o neurônio do suicídio

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Cientistas acreditam que pessoas que se matam têm uma diferença anatômica no cérebro: maior concentração de células neurais fusiformes, conhecidas como Von Economo, em regiões associadas à empatia e interação socialArtigo lido em: http://abp.org.br/2011/medicos/archive/5500Publicado na revista Mente e Cérebro

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Cientistas acreditam que pessoas que se matam têm uma diferença anatômica no

cérebro: maior concentração de células neurais fusiformes, conhecidas como

Von Economo, em regiões associadas à empatia e interação social

a aUTORaÉ jornalista, editora-assistente de

Mente e Cérebro

// por Fernanda Teixeira Ribeiro

O neurônio

A cada 40 segundos uma pessoa se mata. Há 1 milhão de suicídios por ano no mundo e pelo menos 20 milhões de tentativas, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Essa é a terceira maior causa de morte na faixa etária

entre 15 e 35 anos, atrás apenas de ferimentos por armas de fogo e acidentes de trânsito. No Brasil, a cada 100 mil mortes, 4,6 são por suicídio, uma estatística que aumentou 43,8% nas últimas duas décadas.

O comportamento suicida resulta da combinação de fatores psíquicos, culturais, sociais e neurobiológicos. Uma pesquisa feita na Dinamarca mostra que os riscos de uma pessoa se matar são maiores se há casos de suicídio entre seus parentes biológicos, mesmo que ela tenha sido adotada quando recém- nascida. Em um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o psiquiatra Humberto Corrêa observou que homens e mulheres com depressão e esquizofrenia que tenta-ram se matar tinham a função serotoninérgica diminuída, ou

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seja, deficiência no processo de síntese, transpor-te e ligação com receptores de serotonina. Níveis baixos dessa substância neuroquímica estão rela-cionados a sintomas depressivos, que são fatores de risco para o suicídio (veja quadro ao lado).

Mais recentemente, pesquisadores come-çaram a analisar se alterações em áreas neurais ligadas à empatia e à interação social podiam estar relacionadas ao comportamento suicida. Estudos com neuroimageamento mostraram que pessoas com Alzheimer e autismo apresen-tam menor ativação das áreas do córtex cingula-do anterior e do córtex frontoinsular. Essas duas regiões são as únicas onde é encontrado um tipo especial de neurônio fusiforme de função desconhecida – os neurônios de Von Economo (VENs, na sigla em inglês). Agora, pesquisado-res da Universidade de Bochum, na Alemanha, constataram que o cérebro de pessoas que se suicidaram tinha maiores quantidades dessas células neurais.

MaPa DaS EMOÇÕESUma das hipóteses é que os neurônios fusifor-mes fornecem a interconexão entre as áreas do cérebro ativadas pelo contato social. Segundo o neurocientista John Allman, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, eles podem funcionar como rastreadores de experiências sociais, proporcionando a base da aprendizagem social intuitiva quando observamos e copiamos os outros. Essas células, analisadas pela primeira vez em 1925 pelo neurologista romeno Cons-tantin von Economo, são encontradas apenas

Problema de saúde públicaNo Brasil há em média 24 suicídios por dia, o equivalente a 9 mil mortes por ano. Uma estatística alta, já que a aids, por exemplo, é causa de pouco mais de 10 mil óbitos. ao contrário do que ocorre na maioria dos países, o número de suicídios juvenis supera o de adultos, segundo o relatório Mapa da violência/2011, elaborado pelo Instituto Sangari e pelo Ministério da Justiça; e os índices cresceram 17% nos últimos dez anos.

apesar dos dados, o país não investe em estratégias de prevenção. “Não há campanhas veiculadas na televisão, como as que alertam sobre a transmissão de doenças. O assunto é tido como tabu, e quando uma pessoa é encaminhada ao sistema de saúde público por tentativa de suicídio ela é liberada após se recuperar. Um em cada quatro pacientes tenta se matar outra vez em menos de um ano”, diz o psiquiatra antônio Geraldo da Silva, presidente da associação Brasileira de Psiquiatria (aBP), ressaltando que, entre a população indígena, há 20 suicídios para cada 100 mil mortes, o equivalente a quatro vezes a média nacional.

Os altos índices de suicídio entre a população economicamente ativa podem ter impactos sociais a longo prazo. Para cada suicídio, cinco a dez pessoas, entre parentes, vizinhos e colegas de trabalho, desenvolvem transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), o que gera afastamento do trabalho e gastos com medicamentos e favorece os fatores de risco para o comportamento suicida. Suécia, Estados Unidos, Irlanda e Japão, por exemplo, consideram o comportamento suicida urgência médica. No país escandinavo, as mortes foram reduzidas em 39,5% nas últimas duas décadas graças a estratégias como tratamento de pessoas diagnosticadas com depressão e dependentes de álcool, restrição ao acesso dos métodos mais comuns de suicídio, como pesticidas, e, no caso de tentativa, acompanhamento de psicólogos e assistentes sociais por meio de telefonemas e visitas domiciliares.

Os sintomas de risco de suicídio se confundem com os de transtornos de humor. a comorbidade é de mais de 90%. Segundo Silva, o principal indício é uma primeira tentativa. “Ela geralmente é precedida de outros comportamentos autolesivos e da expressão de pensamentos suicidas”, diz. Estes costumam ser fatores de risco, que podem tomar maiores proporções em caso de desemprego, separação conjugal e anomia (estado de falta de objetivos e expectativas). Pesquisadores do Laboratório de Saúde Mental e Medicina da Universidade Estadual de Campinas (LSMM-Unicamp), em parceria com o Ministério da Saúde, elaboraram uma cartilha de prevenção direcionada a profissionais da saúde mental, disponível no endereço http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_editoracao.pdf.

CIRCUITO DO SOFRIMENTO: há maior número de neurônios fusiformes em áreas ligadas à percepção de exclusão social e à autodepreciação, como o córtex cingulado anterior e a ínsula anterior

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associados a altos índices de suicídio – cerca de 5% dos diagnosticados com esquizofrenia mor-rem dessa forma; no caso do transtorno bipolar, a estatística é de 19%, segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).

O neurocientista Martin Brüne comparou o cérebro de 9 suicidas ao de 30 pessoas que tinham um dos dois transtornos mas morreram de causas naturais. A densidade de neurônios fusiformes no córtex cingulado anterior e no córtex frontoinsular foi significa-tivamente maior no primeiro grupo. Segundo Brüne, os neurônios de Von Economo podem estar envolvidos no processamento de expe-riências subjetivas complexas, como culpa excessiva, autodepreciação e sentimento de rejeição social.

vERGONha E CULPaO comportamento suicida tem sido associado a transtornos mentais por vários estudos. A relação é mais estreita entre os distúrbios caracterizados pela alternância entre crises psicóticas e intervalos de lucidez. Segundo artigo publicado no The American Journal of Psychiatry, a consciência da própria situação costuma despertar sentimentos de culpa, vergonha e desesperança. Entre pessoas com esquizofrenia, a prevalência de depressão é de mais de 50%, e o risco de suicídio é 20% maior em comparação com a população em geral.

Em outra pesquisa, o grupo coordenado por Brüne observou que esquizofrênicos com maior concentração de neurônios fusiformes no córtex cingulado anterior direito obtinham melhor desempenho em testes que avaliavam a consciência da própria psicose. “Essa percep-ção tem se revelado um risco potencial para o suicídio, principalmente quando a qualidade de vida é baixa”, diz o neurocientista.

Seria uma conclusão limitada estabelecer relação de causalidade entre a densidade de neurônios fusiformes e o comportamento suicida. No entanto, as pesquisas com essas células podem revelar mecanismos envolvidos na percepção de emoções e na consciência. Até agora, os resultados sugerem que elas integram um circuito neural que sustenta faculdades so-ciocognitivas sofisticadas, esculpidas ao longo da evolução – entre elas, a intenção de terminar com a própria vida.

PaRa SaBER MaISNeuroanatomical correlates of suicide in psychosis: the role of von Economo neurons. Martin Brüne, em PLoS ONE, 22 de junho de 2011. Por quê? angústia e suicí-dio. Carol Ezzel, em Especial Scientific American – Em busca da consciência, no 40, págs. 78-81.Suicídio, uma morte evitá-vel. Humberto Corrêa e Sér-gio Barrero. Atheneu, 2006. m ce

em espécies que se socializam, como grandes símios, elefantes e baleias. Em humanos, elas aumentaram de quantidade ao longo da evolu-ção. Sua concentração se multiplica por volta dos 4 anos de idade, período considerado por especialistas um divisor de águas nas habili-dades de intuição social. “A dificuldade dos autistas em distinguir emoções e estabelecer vínculos afetivos coincide com a menor quan-tidade desses neurônios”, diz Allman.

Outros estudos relacionaram as habilidades empáticas às áreas do cérebro onde há maior concentração de VENs. Segundo artigo publica-do na Science em 2003, pessoas com depressão e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) conseguem distinguir emoções negativas em rostos com mais facilidade e apresentam maior ativação dessas regiões ao ver fotografias que exprimam raiva, ameaça ou tristeza. Por fim, o estudo da Universidade de Bochum, divulgado na revista PLoS ONE, analisou tecidos cerebrais de pessoas com esquizofrenia e transtorno bipo-lar que se mataram. Esses dois distúrbios estão

O hOLaNDêS vINCENT vaN GOGh atirou no próprio peito depois de passar anos internado em instituições para doentes mentais; crises psicóticas são fator de risco

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