da Comissão Executiva dos Jogos, depoisde ter tido uma reunião com Avery Brundage, apres-sou-se, através de uma news release, a informar opúblico americano: 1 – O Comité Olímpico da República da China(China Nacionalista), foi convidado para participarnos Jogos de Squaw Valley pelo Comité Organizador

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dos VIII Jogos Olímpicos de Inverno; o ComitéOlímpico da República da China aceitou e vai ter aoportunidade de aparecer.2 – O Comité Olímpico da República Democrática daChina (China vermelha) não era reconhecido peloComité Olímpico Internacional quando o ComitéOrganizador enviou os convites para participar; pre-sentemente não é reconhecido pelo Comité OlímpicoInternacional pelo que não lhe será permitido parti-cipar nos Jogos Olímpicos de Inverno de 1960. lvi

Simultaneamente, Prentis C. Hale divulgou umadeclaração de Brundage, onde este informava osamericanos que a decisão do COI de 28 de Maio(Sessão de Munique) teve como único objectivoesclarecer a situação da China Nacionalista no seioda Família Olímpica. Mas dizia mais: Recentes rumores de que a admissão do ComitéOlímpico da China Nacionalista tinha sido negadasob o nome de República da China ou uma variaçãosemelhante não são verdadeiros.lvii

Em todo o processo, Avery Brundage jogou com umaenorme inabilidade e, em consequência, foi apanha-do nas malhas das suas próprias contradições. Aocontrário daquilo que ele tinha passado uma vida aafirmar, o desporto e o Olimpismo tinham mesmo aver com a política. Como Brundage afirmava o con-trário, acabou simplesmente por andar a reboque dapolítica, para tentar-se salvar dos problemas que elepróprio tinha desencadeado.

Última Jogada de BrundageSe os chineses se utilizaram do desporto para finspolíticos, o COI fundamentalmente sob a liderançade Brundage, também não o deixou de fazer.Brundage nunca permitiu que a questão das “duasChinas” fosse tratada de uma forma clara, aberta esem quaisquer preconceitos. A dois anos de abando-nar o COI, o que viria a acontecer imediatamente aseguir aos Jogos de Munique (1972), Brundage jácom 83 anos de idade continuava a exercer o seupoder autocrático que no final da sua vida já só tinaa ver com o seu maior ódio de estimação, quer dizera RPC. Assim, na 70ª Sessão do COI realizada de 12a 16 de Maio de 1970 em Amesterdão, Brundage for-çou votação no COI de um novo membro, desta feitaHenry Hsu da República da China (Taiwan).lviii Ora,tal proposta, independentemente da sua bondade, só

podia provocar mal-estar nos dirigentes da RPC efazer com que a sua atitude se radicalizasse aindamais do que já estava. Quer dizer que, ao cabo de 18anos de incapacidade absoluta para resolver um pro-blema, Brundage com tal atitude pretendeu, pelomenos aparentemente, condicionar a resolução doproblema das “duas Chinas” para além da sua lide-rança no COI.Henry Hsu foi muito provavelmente, no que diz res-peito às “duas Chinas”, a última jogada deSamaranch. Todavia, a jogada não revelou ser degrande utilidade na medida em que Henry Hsu, pos-teriormente, acabou por ser um elemento construti-vo na resolução do problema das “duas Chinas”.Entretanto eram os próprios membros do COI queultrapassavam a casmurrice de Brundage. Por exem-plo, vários dirigentes do COI tais como ReginaldAlexander do Quénia e Giulio Onesti de Itália, visi-taram por sua conta e risco a RPC contactando comos dirigentes desportivos chineses. Porém, estas visi-tas foram mantidas fora do conhecimento deBrundage, na medida em que se sabia que a posiçãodo Presidente do COI seria sempre de oposição por-que essa era a posição dos EUA que, ao tempo, nãoreconheciam a RPC. No entanto, independentementeda vontade de Brundage ou até mesmo dos EUA, apressão para que as relações entre o COI e a RPCvoltassem ao normal há muito que vinham a serexercidas pelos mais diversos protagonistas.

ConclusãoBrundage jogou com a questão das “duas Chinascomo muito bem entendeu. Apesar desta sua atitu-de, não se percebe muito bem como é que na Sessãode Munique se deixou cair na situação em que, emtermos práticos o CON de Taiwan acabou expulso doCOI só podendo regressar se aceitasse mudar denome. Depois, quando a situação aqueceu, Brundageteve um comportamento errático e incoerente relati-vamente às suas posições anteriores. Acabou porpassar um mau bocado, teve de dar o dito por nãodito, a fim de salvar a sua posição que estava a sermuito difícil pela aproximação dos Jogos Olímpicosde Inverno de Squaw Valley (1960). Mas, apesar detodos os seus fracassos, Brundage continuou igual asi próprio. Numa a atitude de pouco respeito peloselementos do COI e numa provocação descarada

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relativamente à RPC, fez eleger Henry Hsu deTaiwan para elemento do COI. Pelo seu lado, à reve-lia do próprio Brundage, alguns elementos do COIcomeçaram a estabelecer relações com a RPC. Com asua longevidade à frente do COI Brundage acaboupor, mais uma vez, provar que as lideranças autocrá-ticas acabam geralmente no caos.

REGRESSO AO MOVIMENTO OLÍMPICONão fazia qualquer sentido que a RPC, o país maispopuloso do mundo, estivesse fora do MovimentoOlímpico. Em conformidade, o mundo comunistafundamentalmente através da URSS, começou apressionar o COI no sentido deste criar as condiçõespara que a RPC regressasse ao Movimento Olímpico.Mas a pressão sobre o COI não foi só exercida pelomundo comunista, na medida em que na 56ª Sessãodo COI, realizada em Munique, ela surgiu dentro dopróprio COI. O que aconteceu foi que a RPC recebeuum apoio fundamental para a sua causa doPresidente da International Amateur AthleticFederation (IAAF), David George Brownlow Cecil(1905-1981), o 6º Marquês de Exeter.lix

Exeter tinha um currículo desportivo a todos os títu-los digno de espanto, o que lhe facilitava a vida nosmeandros do mundo do desporto e do Olimpismo.Nestes ambientes, um campeão há-de ser sempreum campeão. Exeter, tinha participado em três JogosOlímpicos: Paris (1924); Amesterdão (1928) e; LosAngeles (1932). Foi Campeão Olímpico nos 400metros barreiras nos Jogos de Amesterdão (1928).Mais tarde, durante 40 anos exerceu as funções dePresidente da Amateur Athletic Association e dePresidente a IAAF durante 30 anos. Foi ainda mem-bro do COI durante 48 anos. Portanto, um pesopesado do Movimento Olímpico, cuja opinião nãopodia deixar de se ouvir. Exeter defendia que deviam ser criadas as condiçõespara que a RPC regressasse ao movimento Olímpico.Para ele, o verdadeiro representante dos chineses eraa RPC, na medida em que a China Nacionalistarepresentava apenas uma pequena minoria. Exeter iamesmo ao ponto de defender que o CON-Taiwancom sede em Taipé que se identificava com o seunome original, Comité Olímpico Nacional Chinês,devia retirar a palavra China do seu nome. Contudoesta posição de Exeter que acabou por envolver

Brundage, não satisfazia os desejos da RPC na medi-da em que aceitava a continuação de um CON deTaiwan, quando o que a RPC desejava era a pura esimples exclusão de Taiwan do COI.Independentemente de Exeter estar certo ou errado,o que é facto é que o COI ao entrar nesta dinâmicade pensamento ia contra tudo aquilo que o seu diri-gente Avery Brundage tinha andado a dizer, isto é,que o desporto nada tinha a ver com a política. Emsimultâneo, era entrar por um caminho muito com-plicado, na medida em que a ONU reconhecia aChina Nacionalista - Taiwan como República daChina. Quer dizer, o COI sobrepunha-se e antecipa-va-se à ONU, em defesa das posições da RPC. Noentanto, o COI ao jogar desta maneira antecipava-sea um futuro mais que previsível. Contudo o queaconteceu, acabou por provar que, afinal, não chegater razão, é necessário ter razão no momento exactoe no local apropriado. A Sessão de Munique não foicertamente nem o momento exacto nem o localapropriado.

Diplomacia do ping-pong No início da década de 1970, perante um país com aeconomia em completo colapso e sob a ameaça daUnião Soviética, Mao Zedong iniciou uma manobraestratégica a fim de se aproximar dos EUA, muitoembora o imperialismo americano fosse visto pelasautoridades de Pequim como o inimigo mais perigo-so. O problema é que a nomenclatura chinesa come-çou a perceber que ainda havia um inimigo maisperigoso do que o mais perigoso dos inimigos. Esseinimigo era a URSS com quem a China para além dedividir a liderança de uma ideologia, partilhava aindamilhares de quilómetros de fronteira. O conflitolatente entre a URSS e a RPC ultrapassava as pró-prias fronteiras da ideologia na medida em que tinhaas suas origens nos tempos dos czares russos. Com a aproximação aos EUA o Presidente MaoZedong, em primeiro lugar, afastou-se dos conflitoslatentes com a União Soviética. Zhou Enlai diziamesmo que as questões com a URSS estavam paraalém da possibilidade de serem geridas à margemdo conflito. E compreende-se na medida em que aURSS tinha 43 divisões estacionada na fronteiracom a RPC. Em segundo lugar, Mao demarcou-seda URSS que reivindicava a unificação do socialis-

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mo debaixo da tutela do Kremlin. Em terceirolugar, conseguiu o reconhecimento internacionalque a RPC não tinha conseguido enquanto aliadada URSS. Desde a fundação da RPC em 1949, o mundo oci-dental via o governo de Mao Zedong como ilegal, namedida em que, para a generalidade dos ocidentais,o verdadeiro governo da China estava refugiado emTaiwan. Com a aproximação aos EUA, os países oci-dentais passaram a ver Mao Zedong como o legítimoregente da China continental.Ao tempo, tanto a RPC como os EUA parece teremcomeçado a perceber que as questões que os opu-nham jamais se resolveriam através de uma diploma-cia de confronto, mas, pelo contrário, só podiam tersolução através de uma diplomacia de cooperação.Em conformidade, iniciaram um processo de nego-ciações nos bastidores da política internacional. Se aRPC tinha interesse em abrir as suas relações aoOcidente porque, para além da sua economia estarexausta queria fugir do jugo soviético, os EUAtinham interesse em afastar a RPC da influênciasoviética. Então, em 15 de Julho de 1971, oPresidente Nixon surpreendeu os americanos aocomunicar-lhes que, de 9 a 11 de Julho, tinha havidoconversações em Pequim entre Zhou Enlai e HenryKissinger e que o Primeiro-ministro Chinês o tinhaconvidado para visitar a China.O mais significativo de todo este processo foi o factodas relações diplomáticas entre os EUA e a RPC,terem começado quando, a 6 de Abril de 1971, aequipa de ténis de mesa dos EUA que estava noJapão a participar no 31º Campeonato do Mundo,recebeu um convite da RPC para visitar o país. ARPC estava pela primeira vez a participar noCampeonato do Mundo de Ténis de Mesa depois de,em 1958, ter decidido retirar-se de várias organiza-ções desportivas internacionais. Entretanto, a 12 deAbril, nove jogadores americanos, quatro altos fun-cionários, acompanhados por 10 jornalistas, atraves-saram uma ponte que liga Hong-Kong à China conti-nental e, deste modo, inauguraram não só uma novaera nas relações internacionais, entre os EUA e aRPC, como também uma nova visão relativamente àsfunções que o desporto, no quadro da diplomaciainternacional, pode assumir. A partir de então, a “diplomacia do ping-pong” pas-

sou contrariar o discurso de uma certa cultura incul-ta que afirma que o desporto nada tem a ver com apolítica. E o Primeiro-ministro Zhou Enlai durante obanquete em homenagem aos visitantes no GrandeHall do Povo em Pequim afirmou: “Vocês abriram novo capítulo nas relações entre o povoamericano e o chinês” (…) “Tenho a certeza de que o reiní-cio de nossa amizade resultará num maior apoio entre osdois povos.”lx

E a metáfora da “política de ping-pong” passou a fazerparte dos dicionários de ciência política. E, simulta-neamente, um modelo de aculturação à escala global.E a prová-lo aí está o facto de quatro dos elementosda equipa Americana de ténis de mesa presentes nosJogos de Pequim terem nascido na China.

Entrada na ONUPor coincidência ou não, em Outubro de 1971 aAssembleia-geral das Nações Unidas, através daresolução 2758 (XXVI) de 25 de Outubro reconhe-ceu a RPC, passando a considerar a província deTaiwan como uma das suas partes. Ora, este factoalterou completamente os dados do problema das“duas Chinas” na medida em que atribuiu à RPCuma situação muito mais confortável no quadro doseu prestígio no âmbito das nações. Desde logo por-que a RPC começava finalmente a sair do isolamentoa que tinha estado sujeita, desde a sua fundação em1 de Outubro de 1949.Depois, os Estados Unidos revogaram um embargocomercial contra a China e, em finais do ano de1971, aproveitando a boa vontade gerada pela diplo-macia do ping-pong, o Presidente Richard Nixon(1913-1994) anunciou que visitaria a China no anoseguinte, a fim de iniciar conversações formais entreos EUA e a RPC. Um ano depois, uma equipa da RPC fez uma excur-são pelos Estados Unidos. Sob o lema “amizade emprimeiro lugar”, jogou várias partidas com atletasamericanos. Deste modo, a RPC iniciou uma novaera nas suas relações internacionais precisamente apartir da utilização do desporto enquanto instrumen-to do domínio da “diplomacia soft”. É evidente que o desporto pode e deve ser utilizadotal como qualquer outra actividade humana na pro-moção das relações entre os povos. Pode ser utiliza-do pelos governantes com boas ou más intenções.

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Todavia, não é por alguns líderes e organizações outilizarem com objectivos que nada têm a ver com ointeresse da generalidade das pessoas e dos países,que os dirigentes desportivos devam passar a fazerde avestruzes e a dizer que o desporto nada tem aver com a política.

Jogos Olímpicos de Montreal (1976)Uma vez dentro da ONU, a RPC acertou todas assuas baterias para conseguir entrar novamente noCOI, aliás, de onde nunca devia ter saído. Assim,depois de, em 1972, ter conseguido, com o empenhodirecto de Zhou Enlai, o afastamento de Taiwan daFederação Asiática de Ténis de Mesa e da Federaçãodos Jogos Asiáticos, duas vitórias de significativaimportância, a RPC virou-se decididamente para omovimento Olímpico. Em conformidade, começou apedir a determinados membros do COI que manifes-tavam amizade e simpatia para com a RPC, parafazerem discursos a defender o regresso da RPC aoMovimento Olímpico. O que aconteceu foi que, emtodas as sessões do COI e em diversas reuniões daComissão Executiva do COI, o problema das “duasChinas” esteve sempre presente. Segundo Dongguang Pei (2006),lxi cerca de seismeses depois da organização dos Jogos Olímpicoster sido atribuída a Montreal o que aconteceu em1970, o Canadá estabeleceu relações diplomáticascom a RPC. Claro que a RPC aproveitou a circuns-tância para fazer mais uma das suas jogadas estraté-gicas no sentido de acabar com a situação das “duasChinas”. A ideia que esteve quase a resultar, era con-seguir da parte dos canadianos um convite directopara participar nos Jogos, impondo ao mesmo tempoa exclusão de Taiwan. Pelo seu lado, o Canadá paraalém de aceitar a entrada directa da RPC o que con-trariava os compromissos assumidos com o COI, sópermitiria a participação de Taiwan sob o nome deTaiwan como tinha acontecido em 1960 nos Jogos deRoma em que, Taiwan desfilou na cerimónia de aber-tura com um cartaz que dizia “under protest”. O Governo do Canadá só revelou a sua posição emMaio de 1976. Ora, o COI não ficou nada satisfeitocom a situação em vias de acontecer, na medida emque, se por um lado, a RPC não podia participar por-que não era membro do COI, por outro, Taiwan nãopodia ser impedida de participar porque era membro

do COI. Perante esta situação o COI emitiu oseguinte comunicado: “A posição do Canadá está em conflito com os princípiosfundamentais do Olimpismo pelo que os Jogos nunca deviamter sido atribuídos ao Canadá (…) se o Canadá não tivessegarantido que os atletas de todos os Comités OlímpicosNacionais reconhecidos pelo COI poderiam participar.”lxii

O que é facto é que a 9 de Julho de 1976, portanto aescassos dias da abertura dos Jogos, por um lado, acomitiva da RPC preparava-se para participar e, poroutro, não tinham sido facultados vistos de entrada àdelegação de Taiwan, quer dizer, estava a ser utiliza-do o mesmo truque que serviu para afastar Taiwanda participação nos IV Jogos Asiáticos realizados naIndonésia em 1962.As posições eram de tal maneira irredutíveis que oCOI chegou a considerar a possibilidade de cancelara realização dos Jogos, ou, simplesmente, retirar-lhesa designação de Jogos Olímpicos. Contudo, o COIcedeu. Foi decidido prosseguir com os Jogos semTaiwan. Entretanto, perante a cedência do COI, o Presidentedo Comité Olímpico Americano, com o apoio doPresidente Gerald Ford, ameaçou retirar dos Jogos aequipa dos EUA o que seria um desastre já quetodos os contratos com as televisões americanas fica-vam sem efeito. Claro que, perante tal ameaça, tinhade ser encontrada uma solução que satisfizesse, porum lado, a política de uma única China à qual oCanadá tinha aderido e, por outro, os princípios doCOI que obrigavam à aceitação de Taiwan enquantomembro de pleno direito. Então, por envolvimentodirecto do Presidente do COI Lorde Killanine e doPrimeiro-ministro Canadiano Pierre Trudeau, foi ten-tada uma solução em que Taiwan poderia competirdebaixo da designação de Comité Olímpico deTaiwan. O problema foi que tanto Taiwan, como aRPC recusaram a proposta. Os Jogos acabaram porter a sua abertura como estava previsto a 17 de Julhosem qualquer participação chinesa, o que, no fundo,significou uma derrota para todas as partes.

O Gato de Deng XiaopingO ano de 1976 foi um ano em que se abriram, defacto, possibilidades para que o problema das “duasChinas” pudesse de uma vez por todas ser resolvido.O que aconteceu de significativo foi que:

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— Zhou Enlai morreu a 8 de Janeiro;— Mao Zedong morreu a 9 de Setembro;— Em 6 de Outubro foi desencadeado um golpe deestado liderado por, entre outros, Deng Xiaoping;— O Bando dos Quatro foi preso. Em conformidade, Deng Xiaoping acedeu ao poder,dando-se por terminada a era de Mao Zedong e,simultaneamente, do tenebroso período daRevolução Cultural. Entretanto, começaram as refor-mas de que a China há muito necessitava. Reformassobretudo de mentalidades que vieram possibilitar acriação de novas oportunidades que permitiram oregresso da RPC ao Movimento Olímpico. Pelo seu lado, para o COI era absolutamente neces-sário resolver a questão das “duas Chinas”. A situa-ção tinha atingido um padrão de conflito impossívelde gerir, sem provocar estragos no próprioMovimento Olímpico. O que tinha acontecido nosJogos de Montreal, não podia voltar a acontecer. Emconformidade, era necessário resolver a questão das“duas Chinas” antes dos Jogos Olímpicos deMoscovo (1980). O problema é que a questão estavabloqueada a menos que houvesse alguma flexibilida-de de uma das partes interessadas. Mas qual delasestava em melhores condições de dar o primeiropasso? O COI, não podia ceder, expulsando pura esimplesmente o Comité Olímpico da República daChina (Taiwan), na medida em que, ao fazê-lo, esta-va a tirar a milhões de jovens a possibilidade poten-cial de participarem nos Jogos Olímpicos. Pelo seulado, a parte mais fraca de todo o processo que eraTaiwan também não podia ceder na medida em queo tempo já não jogava a seu favor, pelo que os diri-gentes sentiam o tapete a fugir-lhe debaixo dos pés.Assim, só restava a terceira parte do problema, querdizer, a RPC. Na realidade, a RPC, das três entidadesenvolvidas, era aquela que tinha na mão a solução doproblema, na medida em que era a única que, paracomeçar, podia ceder qualquer coisa, desde logo por-que tinha acabado de conseguir uma vitória muitosignificativa ao ser admitida no seio da ONU, paraalém de ter ficado livre dos líderes Mao Zedon eZhou Enlai que, ao cabo de vinte anos de discussõese disputas inúteis, eram as principais dificuldades àresolução da questão. De facto, ao tempo de MaoZedon e Zhou Enlai, a questão das “duas Chinas”era praticamente insolúvel na medida em que os

líderes da RPC tinham radicalizado a sua posição detal maneira que, dificilmente, podiam de lá sair semperderem a face.Com Deng Xiaoping a situação tornou-se radical-mente diferente. A Deng, como ele próprio dizia,não lhe interessava saber se o gato era preto oubranco desde que ele fosse capaz de caçar o rato.lxiii

Quer dizer, não lhe interessava se o regime era capi-talista ou comunista, desde que funcionasse.Portanto, a partir de então, as questões ideológicasdeixaram de ter a importância do passado, tendosido substituídas por um pragmatismo absolutamen-te necessário ao desenvolvimento económico da RPCe este desenvolvimento passava, também, pelomundo do desporto, concretamente pela ambiçãoque os dirigentes chineses há muito acalentavam deorganizar os Jogos Olímpicos. Nestes termos, estavam conseguidas as condiçõesmínimas para se poder novamente voltar a equacio-nar o regresso da RPC ao Movimento Olímpico.

Regresso à família olímpicaDe 14 a 19 de Setembro de 1977, o Presidente doCOI Lord Killanin deslocou-se a Pequim a fim de seencontrar com membros da FAATC e com oMinistro da Cultura Física e do Desporto. Esta visitacalhou num momento em que depois da morte deMao Zedong, Deng Xiaoping ainda não tinha assu-mido verdadeiramente o poder. Segundo Xu Guoqi,30

o Presidente do COI passou em Pequim um tempobem aborrecido, a ser doutrinado sobre o desportona RPC e a questão de Taiwan. Entretanto, na 80ªSessão realizada de 16 a 20 de Maio em Atenas, rela-tivamente ao assunto das “duas Chinas”, Killanineinformou que a RPC continuava a manter a sua posi-ção de só voltar ao Movimento Olímpico depois daexpulsão de Taiwan. Um ano depois, também visitou Taiwan. Depois, nareunião da Comissão Executiva realizada em 25 e 26de Janeiro de 1978 na Tunísia, Killanin relatou que aRPC exigia a expulsão de Taiwan como pré-condiçãopara regressar ao COI. Pelo seu lado, o COI tambémnão podia admitir essa solução drástica na medidaem que era afastar um dos seus membros que, paratodos os efeitos, exercia uma gestão efectiva sobreum território com milhões de cidadãos. Assim, ageneralidade das opiniões ia no sentido de solicitar

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ao CON de Taiwan que mudasse o seu nome. António Samaranch foi membro do COI desde 1966e foi Vice-presidente de 1974 a 1978. Nesta qualida-de, também começou a aparecer no processo das“duas Chinas”. Aliás, ele reivindica para si os lourosde ter resolvido a questão das “duas Chinas”.lxiv Na81ª Sessão do COI realizada de 4 a 7 de Abril emMontevideu, Samaranch teve a oportunidade deesclarecer a sua posição dizendo que era fundamen-tal para o Movimento Olímpico que a questão das“duas Chinas” fosse resolvida, uma vez que a ONUjá tinha reconhecido a RPC e diversas FederaçõesInternacionais já a tinham incluído entre os seusmembros. A sua estratégia era clara: o COI convida-va Taiwan a mudar de nome, como se sabia queTaiwan não mudaria, o COI votava a sua expulsão oususpensão e estava o problema resolvido. (Liang,Lijuan, 2007:150).32 Claro que tal solução colocava oproblema das “duas Chinas” no centro da política epelas piores razões, na medida em que o COI entra-va numa dinâmica em que os fins justificavam osmeios. A solução ia, também, contra tudo aquilo queo COI defendia no que diz respeito a todos os chine-ses terem a possibilidade potencial de participaremnos Jogos. Ora, se Taiwan fosse expulsa do COI, ajuventude de Taiwan deixaria de ter a possibilidadede participar nos Jogos Olímpicos. Não era necessária uma medida tão drástica. Aotempo, se por um lado a RPC se estava a tornar maisflexível, pelo que as autoridades já não defendiamcom tanta convicção a expulsão do CON de Taiwancomo condição para a sua entrada no MovimentoOlímpico, por outro lado, o COI com Killanin, emfinal de mandato, estava a atingir um ponto em quea questão das “duas Chinas” se tinha tornado umassunto de primordial importância. Assim, o proble-ma encaminhava-se para a sua resolução:— Em 1978, a IAAF decidiu readmitir a Federaçãode Atletismo da RPC, muito embora a Federação deAtletismo de Taiwan, como não estava de acordo emser expulsa, tenha movido uma acção contra a IAAFnum tribunal de Inglaterra. A RPC tinha como objec-tivo recuperar rapidamente os lugares que tinhaabandonado nas Federações Internacionais;— Em 1 de Janeiro de 1979, os EUA e a RPC reco-nheceram-se reciprocamente e estabeleceram relaçõesdiplomáticas formais entre si, para além de terem

acordado entre si que Taiwan fazia parte da China;— Em Fevereiro de 1979 as autoridades da RPC dei-xaram de se referir às autoridades de Taiwan com a“clique de Chiang” e passaram a tratá-las como“autoridades de Taiwan”. Ora, isto era uma mudançade atitude absolutamente fundamental para a resolu-ção do problema; (Liang, Lijuan, 2007:157-158).32

— O COI envolveu alguns membros da ComissãoExecutiva em visitas à RPC e a Taiwan, a fim demelhor se identificarem com a questão;— A própria revisão da Carta Olímpica (1978), insti-tuiu uma nova perspectiva relativamente à palavrapaís. País passou a ser entendido como qualquerpaís, Estado, território ou parte de território. Depois, a partir do estabelecimento de relações entreos EUA e a RPC, as mais diversas entidades e orga-nizações começaram a pressionar para que o proble-ma das “duas Chinas” fosse resolvido o mais depres-sa possível.Ainda na 81ª Sessão do COI, He Zhenliang emrepresentação do RPC abriu uma oportunidade paraa resolução do problema ao colocá-lo nos seguintestermos: “De acordo com a Carta Olímpica somente umComité Olímpico Chinês deve ser reconhecido. No respeitodo direito de oportunidade dos atletas de Taiwan participa-rem nos Jogos Olímpicos o desporto em Taiwan pode passara funcionar como uma organização local chinesa e conti-nuar ligada ao Movimento Olímpico, sob o nome de ComitéOlímpico Chinês de Taipé. Contudo, o seu hino, bandeira eestatuto devem mudar.” (Pei, Dongguang:27)78

Estava finalmente dado o primeiro grande passo paraque uma solução pudesse ser encontrada. De facto, aRPC alterou a sua posição, passando, em determina-das condições, a aceitar a coexistência com Taiwan.De acordo com Dongguang Pei78 esta foi, também, aprimeira vez que as autoridades chinesas mostraramalguma abertura para CON de Taiwan incluir a pala-vra China no seu nome. Assim, o COI, sob a presidência de Killanin, acaboupor concluir um processo moroso e complicado mas,acerca do qual não estava isento de culpas. Em 25 deOutubro de 1979, numa reunião da ComissãoExecutiva do COI realizada em Nagóia no Japão, aRPC aderiu novamente ao COI. O CON da RPCficou reconhecida no COI como Comité OlímpicoChinês (COC), enquanto que o Comité Olímpico deTaiwan passou a ser designado por Comité Olímpico

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Chinês de Taipé. Quer dizer, foi encontrada a soluçãoque há muito podia ter sido encontrada.

Regresso à competição sériaO regresso ao Movimento Olímpico obrigou a RPC aalterar completamente a sua ideologia em matéria dedesporto. Já não se tratava somente de ver a bandei-ra chinesa desfraldada na Aldeia Olímpica entre asdemais bandeiras nacionais, como referia LiangLijuan (2007)36 relativamente aos Jogos deHelsínquia (1952). O problema, passou a ser o daobtenção de resultados desportivos capazes dedemonstrar que a RPC já não era mais aquele paísagrícola, pobre e atrasado que a Revolução Culturalpassou para o mundo. Na realidade, o desporto na RPC deixou de ter qual-quer relação com aquilo que se passava ao tempo daRevolução Cultural em que os ideólogos do regime,na linha do que se tinha passado na URSS vinte anosantes, ensaiaram construir um desporto não compe-titivo, absolutamente subordinado aos ditames dosinteresses do Partido. Agora, segundo Liu Hong Bin,director da escola de desporto Shi Cha Hai: “O treino é deliberadamente duro a fim de melhor fortale-cer as crianças.” E acrescentou: “Existe um provérbio chinês que diz que se encontra felici-dade no sofrimento. As crianças podem encontrar felicidadeno treino duro.”lxv

Hoje, a RPC ultrapassou a anacrónica visão de umdesporto não competitivo dos tempos da RevoluçãoCultural. O embaraço é que, em nome doOlimpismo ao serviço da economia, está a cair noextremo oposto. Muito provavelmente, a voltar aosvalores preconizados por Mao Zedon quando em1917 escreveu o livro “Um Estudo de EducaçãoFísica”, aonde preconizava que “o principal desígnioda educação física era o heroísmo militar.” Por isso,a situação hoje na China é preocupante. Aindasegundo Liu Hong Bin: “Alguns pais, dizem aos nossos treinadores que podembater nos seus filhos: se a criança não se comportar bem,por favor, bata nela”lxvi

A grandiosidade dos Jogos de Pequim, em nome doOlimpismo, ficará marcada por diversos estigmassociais, desde os anacrónicos sistemas de ensino ede treino relatados no filme de Chao Gan “The Red

Race”,lxvii até à deslocação de populações sem quais-quer compensações, passando pelos obscenos gastosem instalações desportivas. O Movimento Olímpico e os seus dirigentes nãopodem olhar para esta situação dizendo que o des-porto nada tem a ver com a política sob pena denegarem os princípios e os valores do próprioOlimpismo que, em quaisquer circunstâncias, deveestar ao serviço do desenvolvimento humano e dacelebração da humanidade. Este é o grande estigma que marcará para sempre oMovimento Olímpico, a menos que os Jogos dePequim acabem por ser, como temos esperança queo venham a ser, o catalisador das mudanças necessá-rias e urgentes de que a Grande China e o desportonecessitam. Por mais que alguns dirigentes desporti-vos insistam que o desporto nada tem a ver com apolítica.

A China e os Jogos OlímpicosA organização dos Jogos Olímpicos de Pequim era umsonho chinês com cem anos de idade. Como refereSusan Brownell (2007)23 o desejo dos chineses orga-nizarem os Jogos Olímpicos era tão velho quanto ahistória do Olimpismo moderno. Em 1907, a YMCAdesenvolveu um programa de educação física quecomeçava por colocar três questões fundamentais:— Quando é que a China será capaz de enviar atletasvencedores aos Jogos Olímpicos?— Quando é que a China será capaz de enviar equi-pas vencedoras aos Jogos Olímpicos?— Quando é que a China será capaz de organizar osJogos Olímpicos convidando o mundo para se deslo-car a Pequim para neles participar?A China enviou pela primeira vez atletas aos Jogosde Los Angeles em 1932. A RPC mandou pela pri-meira vez atletas ganhadores aos Jogos Olímpicosem Los Angeles (1984) – Jogos da Olimpíada.Finalmente, a RPC organizou os seus primeirosJogos Olímpicos em Pequim em Agosto de 2008.Nesta conformidade, a China levou cem anos a cum-prir o seu sonho olímpico. Quanto à organização dos Jogos, a RPC apresentou aprimeira candidatura em 1993 quando se propôssediar os Jogos da XXVII Olimpíada. Acabou por serprejudicada devido fundamentalmente aos trágicosacontecimentos da Praça Tiananmen em 1989.

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Depois, acabou por vencer a candidatura à organiza-ção dos Jogos da XXIX Olimpíada, tendo o Governochinês prometido uma abertura do regime, umamaior liberdade de imprensa e um maior respeitopelos Direitos Humanos.

ConclusãoA diplomacia do ping-pong, desencadeada por MaoZedong, foi o primeiro passo estratégico que condu-ziu a RPC de volta ao Movimento Olímpico interna-cional. Todavia, Mao não o fez pela causa desportiva.Fê-lo porque, ao tempo, interessava-lhe aproximar-se dos EUA a fim de se libertar da URSS. Depois,com a morte de Zhou Enlai e Mao Zedong aRevolução Cultural atingiu o seu término. ComDeng Xiaoping ser rico passou a ser glorioso, peloque a RPC abriu as portas ao capitalismo e, em con-sequência, a um desporto diferente do modelo nãocompetitivo da Revolução Cultural. A um desportoque conduziu a RPC ao grande êxito que foi a orga-nização dos Jogos de Pequim.

CONCLUSÕESMuito embora Jiang Yu, a porta-voz do Ministério dosNegócios Estrangeiros da RPC tenha pedido a JacquesRogge para manter o desporto afastado da política, oque é facto é que podemos concluir que desde sempreo RPC utilizou o desporto como instrumento da suapolítica. Os Jogos Olímpicos de Pequim, se do pontode vista externo foram um poderoso instrumento deafirmação da China no mundo, o que lhe permitiujustamente assumir a sua velha força cultural e econó-mica anterior ao século XIX, do ponto de vista inter-no, foram uma oportunidade para as autoridades pro-moverem, à custa do desporto e da representaçãonacional, um certo nacionalismo com o objectivo demanter o país unido. Contudo, as autoridades chinesas sabem que umamoeda tem duas faces. Se do ponto de vista externoa afirmação da China no mundo está a ser um focode preocupações de muitos países ocidentais quevêem as suas economias ameaçadas pelos baixossalários e regime de segurança social praticados, doponto de vista interno, o tipo de mobilização nacio-nalista em curso, pode fazer percutir o tiro pela cula-tra. Aquando das manifestações de Londres e deParis, a pretexto da passagem da Tocha Olímpica, se

começaram a organizar contra manifestações espon-tâneas de cidadãos chineses no estrangeiro em defe-sa das posições da RPC, as autoridades de Pequimapressaram-se a desmobilizar as referidas manifesta-ções com receio de que as mesmas fossem longedemais e pudessem contagiar o interior da própriaRPC. Na realidade, acções deste tipo, como explicaEric Hoffer (1989)lxviii, têm o condão de, de ummomento para o outro, sem que se perceba muitobem porquê, “ virarem o feitiço contra o feiticeiro”. Muitos dirigentes desportivos, apesar de todas asevidências, hão-de continuar a afirmar que o despor-to nada tem a ver com a política. Hoje, é possívelcompreender que tal afirmação não tem qualquersignificado. Nas palavras de Georges Magnane(1964),lxix o desporto em si não é progressivo nemregressivo, como todos os factos sociais é uma cria-ção perpétua dos homens que o praticam e organi-zam. Em conformidade, os homens são, por sua vez,transformados pelo próprio desporto e também otransformam. É nesta perspectiva, que entendemosque o desporto, para além de ser uma questão ideo-lógica, muito embora os políticos não lhe prestematenção até ao momento em que surgem problemas,ele próprio, pelas atitudes políticas a que obriga osgovernantes a assumir, é um agente provocador deideologia. Quer dizer, as opções em matéria de des-porto podem e devem ser objecto de confronto ideo-lógico, sob pena do desporto em termos sociais nãoservir a não ser para alienar as massas ao serviço dopoder vigente, seja ele qual for.De toda a questão das “duas Chinas” é possível tiraralgumas lições para o futuro. Foram demasiados oserros cometidos por todas as partes envolvidas, aolongo de mais de vinte anos, erros esses que se tradu-ziram em desilusões e sofrimento para muita gente. — A aceitação por parte do COI da mudança de resi-dência do Comité Olímpico Nacional Chinês paraTaipé após 1949;— A aceitação por parte do COI da participação daRPC nos Jogos de Helsínquia, quando ainda nãoexistia um CON no país;— A arrogância da RPC impondo ao COI os seus qua-dros políticos, ignorando que o Prof. Shou Yi Tngmembro do COI ficara a viver na RPC, pelo que pode-ria ter tirado partido dele de uma forma positiva emvez de o massacrar em disputas com Avery Brundage;

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— As autoridades de Taiwan também não souberamutilizar os dois membros chineses do COI quetinham aderido à China Nacionalista;— Tanto a RPC como Taiwan ignoraram que osmembros do COI eram representantes do COI naChina e não representantes da China no COI;— A ignorância total da RPC em matéria da organi-zação Olímpica, tentando impor as suas decisõescom violência e nenhuma elegância, a partir dosrepresentantes políticos;— A arrogância de Avery Brundage que sempre teveum comportamento favorável à China Nacionalistaem prejuízo da RPC. Com o boicote a Moscovo (1980), por paradoxal quepossa parecer, a RPC acabou por só voltar a partici-par nos Jogos de Inverno Lake Placid (1980), e,depois, nos Jogos da XXIII Olimpíada em LosAngeles (1984), aos quais compareceu com 353 ele-mentos dos quais 224 atletas. A RPC ficou em quar-to lugar com 15 medalhas de ouro num total de 32.Entretanto, a cooperação entre a China e o COIparece ter entrado num novo período. Em 1981, HeZhenliang, que em 1952 com 22 anos de idade, aoserviço do Partido, tinha ido a Helsínquia fazer de“intérprete” ao Prof. Shou He Tung, foi eleito mem-bro do COI. Em 1985 foi eleito membro ComitéExecutivo e em 1989, vice-Presidente COI. Depoisfoi o grande responsável pelas duas candidaturas dePequim ao Jogos Olímpico. Como dos heróis não reza a história, para nós, ogrande herói de todo este processo, foi sem sombrade dúvida o Prof. Shou Yi Tung que foi sacrificadopor uma causa inútil sem que, pelo menos aparente-mente, as autoridades chinesas o tenham reconheci-do. Infelizmente, o Prof. Shou Yi Tung morreu em1978 aos 83 anos, um ano antes de poder ver aChina reentrar no Movimento Olímpico. Hoje, o problema das “duas Chinas” continua porresolver, contudo, agora, existe uma “química har-moniosa” entre Pequim e Taipé. O Olimpismo, comomuito provavelmente dirá Jacques Rogge, foi o cata-lizador para que aquela “reacção química” harmonio-sa fosse possível. Como afirmou Melo de Carvalho (2000),lxx a crisedo Olimpismo encontra-se encerrada em duas ques-tões fundamentais. Por um lado, uma comercializa-ção sem fronteiras, por outro, um falso discurso que

procura escamotear a realidade da situação. E conti-nuou dizendo que enquanto a estrutura doMovimento Olímpico é cada vez mais poderosa, oIdeal Olímpico tem vindo a caminhar progressiva-mente para a sua fragilização. E, dizemos nós, quan-do os princípios e os valores deixam de comandar odesporto, este transforma-se numa actividade dealienação de massas à margem do desenvolvimentohumano.Contudo, o mundo está a mudar a uma velocidademuito maior do que aquela que a generalidade daspessoas é capaz de se aperceber. As condições emque hoje o COI opera, são bem diferentes daquelasem que funcionava há oito ou dez anos. O que acon-teceu de radical foi que, entretanto, a internet tomouconta do mundo e estabeleceu uma rede de relaçõesvirtuais entre milhões de pessoas, absolutamenteinimaginável ainda há meia dúzia de anos. Ora, estefacto está a transformar a maneira como o sistemadesportivo mundial funciona. Hoje, estão a surgirdiversas comunidades interessadas no fenómenodesportivo que interagem na rede, como ainda hámeia dúzia de anos não era possível. Pelo seu lado, oCOI está presente na internet com um “site” quefornece informação em tempo real acerca daquiloque está a acontecer no Movimento Olímpico acei-tando deste modo expor-se de uma maneira absolu-tamente inimaginável ainda há meia dúzia de anos.A sociedade da comunicação em rede coloca as maisdiversas organizações e os respectivos líderes debai-xo dos olhares do mundo. Qualquer assunto, de ummomento para o outro, pode assumir um “efeito deborboleta” e passar a estar nas bocas do mundo. Emconsequência, o desporto está a funcionar cada vezmais a partir de redes de organizações que estabele-cem entre si relações fluidas e mutáveis de interes-ses, com diferentes graus de formalidade. Nesta con-formidade, deixa de fazer qualquer sentido que algu-mas organizações reivindiquem para si o vértice dapirâmide. Na realidade, a pirâmide já não existe.Haverá eventualmente muitas pirâmides em interac-ção. Quando muito, as redes funcionam em torno deuma multinacional, na base de alianças e cooperação. Está claro que num mundo em rede, a pirâmideorganizacional da civilização industrial está a deixarde ter o sentido e a importância de outrora. Assim, osistema desportivo mundial começa a funcionar com

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uma descentralização extrema e um alto padrão deflexibilidade que permitem um ajustamento emtempo real às novas realidades e provocações que, atodo o momento e de todos os lados, surgem. O sis-tema transcende fronteiras, identidades e interessescorporativos ou nacionais. Hoje, a FIFA e a UEFA,com frequência, pretendem intervir nos Estadosnacionais. Por sua vez, redes de Estados nacionais,como é o caso da União Europeia (EU), tambémfazem vingar as suas opiniões junto das organizaçõessupranacionais.lxxi

Constata-se ainda que o sistema está a evoluir deorganizações multinacionais para redes internacio-nais à medida que o processo de globalização sedesenvolve. Em consequência, o COI está a deixar deser uma organização transnacional de representaçãomítica, em que a sua imagem foi construída embenefício próprio a partir de uma ideia de Pierre deCoubertin e dos seus amigos, para passar a ser umaorganização internacional a funcionar em redes maisou menos formais, mas cada vez mais descentraliza-das. Por isso, a democraticidade do seu funciona-mento é uma questão que, mais dia, menos dia, sal-tará para a discussão na rede.Note-se que, e este é um dos principais problemasdo COI e do próprio Jacques Rogge, o ponto fracodeste tipo de redes reside na sua incapacidade paraprocessar grandes transformações que exijam acor-dos alargados. Nestes termos, não vale a pena pensarem mudar muito de uma só vez, como o pretendemas ONGs que pressionam o COI para desencadeargrandes mudanças, mas idealizar estratégias paramudar muitas vezes ao longo do tempo. Para queisto seja possível, a rede tem de viver uma cultura demudança que lhe é dada fundamentalmente pelo seugrau de educação e este leva tempo a consolidar.Estamos a viver tempos de mudança que já não secompadecem com discursos fechados, corporativos esem sentido global, na medida em que já nada têm aver com o mundo e o desporto à escala em que vive-mos. Até porque, como refere Manuel Castells(2000),lxxii a lógica da rede é mais poderosa do que alógica dos poderes dentro da rede. Nesta perspectiva,só agora é que o COI começa a ter força para proces-sar as mudanças há muito necessárias, na medida emque haverá sempre elementos da rede a fazerem todoo tipo de pressão sobre a própria rede. Porque o COI

estava prisioneiro do próprio COI. Jacques Roggeveio alterar este status quo. Entenda-se que a pressãosobre o COI só pode ser portadora de futuro.Contudo, na dialéctica de confronto de ideias numaestrutura em rede, alguns dos seus membros serãosempre mais iguais dos que os outros. Não se deveestranhar tal situação. De uma maneira geral, asrelações de interdependência tendem a ser assimétri-cas. Como refere Melo de Carvalho, o fosso entre ospaíses ricos e os 3º e 4º Mundos, alarga-se produzin-do injustiças globais à escala do Planeta. Todavia, adenúncia sistemática e permanente dessas injustiçaspassou a fazer parte da rede e o COI já não pode pre-tender viver à margem delas, quer dizer, noutromundo. Nestes termos, a gestão da incerteza é defundamental importância no perfil de capacidades ecompetências daqueles que pretendem interagir narede. Mas, a única solução para gerir surpresas éresolver a montante os problemas que lhes dão ori-gem. No entanto, também se sabe que a incertezaagrava-se tanto mais quanto a dinâmica das relaçõesinternacionais deixou de ser analisada em exclusivoa partir do Estado. Hoje, são múltiplas as ONGs queinteragem no sistema exercendo sobre ele enormespressões através de redes formais e informais deinformação que, paradoxalmente, está a criar umnovo padrão de desenvolvimento que há-de organi-zar a sociedade do conhecimento.Nesta perspectiva, o desporto é assumido como uminstrumento de desenvolvimento humano pelo quedeve voltar a ser considerado como ao tempo deCoubertin, quer dizer, como uma ferramenta de“soft-diplomacia”, ao serviço das relações internacio-nais. Sempre que tal acontece, podemos dizer que odesporto está integrado numa dinâmica do chamado“soft power” que, ao longo da história do século XX,aconteceu por diversas vezes e em várias circunstân-cias, umas com êxito, outras sem qualquer êxito. Porexemplo, aconteceu com êxito em 1971 em plenaRevolução Culturallxxiii com a abertura da China aomundo através da política do ping-pong desencadea-da por Mao Zedong. A política do ping-pong acaboupor ser bem mais eficaz do que o chamado “hardpower” e da diplomacia de confronto de forças entreos dois países. Aconteceu sem qualquer êxito nosJogos de Montreal (1976) quando vários países afri-canos protestaram contra o facto da equipa de râgue-

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bi da Nova Zelândia ter feito uma digressão pelaÁfrica do Sul, furando o boicote desportivo em vigor.Os países africanos recusavam-se a participar nosJogos a menos que a equipa da Nova Zelândia fosseafastada. O COI, em virtude do râguebi não ser umamodalidade olímpica, tentou ignorar a questão. Emconsequência, a 48 horas do início dos Jogos, 30 paí-ses e cerca de 1000 atletas abandonaram Montreal. Entretanto, a atribuiu a realização dos Jogos daXXIX Olimpíada à cidade de Pequim, veio trazeruma nova dinâmica política e social ao Olimpismomoderno que tem vindo a estabelecer um corte como “discurso de avestruz”, quer dizer, a diplomacia dosilêncio desencadeado nos anos cinquenta por AveryBrundage, com a máxima de que “o desporto nadatem a ver com a política”. Hoje, este tipo de discur-so, embora muitos dirigentes, como vimos anterior-mente, ainda o queiram manter, está condenado aofracasso na medida em que as estruturas de autori-dade em linha estão cada vez mais desajustadas àdinâmica informacional/global e, como a questão das“duas Chinas” demonstra cabalmente, está, sempreesteve completamente desfasado da realidade. Omundo das organizações desportivas, deste modo,tem de se adaptar a um novo modelo organizacionala funcionar em rede, em alternativa ao modelo neo-clássico de forma piramidal do passado.Na perspectiva de Castells, a globalização e a infor-macionalização estão estruturalmente relacionadascom o funcionamento em rede e a flexibilidade. Asorganizações desportivas começaram a funcionarnuma teia de redes múltiplas que fazem parte deuma grande diversidade de contextos institucionais.Perante este quadro, em que o poder muitas vezes éexercido de uma forma aleatória, o COI foi levadoatravés de Jacques Rogge a protagonizar um discursonovo que, pelo menos aparentemente, começa acolocar novamente os valores da ideologia Olímpicano centro do desenvolvimento do MovimentoOlímpico. Com este novo posicionamento, o COI:— Promove os seus próprios valores sem o cinismodo passado;— Atrai a simpatia das pessoas e das organizações,através das suas atitudes claras;— Torna-se uma instituição geradora de desenvolvi-mento e progresso aos olhos da comunidade mun-dial.

O mundo está a viver a uma velocidade vertiginosa,a viver um tempo complexo, de enorme precariedadeassociado a grandes transformações. Contudo, avelocidade imprimida à vida pela civilização pós-ndustrial dificulta à generalidade das pessoas a tarefade compreender o tempo em que vivem. Apesar detudo as coisas estão a mudar. Quando Jiang Yu,porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiroschinês, pediu aos membros do COI para respeitaremo espírito da Carta Olímpica, ela sabia certamente doque estava a falar. Claro que, Jacques Rogge, tambémsabia do que falava, quando pediu à RPC para respei-tar os compromissos assumidos quanto ao exercíciodos direitos humanos na China.

NOTASI Olimpíada: Segundo a Regra Seis nº 2 da Carta Olímpica “osJogos Olímpicos são os Jogos da Olimpíada e os Jogos Olímpicosde Inverno.” Com a Carta Olímpica que entrou em vigor em 1 deSetembro de 2004 deixou de existir o conceito de JogosOlímpicos de Verão que até então determinavam o período daOlimpíada. Agora, segundo o Texto de Aplicação à Regra Seis,“uma Olimpíada é um período de quatro anos civis consecutivosque começa no primeiro de Janeiro do primeiro ano e terminaem 31 de Dezembro do quarto ano.” As Olimpíadas contam-se apartir dos primeiros Jogos da Olimpíada celebradas em Atenasem 1896. “A XXIX Olimpíada começa em 1 de Janeiro de 2008.Os Jogos da XXIX Olimpíada serão realizados em Pequim. Destemodo, as Olimpíadas deixam de estar associadas exclusivamenteaos Jogos Olímpicos que se realizam no Verão.II A Matriz BCG (Boston Consulting Group) é um modelo utili-zado para análise do ciclo de vida do produto. No ciclo da VacaLeiteira, os lucros encontram-se no apogeu.III Quando Pierre de Coubertin (1863-1837), em finais do séculoXIX, fundou o COI e institucionalizou os Jogos Olímpicos daera moderna não podia de maneira nenhuma fugir à realidadeeconómica social e política do seu tempo. Coubertin era umpedagogo, sobre isto não existem quaisquer dúvidas, contudo,para ele, a pedagogia era um instrumento da política. Coubertindefendia que: “Para que ele (o desporto) se torne um adjuvantedirecto, é necessário que se lhe atribua um objectivo reflectidode solidariedade que o eleve acima dele mesmo.” E este é umdos grandes equívocos dos seus detractores. Na realidadeCoubertin entendia o desporto para além do próprio desporto, efoi nesta perspectiva que em 1894 se lançou àquilo a que elepróprio designou como “a conquista da Grécia”. Ao tempo, oque estava em causa era a organização dos Jogos de Atenas em1896, contudo, como podemos apreciar nas suas “MemóriasOlímpicas”, até ao último combate da sua vida que foi a defesada realização dos Jogos de Berlim em 1936, nunca Coubertindeixou de utilizar o desporto como um instrumento político aoserviço do Olimpismo e do desenvolvimento humano. Pode tererrado mas, quando o fez, fê-lo com a convicção das suas ideiase à margem de muita hipocrisia que mais tarde veio a envolveras questões do Olimpismo e do próprio desporto. IV Para fundamentar a sua expressão de que o desporto nada

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tinha a ver com a política, Brundage afirmava: “Se aceitamosque num mundo imperfeito como o nosso, se deixe de praticardesporto, cada vez que as leis humanas são violadas, nuncahaverá competições internacionais.” In: Brundage, Avery(1973). Memórias. Madrid, Instituto Nacional de EducaciónFísica, p.260.V A 7 de Agosto de 2007, precisamente um ano antes da ceri-mónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim, JacquesRogge publicou um artigo de opinião no Herald Tribune aondeafirmava: “ O Movimento Olímpico não existe no vácuo. O des-porto faz parte da sociedade.” E continuou: “É natural queorganizações como as dos direitos humanos e outras coloquemas suas causas sob a luz que os Jogos olímpicos estão a colocarna China a fim de chamarem a atenção para as causas queadvogam. Contudo, os Jogos só podem ser um catalizador demudança e não uma panaceia.”VI A Amnistia Internacional tem exercido pressão sobre os maisdiversos CONs por esse mundo fora. Teresa Nogueira, da sec-ção portuguesa da Amnistia Internacional, criticou o facto de asua organização não ter sido recebida pelo Comité Olímpico dePortugal. (In: TSF on line, 02/4/2008.VII In: Lusa, 29/7/2008.VIII Conferir: Pulido, Valente, Vasco (1988). A Feira dosHorrores. In: “O Independente”, 7 de Outubro de 1988.IX A este respeito ver “The Red Race”, um filme de Chao Ganque mostra os exageros físicos e emocionais da alta competi-ção. Mostra a tortura e a humilhação a que são submetidascrianças chinesas às mãos dos seus treinadores. Entra-se nodomínio da exploração do trabalho infantil e do desrespeitopelos Direitos do Homem.X A decisão sobre a cidade organizadora é realizada com seteanos de antecedência, depois de um processo longo e sofistica-do que pode ser consultado no SITE do COI. XI In: Newsweek, 6/10/2008. Entrevista de Zakaria Fareed aoPrimeiro-Ministro Chinês Jiabao.http://www.newsweek.com/id/161410/page/1XII Vieira, Flávio, Vilela (2006). China: Crescimento Económicode Longo Prazo. In: “Revista de Economia Política”, vol.26 nº.3,São Paulo Julho/Set. 2006.XIII In: Textos aprovados pelo Parlamento - Edição provisória :05/07/2001 - Candidatura de Pequim aos Jogos Olímpicos de2008 - B5-0487, 0498, 0505 e 0524/2001. In:www.europarl.europa.euXIV In: Público, 20/03/2008.XV In: CRI – Rádio Internacional da China.http://portuguese.cri.cn/183/2008/10/06/1s96779.htm XVI Conferir: Pires, Gustavo & Correia, José, Pinto (2006). OsJogos da Lusofonia na Geoestratégia da China. In: http://forumo-limpico.org/?q=node/275XVII Lusa em Macau, 09/10/2006.http://esporte.uol.com.br/outros/ultimas /2006/10/09XVIII In: http://www.sportmarketing.com.br/search?q=terracotta XIX In: http://www.marxists.org/reference/archive/mao/selec-ted-works/index.htmXX Conferir: Morris, Andrew (2008) How Could AnyoneRespect Us?: A Century of Olympic Consciousness andNational Anxiety in China. In: The Brown Journal of WorldAffairs, Vol. XIV, Issue II Sping/summer, 25-39.XXI Conferir: Spivak, Marcel (1987). A Política Desportiva daFrente Popular. Lisboa. Direcção-geral dos Desportos. ColDesporto e Sociedade.XXII In: http://www.un.org/apps/news/

XXIII In: Público, 13/4/08.XXIV Conferir: Brownell, Susan (2007). China and the OlympicGames: Body Culture, East and West. Amsterdam School forSocial Science Research, Staffseminar on Body, Society, Politics.XXV In: Olympic Review n. 64 November 1958, p.42.XXVI Conferir: Brundage, Avery (1973). Memórias. Madrid,Instituto Nacional de Educación Física. p 261.XXVII Conferir: Guoqi, Xu (2008). Olympic Dreams – China andSports - 1895-2008. USA: Harvard University Press.XXVIII Conferir: Lennartz, Karl (1995). The Edström Presidency(1942-1952). In: The International Olympic Committee OneHundred Years – The Idea – The Presidents – The Achievements.Lausanne, International Olympic Committee, Vol. II.XXIX In: Olympic Review, nº32, Mars 1952. (p.14). 46ª Sessãodo COI, Oslo, 12-13 Fevereiro de 1952. XXX In: Review Olympic, n. 66-67, Juin 1973, p.171. XXXI In: Review Olympic, n. 66-67, Juin 1973, p.172. Não fazqualquer sentido colocar em termos idênticos as questões raciaisreligiosas e políticas. Têm conteúdos ideológicos diferentes e porisso devem ser tratadas de forma diferente. Desde logo separan-do as políticas que é uma categoria maior das outras, religião eraça, que serão sempre sub-categorias da política.XXXII In: Review Olympic, n. 66-67, Juin 1973, p.172. Esta medi-da não teve qualquer efeito, tanto no momnto, como relativa-mente ao futuro.XXXIII Conferir: Liang, Lijuan (2007). He Zhenliang and China’sOlympic Dream, Pequim, Foreign Languages Press, Tradução:Susan, Brownell, (p.27). Liang Lijuan foi jornalista do “People’sDaily. Participou nas duas candidaturas de Pequim à organiza-ção dos Jogos Olímpicos. Mas a informação mais importante, éa de que Liang Lijuan é casada com He Zhenliang o que confereuma credibilidade muito importante à narrativa acerca de todaa dinâmica do desenvolvimento do desporto na RPC a partir de1949. Esta credibilidade é tanto mais de considerar quanto sepercebe a ingenuidade com que determinados episódio sãorelatados, como, por exemplo, o da viciação de resultados aotempo do Primeiro-ministro Szou Enlai.XXXIV Conferir: Ron Gaotang (1912-2006), foi secretário-geraldo Comité Nacional da Educação Física e Desporto. Foi o pri-meiro chinês a receber a medalha de prata da Ordem Olímpicaque lhe foi atribuída pelo antigo Presidente do COI JuanAntonio Samaranch em 1983, pelos serviços prestados aodesenvolvimento do desporto chinês.XXXV In: Review Olympic, n. 66-67, Juin 1973, p.171.XXXVI Conferir: Lennartz (1973:75) cf.: Liberg, W. (1989). TheIOC Sessions1894-1955. Unpublished manuscript, (p. 289).IOC Archives.XXXVII In: Olympic Review n. 64, November 1958, p.42.XXXVIII Conferir: Schantz, Otto (1995). The Brundage Presidency(1952-1972) In: The International Olympic Committee OneHundred Years – The Idea – The Presidents – The Achievements.Lausanne, International Olympic Committee, Vol. IIXXXIX In: http://en.olympic.cn/XL In: Olympic Review n. 64, November 1958, p.42.XLI Pela Declaração do Cairo, assinada em Dezembro de 1943,os Estados Unidos, o Reino Unido e a China declararam que oJapão devia devolver o nordeste da China, Taiwan e arquipélagoPenghu à China.XLII Declaração de Potsdam - Conferência entre os países vitorio-sos da II Guerra Mundial (Grã-Bretanha, União das RepúblicasSocialistas Soviéticas, EUA) ocorrida em Potsdam, Alemanha(perto de Berlim), entre 17 de Julho e 2 de Agosto de 1945 que,

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entre outros assuntos, ultimou os termos de capitulação incondi-cional do Japão. Tendo o Japão recusado foram lançadas bombasatómicas em Hiroshima e Nagasaki a 6 e 9 de Agosto de 1945. ADeclaração de Porsdam diz concretamente: “The terms of theCairo Declaration shall be carried out and Japanese sovereigntyshall be limited to the islands of Honshu, Hokkaido, Kyushu,Shikoku and such minor islands as we determine.”XLIII Conferir: Bouet, Michel (1968). Signification du Sport.Paris: Ed. Universitaires.XLIV O que aconteceu foi que a RPC conseguiu manobrar nosbastidores de modo a que a República da China (Taiwan) nãoparticipasse nos IVºs Jogos Asiáticos porque os vistos de entra-da na indonésia nunca lhes chegaram às mãos. (Conferir:Liang, Lijuan (2007). Ibidem, p.82-83. Em matéria de utiliza-ção do desporto pela política, a RPC nunca “brincou em servi-ço”. Sempre colocou o desporto ao serviço da política. Só que ofez de uma forma clara e leal, enquanto que outros o fizeramde forma encoberta e muita hipocrisia.XLV Conferir: Hoberman, John (1984). Sport and PoliticalIdeology, USA: University of Texas Press.XLVI In: http://www.napavalleyregister.com/arti-cles/2005/10/30/business/ap/iq_3142979.txt XLVII Games of the New Emerging Forces (GANEFO). XLVIII A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas tambémmandou atletas aos Jogos. Contudo para não comprometer aorganização enviou atletas de segunda categoria. O desporto aoserviço da política. E bem.XLIX É nesta perspectiva que vemos a realização dos Jogos daLusofonia que tiveram a sua primeira edição em 2007 emMacau aonde se gastaram cerca de 7 milhões de euros numdesperdício a todos os títulos condenável. Os Jogos daLusofonia avançaram por interesse dos chineses que levaram areboque o nosso atávico provincianismo que, no fundo, justificao subdesenvolvimento relativo do país. Os segundos Jogos daLusofonia estão previstos para serem realizados em Portugal noano de 2009 a menos que alguém com um mínimo de bom-senso e sentido do interesse público seja capaz de os travar.L O problema é que a visão marxista que entendia a prática des-portiva como uma actividade lúdica, não competitiva em que asmodalidades individuais eram estigmatizadas em função docolectivo das modalidades de equipa, provocou não só devasta-dores efeitos na China como em diversos países da Europa. Porexemplo, em França, os ideólogos da designada “nova esquer-da”, cuja figura mais proeminente foi Jean-Marie Brohm, acom-panhado por, entre outros, Genette Berthaud, FrançoisGantheret e Pierre Laguillaumie, espalharam através do traba-lho colectivo “Sport, Culture & Répression” publicado na“Partisans”, aquilo a que chamavam “uma crítica fundamentaldo desporto”, que acabou por dar expressão a uma linha depensamento que se traduziu numa prática desportiva pretensa-mente higiénica, ilusoriamente pedagógica e mediocrementecompetitiva, que acabou por ser expressa nos programas de“Educação Física”, de diversos países entre os quais Portugal,com efeitos devastadores na organização do desporto não só noSistema Educativo como no Desportivo.LI In: Olympic Review, nº 67, August 1959, p.63.LII Guerra-fria é a designação atribuída ao conflito político-ideo-lógico entre os Estados Unidos (EUA), defensores do capitalis-mo, e a União Soviética (URSS), defensora do socialismo.Decorreu entre o final da Segunda Guerra Mundial (1945) e aextinção da União Soviética (1991). A guerra era designada de“fria” em virtude de não ter havido confronto entre as suassuper potências.LIII In: Olympic Review n. 68, November 1959, p.35.

LIV In: Olympic Review n. 67, August 1959, p.63.LV In: Olympic Review n. 68, November 1959, p.35.LVI In: Olympic Review n. 67, August 1959, p.88.LVII In: Olympic Review n. 67, August 1959, p.88.LVIII Conferir: Miller, David (1992). Revolution Olímpica –Biografia Olímpica de Juan António Samaranch. Barcelona:Ediciones Península, p.245. Henry Hsu foi eleito na 69ª Sessãodo COI. Depois acabou por se revelar um elemento muito posi-tivo na resolução do problema das “duas Chinas”.LIX In: Olympic Review, nº 67, August 1959, p.75.LX In: http://usinfo.state.gov/journals/itps/0406/ijpp/ping-pong.htmLXI Conferir: Pei, Dongguang (2006). A Question of Names:The Solution to the Two Chinas’ Issue in Modern OlympicHistory: The Final Phase, 1971-1984. In: 8th SymposiumInternational for Olympic research. http://www.la84founda-tion.org/SportsLibrary/ISOR/ISOR2006c.pdfLXII Conferir: J. Saywell (1977). The Olympic Games: CanadianAnnual Review of Politics and Public Affairs for1976. Toronto,University of Toronto.LXIII A Metáfora do “gato branco e do gato preto” é descrita em:Pei, Dongguang (2006). A Question of Names: The Solution tothe Two Chinas’ Issue in Modern Olympic History: The FinalPhase, 1971-1984. In: 8th Symposium International forOlympic research.http://www.la84foundation.org/SportsLibrary/ISOR/ISOR2006c.pdf),a partir de Deng Xiaoping o idealismo foi progressivamentesubstituído pelo realismo.LXIV Conferir: Miller, David (1992). Revolution Olímpica –Biografia Olímpica de Juan António Samaranch. Barcelona:Ediciones Península, p.176 fotos.LXV In: http://news.bbc.co.uk/sport2/hi/tv_and_radio/grands-tand/4467434.stmLXVI In : http://news.bbc.co.uk/sport2/hi/tv_and_radio/grands-tand/4467434.stmLXVII In: http://www.youtube.com/watch?v=XYdetXI3uIsLXVIII Conferir: Hoffer, Eric (1989). The True Believer –Thoughts on the Nature of Mass Movements. New York:Harper & Row.LXIX Conferir: Magnane, George (1964). Sociologie du Sport.Paris: Galimard.LXX Conferir: Carvalho, Melo de (2000). Hipocrisia ou FunçãoHumanista? In: “Avante”, nº 1403, 19 de Outubro e nº 1415,11 de Janeiro de 2001.LXXI A lei Bosman do Tribunal de Justiça da União Europeia per-mitiu que os futebolistas enquanto trabalhadores comunitários,não se vissem impedidos de jogar noutro país da UniãoEuropeia por normas internas da UEFA e das respectivasFederações nacionais de Futebol. LXXII Conferir: Castells, Manuel (2000) A sociedade em Rede –A era da Informação: economia, sociedade e Cultura. Lisboa:Fundação Calouste Gulbenkian. Vol. I.LXXIII A Revolução Cultural da China foi um movimento de mas-sas na RPC ocorrido entre 1966 e 1976, desencadeado porestudantes e trabalhadores, contra a burocracia que tomavaconta do Partido Comunista Chinês. Por exemplo, o grandeobreiro das duas candidaturas da RPC à organização dos JogosOlímpicos e actualmente membro do COI, He Zhenliang, foiapanhado pela “revolução cultural” tendo sido destacado peloPartido para trabalhos na província. Em Novembro de 1969Zhenliang foi enviado pelo Partido para “May 7 Cadre School”na província de Shanxi para reeducação onde ficou durante umano e meio”, Conferir: Liang, Lijuan (2007). Ibidem, p.90.

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