o museu do Índio do rio de janeiro e a educaÇÃo infantil: conhecendo “o outro”

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Centro Universitário Barão de Mauá Walace Rodrigues O MUSEU DO ÍNDIO DO RIO DE JANEIRO E A EDUCAÇÃO INFANTIL: CONHECENDO “O OUTRO”. Niterói – RJ 2011 1

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TCC de Walace Rodrigues para a Pós-graduação latu sensu em Educação Infantil do Centro Educacional Barão de Mauá, SP, em 2012.

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Page 1: O MUSEU DO ÍNDIO DO RIO DE JANEIRO E A EDUCAÇÃO INFANTIL: CONHECENDO “O OUTRO”

Centro Universitário Barão de Mauá

Walace Rodrigues

O MUSEU DO ÍNDIO DO RIO DE JANEIRO E A

EDUCAÇÃO INFANTIL: CONHECENDO “O OUTRO”.

Niterói – RJ

2011

1

Page 2: O MUSEU DO ÍNDIO DO RIO DE JANEIRO E A EDUCAÇÃO INFANTIL: CONHECENDO “O OUTRO”

Walace Rodrigues

O MUSEU DO ÍNDIO DO RIO DE JANEIRO E A

EDUCAÇÃO INFANTIL: CONHECENDO “O OUTRO”.

Trabalho de conclusão de curso de pós-graduação lato sensu em EducaçãoInfantil apresentado ao CentroUniversitário Barão de Mauá.

Orientador: Prof. Dr. Silvio Reinod Costa.

Niterói – RJ

2011

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Page 3: O MUSEU DO ÍNDIO DO RIO DE JANEIRO E A EDUCAÇÃO INFANTIL: CONHECENDO “O OUTRO”

Ficha catalográfica

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Page 4: O MUSEU DO ÍNDIO DO RIO DE JANEIRO E A EDUCAÇÃO INFANTIL: CONHECENDO “O OUTRO”

Dedico este trabalho a meu companheiro

Frans Harren, sempre a meu lado, mesmo

estando longe.

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Page 5: O MUSEU DO ÍNDIO DO RIO DE JANEIRO E A EDUCAÇÃO INFANTIL: CONHECENDO “O OUTRO”

RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso tenta refletir sobre a

importância da estética indígena dos artefatos expostos no Museu do Índio do Rio de

Janeiro para a informação sobre as culturas indígenas nacionais e a valorização

desses cidadãos brasileiros. O foco deste trabalho é a criança de educação infantil

(idade de 3 anos até 5 anos e 11 meses). Analisa-se o museu sempre pensando em

como as crianças da educação infantil podem se beneficiar das visitas para

mudarem suas representações acerca do índio e da riqueza material e espiritual das

culturas indígenas.

Palavras-chave:

Arte indígena, educação infantil, museu, representação, etnografia.

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Page 6: O MUSEU DO ÍNDIO DO RIO DE JANEIRO E A EDUCAÇÃO INFANTIL: CONHECENDO “O OUTRO”

ABSTRACT

This monograph tries to ponder about the aesthetics importance of the

indigenous artifacts exhibited in the Museu do Índio in Rio de Janeiro, and it tries to

inform the reader about national indigenous cultures and about the ethnic values to

these Brazilian citizens. The focus of this monograph is the child of infantile

education (ages from 3 years up to 5 years and 11 months old). Here I analyze the

museum thinking about how the children of infantile education can benefit from a visit

to this museum in order to change their representations about the indigenous

peoples and about the material and spiritual richness of the indigenous cultures.

Key-words:

Indigenous art, infantile education, museum, representation, ethnography.

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Page 7: O MUSEU DO ÍNDIO DO RIO DE JANEIRO E A EDUCAÇÃO INFANTIL: CONHECENDO “O OUTRO”

LISTA DE FIGURAS*

Figura 1 – Fachada principal do Museu do Índio...............................................20

Figura 2 – Maleta de jogos fechada...................................................................29

Figura 3 – Maleta de jogos aberta.....................................................................30

Figura 4 - Exposição fotográfica Ijasó: Os Aruanãs..........................................32

Figura 5 – Vestimentas e adornos femininos do Ijadokomã..............................33

Figura 6 – Vestimenta e adornos masculinos para o Hetohokã.......................33

Figura 7 – Habitação indígena nos jardins do museu.......................................34

Figura 8 – Visão interna da habitação indígena nos jardins do museu............36

Figura 9 – O Lakuh...........................................................................................36

Figura 10 – Banco zoomorfo do pajé para o Turé no Lakuh e cestaria.............37

Figura 11 – Adorno de cabeça com uso de cascas de besouros......................37

Figura 12 – Chapéus usados durante o Turé....................................................38

Figura 13 - Pingentes ornamentais...................................................................38

Figura 14 – Guia Verônica, na sala de cerâmica, explicando sobre o vídeo.....38

Figura 15 – Objetos da casa do pajé usados para curas...................................39

Figura 16 – Objetos da casa do pajé: banco zoomorfo, cestarias e cuias.........40

Figura 17 – Mesas e bancos infantis no jardim do museu.................................41

Figura 18 – Degraus para o bebedouro.............................................................42

Figura 19 – Chocalhos usado no Turé...............................................................43

Figura 20 – Vasilha feita de cabaça e decorada com grafismos........................43

Figura 21 – Conjunto de vasilhas de cabaça decoradas com grafismos...........43

Figura 22 – Banco zoomorfo em forma de ave com pinturas............................44

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Page 8: O MUSEU DO ÍNDIO DO RIO DE JANEIRO E A EDUCAÇÃO INFANTIL: CONHECENDO “O OUTRO”

Figura 23 – Banco zoomorfo Kadaykahu em forma de jacaré com

pinturas...........................................................................................................44

Figura 24 – Banco zoomorfo em forma de ave com pinturas.........................44

Figura 25 – Banco zoomorfo em forma de ave com pinturas.........................44

Figura 26 – Colar de miçangas multicolorido..................................................45

Figura 27 – Vaso de cerâmica decorado com grafismos................................45

Figura 28 – Indumentária de um jovem Karajá para a festa do Hetohokã......45

*Todas as fotos são de autoria de Walace Rodrigues.

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Page 9: O MUSEU DO ÍNDIO DO RIO DE JANEIRO E A EDUCAÇÃO INFANTIL: CONHECENDO “O OUTRO”

AGRADECIMENTOS

Agradeço aos funcionários do Museu do Índio pela amabilidade em

informar tão bem a todos os que lhes procuram, principalmente às funcionárias do

Núcleo de Atendimento ao Público Escolar (NUAPE), do Serviço de Atividades

Culturais do museu, e aos guias. Também, agradeço às professoras da Escola

Municipal Barão Homem de Melo (Rio de Janeiro) que me deixaram acompanhar

seu grupo de alunos.

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Page 10: O MUSEU DO ÍNDIO DO RIO DE JANEIRO E A EDUCAÇÃO INFANTIL: CONHECENDO “O OUTRO”

SUMÁRIO

1 – Introdução..................................... .................................................................11

2 – Desenvolvimento................................ ...........................................................12

2.1 - Necessidade e lugares da valorização cultural ....................................12

2.2 - As representações dos nossos indígenas na história brasileira........15

2.3 - O Museu do Índio do Rio de Janeiro........... ...........................................19

2.4 - Experiência estética e o Museu do Índio...... .........................................23

2.5 - A pesquisa no Museu do Índio e seus resultado s analisados............27

3 - Considerações finais........................... ...........................................................48

4 – Referências.................................... .................................................................51

5 – Anexos......................................... ...................................................................55

5.1 - Anexo I- Números consolidados de visitas esco lares de 2010..........55

5.2 - Anexo II- Números de visitas escolares de 201 1 até o mês de maio.56

5.3 - Anexo III- Folha sobre os Karajás distribuída s às crianças de

educação infantil (frente e verso)................. .................................................57

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Page 11: O MUSEU DO ÍNDIO DO RIO DE JANEIRO E A EDUCAÇÃO INFANTIL: CONHECENDO “O OUTRO”

1 - Introdução:

Este trabalho de fim de curso tenta mostrar a importância do Museu do

Índio do Rio de Janeiro1 na formação de representações atuais e coerentes sobre os

indígenas nacionais juntos às crianças da educação infantil pela via do

conhecimento e do reconhecimento da importância dos objetos de arte indígena

para a alfabetização estética e ética destas crianças. Também, acredita-se que

através do reconhecimento da importância estética dos artefatos culturais indígenas,

as crianças da educação infantil possam valorizar mais os povos indígenas

brasileiros e reconhecê-los como cidadãos nacionais.

Acreditando que os objetos culturais produzidos pelos povos indígenas

mostrados no museu podem ser transformadores de mentalidades e eliminador de

estereótipos, principalmente pelas qualidades estéticas dos seus artefatos culturais,

investiguei o Museu do Índio em seu contato com as crianças de uma escola pública

urbana.

Busquei informação sobre a visita do público infantil junto aos

funcionários do museu que estão diretamente ligados às visitas deste tipo de público

e, através das respostas destes funcionários e do acompanhamento de um grupo de

crianças de uma escola pública urbana do Rio de Janeiro.

Tentou-se uma possível compreensão da situação de exibição de

objetos estéticos indígenas para crianças e uma análise qualitativa dos resultados

das visitas infantis para a mudança de representações sobre os indígenas nacionais,

já que acredito que as representações sobre os indígenas são socialmente

construídas por significações dadas às crianças pelas instituições sociais (ex.

Escolas, museus, etc.) com as quais estas crianças têm contato.

1 O website do museu é http://www.museudoindio.org.br

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Page 12: O MUSEU DO ÍNDIO DO RIO DE JANEIRO E A EDUCAÇÃO INFANTIL: CONHECENDO “O OUTRO”

2 - Desenvolvimento:

2.1 - Necessidade e lugares da valorização cultural :

A lei de diretrizes e base da educação brasileira (lei 9394/96) dá

especial atenção aos conteúdos ensinados sobre os povos indígenas nacionais e a

cultura afro-brasileira. Essa tentativa de aproximação dos estudantes com as

culturas indígenas enriquece a visão dos alunos em relação aos outros povos

formadores da sociedade nacional. O artigo da atual Lei de Diretrizes e Bases da

Educação (lei 9394/96) que especificamente direciona as escolas a ensinarem estes

conteúdos é o artigo 26-A, que transcrevo abaixo como embasamento legal para a

ação de valorização dos vários grupos formadores da sociedade brasileira:

Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos eprivados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena.(Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).§ 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectosda história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partirdesses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos,a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígenabrasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suascontribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.(Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).§ 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povosindígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, emespecial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras.(Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008). (BRASIL, 1996).

Portanto, para além das razões morais (legais) de valorização das

culturas dos afro-brasileiros e indígenas no contexto escolar, há uma necessidade

ética em combater qualquer tipo de discriminação, tendo a escola papel fundamental

nesta função, principalmente durante a formação infantil, quando as crianças

começam a conhecerem-se enquanto indivíduos. As diferenças devem ser

valorizadas na escola como temas que enriquecem os conteúdos e que respeitam as

várias visões de mundo existentes em uma sociedade. Uso aqui uma passagem da

professora Vera Neusa Lopes (2005) que fala exatamente sobre esse ponto:

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Page 13: O MUSEU DO ÍNDIO DO RIO DE JANEIRO E A EDUCAÇÃO INFANTIL: CONHECENDO “O OUTRO”

A educação escolar deve ajudar professor e alunos a compreenderem que adiferença entre pessoas, povos e nações é saudável e enriquecedora; que é precisovalorizá-la para garantir a democracia que, entre outros, significa respeito pelaspessoas e nações tais como são, com suas características próprias eindividualizadoras; que buscar soluções e fazê-las vigorar é uma questão de direitoshumanos e cidadania. Aprendendo a se ver, a ver o seu entorno (família, amigos,comunidade imediata) de modo objetivo e crítico, a comparar todos elementos comos de outros tempos e lugares, a criança desenvolve comportamentos adequadospara viver numa sociedade democrática. (LOPES, 2005, p.189).

Para que possamos construir uma nação livre, solidária e igualitária,

onde ser cidadão não se constitua em um privilégios de poucos, devemos buscar

informar sobre todos os povos que compõem a sociedade nacional (asiáticos,

brancos, negros, indígenas, entre outros) e tentar valorizar as culturas e feitos

destes outros povos, principalmente, mas não exclusivamente, dentro da escola e

durante a educação infantil.

A pesquisadora indiana Gayatri Spivak, muito conhecida por seus

estudos nas áreas de feminismo e pós-colonialismo, nos informa que racismo1 é

aprendido, portanto, pode, também, ser desaprendido na tentativa de mostrar

possibilidades mais críticas e criativas. E que melhor idade para desaprender que

entre 3 e 5 anos e 11 meses, durante o período da educação infantil? Coloco aqui

uma passagem de Spivak sobre este processo de desaprendizado:

Se nós aprendemos racismo, nós podemos desaprendê-lo, e desaprendê-loprecisamente porque nossas ideias sobre raça representam um fechamento depossibilidade criativa, a perda da opção do outro, outro conhecimento. (SPIVAK apudLANDRY e MACLEAN, 1996, p.4). “Tradução livre”.

O ato de informar as crianças sobre os vários povos formadores da

sociedade nacional se mostra mais que necessário, não somente por seu aporte

legal, como designado na LDB, mas por uma revisão ética e histórica de valorização

devida a alguns povos desprezados na sociedade nacional, como no caso dos afro-

brasileiros e dos indígenas. Assim, a escola deve incentivar as crianças a pensarem

criticamente um Brasil mais múltiplo e heterogêneo em sua formação cultural.

1 Aqui tomamos “racismo” como uma discriminação por motivos raciais, desprezando alguma(s)“raça”(s) e valorizando outra(s). Essa discriminação também afeta todas as contribuições culturais,sociais e históricas dos “desprezados”.

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Page 14: O MUSEU DO ÍNDIO DO RIO DE JANEIRO E A EDUCAÇÃO INFANTIL: CONHECENDO “O OUTRO”

É papel da escola ajudar as crianças a terem representações

simbólicas corretas sobre a sociedade em que vivem e sobre as várias vertentes

étnicas encontradas nesta sociedade. Em um país tão mesclado etnicamente como

o nosso, o entendimento de cada grupo social e seu papel na sociedade nacional se

torna essencial. Uso aqui uma passagem dos educadores Ercília Maria de Paula e

Fernando Wolff Mendonça (2009) sobre a construção de conteúdos sociais

simbólicos e o papel da escola:

A escola é criação social e representa um espaço em que as apropriações comuns deuma sociedade podem ser ordenadas e classificadas de acordo com a utilidade e asignificação dos conceitos sociais, desde que essas apropriações tenham relevânciapara o desenvolvimento da criança, sendo utilizadas como ferramenta de interação dacriança com o grupo social. (PAULA; MENDONÇA, 2009, p.51).

Esse conhecimento que a escola deve compartilhar com seus

estudantes também tem uma vertente ética em relação às representações dos

grupos formadores da sociedade nacional. Essa atualidade sobre a discussão de

valores éticos pode ser vista na seguinte passagem de Edilson Santana (2007):

No mundo contemporâneo, tudo se converte em ameaça e exige uma construçãoética inédita, que tem como centro as tecnologias biológicas e a energia nuclear, paraas quais os regramentos da tradição acham-se inoperantes. Neste contexto, torna-seinevitável o questionamento das éticas aplicadas, tais como a bioética. Tudo reclamaum ethos mundial, uma ética universal, capaz de corrigir a rota que vem levando àgrave crise da injustiça social. (SANTANA, 2007, p. 94).

Assim sendo, seguindo os ensinamentos de Paulo Freire (1997, p. 46),

sobre a importância da “outredade” do “não-eu” para assumir a radicalidade do meu

“eu”, podemos verificar que o reconhecimento da importância social e cultural dos

indígenas nacionais se mostra na necessidade de valorização das contribuições

destes grupos sociais, não somente em um sentido ético, mas, também, em um

sentido de auto-entendimento cultural e artístico desses grupos. Também é

interessante notar que o nosso “outro”, o indígena, não é um habitante de outro país,

mas o autóctone da nação brasileira.

E qual a melhor maneira de começar a conhecer o “outro” senão pela

sua arte e cultura? E qual o melhor lugar para compreender a cultura do “outro”, em

nosso caso a cultura indígena, senão no próprio museu do “outro”, o Museu do

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Índio? Ai onde as sociedades indígenas são representadas com todos seus atributos

culturais, sociais e criações artísticas, tornando fácil a percepção e a descoberta de

suas riquezas.

Assim, pela importância do processo de socialização na faixa etária

que abrange a educação infantil é que as crianças devem ser instigadas a se

aproximarem de culturas diferentes. Uso aqui uma passagem da Revista Crescer

para exemplificar a importância da educação infantil e dos primeiros contatos e

encontros desta fase educacional da pessoa humana:

Educação infantil pode ser mais importante do que o curso superior? Sim. É quando acriança experimenta o prazer pelo aprender e começa a gostar dele (ou não). Aescola aguça a curiosidade da criança e diz a ela “olha que interessante é a vida!”.(REVISTA CRESCER).

2.2 - As representações dos nossos indígenas na his tória brasileira:

O indígena brasileiro já teve várias representações sociais durante toda

a história brasileira. Primeiramente foi considerado pelos europeus que aqui

aportaram como “gentio”, “bárbaro”, “raça atrasada”, “bugre” e “selvagem”, somente

para citar alguns termos muito usados no período colonial. Utilizo uma passagem de

Gilberto Freyre (2006), de seu clássico livro Casa-Grande & Senzala, para

exemplificar o sentido pejorativo da definição de “bugre” e de “gentio”:

A denominação de bugres dada pelos portugueses aos indígenas do Brasil em geral ea uma tribo de São Paulo em particular talvez exprimisse o horror teológico decristãos mal saídos da Idade Média ao pecado nefando, por eles associado sempreao grande, ao máximo da incredulidade ou heresia. Já para os hebreus o termogentio implicava idéia de sodomita; para o cristão medieval foi o termo bugre queficou impregnado da mesma idéia pejorativa de pecado imundo. (FREYRE, 2006,p.189).

Pelo fato de os indígenas não serem cristãos, como vimos na

passagem de Gilberto Freyre, a primeira providência dos jesuítas que aqui

chegaram, fervorosos com ideias ainda medievais sobre o que era ser cristão e com

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a função de fazer crescer o número de fiéis nas terras recém descobertas, foi tentar

convertê-los ao cristianismo, ou seja, “humanizá-los”1. Uma passagem de Marília

Amaral (2008) nos dá a dimensão desta “humanização” desejada pelos jesuítas e

colonizadores recém chegados ao Brasil:

O não reconhecimento da humanidade do “outro” foi condição sine qua non para odesenvolvimento da ideia de humanizar estes semi-homens, perdidos em um mundode sobras e pecados. (AMARAL, 2008, p.2).

Esta concepção de tornar o indígena “melhor”, mais “humano” através

da fé católica, na potencialidade de tornar-se cristão, faziam com que os

portugueses menosprezassem as crenças e costumes dos indígenas nacionais, os

verdadeiros autóctones brasileiros, demonstrando que os europeus desprezavam as

culturas dos que aqui habitavam por acharem as culturas e formas religiosas

europeias superiores e mais corretas.

Os jesuítas, em seus esforços para “protegerem” os indígenas com o

intuito de torná-los cristãos, criaram um discurso sobre a necessidade de tutela do

indígena por parte do Estado, como se os índios fossem animais domésticos que

deveriam ser cuidados. Também, importava aos portugueses distinguir entre negros

e indígenas. Uso uma passagem de Sérgio Buarque de Holanda (2007) sobre este

ponto:

O recurso da liberdade civil dos índios – mesmo quando se tratasse simplesmente deuma liberdade “tutelada” ou “protegida”, segundo a sutil discriminação dos juristas –tendia a distanciá-los do estigma social ligado à escravidão. (HOLLANDA, 2007, p.56).

Após esse longo e marcado período tutelar jesuítico sobre o indígena

(essa visão ainda persiste até hoje, porém com outros objetivos), os escritores e

poetas românticos brasileiros viram no indígena nacional qualidades equivalentes às

do cavaleiro medieval europeu. Este discurso romântico baseado no uso da figura do

“bom selvagem” serviu à uma necessidade de busca de um herói tipicamente1 Na concepção jesuítica do século XVI, fazer com que os indígenas acreditassem no Cristo e nos

seus ensinamentos do cristianismo faria deles “humanos”, ou seja, atribuir-lhes-ia “alma”.Pensando desta maneira, podemos notar que os jesuítas viam os indígenas “ateus na fé cristã”como semi-humanos.

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nacional, honrado e bravo. Romances como O Guarani, Ubirajara e Iracema de José

de Alencar e A Moreninha de Joaquim Manuel de Macedo são nítidos exemplos

desta romantização da figura do indígena nacional. Uso aqui uma outra passagem

de Sérgio Buarque de Holanda (2007) sobre este ponto:

...escritores do século passado [XIX], como Gonçalves Dias e [José de] Alencar, iriamreservar ao índio virtudes convencionais de antigos fidalgos e cavaleiros, ao passoque o negro devia contentar-se, no melhor dos casos, com a posição de vítimasubmissa ou rebelde. (ibidem, p.56).

No século XIX, as várias expedições etnológicas que adentraram o

Brasil representaram o indígena como uma figura não apenas desumanizada, mas

também, “impuros”, “incivis”, “degenerados”, “selvagens”, entre outros adjetivos

ainda mais depreciativos que os dos primeiros colonizadores, talvez, também,

porque os indígenas relutaram em trabalhar nas plantações dos colonizadores. Uso

aqui um texto de Marília Amaral (2008) para exemplificar estes discursos:

No século XIX, a essência do índio não é concebida como pura. As teorias raciais quese formavam desde final do século XVIII impregnavam os cientistas e racionalistas.Os indígenas, os negros, os mestiços..., todos eram raças degeneradas, selvagens,que precisavam ser civilizadas. A cor, a fibra do cabelo, as medições dos narizes, aangulação dos olhos, estas características assinalavam as diferenças raciais. Asteorias eugênicas estavam calcadas na ideia de raça pura, branca e, portanto,civilizada. Os discursos ocidentais acerca dos índios sofreram diversas modificaçõesentre os séculos XVI e XIX. As visões quinhentistas possuíam um caráter mais amenono que se refere à percepção dos ameríndios. Havia uma aceitação, como já foiexplicitado anteriormente, da essência humana e pura do índio, caso ele adentrasseno mundo cristão. Esta percepção é modificada de forma contundente no século XIX.O sentimento de superioridade extrapola os limites da razão. Os cientistas e teóricosinvadem as florestas e aldeias, estereotipando os povos não europeus, ou nãoarianos, taxando-os de impuros e incivis. (AMARAL, 2008, p. 9).

Depois da criação do Museu do Índio do Rio de Janeiro (1953), uma

pesquisa de opinião pública foi realizada para saber como os visitantes

representavam o indígena nacional. Mario Chagas (2007) descreve o resultado

desta pesquisa em seu artigo Museu do Índio: uma instituição singular e um

problema universal:

O resultado dessa pesquisa, que procurou ouvir, sobretudo, “crianças, jovensestudantes e populares”, sublinhou a existência de representações mentais queconstruíam narrativas que descreviam os povos indígenas como “serescongenitamente inferiores”, “como povos embrutecidos” e “preguiçosos”, sem“qualquer qualidade humana”, sem “refinamento estético” e outras imagens

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Page 18: O MUSEU DO ÍNDIO DO RIO DE JANEIRO E A EDUCAÇÃO INFANTIL: CONHECENDO “O OUTRO”

depreciativas. Paralelamente a essas representações, apareciam também aquelasque descreviam esses mesmos povos como habitantes de um mundo idílico, repletode aventuras e como seres portadores das mais “excelsas qualidades de nobreza,altruísmo, sobriedade e outras”. Essas duas modalidades de representação, segundoo pai fundador do Museu, estavam ancoradas em preconceitos que assumiam a“aparência de verdade inconteste” (CHAGAS, 2007, p. 184).

Gostaria de acreditar que este tipo de representação mental sobre os

indígenas nacionais tenha desaparecido, porém, ainda é evidente um certo receio

em relação ao autóctone causado pela falta de informação clara e precisa sobre as

sociedades indígenas atuais. A instauração do Dia do Índio (dia 19 de abril) trouxe

para dentro das escolas uma figura pouco lembrada da sociedade nacional,

estereotipada como preguiçosa e dependente do governo ou como o romantizado

selvagem amante e respeitador da natureza.

Em um recente artigo de Eunícia Fernandes (2009), intitulado Presos

ao passado, esta professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

nos mostra que as representações imagéticas dos indígenas brasileiros nos livros

didáticos estão longe de mostrarem a realidade desses grupos e a verdadeira

maneira de como vivem os vários e distintos povos indígenas nacionais. Além disso,

a falta de imagens que retratam os indígenas como sujeitos ativos na sociedade

nacional de ontem e de hoje somente ajuda a que se cometam mais falhas

historiográficas e educacionais sobre as formas de representação destes grupos. A

pesquisadora nos diz:

Os enganos são muitos, mas algumas obras atuais procuram romper com osestereótipos, mostrando os índios como sujeitos ativos na História do Brasil. Noentanto, essa postura não corresponde à totalidade das produções editoriais. Alémdisso, se esta preocupação é cada vez mais comum em textos, não se pode dizer omesmo quanto às ilustrações: há uma menor elaboração sobre elas. (FERNANDES,2009, p. 79-80).

Seria interessante, ainda, utilizar mais uma passagem da professora

para deixar clara a importância do papel dos educadores e da escola na correta

representação dos indígenas nacionais em uma sociedade atual tão participante de

uma cultura predominantemente visual:

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Page 19: O MUSEU DO ÍNDIO DO RIO DE JANEIRO E A EDUCAÇÃO INFANTIL: CONHECENDO “O OUTRO”

Resumidamente, são raros os historiadores que têm habilidade para tratar dedocumentos iconográficos e da intensa exposição de imagens da sociedade atual.Este é apenas um breve panorama da ponta do iceberg que contribui para que grandeparte dos brasileiros desconheça a história dos indígenas e os reduzam aestereótipos. Professores e historiadores têm o papel de refletir e abrir espaço para acrítica sobre a maneira como os índios são retratados. (ibidem, p. 81).

Portanto, podemos notar que, mesmo hoje, as representações dos

indígenas nacionais deixam muito a desejar, principalmente no ambiente escolar, daí

a necessidade de fazer com que os alunos, a partir da educação infantil, comecem a

ter uma visão correta e de valorização dos povos indígenas e de suas culturas, que

também são partilhadas por nós em alguns aspectos.

2.3 - O Museu do Índio do Rio de Janeiro:

Como já foi dito, esta monografia tenta mostrar a importância do Museu

do Índio do Rio de Janeiro na formação de representações corretas sobre os

indígenas nacionais juntos às crianças da educação infantil pela via do

conhecimento e reconhecimento da importância dos objetos de arte indígenas na

alfabetização estética destas crianças.

Para esclarecer o papel a importância dos museus em “contar” histórias

através de representações, utilizo aqui uma passagem de Donald Preziosi (2003),

onde ele coloca o próprio museu como um artefato representacional em si mesmo:

Museus são comumente construídos como repertórios ou “coleções” de objetos que,arranjados no espaço institucional, frequentemente simulam a relação geográfica,situação cronológica ou desenvolvimento evolucionário de uma forma, tema, outécnica, ou de uma pessoa ou pessoas. Desta maneira, eles são entendidos comosendo artefatos representacionais por direito, retratando “história” ou passado pelosobjetos e imagens encenados como relíquias do passado. (PREZIOSI, 2003, p. 408)“Tradução livre”.

A habilidade dos museus em mostrar ao mundo representações

simbólicas demonstra o poder que estas instituições têm para a cultura de uma

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sociedade. Os primeiros museus etnológicos e antropológicos, ditos de “história

natural”, foram usados para tentar reforçar a dita “superioridade” do homem branco

em relação aos povos dominados, como nos relata Pauline de Souza (2006):

Muitas instituições do século dezenove, de universidades a museus de histórianatural, desenvolveram programas, métodos, e estruturas arquiteturais concretaspara assistir no projeto de colecionar, organizar e mostrar os artefatos culturais depaíses invadidos pelo Ocidente. O objetivo destas instituições era quantificar e, então,controlar as pessoas que eles governavam com sistemáticas e infavoráveiscomparações entre as culturas e maneiras de viver desses povos e os avançosculturais do Ocidente. Sob o argumento de aumentar o conhecimento, culturas foradas tradições européias foram classificadas como primitivas, degeneradas, eestagnadas, reforçando, então, a fantasiosa superioridade da cultura européia.(SOUZA, 2006, p.358) “Tradução livre”.

Portanto, para começarmos a entender um pouco sobre os campos de

construção de representações acerca dos indígenas e como o Museu do Índio

trabalha a mudança de visão dos espectadores pela via estética, é necessário

conhecermos um pouco sobre o dito museu para compreender mais claramente sua

importância na formação de saberes simbólicos sobre os indígenas nacionais.

O Museu do Índio do Rio de Janeiro foi criado em 19 de abril de 1953,

no dia em que se celebra o Dia do Índio, por iniciativa do antropólogo Darcy Ribeiro.

Primeiramente localizado em um belo prédio na rua Mata Machado, no bairro

Maracanã, o museu foi transferido na década de 1970, devido às obras do Metrô,

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Page 21: O MUSEU DO ÍNDIO DO RIO DE JANEIRO E A EDUCAÇÃO INFANTIL: CONHECENDO “O OUTRO”

para um sobrado do século XIX na rua das Palmeiras, número 55, no bairro de

Botafogo, onde existe até hoje.

O museu passou na década de 1970 por esta traumática transferência

de sede; na década de 1980 tentou incorporar os novos discursos das minorias e

buscou servir mais à pesquisa e ao público; na década de 1990 teve sua sede

reformada e viu na década de 2000 o número de visitantes crescer e as exposições

terem a participação dos próprios indígenas e de profissionais de várias áreas do

saber.

Alguns dos objetivos do museu, quando iniciado, era “...combater

preconceitos ou estereótipos contra o índio” (DUARTE NUNES apud CHAGAS,

2007, p. 179). Porém, da mesma forma em que os alunos do ensino infantil vão ao

museu para conhecer o outro, espera-se uma valorização da cultura indígena e a

construção da tolerância para com todos os grupos formadores da sociedade

nacional.

O público do Museu do Índio, em 2003, era basicamente de crianças:

60% na faixa dos 3 aos 6 anos de idade, ou seja, na faixa de idade da educação

infantil; e 91% se tomarmos a faixa etária de 3 a 10 anos de idade (ALMEIDA apud

CHAGAS, 2007, p. 189). Esses números são explicados pelo grande interesse dos

grupos escolares nas exposições do museu. Também, essas cifras confirmam a

importância do Museu do Índio na formação de representações mais condizentes

com os reais e atuais grupos indígenas nacionais, e não com aqueles indígenas

desnudos representados em livros de história.

Em minha visita ao museu obtive os números consolidados de visitas

escolares de 2010 e os números para 2011 até o mês de maio (ver Anexo I e II). E

os números de 2010 mostram uma visitação maior nos meses de intensa atividade

escolar (principalmente nos meses de abril, maio, setembro, outubro e novembro),

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com um total de 560 visitas escolares (189 de escolas públicas e 371 de escolas

particulares) e um público escolar de visitas ao museu de 22.123, havendo ainda um

público do 17.288 crianças que usufruíram das coleções de empréstimo externos em

2010.

Para 2011 os número até maio mostram um público escolar de 15.149

(sendo 6.841 crianças de escolas públicas e 8.308 de escolas particulares). Os

números de escolas que visitaram o museu foram de 126 escolas públicas e 155

escolas particulares, totalizando 281 visitas até maio de 2011. Esses números são

extremamente expressivos para as análises deste trabalho, já que confirmam os

números de crianças que visitaram o museu em 2003, mostram a importância do

público infantil escolar urbano para o museu e a grande responsabilidade do museu

em ser realista nas representações dadas aos povos indígenas atuais.

O estudioso Mário Chagas (2007) nos resume a situação passada e

atual do Museu do Índio do Rio de Janeiro:

O Museu do Índio está em movimento. Criado para combater preconceitos, comouma espécie de filho temporão do movimento modernista brasileiro, ele sedesenvolveu com bases num discurso museal que combinou romantismo e projetocivilizador. Ao longo do tempo, passou por diversas crises, foi bem quisto e foipreterido, foi valorizado e foi estigmatizado, foi feito, desfeito e refeito; e, comoaconteceu com algumas populações indígenas, depois de quase extinto voltou acrescer e a reafirmar a sua identidade museal – uma identidade que também não estádada, mas que, ao contrário, se faz e se refaz permanentemente, ainda que semantenha, de algum modo, vinculada à chamada “causa indígena”, já agorareconfigurada. Nesse jogo de mudanças e de permanências, ele é e não é mais o queera antes. Com a renovação de suas práticas de mediação e de seus procedimentosmuseológicos e museográficos, o Museu alinha-se com as instituições que semovimentam na arena híbrida, resultante do cruzamento da museologia clássica comas novas posturas museológicas. Sem abandonar o seu papel político, ele se reafirmacomo instituição de memória social que trabalha com a diversidade culturalcontemporânea. (CHAGAS, 2007, p.194).

Assim, a visita de crianças da pré-escola ao Museu do Índio se justifica

no momento em que valoriza a cultura do “outro”, também formador da sociedade

nacional e tão desprezado no que diz respeito às pesquisas no ambiente escolar,

que ainda, de alguma forma, valorizam a cultura europeia e branca em detrimento

das afro-brasileiras e indígenas.

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2.4 - Experiência estética e o Museu do Índio:

Os caminhos de aproximação entre a cultura dos alunos urbanos de

educação pré-escolar e as culturas indígenas nacionais atuais podem ser trilhados

pela via do ensino das linguagens artísticas das peças produzidas pelas culturas

indígenas expostas no museu1. Uso aqui uma passagem de Alcídio M. de Souza

(1970) que mostra a grande importância pedagógica da arte e seu poder de

transformação do pensamento:

Quanto mais examinamos o lugar que a Arte ocupa e sempre ocupou nas atividadeshumanas, mais nos convencemos de sua importância. Não será ela, por acaso, omais considerável dos nossos meios de investigação e de comunicação? (SOUZA,1970, p. 62).

Assim como Platão, Comênico, Lascaris, o movimento Escolinhas de

Arte, Paulo Freire, Ana Mae Barbosa, entre outros, acredito nas vantagens

pedagógicas da atividade artística criadora e expressiva para a formação não

somente de um vocabulário estético, que auxiliaria à uma alfabetização artística,

mas também como contribuição ética e humanizadora para os educandos.

As obras de arte parecem ser objetos especialmente facilitadores da

ação pedagógica, pois mostram que as peças artísticas criadas por um povo nos

dão os caminhos para nos aproximarmos e conhecermos, mais claramente, seus

fazeres, suas maneiras de pensar e viver. A educadora Anamelia Bueno Buoro

(1998) nos dá uma passagem que pode esclarecer este ponto:

...uma obra de arte não é apenas um objeto de apreciação estética; é fruto de umaexperiência de vida desvelada pelo processo de criação do artista e pelo sistema designo da obra. Partilhamos da sua criação quando no momento da leitura somosinterpretantes, criando signos-pensamentos, habitando a obra, recriando-a. (BUORO,1998, p. 31).

1 Sei que as representações dadas pelo museu não são totalmente “neutras” em suas significações, porém, namedida em que os próprios grupos representados ajudam no planejamento e na construção das exibições,acredito que essas significações estejam mais próximas da realidade do grupo representado.

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Também, uso aqui uma passagem de Ana Mae Barbosa (1989), em

seu texto Arte-Educação no Brasil: Realidade hoje e expectativas futuras, sobre a

importância das peças de arte para a compreensão da forma de viver de uma

sociedade. Esta passagem condiz perfeitamente com as intenções deste trabalho:

Nossa concepção de historia da arte não é linear mas pretende contextualizar a obrade arte no tempo e explorar suas circunstancias. Em lugar de estar preocupado emmostrar a então chamada evolução das formas artísticas através dos tempos,pretendemos mostrar que a arte não está isolada de nosso cotidiano, de nossahistória pessoal. Apesar de ser um produto da fantasia e da imaginação, a arte nãoestá separada da economia, política e dos padrões sociais que operam na sociedade.Idéias, emoções, linguagens diferem de tempos em tempos e de lugar para lugar enão existe visão desinfluenciada e isolada. Construímos a História a partir de cadaobra de arte examinada pelas crianças, estabelecendo conexões e relações entreoutras obras de arte e outras manifestações culturais. (BARBOSA, 1989, p. 178).

Ainda, o museu aparece como um dos lugares mais recomendados

para esta aproximação cultural, por ser lugar “neutro” para ambas as partes, pois

não é na casa (lugar da família) do aluno e nem na aldeia do indígena (casa do

índio) onde o contato se dá, mas em um espaço de exposições que facilita e

direciona representações sobre os objetos e as culturas vistas e experienciadas.

A importância de mostrar os artefatos estéticos exibidos no museu

como artefatos culturais está na centralidade atual dada aos aspectos culturais como

formadores de identidade. E neste período da vida, de 3 a 5 anos e 11 meses, que

as crianças estão notadamente formando e sedimentando os princípios de suas

identidades é que essa experiência de entendimento e contato com culturas

“diferentes” podem ser bastante proveitosos. Uso aqui uma passagem da

pesquisadora em Educação Karyne Dias Coutinho (2007) sobre este ponto dentro

das teorias do intelectual inglês Stuart Hall:

Neste ponto, é importante referir os estudos de Stuart Hall, que se refere àcentralidade da cultura em tempos de pós-modernidade. Ainda que este autor nãotrabalhe diretamente com as culturas infantis, suas importantes contribuições teóricasnos ajudam a melhor entender que as identidades, inclusive as infantis, nascem detrocas entre, por um lado, os conceitos que são representados para nós, pelosdiscursos de uma cultura e, por outro lado, nossos desejos de assumirmos asposições de sujeito construídas para nós por estes discursos. (COUTINHO, 2007,p.43).

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Portanto, o museu pode ser um importante lugar onde a Arte encontra

a criança, onde a criança possa, criticamente, ver os objetos estéticos de outras

culturas como containers de informações sobre os vários grupos nativos brasileiros.

Uso aqui uma passagem de Elisabeth Seraphim Prosser (2009) sobre esse uso da

Arte como meio de informação:

...a Arte aparece também como mediadora do conhecimento, pois ao observar o seumundo e ao reelaborá-lo por meio de sua própria criatividade e imaginação a criançaaprende a compreendê-lo e a relacionar-se com ele. (PROSSER, 2009, p.13).

O museu se mostra, assim, com todo seu potencial educador e

aproximador de culturas, um verdadeiro laboratório de experiências e vivências. O

museu etnológico, neste caso o Museu do Índio do Rio de Janeiro, deixa de ser

somente um lugar com o fim de instruir o visitante e passa a ser um lugar de

encontro, diálogo e aconchego entre culturas distintas, principalmente as

esteticamente ricas culturas dos povos brasileiros.

A pesquisadora das culturas dos índios nacionais Berta Ribeiro (1991)

nos informa sobre a riqueza estética das produções dos indígenas brasileiros. E é

através desta riqueza estética que se espera sensibilizar as crianças da educação

infantil:

Nos campos das expressões gráficas e plásticas, a criatividade estética do índiobrasileiro se estende, além do corpo, à ornamentação da vivenda e dos objetos.Trata-se de uma reiteração de motivos e significados semânticos aplicados aoembelezamento da casa, da cerâmica, à estrutura dos tecidos e trançados, àpirogravura da superfície das cuias, à pintura dos utensílios de madeira e dosimplementos de trabalho. Essa iconografia confere homogeneidade visual ao universotribal que milita em favor da singularização étnica. (RIBEIRO,1991, p. 155).

Os povos indígenas brasileiros demonstram uma preocupação

“estética”1 para além do seu valor de uso dos objetos produzidos por eles. Esses

objetos, também, identificam o artesão que os produziu e a sociedade da qual eles

1 A palavra “estética”, apesar de ser um termo de criação e uso Ocidental, aqui é usada comoqualidade de beleza de um objeto, beleza esta que se “confunde” com “inteireza” nas culturasindígenas. Por faltar termos precisos na literatura especializada que trata de qualificar as criaçõesartísticas indígenas, optei pelo termo “estética”. Assim, “estética” não deve ser considerada aquisomente como um ramo da filosofia ocidental que trata dos assuntos de beleza em Arte, mascomo uma qualidade de beleza.

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são cultura material. Utilizo aqui uma passagem de Berta Ribeiro que mostra esse

“cuidado” indígena na produção de sua cultura material. Produção material essa que

ela não se acanha em chamar de “arte”:

A arte impregna todas as esferas da vida do indígena brasileiro. A casa, a disposiçãoespacial da aldeia, os utensílios de provimento da subsistência, os meios detransporte, os objetos de uso cotidiano e, principalmente, os de cunho ritual estãoembebidos de uma vontade de beleza e de expressão simbólica. Estas característicastransparecem quando se observa que o índio emprega mais esforço e mais tempo naprodução de seus artefatos que o necessário aos fins utilitários a que se destinam; equando passa horas a fio ocupado na ornamentação e simbolização do próprio corpo.Neste sentido, a arte indígena reflete um desejo de fruição estética e de comunicaçãode uma linguagem visual. (RIBEIRO: 1989, p.13).

No entanto, para poder compreender as criações estéticas e culturais

dos indígenas nacionais é necessário que deixemos de lado nossas concepções e

estereótipos sobre os índios para podermos “entrar em suas culturas” e tentar

compreender toda sua riqueza. Utilizo novamente uma passagem de Prosser (2009)

para definir esta abertura ao conhecimento em relação ao “diferente”, que deve ser

compartilhada com as crianças:

...para podermos compreender as manifestações culturais e artísticas de outrosgrupos, mesmo as do nosso próprio país, precisamos nos despojar dos nossosmodelos e da pequenez do nosso mundo particular. Precisamos nos abrir paraobservar e, especialmente, para compreender as razões que levam tal comunidade adançar e a cantar assim, ou de outra maneira. Necessitamos de humildade para nãoafirmarmos que somos mais adiantados tecnologicamente e que, portanto, não temosnada a aprender com os outros. Devemos tentar entender, descobrir as minúcias,experimentar as emoções e as visões de mundo daqueles que não conhecemos.(PROSSER, 2009, p. 65).

Assim, o conhecimento do “outro” depende, primeiro, de nossa

abertura ao conhecimento novo, e, segundo, de nossa humildade em verificar que

cada grupo social faz as coisas de sua maneira, sem existir certo ou errado,

entendendo que a análise destes grupos depende de parâmetros culturais diferentes

dos nossos. Entretanto, os belíssimos objetos indígenas nas exposições do museu

fazem com que o trabalho de conhecimento e valorização das culturas indígenas se

torne um aprender com prazer para as crianças e não uma obrigação conteudista.

Portanto, compreender que os conceitos da Arte ocidental não podem

fazer completo sentido dentro de um contexto indígena já é um grande passo para

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nossa análise, pois nos faz livres de barreiras previamente impostas para a

compreensão estética de qualquer belo objeto produzido por culturas fora da

tradição ocidental. Assim, livres de imposições estéticas as crianças podem

conhecer o “outro” pela via do “belo” produzido pelos indígenas nacionais, um “belo”

próprio e único em sua beleza e características sócio-culturais.

2.5 - A pesquisa no Museu do Índio e seus resultado s analisados:

A partir de uma visita de pesquisa prepara especialmente para este

trabalho, busquei conseguir informações dos funcionários do referido museu sobre

as crianças em idade de educação infantil que visitam o Museu do Índio. Mantive

contato com o Núcleo de Atendimento ao Público Escolar (NUAPE) , do Serviço de

Atividades Culturais do museu, nas pessoas de Denise e Natália. Denise é

responsável por agendar as visitas dos grupos ao museu e de recebê-los, sendo ela

o primeiro contato da instituição com o público interessado na visita. Natália organiza

o blog1 de visitas ao museu com os feedbacks dos visitantes e lida com os

empréstimos de materiais etnográficos para as escolas. As escolas são pedidas a

informarem a maneira como utilizaram os objetos de empréstimo. O museu recebe

um grande número de grupos escolares de educação infantil e do ensino

fundamental.

Denise e Natália me informam que as crianças de educação infantil e

do ensino fundamental se interessam muito pelos relatos mitológicos das

exposições, pela contação de histórias (na verdade são histórias indígenas) que

acontece aos domingos, pelo contato com os indígenas que trabalham no museu,

entre outras coisas. Natália me mostra o material que pode ser emprestado às

escolas: publicações acerca das várias etnias indígenas, malas com jogos pensados

para as crianças e baseados nas culturas indígenas e caixas de plástico branco com

artefatos etnográficos. As figuras 2 e 3 mostram uma mala de jogos.

1 O website é: mindioescola.blogspot.com

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Nas caixas de plástico (kits) com materiais etnográficos de empréstimo

estão: cestos coloridos guaranis, estojo de palha Wajãpi, tipóia em fios de algodão

Suruí, abano colorido Guarani, cesto vazado Xingú, chapéu em palha Apurinã, cesto

bolsiforme Krahô, cestinho bolsiforme Karajá, pente Karajá, cuia Wajãpi, cestos em

palha Suruí, cigarro em palha Wajãpi, vassoura Apurinã, colar de cabaça Parkatejê,

tiara emplumada Wajãpi, coifa emplumada Karajá, machadinha Guarani, anzol

Wajãpi, mini-borduna Krahô, cintos em fios de algodão Xingú, além de flechas, tipitis,

entre outros objetos.

As duas funcionárias me informaram que o museu tem, durante os dias

de semana, em média, oito grupos de crianças por dia. Cada grupo pode ter entre 10

a 50 crianças, em média. Entretanto, para a visitação, cada guia com o auxílio de um

professor ou acompanhante, orienta no máximo 25 crianças por vez.

Fui convidado a acompanhar a visitação de um grupo de crianças entre

6 e 8 anos da Escola Municipal (do Rio de Janeiro) Barão Homem de Melo1 para ter

uma melhor visão de como funcionam as visitas de crianças ao museu. Apesar de

não ser uma turma de educação infantil, a qual este trabalho se refere, aceitei o

convite para verificar as técnicas utilizadas para a explicação dos objetos expostos,

já que as visitas seguem o mesmo padrão de roteiro, como me foi explicado pelas

guias.

As crianças, antes de terem acesso às exibições, tem uma explicação

de um indígena (no dia 21 de junho de 2011 o indígena responsável por esta

primeira explicação foi Xumayá, da etnia Fulni-ô, nascido em uma aldeia do

município de Águas Belas - PE) sobre o que é ser índio hoje em dia. Neste primeiro

contato com um indígena, vestindo o uniforme do museu e alguns adereços

1 A Escola Municipal Barão Homem de Melo é uma escola da rede pública de ensino do município do Rio deJaneiro, localizada na Zona Norte da cidade, no bairro de Vila Isabel, uma área de classe média com váriasfavelas, e muito conhecida por sua tradição musical. Vila Isabel é o berço do compositor Noel Rosa e abrigaa escola de samba Unidos de Vila Isabel, referências importantes na vida cultural do bairro.

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corporais específicos de sua etnia, as crianças já ficam surpresas em perceber que

os índios já não andam somente pelados ou pintados e que falam português.

Xumayá me informou que as crianças chegam ao museu com uma representação

dos indígenas como pessoas que andam nus nas florestas, como nas ilustrações

dos livros didáticos.

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Essa explicação de um índio, “urbano” como eles, já destrói a visão

equivocada do indígena dada pelos livros didáticos, como mostrado no artigo de

Eunícia Fernandes (2009), e que povoa o imaginário escolar. Xumayá lhes explica

que há vários grupos indígenas brasileiros (etnias), cada um com seus traços

culturais bem marcados e distintos; diz que o que está nos livros didáticos não

corresponde à realidade indígena atual; informa que os índios podem falar por eles

mesmos, ou seja, sem interlocutores; que a diversidade linguística indígena é muito

grande e que palavras como “oca” e tupã” não existem em várias línguas indígenas.

Noto que as crianças ficaram muito atentas às explicações de Xumayá. Creio que

começa ai a desconstrução das representações errôneas sobre os grupos originários

brasileiros.

Ele continua falando de como os indígenas educam as crianças nas

aldeias, mostrando uma lógica indígena própria de educar as crianças e diferente da

conhecida pelas crianças das cidades; que os mais velhos são os mais respeitados

dentro das aldeias porque levam consigo a sabedoria cultural de cada grupo, que

deve ser passada de geração a geração; e que os pais não batem nas crianças,

porém as ensinam de uma forma particular.

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Como exemplo de educação indígena, Xumayá conta que um menino

gostava de quebrar as panelas de cerâmica produzidas pela mãe. A mãe lhe disse

que isto era errado e que iria falar com o pai do menino sobre isso. O pai reuniu toda

a família e mandou que todos fizessem panelas de cerâmica para que o menino as

quebrasse. O menino quebrou tantas panelas que ficou cansado e sem mais

vontade de quebrar panelas. Ou seja, o aprendizado de que quebrar panelas é

errado foi passado, porém pela via da própria experiência cansativa de quebrar

panelas. Essa história já demonstra a diferença de mentalidade em relação à

educação das crianças indígenas e das crianças urbanas. Portanto, há uma lógica

indígena diferente da nossa em relação às formas de aprender e passar conteúdos.

Uso aqui uma passagem da pesquisadora da Universidade do Estado

do Mato Grosso (UNEMAT) e indígena Francisca Navantino Paresi (2011) sobre o

método de ensino-aprendizagem indígena para exemplificar o que disse Xumayá:

...os sistemas educativos indígenas são processos tradicionais de transmissão eaprendizagem de conhecimentos nos quais os mestres são a família e o contextosociocultural da comunidade. (PARESI, 2011, p.53).

Xumayá repete que os índios dão muito carinho aos idosos, pois eles

são os pilares da cultura indígena e fala de sua etnia Fulni-ô, informando que é uma

das maiores do Brasil, com uns 6.000 indígenas.

As crianças, depois das explicações de Xumayá, procedem à visita das

exposições. O grupo de alunos da escola Barão Homem de Melo tinha 49 crianças e

foi dividido em dois: um com 24 e outro com 25 alunos. Juntei-me ao grupo com 25

crianças acompanhadas pela guia Verônica.

É importante ressaltar aqui que o museu trabalha mudando suas

exposições, sem um acervo constante de objetos, o que aumenta o interesse dos

visitantes e a possibilidade de mostrar culturas de etnias diferentes. O grupo visitou

2 exposições: uma exposição etnográfica sobre os Karajás chamada Hetohokã: O

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Ritual da Casa Grande; e a exposição A Presença do Invisível: Vida Cotidiana e

Ritual entre os Povos Indígenas do Oiapoque, referente aos grupos indígenas do

norte do Estado do Amapá. Também foi possível ter contato com a exposição

fotográfica Ijasó: Os Aruanãs, exposta nos muros externos do museu. Esta última

exposição se coloca como um cartão de visitas e um convite a visitarem o museu,

para além de ser uma exposição de fotografias de grande qualidade cultural e

estética sobre os Karajás.

Começamos a visita pela exposição dos Karajás (povo Iny Mahãdu),

onde as crianças puderam ter contato com o rito de passagem da vida adolescente

para a vida adulta dos meninos (Hetohokã) e com as vestimentas femininas das

meninas-moças (Ijadokomã) que tem como objetivo agradar esteticamente os

Aruanãs (espíritos) durante a cerimônia. Aqui já notamos a importância da beleza

dos artefatos culturais para a vida ritual dos grupos indígenas, como podemos

verificar nas figuras abaixo.

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As crianças têm a explicação de que o Hetohokã é a festa dos

meninos, a partir da qual os meninos aprendem tudo que os homens adultos fazem,

como pescar, caçar, etc, enfim, todos os “segredos” dos homens adultos. A guia

chama bastante atenção para os adereços corporais dos Karajás e fala sobre as

diferenças entre a maneira de vestir feminina e a masculina. As crianças se

interessam em saber qual é a idade dos meninos no rito de passagem, e a guia

responde como sendo 12 anos, mais ou menos.

As crianças também ficam curiosas com o “grandes chapéus de penas”

(figuras 6 e 28) masculinos e são informadas que esses chapéus têm um significado

simbólico para agradar aos espíritos e que servem, também, como “enfeites” (de

caráter estético).

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A guia deixa claro que os índios mostrados no filme de apresentação

da cerimônia do Hetohokã também trabalham, estudam e se vestem como nós,

assim como Xumayá, que eles conheceram. Essa explicação vem bem a calhar para

desmistificar a imagem do índio como ser “selvagem”, “sem roupa” e que não

trabalha e não vive “como nós”.

Saindo da exposição Karajá, as crianças visitam a casa indígena feita

nos jardins do museu (figuras 7 e 8) e se interessam pelos materiais de construção

das casas. São informadas que as casas são construídas exclusivamente com

materiais naturais dos quais dispõem os índios e que esses materiais e métodos de

construção fazem parte de suas culturas.

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Depois de visitar a habitação indígena, a guia nos leva à exposição dos

índios do Oiapoque1, habitantes da área norte do Estado do Amapá, sendo eles os

Galibi do Oiapoque, os Karipuna, os Palikur e os Gailibi-Marworno. A guia pede para

que as crianças se sentem nos bancos indígenas em formato de cobra no Lakuh (ver

figura 9; espaço sagrado para a realização do Turé2) reproduzido na exposição e

lhes explica o mito de caráter cosmológico de Kayeb, um ser sobrenatural (uma

cobra bicéfala) que se transforma em constelação. As crianças parecem encantadas

com o mito Palikur e um menino pergunta: “Como a cobra se mudou para o céu?”. A

resposta da guia é: “Por mágica!”. Essa resposta instigou o imaginário fantástico

das crianças sobre os mitos indígenas.

1 Segundo a pesquisadora Lux Vidal os indígenas do Oiapoque são grupos com identidades culturais distintas:“Os povos indígenas do Oiapoque são o resultado de várias migrações e fusões, umas antigas e outras maisrecentes, de grupos portadores de tradições culturais heterogêneas, histórias de contato e trajetóriasdiferenciadas, línguas e religiões também diversas. Acrescenta-se algo mais complicado, todaviafundamental: a avaliação que cada um dos grupos faz de si mesmo e dos outros no processo de construção ereprodução das identidades específicas e coletivas.” (VIDAL, 2009, p. 57).

2 O Turé é uma celebração onde o pajé, sentado em seu banco em forma de ave e tocando maracás, chama osespíritos encantados a descer no Lakuh. Os papagaios, as garças e os pombos (warami) ajudam a chamar aspessoas para o Turé quando tudo está pronto para a festa: a sala, os bancos, o mastro e as pinturas.

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Depois da visita ao Lakuh, a guia os leva a uma pequena sala com

água corrente e um teto cheio de estrelas artificiais onde ela melhor explica o mito

cosmológico de Kayeb1. Neste ponto, noto que as crianças estão absortas no relato

mágico da cosmologia Palikur.

1 O mito cosmológico Palikur de Kayeb se refere a uma cobra bicéfala que foi abitar no céu como duas estrelase que, na época das chuvas, essas estrelas podem ser vistas. Essas duas estrelas fazem parte das sete estrelasda constelação Laposiniê, parte das sete estrelas da cobra de sete cabeças da qual Kayeb faz parte.

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O grupo segue, então, para a sala dos chapéus. Na sala, com uma luz

fraca e “misteriosa”, o relato da guia faz com que as crianças fiquem interessadas,

curiosas e caladas para melhor escutar o que é dito. Os chapéus são usados no

Turé e servem como guardas espirituais. Na sala estão expostos outros ornamentos

plumários, como pingentes e coroas radiais (ver figuras 11, 12 e 13). As crianças

ficam impressionadas com os materiais empregados para a confecção dos chapéus,

entre estes materiais estão cascas de besouros, que fazem um barulho peculiar

quando se chocam umas com as outras.

Figura 11 – Adorno de cabeça com uso de cascas de besouros.

É importante para este trabalho mostrar que estas peças de chapelaria

e ornamentação plumária, para além de seu colorido e do variado e inusitado uso de

materiais em sua composição, demonstram o verdadeiro sentido indígena de

“beleza”. São peças esteticamente bem estruturadas e trabalhadas, e vão além de

seu uso cerimonial de unir o visível e sensível ao invisível e sobrenatural.

Da salas de chapéus partimos para a sala de cerâmica, onde um vídeo

mostra desde a coleta da argila no fundo do rio até a queima da peça seca (ver

figura 14). As crianças parecem muito interessadas pelas informações fornecidas

pelo vídeo e pela explicação da guia. Um aluno dá a sugestão às professoras de

trabalharem com argila e produzirem objetos de cerâmica na escola.

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Figura 15 – Objetos da casa do pajé usados para curas.

Passamos rapidamente pelas salas de escultura, pintura corporal,

bancos e cestarias e fomos para a “casa do pajé”. A “casa do pajé” era uma

representação da casa de um pajé, com os objetos necessários aos diagnósticos e

curas dos enfermos, além de ser um lugar ritualístico onde o pajé atende os

enfermos e pessoas com problemas. Foi interessante notar que, para além dos

objetos indígenas havia imagens de santos e do divino, mostrando já influências das

religiões cristãs. Também, estavam ai os troféus que os índios haviam conquistado

em competições de futebol contra outros indígenas. As crianças notaram que na

casa do pajé não havia sofá, mas um banco em forma de jacaré (ver figura 16).

A guia pediu para que as crianças, de uma posição específica na sala,

gritassem “Aparece pajé!” enquanto uma imagem de sombra de um índio fumando

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um cachimbo se deixava ver em uma tela de pano. A visita terminou nesse ponto,

com as crianças agradecendo à guia e indo lanchar no jardim.

Figura 16 – Objetos da casa do pajé: banco zoomorfo, cestarias e cuias.

Assim, foi interessante ver como se processou a visita guiada das

crianças. Apesar de não ter sido uma visita com crianças de educação infantil, o

modelo de visita segue os mesmo parâmetros e os guias com quem falei me

informaram que não se notam diferenças marcantes de comportamento ou

comentários entre crianças dos últimos anos de educação infantil e as dos dois

primeiros anos de ensino fundamental.

Obtive, também, informações referentes à penumbra de alguns

ambientes, algo que dá à exibição um certo aspecto de “magia” e “mistério”. Os

guias me informaram que algumas crianças já choraram por causa desta penumbra,

pois estavam com medo de entrar em um ambiente tão fechado e escuro.

As professoras me informaram que, após a visita ao museu, elas

fariam as seguintes atividades com as crianças: desenhos livres, pinturas, cerâmica,

ditados de palavras relacionadas à visita e exercícios de expressão oral acerca da

visita.

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Constatei que estas visitas das crianças mudam suas maneiras de

pensar sobre quem é o índio e como vivem hoje. Para além da mudança de

representação acerca do indígena nacional, as crianças se encantam com o aspecto

mágico dos mitos (exemplo disto foi visto com o mito cosmológico de Kayeb). No

entanto, acredito que esta penumbra das instalações e o foco no aspecto mágico

dos ambientes distanciam as crianças das verdadeiras representações indígenas

como pessoas que vivem, trabalham e estudam, como nós.

O aspecto estético dos artefatos e da influência desses aspectos junto

às crianças pode ser visto, por exemplo, na explicação sobre os chapéus. Por si só,

as cores das plumagens, os tamanhos dos artefatos e os materiais inusitados

causaram surpresa às crianças. Ficaram quietas para admirar a beleza desses

objetos e para ouvir as explicações da guia sobre eles. Tenho que dizer que poucos

foram os momentos de absoluto silêncio por parte das crianças.

Apesar do museu estar razoavelmente preparado fisicamente para

receber as crianças (exemplos disto são as cadeiras e mesas infantis e degraus

largos para o bebedouro, ver figuras 17 e 18), as exposições parecem não serem

pensadas para as crianças, o que não me parece lógico, já que o grande público do

museu é basicamente de crianças. A penumbra deveria ser retirada dos ambientes

de exposição, por exemplo, buscando-se uma iluminação mais natural.

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Também, o exterior do Museu do Índio é um lugar agradável, com uma

certa atmosfera bucólica, pelo bem cuidado casarão antigo que abriga as exposições

e pelos belos jardins laterais. A casa de palha e a contação de histórias indígenas

aos domingos são mais dois atrativos interessantes para as crianças.

A pergunta aqui a ser respondida é: “O museu muda as visões das

crianças sobre os índios pela via estética?”. Pelo que vi e analisei, a resposta seria:

“Sim”. O museu parece ser bem sucedido em mudar as representações das crianças

acerca dos indígenas nacionais. E isto acontece com elementos simples: o contato

com um indígena real, com roupas ocidentais e falando Português, o que faz com

que as crianças se desliguem da visão errônea dos índios dos livros de história; e os

belos objetos exibidos no museu, que fazem com que as crianças realmente se

interessem pelas cores, formas, linhas, texturas, materiais e outros aspectos

estéticos das criações indígenas. Para exemplificar esta riqueza estética dos

artefatos, coloco aqui algumas figuras de trabalhos expostos no museu que

confirmam este meu entendimento:

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As belas peças indígenas mostradas anteriormente afirmam a

grandeza artística dos indígenas brasileiros, grandeza esta que mescla valores

estéticos com vida cotidiana, com cosmologia, com uma rica mitologia, com

costumes diversos, com línguas variadas, entre outros aspectos culturais, e que

reforçam a certeza de que os indígenas brasileiros são mais que homens e mulheres

selvagens, nus e de corpos pintados que aparecem nas imagens dos livros

escolares. A exposição mostra que os indígenas de hoje são cidadãos conscientes

do valor de suas culturas e suas tradições, visão esta que as crianças aprenderam

no museu e devem reforçar na escola.

Uso aqui duas passagens do índio Anápauáka Muniz, da etnia

Tupinambá, da aldeia Água Vermelha na Terra Indígena Caramuru Catarina

Paraguaçu (BA), retiradas do artigo de Christiane Pires (2011) intitulado Bits e

maracás: a apropriação das novas tecnologias pelos indígenas:

Aos que pensam que nós deixamos nossas raízes por usarmos roupas, celulares,internet e tantas outras coisas só tenho uma coisa a dizer: sejam bem-vindos àrealidade! Nós aprendemos a usar as ferramentas de vocês, mas nunca perdemos anossa essência. (ANÁPAUÁKA apud PIRES, 2011, p.10).

E a outra passagem:

Estamos na era digital, na era do Facebook, do Twitter. Podemos gerar nossoconteúdo com elas, e com isso será mais fácil para vocês, “brancos”, entenderem acultura indígena como algo já presente no cotidiano social de vocês. Essedistanciamento da sociedade em relação ao índio começa a diminuir. A visãoromântica e mística do índio dá lugar à visão do índio contemporâneo, que pode siminteragir com o mundo do “branco”, sem deixar suas origens de lado. (idem, p. 13).

Essas colocações de Anápauáka Muniz vão de encontro ao que um

museu dedicado ao indígena deve buscar: o fim do romanticismo e da magia em

relação à tudo que é indígena (daí o fim da penumbra nas exibições, que dá uma

atmosfera de mistério e distanciamento em relação aos objetos indígenas); uma

compreensão da contemporaneidade dos vários grupos indígenas (eles estão ai

hoje, fazem parte de nossa sociedade nacional e utilizam novas tecnológicas); um

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entendimento de que os indígenas podem, eles mesmos, contar suas próprias

histórias, pensamentos e fazeres; a importância do trabalho e respeito intercultural; e

que o Museu do Índio ser um lugar de afirmação étnica dos mais diversos grupos

indígenas brasileiros.

Uma questão interessante a ressaltar é que tanto o indígena que tem o

primeiro contato com as crianças, quanto as guias, se utilizam, primordialmente, da

linguagem falada para explicar os aspectos visuais e auditivos das exposições. O

visual é de extrema importância nesta visita, principalmente porque se deseja

ressaltar um caráter estético que seja educativo. Contudo, o uso da linguagem é

fundamental nas explicações das guias e para a compreensão das crianças. Uso

aqui uma passagem de Fernando Wolff Mendonça (2009) sobre a importância da

linguagem para que as crianças criem representações das culturas indígenas

corretas e coerentes:

Percebemos então que a linguagem, enquanto instrumento de transmissão da culturae dos saberes elaborados, transforma-se em instrumento de criação de um mundo derepresentação construído nas interações que a criança fará com sua [ou outra]realidade cultural. (MENDONÇA, 2009, p. 19).

Outro ponto interessante a mencionar seria a vasta utilização de

recursos audiovisuais de que o museu abre mão para informar seus visitantes. Para

as crianças este recurso é enriquecedor, pois a imagem aliada aos sons das

canções indígenas, em um ambiente que conectam as crianças à “morada” dos

índios e às músicas cantadas em línguas originais, oferece uma atmosfera mais

próxima possível à cultura indígena ancestral, sem romantizar o tema. Pude

observar este aspecto durante a visita à sala de cerâmicas, onde as crianças se

interessaram vivamente pelo vídeo mostrado (ver figura 14) e onde a exposição de

objetos era mais objetiva e direta, sem muitos artifícios museológicos de cenografia.

A análise de visitas infantis ao museu parece ser sempre positiva

porque resulta de uma participação na poética do mundo indígena, que mescla os

aspectos sobrenatural (não na penumbra!), utilitário e estético dos objetos. O que

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mais encanta a uma criança em vista a um museu do que, por exemplo, um banco

zoomorfo tão colorido como o da figura 23? Notei que elas paravam mais

longamente em frente aos objetos mais coloridos e com representações de animais,

o que somente confirma o interesse das crianças pelos objetos esteticamente mais

bem trabalhados e instigadores da imaginação infantil, incentivando, assim, uma

alfabetização visual pela experiência do ver e pelo treino do analisar.

Portanto, um museu, enquanto instituição cultural e criadora de

representações, deve ficar atenta a todos os aspectos museológicos usados para

“contar” uma história, e, devo reafirmar, o Museu do Índio do Rio de Janeiro conta

bem as histórias sobre os indígenas nacionais, porém deve ficar ainda mais atento

às penumbras “misteriosas” que, de certa forma, distanciam os visitantes, e preparar

as exposições pensando primeiramente no público infantil. O Museu do Índio pode

ter orgulho de conseguir atrair um público tão observador e especial como o público

infantil!

3 - Considerações finais:

O Museu do Índio do Rio de Janeiro nos mostra que o “nós” e o “outro”

participamos da mesma sociedade brasileira, apesar de traços culturais

aparentemente distintos, e que partilhamos de “...um mesmo lugar de pertencimento

em relação à denominada 'natureza humana'” (CHAGAS, 2007, p. 185).

Assim, as crianças da educação infantil podem fazer do museu uma

referência imagética de conteúdos indígenas enriquecedores e que as ajudarão a

respeitarem a diversidade cultural existente em nosso país. Portanto, o respeito pela

cultura dos “grupos diferentes” que compõem o Brasil deve ser exercitado, evitando-

se estereótipos, preconceitos e desinformação.

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É papel da escola incentivar nas crianças a curiosidade e a reflexão

sobre a importância dos povos indígenas como formadores e agentes da sociedade

nacional, aprendendo a valorizar as culturas materiais destes povos como sendo

também “nossa”, pois fazem parte deste “grande pote” cultural onde todos os grupos

étnicos estão misturados e que chamamos de “Brasil”.

Nessa ordem de ideias, uso aqui uma bonita passagem de um texto de

Maria José Lopes da Silva (2005) mostrando o importante valor da escola em

relação à informação que esta deve prestar a seus alunos, informação com cunho

crítico, ético e de valorização do diferente:

É lutando pela legitimação dos valores culturais do povo, que a escola poderáperceber toda a riqueza e complexa simbologia que o aluno traz. Sistematizar toda aessência estética da nossa cultura é fugir das armadilhas ideológicas do preconceitoe do recalcamento. (SILVA, 2005, p. 133).

Portanto, conhecer o “outro” através do “belo” (das peças de beleza

estética) produzido por este outro somente reforça o lado positivo de valorização da

cultura do “diferente”, que em nosso caso é o indígena nacional. Esse conhecimento

faz com que questionemos as representações dadas aos indígenas pela mídia e que

valorizemos sua imensurável contribuição à nação brasileira, nação de todos nós.

A presença do indígena, do negro, do branco e do mestiço no Brasil, os

principais grupos formadores e articuladores da cultura nacional, impõem à escola (e

a todas as instituições formadoras de cultura, assim como o museu) uma auto-

analise sobre ser um espaço genuíno de valorização dos diferentes grupos culturais

representados em nossa sociedade.

Portanto, no caso da educação infantil, a escola e o museu devem

trabalhar juntos para acabar com os preconceitos e valorizar a diversidade cultural e

étnica do Brasil. E o trabalho feito pelo Museu do Índio de desconstrução de

representações equivocadas acerca dos índios somente vem a reafirmar a

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necessidade de construção de maneiras mais realistas de pensar as culturas

indígenas, algo que a escola deve sempre buscar.

Uma escola que compreende os diferentes aspectos sociais em que

estão envoltos seus alunos e a diversidade de grupos culturais que a integram se

torna uma escola mais aberta a todos, mais aconchegante, e será sempre mais

produtiva enquanto respeitar a diversidade sócio-cultural de cada um de seus

integrantes.

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Page 51: O MUSEU DO ÍNDIO DO RIO DE JANEIRO E A EDUCAÇÃO INFANTIL: CONHECENDO “O OUTRO”

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5 - Anexos:

5.1- Anexo I- Números consolidados de visitas escol ares de 2010:

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5.2- Anexo II- Números de visitas escolares de 2011 até o mês de maio:

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5.3- Anexo III- Folha sobre os Karajás distribuídas às crianças de

educação infantil (frente e verso):

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