o movimento pentecostal e a popularizaÇÃo do evangelho no brasil final

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1 O MOVIMENTO PENTECOSTAL E A POPULARIZAÇÃO DO EVANGELHO NO BRASIL: UM RETRATO DO SEU PRIMEIRO CENTENÁRIO FERREIRA, Ismael de Vasconcelos Graduando em Teologia – Instituto Superior de Teologia Aplicada (INTA) [email protected] SENA, Filadelfia Carvalho Doutoranda em Educação Brasileira (UFC) Professora do Instituto Superior de Teologia Aplicada (INTA) RESUMO O movimento pentecostal tem suas raízes epistemológicas ainda nos tempos apostólicos, tendo como marco histórico a descida do Espírito Santo no Dia de Pentecostes, bem como a utilização dos dons espirituais na igreja de Corinto. Fatos históricos nos permitem a compreensão de conceitos básicos a respeito do avanço deste movimento, como os “despertamentos” ocorridos a partir do século XVIII. Já em 1900, os eventos ocorridos em Los Angeles marcam a chegada do movimento pentecostal no Brasil. Com a instalação de novas denominações religiosas, o país assiste a uma sequência de fenômenos religiosos denominados “ondas”. Como o país vivia praticamente num marasmo espiritual com as denominações históricas já instaladas, vem o pentecostalismo resgatar conceitos e formas esquecidas pelos primeiros colonizadores proporcionando ao movimento um avanço numérico e geográfico graças à inclusão das populações marginalizadas. Com isto, esta pesquisa visa analisar o movimento pentecostal enquanto fator desencadeante de uma série de outros movimentos paralelos, bem como observar os fatos históricos ocorridos antes da instalação do movimento no Brasil. Propõe também contribuir para o enriquecimento da literatura sobre o assunto, apresentando novos pontos de discussão. Este texto é fruto de uma pesquisa bibliográfica que teve início na elaboração de um trabalho monográfico de conclusão de curso. Têm-se também como objetivos específicos: conhecer a história do movimento pentecostal no Brasil, identificar os principais pontos de conflito entre o movimento e o pensamento hodierno e enumerar as principais contribuições para o Brasil neste seu primeiro centenário. Por ser considerado um problema social e ostentar uma estatística singular, o movimento pentecostal carece de pilares epistemológicos que nos ajudem na sua compreensão. PALAVRAS-CHAVE Fenômeno religioso, movimento pentecostal, despertamento, pentecostalismo, popularização do evangelho

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O MOVIMENTO PENTECOSTAL E A POPULARIZAÇÃO DO EVANGELHO

NO BRASIL: UM RETRATO DO SEU PRIMEIRO CENTENÁRIO

FERREIRA, Ismael de VasconcelosGraduando em Teologia – Instituto Superior de Teologia Aplicada (INTA)

[email protected]

SENA, Filadelfia CarvalhoDoutoranda em Educação Brasileira (UFC)

Professora do Instituto Superior de Teologia Aplicada (INTA)

RESUMO

O movimento pentecostal tem suas raízes epistemológicas ainda nos tempos apostólicos, tendo como marco histórico a descida do Espírito Santo no Dia de Pentecostes, bem como a utilização dos dons espirituais na igreja de Corinto. Fatos históricos nos permitem a compreensão de conceitos básicos a respeito do avanço deste movimento, como os “despertamentos” ocorridos a partir do século XVIII. Já em 1900, os eventos ocorridos em Los Angeles marcam a chegada do movimento pentecostal no Brasil. Com a instalação de novas denominações religiosas, o país assiste a uma sequência de fenômenos religiosos denominados “ondas”. Como o país vivia praticamente num marasmo espiritual com as denominações históricas já instaladas, vem o pentecostalismo resgatar conceitos e formas esquecidas pelos primeiros colonizadores proporcionando ao movimento um avanço numérico e geográfico graças à inclusão das populações marginalizadas. Com isto, esta pesquisa visa analisar o movimento pentecostal enquanto fator desencadeante de uma série de outros movimentos paralelos, bem como observar os fatos históricos ocorridos antes da instalação do movimento no Brasil. Propõe também contribuir para o enriquecimento da literatura sobre o assunto, apresentando novos pontos de discussão. Este texto é fruto de uma pesquisa bibliográfica que teve início na elaboração de um trabalho monográfico de conclusão de curso. Têm-se também como objetivos específicos: conhecer a história do movimento pentecostal no Brasil, identificar os principais pontos de conflito entre o movimento e o pensamento hodierno e enumerar as principais contribuições para o Brasil neste seu primeiro centenário. Por ser considerado um problema social e ostentar uma estatística singular, o movimento pentecostal carece de pilares epistemológicos que nos ajudem na sua compreensão.

PALAVRAS-CHAVEFenômeno religioso, movimento pentecostal, despertamento, pentecostalismo, popularização do evangelho

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INTRODUÇÃO

O movimento pentecostal no Brasil é um dos fenômenos religiosos em franco

crescimento na atualidade, bem como um dos mais revolucionários da história do

cristianismo. A forma como ele acontece e os impactos sociais decorrentes dele são

motivos que levam muitos estudiosos a pesquisarem suas raízes em busca de um fator

comum que justifique todas as manifestações atribuídas a ele.

É sabido que este movimento não é proveniente exclusivamente do atual século

ou do século passado, apesar ter comemorado cem anos de existência em 2006. Porém a

gênese do movimento pentecostal remonta os primórdios do cristianismo, quando os

primeiros cristãos tinham como propósito levar o evangelho a todos os povos, marco

para o surgimento de todas as ramificações, bem como, as complicações a ela inerentes

até hoje.

Com relação às complicações do tipo fenômenos espirituais aparentemente

estranhos e práticas cristãs que contrariam estereótipos estabelecidos pela atual

sociedade, elas existem apenas quando analisadas à luz das ciências que estudam o

comportamento humano. Isto porque não se podem comparar eventos reconhecidos

pelos cristãos como “espirituais” ou mesmo a decisão por um modo de vida diferente

com conceitos e teorias elaborados por pessoas, embasados em estudos resultantes da

observação isolada de meras manifestações físicas ou orais.

Existem ainda muitos outros problemas que realmente vulgarizam o movimento.

São os eventuais erros teológicos e doutrinários e o distanciamento do verdadeiro ideal

pentecostal. Isto será discutido detalhadamente em outra oportunidade.

Tudo isto justifica a escassez de literatura especializada sobre o assunto em

análise, sendo necessária uma busca mais acurada de trabalhos que não apenas

critiquem o movimento pentecostal, mas também justifiquem, através da história, as

razões da sua existência.

Este artigo, portanto, visa contribuir para o enriquecimento da literatura sobre o

movimento pentecostal, analisando-o à luz de autores que já apresentaram resultados de

pesquisas sobre o assunto, bem como apontando novos pontos de discussão. Ele é fruto

de uma pesquisa bibliográfica que teve início na elaboração de um trabalho

monográfico de conclusão de curso, sendo que este é apenas um dos assuntos que

deverão ser abordados neste trabalho.

Assim, é proposta deste artigo analisar o movimento pentecostal enquanto fator

desencadeante de uma série de outros movimentos paralelos. Têm-se também como

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objetivos específicos: conhecer a história do movimento pentecostal no Brasil e no

mundo, identificar os principais pontos de conflito entre o movimento e o pensamento

hodierno e enumerar as principais contribuições para o Brasil neste seu primeiro

centenário.

1. RAÍZES DO MOVIMENTO PENTECOSTAL

O Dia de Pentecostes1, marco referencial para o movimento pentecostal, é

narrado no capítulo 2 do livro dos Atos dos Apóstolos. Por ocasião da festa de

Pentecostes, havia cerca de 120 pessoas, dentre elas os apóstolos, reunidas em um local

reservado na cidade de Jerusalém. No entanto, essas pessoas não estavam comemorando

a festa, mas cumprindo aquilo que Jesus, antes de ascender ao céu, deixou como ordem:

que permanecessem em Jerusalém até que fossem batizados pelo Espírito Santo e assim

pudessem ir a outras cidades, “Judeia, Samaria e até os confins da terra” (Atos 1.8). Este

batismo era necessário, pois somente através desta experiência, os discípulos teriam

poder e autoridade para anunciar o evangelho em todas as nações.

De acordo com o relato bíblico isto realmente ocorreu e chegou a causar

agitação entre as pessoas que estavam do lado de fora do cenáculo, local onde ocorrera

o fenômeno, sendo necessária, posteriormente, uma explicação do apóstolo Pedro

acerca do que havia acontecido (STAMPS, 1995, p. 1631).

A partir de então, as manifestações semelhantes a estas ocorridas no Dia de

Pentecostes, passaram a ser reconhecidas como pentecostais. No entanto,

a relação do pentecostalismo com a citada festa é indireta e acidental, por duas razões. Primeiro, porque a doutrina pentecostal está diretamente relacionada à descida do Espírito Santo; segundo, por causa da afirmação doutrinária da manifestação dos dons da glossolalia, falar em línguas estranhas, e da profecia como sinais que acompanharam a inédita manifestação do Espírito Santo (SOUZA, 2004, p. 16).

Assim, a denominação de Pentecostes e todas as variações da palavra, inclusive

movimento pentecostal, e a associação do termo ao acontecido, foi herdada apenas por

ocasião da festa, não denotando nenhuma relação concreta e mesmo correta dos fatos.

Após este acontecimento houve uma perseguição aos cristãos, o que os obrigou a

deixarem Jerusalém, saindo em missão por todas as cidades pregando o evangelho. Os

cristãos pentecostais atribuem essa força missionária ao poder derramado naquele dia

1 O termo pentecostal origina-se de Pentecostes, nome dado a uma festa anual do povo judeu, celebrada cinquenta dias após a Páscoa, também conhecida como a festa das semanas, realizada no fim da ceifa do trigo, ou dia seis do terceiro mês, Sivân (junho), em comemoração ao recebimento do Decálogo (MENDONÇA, 2001)

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em que “todos foram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas”

(Atos 2.4). Isto fez com que os primeiros cristãos fossem arregimentados tanto para

constituírem a primeira igreja quanto para servirem nela, sendo missionários aonde quer

que estivessem, contribuindo para o aumento do número de cristãos.

1.1 A igreja de Corinto

Com o avanço da pregação do evangelho, uma importante cidade tornou-se

ícone do que posteriormente ficou conhecido como “entusiasmo religioso”.

O termo “entusiasmo” (do grego en = “em” e théos = “Deus”) aponta para situações em que as pessoas afirmam receber revelações diretas de Deus, muitas vezes acompanhadas de êxtases místicos, visões e outros fenômenos associados a uma experiência religiosa de grande fervor de intensidade (MATOS, 2006, p. 25)

A igreja que foi estabelecida nesta cidade, conhecida biblicamente como igreja

de Corinto, foi palco das primeiras manifestações ditas pentecostais do tempo da era

apostólica. No entanto, o pastor daquela igreja, o apóstolo Paulo, precisou exortar

severamente os fiéis acerca do que estava acontecendo no meio deles.

Após terem sido “cheios do Espírito Santo” (Atos 2.4), um grupo de pessoas

“com inclinações místicas (…) que valorizavam grandemente certas experiências e

práticas religiosas” (LOPES, 1998), começou a deturpar o movimento com uma falsa

interpretação e aplicação do que havia sido preconizado no início. Isto acarretou uma

série de problemas em uma igreja que era conhecida por seus dotes espirituais. Dentre

os problemas ocorridos, destaca-se o desprezo pelos “cristãos que não apresentavam as

mesmas manifestações” (LOPES, 1998), gerando um problema local e que ultrapassou

as fronteiras do tempo chegando aos dias atuais, onde algumas igrejas pentecostais

ainda adotam o mesmo comportamento.

1.2 Outros antecedentes históricos

Alguns estudiosos afirmam que o movimento pentecostal foi levado avante por

outros grupos religiosos denominados montanismo, anabatista, quacres e metodistas.

Este primeiro foi um movimento carismático do cristianismo antigo (década de 170) que

teve como fundador Montano e que alegou “ser o porta-voz do Espírito Santo que iria

anunciar a volta de Cristo e a descida da Nova Jerusalém” (MATOS, 2006, p. 25).

Os outros movimentos foram provenientes dele, ainda que inovando em alguns

aspectos. Por exemplo, os anabatistas apelavam para revelações diretas de Deus e

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relativizavam a importância da Bíblia. Foram chamados de fanáticos por seus

contemporâneos.

Já mais recentemente, os quacres ingleses (século XVII) enfatizavam a “luz

interior” e o metodismo (século XVIII), com os irmãos Wesley, que ficaram conhecidos

por desenvolverem suas práticas de vida e de cristianismo com muita disciplina e

método.

1.3Os grandes “despertamentos”

A história do movimento pentecostal contempla também três acontecimentos

que contribuíram para o seu avanço. Foram denominados “despertamentos2” e

ocorreram no século XVIII, início do século XIX e meados deste mesmo século (1857-

1858).

Estes “despertamentos” trouxeram consigo novidades com relação à pregação do

evangelho e ao modo de viver dos cristãos. O cristianismo adotou um caráter mais

emocional, as pregações valorizaram mais a forma em detrimento do conteúdo, houve o

acréscimo de apelos insistentes às pessoas após as reuniões e uma valorização maior da

santidade e perfeição cristã.

De acordo com MATOS (2006, p. 29), “nas décadas posteriores à Guerra Civil

(1861-1865) (…) a santidade cristã começou mais e mais a ser entendida em termos do

batismo com o Espírito Santo”, criando um conceito de uma segunda bênção, distinta da

conversão. Isto persiste até hoje na maioria das igrejas pentecostais, sendo inclusive

distintivo para seleção e consagração de obreiros.

Ainda como fruto destes “despertamentos”, Charles Parham (1873-1929) um

pregador metodista influenciado pelo movimento de santidade (holiness), criou em 1900

um instituto bíblico em Topeka, estado do Kansas nos Estados Unidos. Foi ele o

primeiro a ensinar que o “falar em línguas” (glossolalia) era a evidência inicial do

batismo no Espírito Santo, conseguindo formar futuros líderes em sua escola.

Nesse ínterim, surge o “pentecostalismo moderno” (WOLFART, 2010), a partir

de 1906, com um americano de origem negra, ex-aluno de Parham, chamado William

Seymour (1870-1922).

2 “Despertamento” tem origem na palavra despertar que, de acordo com o dicionário da língua portuguesa, significa acordar, tirar do estado de inércia, animar, avivar, estimular

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1.4 O avivamento da Rua Azusa

O atual movimento pentecostal tem seu retrato mais fiel nas reuniões ocorridas

na cidade de Los Angeles, a partir do dia 9 de abril de 1906. Era um movimento

liderado por William Seymour, em um prédio na Rua Azusa, e que chamava atenção

pelo barulho feito pelos participantes, sendo noticiado na época nos jornais da cidade

como “Estranha Babel de línguas”. Este movimento era estratégico por ser Los Angeles

uma cidade que “recebia muitos imigrantes europeus que se encarregaram de anunciar a

novidade” (ALENCAR, 2010, p. 31)

Essas reuniões persistiram até a morte de Seymour, em 1922 e de sua esposa

Jennie, em 1936. Com a demolição do prédio da Rua Azusa foram encerrados os

trabalhos naquele local, no entanto, o pentecostalismo moderno permaneceu,

espalhando-se pelos Estados Unidos e por várias partes do mundo, inclusive o Brasil.

2. O MOVIMENTO PENTECOSTAL NO BRASIL

A continuação do movimento pentecostal ocorrido na Rua Azusa chegou ao

Brasil em 1910. O sociólogo Paul Freston, com o propósito de explicar a implantação

desse movimento no país, caracterizou-o em “três ondas” (FRESTON, 1994, p. 70). Em

cada uma delas é possível observar uma evolução no movimento pentecostal, sendo que

no final, observou-se um afastamento dos ideais do movimento nascente. No entanto,

ele continuou conhecido como pentecostal, mesmo apresentando algumas variações

grosseiras.

A primeira onda, ocorrida no período de 1910 e 1911, é marcada pela chegada

de duas denominações religiosas, a Congregação Cristã no Brasil (1910) e a Assembleia

de Deus (1911). Essas duas igrejas não foram pioneiras na evangelização do país, pois

outras denominações já haviam se instalado bem antes, como os anglicanos, luteranos,

congregacionais, presbiterianos, metodistas, batistas e episcopais, além da Igreja

Católica, responsável pelo maior número de fiéis e que não se via tão ameaçada por

essas denominações.

As igrejas da primeira onda “dominaram amplamente o campo pentecostal

durante quarenta anos” (MATOS, 2006, p. 38).

A segunda onda é marcada pela fragmentação do campo pentecostal na década

de 50 e início dos anos 60, quando outras denominações pentecostais chegaram ao

Brasil. Foram elas: Igreja do Evangelho Quadrangular (1951), Igreja Evangélica O

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Brasil para Cristo (1955) e Igreja Pentecostal Deus é Amor (1962). Essas denominações

acrescentaram mais um adereço à doutrina pentecostal: a cura divina. Suas reuniões e

pregações tinham como ponto principal a valorização da cura de doenças.

Com a terceira onda, já no final dos anos 70, surge o termo neopentecostalismo

que seria uma caricatura do movimento original (pentecostal), no entanto, não mais

valorizando unicamente aquilo que havia sido preconizado no início como o falar em

línguas. Sua ênfase pautava-se na teologia da prosperidade e, em alguns casos, era

associada a exorcismo de demônios e outras manifestações típicas do movimento

neopentecostal.

A representante maior dessa terceira onda é a Igreja Universal do Reino de Deus

(1977), seguida da Igreja Internacional da Graça de Deus (1980), Igreja Renascer em

Cristo, Comunidade Sara Nossa Terra, Igreja Paz e Vida, Comunidades Evangélicas e

muitas outras.

3. A POPULARIZAÇÃO DO EVANGELHO NO BRASIL

De acordo com o que já foi explicitado, o evangelho deveria ser pregado a todas

as pessoas indistintamente, ou seja, deveria ser acessível ou popularizado. No Brasil,

isto não estava acontecendo a contento, conforme se pode constatar na citação a seguir:

Em 1910, a Igreja Católica celebrava missas em latim, a Igreja Luterana, cultos em alemão, a Igreja Anglicana em inglês. Até mesmo a única igreja pentecostal da época, a Congregação Cristã do Brasil, celebrava seus cultos em italiano (ALENCAR, 2010, p. 19)

Não havia uma reunião religiosa na língua do povo, o português. Isso limitava o

acesso às populações carentes e marginalizadas à mensagem do evangelho, deixando de

fora esta parte significativa da população. Realmente, não havia interesse em privilegiar

essas classes. A maioria nem sabia ler ou escrever, portanto não estavam aptos a receber

esta mensagem.

O movimento pentecostal, portanto, promoveu a popularização do evangelho no

Brasil. No entanto, conforme a citação anterior, essa popularização não se deu com a

primeira representante pentecostal que se limitou exclusivamente à comunidade italiana

estabelecida no país. Por isso, em 1911, uma segunda representante do movimento

pentecostal tomou para si a responsabilidade de dar acesso às camadas mais pobres a

este evangelho.

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Isso aconteceu com a Igreja Assembleia de Deus “que foi a que mais se

expandiu, tanto numérica quanto geograficamente” (MATOS, 2006, p. 38) com

representações em várias localidades do país. Em outras denominações históricas não

houve o mesmo crescimento, permanecendo modestamente.

O mais curioso é que este crescimento não foi demorado ou necessitou de

grandes estratégias. A Assembléia de Deus tornou-se em pouco tempo a maior

representante do protestantismo brasileiro (e do movimento pentecostal) por instalar-se

entre as populações mais pobres. Não para simplesmente valorizar os pobres, mas

“porque nasceu pobre” (SOUZA, 2004, p. 24).

Enquanto as demais denominações religiosas se instalavam nos grandes centros,

onde a população era híbrida3 e bem mais exigente, dois missionários suecos

provenientes dos Estados Unidos e que haviam conhecido o “batismo no Espírito

Santo”, chegaram ao Brasil graças a uma profecia recebida. Eram eles Daniel Berg e

Gunnar Vingren. Foram para a cidade de Belém do Pará e lá fundaram a que se tornaria

a maior igreja pentecostal no Brasil (DALGALARRONDO, 2008, p. 120). A partir

dessa experiência, toma impulso o movimento pentecostal e é possível observar um

crescimento espantoso dessa denominação religiosa.

De acordo com dados obtidos na época, o número de membros dessa igreja

cresceu de 20, em sua fundação, para 14.000 em 1930 e em 1940, cresce para 80.000,

tendo atingido a marca de 120.000 membros em 1950 (READ, 1967, p. 121). A partir

daí surgiram as denominações da segunda onda e que também contribuíram para o

avanço do número de pentecostais, bem como da popularização do evangelho no Brasil.

Estima-se que hoje “mais de 80% da população evangélica [brasileira] é

pentecostal” (ALENCAR, 2010, p. 46). Este número compreende as igrejas pentecostais

históricas da primeira onda, as da segunda onda e as neopentecostais que hoje

contribuem consideravelmente para o aumento dessa estatística.

4. CONTRIBUIÇÕES DO PENTECOSTALISMO PARA O PAÍS

Não se pode fazer uma avaliação correta de como estaria o protestantismo

brasileiro sem o fenômeno do movimento pentecostal. No entanto, pode-se especular

que certamente não haveria hoje uma população de 26,6 milhões de evangélicos no

3 De acordo com o dicionário da língua portuguesa, híbrido é relativo a elementos provenientes de línguas diversas.

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Brasil de acordo com o último Censo de 2000 (IBGE, 2000). Talvez este número fosse

muito menor sem o efeito causado pelo movimento pentecostal.

Mas esta contribuição não é só quantitativa. De acordo com o que foi explicitado

anteriormente, este número deve-se principalmente à inclusão das classes menos

favorecidas que não se adequavam ao “rígido, tradicionalista e rotineiro” protestantismo

histórico (MATOS, 2006, p. 48). Então, a inclusão torna-se um fator preponderante nas

contribuições do pentecostalismo no Brasil.

É importante ressaltar que atualmente esse movimento não se restringe somente

às classes menos favorecidas. Pelo contrário, com as novas denominações provenientes

da terceira onda (neopentecostais) e a atualização do pensamento das igrejas

pentecostais históricas, de certa forma, influenciadas pelos novos pentecostais, o

movimento passou a abranger também pessoas da classe média. Para isso, construiu

suntuosos templos nos grandes centros do país, situados em áreas nobres das grandes

cidades.

O movimento pentecostal também fez com que o relacionamento com Deus

fosse mais profundo, onde o cristão se utilizava de um culto mais alegre e fervoroso e

uma vida mais plena e de satisfação. As emoções surgiram com mais intensidade e isso

agradou muito as pessoas. A prova disso são os louvores que hoje conseguem ser mais

eficazes, sobretudo na evangelização das pessoas.

No entanto, há que se ressaltar também os problemas que foram gerados após a

instalação do movimento pentecostal como: o desprezo pelas escrituras, um falso

conceito de vida espiritual que se sustenta num “toma-lá-dá-cá” com Deus, a

infalibilidade dos pastores, a fuga dos princípios éticos que outrora regiam o movimento

e a deturpação do culto. São esses alguns problemas que permeiam o dia-a-dia das

igrejas pentecostais. Mas esta é uma reflexão que não faz parte, neste momento, do

objetivo desta discussão.

É bem verdade que já se observa uma melhora em alguns desses pontos, mas

ainda é algo muito primário e carece de muita discussão e conscientização quanto a um

possível retorno ao protestantismo pentecostal ideal ou pentecostalismo clássico.

CONCLUSÃO

Conhecer a história do movimento pentecostal e seus efeitos nos dias atuais

proporciona um pensamento mais crítico e reflexivo acerca da popularização do

evangelho no Brasil.

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Ainda que o movimento pentecostal seja tachado como retrógrado ou

antiintelectualista, seus dividendos são bem mais apreciáveis por contemplarem a

maioria dos evangélicos existentes hoje no país. Não se excluem aqui os problemas,

pelo contrário, propõe-se uma discussão mais acurada acerca das incompreensões e

mesmo dos erros persistentes.

Sendo assim, a discussão sobre o movimento pentecostal requer bem mais do

que meras afirmações isoladas. É preciso que haja mais dedicação ao conhecimento da

causa e, portanto, elaboração de novas pesquisas acerca dos possíveis problemas

encontrados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALENCAR, Gedeon. Assembleia de Deus – origem, implantação e militância (1911-1946). São Paulo: Arte Editorial, 2010, 192p.

DALGALARRONDO, Paulo. Religião, psicopatologia e saúde mental. Porto Alegre: Artmed, 2008, 288p.

FRESTON, Paul. “Breve história do pentecostalismo brasileiro”. In: ANTONIAZZI, Alberto et al. Nem anjos nem demônios: interpretações sociológicas do pentecostalismo. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 70.

IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2000. www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2000/populacao/religiao_Censo2000.pdf. Acessado em 21/set/2010.

LOPES, Augustus Nicodemus. “Paulo e os ‘Espirituais’ de Corinto”. Fides Reformata. São Paulo, 3/1, 1998.

MATOS, Alderi Souza de. “O Movimento Pentecostal: reflexões a propósito do seu primeiro centenário”. Fides Reformata, São Paulo, XI, n. 2, 2006, p. 23-50.

MENDONÇA, Antonio Gouveia. Protestantes, pentecostais & ecumênicos; os campos religiosos e seus personagens. São Bernardo do Campo: UMESP, 1997.

READ, Wilian R. Fermento religioso nas massas religiosas do Brasil. São Paulo: Imprensa Metodista, 1967.

SOUSA, Alexandre Carneiro de. Pentecostalismo: de onde vem, para onde vai?: um desafio às leituras contemporâneas da religiosidade brasileira. Viçosa: Ultimato, 2004, 152p.

STAMPS, Donald C. Bíblia de Estudo Pentecostal: Antigo e Novo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 1995. 2030p.

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WOLFART, Graziela. Pentecostalismo: traços históricos. (Entrevista com Alderi Souza de Matos). Revista do Instituto Humanitas Unisinos. Disponível em www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3207&secao=329. Acessado em 21/set/2010.

Bibliografia lida não citada

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NAÑEZ, Rick M. Pentecostal de coração e mente: um chamado ao dom divino do intelecto. São Paulo: Vida, 2007, 430p.

LOPES, Augustus Nicodemus. O que estão fazendo com a Igreja: Ascensão e queda do movimento evangélico brasileiro. São Paulo: Mundo Cristão, 2008, 201p.

REVISTA Época. A nova reforma protestante. Edição 638 de 9 de agosto de 2010, p. 84-92.

REVISTA Manual do Obreiro. Distintivos pentecostais. Ano 29, Ed. 35, 2006, p. 35-38.

SOUZA, Etiane Caloy Bovkalovski de & MAGALHÃES, Marionilde Dias Brepohl de. “Os pentecostais: entre a fé e a política”. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 22, n. 43, 2002, p. 85-105.