o mito de jÚpiter e a questÃo do incesto no … · nho da alma, contra escápula, ... o vestido...

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1026 Cadernos do CNLF, vol. XXI, n. 3. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2017. O MITO DE JÚPITER E A QUESTÃO DO INCESTO NO APOLOGÉTICO DE TERTULIANO: MITO E QUESTÕES DE TRADUÇÃO Luís Carlos Lima Carpinetti (UFJF) [email protected] RESUMO Imerso nos escombros da antiga civilização greco-romana, o culto cristão era alvo das maledicências e difamações, e assim se nos apresenta no texto do Apologeticum, de Tertuliano. Nessa obra, como renomado jurista, Tertuliano transita entre as crenças pagãs e articula uma defesa do cristianismo como religião e culto alternativos a um universo de crenças e superstições que vicejam no decadente mundo romano que se debate em aguda crise econômica. Neste artigo, discorremos sobre o mito de Júpiter e sobre a questão do incesto imputado aos cristãos em suas práticas secretas. Discorre- remos sobre a origem e relações de Júpiter, pai e deus dos deuses, bem como sobre Ctésias de Cnido e sobre história de Édipo. Os rituais cristãos despertam curiosidade e são suscetíveis a questionamentos de diversas ordens. Apresentamos o texto de Ter- tuliano no qual este mito é discutido pelo jurista Tertuliano, na passagem no caput IX, parágrafos 16 a 20, e propomos a esse texto uma tradução nossa. Palavras-chave: Mitos romanos. Mito de Júpiter. Tertuliano. Apologética. Tradução. 1. Introdução: o autor Tertuliano e sua obra Apologético Tertuliano viveu aproximadamente 60 anos, a partir de 160 a 220 d.C. aproximadamente. As informações sobre a biografia de Tertuliano advêm de suas obras e de comentários de outros autores. Segundo a tra- dição, Tertuliano cresceu em Cartago, onde teria nascido; é filho de um centurião romano, advogado treinado e padre ordenado. Essas afirmações são de Eusébio de Cesareia, em sua História Eclesiástica 144 . Quanto a São Jerônimo 145 , alega este que o pai de Tertuliano tinha a posição de centurião proconsular no Exército romano na África. Porém, não está claro se esta posição sequer existiu nas forças militares romanas. O que sua obra revela é o trato cuidadoso da palavra e da oratória, fruto de seu conhecimento da retórica judiciária romana e da cultura gre- co-romana. Manejava com desenvoltura o vocabulário jurídico. Contudo, 144 História Eclesiástica, Livro II, capítulo II. 145 De uiris illustribus, cap. 53.

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1026 Cadernos do CNLF, vol. XXI, n. 3. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2017.

O MITO DE JPITER E A QUESTO DO INCESTO

NO APOLOGTICO DE TERTULIANO:

MITO E QUESTES DE TRADUO

Lus Carlos Lima Carpinetti (UFJF)

[email protected]

RESUMO

Imerso nos escombros da antiga civilizao greco-romana, o culto cristo era alvo

das maledicncias e difamaes, e assim se nos apresenta no texto do Apologeticum, de

Tertuliano. Nessa obra, como renomado jurista, Tertuliano transita entre as crenas

pags e articula uma defesa do cristianismo como religio e culto alternativos a um

universo de crenas e supersties que vicejam no decadente mundo romano que se

debate em aguda crise econmica. Neste artigo, discorremos sobre o mito de Jpiter e

sobre a questo do incesto imputado aos cristos em suas prticas secretas. Discorre-

remos sobre a origem e relaes de Jpiter, pai e deus dos deuses, bem como sobre

Ctsias de Cnido e sobre histria de dipo. Os rituais cristos despertam curiosidade

e so suscetveis a questionamentos de diversas ordens. Apresentamos o texto de Ter-

tuliano no qual este mito discutido pelo jurista Tertuliano, na passagem no caput IX,

pargrafos 16 a 20, e propomos a esse texto uma traduo nossa.

Palavras-chave: Mitos romanos. Mito de Jpiter. Tertuliano. Apologtica. Traduo.

1. Introduo: o autor Tertuliano e sua obra Apologtico

Tertuliano viveu aproximadamente 60 anos, a partir de 160 a 220

d.C. aproximadamente. As informaes sobre a biografia de Tertuliano

advm de suas obras e de comentrios de outros autores. Segundo a tra-

dio, Tertuliano cresceu em Cartago, onde teria nascido; filho de um

centurio romano, advogado treinado e padre ordenado. Essas afirmaes

so de Eusbio de Cesareia, em sua Histria Eclesistica144. Quanto a

So Jernimo145, alega este que o pai de Tertuliano tinha a posio de

centurio proconsular no Exrcito romano na frica. Porm, no est

claro se esta posio sequer existiu nas foras militares romanas.

O que sua obra revela o trato cuidadoso da palavra e da oratria,

fruto de seu conhecimento da retrica judiciria romana e da cultura gre-

co-romana. Manejava com desenvoltura o vocabulrio jurdico. Contudo,

144 Histria Eclesistica, Livro II, captulo II.

145 De uiris illustribus, cap. 53.

mailto:[email protected]

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Anais do XXI Congresso Nacional de Lingustica e Filologia: Textos Completos 1027

no se deve confundi-lo com um jurista homnimo, mencionado no Di-

gesto. Tertuliano no era um jurista profissional. Observa-se nele o estilo

permeado de arcasmos e provincialismos, traos de linguagem a que

chamamos de africanismos. Suas imagens so brilhantes, e seu tempera-

mento apaixonado.

Sua converso ao cristianismo ocorreu por volta de 197-198, ten-

do sido, provavelmente, um evento repentino e decisivo, pois ela retrata

uma sociedade em que o cristianismo era ensejo para proscries, execu-

es e martrios. Uma pesquisa que revolucionou a leitura da obra de

Tertuliano revela que precisamos observar neste autor o legado dos pos-

tulados retricos de Ccero e que, quanto a estes postulados, observem-se

todos os tratados de Ccero, combinados com a disciplina da f crist (ou

regra de vida), dada pela pregao dos apstolos, e a regra de f, haurida

dos textos escritos ou atribudos ao apstolo Paulo. (FREDOUILLE,

2012, p. 42)146

Podemos dividir a sua obra em trs grandes grupos: escritos apo-

logticos, escritos polmicos, escritos disciplinares. categoria de escri-

tos apologticos pertencem as obras cuja meta a defesa da f contra os

opositores. A ela pertencem a obra Aos Pagos, Apologeticum (sua obra

mais conhecida, mais lida e traduzida ao longo dos sculos), O Testemu-

nho da Alma, Contra Escpula, Contra os Judeus. categoria de escri-

tos polmicos pertencem A Prescrio dos Hereges, Contra Marcio,

Contra Hermgenes, Contra os Valentinianos, O Batismo, Scorpiace, A

Carne de Cristo, A Ressurreio da Carne, Contra Prxeas, A Alma.

categoria de escritos ascticos, morais e disciplinares, referenciamos: Aos

Mrtires, Os Espetculos, O Vestido das Mulheres, A Orao, A Pacin-

cia, A Penitncia, Esposa, A Exortao da Castidade, A Monogamia,

O Vu das Virgens, A Coroa, A Fuga na Perseguio, A Idolatria, O Je-

jum, A Pudiccia, O Manto.

Neste artigo, o texto em foco o Apologtico. Tertuliano iniciou

sua tarefa literria no ano de 197. A crtica atual renunciou ao ideal de fi-

xar o ano exato que corresponde publicao de cada uma de suas obras,

146 Em Ernest Renan, pode-se ter uma viso melhor do papel exercido pela comunidade crist de Jerusalm, representada pelos doze apstolos e a misso de So Paulo, com suas inumerveis viagens e fundao de comunidades crists em vrias regies do mundo civilizado antigo. Nesse sentido so relevantes a obra Os apstolos e a obra So Paulo. Em nossa bibliografia, recomendamos a edio da editora Robert Laffont, pelo rigor de seu sistema de referncias e por se tratar do idioma original do clssico da historiografia do cristianismo, Lhistoire des Origines du Christianisme, obra em sete volumes.

1028 Cadernos do CNLF, vol. XXI, n. 3. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2017.

limitando-se a datar as cinco delas que contm aluses histricas que

permitem uma datao relativamente segura: Aos Gentios (In Nationi-

bus), Apologtico (Apologeticum) e Aos Mrtires (Ad Martyras) foram,

provavelmente, publicados no ano de 197 d.C.

O que mais chama a ateno no texto do Apologtico sua imer-

so no mundo pago e seu dialogismo entre a cultura pag e o que este

prope como mudana de mentalidade ou converso, em favor dos ideais

cristos. Neste sentido, articula sua dialtica entre a cultura pag e a pro-

posta de uma nova religio, defendendo os cristos das calnias e difa-

maes a eles imputadas por parte dos gentios. H inmeras acusaes

tais como infanticdio, pedofagia, homicdios de um modo geral, prticas

de orgias secretas e incestos. Tertuliano d conta de defender os cristos

que enfrentavam as perseguies e que eram alvo de calnias, as quais,

por sua vez, tinham por motivao as prticas mencionadas acima.

Neste artigo, abordamos a questo do incesto, que uma relao

sexual entre parentes (consanguneos e afins) dentro dos graus em que a

lei, a moral ou a religio probe ou condena o casamento. O que no

puro, no casto, impudico, impuro. Na histria de Jpiter, observamos

muito a presena do incesto em suas mltiplas unies.

2. Referncias do trecho do Apologtico caput IX, pargrafos 16 a 20

Falaremos primeiramente de Jpiter e suas unies. Zeus, como era

conhecido na Grcia, era um polgamo convicto e foi amante de deusas e

mortais. Primeiramente casou-se com Mtis, deusa da prudncia, filha de

Ttis e de Oceano. Quando Mtis estava grvida de Atenas, Gaia profeti-

zou que esta filha iria destron-lo de seu posto de deus dos deuses, como

havia acontecido com Cronos e Urano e que isso era um ciclo eterno.

Zeus, temendo que isto fosse acontecer, montou uma armadilha: fez uma

brincadeira com Mtis pela qual se metamorfoseariam. Mtis no foi

prudente e aceitou. Em algum momento, Mtis se metamorfoseou em

mosca e Zeus a engoliu. Isto de nada adiantou. Atenas nasceu adulta da

cabea de Zeus. A profecia de Gaia estava errada.

A segunda esposa de Zeus foi Tmis, tit e deusa da justia. As

moiras levaram Tmis at Zeus para se tornar sua esposa. As moiras pro-

fetizaram que Zeus teria muito a aprender com Tmis, que era to sbia

quanto Mtis. Foi ela quem temperou o poder de Zeus com muita sabe-

doria e com seu profundo respeito pelas leis naturais. Entretanto, o casa-

XXI CONGRESSO NACIONAL DE LINGUSTICA E FILOLOGIA

Anais do XXI Congresso Nacional de Lingustica e Filologia: Textos Completos 1029

mento dos dois no foi de total e doce harmonia, pois, embora transitasse

sabedoria entre eles, os ditames de um e de outro sempre tinham um pre-

o muito elevado, pois nada possui soluo definitiva. Assim, o matri-

mnio com Tmis foi desfeito, e Zeus casou-se finalmente com sua irm

Hera. Embora casado com Hera, Zeus tinha inmeras amantes. Ele se

metamorfoseava de diversas maneiras para se relacionar com suas aman-

tes, como a metamorfose em qualquer objeto ou criatura viva, sendo o

caso mais famoso o caso de sua metamorfose em cisne para se relacionar

com Leda, e o touro para se relacionar com Europa. Com Alcmena, ele

se disfarou de Anfitrio e engravidou-a de Hrcules. Com Leda, nasceu-

lhe Helena. Helena era irm gmea da rainha Clitemnestra de Micenas,

irm de Castor e Plux e esposa do rei Menelau de Esparta.

Hera, irm e esposa de Jpiter, era ciumenta e perseguia as aman-

tes e os filhos de tais relacionamentos, a ponto de tentar matar a Hracles

ainda beb. O nico filho de Zeus que Hera no odiava, antes gostava,

era Hermes, filho de Zeus com Maia, devido sua inteligncia. Hera

possua sete templos na Grcia, dos quais no sobrou nenhum, pois H-

racles os destruiu todos, tendo sido, por este feito, reconhecido como he-

ri no Olimpo. Ela era muito vaidosa e sempre quis ser mais bonita que

Afrodite, sua maior inimiga. Zeus tambm foi pai de Persfone, com sua

irm Demter. Zeus tambm foi pai de Eros, com Afrodite.

Percebemos, por este relato, o quanto Zeus praticava relaes in-

cestuosas.

Quanto referncia a Ctsias de Cnido147, a quem Tertuliano alu-

de, ao citar o costume dos persas de terem comrcio carnal com suas

prprias mes, dizem-nos as enciclopdias consultadas que era mdico e

historiador da cidade de Cnido, situada na Cria; que viveu no sculo V

a.C., era mdico particular de Artaxerxes Mnemom, ao qual acompanhou

em 401 a.C. em sua expedio contra seu irmo Cyro, o mais jovem.

Ctsias era o autor de tratados sobre rios, as receitas persas de um relat-

rio sobre a ndia (Indica) e de uma histria sobre a Assria e a Prsia, em

23 livros, chamados Persica, escritos em oposio a Herdoto no dialeto

jnico, decididamente fundados nos Arquivos Reais Persas.

Na obra Persica, Ctsias fez a cobertura da histria da Assria e

da Babilnia para a fundao do imprio Persa; os dezessete restantes

147As anotaes sobre Ctsias de Cnido foram traduzidas do ingls do site https://en.wikipedia.org/wiki/Ctesias, onde se encontram essas informaes.

https://en.wikipedia.org/wiki/Ctesias

1030 Cadernos do CNLF, vol. XXI, n. 3. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2017.

cobrem as notcias at o ano de 398 a.C. Das duas histrias, ns possu-

mos resumos feitos por Photius, e h fragmentos preservados por Ateneu,

Plutarco, Nicolau de Damasco e, especialmente, Diodoro Sculo, cujo se-

gundo livro devido em sua autoria na maior parte a Ctsias. Como rela-

o ao valor dos Persica, tem havido muita controvrsia, tanto na Anti-

guidade quanto modernamente. Embora muitas autoridades antigas o te-

nham tido em alta estima, usando-o para desqualificar Herdoto, um au-

tor moderno escreve que a obra de Ctsias, por falta de confiabilidade,

faz com que Herdoto parea um modelo de preciso. O relato de Ctsias

acerca dos reis assrios faz com que ele no se reconcilie com a evidncia

cuneiforme. O satirista Luciano fez to pouco caso da confiabilidade his-

trica de Ctsias que em sua satrica Histria Verdadeira ele coloca

Ctsias numa ilha, onde o mal fosse punido. Luciano escreveu que o

povo que sofreu o maior tormento foram aqueles que contaram mentiras

quando eles estavam vivos e escreveram histrias mentirosas, entre eles

estavam Ctsias de Cnido, Herdoto e muitos outros.

Na obra Indica, o registro da viso que os Persas sustentaram da

ndia, sob o ttulo de Indica, inclui descries de povos semelhantes aos

deuses, filsofos, artesos e ouro inquantificvel, entre outras riquezas e

maravilhas. de grande valor o fato de registrar as crenas dos persas

sobre a ndia. Restam do livro apenas fragmentos e relatos feitos sobre o

livro por autores a ele posteriores.

dipo Rei, tragdia de Sfocles (497 ou 496 inverno de 406 ou

405 a.C.) nos relata a histria de um rei tebano predestinado a matar seu

pai e a casar-se com sua me. Sabendo disso, seus pais Laio e Jocasta

abandonaram o menino tendo este sido criado pelo rei de Corinto, como

se fosse seu prprio filho. J adulto, retornara a Corinto e acertara a per-

gunta que lhe fora feita pela Esfinge, monstro que era metade leo, meta-

de mulher. Esta no o devorou, e ele se tornou um heri. Diante de uma

peste que assolava a cidade de Tebas, cidade sobre a qual reinava, busca

saber a causa da mesma. Ento, depois de muito investigar e fazer suas

buscas, descobre que o casal que o abandonara quando menino eram seus

pais, Laio e Jocasta. E que, sem o saber, matara a Laio, numa discusso

que tiveram, e se casara com Jocasta, sua me, que morava com ele no

palcio. Diante da descoberta, ele cai em si e descobre que seu ato, inter-

ditado pela religio, era a causa de toda a calamidade. Sua atitude, em

vista do tremendo desconforto ou culpa, foi de vazar seus olhos e sua

me-mulher, Jocasta, se enforcar.

XXI CONGRESSO NACIONAL DE LINGUSTICA E FILOLOGIA

Anais do XXI Congresso Nacional de Lingustica e Filologia: Textos Completos 1031

Sfocles148 escreveu muitas obras teatrais, em nmero de 123, das

quais sete chegaram at nossos dias: As Traqunias, Antgona, Ajax, di-

po Rei, Electra, Filocteto, dipo em Colono. Foi um grande autor teatral

no gnero dramtico trgico, ao lado de squilo e Eurpides, dentre aque-

les cujo trabalho sobreviveu. Por quase 50 anos, Sfocles foi o mais ce-

lebrado teatrlogo nos concursos dramticos da cidade de Atenas, que

aconteciam durante as festas religiosas Leneana e Dionsia. Sfocles

competiu em cerca de trinta concursos, venceu vinte e quatro e, talvez,

nunca tenha ficado abaixo do segundo lugar. Em comparao, squilo

venceu 14 concursos, e foi derrotado por Sfocles vrias vezes, enquanto

Eurpides ganhou apenas 4 competies. Sfocles tambm trabalhou co-

mo ator. Foi ordenado sacerdote de Asclpio, deus da medicina, e eleito

duas vezes para a Junta de generais, que administrava os negcios civis e

militares de Atenas. Dirigiu o departamento do Tesouro que controlava

os fundos da Confederao de Delos. Em suas tragdias, mostra dois ti-

pos de sofrimento: o que decorre do excesso de paixo e o que conse-

quncia de um acontecimento acidental (destino).

Assim vemos as trs referncias literrias do trecho traduzido do

Apologtico de Tertuliano. Passamos agora discusso das escolhas de

traduo que apresentamos do caput IX pargrafos 16 a 20.

3. Discusso de escolhas de traduo

Na sequncia, apresentamos o texto de Tertuliano em latim:

IX.16. Proinde incesti qui magis quam quos ipse Iuppiter docuit? Persas cum suis matribus misceri Ctesias refert. Sed et Macedones suspecti, quia,

cum primum Oedipum tragoediam audissent, ridentes incesti dolorem:

" ", dicebant, " !". 17. Iam nunc recogitate, quantum li-ceat erroribus ad incesta miscenda, suppeditante omaterias passiuitate luxuri-

ae. Inprimis filios exponitis suscipiendos ab aliqua praetereunte misericordia

extranea, uel adoptandos melioribus parentibus emancipatis. Alienati generis necesse est quandoque memoriam dissipari; et simul error impegerit, exinde

iam tradux proficiet incesti serpente genere cum scelere. 18. Tunc deinde quo-

cumque in loco, domi, peregre, trans freta, comes est libido, cuius ubique sal-tus facile possunt alicubi ignaris filios pangere uel ex aliqua seminis portione,

ut ita sparsum genus per commercia humana concurrat in memorias suas, ne-que eas caecus incesti sanguinis agnoscat. 19. Nos ab isto euentu diligentissi-

ma et fidelissima castitas saepsit, quantumque ab stupris et ab omni post ma-

trimonium excessu, tantum et ab incesti casu tuti sumus. Quidam multo secu-

148 As anotaes relativas biografia de Sfocles, foram colhidas no site https://pt.wikipedia.org/wiki/Sofocles.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Sofocles

1032 Cadernos do CNLF, vol. XXI, n. 3. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2017.

riores totam uim huis erroris uirgine continentia depellunt, senes pueri. 20. Haec in uobis esse si consideraretis, proinde in Christianis non esse perspice-

retis. Idem oculi renuntiassent utrumque. Sed caecitatis duae species facile

concurrunt, ut qui non uident quae sunt, uidere uideantur quae non sunt. Sic per omnia ostendam. Nunc de manifestioribus dicam.

Passemos anlise das frases e apresentao das escolhas feitas

de traduo.

A frase Proinde incesti qui magis quam quos ipse Iuppiter docuit?

representa uma constatao das vrias prticas de incesto atribudas a J-

piter, deus dos deuses na mitologia pag. uma pergunta retrica. Nesta

frase, o verbo docuit tem como complemento o pronome demonstrativo

quos, o qual determinado pelo genitivo singular de incestum, -i. Em

quos est subentendido um substantivo masculino plural que entendemos

que seja algo como casus, us que entendemos como caso, ocorrn-

cia. Como docere um verbo que seria apresentar provas, documentar,

instruir no processo judicial, criamos uma locuo verbal que traduzi-

mos como apresentar ocorrncias. O genitivo incesti um genitivo ob-

jetivo, complemento nominal de quos.

Assim resolvemos traduzir a frase como: Por conseguinte, quem

mais apresentou ocorrncias de incesto do que as que o prprio Jpiter

apresentou?

A frase Persas cum suis matribus misceri Ctesias refert apresenta

o verbo dicendi refero e uma orao infinitiva persas cum suis matribus

misceri. Refero relatar, narrar. Aqui a informao sobre Ctsias de

Cnido decisiva para se entender que se trata de uma narrativa histrica,

sendo este autor um historiador da cultura oriental. Como a expresso

misceri no se aplica a uma voz ativa, entendemos que o mesmo trata de

uma voz mdia ou depoente. Era muito comum que os verbos de voz ati-

va passassem a ser depoente e vice-versa, segundo Alfred Ernout149. As-

sim entendemos que misceri uma voz mdia (depoente).

Assim traduziramos por enroscar-se, ter comrcio carnal: Ct-

sias de Cnido150 relata que os persas tm comrcio carnal com suas pr-

prias mes.

149 Alfred Ernout (1989, p. 1150. Consulte-se suas informaes sobre o verbo depoente.

150 Mdico de Artaxerxes Memnon, o qual ele acompanhou em sua expedio contra Ciro em 401 a.C. Consultar suas Histoires de lOrient, Paris, Les Belles-Lettres, 1991.

XXI CONGRESSO NACIONAL DE LINGUSTICA E FILOLOGIA

Anais do XXI Congresso Nacional de Lingustica e Filologia: Textos Completos 1033

Tratemos do trecho Sed et Macedones suspecti, quia, cum primum

Oedipum tragoediam audissent, ridentes incesti dolorem: " ", di-

cebant, " !". A orao Sed et Macedones suspecti um sin-

tagma nominal no qual est subentendido o verbo esse. A orao causal

quia dicebant ridentes incesti dolorem aponta o motivo de se suspeitar

dos macednios: o riso diante da frase em grego " -

!" (lana-te sobre tua me), ao ouvirem pela primeira vez a tragdia

dipo-Rei.

Assim traduzimos: Mas os macednios so tambm suspeitos,

porque, quando, pela primeira vez, ouviam a tragdia de dipo, rindo da

dor do incesto, diziam 'Lana-te sobre tua me!'

Passemos ao trecho Iam nunc recogitate, quantum liceat erroribus

ad incesta miscenda, suppeditante materias passiuitate luxuriae. Esta-

mos diante de um convite reflexo com o imperativo recogitate, que

podemos traduzir, como nossa preferncia, pela segunda pessoa do plu-

ral, porque um discurso pomposo e formal, refleti. Este verbo tem

como complemento uma orao interrogativa subordinada quantum lice-

at erroribus ad incesta miscenda, e um ablativo absoluto suppeditante

materias passiuitate luxuriae, que podemos traduzir por o quanto se d

permisso aos vossos equvocos para se misturar os incestos, quando a

promiscuidade da devassido multiplica as ocasies.

Destarte, temos: Eia, refleti agora o quanto se permite aos vossos

equvocos cometer incestos, com a promiscuidade da devassido que

vem ao encontro das ocasies.

Adiante ao trecho Inprimis filios exponitis suscipiendos ab aliqua

praetereunte misericordia extranea, uel adoptandos melioribus parenti-

bus emancipatis.Notamos aqui o uso alternado da preposio de forma

pouco comum: no primeiro caso, h uma personificao da misericrdia,

j no segundo caso ou omitida por se subentend-la j presente, ou por

ausncia de necessidade. Em ambos os casos, os ablativos trazem a fun-

o de agente da passiva, complementos dos particpios futuros passivos

suscipiendos e adoptandos. Estamos diante de um primeiro passo: o

abandono dos filhos merc da compaixo dos outros ou da adoo por

pais melhores.

Assim, pensamos em traduzir da seguinte forma: Primeiramente,

abandonais vossos filhos a fim de que a compaixo dos outros deles se

encarregue ou que pais melhores os adotem.

1034 Cadernos do CNLF, vol. XXI, n. 3. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2017.

Tratemos agora do trecho Alienati generis necesse est quandoque

memoriam dissipari; et simul error impegerit, exinde iam tradux profici-

et incesti serpente genere cum scelere. Fala-se da necessidade de que a

lembrana da famlia da qual se separou se desvanea. E que, uma vez

que o erro tenha sido plantado, a partir dele a raiz do incesto far pro-

gressos com o rastejar da famlia com o crime. interessante notar os

seguintes itens lexicais: o verbo impingere (plantar em, incutir), o subs-

tantivo tradux (rama, sarmento) e o verbo serpere (serpentear, rastejar),

quando os mesmos denotam uma gradao de movimentos, comeando

pelo plantio, passando pelo vegetal que se alastra e terminando pelo mo-

vimento prprio do rptil.

Assim temos: "Faz-se mister que a lembrana de sua famlia que

se lhe tornou estranha, um dia se desvanea e, to logo o erro tiver sido

incutido, far progressos a rama do incesto, com a famlia rastejando-se

com o crime".

Passemos ao trecho Tunc deinde quocumque in loco, domi, pere-

gre, trans freta, comes est libido, cuius ubique saltus facile possunt ali-

cubi ignaris filios pangere uel ex aliqua seminis portione, ut ita sparsum

genus per commercia humana concurrat in memorias suas, neque eas

caecus incesti sanguinis agnoscat. Percebe-se neste trecho a constncia e

insistncia do desejo carnal, sua atuao inconsciente das consequncias

e o reinado do acaso e das situaes fortuitas. O trecho aponta para o fato

de que o desejo carnal acompanha o indivduo onde quer que esteja, e

que os desvios desse desejo podem facilmente gerar-lhe filhos em algum

lugar sem que os mesmos tenham conhecimento ou de alguma poro da

semente, de tal modo que a famlia disseminada pelas relaes humanas

se encontre em suas lembranas e, inconsciente do sangue incestuoso,

no as reconhea.

Assim traduzimos:

Ento, novamente, em qualquer que seja o lugar, em casa, em pas estran-geiro, atravs dos mares, a paixo lhe companheira, cujos desvios em toda

parte podem, em algum lugar, facilmente vos gerar filhos sem que tenhais co-nhecimento ou que se origine de alguma poro da semente, de tal modo que a

famlia disseminada pelas relaes humanas se encontre em suas lembranas

e, inconsciente do sangue incestuoso, no as reconhea.

O pargrafo 19 traz o seguinte texto: Nos ab isto euentu diligen-

tissima et fidelissima castitas saepsit, quantumque ab stupris et ab omni

post matrimonium excessu, tantum et ab incesti casu tuti sumus. Quidam

multo securiores totam uim huis erroris uirgine continentia depellunt,

XXI CONGRESSO NACIONAL DE LINGUSTICA E FILOLOGIA

Anais do XXI Congresso Nacional de Lingustica e Filologia: Textos Completos 1035

senes pueri. O foco da situao apresentada anteriormente, muda, da ati-

tude dos gentios, para a atitude dos cristos perante esta situao. Isto faz

lembrar as admoestaes do texto do Evangelho dadas por Jesus a seus

discpulos, nas quais, diante de uma dada situao corrente na atitude re-

ligiosa hipcrita de fariseus e escribas, Jesus lhes aconselhava o contr-

rio. Consulte-se Mateus 23, 8 e ver-se- o contraste da fala de Jesus em

relao atitude religiosa dos fariseus e escribas151. Tertuliano articula

sua fala em conformidade com a tradio apostlica, segundo a regra de

vida152.

Assim traduzimos o trecho apresentado:

A ns protegeu deste tipo de acontecimento a diligentssima e fidelssima castidade, tanto quanto das relaes sexuais e de todo falecimento depois do

matrimnio, como tanto somos protegidos do ensejo do incesto. Alguns entre

ns, muito mais seguros, desviam toda a fora deste erro por uma continncia virginal, velhos puros como crianas.

Para terminar o texto de Tertuliano que selecionamos, passemos

ao pargrafo 20: Haec in uobis esse si consideraretis, proinde in Christi-

anis non esse perspiceretis. Idem oculi renuntiassent utrumque. Sed cae-

citatis duae species facile concurrunt, ut qui non uident quae sunt, uidere

uideantur quae non sunt. Sic per omnia ostendam. Nunc de manifestiori-

bus dicam. O trecho reflete sobre um mecanismo muito comum junto s

pessoas que a projeo sobre o outro da viso que temos de ns mes-

mos. Desta maneira os pagos enxergam nos rituais secretos algo como a

devassido e tudo que dela decorre, como a fonte de todos os outros v-

cios, sobretudo se a lngua que os cristos utilizam contm os mesmos

significantes da dos gentios. Lembremos de amare do qual nos d teste-

munho a poesia de Catulo e todas as implicaes de paixo, amor carnal

e outros153.

Assim traduzimos o trecho:

Portanto, se vs considersseis haver em vs esses crimes, vs vereis cla-ramente no hav-los entre os cristos. Os mesmos olhos vos teriam apresen-

tado uma e outra coisa. Mas as duas espcies de cegueira facilmente coexis-

151Em portugus no Evangelho aparece a expresso quanto a vs, em latim uos autem, em grego .

152 Leia-se Jean-Claude Fredouille (2012, p. 42), onde encontramos o termo latino disciplina como regra de vida.

153 Lembre-se tambm do seriado Roma, a inscrio no portal da casa da personagem Attia Attia amat omnes. Attia era a mulher mais devassa do seriado.

1036 Cadernos do CNLF, vol. XXI, n. 3. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2017.

tem de modo que aqueles que no veem o que h parecem ver o que no h. Assim o mostrarei atravs de toda a sequncia. Agora falarei dos crimes a to-

dos mais visveis.

Agora apresentamos o resultado de nosso trabalho com toda a se-

quncia:

16. Por conseguinte, quem mais apresentou ocorrncias de incesto do que

as que o prprio Jpiter apresentou? Ctsias de Cnido154 relata que os persas

tm comrcio carnal com suas prprias mes. Mas os macednios so tambm suspeitos, porque, quando, pela primeira vez, ouviam a tragdia de dipo, rin-

do da dor do incesto, diziam Lana-te sobre tua me!155

17. Eia, refleti agora o quanto se permite aos vossos equvocos cometer incestos, com a promiscuidade da devassido que vem ao encontro das ocasi-

es. Primeiramente, abandonais vossos filhos a fim de que a compaixo dos outros deles se encarregue ou que pais melhores os adotem. Faz-se mister que

a lembrana de sua famlia que se lhe tornou estranha, um dia se desvanea e

que, to logo o erro tiver sido plantado, far progressos a rama do incesto, com a famlia rastejando-se com o crime.

18. Ento, novamente, em qualquer que seja o lugar, em casa, em pas es-

trangeiro, atravs dos mares, a paixo lhe companheira, e os seus desvios em

toda parte podem, em algum lugar, facilmente vos gerar filhos sem que te-

nhais conhecimento ou que se originem de alguma poro da semente, de tal

modo que a famlia disseminada pelas relaes humanas se encontre em suas lembranas e, inconsciente do sangue incestuoso, no as reconhea.

19. A ns protegeu deste tipo de acontecimento a diligentssima e fidels-

sima castidade, tanto quanto das relaes sexuais e de todo falecimento depois do matrimnio, como tanto somos protegidos do ensejo do incesto. Alguns en-

tre ns, muito mais seguros, desviam toda a fora deste erro por uma conti-

nncia virginal, velhos puros como crianas.

20. Portanto, se vs considersseis haver em vs esses crimes, vs vereis

claramente no hav-los entre os cristos. Os mesmos olhos vos teriam apre-

sentado uma e outra coisa. Mas as duas espcies de cegueira facilmente coe-xistem de modo que aqueles que no veem o que h parecem ver o que no h.

Assim o mostrarei atravs de toda a sequncia. Agora falarei dos crimes a to-

dos mais visveis.

4. Concluso

A mitologia pag, retratada na figura de Jpiter, de dipo e nas

fontes a que Tertuliano teve acesso nos trazem, tambm segundo o tes-

154 Mdico de Artaxerxes Memnon, o qual ele acompanhou em sua expedio contra Ciro em 401 a.C. Consultar suas Histoires de lOrient, Paris, Les Belles-Lettres, 1991.

155 Em grego:

XXI CONGRESSO NACIONAL DE LINGUSTICA E FILOLOGIA

Anais do XXI Congresso Nacional de Lingustica e Filologia: Textos Completos 1037

temunho de Tertuliano, uma cultura em que o incesto era uma prtica

corrente, que, infelizmente, no cessou em to recuadas eras, permeando

ainda hoje, o noticirio da televiso e da mdia. O abuso sexual praticado

por adultos contra menores da mesma famlia crime, segundo legisla-

o vigente em vrias regies do mundo civilizado. Entretanto, isto no

pode impedir que crianas e adolescentes sejam vtimas da prtica de

abuso sexual e at de prostituio.

Os rituais cristos, com seus cnticos em plena madrugada, em

locais de difcil acesso e restrito ao pblico, despertavam a curiosidade e

atiavam a imaginao. Como os cristos se utilizavam dos mesmos sig-

nificantes da lngua do paganismo, era natural que os pagos entendes-

sem e interpretassem o que ouviam e o que lhes era vedado ver segundo

suas experincias e vivncias correntes. Citamos como exemplo a poesia

de Catulo que traduz o que significa amar na cultura pag romana, e

tambm nos lembramos da personagem Attia, do seriado Roma.

A defesa de Tertuliano em favor dos cristos, nesse to delicado

assunto, permanece atual, no sentido em que a humanidade ter que pas-

sar ainda por muitas evolues a fim de que se resolva emocional e afeti-

vamente acerca da proposta do amor revelado na religio crist, num

mundo em que vive na Idade de Ferro do materialismo e da busca desen-

freada da sobrevivncia e dos bens materiais.

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