“o mundo É a nossa pÁtria”: a vida para …§ões os espaços onde se desenrolava a vida...

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C A P Í T U L O VII ======================== “O MUNDO É A NOSSA PÁTRIA”: A VIDA PARA ALÉM DAS FRONTEIRAS (A chegada e a presença dos imigrantes operários de Schio em São Paulo e no Brás fez com que a cidade e o bairro entrassem na rota internacional da força de trabalho industrial)

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C A P Í T U L O VII

========================

“O MUNDO É A NOSSA PÁTRIA”:

A VIDA PARA ALÉM DAS FRONTEIRAS

(A chegada e a presença dos imigrantes operários de Schio em São Paulo e no Brás fez com que a

cidade e o bairro entrassem na rota internacional da força de trabalho industrial)

Capítulo VII: “O mundo é a nossa pátria”: a vida para além das fronteiras.

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In fabbrica feci la conoscenza con un giovane italiano di idee anarchiche, si chiamava Romeo e mi dimostrò subito simpatia e benevolenza. Sovente nell’ora di colazione ci sedevamo insieme a consumare il misero pasto ed egli mi parlava di giustizia sociale e di anarchia. (Domenico Marchioro)

____________________________________________________________________________________________ 11.. AAss ffoorrmmaass ee aass ffrroonntteeiirraass ddaa rreessiissttêênncciiaa ooppeerráárriiaa Ao apresentarmos, nos capítulos anteriores, a trajetória constante dos trabalhadores através dos oceanos, partimos do pressuposto que o fizeram com o desejo de encontrar um lugar onde pudessem construir uma vida mais digna para si e para os seus familiares, se os tivessem. Às vezes o fizeram de forma, aparentemente, isolada, em outras ocasiões, estiveram explicitamente articulados como pudemos observar nos vários comboios que trouxeram os imigrantes de Schio. Entre a aspiração e a realidade, entretanto, havia um abismo. Sabiam o que estavam, no momento da despedida, abandonando. E o deixavam porque não lhes convinha mais. O que os esperava? Uma grande incógnita que, como vimos, na maioria das vezes não satisfez. O mundo industrial havia transplantado sua condições de trocas em todas as partes onde conseguira implantar-se. Era, portanto, onipresente. Abandonar Schio e vir para o Brás mostrou-lhes, na prática, que pouco adiantou. Lá e aqui encontraram tudo muito similar: normas, multas, salários, cortiços, carestia e morte. Essa constatação parece ter politizado a compreensão do papel da imigração. Entretanto, a sociedade industrial tinha aberto as fronteiras para permitir o livre fluxo [capitais, mercadorias e força de trabalho] o que garantia aos trabalhadores a possibilidade de não se deixarem aprisionar pelos intentos do capital – como soía acontecer, ainda, com os servos da gleba em algumas áreas do globo. O capital também se movia no sentido de circunscrever o quanto podia o movimento dos trabalhadores, inclusive físico, através da fundação e incentivo a instituições de diferentes naturezas que interferiam e buscavam-lhe dominar a alma. Não é por menos que a resistência sempre esteve associada ao agnosticismo e ao anticlericalismo.1 Por isso, entendemos ser importante compreender a mobilidade – aqui amplamente enfocada não somente como processo coletivo, mas também como parte de cada uma das histórias de vida desses trabalhadores – como um instrumento de resistência à superexploração. Se virmos os processos migratórios apenas como busca do “Eldorado” ou como simples fuga das condições precedentes, não admitimos que os trabalhadores ao decidirem romper já tomaram consciência da inadequação daquelas relações para sua vida. Portanto, já realizaram aí um ato político, uma tomada de posição. Ao se confrontar com as mesmas condições, alhures, perceberam sua universalidade. Foi nessa esteira que se instituiu, a partir da última década do século passado uma rede de contatos epistolares, viagens intercontinentais, e encontros organizados entre trabalhadores que passaram por essas mesmas experiências em várias partes do mundo industrializado. Os imigrantes trabalhadores de Schio que passaram pelo Estado de São Paulo, pela Capital e pelo Brás, principalmente, estiveram plenamente integrados nesse circuito. Como isso aconteceu?

Antes de responder a essa questão, sem querer adentrar na discussão teórica sobre uma possível antinomia que poderia existir entre os conceitos de “resistência” e “revolução”, queremos esclarecer que entendemos o primeiro como resultado de cada uma das formas de reação operária – e dos trabalhadores em geral - à exploração e à dominação do capital,

1 É muito interessante o que Bandeira Júnior escreve a propósito do papel desempenhado no contexto de expansão industrial da

cidade de São Paulo pelo Liceu “Coração de Jesus” (Campos Elíseos), dirigido pelos padres “salesianos”, do início do século: Ninguem que estuda o nosso desenvolvimento industrial, deixará sem grave injustiça de referir-se ao Lyceo do Sagrado Coração, que, a começar pelo templo, verdadeiro prodigio de arte e attestado eloquentissimo e immorredouro da caridade paulista, até a sua derradeira officina, constitue um objecto de ufania e orgulho para o nosso povo, que tão efficazmente tem coadjuvado os incansaveis Salesianos; o orpham penetra naquelle santuario, baldo de conhecimentos e sae instruido e preparado para ganhar a subsistencia e quiçá a independencia e a fortuna. Tudo se ensina no Lyceo. O alumno não é forçado a adoptar um officio contrario á sua vocação, pois que lá, todos são desenvolvidamente ensinados. Não é mistér ennumerar as officinas, basta dizer que todas existem annexas ao curso completo de humanidades. O Lyceo do Sagrado Coração é uma verdadeira fabrica de operarios, alicerces da industria do futuro. (Grifos do autor). BANDEIRA, JÚNIOR op. cit., p. XXVIII.

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incluindo aí, portanto, o deslocamento espacial voluntário. A “resistência” constituía-se num conjunto de ações pontuadas ou articuladas às vezes num grande movimento que partia sempre do princípio de autodefesa, de contestação aos efeitos da industrialização e até mesmo da destruição do próprio sistema que a engendrou. Ações que podiam expressar-se até através de atitudes individuais, aparentemente isoladas, mas que refletiam a disposição, a força e o conhecimento dos trabalhadores em não submeter-se integralmente aos ditames dos interesses dominantes. Sem querer eliminar ou reduzir a dicotomia existente entre a luta ou o puro desdém, a palavra ou o gesto, a greve ou a morosidade produtiva2, etc. Assim como o capital – fiel à sua natureza universal – que estendeu seus tentáculos e raízes em todos os cantos da existência, a “resistência”, partilhando da mesma existência (convivência) - também o enveredou, buscando, contudo, delimitá-lo. Contrapôs-se-lhe ao permear de palavras, gestos e ações os espaços onde se desenrolava a vida operária - no interior das fábricas, nos bairros, nas ruas e nos locais de moradia – conferindo-lhe uma visão própria das relações dos homens entre si e destes com o mundo. Talvez, mais que quaisquer outros atores políticos daquela época, os anarquistas tenham entendido melhor tanto a dinâmica do capital quanto a da resistência operária. A convivência deles com os operários e, mais tarde, com os imigrantes de Schio foi muito intensa, pois na “Manchester d’Italia” a experiência de luta contra o domínio do capital já havia se iniciado algumas décadas antes da chegada deles no Estado de São Paulo. Domenico Marchioro, pequeno operário têxtil, conhece na fábrica de Petrópolis o anarquista Romeu. Desse encontro nasceria uma grande amizade, capaz de influenciar o menino que se tornaria, num futuro não muito distante, um combativo e renomado ativista da esquerda italiana.3

Ma io ero ancora troppo ragazzo per trarne qualcosa di concreto. La sua propaganda, tuttavia, esercitò una certa influenza sulla mia coscenza di classe che andava delineandosi vagamente attraverso le mie dure esperienze trascorse.4

Mas os operários escledenses ao chegarem aqui, depararam-se já com uma incipiente imprensa anarquista que, por sua vez, passou a desenvolver um papel importante não somente de denúncia do sistema Capitalista, mas também de articulação e comunicação entre eles. É ainda Marchioro quem nos fala a respeito quando escreve que:

Si era ormai alla fine del secolo e per le esperienze vissute mi sentivo già un ometto.

Romeo riceveva un giornaletto anarchico dal titolo “Avanti!” che si stampava saltuariamente a San Paolo. Lo faceva Oreste Ristori, un toscano abbastanza noto nel movimento anarchico del tempo. L’amico ce lo leggeva con enfasi, e noi ascoltavamo rapiti quell’infiammata lettura

2 Atos cotidianos que variavam desde a ausência contínua ao trabalho, o longo período de permanência no banheiro da empresa

como formas de manter ainda controle sobre o próprio tempo e negar a sua completa alienação; a indisposição para o trabalho extraordinário, como modo de preservar as próprias forças físicas e mentais; até atos de sabotagem tão comuns como eram presenciados com freqüência que visavam interromper abruptamente o processo produtivo e quebrar a força do capital personificada nos equipamentos industriais.

3 O Diretor do “Calendario del Popolo”, Giulio Trevisani assim escreve sobre a pessoa de Domenico Marchioro: È morto il 1o. Dicembre 1965 a Roma, Domenico Marchioro, all'età di 76 anni, dopo 69 anni di lavoro e 61 di milizia di partito, socialista prima, conunista poi, patì 11 anni di carcere e 8 di confino. Liberato l' 8 settembre 1943, si dedicò all'organizzazione del movimento partigiano nel vicentino. Dopo la Liberazione, fu membro, prima della Consulta Nazionale e poi dell'Assemblea Costituente. È stato segretario nazionale della FIOT, membro dell'Esecutivo della CGIL, vice presidente della Lega Nazionale delle Cooperative. ha fatto parte, dal Vo. al IXo. Congresso del C.C.C. del P.C.I. e in seguito, del Consiglio dei sindacati. Negli ultimi tempi aveva diretto il gruppo conunista al Consiglio Conunale di Schio. Era membro della Presidenza Nazionale dell'AMPPIA e nonostante i suoi molteplici impegni, era anche l'ottimo Segretario della Sezione Conunista del quartiere Nomentano di Roma. Di lui ha scritto Luigi Longo: ‘Valoroso combattente e dirigente delle lotte per la libertà, la pace e il Socialismo, egli è stato una bandiera e un simbolo, un esempio di coerenza e di coraggio’. Chi scrive queste righe fu legato a lui da profonda amicizia e ammirazione fin dal tempo in cui il gruppo ’Terzinternazionalista’ si batteva nel seno del Partito Socialista, e non è senza viva commozione che pubblichiamo questi "Ricordi" che egli ci aveva affidati. TREVISANI, Giulio In MARCHIORO, Domenico op. cit., prefácio. Franzina escreve que a família de Marchioro foi obrigada a imigrar: (...) in Brasile nel 1895 per sfuggire allo spettro della fame e della disoccupazione. Proprio in Brasile Domenico Marchioro svolse il suo apprendistato di proletario e di lavoratore manuale trovando impiego a S. Paolo in un cotonificio. FRANZINA, Emilio La classe ... op. cit., 1.267.

4 MARCHIORO, Domenico op. cit., p. 12.

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giornalistica rivoluzionaria. Con lui uscivamo tutte le sere, partecipando a qualunque genere di manifestazioni, nonché alle feste da ballo.5 Entretanto, um grande aporte dado pelos militantes que perambulavam foi a criação de uma malha, como já nos referimos, de contatos entre os imigrantes de Schio que ia, porém, muito além disso pois transformou-se, de fato, numa rede de solidariedade e de acolhida internacional. Assim, várias conexões foram construídas ao longo desses anos mas, principalmente, a partir da grande imigração de 1891 entre os operários escledenses que moravam em diferentes cidades e países. Onde havia um núcleo desses imigrantes, havia também alguém que o visitava com periodicidade.6 As conexões se deram das mais diferentes formas: entre as várias cidades americanas, entre cidades americanas e as européias e destas entre si. Houve casos também de triangulação: Europa, América do Norte e América do Sul. A freqüência com que aparece nesses vários cenários a Capital paulista confirma nossa hipótese da existência de uma articulação – como a escolha prévia de um destino, no caso, São Paulo e o Brás - entre os operários antes de se espalharem, isto é, quando ainda estavam em Schio.

TABELA 35

IMIGRANTES DE SCHIO NO BRASIL (1891) LOCAL DE FALECIMENTO NO EXTERIOR

LOCALIDADE DESIGNADA

PAÍS

NÚMERODE IMIGRANTES

Zaraté Argentina 1 West Hoboken (Nova Jersey) Estados Unidos 1

Milão Itália 1 Roggia di Torre Itália 1

Rovereto Itália 1 Veneza Itália 1 Verona Itália 1 Hang Suíça 1

Schönenberg Suíça 1 Nova York Estados Unidos 2

Pádua Itália 2 Vicenza Itália 2 Thalwil Suíça 2

Buenos Aires Argentina 3 Schio Itália 14

TOTAL

34

FONTE: UACS

Para se ter uma amostra, significativa, ainda que pequena, de como se desenvolveram essas conexões internacionais e em que situações aconteceram esses encontros, procuramos identificar nos registros demográficos de Schio – abrangendo todos os imigrantes que de lá partiram para o Brasil, em 1891 – os que faleceram fora do território brasileiro e em quais localidades foram enterrados, o que vale dizer que, com isso podemos saber com certa precisão quais os caminhos que os trabalhadores tiveram que, pessoalmente, percorrer.

O resultado [ver tabela anterior] foi que dos 110 imigrantes cujos locais de sepultamento conseguimos localizar, apenas 34 o foram fora do país. Destes, 23 (67,6%) foram

5 Idem, p. 15. 6 Le nazioni che nel 1891 conoscono un grosso aumento di ospiti in arrivo, assai superiore all’incremento fisiologico annuale, sono

l’Austria-Ungheria, la Svizzera e, in termini addirittura giganteschi, il Brasile. È chiaro, perciò, che proprio verso quest’ultimo paese si diressero in massa i vicentini ed anche gli scledensi. (...) È intuitivo, infatti, come degli operai cercassero di far salva la loro professionalità scegliendo paesi già avanzati sul piano tecnologico ed industriale (...) molti di essi raggiunsero West Hoboken (NJ) e Pterson negli U.S.A. dove esistevano delle importanti fabbriche di tessuti. Ma anche quelli che raggiunsero il Brasile poterono trovare sbocchi occupazionali in alcuni opifici tessili. Idem, pp. 212 e 214.

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enterrados na Itália [14 em Schio; 2 em Pádua; e mais 2 em Vicenza; as demais cidades tiveram apenas um sepultamento]; depois aparece a Argentina, onde foram enterrados outros 4 (11,8%) imigrantes [3 em Buenos Aires; e um em Zaraté] e a Suíça (11,8%), com igual número [2 em Thalwil; um em Hang; e um em Schönenberg] e por último os Estados Unidos com 3 (8,8%) trabalhadores sepultados [2 em Nova York; e um no bairro de West-Hoboken (Nova Jersey)]. São inestimáveis as dimensões e as conseqüências desses imensos deslocamentos nas vidas desses trabalhadores, numa época em que as viagens transoceânicas, realizadas com os chamados “vapores”, não se completavam antes de um mês. A distância entre o Brasil e a Itália está na casa dos 22 mil km. Por outro lado, constatamos, ainda, que a maioria desses trabalhadores atravessaram duas ou mais vezes o Atlântico (Norte ou Sul) para alcançarem o local onde finalmente acabariam sendo enterrados.

É ainda possível, através dos dados apresentados na tabela acima, descrever alguns desses prováveis percursos. 1.1. Um estreito elo uniu: Schio – Thalwil – Nova Jersey - São Paulo e Buenos Aires Uma primeira conexão detectada entre esses imigrantes, foi a que ligava São Paulo a Buenos Aires. Por ela seguiu a família do operário têxtil Giobatta Noveletto, de 51 anos, que chegou ao Brasil em 1891, vinda de Schio. Além do marido, vieram também a mulher, Maddalena Bozzo, de 52 anos, e os filhos: Luigi Antonio, de 24; Ernesto, de 19; Giuseppe, de 15; Antonietta, de 11; e Margherita, de 6 anos. Depois de passarem um tempo impreciso no país, a família mudou-se para a Argentina, circuito percorrido por muitos trabalhadores que aqui desembarcaram. Na década seguinte, apareceu, nos registros municipais de Schio, a anotação que noticiava a morte de sua filha caçula, Margherita, ocorrida em Buenos Aires, no dia 26 de junho de 1903. Quase um ano depois, isto é: aos 18 de maio de 1904 seria a vez da mãe Maddalena morrer na mesma cidade.7 Quem a revelou com toda a propriedade, entretanto, foi Sante Barbieri, declarado anarquista e procurado com esmero pela polícia política italiana. Sante nasceu em Thiene (VI), aos 25 de junho de 1880, era filho de Domenico e de Maria Vanzo. Fez essa trajetória de ponta a ponta. Trabalhou como operário, desde criança. Em 1894, empregou-se no “Lanificio Rossi SpA.”, seção de Piovene-Rocchette (VI). Mais tarde, emigrou para a Áustria. Em 1901, voltava à Itália com um filho e a seguir emigrou outra vez, agora para Thalwil, na Suíça. Em 1902, já estava do outro lado do Atlântico, em West Hoboken (Nova Jersey), onde trabalhou numa tecelagem por alguns anos em contato direto com a nata do anarquismo italiano e internacional. Em 1905, já estava novamente na Itália, perseguido por ser suspeito de atentar contra a vida do rei (era considerado pela polícia política e pelas autoridades consulares italianas nos Estados Unidos como sendo de Schio). Percorreu o Norte da Itália até, em 1909, ser identificado na Alemanha. Depois, de novo nos Estados Unidos. Em 1911, no dia 11 de julho, o Consulato Geral da Itália, em correspondência sigilosa, diretamente de Nova York, comunicava ao Ministério do Interior que o aludido anarquista se encontrava na República Argentina, de onde escreveu para os amigos residentes em West Hoboken. Exatamente, um ano depois, em 1912, foi localizado no Brasil, na cidade de São Paulo. Na Capital paulista, estava organizando o “Círculo de Estudos Sociais”, grupo anárquico ao qual aderiram não poucos operários italianos convertidos às idéias libertárias. Segundo a correspondencia consular, Sante era uma pessoa muito inteligente, mas perverso no agir e, portanto, altamente perigoso. Fazia parte do agrupamento anarquista “La Barricata”. Em 1913, encontrava-se de novo na Itália, no ano seguinte na Suíça e, em 1915, novamente no Brasil. A partir de 1919, talvez já nos Estados Unidos, as autoridades italianas não conseguiram mais localizá-lo.8

7 Cf. Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 173 E – Noveletto, Giobatta. Ver tb. VERONA, Antonio Folquito Relatório

Final (...) op. cit., pp. 27, 169 e 170. Família nº 138. 8 SIMINI, Ezio Maria. Gli anarchici vicentini tra otto e novecento. In FRANZINA Emilio (a cura di) La classe ... op. cit., pp. 360-

361.

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Outro anarquista perseguiu as sendas de Sante, acontecimento que levou os historiadores do movimento operário de Schio a afirmar a existência, então, de uma malha de contatos – regulares - entre os libertários dos dois lados do Atlântico. Chamava-se Stanislao Quinto Baratto e fez a conexão entre os anarquistas no hemisfério Norte. Seu pai chamava-se Giovanni e havia nascido em Cavaso del Tomba (TV), aos 12 de setembro de 1868. Sua profissão: operário têxtil. Transferiu-se para Torrebelvicino (VI) com a família em 1881, encontrando trabalho na seção local do “Lanificio Rossi SpA.”. Foi despedido em 1891, depois da greve e emigrou para West Hoboken. Por um certo período, compartilhou o quarto com um outro anarquista de nome Alessandro Moretti, controlado pela polícia. Voltou à Itália duas vezes: na segunda, que se deu em 1906, refez o mesmo itinerário seguido um ano antes por Sante Barbieri, isto é, a rota: [começando pelo planalto e terminando no litoral] Arsiero (VI), Recoaro (VI), Schio, Vicenza e Veneza.9 Como já se pode observar, um papel importante seria desempenhado, no hemisfério Norte, pelo já várias vezes aludido bairro industrializado de Nova Jersey: West Hoboken.10 Primeiro por ter acolhido os imigrantes operários de Schio que, em proporções bem menores que para São Paulo, para lá se deslocaram, construindo ai uma articulada comunidade. Depois por ter recebido e dado guarida, como já vimos, a muitos trabalhadores perseguidos na Itália. O caso mais interessante, entretanto, foi a chegada dos “petacai” no início do atual século.11 Uma fotografia daquela época mostra os pequenos proletários sob os arranha-céus da cidade, em plena Mulberry Street, parte italiana de Nova York, durante o ano de 1902, quando aí aportaram. Nota-se que continham nas mãos exemplares do velho jornal operário socialista “El Visentin” e do recém-fundado “Proletario”.12 Outra conexão importante, formava uma verdadeira triangulação que começava no hemisfério Norte e terminava no hemisfério Austral, mais propriamente entre as cidades de Schio, Nova Jersey (West Hoboken) e Buenos Aires.

Em 1912, Roberto Vellere, [anarquista, que participou das manifestações de 1893, em Schio] rebelando-se contra a política colonial italiana e não suportando as condições de trabalho a que estava submetido, partiu para os Estados Unidos e chegou até Nova Jersey, instalando-se na área industrial de West Hoboken, onde procurou trabalho e travou contato com os numerosos amigos “subversivos”: refugiados escledenses e de outros lugares da província de Vicenza que aí viviam em grande número. Eles o acolheram com muita afeição. Ali também já estavam vivendo, desde a imigração de 1891, o militante Arturo Meunier e muitos outros operários de Schio. Já haviam chegado também os “petacai”, despedidos com a greve relâmpago de 1901. Vellere, depois de passar alguns anos em New Hoboken, emigrou para Buenos Aires,

9 FRANZINA Emilio (a cura di) La classe ... op. cit., pp. 1.249-1.250. 10 West Hoboken (...) è un quartiere di Jersey City. Posto sulla riva destra del Hudson è praticamente dirimpettaio di Central Park,

da cui dista in linea d’aria non più di un paio di chilometri (...) a West Hoboken c’erano grandi industrie tessili. Era naturale che divenissero le destinazioni privilegiate dei tessitori scledensi. SIMINI, Ezio Maria. Gli anarchici ... op. cit., p. 355.

11 A próposito desse insólito acontecimento, Giulio Galla assim escreve: Nel luglio del 1900 a Schio entrano in agitazione i ‘petacai’ (gli attaccafili) gli addetti cioè alle più gravose mansioni nelle fabbriche tessili, quasi sempre ragazzi molto giovani spinti a quel lavoro pochissimo pagato dalle famiglie in miseria. Segundo o mesmo autor, os diretores do “Lanificio Rossi SpA.” Estabeleceram que os operários menores e crianças (i ‘petacai’) (...) dovevano riprendere il lavoro senza alcun aumento di prezzo, soltanto ai più vecchi verrebbero pagate ogni sabato lire 2,50 in più del settimanale guadagnato perché possano vestirsi (dunque com questo si conferma che non guadagnavano che la polenta n.d.r.) a condizione però che, dopo tre mesi di questa carità pelosa, lascino lo stabilimento e partano per algri paesi nel quale caso verrebbe dato anche una buona sovvenzione per il viaggio (...) Se a loro si nega il mezzo di vivere onestamente Qui vicino a noi, nelle fabbriche dove sono cresciuti, si fornisce però loro il mezzo di fuggire dalla patria e di andare a morire di febbre gialla nelle lande del Brasile (...) GALLA, Giulio Antonio. Aspetti e momenti di storia del giornalismo operaio a Vicenza: “El Visentin”, settimanale dei socialisti (1892-1925). In FRANZINA Emilio (a cura di) La classe ... op. cit., pp. 1160-1161.

12 FRANZINA, Emilio. La storia in camera oscura. In FRANZINA Emilio (a cura di) La classe ... op. cit., pp. 398 e 39 (fotografia). Entretanto, a vida do proletariado escledense nos Estados Unidos não foi muito diferente dos demais países. Os reveses também estavam na ordem do dia. Na cidade de Paterson, logo acima de Nova Jersey, durante o ano de 1902, houve greve geral e o movimento foi reprimido com muita violência pelas forças da ordem. Entre eles estavam vários os operários escledenses como o anarquista Luigi Galleani, que foi, então, baleado na boca. Muitos depois desse episódio voltaram à Itália. Levaram consigo alguns dólares, muitas frustrações e uma convicção: o capitalismo era internacional e a luta contra o capitalismo também o seria. SIMINI, Ezio Maria Gli Anarchici ... op. cit., p. 366.

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permanecendo aí de 1915 a 1938. Até 1941, seria procurado, sem resultados, pela polícia política italiana.13 Havia, ainda, uma estreita ligação entre os imigrantes que vieram para o Brasil (e para São Paulo) com a região industrial suíça, em torno de Zurique.14 Maria Tescari, nascida em Mason Vicentino (VI), aos 16 de agosto de 1866, casada com Luigi Patroncini e madrasta do procurado anarquista Giovanni (Patroncini), que veio com a família para o São Paulo, em 1891, depois de passado algum tempo aqui, voltaria para a Itália. De lá partiria novamente para outra área industrial, agora na já citada região suíça. Aos 12 de junho de 1912 iria falecer, e, conseqüentemente, enterrada, em Schönenberg.15 1.2. São Paulo importante centro de acolhida dos militantes de Schio

Assim como Nova Jersey desempenhou um papel notável de refúgio e na divulgação das idéias e ações dos anarquistas de Schio no hemisfério Norte. São Paulo, em contrapartida, teve, no hemisfério Austral, papel similar. Foi também um importante centro de acolhida, refugio e passagem para os anarquistas e socialistas de Schio, já citados, vindos no final do século com a imigração que estudamos. O anarquista Policarpo Cabianca, que nasceu em Vicenza, em 1o. de janeiro de 1857 e, desde cedo, tornou-se um seguidor de Bakunin. Em 1892, imigrou para o Brasil. Segundo o relatório da polícia política:

[(...) Policarpo, figlio] di Carlo, nato a Vicenza il 26/1/1857. Emigrò nel 1892 in Brasile

e l’anno successivo negli U.S.A.16 Portanto, daqui, no ano sucessivo, tomou o rumo de Nova York. Dele não se soube mais

nada. Uma carta que escreveu ao irmão Francesco, que havia sido operário têxtil desde a infância no “Lanificio Rossi SpA.” de Schio, enviada dos Estados Unidos, em 1893, permitiu que, através dela, se tivesse sua última localização.17

Mas à diferença do centro norte-americano, a Capital paulista foi além pois estendeu sua capacidade de acolhimento também aos comunistas de Schio, a partir da década de 1920. Isidoro Marchioro, irmão mais velho de Domenico Marchioro, depois de ter sido capturado pelos fascistas e mantido prisioneiro por dois dias, durante os quais, segundo o que revelou, na época, o jornal “El Visentin” de 11 de novembro de 1922 foi:

(...) costretto ad ingoiare una dose enorme di olio di ricino (...)18

13 Idem, p. 350. 14 A imigrante Giuseppa Ballico, nascida em Schio, aos 23 anos, que, juntamente com o marido Luigi Meneghini, operário têxtil de

26 anos, deixou Schio em 28 de março de 1891, rumou para o Rio Grande do Sul. O casal não tinha filhos. Permaneceram aí até março de 1901, quando resolveram emigrar de volta. Entraram em Schio em abril seguinte mas permaneceram deslocado na cidade. A realidade local havia mudado e eles também. Muitos amigos haviam partido e não voltaram mais. Decidiram partir novamente. Foram para a Suíça trabalhar como operários nas imediações do Lago de Zurique, onde localiza-se uma grande área industrial, inclusive têxtil. Apareceriam nos registro de Schio cinco anos depois, porque Giuseppa morreria na em Hang, aos 18 de abril de 1906. Cf. Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 40 – Meneghini, Luigi. Ver tb. VERONA, Antonio Folquito Relatório Final (...) op. cit., pp. 3 e 155. Família nº 231. Apesar de não haver indícios de que tenha vindo a São Paulo ou para o Brasil, fez parte dessa conexão também Ettore Molinari, anarquista declarado, nascido em Cremona, aos 14 de julho de 1867, e que estudou em Zurique, onde se formou em química, no ano de 1887. Nessa cidade, Molinari, entrou em contato com os imigrantes italianos e aí amadureceu idéias revolucionárias a ponto de conquistar a estima e a confiança dos operários de Thalwil que o elegeram como representante no IIIo. Congresso do P.O.I (Partido Operário Italiano) que se realizou em Pavia exatamente no ano em que se formava. Em 1889, participou de um congresso socialista em Lausanne, voltou à Itália, casou-se com Elena Del Grossi, e, posteriormente, emigrou para a França, de onde seria expulso em 1890. Em 1895, foi contratado como químico no Lanificio Rossi de Piovene-Rocchette. Viveu na região de Schio com a família até transferir-se sozinho, definitivamente, para Milão. Foi eleito, em 1919, membro da direção nacional da União Anarquista Italiana. Permaneceria na Capital lombarda até morrer, em 1926. SIMINI, Ezio Maria. Gli anarchici ... op. cit., p. 351.

15 UACS: Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 1622 a – Patroncini, Luigi; 16 FRANZINA Emilio (a cura di) La classe ... op. cit., 1.255. 17 SIMINI, Ezio Maria Le origini a Schio. In FRANZINA, Emilio (a cura di) La classe ... op. cit., p. 178. 18 CAMURRI, Renato. I primi anni del PcdI nel vicentino: antifascismo, propaganda ed organizzazione (1921-1926). In

FRANZINA, Emilio (a cura di) La classe ... op. cit., p. 799.

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No final de 1922 abandonou a Itália para refugiar-se no Brasil. Outros considerados

“subversivos” escledenses, no breve espaço de poucos meses o acompanharam, atravessando o oceano e alcançando o Brasil. O mesmo percurso que fizeram em 1891, e nos anos finais do século passado, muitos anarquistas e socialistas de Schio, repetir-se-ia, em 1922, com os comunistas. Sobre Isidoro lê-se que era:

[(...) figlio] di Mariano e di Giovanna De Santi, nato a Torrebelvicino il 20/10/1896. Tessitore, nel Biennio Rosso curò particolarmente l’organizzazione sindacale dei tessili di Schio e circondario (...) Nel 1921 aderì (...) al PcdI (...) Espatriò nel 1923 per il Brasile. Rientrò nel 1925 (...)19

Privilegiamos esta segunda parte para apresentar um outro percurso – muito peculiar - que envolveu pessoas de uma família de imigrantes de Schio – os Patroncini - que veio para o Estado de São Paulo, em 1891, mas que voltou logo depois para a Europa. Aí reentrando, percebeu que não se readaptaria mais às condições pretéritas. De Schio tomou de novo o rumo do exílio voluntário e apeou na Suíça. Dos filhos, dois seguramente eram anarquistas. Sua trajetória nos dá conta das ricas formas assumidas pela resistência à autocracia política e às regras do capital, em seus mais diferentes vieses. 22.. EEnnttrree eelleess hhaavviiaa uumm aannaarrqquuiissttaa:: uumm ccaassoo ddee eexxppllíícciittaa iirrrreevveerrêênncciiaa

Schio, na última década do século passado, já conhecia pelo menos uma geração de trabalhadores integralmente proletarizados, que se haviam inserido na produção industrial, convivendo com as chamada ‘condição operária’ e totalmente desvinculados do trabalho agrícola, como seus antepassados. Quando esses trabalhadores decidiram vir ao Brasil e aqui aportaram almejavam dirigir-se em busca de ocupações urbanas mais próximas de seu “savoir faire”, não à cafeicultura.20 No caso dos operários de Schio esse processo de separação de seus próprios meios de produção e subsistência havia se dado em solo pátrio, portanto, ainda na Itália, há um tempo anterior ao do êxodo. Explica-se, por isso, sua adesão aos ideais e engajamento nos agrupamentos anarquistas e socialistas, formações típicas do mundo urbano e industrial. Contando sobre os primeiros contatos que manteve com militantes daquela resistência operária, ainda viajando no convés do vapor que os trouxe ao Brasil, em 1896, Domenico Marchioro fala da intensa presença dos combativos anarquistas e socialistas, com estas palavras:

Nel grosso gruppo di questi emigrati si trovavano parecchi operai già dipendenti del Lanificio Rossi e fra di essi alcuni militanti anarchici e socialisti, vittime degli scioperi scoppiati nel 1891-1893 a Schio.21 Com que ânimo deixavam sua terra natal? Considerados como subversivos, esses proletários, exclusivamente, que haviam sido expulsos das fábricas de onde retiravam seu ganha-pão, candidatos ao desemprego permanente num lugar onde a linhagem dos Rossi era senhora absoluta, deixaram o torrão natal, como bem relata Marchiro:

19 Idem, p. 1.268. 20 Martins, referindo-se ao processo de proletarização dos imigrantes italianos que se dirigiram para a cafeicultura afirma que (...) a

expropriação do trabalhador, com a sua característica violência, que se expressa na acumulação primitiva e na produção das condições sociais e históricas para a reprodução capitalista do capital e da força de trabalho, enquanto processo vivido pessoalmente e subjetivamente pela maioria dos próprios trabalhadores (imigrados para o Brasil) deu-se fora da sociedade brasileira. MARTINS, José de Souza O Cativeiro ... op. cit., p. 119.

21 MARCHIORO, Domenico op. cit., p. 1.

Capítulo VII: “O mundo é a nossa pátria”: a vida para além das fronteiras.

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(...) con giustificabile amarezza, se non proprio con rancore, dopo aver cercato inutilmente un qualsiasi lavoro; non vi era, infatti, possibilità alcuna di occuparsi e di poter vivere nel vicentino per chi fosse stato licenziato per motivi di sciopero dal Lanificio Rossi.22 Militantes a tempo integral, esses proletários pregadores panfletavam suas palavras-de-ordem e difundiam sua literatura23 a todos e em todo lugar, discutiam seus argumentos acalorados, em voz alta, ensinavam seus princípios aos pequeninos, instruíam os analfabetos e enfrentavam sistematicamente os que se consideravam ‘donos do poder’. Ainda, para ilustrar, conta Marchioro, morando em Petrópolis, que ele, seu irmão e um amigo anarquista, chamado Romeo:

(...) al principio del 1900 e non ricordo bene quale significato avesse la festa, ma doveva certo trattarsi di una cerimonia importante, poiché era presente tutta la schiuma della colonia italiana, con a capo il conte Pietro Antonelli, Ministro plenipoten-ziario dell’Italia in Brasile, colui che nel 1889 aveva negoziato il trattato di Uccialli con il Negus Menelik e che morì durante il suo viaggio di definitivo rientro in Italia dal Brasile. Era costui un personaggio odiato dai lavoratori emigrati in Brasile, perché non si curava minimamente di difendere e proteggere i connazionali ridotti in condizioni di schiavitù nelle fazendas; tanto che veniva generalmente considerato come complice dei vari e propri crimini che commettevano i feudali fazendeiros. Romeo, mio fratello ed io ci recammo insieme a quella festa, ma io non sapevo che aveva deciso di parlare per addossare pubblicamente al Ministro le sue responsabilità a proposito della tristissima condizione degli immigrati italiani. Fu quindi una vera sorpresa per me vedere l’amico, alla fine del discorso del Ministro, salire su di una sedia e chiedere la parola. Il Ministro convinto si trattasse di un elogiatore, gliela concesse. Romeo cominciò a leggere enfaticamente un foglietto, forse uno stralcio del giornale anarchico, nel quale, se ben ricordo, dopo un accenno alle “gloriose“ cannonate fatte sparare due anni prima dal “prode” generale Bava Beccaris sulla folla inerme a Milano, venivano denunciate le tragiche condizioni di vita dei lavoratori italiani in Brasile. Il Ministro che stava in un palco di proscenio, si alzò in piedi furibondo e battendo i pugni sul davanzale si mise ad urlare come un ossesso: “Polizia! Polizia! Arrestatelo! Arrestatelo!” Mio fratello, io e un gruppo di altri giovani ci stringemmo intorno a Romeo per difenderlo. Il trambusto giunse al colmo e Romeo balzò giù dalla sedia ed approfittando della confusione ci prese per mano incitandoci a svignarcela. Infilammo un’uscita laterale e quando arrivò la polizia eravamo già fuori in salvo.24

Houve toda uma geração de trabalhadores de Schio que veio ao Brasil e que fora, antes de aqui chegar, formada nas escolas do Anarquismo e do Socialismo.25 Segundo Marchioro, os anarquistas, principalmente, e, em menor grau, os socialistas foram, para ele:

(...) i miei primi istruttori. Durante il lungo viaggio e successivamente nella comune e dolorosa vita dell'emigrazione, ascoltandoli e assistendo alle loro discussioni rievocanti spesso le prime lotte operaie (qualcuno dei più anziani aveva partecipato al primo sciopero dei tessitori del 1873) me ne immedesimai talmente che quasi mi sembrava di averle vissute di persona. Dalla loro viva voce appresi a conoscere le miserevoli condizioni di vita dei lavoratori del tempo: i salari di fame, la giornata di lavoro che durava dall'alba al tramonto, l'alimentazione a base di polenta, con la diffusione della pellagra e persino dell’inedia.26

22 Idem. 23 Marchioro escreve também sobre a circulação entre os operários do jornal “Avanti”, impresso em São Paulo por um grupo de

libertários, liderado por Oreste Ristori, toscano de origem e muito conhecido então no movimento anárquico da época. O jornal chegava, intermitentemente, às mãos de Romeo, o amigo anarquista dos Marchioro que, segundo ele: (...) ce lo leggeva con enfasi, e noi ascoltavamo rapiti quell’infiammata lettura giornalistica rivoluzionaria. MARCHIORO, Domenico op. cit., p. 15.

24 MARCHIORO, Domenico op. cit., p. 17. 25 Sobre a presença socialista em Schio, assim escreve o mesmo autor: Ma se quelli erano stati anni di gravi sacrifici e di crudeli

persecuzioni, furono anche anni utili di studio e di preparazione per i giovani attrati al Socialismo. A Schio, infatti, attorno ad alcuni operai d’avanguardia, si erano andati formando i primi militanti socialisti, e al loro seguito già nel 1890 i lavoratori delle fabbriche avevano eretto con i loro sudati mezzi la propria Casa Sociale che chiamavano “El Salon”, inaugurata poi ufficialmente da Andrea Costa nel 1891. MARCHIORO, Domenico op. cit., p. 2.

26 Idem, p. 1.

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Entre os operários que desembarcaram no Estado de São Paulo, em 1891, estava Giovanni Patroncini, com apenas 7 anos. Era filho de Luigi, operário têxtil originário de Malo (VI), e de Teresa Dal Brun, de família camponesa, nascida em Schio. A mãe havia falecido dois anos antes, em 18 de Fevereiro de 1889. O pai, que certamente teve dificuldades para cuidar sozinho de três filhos pequenos, voltaria a se casar. Entretanto, os Patroncini não conseguiram mais aí sobreviver, como boa parte dos trabalhadores têxteis, nas condições salariais impostas pela Lanerossi. A cidade industrial, além de alojá-los em cubículos malcheirosos e insalubres, lhes havia encarecido demasiadamente a vida. Decidiram partir com os outros operários imigrantes rumo a São Paulo. Deixaram Schio em 4 de abril de 1891.

Em Gênova, embarcaram no vapor Regina Margherita e um mês e nove dias depois desembarcariam no porto do Rio de Janeiro, exatamente em 13 de maio de 1891. A família, assim, reconstituída: o pai, a madrasta, Maria Tescari, Giovanni e os irmãos: Giuseppe, de quatro anos; e Giuseppa, com pouco mais de um ano, deu entrada na Hospedaria do Brás e aí foi registrada. Não se há conhecimento do paradeiro da família Patroncini no Estado de São Paulo. É possível deduzir, entretanto, que as condições de trabalho e de vida encontradas aqui não foram melhores que as deixadas em Schio. Eles permaneceriam em São Paulo, provavelmente, por apenas um ano. A extrema carência obrigou-os a tomar o humilhante caminho de volta, reentrando em Schio no ano seguinte, quando contava Giovanni, então, com seus oito anos de idade. O menino, como tantos outros, crescera ouvindo a pregação anarquista. Sua vinda para São Paulo, assim como aconteceria com Marchioro, deve tê-lo colocado em contato com militantes que seguiam a bordo. No vapor, tanto na viagem de vinda, como na de volta, devido à exigüidade do espaço e a freqüência do contato entre os passageiros no convés, passava-se, no mínimo, por um mês de intensa instrução.

Nada se sabe da família no período que vai da chegada ao mês de março de 1905, quando Giovanni, já com 21 anos completos, militante convicto, a madrasta e os irmãos emigram de Schio para a Suíça. Como para tantos outros operários, esse grupo também retomava, 13 anos depois, o caminho do êxodo. Mais uma vez prevaleceu a sina que marcou a vida de milhares de trabalhadores de Schio e os que aí buscaram guarida: percorrer, sem cessar, para sobreviver.27

Essa cidade, a “Manchester da Itália”, como se dizia, então, tornara-se não mais o lugar

de definitiva chegada, mas apenas um posto efêmero de passagem. Havia somente 5 anos do assassinato do rei italiano Umberto Io e os estados europeus

estavam à caça dos militantes, principalmente dos anarquistas. Marchioro, comentando o acontecimento, assim escreve:

Prima della partenza, andai a salutare l’amico Romeo, aveva con sé l’ultimo numero

del giornale anarchico ‘Avanti!’ di São Paulo che commentava la notizia dell’uccisione del re Umberto di Savoia. Ricordo come fosse ora la lettura che egli mi fece dell’editoriale il quale mi impressionò. Cominciava così: ‘Il 29 luglio 1900 Gaetano Bresci uccideva a colpi misurati, il più incosciente, cinico ed imbecille dei re’. Terminata la lettura mi disse: ‘Ricordati, tornando in Italia, che questa è la fine che debbono fare tutti i tiranni!. 28

27 Cf. UACS - Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 1622 a – Patroncini, Luigi. 28 MARCHIORO, Domenico op. cit., pp. 17-18.

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A chegada dos Patroncini na Suíça acionou o sistema repressivo dos respectivos países, perplexos diante do avanço da contestação organizada. Por 35 anos, quase ininterruptos, isto é, de 26 de fevereiro de 1906 a 8 de novembro de 1941, Giovanni seria sistematicamente seguido pela polícia política (segurança pública). Seu paradeiro e atividades, meticulosamente documentados, tornaram-se objeto de correspondência entre ministros, promotores, cônsules, burocratas e policiais em geral, ávidos para amealhar detalhes capazes de caracterizá-lo como “perigoso” à ordem estabelecida.

É interessante notar que não houve qualquer solução de continuidade nos métodos de rastreamento empregados, nos parâmetros qualitativos, nos objetivos propostos e sequer mesmo nos formulários utilizados pela polícia política do Estado italiano no encalço do perseguido anarquista, durante todo o período em que foi “acompanhado”. Houve, sim, um progressivo aperfeiçoamento dos procedimentos já adotados no passado. As buscas começaram durante o período chamado de “reformista”. De 1903 a 1914, a Itália experimentou a “era giolittiana”, dirigida por Giovanni Giolitti, chefe de governo, que fez prevalecer, salvo breves interrupções, a continuidade política, garantida por eleições fraudulentas e por pressões eleitorais na escolha de candidatos oficiais que assegurassem a maioria governista. Tentou, ainda, absorver o socialismo, inserindo-o nas instituições políticas mediante uma nova orientação da política social. Aproveitou a divisão entre reformistas e revolucionários para enfraquecer o Partido Socialista (PS). Ofereceu cargos aos moderados e propôs reformas sociais: nacionalização das ferrovias, legalização dos sindicatos, etc. De 1905 a 1906, implementou reformas sociais: criação da previdência, da seguridade social, do horário de trabalho e do repouso semanal. Giolitti estabeleceu o sufrágio universal para homens e alfabetizados; promoveu o pacto entre católicos e liberais moderados. Entretanto, a repressão progrediu e se sofisticou durante o período chamado “liberal”. Em 1914 caiu Giolitti e com ele o longo período “reformista”. Sucedeu-o Salandra que, com o aumento do custo de vida, conviveu de imediato com revoltas populares (“semana vermelha”) na Romanha e nas Marcas. Esse governo engajou-se na guerra (1914-18) ao lado da França e Inglaterra, objetivando abocanhar parte do império austríaco habitado por italianos (Trentino-Alto-Ádige e Istra). O resultado da guerra descontentou a opinião pública. O país dividiu-se ao meio. De um lado, estavam as classes proprietárias, que investiram na guerra e desiludiram-se com a “vitória mutilada” (Tratado de Versalhes). Economicamente, sofreram com a desvalorização da Lira e com a sobrecarga fiscal. Do lado popular, operários e camponeses, majoritariamente contrários ao engajamento bélico, suportaram as conseqüências econômicas do conflito e a falta de solução para a questão agrária. Cresciam os movimentos sociais e o alinhamento com as alas radicais do Partido Socialista. Nessa época, nascia o Partido Popular, fundado por D. Struzzo, com apoio camponês e interlocutor dos socialistas. Cresciam também as organizações nacionalistas extremistas. Em 23 de março de 1919, liderado pelo ex-socialista Benito Mussolini formou-se o núcleo inicial do Fascismo. Ainda nesse ano, subia ao governo Saverio Nitti, liberal, que buscou reequilibrar o orçamento, instituiu a “guarda real” para a manutenção da ordem pública e regulamentou a ocupação de terras improdutivas. Nas eleições daquele mesmo ano, os socialistas e populares alcançaram a maioria parlamentar, enquanto os fascistas saíram derrotados. A crise de Fiume (Istra) e o descompasso na economia do país determinaram a queda do governo. Em 1920, subiria novamente Giolitti, com um programa de reformas na política interna. Nas regiões industrializadas, aumentavam as ocupações de fábricas que levariam à ruptura entre reformistas e maximalistas no Partido Socialista. Os fascistas, aproveitando-se das crises internas e financiados pela burguesia e latifundiários, combatiam, armados o “perigo bolchevique”. Em 1921, durante o XVII Congresso do Partido Socialista, em Livorno, nasceria o Partido Comunista da Itália. No ano seguinte, explodiria a greve geral contra as violências fascistas. O regime fascista (1922-1941) que viria a se seguir à “Marcha

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sobre Roma”29, passou a considerar a perseguição aos anarquistas, socialistas e comunistas como uma guerra interna: uma questão de sobrevivência do Estado.30

Resumindo, podemos afirmar que todas as informações colhidas a respeito da vida pública e privada dos cidadãos foram utilizadas, sem pudor, durante a repressão liberal dos anos da chamada “Belle Époque”, que se voltou, de preferência, contra o movimento sindical e popular italiano e viria, tempos depois, a servir plenamente aos interesses fascistas, sem nenhuma transição qualitativa.31 Giovanni e sua família, assim que chegaram à Suíça, foram fixar-se em Neuhausen (Cantão de Schaffhausen). Em 26 de fevereiro de 1906, o Procurador Público Federal suíço escrevia, num impresso padrão, à Direção da Segurança Pública solicitando-lhe informações a seu respeito: Nous vous prions de bien vouloir nos transmettre tous les renseignements utiles que vous possédez sur le nommé: Patroncini Giovanni, né le 16 février 1884, originaire de Schio (Vicenza), terrassier, actuellement à Neuhausen (Canton de Schaffhouse).32

A autoridade suíça omite absolutamente suas intenções ao não especificar os motivos

que a levaram a tal perquirição. Embora, com certeza, já suspeitava do comportamento engajado do notório imigrante. Nota-se, ainda, no parágrafo citado, que a qualificação profissional de Giovanni, oriundo de uma família tradicionalmente operária, é descrita como de trabalhador afeito a serviços de aterragem.

Em 1º. de março seguinte, o Ministério do Interior italiano envia a seu representante em

Vicenza um memorando sigiloso onde requer: (...) d’informarmi con precisione ed esattezza dei precedenti morali, politici e giudiziari

della persona designata a margine (Patroncini Giovanni, nato il 16 febbraio 1884, originario di Schio) , la quale dimora presentemente a Neuhausen (Sciaffusa).33

A resposta da Prefettura de Vicenza chegaria seis dias depois, certamente, desapontando

os anteriores requerentes, visto que os dados que conseguira colher a seu respeito não o enquadrava em qualquer tipo de incriminação:

29 Fato acontecido em 27 de outubro de 1922, quando a alta hierarquia fascista guiou a expedição das “camicie nere” sobre a Capital

italiana. 30 Quanto à evolução dos procedimentos de controle estatal, na Itália – recém-unificada - do final do século passado, sobre a

população civil e, principalmente, sobre os opositores ao regime e ao sistema capitalista, escreve Simini: Il fenomeno della schedatura politica dei cosiddetti sovversivi diviene pratica sistematica nel 1894 anche se, precedentemente, il ministro Crispi aveva avviato un abbozzo di controllo dei medesimi sull’intero territorio nazionale. Giolitti ha appena abbandonato la direzione politica del paese anche per le gravi rivolte sociali siciliane e per quelle dei cavatori di marmo della Lunigiana. Gli succede Crispi, uomo d’ordine, ben visto dalla monarchia e dalla borghesia italiana (...) sa bene che la nascita del PSI (1892) (...) e l’enciclica ‘Rerum Novarum’ (...) avvieranno il paese verso una lunga stagione di profondi confronti politici e sociali e intuisce che per farvi fronte con possibilità di successo è necessario dotarsi di strumenti e strutture moderni ed efficaci e fra questi individua, in un servizio di intelligence politica maggiormente attrezzato e quasi scientificizzato, l’asse portante. (...) Crispi ritiene di fondamentale importanza istituire un apposito ufficio nel Ministero dell’Interno che, in collegamento con gli organi periferici dello stato, sia in grado di controllare e seguire costantemente l’attività degli oppositori, schedandoli tutti e seguendone com vigile cura l’evoluzione ideale, politica ed organizzativa (...) stabilisce che anche le autorità italiane all’estero collaborino a non perdere di vista i sovversivi emigrati (...) con circolare riservata n. 5343, del 1.6.1896, diretta ai Prefetti del Regno, la Direzione Generale di Pubblica Sicurezza perfeziona il meccanismo emanando norme dettagliate e tassative sull’intero assetto organizzativo. È questa la data di nascita effettiva del Casellario Politico Centrale (denominato allora fino all’avvento del fascismo Servizio Schedario). SIMINI, Ezio Maria Di fronte e di profilo – tutti gli schedati dalla polizia in provincia di Vicenza dal 1893 al 1945. Schio, Odeonlibri-ISMOS, 1955, p. 7.

31 Idem, p. 139. 32 ACS-CPC: Ministère Public Fédéral (Suisse) – Lettre à la Direction de la Sûreté publique à Rome – Berne, 26.02.1906. 33 ACS-CPC: Ministero Dell’Interno – Direzione Generale di Pubblica Sicurezza - Memorandum No. 3627 Gab. al Prefetto di

Vicenza – Roma, 01.03.1906.

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Patroncini Giovanni, fu Luigi e fu Dal Brun Teresa, nato a Schio il 16 Febbraio 1884 non ha precedenti penali e durante il tempo che dimorò in patria la sua condotta morale e politica non diede luogo ad osservazioni di sorta.34

No dia 11, ainda no mês de março, o Ministério do Interior enviou carta de idêntico teor

ao Ministério Público Federal suíço, respondendo-lhe a indagação inicial e afastando, temporariamente, como veremos, eventuais preocupações sobre o caso.35

Nesse ínterim, Giovanni Patroncini deixara Neuhausen e voltaria à Itália. No dia 1º de

Maio de 1906, encontrava-se em Schio, distribuindo panfletos pelas ruas da cidade, alusivos à efeméride, e, juntamente com outro companheiro Napoleone Organo36, incitavam os trabalhadores a participarem de uma manifestação organizada pelos sindicalistas, anarquistas e socialistas.

Contrariando a sobriedade das informações fornecidas nos relatos anteriores, o

“Prefetto” de Vicenza, alguns três semanas depois, enviou a Roma um relatório minucioso37, em formulário apropriado, contendo detalhadamente dados sobre o aspecto físico, a vida privativa, o comportamento social e as atividades militantes de Giovanni Patroncini.

Sob a rubrica “reservada”, preenchido manualmente, o documento começa

identificando-o, além dos dados já referidos em anotações anteriores, como exercendo a profissão de “bracciante”38, de estado civil: solteiro e, a notícia mais inusitada, estar pertencendo ao “partido” anarquista. Em pouco mais de dois meses o Estado italiano abandonava a primitiva avaliação para enquadrá-lo, a partir de agora, como pessoa perigosa à segurança pública nacional.

Logo abaixo, bem ao gosto das tipologias utilizadas na época para identificar e

classificar os possíveis traços criminais nos indivíduos suspeitos, observados sorrateiramente pela polícia política, a autoridade responsável passou a relacionar os detalhes de seu aspecto físico: media 1,72 m., robustamente encorpado, de cabelos escuros, de fronte média, de nariz regular, de olhos castanhos, de boca média, de mento oval, sua cor era morena, de barba nascente e escura, de comportamento hesitante, possuía expressão fisionômica rude e se vestia decentemente, “como um operário”.39 Afinal, montara-se um retrato falado de um operário altamente suspeito.

Para melhor esmiuçar, elaborou-se ao lado, uma extensa biografia que começava,

justamente, com o tópico referente à sua conduta moral e civil:

34 ACS-CPC: R. “Prefettura” della Provincia di Vicenza – Ufficio Provinciale di P.S. – Memorandum No. 160 Gab. al Ministero

dell’Interno Direzione Generale di P. S. – Vicenza, 07.03.1906. 35 ACS-CPC: Ministero Dell’Interno – Memorandum al Procuratore Generale presso il Ministero Pubblico Federale a Berna –

Prot. Gen. No. 3627 Gab. – Roma, 11.03.1906. 36 Giovanni Napoleone Organo nasceu em Schio, no ano de 1877. Seu pai chamava-se também Napoleone. Assim como Giovanni

Patroncini, era “bracciante” e anarquista. Foi perseguido pela polícia política entre 1906 e 1934. Parece não ter imigrado até então. Cf. SIMINI, Ezio Maria Di fronte e di profilo ... op. cit., p. 138. Entretanto, três membros da família Organo imigraram de Schio para o Brasil, em 1891: Giovanni, o marido, com 48 anos; Maria Maddalena Acquasaliente, a mulher, de idade desconhecida; e Teresa, a filha, com 13 anos. Não se sabe, entretanto, qualquer noticia sobre seu paradeiro. UACS: Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 1361 – Organo, Giovanni.

37 Na carta que acompanha o relatório enviado pelo Prefetto de Vicenza ao Ministério do Interior – Direção Geral da Segurança Pública, assim se expressa remetente: Con richiamo alla mia nota 4 corrente No. 272 Gab. riguardante il 1º. Maggio mi onoro di trasmettere a codesto R. Ministero la scheda biografica dell’anarchico Patroncini Giovanni, fu Luigi. ACS-CPC: R. “Prefettura” della Provincia di Vicenza – Ufficio Provinciale di P.S. – Memorandum al Ministero dell’Interno Direzione Generale di P. S. No. 290 Gab. – Vicenza, 25.05.1906.

38 bracciante (it.) = rural volante diarista. 39 Truzzi, ao escrever sobre a mudança ocorrida na política imigrantista norte-americana no início deste século, afirma que a partir

do século XX (...) uma série de desenvolvimentos em diferentes campos do conhecimento científico (darwinismo social em Spencer, a popularização da genética de Mendel e uma coleção de trabalhos de classificação de raças levada a cabo por antropólogos) prepararam o terreno para uma reavaliação de atitudes, para a convicção de que uma mistura indiscriminada de raças ocasionaria, provavelmente, um empobrecimento ao invés de um refinamento cultural. TRUZZI, Oswaldo Mário Serra Patrícios ... op. cit., p. 199.

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Nel pubblico non riscuote cattiva fama. Ha carattere piuttosto tranquillo; educazione grossolana; scarsa intelligenza; pessima coltura. Ha frequentato le prime classi elementari. È lavoratore assiduo. Trae i mezzi di sostentamento dal lavoro. Frequenta la compagnia di operai. Non ha famiglia propria essendo celibe. Non gli sono mai state affidate cariche politiche od amministrative né sarebbe capace di disimpegnarle.40

A seguir, buscou relatar sua conduta a partir dos princípios que professava, leia-se “anarquistas”:

È ascritto al partito anarchico. Precedentemente non ha appartenuto ad altro partito.

Non ha influenza nel partito. Non risulta che sia in corrispondenza epistolare con individui del partito nel regno od all’estero. Si trasferì all’estero nel decorso anno recandosi a Neuhausen (Sciaffusa) e ritornandone qualche mese fa. Dall’estero, ove non ha mai riportato condanne, non è stato mai espulso. Non risulta che abbia appartenuto ad alcuna associazione. Non è capace di collaborare la redazioni di giornali. Riceve stampe e giornali anarchici. Non è capace di fare efficace propaganda dei suoi principii perché di scarsa intelligenza e privo di coltura. Verso le autorità tiene contegno indifferente.41

Como se pode aferir das palavras oficiais, não havia, até este momento da descrição,

motivos razoáveis para tanto temor. Afinal, a pessoa aí identificada era caracterizada como totalmente desprovida de qualquer atributo que pudesse por a perigo a chamada “ordem pública”. No fundo, descreviam-no como um verdadeiro imbecil. Mas por que, então, tornara-se alvo de tamanha preocupação? Continuando a leitura, finalmente, encontrar-se-á seu real motivo:

Il primo Maggio del corrente anno fu arrestato perché in compagnia dell’altro

anarchico Organo Napoleone si aggirava per le vie di Schio allo scopo di provocare manifestazioni sediziose. Non risulta che abbia presa parte ad altre pubbliche manifestazioni del partito.42

O perigo não estava em ser simplesmente um “anarquista”, mas em participar de atos

considerados como “manifestações sediciosas”. O extenso relato terminava afirmando que Giovanni não fora jamais admoestado nem

submetido à prisão domiciliar e que a acusação que lhe foi movida pela Câmara Municipal junto ao Tribunal de Vicenza por “instigação à delinqüência”, não prosperou.43

Por um bom tempo, os arquivos da polícia política deixaram de guardar documentos

relativos ao operário perseguido. Giovanni, certamente, esteve ao corrente das investigações e das perquirições a seu respeito.

Achou que estaria a salvo, fugindo do país, esquecendo-se, talvez, que representava

uma ameaça não circunscrita a um determinado território, mas a um complexo e imbricado sistema de poder que se tornava cada vez mais tecnicamente preparado para localizar e controlar os inoportunos e indesejáveis? A verdade é que sumiu de cena por um ano e um mês.

Foragido na Suíça, Giovanni seria condenado, em 8 de Junho de 1907, por crime de

“receptação” pelo Tribunal de Berna.44 É provável que tenha permanecido em alguma penitenciária daquele cantão e pago ali sua pena.

40 “Prefettura” di Vicenza – Modello A pel servizio dello Schedario – Circolare del Ministero dell’Interno – Direzione Generale di

P. S. - No. 12350 – Vicenza, 25.05.1906 – p. 1. 41 Idem, pp. 1-2. 42 Ibidem., p. 2. 43 Ib.

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O Ministério Público suíço, entretanto, mostrava-se aflito com uma nova presença do

procurado em seu território e, provavelmente, sem conseguir dimensionar seu grau de periculosidade e, em 19 de setembro de 1907, já depois da condenação, escreveria novamente à Direção da Segurança Pública, junto ao Ministério do Interior italiano:

Nous vous prions de bien voloir nous renseigner sur: PATRONCINI Giovanni,

manoevre, né en 1884, de Schio (Vicenza).45

O Ministério do Interior italiano, em resposta, parecia não ter novidades sobre o caso, observando que quando permaneceu em território italiano, Giovanni teve:

(...) regolare condotta morale e politica e a suo carico non risultano precedenti

penali.46 Dois anos e três meses depois, exatamente em 14 de Dezembro de 1909, a Justiça suíça,

através do Tribunal de Basiléia, o condenaria outra vez por “receptação”. Há, contudo, um longo silêncio nas correspondências consulares e diplomáticas a respeito do imputado.

O irmão de Giovanni, Giuseppe, do primeiro casamento de seu pai, casava-se, aos 26

anos, em 12 de abril de 1912, com Maria Ida Girardi, em Thalwil (Zurique). No mês seguinte, no dia 22, nasceria ali o primeiro filho desse casal, Guido. Logo depois, a madrasta dos Patroncini, Maria Tescari, então, com 46 anos, também imigrada na Suíça, faleceria, em 12 de junho de 1912, em Schönenberg (Neukirche). 47

As autoridades italianas só voltariam a investigar o anarquista foragido, em 7 de abril de

1913. Um memorando da “Prefettura” de Vicenza dava conta que Giovanni Patroncini encontrava-se na Suíça, mas que desconhecia a localização exata.48 Quase um ano depois, em 18 de março de 1914, a mesma instância afirma que o imigrado solicitou e obteve do cônsul de Basiléia o passaporte para viagem ao exterior, a seguir abandonou a cidade sem deixar pegadas.49

Num memorando do Ministério do Interior ao “Prefetto” de Vicenza, datado de 24 de

março de 1914, observa-se uma importante mudança de juízo das autoridades policiais italianas a respeito do trabalhador procurado. Na oportunidade, o representante do ministro assim escreve:

(...) si prega di continuare nelle indagini per conseguire il rintraccio del controscritto sovversivo che, allontanandosi da Basilea, si è reso irreperibile. (grifo nosso)50

Giovanni Patroncini, a partir de então, não seria mais visto e designado simplesmente como um “anarquista” simplório, de aspecto rude e incapaz de proselitismo à própria causa. A seguir, todos as referência a ele se darão com os termos “subversivo” ou “anarquista fichado”,

44 Receptação (culposa): Jur. Aquisição ou recebimento de coisa que, dada a sua natureza, a desproporção entre o valor e o preço, ou

a condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa. São Paulo, Folha de São Paulo, 1995, p. 554.

45 ACS-CPC: Ministère Public Fédéral (Suisse) – Lettre à la Direction de la Sûreté publique à Rome – Berne, 19.09.1907. 46 ACS-CPC: Ministero Dell’Interno – Memorandum al Procuratore Generale Federale a Berna – Prot. No. 19796 – Gab. – Roma,

22.09.1907. 47 Cf. UACS - Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 1622 a – Patroncini, Luigi. 48 ACS-CPC: R. Prefettura di Vicenza – Modello B pel servizio dello Schedario – Circolare del Ministero dell’Interno – Direzione

Generale di P. S. - No. 200 – Vicenza, 07.04.1913. 49 ACS-CPC: R. Prefettura di Vicenza – Modello B pel servizio dello Schedario – Circolare del Ministero dell’Interno – Direzione

Generale di P. S. - No. 141 – Vicenza, 18.03.1914. 50 ACS-CPC: Ministero Dell’Interno – Memorandum al Prefetto di Vicenza – Prot. Gen. No. 6612 – Ufficio Riservato – Roma,

24.03.1914.

Capítulo VII: “O mundo é a nossa pátria”: a vida para além das fronteiras.

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entrando com isso, definitivamente, na categoria dos considerados altamente perigosos para a segurança do país e da sociedade que lhe criou. É interessante notar que na resposta do “Prefetto” de Vicenza, para o Ministério do Interior, aparece escrito que o dito “subversivo”, desde junho de 1913, não havia dado notícias de si à família e que:

(...) Vaghe voci lo dicono emigrato in America.51 Com certeza, muitas informações colhidas pelo serviço de segurança, executando uma verdadeira devassa na vida privada daquele operário, contava com os auspícios de membros de sua própria família. A polícia usava uma rede de informantes que chegavam até os mais próximos para deles obter qualquer nova notícia. Por outro lado, observa-se que a autoridade de Vicenza – dando ouvido a conversas de rua - faz menção a uma sua possível viagem às terras americanas, o que não foi, posteriormente, confirmado, mas que denota, porém, o conhecimento de sua participação na imigração de 1891 e de possíveis vínculos que tenha deixado no Brasil. Em 18 de setembro de 1914, o “Prefetto” de Vicenza escrevia a seus superiores, em Roma, que Giovanni Patroncini voltara a Schio e que passaria, a partir daquela data, a ser vigiado diretamente pela instância que dirigia.52 Desde o dia 24 de maio anterior, a Itália encontrava-se em guerra com a Áustria. O exército italiano havia ultrapassado a fronteira oriental, invadindo parte do território imperial e, para tanto, necessitava de reforços e de engajamento e de suporte na retaguarda.

Quase um ano depois, em 16 de agosto de 1915, o procurado operário, então com seus 31 anos, encontrava-se envolvido em outras plagas, no município de Vallarsa, ao noroeste de Schio, ainda na província de Vicenza, localizado nas encostas do monte Pasúbio. Giovanni havia sido recrutado pelo serviço militar. É provável que fora cavar as trincheiras ou construir as casamatas que garantiriam a resistência das tropas italianas sobre os pré-Alpes quando, no ano seguinte, o exército imperial invadiu o Trentino, na chamada “Expedição Punitiva”. A vigilância sobre ele, entretanto, continuou implacável.53 Em 16 de fevereiro de 1916, encontrava-se no município de Gemona del Friuli, no vale do rio Tagliamento, localizado na distante província de Údine54, com certeza para trabalhar na construção de infra-estrutura bélica. Daí, a alguns meses, foi transferido ainda mais adiante, para o município de Cormons, hoje província de Gorizia, então, em plena área de conflito. Foi-lhe confiado o serviço de abastecimento de víveres às tropas do pelotão “Fochesato”. Contudo, as vizinhanças com o Estado belicoso não durariam muito. Com um salvo-conduto militar, retorna a Schio, em 6 de junho seguinte, depois de ter sido expulso pelo Exército italiano do acampamento em que servia por considerá-lo indigno de permanecer na zona de guerra. Giovanni havia sido condenado, em 20 de maio anterior, pelo Juiz distrital local a dois dias de prisão por ter sido surpreendido, pelos guardas do campo, em estado de “embriaguez molesta e repugnante”.55 Algumas semanas depois, distanciou-se de Schio e, com a finalidade de despistar os policiais vigilantes e debelar seu esquema de informação, fez crer que se transferiria para o município de Caprino Veronese, mas, de fato, dirigiu-se para Brescia, importante município da 51 ACS-CPC: R. Prefettura della Provincia di Vicenza – Memorandum al Ministero dell’Interno – Direzione Generale di P. S. –

Ufficio Riservato – No. 141 – Vicenza, 12.04.1914. 52 ACS-CPC: R. Prefettura di Vicenza – Modello B pel servizio dello Schedario – Circolare del Ministero dell’Interno – Direzione

Generale di P. S. - No. 529 – Vicenza, 30.09.1914. 53 ACS-CPC: R. Prefettura di Vicenza – Modello B pel servizio dello Schedario – Circolare del Ministero dell’Interno – Direzione

Generale di P. S. - No. 806 – Vicenza, 18.08.1915. 54 Capital da região Friuli-Venezia-Giulia. 55 ACS-CPC: R. Prefettura di Vicenza – Modello B pel servizio dello Schedario – Circolare del Ministero dell’Interno – Direzione

Generale di P. S. - No. 278 – Vicenza, 16.06.1916; e Ministero Dell’Interno – Direzione Generale della Pubblica Sicurezza – Annotazioni del Ministero dal 15.06.1906 al 03.031919 – Roma, 1919 – fl. 2.

Capítulo VII: “O mundo é a nossa pátria”: a vida para além das fronteiras.

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Lombardia. Empregou-se numa siderurgia local e foi residir numa casa da Praça Garibaldi, no. 32, naquela mesma cidade. Sem que Giovanni o soubesse, o Ministério do Interior italiano logo conseguiu todas as informações necessárias para continuar controlando-o.56 Aos 23 de março de 1918, abondou Brescia para voltar a Schio e daí para um lugar qualquer, não identificado pela polícia política. Reapareceria somente em 14 de junho seguinte, voltando a Brescia e empregando-se como pedreiro na firma “Franchi & Gregorini”. A vigilância continuava alerta!57 A crise que se abateu sobre a economia italiana no pós-guerra, reduzindo abruptamente os rendimentos do capital e provocando uma onda inflacionária sem precedentes, fez com que Giovanni Patroncini perdesse seu emprego. Havia ele, ao longo de sua vida, construído um vasto currículo profissional como trabalhador braçal: passando da fábrica, à zona rural, da infra-estrutura militar à construção civil, entretanto o desemprego lhe foi implacável. Deixou Brescia, novamente, em 3 de março de 1919 e disse, então, estar voltando para Schio.58 E voltou mesmo, mas não permaneceria aí. No ano seguinte, faria outra vez o caminho do auto-exílio, rumando para Schaffhausen, na Suíça. Longe da pátria não teve a oportunidade de ver o crescimento e a queda do movimento sindical, anárquico e socialista. Em compensação, também não teve o desprazer de acompanhar de tão perto a brutal repressão que os seguidores de Mussolini aplicavam aos “vermelhos”, empastelando seus jornais, destruindo suas sedes e assassinando seus próceres. Não tocou com as mãos a ascensão do Fascismo e nem sentiu, na própria pátria, o descalabro da violência institucional. Já em 1925, havia uma completa paz sepulcral reinando nas esferas do poder, então, totalmente unificado em torno do “Duce”.

Não se sabe as razões que levaram a polícia política italiana a deixar de acompanhá-lo por tanto tempo. Talvez pela desorganização reinante no pós-guerra, o certo é que a “Prefettura” de Vicenza só iria documentar o fato oito anos mais tarde, num sucinto memorando escrito em 10 de agosto de 1928 ao Ministério do Interior.59 O Fascismo daria continuidade ao que já havia sido iniciado no período anterior. Em 21 de agosto de 1928, o Ministro do Interior, de próprio punho, assim escreve à Régia Delegação da Itália, em Berna: La Prefettura di Vicenza comunica che il contro scritto emigrato per Chaffausen (Svizzera) non há fatto più ritorno a Schio suo paese nativo, né da tale epoca ha dato più sue notizie. Pertanto, interessando che lo stesso venga rintracciato e possibilmente vigilato per conoscere la condotta ed attività politica, si prega cotesta R. Legazione di compiacersi disporre indagini al riguardo e di comunicarci i risultati.60 As autoridades italianas em Berna, entretanto, não pareciam estar tão engajadas assim. Afinal, deve ter sido difícil trocar todo o corpo diplomático com gente plenamente afinada com os intuitos dos novos dirigentes peninsulares. Sendo ou não esse o motivo da omissão, o fato é que não se encontra qualquer resposta imediata daquela representação na Suíça, protocolada nos arquivos romanos. Em compensação, a hierarquia fascista na Itália não se permitia descansar. A essa altura, Giovanni Patroncini não se encontrava mais na Suíça, mas já há algum tempo no interior da França. A nova “pátria” do procurado anarquista vivia um período de intensas mudanças no campo político, com a queda do ministério de “união nacional” de

56 ACS-CPC: R. Prefettura di Vicenza – Modello B pel servizio dello Schedario – Circolare del Ministero dell’Interno – Direzione

Generale di P. S. - No. 1040 – Vicenza, 24.07.1916; e Ministero Dell’Interno – Direzione Generale della Pubblica Sicurezza – Annotazioni del Ministero dal 15.06.1906 al 03.031919 – Roma, 1919 – fl. 2.

57 ACS-CPC: R. Prefettura di Brescia – Modello B pel servizio dello Schedario – Circolare del Ministero dell’Interno – Direzione Generale di P. S. - No. 316 – Brescia, 18.06.1918; e Ministero Dell’Interno – Direzione Generale della Pubblica Sicurezza – Annotazioni del Ministero dal 15.06.1906 al 03.031919 – Roma, 1919 – fl. 2.

58 ACS-CPC: R. Prefettura di Brescia – Modello B pel servizio dello Schedario – Circolare del Ministero dell’Interno – Direzione Generale di P. S. - No. 73 – Brescia, 05.03.1919.

59 ACS-CPC: R. Prefettura di Vicenza – Modello B pel servizio dello Schedario – Circolare del Ministero dell’Interno – Direzione Generale di P. S. - No. 04934 – Vicenza, 13.08.1928 (Anno VI).

60 ACS-CPC: Ministero dell’Interno - Memorandum alla R. Legazione d’Italia a Berna – No. 38258 – Roma, 21.08.1928.

Capítulo VII: “O mundo é a nossa pátria”: a vida para além das fronteiras.

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Poincaré, onde a esquerda havia sido alijada, e a formação de frágeis e efêmeras equipes de governo.61

Sem ter recebido as notícias que pretendia, em 2 de julho de 1929, o “Prefetto” de Vicenza enviava uma carta ao Ministério do Interior, com cópia para o Régio Cônsul da Itália em Bordeaux, na França, cujo cabeçalho, onde identifica o operário desaparecido, contém o seguinte teor:

Oggetto: Patroncini, Giovanni di Luigi e Dal Brun Teresa, nato a Schio il 16 gennaio

1884, ivi domiciliato, residente a Bordeaux, operaio cementista. Anarchico schedato.62 É interessante observar que mais uma vez, Giovanni recebe uma qualificação

profissional diferente das registradas anteriormente, aí aparece identificado como “operário da construção civil”, atividade que desenvolveu apenas em Brescia. Após a apresentação do objeto, seguiu discorrendo sobre o conteúdo da correspondência:

(...) Com’è noto a cotesto on. Ministero, il sopraindicato anarchico schedato emigrò in

Svizzera nel 1920 e da tale epoca non si sono avute più notizie, per cui sconoscesi la condotta politica che ha serbato all’Estero. Il R. Console d’Italia in Bordeaux ha ora chiesto il nulla osta per il rilascio del passaporto a favore di detto sovversivo, residente in quella città. Di tale richiesta pregiomi informare cotesto on. Ministero per le sue determinazioni in merito, significando che, nei riguardi civili, penali e militari nulla osta alla concessione.63 Anexo à carta, seguiu para Roma, aumentando o deleite das autoridades fascistas, a única fotografia do operário Giovanni Patroncini que se tem notícia. Foi tirada em julho de 1929, quando formulou, junto ao Consulado italiano de Bordeaux, a solicitação para a expedição de seu novo passaporte. A polícia política providenciou várias cópias da original e uma delas foi afixada na primeira página do processo biográfico (No. 2215) que se encontra nos arquivos do já referido “Casellario Politico Centrale”.64 A solicitação de passaporte feita pessoalmente pelo interessado e procurado Giovanni junto à representação consular, tornou-o novamente visível aos olhos da vigilância oficial. A bem da verdade, tal reaparição deu-se exclusivamente por iniciativa própria, sem o concurso da ação policial que desconhecia sua presença na cidade francesa de Bordeaux. O acontecimento reacenderia o ânimo perscrutador da “comunidade de informações” na Itália. Afinal, davam-no, até então, como foragido.65 Assim, em 29 de outubro de 1929, o “Prefetto” de Vicenza escrevia ao Régio Cônsul Geral da Itália em Bordeaux, num estilo epistolar mais rebuscado que o usualmente empregado no período anterior ao Fascismo: Con riferimento alla mai nota di pari numero del 19 luglio u. s., con la quale, nel rilasciare il nulla osta per la concessione del passaparto al sopraindicato, comunicavo altresì i precedenti politici e penali del medesimo, prego la S. V. Ill.ma compiacersi fornirmi le possibili

61 Nesse período, o exército francês iniciou a construção da conhecida linha Maginot, com medo das ameaças alemãs, especialmente

depois dos sucessos eleitorais dos nazistas. 62 ACS-CPC: R. Prefettura di Vicenza – Div. Gab. P. S. – Memorandum al Ministero dell’Interno ed al R. Console d’Italia in

Bordeaux – No. 2215 – Vicenza, 02.07.1929. (Anno VII). 63 Idem. 64 ACS-CPC: Ministero Dell’Interno – Direzione Generale della Pubblica Sicurezza – Casellario Politico Centrale – Scheda

Biografica No. 2215 di Patroncini, Giovanni – Vicenza, 02.07.1929. Entre as particularidades aí anotadas aparece um detalhe, considerado pela polícia como uma deformidade física: Giovanni Patroncini possuía a pupila do olho esquerdo manchada. Cf. tb.: Ministero dell’Interno - Dispaccio Telegrafico al Prefetto di Vicenza – No. 26423 – Roma, 17.07.1929 (Anno VII); Ministero Dell’Interno – Casellario Politico Centrale – Memorandum alla Scuola Superiore di Polizia Scientifica a Roma - No. 52032 – Roma, 18.07.1929; e Ministero Dell’Interno – Direzione Generale di Pubblica Sicurezza – Scuola Superiore di Polizia – Foglio di trasmissione all’On. Ministero Interni - No. 87 – Roma, 24.07.1929 (Anno VII).

65 ACS-CPC: R. Prefettura di Vicenza – Modello B pel servizio dello Schedario – Circolare del Ministero dell’Interno – Direzione Generale di P. S. - No. 02213 – Vicenza, 19.07.1929 (Anno VII).

Capítulo VII: “O mundo é a nossa pátria”: a vida para além das fronteiras.

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informazioni circa la condotta che serba il Patroncini e l’eventuale attività politica che esplica.66 O operário imigrante, entretanto, havia, outra vez, tentado escapar do cerco policial. A autoridade consular, apesar de não saber o grau de periculosidade que Giovanni representava para o Estado nacional, tentou conseguir seu endereço, mas não logrou êxito. Segundo as palavras do respectivo cônsul: Quando si presentò al Consolato nel mese di maggio di quest’anno per il suo passaporto disse che era di passaggio a Bordeaux, che non poteva dare nessun indirizzo per il momento e che sarebbe tornato. Ma non si fece più vedere.67 Malgrado a impossibilidade de satisfazer a ânsia informativa dos funcionários de Vicenza, o cônsul abordado, contudo, mostrou-se obsequioso, propondo-se a continuar as investigações com vistas à sua localização. Como seus resultados tardassem a chegar até a Itália e os expedientes consulares não prosperaram ao gosto e na velocidade das pretensões erigidas pela nova casta dirigente italiana, a Régia “Prefettura” de Vicenza, através de seu representante, enviou ao diplomata de Bordeaux, em 13 de janeiro de 1930, correspondência em que se arvorava em apresentar-lhe detalhadamente a descrição física de Giovanni Patroncini, com o intuito de facilitar as buscas, que no entanto, continuaram, por algum tempo, infrutíferas.68 O procurado anarquista estava, entretanto, vivendo e trabalhando no departamento de Cher, sob a jurisdição do consulado italiano de Lião.69 Somente no final de abril daquele mesmo ano o responsável pela “Prefettura” de Vicenza tomaria conhecimento de seu novo endereço. Imediatamente, escreveria ao respectivo Régio Cônsul: Il R. Consolato d’Italia a Bordeaux informa che il sopraindicato individuo risiede a St-Amand (Cher) presso Hotel et Buffet de la Gare. Poiché detta località trovasi compresa nella giurisdizione di cotesto On. Consolato, prega la S.V.Ill.ma compiacersi disporre accertamenti per il rintraccio del Patroncini, indicandomi, im caso positivo, quale condotta politica lo stesso in atto serbi.70 Um telegrama do Cônsul Geral, G. Salerno Mele, de Lião viria a confirmar as informações. Giovanni fora localizado em Saint-Amand Montrond (Cher), onde se encontrava desde 28 de fevereiro de 1930. Estava trabalhando na firma “Payard de Vallers en Sully”, na aldeia de Allier. O representante consular termina o breve relato dizendo que recebera a informação de que as atitudes do imigrante não davam margens para questionar sua conduta política.71 Por mais de dois anos, a polícia política deixaria de se preocupar com Giovanni Patroncini, talvez por excesso de serviço. Mas, em 16 de dezembro de 1932, o “Prefetto” de Vicenza voltaria a escrever para o Ministério do Interior, em Roma, para saber se havia ulteriores notícias do referido subversivo e, no caso afirmativo, qual conduta, especialmente a

66 ACS-CPC: R. Prefettura della Provincia di Vicenza – Divisione P. S. - Memorandum al R. Console Generale d’Italia in Bordeaux

– No. 02213 – Vicenza, 29.10.1929 (Anno VIII. 67 ACS-CPC: R. Consolato d’Italia in Bordeaux – Memorandum alla Prefettura di Vicenza – No. 13526 – Bordeaux, 18.11.1929

(VIIo); e R. Prefettura di Vicenza – Modello B pel servizio dello Schedario – Circolare del Ministero dell’Interno – Direzione Generale di P. S. - No. 03829 – Vicenza, 30.11.1929 (Anno VIII).

68 ACS-CPC: R. Prefettura della Provincia di Vicenza – Divisione I Gab. - Memorandum al R. Console Generale d’Italia in Bordeaux – No. 03829 – Vicenza, 13.01.1930 (Anno VIII); e R. Prefettura di Vicenza – Modello B pel servizio dello Schedario – Circolare del Ministero dell’Interno – Direzione Generale di P. S. - No. 00507 – Vicenza, 15.03.1930 (Anno VIII).

69 ACS-CPC: R. Prefettura di Vicenza – Modello B pel servizio dello Schedario – Circolare del Ministero dell’Interno – Direzione Generale di P. S. - No. 01673 – Vicenza, 21.04.1930.

70 ACS-CPC: R. Prefettura della Provincia di Vicenza – Divisione I Gab. - Memorandum al R. Console d’Italia a Lione – No. 01673 – Vicenza, 21.04.1930 (Anno VIII).

71 ACS-CPC: Consolato Generale di S. M. il Re d’Italia – Telespresso No. 1963 U. I. alla Prefettura di Vicenza – Lione, 25.07.1930 (VIIIo.); e R. Prefettura di Vicenza – Modello B pel servizio dello Schedario – Circolare del Ministero dell’Interno – Direzione Generale di P. S. - No. 02947 – Vicenza, 03.08.1930.

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política estaria ele adotando.72 O Ministério do Interior atenderia o pedido quinze dias depois, enviando um memorando manuscrito ao Consulado de Lião e cópia para a Embaixada de Paris. Mas, ao que parece, não recebeu nenhuma resposta.73 Nesse ínterim, sem que alguém desse conta imediatamente, Giovanni Patroncini já havia deixado Saint-Amand Montrond. Em 22 de fevereiro de 1934, a Régia “Prefettura” de Vicenza voltou a insistir com o Ministério do Interior para saber se o “fichado” imigrante permanecia, àquela altura, ainda na última localidade identificada ou se havia tomado outro destino.74 Um funcionário da instância romana enviaria, no dia 7 de março seguinte, correspondência à representação consular de Lião indagando a respeito.75 As buscas revelaram, com certeza, apenas sua partida. Quanto ao paradeiro, contavam somente com a declaração dele de que se dirigia para Paris.76 Os investigadores de Vicenza voltaram a agitar-se e redobraram as perquirições em Schio. Na carta enviada pelo “Prefetto” de Vicenza ao Ministério do Interior, em 28 de maio de 1934, está escrito que: (...) dalle indagini disposte non è stato possibile finora accertare il nuovo recapito all'’stero del sovversivo in oggetto. Il fratello, Angelo, residente a Schio, ha dichiarato di non essere in corrispondenza com lui da moltissimi anni. Le indagini continueranno e mi riservo di far seguito in caso di emergenze favorevoli.77 É interessante notar aqui, a entrada em cena do irmão Angelo78 como possível informante das atividades e percursos de Giovanni à polícia política. Mais acima, levantamos a possibilidade de que membros da família estivessem diretamente ligados à rede de espionagem que fornecia às autoridades italianas as informações requisitadas. Entretanto, nos parece pouco provável que o irmão mais novo se oferecesse a esses escusos préstimos, pois, segundo consta nos registros civis de Schio, ele mesmo teria sido condenado, no final dos anos 20, por deserção do serviço militar79, comportamento tipicamente pacifista e, com certeza, de inspiração anarquista. Angelo, ao afirmar que há muitos anos não se correspondia com o outro irmão, muito provavelmente, usou de uma inverdade com o intuito de despistar e até protelar as buscas policiais. Seis meses depois, um memorando enviado de Vicenza a Roma, com data de 25 de janeiro de 1935, revelava que os órgãos de informação ainda não haviam obtido qualquer

72 ACS-CPC: R. Prefettura della Provincia di Vicenza – Divisione I Gab. - Memorandum all’On. Ministero dell’Interno – Direzione

Generale P. S. – Casellario Pol. Centrale – No. 02947 – Vicenza, 20.12.1932 (Anno XI). Quanto a política interna francesa, é bom notar que, eleito em 1931, o presidente Paul Doumer, diante da crise capitalista mundial, tenta implementar uma estabilização forçada dos preços, a retenção da imigração e outras medidas excepcionais. Seria assassinado durante o ano de 1932.

73 ACS-CPC: Ministero dell’Interno - Memorandum al R. Console Generale d’Italia a Lione – No. 82065 – Roma, 02.01.1933 (Anno XI).

74 ACS-CPC: R. Prefettura della Provincia di Vicenza – Divisione Gab. - Memorandum all’On. Ministero dell’Interno – Direzione Generale P. S. – Casellario Politico Centrale – No. 01129 – Vicenza, 22.02.1934 (Anno XII).

75 ACS-CPC: Ministero dell’Interno – Direzione Generale della P. S. – Divisione A.G.R. – Sezione Io. (Cas. Pol. Centr.) - Memorandum al R. Console Generale d’Italia a Lione – No. 82065/82702 – Roma, 07.03.1934 (Anno XII).

76 ACS-CPC: Consolato Generale di S. M. il Re d’Italia – Telespresso No. 8578 U. I. al R. Ministero dell’Interno – Roma – Casellario Politico Centrale – Lione, 27.04.1934 (XIIo.).

77 ACS-CPC: R. Prefettura della Provincia di Vicenza – Divisione Gab. - Memorandum all’On. Ministero dell’Interno – Direzione Generale della Pubblica Sicurezza – Div. Aff. Gen. Ris. – Cas. Pol. Cent. – No. 01129 – Vicenza, 28.05.1934 (Anno XII).

78 Angelo, filho de Luigi Patroncini e sua segunda mulher, Maria Tescari, nasceu em Schio aos 28 de abril de 1892. Cf. UACS - Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 1622 a – Patroncini, Luigi.

79 No Foglio di Famiglia no. 1622 há uma anotação que atesta a condenação de Angelo: Il 20.8.1930 abita in via Rovereto, 16 presso Piazza Giuseppe graziaato dalla condanna per diserzione. Cf. UACS - Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 1622 a – Patroncini, Luigi.

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referência sobre o paradeiro de Giovanni Patroncini, então com 51 anos de idade.80 Nos primeiros dias do mês seguinte, o próprio Ministério do Interior se comunica com a Embaixada italiana em Paris para solicitar providências quanto a sua passagem ou eventual permanência nessa cidade.81 Alguém, por nome Scammacea, respondendo pela Embaixada, fez saber aos funcionários do Régio Consulado Geral da Itália, naquela mesma Capital que gostaria de saber detalhes para poder ultimar a solicitada procura. Melhor dizendo, as autoridades diplomáticas não tinham como procurá-lo! O almejado anarquista havia desaparecido em meio à multidão parisiense.82 Em 2 de abril do mesmo ano, o citado diplomata faz saber ao Ministério do Interior, em Roma, que o Régio Consulado Geral de Paris também não alcançara qualquer resultado com suas investigações. Giovanni continuava inatingível!83

Por mais seis anos e dez meses, nada menos que vinte e seis diligências foram sistematicamente organizadas, inutilmente, com o objetivo de localizá-lo.84 Nada mais se conseguiu desvendar a seu respeito. Giovanni Patroncini, o anarquista cadastrado, desapareceu por completo na multidão, vivendo no anonimato em algum canto da Capital francesa ou em alguma cidade do interior, muito longe dos olhos atentos da “comunidade de informações” estatal e, então, também fascista.

A Paris dos meados da década de 1930, durante o período do governo chamado do

“Fronte Popular”, vivia uma atmosfera de liberdade e respeito à pluralidade, talvez jamais vista desde as memoráveis revoluções sociais do século XIX. A “cidade luz” parecia não querer ajudar os intuitos inquisitórios da polícia italiana, análogos aos que inspiraram as seculares “caças às bruxas”. Especialmente o corpo diplomático, mas até mesmo as representações consulares, não parece terem sido imbuídas do “ardor patriótico” tão próprio dos funcionários residentes na Itália. Como representantes de um país estrangeiro, tinham seus movimentos mais limitados e a rede de informantes bem menos extensa. Contar com o auxílio de seus próprios nacionais, nem sempre era possível. Os imigrantes italianos quase sempre se relacionavam com os próprios conterrâneos e muitos haviam foragido porque, na Itália, eram antifascistas convictos. Por outro lado, os funcionários italianos podiam contar pouco com a “colaboração” espontânea dos nativos franceses, principalmente nesse momento em que Mussolini se aproximava do Reich alemão.

80 ACS-CPC: R. Prefettura di Vicenza – Modello B pel servizio dello Schedario – Circolare del Ministero dell’Interno – Direzione

Generale di P. S. - No. 0764 – Vicenza, 25.01.1935 (XIIIo). 81 ACS-CPC: Ministero dell’Interno – Memorandum alla R. Ambasciata a Parigi – s/No. – Roma, 04.02.1935 (Anno XIII). 82 ACS-CPC: R. Ambasciata d’Italia – Telegramma – Posta No. 16588 S. I. al Regio Consolato Generale d’Italia a Parigi – Parigi,

25.02.1935. 83 ACS-CPC: R. Ambasciata d’Italia – Telegramma – Posta No. 16588 S. I. al Regio Ministero dell’Interno – Roma (C.P.C.) –

Parigi, 02.04.1935. 84 ACS-CPC: R. Prefettura di Vicenza – Modello B pel servizio dello Schedario – Circolare del Ministero dell’Interno – Direzione

Generale di P. S. - No. 012948 – Vicenza, 18.11.1936 (XVo); R. Prefettura di Vicenza – Modello B pel servizio dello Schedario – Circolare del Ministero dell’Interno – Direzione Generale di P. S. - No. 0555 – Vicenza, 12.01.1937 (Anno XV); R. Prefettura di Vicenza – Modello B pel servizio dello Schedario – Circolare del Ministero dell’Interno – Direzione Generale di P. S. - No. 04739 – Vicenza, 03.04.1937 (Anno XV); R. Prefettura di Vicenza – Modello B pel servizio dello Schedario – Circolare del Ministero dell’Interno – Direzione Generale di P. S. - No. 09204 – Vicenza, 29.06.1937 (Anno XV); R. Prefettura di Vicenza – Modello B pel servizio dello Schedario – Circolare del Ministero dell’Interno – Direzione Generale di P. S. - No. 013879 – Vicenza, 30.09.1937 (Anno XV); R. Prefettura di Vicenza – Modello B pel servizio dello Schedario – Circolare del Ministero dell’Interno – Direzione Generale di P. S. - No. 0188 – Vicenza, 10.01.1938 (Anno XVI); R. Prefettura di Vicenza – Modello B pel servizio dello Schedario – Circolare del Ministero dell’Interno – Direzione Generale di P. S. - No. 017394 – Vicenza, 10.09.1938 (XVI); R. Prefettura di Vicenza – Modello B pel servizio dello Schedario – Circolare del Ministero dell’Interno – Direzione Generale di P. S. - No. 09298 – Vicenza, 01.07.1939 (Anno XVIIo); R. Prefettura di Vicenza – Modello B pel servizio dello Schedario – Circolare del Ministero dell’Interno – Direzione Generale di P. S. - No. 0403 – Vicenza, 15.01.1940 (Anno XVIIIo); R. Prefettura di Vicenza – Modello B pel servizio dello Schedario – Circolare del Ministero dell’Interno – Direzione Generale di P. S. - No. 04284 – Vicenza, 17.04.1940 (Anno XVIIIo); R. Prefettura di Vicenza – Modello B pel servizio dello Schedario – Circolare del Ministero dell’Interno – Direzione Generale di P. S. - No. 07236 – Vicenza, 22.07.1940 (Anno XVIIIo); R. Prefettura di Vicenza – Modello B pel servizio dello Schedario – Circolare del Ministero dell’Interno – Direzione Generale di P. S. - No. 010084 – Vicenza, 14.10.1940 (Anno XVIIIo); R. Prefettura di Vicenza – Modello B pel servizio dello Schedario – Circolare del Ministero dell’Interno – Direzione Generale di P. S. - No. 0225 – Vicenza, 10.01.1941 (Anno XIXo); R. Prefettura di Vicenza – Modello B pel servizio dello Schedario – Circolare del Ministero dell’Interno – Direzione Generale di P. S. - No. 02657 – Vicenza, 05.04.1941 (Anno XIXo); e R. Prefettura di Vicenza – Modello B pel servizio dello Schedario – Circolare del Ministero dell’Interno – Direzione Generale di P. S. - No. 010364 – Vicenza, 08.11.1941 (Anno XXo).

Capítulo VII: “O mundo é a nossa pátria”: a vida para além das fronteiras.

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Giovanni Patroncini parece ter permanecido na França, mesmo depois da ocupação

alemã.

Aonde teria ido parar o imperceptível anarquista? Como o último paradeiro foi localizado ainda na primeira metade da década de 1930, é provável que tenha ido se engajar – como tantos outros italianos o fizeram – ao lado dos comandos anarquistas da Catalunha, na Guerra Civil Espanhola, contra a agressão franquista ao Governo Republicano.85 Até o presente momento, entretanto, essa formulação não passa de uma mera hipótese. Giovanni desaparecera completamente dos arquivos policiais e dos controles demográficos italianos.

Outras hipóteses plausíveis também poderiam ser levantadas: poderia ter se engajado ao

lado dos “maquis” na “libertação” da França. Ou, ainda, poderia ter voltado à Itália e lutado ao lado dos “partigiani” para expulsar os invasores alemães.

Como viveu, trabalhou ... resistiu e morreu Giovanni Patroncini? Não há registros que

respondam com segurança a essas perguntas! Mas, com certeza, mesmo no anonimato, não deixou de lutar!

85 Entre os comunistas de Schio que estiveram engajados nas Brigadas Internacionais estava um ex-imigrante de Schio, nascido no

Brasil. Tratava-se de Carlo Marchioro filho de Mariano e de Giovanna De Santi, nascido em Petrópolis (RJ) em 19 de setembro de 1900 e irmão de Isidoro e de Domenico, cuja autobiografia citamos ao longo da presente tese. Carlo foi detido enquanto se dirigia à Espanha para arrolar-se como voluntário na Guerra Civil. FRANZINA, Emilio (a cura di) La classe ... op cit., 1.267.