o (novo) regime jurídico dos contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial

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www.miguelpimentadealmeida.pt O NOVO REGIME JURÍDICO DOS CONTRATOS CELEBRADOS À DISTÂNCIA E FORA DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL Breves Notas sobre “Informações pré -contratuais” “Direito de livre resolução” “Depreciação do bem” AUTOR: MIGUEL PIMENTA DE ALMEIDA Outubro, 2014 com revisão

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Algumas considerações sobre “Informações pré-contratuais”, “Direito de livre resolução” e “Depreciação do bem”.

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  • w w w . m i g u e l p i m e n t a d e a l m e i d a . p t

    O NOVO REGIME JURDICO DOS CONTRATOS CELEBRADOS DISTNCIA E FORA DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL

    Breves Notas sobre

    Informaes pr-contratuais Direito de livre resoluo Depreciao do bem

    AUTOR: MIGUEL PIMENTA DE ALMEIDA Outubro, 2014 com reviso

  • O NOVO REGIME JURDICO DOS CONTRATOS CELEBRADOS DISTNCIA E FORA DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL

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    PALAVRAS-CHAVE

    Consumidor Vendas distncia Compra e venda Informaes pr-

    contratuais Direito de livre resoluo Depreciao do bem

    RESUMO

    O novo regime jurdico dos contratos celebrados distncia e fora do

    estabelecimento comercial entrou em vigor, no nosso ordenamento jurdico, em

    Junho de 2014. Sofreu uma transformao significativa no que toca aos direitos do

    consumidor, mas se por um lado beneficiou-o, por exemplo, a forma e informaes

    pr-contratuais, por outro, alguns que j se encontravam consolidados foram

    diminudos. Foram analisados alguns aspectos pertinentes: as informaes pr-

    contratuais, o direito de livre resoluo e a devoluo do bem e sua depreciao.

    Por fim, embora no exaustivo, foca algumas particularidades importantes

    comparando com o anterior regime jurdico, de modo a estabelecer um quadro

    comparativo.

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    1 ENQUADRAMENTO NORMATIVO

    Recentemente, por imposio da Directiva n. 2011/83/UE, do Parlamento

    Europeu e do Conselho, de 25 de Outubro de 2011, entrou em vigor um novo

    regime relativo aos direitos dos consumidores, atravs do Decreto-Lei n. 24/2014,

    de 14 de Fevereiro, visando os contratos celebrados distncia e fora do

    estabelecimento comercial. , desta forma, revogado o anterior que permaneceu

    no nosso ordenamento jurdico durante mais de uma dcada, o Decreto-Lei n

    143/2001, de 26 de Abril.

    1 Breve evoluo histrica

    1 diploma:

    A primeira regulamentao sobre as modalidades de venda ao domiclio e

    por correspondncia, surge-nos atravs do Decreto-Lei n 272/87 de 03 de Julho,

    transportando a Directiva n. 85/577/CEE, do Conselho, de 20 de Dezembro.

    Foram consagrados alguns princpios dos direitos dos consumidores relativos aos

    negcios jurdicos fora dos estabelecimentos comerciais. Paralelamente viria a

    acompanhava o regime de proteco dos consumidores, criado pela Lei n. 29/81,

    de 22 de Agosto.

    2 diploma:

    Com a Directiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de

    Maio de 1997, veio reforar a proteco dos consumidores em matria de

    contratos celebrados distncia, fruto das modificaes, modernizao e nas

    modalidades nas relaes entre comerciantes e consumidores. Desta

    correspondncia entre as directivas comunitrias, surge o Decreto-Lei

    n.143/2001, de 26 de Abril. Ao longo de treze anos, surgiram trs alteraes: em

    2008, por fora do regime jurdico das prticas comerciais desleais das empresas

    nas relaes com os consumidores, conforme o Decreto-Lei n 57/2008, de 26 de

    Maro, pelo Decreto-Lei n 82/2008, de 20 de Maio, motivado pelo incumprimento

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    do prazo de reembolso por parte do fornecedor ao consumidor aps o direito de

    resoluo e a ltima, em 2009, pelo Decreto-Lei n 317/2009, de 30 de Outubro,

    que aprovou o regime jurdico relativo ao acesso actividade das instituies de

    pagamento e prestao de servios de pagamento.

    3 diploma o actual regime:

    Com a Directiva n. 2011/83/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de

    25 de Outubro, harmonizou-se e aproximou a legislao dos Estados Membros

    com o intuito de manter um correcto funcionamento do mercado tal como a defesa

    do consumidor. Transpondo esta directiva surge o Decreto-Lei n. 24/2014, de 14

    de Fevereiro, revogando o diploma anterior.

    Este novo regime, entrou em vigor em 13 de Junho de 2014, teve a sua

    primeira alterao no ms seguinte, atravs da Lei n 47/2014 de 28 de Julho, que

    para alm de proceder quarta alterao do regime legal aplicvel defesa dos

    consumidores - Lei n. 24/96, de 31 de Julho, completa a transposio da Directiva

    n. 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Outubro de 2011,

    e entrou em vigor a 29 de Julho de 2014.

    2 O anterior e o novo regime1

    2.1 Introduo s principais alteraes

    2.1.1 Estrutura normativa

    2.1.1.1 Anterior regime

    Neste regime encontrava-se dividido em oito captulos. Sendo os captulos

    II e III, versando os tipos contratuais: contratos celebrados distncia e contratos

    ao domiclio e outros equiparados. Nos captulos IV e V, s vendas automticas e

    vendas especiais espordicas; captulo VI, constavam as modalidades proibidas

    1 Quando referimos ANTERIOR REGIME remetemo-nos para o Decreto-Lei n.143/2001, de 26/04 com as respectivas

    alteraes at sua revogao e NOVO REGIME para o Decreto-Lei n. 24/2014, de 14/02 com a actual redaco.

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    de venda de bens ou de prestaes de servios e no captulo VIII, visava as

    infraces, fiscalizao e sanes. E, por fim, no captulo I encontrvamos o

    objectivo e mbito de aplicao e Captulo VIII as disposies finais e transitrias.

    2.1.1.2 Novo regime

    Neste regime encontra-se dividido em seis captulos. Sendo o captulo II,

    destinado aos contratos celebrados distncia e dos contratos celebrados fora do

    estabelecimento comercial e o captulo III regulada outras modalidades de vendas.

    O captulo V, encontramos a fiscalizao, instruo dos processos e aplicao de

    coimas e, por fim, o capitulo I, as disposies gerais e o captulo VI as disposies

    finais e transitrias.

    2.1.2 Sntese comparativa

    A primeira grande modificao consiste na unio, no mesmo regime, os

    contratos celebrados distncia e os contratos fora do estabelecimento comercial.

    No anterior regime, regulava de uma forma autnoma os contratos

    celebrados distncia (cap. II, art 2 a 12) dos contratos ao domiclio e outros

    equiparados (cap. III, art 13 a 20). Em cada um dos tipos contratuais, para alm

    do captulo autnomo, tinha a sua prpria definio, excluso de aplicao,

    informao, forma, direito de livre resoluo, efeitos de resoluo, entre outros. No

    novo regime, esta diviso inexistente e contempla no mesmo captulo (cap. II,

    arts 4 a 21), as respectivas particularidades em cada tipo contratual. Para alm

    disso, a denominao de contratos ao domiclio e outros equiparados passa a

    contratos fora do estabelecimento comercial.

    Presentes nestas modificaes esto as disposies gerais do captulo I.

    No anterior regime, apenas num artigo (art 1) constavam o objecto, mbito de

    aplicao e as definies mas apenas de consumidor e fornecedor (Art 1/3). As

    restantes encontravam-se nos respectivos captulos dos tipos de contratos (art 2

    e 13). Actualmente, nas disposies gerais, constam: o objecto (Art 1), o mbito

    (Art 2) e as definies (Art 3), desta ltima, constam todas as definies do

    diploma, ficando assim compiladas num s artigo.

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    As vendas automticas (cap. IV) e vendas especiais espordicas (cap. V),

    eram anteriormente reguladas autonomamente, no novo diploma, encontramo-las

    presente no mesmo captulo - outras modalidades de venda (cap. III), sendo as

    primeiras previstas no Art 22 e ss e as restantes no Art 25 e ss.

    As modalidades proibidas de vendas de bens ou de prestao de servios

    (cap. VI), viu ser revogada, atravs do DL n 57/2008 de 26 de Maro, a totalidade

    dos artigos com a excepo das vendas ligadas (art 30). Actualmente, continua a

    existir em captulo autnomo (cap. IV), agora apenas como prticas proibidas, o

    que faz sentido.

    Referente s infraces, fiscalizao e sanes (cap. VII), no anterior,

    actualmente, pouco altera, passando a fiscalizao, contra-ordenaes e sanes

    (cap. V). As infraces e sanes aplicveis (art 32) so agora consideradas

    contra-ordenaes (art 31).

    As disposies finais e transitrias (cap. VIII), onde contemplava a

    contagem dos prazos (art 35) e norma transitria (art 35) das vendas

    automticas deixa de existir. Como tal, no novo regime, consagra a informao ao

    consumidor e resoluo extrajudicial de litgios (art 33).

    2.1.2 Do novo regime alteraes ao diploma

    2.1.2.1 Entrada em vigor

    O novo regime entrou em vigor no dia 13 de Junho de 2014 (art 35),

    revogando a totalidade do anterior diploma (art 34) at aquela data. Embora o

    diploma tenha sido publicado no Jornal Oficial em 14 de Fevereiro, conforme Dirio

    da Repblica n 52 da 1 srie, existindo desta forma, vacatio legis de quatro

    meses.

    A data da entrada em vigor corresponde da Directiva 2011/83/UE, tendo

    sido imposto aos Estados-Membros para se aplicar as novas regras. No havendo

    regime transitrio, aplica-se a todos os novos contratos celebrados a partir daquela

    data. No obstante, o novo regime, igualmente se aplica s alteraes a contratos

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    anteriores, por exemplo, uma alterao de contrato onde seja celebrado um novo

    contrato2. O mais usual, nos contratos de telecomunicaes.

    2.1.2.2 A primeira alterao

    A primeira alterao resulta da Lei n 47/2014 de 28 de Julho que entrou em

    vigor a 29 de Julho. Como acima referido, esta alterao veio complementar a

    Directiva n. 2011/83/UE. No entanto, sobre o novo regime, sofreu alteraes,

    nomeadamente a revogao do art 18 cujo preceito regulava os pagamentos por

    carto de crdito ou de dbito. Das restantes alteraes, substitui-se o termo

    Leilo por Hasta pblica (Art 3/j e, por conseguinte, Art 4/6 e Art 17/1 j)); o

    requisito de forma nos contratos celebrados distncia, por telefone (art 5/7) e

    aqui com impacto caso seja o consumidor a contactar o profissional; a violao do

    dever de informao, alterao das alneas (art 15/5 a) i)); alterao da meno

    do artigo (art 16); e acrescentado o mbito s assinaturas publicaes

    peridicas com as respectivas particularidades (art 2/2 n)). Este diploma, alterou

    a Lei da Defesa do Consumidor que careceu de republicao, no entanto, a

    doutrina3, considera que era prefervel adoptar uma nova lei, de modo a permitir

    uma fcil interpretao do diploma.

    2 Conforme, JORGE MORAIS CARVALHO e JOO P. PINTO-FERREIRA, Contratos celebrados distncia e fora

    do estabelecimento comercial- Anotaes ao Decreto-lei n 24/2014, de 14 de fevereiro, Almedina, Coimbra, 2014, pp. 202, que do como exemplo uma alterao de contrato, com novo perodo de fidelizao. 3 Para JORGE MORAIS CARVALHO e JOO P. PINTO-FERREIRA, Contratos celebrados distncia , cit., pp. 200, consideram que era prefervel adoptar uma nova Lei da Defesa do Consumidor.

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    2 O NOVO REGIME JURDICO

    2.1. As informaes pr-contratuais

    2.1.1.- Enquadramento

    O direito da informao ao consumidor encontra-se consagrado na nossa

    constituio, no Art 60 - Direitos dos Consumidores, com a seguinte redaco

    Os consumidores tm direito qualidade dos bens e servios consumidos,

    formao e informao, (), bem como reparao de danos, conforme o n 1.

    Os consumidores so titulares de direitos constitucionais equiparveis a direitos,

    liberdades e garantias e, por conseguinte, encontram-se inseridas nos direitos

    fundamentais. Paralelamente, a norma constitucional, impe deveres aos

    fornecedores relativamente aos consumidores em matria de informao, sendo

    esta crucial nesta relao4.

    No regime jurdico das Clausulas Contratuais Gerais (CCG)5, afiguram-se

    dois deveres: o dever de comunicao (art 5) e dever de informao (art 6),

    representando desta forma, para INOCNCIO GALVO TELLES6, preceitos de

    aplicao na doutrina geral, com remisso para o art 573 do Cdigo Civil (CC).

    Ainda sobre o dever de esclarecimento pr-contratual, ALMENO DE S7 considera

    exigvel e caso se justifique o dever de informao, pois revela dessa forma a boa-

    f das partes conforme previsto no Art 227 do CC.

    Como se trata de uma relao de consumo e porque compete o Estado

    garantir aqueles direitos com a criao de normas legislativas, surge, a Lei de

    Defesa do Consumidor (LDC)8 e, de acordo com o art 8, sob a epigrafe, Direitos

    de informao em particular, impe ao () fornecedor de bens ou prestador de

    servios deve, tanto na fase de negociaes como na fase de celebrao de um

    contrato, informar o consumidor de forma clara, objetiva e adequada, a no ser

    4 Conforme anotao ao Art 60 da CRP, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA Constituio da Repblica Portuguesa - Anotada - Volume I - Artigos 1 a 107, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 780 e 781. 5 Clausulas Contratuais Gerais Decreto-Lei n 446/85 de 25 de Outubro, que teve a 6 reviso em 2001. 6 INOCNCIO GALVO TELLES, Manual dos Contratos em Geral, 4 edio, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, pp. 320 e 321. 7 ARMNIO S, Clusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Clusulas Abusivas, 2 edio, Coimbra, Almedina, 2001, pp. 60 e 61. 8 Lei de Defesa do Consumidor Lei n 94/96 de 31 de Julho, que teve a 6 reviso em 2014.

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    que essa informao resulte de forma clara e evidente do contexto (), n 1.

    Desta forma cumpre a consagrao constitucional em matria de informao e

    proteco ao consumidor perante o profissional (fornecedor de bens ou prestador

    de servios).

    2.1.2- Novo Regime

    A informao pr-contratual nos contratos, encontra-se prevista no Art 4

    do novo diploma e reproduz o art 6 da Directiva 2011/83/UE com a designao

    de requisitos de informao, no anterior regime tambm se encontrava no art 4,

    mas como Informaes prvias.

    Este preceito impe o dever do profissional facultar ao consumidor, na sua

    declarao negocial, um conjunto de informaes mnimas de um modo claro e

    compreensvel. Nesta informao deve constar no s a identificao do

    profissional mas tambm a forma e contedo que visar a celebrao do contrato.

    A finalidade consiste em garantir a proteco do consumidor face ausncia da

    presena fsica mas tambm a presso exercida pelo profissional. Neste

    seguimento, JORGE MORAIS CARVALHO9, acrescenta que o consumidor encontra-se

    numa patamar de debilidade e, como tal, impe-se ao profissional que fornea os

    elementos de identificao tal como as clusulas do contrato que ir ser celebrado.

    2.1.3- O novo elenco das informaes pr-contratuais

    Comparativamente ao anterior regime, o elenco das informaes pr-

    contratuais foi aumentado consideravelmente. A questo que se suscita se

    efectivamente far sentido se apresentado, ao consumidor, um elenco exaustivo

    de informaes10.

    O Art 4 do novo diploma, contem todos os elementos obrigatrios que

    devem constar para celebrao do contrato que no pode ser alterado

    unilateralmente, excepto por acordo expresso e anterior celebrao, mas que

    correspondem a um contedo mnimo que deve contar na declarao negocial.

    9 JORGE MORAIS CARVALHO, Manual de Direito do Consumo, 2 edio, Almedina, Coimbra, 2014, pp. 140 e 141. 10 JORGE MORAIS CARVALHO e JOO P. PINTO-FERREIRA, Contratos celebrados distncia , cit., pp.55, fazem referncia s opinies de GERAINT HOWELLS e REINER SCHULZE, Overwiew of the Proposed Consumer Rights Directive e a ANNETTE NORDHAUSEN SCHOLLESS, Information Requirements.

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    Existe preceito, no n 1, divide-se em duas partes: a identificao do

    profissional e a sua localizao geogrfica (al. a) e b)) e o restante elenco (da al. c)

    al. z)), destina-se s prprias condies e matria da declarao negocial.

    De facto e de modo a suscitar a confiana do consumidor, a informao

    completa do profissional, parece-nos enquadrar aquilo que j se discutia na

    doutrina, pois considera-se determinante para a celebrao do contrato mas,

    tambm, tem como objectivo estabelecer forma de contacto com o profissional11.

    No meio social e econmico, nas ltimas dcadas, constatamos um crescimento

    galopante de contratos celebrados distncia e fora do estabelecimento, e

    contratos celebrados quer por telefone e vendedores porta-a-porta, foram

    ganhando popularidade e hbito, marcando assim posio nas relaes

    comerciais com o consumidor. Ainda mais recente, deparamo-nos com um

    marketing cada vez mais agressivo por telefone ou atravs da internet, seja por

    correio electrnico, websites e no menos nas redes sociais.

    No entanto, a ausncia de um espao fsico do profissional, continua a

    causar preocupao aos consumidores mais cautelosos. De facto, uma realidade

    econmica, a existncia de inmeras empresas que disponibilizam os seus

    produtos online para vender ao consumidor, sejam pequenas, mdias ou grandes

    empresas, as chamadas lojas virtuais ou lojas online. Desta forma, a verificao

    da existncia de algum contacto ou tambm loja fsica associada ao site, para

    alm dos habituais formulrios de contacto onde so omissos os dados da

    empresa, requerem algum cuidado por parte do consumidor mas no deve ser

    alheio ao legislador, pese embora, previsto na contratao electrnica, a lei

    obrigava a indicao do endereo do profissional12. No antigo regime, a informao

    do profissional apenas era exigida quando existisse pagamento antecipado.

    Referente s informaes pr-contratuais, parece-nos igualmente favorvel

    que o profissional informe o consumidor determinadas informaes: prazo do

    direito de livre resoluo, caso se aplique, e associado a esta, a disponibilizao

    do formulrio para esse efeito, embora no obrigatrio; eventuais custos e

    encargos que decorram e a durao do tempo de contrato. Com este novo regime,

    a inexistncia do cumprimento da informao por parte do profissional, no que toca

    11 JORGE MORAIS CARVALHO e JOO P. PINTO-FERREIRA, Contratos celebrados distncia , cit., pp. 56; ELSA DIAS OLIVEIRA, A Proteco dos Consumidores nos Contratos Celebrados atravs da Internet, Coimbra, Almedina, 2002, pp. 68 e 69. 12 Comrcio Electrnico no Mercado Interno e Tratamento de Dados Pessoais DL n 7/2004 de 07 de Janeiro, que teve a 3 reviso em 2012.

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    aos custos ou encargos, o consumidor no obrigado a suporta-los. De notar que

    se trata de um nus e no um dever e, por conseguinte, no reveste um acto ilcito

    punvel com contra-ordenao13.

    O nus de prova incumbe ao profissional, conforme previsto no n 7,

    embora, o regime das CCG, no art 5, n 3, j previsse essa incumbncia ao

    predisponente.

    No que concerne viso da panplia de informaes pr-contratuais, temos

    que ter sempre presente que o consumidor a parte mais fraca nesta relao

    bilateral e, na nossa opinio, o direito informao, deve ser o mais completo

    possvel. Neste caso a quantidade significa qualidade, pois s desta forma, ser

    possvel a realizao da garantia da tutela do consumidor.

    3.1 Direito de livre resoluo

    3.1.1.- Contexto normativo

    A resoluo do contrato encontra-se prevista nos arts. 432 e ss do CC, e

    consiste na extino da relao contratual por declarao unilateral de um dos

    contraentes, baseada num fundamento ocorrido posteriormente celebrao do

    contrato, conforme MENEZES LEITO14. No entanto, neste regime jurdico em

    estudo, trata-se de uma excepo a este princpio geral, visando desta forma

    proteger o consumidor que a parte mais fraca da relao15.

    Esta figura entrou no nosso ordenamento jurdico, atravs do DL n 272/87,

    transpondo a Directiva 85/577/CEE. Actualmente, a designao de direito de livre

    resoluo, encontra-se presente no novo regime (art. 10) sendo tambm usado

    no anterior regime (art 6) e direito de resoluo (art 18).

    Transpondo a Directiva 2011/83/UE, arts 9 e 10, o art 10 do diploma,

    estabelece o prazo e as condies referente ao direito de livre resoluo. Nesse

    seguimento, o art 11, estabelece o exerccio e seus efeitos e, por fim, as

    obrigaes do profissional, no art 12.

    13 JORGE MORAIS CARVALHO e JOO P. PINTO-FERREIRA, Contratos celebrados distncia , cit., pp. 64. 14 LUS MANUEL TELES DE MENEZES LEITO, Direito das Obrigaes, Volume II, 7 edio, Coimbra, Almedina, 2010, pps 104 e 105. 15 PEDRO ROMANO MARTINEZ, Da Cessao do Contrato, 2 edio, Coimbra, Almedina, 2006, pp. 287.

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    O direito de livre resoluo, nos contratos celebrados distncia e fora do

    estabelecimento comercial, assenta na vontade unilateral do consumidor, no

    decorrer do prazo fixado por lei, sem invocar qualquer motivo, podendo livremente

    resolver o contrato, sob qualquer forma, estando sujeito, posteriormente, a

    determinados direitos e deveres.

    3.1.2.- Direito de Arrependimento

    Opta, JORGE MORAIS CARVALHO, pelo uso de direito de arrependimento invs

    de direito de livre resoluo, apresentando uma anlise critica aos elementos:

    fonte, prazo, preo, unilateralidade e fundamento. Acrescenta, por fim, que a

    denominao utilizada no a melhor para este regime, apresentado dois

    argumentos: o associar ao modelo geral de resoluo e, sendo um regime

    especfico, deveria ser adoptada outra terminologia16. Para PEDRO ROMANO

    MARTINEZ17, o direito de arrependimento consiste no direito de o consumidor se

    arrepender e pr termo atravs da resoluo do contrato.

    Comungamos pela mesma opinio doutrinria, o direito de

    arrependimento, seria a frmula mais correcta tanto do ponto de visto jurdico

    como na apreenso por parte do consumidor.

    Na generalidade, o consumidor, julga que o direito de livre resoluo,

    encontra-se presente em todas as modalidades de compra e venda ou prestao

    de servios e, mais grave, confunde igualmente os prazos e o teor dos diplomas18.

    De facto, as associaes de consumo, tm feito um esforo adicional de

    esclarecimento sobre esta matria, bem como as autoridades e organismos19.

    A existncia deste direito garantido ao consumidor, prende-se pelos motivos

    relacionados com presso existente por parte do profissional ou a inexistncia do

    contacto fsico com os bens e servios, cujos fundamentos se centralizam em

    quatro grupos principais20: tcnica agressiva; desconhecimento sobre bem ou

    16 JORGE MORAIS CARVALHO e JOO P. PINTO-FERREIRA, Contratos celebrados distncia , cit., pp. 92; JORGE MORAIS CARVALHO, Manual de Direito do Consumo, 2 edio, cit., pp. 110 e 111. 17

    PEDRO ROMANO MARTINEZ, Da Cessao do Contrato, cit., pp. 287. 18 Basta uma pequena pesquisa pela internet, nomeadamente em fruns e redes sociais de queixa, onde os

    consumidores opinam livremente prestando informaes erradas ou mal enquadradas no ponto de vista jurdico. 19

    Exemplos: DECO, www.deco.proteste.pt/tecnologia/nc/dicas/comprar-pela-net-sem-perder-direitos/2, visitada a 05.10.2014; ANACOM, http://anacom.inbenta.com/consumidores/?content_id=675, visitada a 05.10.2014; Direco-

    Geral do Consumidor, http://www.consumidor.pt, visitada a 05.10.2014 20 JORGE MORAIS CARVALHO, Manual de Direito do Consumo, 2 edio, cit., pp. 113, refente aos grupos de fundamentos, o autor, remete para outros autores., pp 115.

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    13

    servio; proteco do consumidor tendo em apreo o contexto socioeconmico e

    proteco dos concorrentes.

    Decorre da letra da lei, o art 10, n1, sem necessidade de invocar o

    motivo, est subjacentes os fundamentos referidos, o consumidor nada tem que

    justificar, basta apenas demonstrar a sua vontade livremente. De realar que esta

    vontade no pode ser condicionada por outro factor, por exemplo, se o bem

    adquirido estiver defeituoso, se estiver danificado, se for outro produto diferente do

    adquirido, se a prestao de servios for deficiente, entre outras razes. Se assim

    fosse, a ratio da norma, isto , o arrependimento, ou cooling-off period

    (arrefecimento), no faria sentido.

    3.1.3 Invocao de motivo expresso

    No estando o consumidor obrigado a invocar qualquer motivo, questiona-

    se se o mesmo, ao exercer o direito de livre resoluo apresente, nessa mesma

    declarao, alguma justificao, ou seja, se na declarao invocar algum motivo

    que no se traduz num verdadeiro arrependimento. Como exemplo: o consumidor

    invoca o direito de livre resoluo, apresentando como justificao que o bem

    recepcionado encontra-se avariado.

    Neste caso, a declarao valida? A resposta tem que ser negativa. Pese

    embora o preceito do art. 10, n 3, considere que sempre exercido o direito de

    livre resoluo, quando a declarao enviada dentro do prazo, no nos parece

    que se aplique hiptese em apreo.

    Neste prisma, o consumidor no est livremente a exercer um direito mas,

    efectivamente, a denunciar expressamente outra vontade que no a espectvel e

    totalmente incompatvel com a ratio do art 10 e, como tal, no se afigura no

    exerccio do direito de livre resoluo, como tal, esse outro motivo consume a

    essencialidade deste direito. In casus, a denncia do defeito do bem, foi a

    motivao real, isto , o consumidor pretendeu adquirir aquele bem mas a sua

    vontade ficou condicionada a um elemento externo. Nesta vertente, competir ao

    profissional, nesta linha orientadora, assegurar e accionar todos os mecanismos

    que tiver ao seu dispor com vista a assegurar a manuteno do contrato tais como

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    a reparao, substituio, reduo adequada do preo ou a resoluo do

    contrato21, considerando-se assim denunciada a inconformidade.

    A mesma questo pode ser analisada de outra forma. Como exemplo, se

    esse mesmo consumidor, exercer o direito de livre resoluo e na declarao no

    invocar nenhum motivo, mas o bem, quando recepcionado pelo profissional,

    encontra-se avariado. Ora, decorre da norma prevista no art 14, n 2, que o

    consumidor pode ser responsabilizado pela depreciao do bem, resultando assim

    numa consequncia negativa. Desta forma, no lhe permitir, usufruir

    normalmente a utilizao desse mesmo bem.

    Neste tipo de contratos, aquisio de bens, o contrato produz efeitos

    tpicos, no entanto, existindo um direito de arrependimento, que uma clusula

    resolutiva22 destinada ao consumidor que poder devolver no caso de desagrado,

    mas tambm legal e potestativa cujos efeitos, embora incertos e futuros, exercidos

    pelo consumidor23. Na transmisso da propriedade est associada a transferncia

    do risco, que se verifica no momento da concentrao, ou seja, na entrega do bem

    pois o consumidor que fica com a posse da coisa.

    3.2 Formas de exercer o direito de arrependimento

    3.2.1 Contexto normativo

    Uma das novidades neste regime, a existncia de um modelo, facultado

    ao consumidor pelo profissional, para exercer o direito de livre resoluo, conforme

    previsto no art 11, n 1 e Anexo B ao diploma. No entanto, in fine do n 1, poder

    exerce-lo atravs de qualquer outra forma desde que inequvoca. No n 2,

    exemplifica alguns meios como: carta, contacto telefnico, devoluo do bem ou

    outra forma desde que sujeita a prova, incumbindo ao consumidor a prova, n 5.

    Se for possvel atravs de um site da internet do profissional, este caber a

    recepo da declarao da resoluo, em suporte duradouro, no prazo de 24

    horas.

    21 Venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas DL n 67/2003 de 08 de Abril, com 2 verso em 2008. 22

    PEDRO ROMANO MARTINEZ, Da Cessao do Contrato, cit., pp. 289. 23

    JORGE MORAIS CARVALHO, Manual de Direito do Consumo, 2 edio, cit., pps. 166 e 167.

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    3.2.2 Forma

    No anterior regime, nos termos do art 6, n 5, impunha o requisito de

    validade para o exerccio de livre resoluo, isto , a declarao teria que ser

    expedida atravs de uma carta registada com aviso de recepo.

    Na vigncia desse diploma, defendia JORGE MORAIS CARVALHO, que essa

    forma correspondia a uma formalidade ad probationem, servindo apenas de prova

    do exerccio, e no de formalidade ad substantium24, mas, mesmo assim aquela

    formalidade ad probationem nem se enquadra numa carta registada com aviso de

    recepo25. Tambm nesta defesa, PEDRO ROMANO MARTINEZ, estranhava que a

    exigncia da forma pois diversa dos termos gerais prevista no art 436, n 1, do

    CC, ou seja, a declarao produz efeitos aquando da expedio mesmo quando

    ainda no recepcionada e conhecida pelo destinatrio26.

    No entanto, pese embora a lei exigisse esse formalismo, na prtica

    corrente, o profissional aceitava o direito de livre resoluo por qualquer via, desde

    que assumisse a forma escrita e assinada pelo consumidor27, assumia-se assim,

    uma interpretao restritiva da norma.

    Com o novo diploma, cabe ao consumidor, escolher a forma de como

    exercer ao direito de arrependimentos, no entanto, no caber ao profissional

    impor o tipo de forma que pretende, sob pena de considerar-se nula28, por fora do

    art 29 do diploma, pois se tal ocorresse seria uma limitao aos direitos do

    consumidor.

    Independentemente da forma expressa ou at por forma tcita atravs da

    devoluo do bem, esta nova norma, veio beneficiar o consumidor.

    24

    JORGE MORAIS CARVALHO, Comrcio Electrnico e Proteco dos Consumidores, Themis Revista da Faculdade de Direito da UNL, Ano VII, n. 13, 2006, pp. 59. 25

    JORGE MORAIS CARVALHO, Manual de Direito do Consumo, 1 edio, Almedina, Coimbra, 2013, pps. 135 e 136. 26

    PEDRO ROMANO MARTINEZ, Da Cessao do Contrato, cit., pp. 288. 27

    Neste sentido, corresponde ao que defendia, JORGE MORAIS CARVALHO, Manual de Direito do Consumo, 1 edio, cit., pp. 136. 28

    Tal como defendem JORGE MORAIS CARVALHO e JOO P. PINTO-FERREIRA, Contratos celebrados distncia , cit., pp.108; JORGE MORAIS CARVALHO, Manual de Direito do Consumo, 2 edio, cit. pp. 164.

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    16

    3.2.3 Meios de prova escrita

    Compete ao consumidor, nos termos do Art 11, n 5, a prova que exerceu

    o seu direito de arrependimento. No entanto, caso tenha sido exercida de forma

    escrita, parece-nos mais fcil a forma de prova, no entanto, caso seja via telefone

    ou outro meio de difcil prova, tornar-se- complexa.

    Se o direito de arrependimento, seja atravs do modelo disponibilizado pelo

    profissional ou qualquer escrito em que tenha expressamente essa inteno, o

    meio de prova, pode assumir diversas formas. Se for por correspondncia postal, o

    aviso de recepo; por fax, embora cada vez menos usual, o relatrio de envio; por

    endereo electrnico, o aviso de entrega e/ou recibo de leitura; pessoalmente,

    atravs de um duplicado assinado ou assinado e carimbado pelo profissional, caso

    exista estabelecimento fsico; ou outro meio escrito de comprovativo.

    Referente ao envio por endereo electrnico, a questo , tendencialmente,

    mais complexa. Nem todos os servidores de endereo electrnico, permitem uma

    funcionalidade operacional que comprove a recepo ou a leitura da mensagem

    enviada ao profissional. O habitual, em situaes de litgios em cenrios anlogos,

    o profissional contra-argumentar que nunca recepcionou e, como tal, no pde

    tomar conhecimento de qualquer assunto que tenha sido remetido ou que o

    servio de endereo electrnico, encontrava-se com inmeros problemas de

    recepo e envio. Nesta vertente, consideramos que estas meras justificaes,

    so facilmente sanadas. Atravs de meios informticos, a questo da prova,

    resolvida atravs da impresso fsica do texto enviado pelo correio electrnico

    enviado outra parte. No obstante, a mensagem do correio electrnico impresso,

    torna-se documento. Em suma, o consumidor nunca poder ser limitado nem

    desprotegido face a esta situao.

    Neste sentido, tal como analisado pela doutrina29, o meio mais adequado de

    modo a exercer o direito de arrependimento, ser pelo envio de carta registada

    com aviso de recepo, remetendo o modelo disponibilizado pelo profissional.

    29

    JORGE MORAIS CARVALHO, Manual de Direito do Consumo, 2 edio, cit. pp. 164.

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    17

    4.1 A devoluo do bem

    4.1.1. A depreciao do bem

    O art 14, sob a epgrafe inspeco e manipulao do bem, no se

    previa no anterior regime e, como tal, merecedor de uma anlise cuidada. Da

    lei geral, determina que, numa compra e venda, a propriedade transfere-se por

    mero efeito do contrato.

    A norma impe ao consumidor deveres de cuidado inspeccionar, com o

    devido cuidado, a natureza, as caractersticas e o funcionamento do bem, n 1,

    podendo exercer o direito de arrependimento, no entanto, atribui-lhe

    responsabilidade pela depreciao do bem bem como exceder a

    manipulao que habitualmente admitida em estabelecimento comercial n

    2, por fim, nunca poder ser responsabilizado caso o profissional no informe o

    direito de livre resoluo, n 3.

    A imposio de o consumidor no usar normalmente o bem um nus

    que visa evitar a consequncia de ser responsabilizado pela sua

    desvalorizao30.

    No que concerne depreciao do bem, no se encontra uma

    definio no elenco do art 3 do diploma. No quotidiano, encontramos uma

    correspondncia, em lato sensu, como uso ou desgaste no decorrer do tempo

    visando a diminuio do valor do bem. No entanto, devemos de enquadrar a

    definio ao contexto do diploma. E, desta forma, consideramos que a

    depreciao do bem deva ser definida como qualquer inconformidade na

    qualidade, desempenho ou utilizao do bem, que se colocado novamente no

    trfico comercial, possa o futuro comprador (consumidor) invocar a reparao,

    substituio, resoluo ou a reduo do preo desse bem ao profissional.

    Extramos essa definio, no prprio contexto da norma, quando

    estabelece um padro-tipo de vendas presenciais em estabelecimentos

    comerciais. Nestes casos, consoante o tipo e a natureza do bem, permitido

    30

    Neste sentido, trata-se de uma situao jurdica passiva em que a consequncia negativa a

    responsabilidade da depreciao, conforme JORGE MORAIS CARVALHO e JOO P. PINTO-FERREIRA, Contratos celebrados distncia , cit., pp. 117

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    visualizar, mexer, analisar e at experimentar de modo a suscitar forte

    motivao de aquisio.

    4.1.2. A responsabilidade do consumidor

    Decorre do art 13, n 3, que deve o consumidor conservar os bens de

    modo a poder restitu-los nas devidas condies de utilizao. Aps a

    restituio do bem, caber ao profissional analisar o bem recepcionado de

    modo a verificar as devidas condies. Neste seguimento, a nossa anlise,

    incidir sobre a determinao da responsabilidade do consumidor, para efeitos

    do art 14, n 2.

    Tal como supra referido, definimos o conceito de depreciao. No

    entanto, caso seja enquadrvel, existir responsabilidade imputvel ao

    consumidor. Ou seja, pode o profissional exigir uma quantia monetria para

    este efeito ao consumidor.

    No existe uma frmula especfica prevista na lei nem um valor de

    referncia e, como tal, deve ser adoptado um critrio de razoabilidade nos usos

    em matria de consumo. Este critrio, podemos extrair da parte final do n 2 do

    Art 13. No obstante, no poder ser exigvel a totalidade preo do bem sob

    considerar-se que existiu padecimento ou inutilizao da coisa.

    De modo a no existir arbitrariedade e pactuar com a insegurana

    jurdica na tutela do consumidor, cabe ao profissional, para alm de invocar o

    seu direito, provar o dano fazendo a respectiva prova, nos termos gerais. Caso

    o consumidor decline de forma expressa ou tcita essa responsabilidade,

    caber ao profissional, exercer a faculdade de invocar o seu direito atravs de

    meios judiciais ou extrajudiciais.

    4.2. A devoluo dos pagamentos recebidos

    4.2.1 Dentro dos 14 dias

    Um dos deveres do profissional consiste na devoluo, no prazo de 14

    dias, conforme previsto no art 12, n 1, de todos os pagamentos recebidos e

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    custos de entrega. Contudo, pode exercer o direito de reteno quando no for

    recebido o bem ou no for apresentada prova da devoluo.

    Caso seja invocada a responsabilidade, nos termos do art 14, n 2,

    nunca o profissional, pode exercer o direito de reteno dos pagamentos

    recebidos. A norma impede que haja direito de reteno excepto nos casos

    previstos deste diploma, e por conseguinte, se o profissional j recepcionou e

    inspeccionou o bem, afastamos de imediato essa hiptese.

    Coloca-se a questo, caso o consumidor acate esta responsabilidade,

    como dever proceder a este ressarcimento. Tendo em vista a celeridade e

    economizar os custos e recursos bem como existindo uma reciprocidade de

    crditos, defendemos que as partes podem recorrer compensao voluntria

    ou contratual31.

    O profissional quando exige a responsabilidade ao consumidor, est a

    comunicar e a exercer o seu direito que julga t-lo e de acordo com a sua

    avaliao, significa assim que no est a propor uma compensao prevista

    nos art 847 e ss do CC. Paralelamente e com a finalidade referida, poder ser

    convencionada a compensao, entre o valor dos pagamentos recebidos

    (reembolso) e o valor monetrio da depreciao. No entanto, caber ao

    consumidor, optar ou no por essa alternativa.

    No novo regime, como o prazo de reembolso de 14 dias, muito inferior

    ao do anterior regime que previa 30 dias, esta soluo tem que ser limitada aos

    factores temporais. Deste a recepo e avaliao do bem, notificao ao

    consumidor e eventual aceitao ou rejeio daquele, , tendencialmente,

    muito limitado para ser resolvida dentro do prazo previsto. A comunicao da

    responsabilidade pelo profissional no suspende aquele prazo nem poder

    considerar o silncio ou demora da resposta por parte do consumidor como

    forma de aceitao.

    Se at vspera do terminus do prazo, existir ausncia de resposta do

    consumidor, dever o profissional devolver todos os montantes pagos, de

    acordo com a norma. Paralelamente, como j referimos, poder accionar

    31

    Sobre esta figura, vede, PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Cdigo Civil Anotado, Volume II, 4 edio revista e actualizada reimp., Coimbra, Coimbra Editora, 2011, pp 133; ALMEIDA COSTA, Noes Fundamentais de Direito Civil, 5 edio, Coimbra, Almedina, 2009, pp 342.

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    outros mecanismos para exercer a tutela do seu direito mas, mesmo assim,

    obrigado a restituir os montantes pagos, por fora na norma imperativa.

    4.2.2 Aps os 14 dias

    Se o profissional no devolver os montantes pagos dentro dos 14 dias,

    ficar obrigado a devolver, dentro do prazo de 15 dias, em dobro. Por exemplo,

    se o preo do bem foi de 200 , o profissional deve devolver o dobro desse

    valor, 400 .

    Mesmo que haja incumprimento no prazo de devoluo, o consumidor

    sempre credor face quele crdito. Se este reconhecer a responsabilidade da

    depreciao do bem, aps o prazo e na situao de incumprimento do

    profissional, devemos reformular aquele montante. Retomando o exemplo: o

    preo do bem foi de 200 , da avaliao do profissional considerou que a

    depreciao seria avaliada em 50 . Ento, nesta sentido, o clculo de

    referncia ser o resultado daquela diferena (150 ) em dobro (300 )

    Se o consumidor assumiu a sua responsabilidade perante o bem

    depreciado, isto , reconheceu que o bem j no valia o mesmo preo que

    havia adquirido, no far sentido, valorizar esse mesmo bem como no

    existindo qualquer depreciao. Seria uma contradio se assim fosse. O valor

    do bem adquirido deixou de operar com o consentimento expresso do

    consumidor, ou seja, a aceitao da sua responsabilidade.

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    Coimbra Editora, Coimbra, 2007.

    CARVALHO, Jorge Morais

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    Manual de Direito do Consumo, 2 edio, Almedina, Coimbra, 2014;

    Comrcio Electrnico e Proteco dos Consumidores, Themis Revista da

    Faculdade de Direito da UNL, Ano VII, n. 13, 2006.

    CARVALHO, Jorge Morais/PINTO-FERREIRA, Joo P.

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    COSTA, Mrio Jlio de Almeida

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    Cdigo Civil Anotado, Volume 2, 4 edio revista e actualizada reimp.,

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    S, Armnio

    Clusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Clusulas Abusivas, 2 edio,

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