o minotauro imperial

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7/25/2019 o Minotauro Imperial http://slidepdf.com/reader/full/o-minotauro-imperial 1/318 O MINOTAURO IMPERIAL A BUROCRATIZAÇÃO DO ESTADO PATRIMONIAL BRASILEIRO NO SÉCULO XIX

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  • 7/25/2019 o Minotauro Imperial

    1/318

    O M I N O T A U R O

    I M P E R I A L

    A B U R O C R A T I Z A O D O E S T A D O

    P A T R I M O N I A L B R A S I L E I R O N O

    S C U L O X I X

  • 7/25/2019 o Minotauro Imperial

    2/318

    CORPO

    L M

    DO BR SIL

    Direo do

    Pro f . F e rnando Henr i que Ca rdoso

    L V

    Outubro de 1978

  • 7/25/2019 o Minotauro Imperial

    3/318

    FERNANDO URICOECHEA

    O MINOT URO

    IMPERI L

    A BUROCRATIZAO DO

    ESTADO PATRIMONIAL

    BRASILEIRO NO

    SCULO XIX

    f

    D I F E L

    Rio de Janeiro So Paulo

  • 7/25/2019 o Minotauro Imperial

    4/318

    Direitos exclusivos desta edio

    D I F E L / D I F U S O E D I T O R I A L S .A

    Av en id a. Passos, 122 11. anda r

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  • 7/25/2019 o Minotauro Imperial

    5/318

    Para

    MARA CRISTINA

  • 7/25/2019 o Minotauro Imperial

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    L I S T A D E A B R E V I A E S E M P R E G A D A S N A S N O T A S

    A E B :

    Arquivo H is tr i co do Estado da Bah ia

    A H R G S :

    Arqu i vo H i s t r i co do R io Grande do Su l

    A N :

    A rq u i v o Na c i on a l

    A P M : Arqu i vo Pb l i co M ine i ro

    B P E R :

    Arquiyo da Bib l ioteca Pbl ica do Estado do Rio de Janeiro

    bat.:

    bata lho

    CS : Com andante Super ior

    cap.: capito

    col. :

    corone l

    com. : comandante

    comp. :

    companhia

    Ch.:

    Ch e f e

    G . N . :

    Guarda Nac i ona l

    int.:

    interino

    j.p.:

    juiz de paz

    Leg . :

    leg io

    MJ :

    Ministro da Justia

    Ms :

    Manuscr i to

    o f . : o f c io

    P P : Presidente da Pro vnc ia

    pac. : pacote

    se.: seo de com pan hia

    ten.: tenente

    V ice-P . :

    V ice-Pres idente

  • 7/25/2019 o Minotauro Imperial

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    SUMARIO

    Pre fc i o 9

    Introduo 13

    I . A G N E S E D O C O N T E X T O P A T R I M O N I A L 21

    i . A empresa colo nial , 23

    i i . O pad ro da co loniza o , 28

    i i i . Adm inistrao e prebendal ismo , 31

    iv . O con texto agr rio, 38

    I I . S E N H O R E S D E T E R R A E M I L I T A R E S : A S R A Z E S CO -

    L O N I A I S 5 5

    I I I . E X P A N S O E D I F E R E N C I A O D O E S T A D O B U R O -

    C R T I C O 8 1

    i. O contraste l ibe ral: o Brasil e a A m r ic a hispnica, 83

    i i . A Gua rda Cv ica : uma corp ora o estamenta l, 88

    i i i . Expa nso e d i ferenciao do Estado, 90

    iv . Po de r estatal e po de r pri va do : a arte de pactuar, 107

    I V . A O R G A N I Z A O D A S M I L C I A S P A T R I M O N I A I S . . . . 125

    i . A m il i tar izao da sociedade local , 127

    i i . A Gu arda N ac ion al : sua estrutura e fun es , 132

    V . A S M I L C I A S E A R O T I N A A D M I N I S T R A T I V A 147

    i. A base p blica da adm inistra o, 149

    ii. A base pri va da da adm inistra o, 153

    i i i . O pro jet o senhorial , 160

    V I . A R O T I N A C O R P O R A T I V A E O P R O I E T O C O R P O R A -

    T I V O 1 7 9

    i

    ii

    A obstinao da realidade, 181

    Contrapontos regionais, 190

    Algumas fontes de perverso, 198

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    8/318

    V I I . O M I L I C I A N O G A C H O : " S E N H O R D A S D I S T N C I A S "

    223

    i. A s orige ns da socied ade gacha, 225

    ii . Al gu ns aspectos orga niza cion ais das m il cias gachas, 229

    i i i . Os fund am entos pr ivad os, 231

    iv . O pr oje to gac ho, 233

    v . O comandante da f ronte i ra : o per i to

    diletante,

    249

    V I I I . O E S T A D O B R A S I L E I R O M O D E R N O : D A S M X I M A S

    P A T R I M O N I A I S A O S P R I N C P I O S B U R O C R T I C O S . . 263

    i . Os

    Luddites

    do sert o, 266

    i i .

    Sine Ira et Studio..

    . mais ainda apaix ona dam ente , 268

    i i i . D e Deu s para Petersen em poucas dcadas, 275

    iv . Pad res adm inistrat ivos, 282

    Concluses 299

    B ibl io gra f ia e Fon tes 307

    I . B ib l iogra f ia Ge ra l , 309

    I I . B ib l iogra f ia Espec ia l izada sobre o Bras il e a Am r i ca L a-

    tina, 311

    I I I . A rq u i vo s , 315

    T A B E L A S

    Ta be la I I I - 1 . Despesas pbl icas po r prov ncias e setor: 1822-1823 93

    Ta be la I I I -2 . Despesas pbl icas po r ministr ios e pro vnc ias: Pr i -

    mei ra metade do scu lo X I X 99

    Ta be la I I I -3 . Despesas pbl icas po r ministr ios e prov ncias : 1830-

    1888 100

    Ta be la I I I -4 . Porce ntagem de despesa em de fesa com re lao ao

    tota l de despesa pr ov in ci al : 1830-1888 104

    Tab e la I I I -5 . Porcen tagem de despesa em fazenda com re lao ao

    tota l de despesa pr ov in cia l : 1830-1888 105

    Tab e la I I I - 6 . Porce ntagem de despesa em imp r io co m re lao ao

    tota l de despesa pr ov in cia l: 1830-1888 106

    Ta be la I I I -7 . Por cen tage m de despesa em just ia co m relao ao

    tota l de despesa pr ov in ci al : 1830-1888 107

    Ta be la I I I -8 . Presidentes de Pr ov nc ia : 1822-1889, Pro vnc ias sele-

    cionadas 111

    Ta be la V - l . M inistr io da justia : Despesas of ic ia is de servio no

    ano f isca l : Minas Gera is (1853-54) , Rio de Janeiro

    (1856-57) 151

    Tab e la V -2 . In fo rm a o sobre a f i l i ao pa terna com o funo da

    pos io corpora t i va : P rov nc ia do R io de Jane i ro :

    1870 173

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    PREFCIO

    O presente trabalho uma verso portuguesa de um

    texto originalmente escrito em ingls e apresentado

    como tese de doutoramento Universidade da Califrnia

    (Berkeley) em 1976 com o ttulo

    The Patrimonial Foun-

    dations of the Brazilian Bureaucratic State: Land lords,

    Prinoe and Militias in the XIXth Oentury.

    Com exceo

    das sees iii e iv do captulo iii e do captulo viii, que

    j apareceram em DADOS 14 e 15 respectivamente, o

    resto aparece pela prime ira vez em portugus. Myriam

    Moraes Lins de Barros fez uma primeira verso portu-

    guesa do captulo viii; o resto do texto foi traduzido

    por Fanny Wrobel, a quem quero manifestar meus pro-

    fundos agradecimentos pelo seu esforo e dedicao per-

    manente no processo de traduo. A verso definitiva do

    texto , todavia, de minha inteira responsabilidade. A

    traduo fo i, alis, possvel graas a um aux lio concedido

    pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico

    e Tecnolgico. Agradeo tambm a Fernando Henrique

    Cardoso o interesse pelo texto que tornou possvel a sua

    publicao pela Difel.

    Devo tambm meus agradecimentos Fundao

    Ford pela concesso de uma dotao de pesquisa que

    permitiu a visita aos arquivos histricos de onde se obti-

    veram os dados para este trabalho. O apoio generoso do

    pessoal administrativo dos diversos arquivos facilitou

    enormemente o acesso ao material e, quando necessrio,

    mesmo aquele que ainda se encontra sem classificar.

    Particularmente indispensveis nesse sentido foram:

    Aclair Ramos de Oliveira, Maria de la Encarnacin Es-

    pana Iglesias, Maria Lusa Fernandes de Carvalho e Jos

    Gabriel Costa Pinto no Arquivo Nacional do Rio de Ja-

    neiro. Este ltimo, membro da Seo de Pesquisa do

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    Arquivo Nacional, foi especialmente til em decifrar tre-

    chos manuscritos ocasiona lmen te ilegveis. Igualm en te

    til nesse respeito foi o Diretor do Arquivo Histrico do

    Rio Grande do Sul, Cel. Moacir Domingues, quem, junto

    com Suzana Schunk B rochado, ofereceu uma cooperao

    extraordinariamente valiosa para acelerar o processo de

    coleta de dados. O pessoal do Arqu ivo do Estado da

    Bahia foi caracteristicam ente amvel e coopera tivo. O

    Diretor em exerccio, o senhor Wilson Sampaio do Prado

    Pinto, mostrou uma disposio to generosa como a dos

    outros membros do Arqu ivo e particularmen te Neusa R o-

    drigues Esteves, Adir de Souza Chaves e Tereza Maria dos

    Santos. O acesso ao Arquivo da Biblioteca Pblica do

    Estado do Rio de Janeiro em Niteri deve-se a Yeda

    Gappo Viana de Brito. Todas as pessoas acima facilita-

    ram consideravelmente um processo que, de outra form a,

    teria tomado um espao de tempo muito mais longo.

    Quero tambm agradecer de forma especial a Rui Vieira

    da Cunha, membro da Seo de Pesquisa do Arquivo Na-

    cional. Foram as conversaes com ele que me estimula-

    ram a persistir na idia de pesquisar o papel da Guarda

    Nacional na vida institucional brasileira num momento

    em que a sua importncia era apenas uma vaga intuio.

    Por vrios anos tenho estado associado ao Instituto

    Universitrio de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ).

    Foi ali onde tive a oportunidade de me familiarizar com

    e de tirar proveito intelectual de as diversas ver-

    ses brasileiras de um debate intelectual cuja verso te-

    rica havia conhecido nos meus anos de estudante em

    Berkeley. Tenho uma dvida enorme com o Instituto

    pelo tempo e recursos que colocou liberalmente minha

    disposio. Dos sem inrios e palestras que regularm ente

    ofereo como membro da congregao acadmica tenho

    aproveitado amplamente como tambm dos comentrios

    e crticas de colegas e amigos a diversos trechos deste

    texto. Quero agradecer a Simon Schwartzman, a Carlos

    Hasenbalg e a Olavo Brasil de Lima Jr. seus valiosos co-

    mentrios. Igua lmente valiosos foram os comentrios de

    Csar Guimares que foi, alis, uma fonte oportuna de

    estmulo. Ron Seckinger, Ra fael Bayce e Vicente Bar-

    retto tambm tiveram a gentileza de fazer comentrios

    e observaes crticas. Nenhum deles, porm, estou certo,

    ficar satisfeito com esta verso final ainda quando ela

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    11/318

    incorpora , quando poss vel, as sugestes deles. Ne il J.

    Smelser, Arthur L. Stinchcombe e Tlio Halperin, os

    membros do comit de tese, representaram uma fonte

    desafiante de

    scholarship

    que procurei emular perma-

    nentem ente. A influncia de Max Weber no meu pensa-

    mento manifesta-se de forma evidente nos primeiros ca-

    ptulos. Cheguei a estudar Weber pela primeira vez gra-

    as a uma velha am izade com Dar io Mesa. A todos esses

    amigos e colegas e aos que tenha inadvertidamente omi-

    tido vo meus sentimentos de gratido.

    Quero tambm registrar minha especial gratido

    Maria da Graa Salgado que me deu por mais de um ano

    eficiente assistncia no processo de levantamento de

    dados dos arquivos. A cooperao inteligente e entusias-

    ta dela assim como a oportunidade que amigavelmente

    me ofereceu de discutir diversas questes fo ram decisivas

    para o sucesso da pesquisa. An gela M aria R am alho Vian-

    na, Elizabeth Wendhausen Rochadel e Maria Anita Sei-

    xas Pimenta ajudaram temporalmente tambm na cole-

    ta de dados. Lu iz Henrique Nunes Bah ia contribuiu ge-

    nerosamente com seu tempo na elaborao de um pro-

    grama de computao para processar dados que no

    foram, por razes de economia, empregados neste texto

    e que foram tabulados com enorme pacincia e simpatia

    por Maria Margarita Uricoechea, minha filha. Lcia

    Inez Teixeira da Cunha bateu a primeira verso do ma-

    nuscrito numa lngua estrangeira que desconhece com

    a intuio literria de um bacharel do Imp rio. A todos

    eles, mais uma vez, meus maiores agradecimentos.

    As convenes requerem que eu declare que nenhu-

    ma das pessoas acima mencionadas pode ser responsa-

    bilizada por quaisquer erros nas pg inas seguintes. A

    nica exceo a essa norma minha mulher de tantos

    anos, Maria Cristina Ir iar te. Seu apoio, suas crticas e

    seu carinho tem muito a ver com o que aqui apresento.

    Em certo sentido, este trabalho , assim, tanto meu como

    dela. Dedico-o a ela como uma expresso de m inha dvida

    profunda, inefvel.

    Umas poucas palavras finais com relao aos manus-

    critos citados no texto: deliberadamente me abstive de

    fazer qualquer correo ou modernizao ortogrfica dos

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    12/318

    manuscritos originais. Desta forma evitava a "portanho-

    lizao" questionvel de um Portugus autntico e rano

    e preservava qualquer charme e beleza que os originais

    porventura tivessem. O emprego de maisculas, obsoleto

    hoje em dia em substantivos, foi sempre conservado com

    a segurana, qui no v, de que a nfase implicada

    por trs do emprego delas pudesse nos ensinar algo da-

    quilo que os funcionrios burocrticos e os servidores

    patrimoniais do Brasil de ontem consideravam valioso.

    O emprego de sic, conseqentemente, limitou-se a oca-

    sies infreqentes quando foi considerado essencial.

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    13/318

    INTRODUO

    " A cont ingncia tem suas ra zes no in f in i t o . "

    Le ibn i t z

    apud

    Eduard Bodemann

    Die Leibniz-Handschriften

    O conhecimen to lida com a contingn cia. H, toda-

    via, mtodos diferentes de lidar com ela. Embora a ep-

    grafe acima, de Leibniz, visasse estabelecer terreno slido

    para uma explicao satisfatria da contingncia, uma

    leitura crtica dessa afirmativa provoca uma sensao de

    vertig em epistemolgica. De fato , parte da Crtica da

    Razo Pura,

    de Kant, procura demonstrar a tentativa

    ilusria atravs da qual a razo transcendental se en-

    volve tentando superar tal vertigem por meio da noo

    de um ser necessrio. A razo sociolgica, menos esttica

    e arquitetnica, supera-a lanando mo da histria

    (1 )

    .

    O conhecimento histrico , pois, o nico caminho

    cientfico para escapar ao mal-estar criado pela noo

    perturbadora de um regresso de causas in finit o. No

    obstante, a justificativa sociolgica da

    necessidade

    como

    histrica e no metafsica nem sempre foi acompanhada

    de uma noo igualmente crtica de que o princpio do

    conhecimento dessa necessidade tambm deve ser encon-

    trado, da mesma maneira, na histria e no na metaf-

    sica. A pertincia de esquemas evolutivos no pensamento

    histrico, por exemplo, atesta a pertinncia da distino

    acima.

    Duas linhas importantes de pensamento tm sido

    consistentes em determinar a ambos a necessidade e

    o seu conhecimento na histria. A p rimeira, sistem-

  • 7/25/2019 o Minotauro Imperial

    14/318

    tica, , naturalmente, a que se origina em Karl Marx;

    a segunda, rapsdica, foi a-elaborada por Max Weber.

    O presente trabalho um exerccio de sntese hist-

    rica com a ajuda das categorias sociolgicas de Weber:

    tenta elaborar uma interpretao da experincia hist-

    rica da comunidade poltica brasileira, durante o seu re-

    gime imperial em termos da noo tpica ideal de buro-

    cracia patrimonial. A questo geral aqui colocada como

    objeto principal de pesquisa pode ser indicada como se-

    gue: como se desenvolveu uma dominao burocrtica

    patrimonial no Brasil imperial e, particularmente, qual

    foi o papel do patrimonialismo no processo de desenvol-

    vimento do estado burocrtico moderno.

    A noo de burocracia patrimonial, porm, tem um

    carter um tanto peculiar na perspectiva de uma meto-

    dologia tpica ideal. De fato , a maioria dos prprios tipos

    ideais de Weber criada a partir de um nico princpio

    regulador, o qual provoca a acentuao habitual unilate-

    ral e o carter concomitantemente

    puro

    dos tipos ideais.

    A noo de burocracia patrimonial, porm, um constru-

    to hbrido, com a acentuao simultnea de

    dais

    princ-

    pios reguladores

    opostos:

    a autoridade racional

    e

    a tra-

    dicional. Esta uma estratgia muito excepcional que

    Weber se sentiu forado a empregar, contrariando as

    suas prprias injunes metodolgicas, em virtude do

    prprio significado dessas estruturas para a anlise dos

    processos de mudana. Com efe ito, aps uma discusso

    dos seus tipos ideais de autoridade, ele acrescenta em

    um de seus textos relevantes:

    Ver-nos-emos compelidos, de vez em quando,

    a cunhar expresses como "burocracia patrimo-

    nial" a fim de salientar o fato de traos caracte-

    rsticos do fenmeno respectivo pertencerem em

    parte forma racional de dominao e outros, no

    entanto, forma tradicional . . . .

    Mais freqente e mais vexatrio era o inimigo in-

    terno: o aborgene. Suas incurses rpidas e cautelosas,

    porm, no eram dirigidas contra os privilgios abstratos

    das capitanias mas contra as fortificaes concretas dos

    engenhos rsticos.

    O sistema de administrao do Governo Geral pros-

    seguiu durante todo o restante perodo colonial, com

    algum as pequenas modificaes ocasionais. Novas capi-

    tanias foram criadas conforme a necessidade; o capito-

    geral mudou sua sede para o Rio de Janeiro, medida

    que o ritmo e a vida da colnia se deslocavam em direo

    ao centro, com a emergncia do ciclo da minerao, a

    abertura de novas terras e a ameaa militar da Espanha

    na rea do Pra ta. Muito embora os poucos esforos bu-

    rocrticos iniciais gradualmente se tornassem mais pre-

    cisos e importantes para definir a forma do edifcio co-

    lonial, eles continuavam a ser insuficientes para a admi-

    nistrao de um territrio to vasto sem a cooperao,

    ineficiente mas ainda assim barata, dos prebendrios e

    honoratiores. Embora a proviso de cargos pblicos ain-

    da continuasse a ser, naturalmente, fruto do favor real,

    a proviso anterior de cargos como prebendas em perpe-

    tuidade cedeu lugar criao de prebendas temporrias.

    Como ocorreu na Amrica espanhola, essas restries

    temporais foram provavelmente mais acentuadas para

    os favores inteiramente prebendrios do que para os

    cargos mais tcnicos. Os requisitos tcnicos exigidos

    para o desempenho eficiente de algumas funes admi-

    nistrativas encorajou a gradativa profissionalizao de

    alguns rgos patrimoniais e a elaborao de uma regu-

    lamentao relativamente sistemtica de promoes,

    transferncias, aposentadorias, etc.

    (21)

    . Os maiores avan-

    os nessa direo foram feitos, tipicamente, no judici-

    rio. A adjudicao adequada da justia exigia que o juiz

  • 7/25/2019 o Minotauro Imperial

    34/318

    estivesse familiarizado com uma srie de procedimentos

    e tcnicas que, no infreqentemente, favoreciam a

    transformao da prtica profissional em um exerccio

    esotrico restrito a uns poucos. Durante o sculo X V I I I ,

    qualquer advogado que aspirasse a preencher um cargo

    na Real Audincia tinha que submeter-se a um exame,

    apresentar certificados

    bona fide

    de estudos acadmicos

    e ter praticado durante quatro anos

    (pasantia

    ou

    prti-

    ca)

    no escritrio de um advogado, por sua vez devida-

    mente credenciado

  • 7/25/2019 o Minotauro Imperial

    35/318

    togada francesa ou da nobreza judiciria prus-

    siana, os magistrados portugueses continuavam

    sendo uma elite profissional ao invs de uma

    classe social diferente, embora sempre houvesse

    uma tendncia para eles se tornarem uma

    (23)

    .

    A Relao era, para todos os efeitos e propsitos, um

    instrum ento dcil do senhor supremo. Um outro setor

    cujas funes tenderam profissionalizao, embora no

    num grau to pronunciado como no caso dos ramos mais

    elevados do jud icirio, fo i o Errio Rea l. Descrevendo os

    dispositivos da Amrica colonial espanhola, observa Ots

    Capdequi:

    Mesmo no estgio inicial da colonizao,

    quando era mais notria a predominncia dos in-

    teresses particulares nas expedies de descober-

    ta, conquista e novos povoamentos, foi atravs

    desses funcionrios da Fazenda Real que o estado

    espanhol afirmou sua presena na defesa dos di-

    reitos fiscais da Coroa

    l2i>

    .

    Contudo, os requisitos tcnicos necessrios ao de-

    sempenho dessas funes deviam ser mais prementes no

    Brasil, principalmente levando em considerao o fisca-

    lismo caracterstico da Coroa portuguesa. Alm disso,

    quando temos em mente a ligao tpica entre a admi-

    nistrao fiscal e a burocratizao precoce nessa rea,

    como Weber demonstrou, torna-se fcil compreender

    mais claramente a forma como o processo evoluiu

    (25

    >.

    A prpria origem patrimonial dessa orientao fiscal

    foi, assim, um meio indireto para a burocratizao pro-

    gressiva do governo. A estrutura patrimonial se manti-

    nha mais firme nas fileiras intermedirias e perifricas

    da mqu ina adm inistrativa; o favor real era notavelmen-

    te visvel na proviso municipal e local de cargos, con-

    cedidos provavelmente mais ou menos como prebendas

    militares , com obrigaes policiais e judicirias. En tre-

    tanto, quanto mais burocrtica se tornava a administra-

    o monrquica (atravs dos surtos pragmticos de reor-

    ganizao, correo e redefinio da ordem hierrquica

    dos funcionrios reais e de seus nichos estruturais e com-

    petncias jurisdicionais), mais labirntico se tornava seu

  • 7/25/2019 o Minotauro Imperial

    36/318

    envolvimento nas mximas sancionadas pelo uso da

    administrao prebendria.

    O desenvolvimento da administrao burocrtica ra-

    cional teria sido, de qualquer maneira, to extico como

    a extino espontnea do privilgio e do arbtrio. Um

    princpio burocrtico de coordenao social, com sua in-

    sistncia na objetividade e na universalidade, s poderia

    florescer no interior de uma sociedade familiarizada com

    as mediaes institucionais de organizaes contratuais

    preocupadas com o clculo raciona l. Com o ideo logia efe-

    tiva, um tal princpio teria que ser uma projeo norma-

    tiva de um princpio constitutivo de relaes sociais

    substantivamente baseadas no contra to. O mundo colo-

    nial, todavia, estava muito prenhe de e emaranhado

    na imediatez da experincia patriarcal privatizada

    para poder conceber formas abstratas vivas o bastante

    para permitir a ordenao objetiva e institucionalizada

    dessa mesma experincia.

    Assim, no foi por coincidncia que os setores mais

    expostos racionalizao burocrtica foram os setores

    centrais da prpria burocracia real. Uma administrao

    burocrtica racional, composta de funcionrios assalaria-

    dos, s surgiria no sculo XIX, quando as definies das

    funes no obedeciam mais a consideraes pragmticas

    e prudentes criadas por eventualidades e contingncias

    mas, ao contrrio, derivavam sistematicamente de um

    conjunto de cnones substantivos e imperativos de orga-

    nizao. O que faltou ao Brasil anterior ao sculo XIX

    no foi um ardor burocrtico muito pelo contrrio

    mas um cnone objetivo para a diviso tcnica dos

    deveres administrativos.

    Seria inadequado atribuir essa falta prebendali-

    zao de vastas reas de administrao, principalmente

    das reas perifricas que se estendiam at a sociedade

    rstica dos sertes. Pode-se encontrar uma razo mais

    plausvel na ausncia de um estrato ou estratos doms-

    ticos vigorosos decididos a e lutando por uma regu-

    lamentao objetiva e impessoal de intercmbio social

    que surgisse a partir do contrato, do trabalho e da adju-

    dicao da justia. A essncia lnguida demasiado

    lnguida da vida municipal que Oliveira Vianna des-

    creveu-nos com tanta propriedade, o ritmo aptico dos

  • 7/25/2019 o Minotauro Imperial

    37/318

    centros urbanos, a pobreza da cultura burguesa e das

    associaes de interesses e a contrao formidvel das

    instituies de mercado geradas pela presena da escra-

    vido foram todas elas condies que, juntas, atrasaram

    a emergncia de uma ordem burocrtica racional.

    iv.

    O Contexto Agrrio

    . . . na verda de, e les v iam a soc iedade dom st i-

    ca como uma repbl ica em miniatura.

    Sneca,

    Letters from a Stoic: Ep istulae Mora-

    les ad Lucilium,

    letter xiv i i

    At agora examinamos os efeitos dos padres de

    ocupao da terra e administrao do governo sobre a

    privatizao do poder local. Se esses padres fac ilitaram

    a presena de grupos privados no processo de construo

    do estado, o latifndio colonial, por sua vez, foi o agente

    que estereotipou e revigorou essa presena. J descre-

    vemos como as concesses reais do latifndio sesma-

    rias a dependentes patrimoniais surgiu como a forma

    tpica de administrao do novo territrio portugus.

    Alm disso, para fomentar a ocupao sistemtica do

    solo, esses prebendrios se obrigavam a explorar econo-

    micamente seu territrio, estabelecendo engenhos, plan-

    taes de cana-de-acar e outras formas de cultivo.

    Esses engenhos, localizados prximo aos meios de trans-

    porte oferecidos pelas cidades, se espalharam rapida-

    mente atravs das reas costeiras de colonizao. Em

    contraste, as fazendas penetraram mais para o interior.

    Engenho e fazenda tornaram-se, ssim, as clulas bsi-

    cas que contribuiriam para imprimir uma fisionomia

    caracterstica sociedade colonial. O engenho era mais

    tpico da orientao geral da economia e da sociedade

    do seu tempo do que a fazenda. A articulao da econo-

    mia de engenho cm o circuito comercial do capitalismo

    colonial era direto, constan te e un iforme. A fazenda, no

    poucas vezes produzia mercadorias apenas para o mer-

    cado local. Alm disso, o engenho em pregava extensiva-

    mente o trabalho escravo, enquanto a fazenda empregava

    os caboclos nativos. Desta form a, o engenho contribuiu

    diretamente para a criao e manuteno do complexo

    institucional mais caracterstico do Brasil colonial: o

    complexo senhor-escravo. Portan to, seja con frontado em

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    38/318

    termos do patriarcalismo predominante na sociedade do-

    mstica, ou na organizao da produo de mercadorias

    para exportao, ou no emprego preponderante do tra-

    balho escravo, o engenho foi a instituio mais tpica

    do Brasil durante a poca mercantil e colonial.

    No obstante essas diferenas, tanto o engenho como

    a fazenda representaram os enclaves mais poderosos para

    a organizao e desenvolvimento da sociedade civil du-

    rante os sculos de dominao portuguesa. Seu raio de

    ao sobre as vidas e biografias de senhores e campone-

    ses era to abrangente que correto caracteriz-los,

    como faz Erving Goffman, como instituies totais, isto

    , como estabelecimentos sociais fun cionando "com o local

    de residncia e trabalho, onde um grande nmero de

    indivduos da mesma situao, afastados da sociedade

    mais ampla durante um perodo de tempo aprecivel, le-

    vam juntos um tipo de vida fechado, formalmente admi-

    nistrado"

    (26)

    .

    A despeito da origem contempornea do conceito de

    instituio total, ele vlido para colocar em foco as

    caractersticas bsicas das instituies coloniais. O que

    se segue aplica-se satisfatoriamente tanto a um asilo

    como ao tipo de vida de caserna do engenho:

    Primeiro, todos os aspectos da vida ocorrem

    no mesmo lugar e sob a mesma nica autoridade.

    Segundo, cada fase da atividade diria do membro

    levada a efeito na companhia imediata de uma

    grande poro de outros, todos eles tratados

    igualmente e de quem se exige que faam a mes-

    ma coisa juntos. Terce iro, todas as fases da ati-

    vidade diria so programadas estritamente,

    cada uma delas levando antecipadamente a toda

    a seqncia consecutiva das atividades que so

    impostas do alto, atravs de um sistema de dire-

    trizes formais explcitas e um corpo de funcion-

    rios. Finalmente, as vrias atividades obrigat-

    rias so reunidas num nico plano racional, de-

    signado propositadamente para cumprir os obje-

    tivos oficiais das instituies

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    de mobilidade social entre as duas classes, assim como

    a distncia social entre elas; o antagonismo difuso e es-

    tereotipado, etc., so todos eles traos de asilos que se

    reproduzem tambm no microcosmos do senhor e do

    escravo.

    Esses traos no so to precisamente definidos nas

    fazendas como nos engenhos, mas ambos partilhavam

    do isolamento instituciona l caracterstico. Separada-

    mente, ambas as instituies englobam, numa sntese

    compacta, os elementos bsicos econmicos, polticos e

    sociais da comunidade mais ampla

    (28)

    . Essas institui-

    es senhoriais no eram apenas entidades econmicas;

    eram tambm estabelecimentos sociais desenvolvidos

    com um grau marcante de isolamento e uma autonomia

    relativa

    vis--vis

    sociedade mais ampla

    (29)

    .

    Ao invs de descrever a organizao econmica do

    trabalho, achamos que servir melhor nosso propsito

    foca lizar outros aspectos desses latifnd ios. Como j fo i

    sugerido, a adniinistrao real portuguesa possibilitou

    um grau maior de prebendalizao da terra para a admi-

    nistrao local do governo de que no caso da burocracia

    patrimonial espanhola

    (30)

    . Embora no totalmente bem

    sucedida, esta ltima tentou esforos mais sistemticos

    quando medidos pelo grau de freqncia e continui-

    dade para cercear a militarizao dos prebendrios

    locais e transformar esses funcionrios militares num

    funcionalismo assalariado. Isto torna-se evidente nas

    polticas administrativas destinadas possesso ameri-

    cana, como ilustra o seguinte caso:

    Ta nto o esprito como a letra das Novas Leis

    se opunham, porm, s atividades extraprofissio-

    nais dos funcionrios e representantes do Rei.

    Como os juzes de Audincia e os principais ofi-

    ciais de justia recebiam "salrios decentes", em

    1549 eles estavam formalmente proibidos de pos-

    suir fazendas de gado bovino ou ovino, estncias,

    terras de cultivo, minas ou empresas comerciais,

    em sociedade ou a travs de procurao, direta ou

    indiretamente. A ordem real fo i reiterada no ano

    seguinte e ainda mais tarde, sob vrias formas,

    durante os sculos XVI e XVII, principalmente

    em 1558-1575, 1584, 1597, 1607, 1618 e 1619 .

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    Na Amrica portuguesa, em contraste, a terra era

    mais proeminente como instrumento do favor real em

    relao aos servidores patrimoniais. Dois acidentes his-

    tricos provavelmente do conta, em grande medida

    dessa tendncia portuguesa quando comparada prefe-

    rncia espanhola de uma pronta mudana da prebenda

    para o salrio. Prim eiro, havia um a fal ta quase crnica

    de fundos no tesouro real portugus, em contraste com

    a relativa abundncia de metal da Real Haciena espa-

    nhola, graas aos sem Eldorados no Mxico, Peru e Co-

    lmbia

    (32

    >.

    Isto forou a administrao portuguesa a depender

    dos benefcios da terra como alternativa para os salrios.

    O segundo acidente histrico foi a relativa falta de uma

    populao nativa sedentria das quais as autoridades

    locais pudessem exigir tributos e servios para se man-

    terem. A populao nativa ndia era semi-sedentria e

    pouca em nmero

    (33)

    . Os escravos africanos foram im-

    portados precisamente para suplementar o fornecimento

    insuficiente de mo-de-obra amerndia e as expedies

    militares aos sertes, as bandeiras, tambm atestam a

    escassez rela tiva de uma fora de traba lho nativa. Sob

    tais condies, a terra era uma remunerao substantiva

    frente a fraqueza fiscal da Coroa e a fraqueza senhorial

    da terra. Nesse contexto, bastante sugestivo que nos

    domnios espanhis a tendncia descentralizao esti-

    vesse ligada, com efeito, s crises na indstria mineira.

    Chevalier conta-nos, por exemplo, a respeito do Mxico:

    A tendncia ao que resultou, de fato, na des-

    centralizao, um dos aspectos da recesso ge-

    ral que acompanhou o declnio das minas no

    sculo XVII, a relativa reduo do comrcio e o

    isolamento de tod o pas

    (34)

    .

    De forma semelhante, no foi por acidente que a

    primeira deciso importante de cercear e reduzir o pre-

    bendalismo territorial no Brasil ocorreu justamente al-

    guns anos aps o influxo de m etais que surgiu com a des-

    coberta das minas, atravs da Real Ordem de 27.12.1695

    que transferia a seus sditos o direito de propriedade

    sobre as sesmarias ao mesmo tempo que reduzia as suas

    dimenses. Decretos mais severos e drsticos seguiram-

    se em 1697 e 1699

    (35

    >.

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    Uma das conseqncias da obstinao deste sistema

    de prebendalismo de cargos foi

    atrasar

    a formao de

    um Estado moderno no Brasil, pois o prebendalismo de

    cargos retardou a mudana da administrao patrimo-

    nia l para a burocrtica. Um a outra conseqncia fo i aju-

    dar a

    acelerar

    a transformao do latifndio num tram-

    polim de poder local.

    Em conseqncia disto, e desde o seu prprio incio,

    o latifndio tornou-se o

    locus

    tanto do empreendimento

    econmico como do go verno local. A proem inncia do

    senhorio privado de terras foi ainda aumentada pelo ca-

    rter militar da organizao latifundiria. Essa milita-

    rizao no foi simplesmente o resultado da competncia

    militar exercida pelos proprietrios de terra locais na sua

    capacidade de autoridade real patrimonial. Foi encora-

    jada durante os primeiros duzentos anos de colonizao

    pela necessidade de proteger engenhos e fazendas do in-

    terior contra o perigo constante dos ataques silvcolas.

    Os assaltos do ncola so to comuns e fero-

    zes, que os engenhos se tornam em verdadeiras

    fortalezas com o seu corpo de milicianos e o seu

    arsenal de armas. Frei Gaspar fala de pais de

    famlias do seu tempo que tm casas fortes como

    tiveram muitas noutro tempo, com gente sufi-

    ciente para rebater os assaltos do inimigo.

    Organizando-se no meio da selvageria, o do-

    mnio defende-se a si mesmo. Assediado por todos

    os lados, forado a constituir-se militarmente.

    Forma, ento, dentro dos seus muros, um peque-

    no exrcito permanente pronto, gil , mobi-

    lssimo, talhado feio do inimigo

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    domstica sobre a vida pblica e suas instituies pol-

    ticas. Esse patriarcalismo, produzido pelas caractersti-

    cas internas do engenho e da fazenda , fo i ainda exacerba-

    do pela exiguidade e fraqueza das instituies municipais

    contrapostas, de escopo mais amplo. Inevitavelmente, o

    patriarcalismo do senhor de terras e escravos afirmaria a

    sua presena arbitrria alm dos limites dos seus do-

    mnios pessoais por mais distantes que estes fossem.

    O crescimento atrofiado da vida urbana e das insti-

    tuies municipais, ocasionado pela sufocao, por parte

    da Coroa, da indstria nativa e, por parte da escravido,

    das corporaes e do mercado, responsvel, em grande

    parte, pela difuso do patriarcalismo. Oliveira Vianna

    interpretou corretamente essa ruralizao colonial h

    mais de m eio sculo. Ele remonta sua origem inefe-

    tiva, porque artificial, formao oficial das cidades:

    . . . a form ao das vilas e cidades sempre

    um ato de iniciativa oficial, das autoridades da

    Metrpole, governadores de Capitanias, governa-

    dores gerais ou vice-reis e no da iniciativa

    do povo

    (37)

    .

    Essa poltica de urbanizao destinava-se a agregar

    os colonizadores dispersos em unidades administrativas

    e polticas, sob a direo de um capito-m or regente . Ca-

    rentes em espontaneidade, avessos aos efeitos centrfu-

    gos do latifndio rstico e auto-suficiente, perdidos no

    meio de imensas expanses de terra, sem ajuda das insti-

    tuies municipais de autogoverno, no de surpreender

    que a maior parte desses povoados permanecesse apenas

    como nomes episdicos em registros de arquivo:

    Grande nmero destas povoaes fracassa-

    vam e extinguiam -se. Ou tras s subsistiam en-

    quanto estavam sob o pulso de ferro do "capito-

    -m or" regente; logo que este se retirava da povoa-

    o e a entregava a'si mesma, os "moradores",

    pouco inclinados vivncia urbana, iam evadin-

    do-se aos poucos, em fuga formigueira, para os

    seus stios e fazendas

    (38)

    .

    Oliveira Vianna aponta tambm o efeito deletrio

    da poltica de sesmaria da Coroa: de fato, onde as con-

    cesses de terra eram pequenas, como foi o caso excep-

    cional da zona mineradora, o resultado foi a concentra-

    o ao invs da disperso

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    A despeito do seu argumento sugestivo de que a fra-

    queza das formas urbanas de solidariedade correspon-

    diam ao padro de povoamento da terra, Saint-Hilaire

    observa tambm : "Com o em todas as cidades do inte rior

    do Brasil, a maioria das casas fica fechada durante a

    semana s sendo habitada nos domingos e dias de fes-

    ta "

    (40)

    . Este um reconhecimento aparente de que a

    moradia agregada no condio suficiente para a emer-

    gncia de formas urbanas.

    A causa para o carter dessas formas deve ser pro-

    curada, melhor na contrao brutal das formas comunais"

    de solidariedade ocasionada pelo latifndio e sua orga-

    nizao de base escrava. Os processos tpicos de

    Verge-

    meinschaftung e de form ao de solidariedade foram ,

    assim, restritos geralmente ao pequeno mundo do lati-

    fndio. Mais uma vez Oliveira Vianna aponta a causa

    desse estado de coisas no que ele designa como "a fun-

    o simplificadora do grande domnio rura l". Durante

    todo o perodo colonial, o nico foco de vida e organiza-

    o sociais nos sertes fica va con finado aos limites dessas

    propriedades senhoriais. Tend o como painel de fun do

    esse ambiente rstico, essas propriedades foram fora-

    das a desenvolver um grau notvel de independncia

    que, por sua vez, levou criao de uma organizao

    elaborada de produo auto-su ficiente. As necessidades

    eram reduzidas ao mnimo possvel; a propriedade im-

    portava apenas o que era tecnicamente incapaz de pro-

    duzir sal, plvora, ferro e chumbo. Os empregados e

    escravos produziam tudo o mais nos

    oikoi

    do senhor ou

    atravs dos servios litrgicos dos seus dependentes.

    "Essa admirvel independncia econmica dos senhorios

    fazendeiros exerce uma ao poderosamente simplifica-

    dora sobre toda a estrutura das nossas populaes ru-

    rais"

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    O impacto desse processo sobre o desenvolvimento

    de uma sociedade civil, i.e., sobre a organizao social e

    econmica da burguesia, foi profundo e deletrio. Esse

    dbil desenvolvimento permitiu organizao patriarcal

    assumir as rdeas. Na medida em que a organ izao

    social foi estritamente patriarcal e s no foi mais

    completa porque elementos empresariais capitalistas

    conseguiram penetr-la dificilmente ela poderia tor-

    nar-se a portadora de reivindicaes vis--vis o estado

    central para a criao de uma ordem legal que contro-

    lasse o emprego da violncia e estabelecesse normas ra-

    cionais para um con trato ordenado. Nessa mesma me-

    dida, no poderia desenvolver-se uma autoridade poltica

    constitucionalmente estabelecida, responsvel perante a

    sociedade civil. O patriarcalismo da sociedade local cor-

    respondeu patrimonializao da comunidade poltica

    mais ampla.

    Quais foram, portanto, as formas possveis de soli-

    dariedade que emergiram e se desenvolveram dentro da

    organ izao senhorial brasileira? Em termos de repro-

    duo da vida m aterial o grupo m ais im portante, o escra-

    vo da caserna, descartado, evidentemen te. Sem pro-

    priedades e com um tipo de vida arregimentado, o escra-

    vo no possua os meios de constituir uma fam lia. Mas,

    como os escravos estavam livres de e indeterminados

    por a solidariedade particularizada do senhorio rs-

    tico, eles puderam, em determinadas ocasies, desenvol-

    ver um esprit de corps caracterstico que materializou-se

    em movimentos de rebelio, fugas coletivas e a criao

    de comunidades independentes. De uma form a geral,

    porm, a condio moral tpica do escravo deve ter sido

    extremamente

    anmica,

    conforme indicado pelas taxas

    extraordinariamente elevadas de suicdios, abortos e

    segundo a associao engenhosa e penetrante revelada

    por Swanson entre magia negra e fracos laos morais

    a institucionalizao largamente difundida da feiti-

    aria

    (43)

    .

    Entre os homens livres cujos destinos estavam liga-

    dos ao senhor e sua terra havia dois grupos subordina-

    dos principais: primeiro, parte do squito domstico do

    senhor: criados," cozinheiros, artesos e outros emprega-

    dos domsticos que, embora livres, no dispunham do

    peculium

    que, aqui como nas antigas civilizaes agr-

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    45/318

    rias, era necessrio para a formao e a manuteno de

    form as estveis e monogmicas de solidariedade. Ao

    invs, esses grupos foram atirados ao campo de gravita-

    o moral da famlia patriarcal

    ( 44 )

    .

    O segundo grupo, os colonos, fixaram-se nos dom-

    nios do senhor como agregados, sitiantes, roceiros, forei-

    ros e lavradores. Enquanto os colonos estabeleceram di-

    versas formas de solidariedade patriarcal com o senhor,

    eles tambm organizaram, como os coloni romanos, suas

    prprias famlias. Todavia, a articulao fraca e margir

    nal dos homens pobres em geral apia uma observao

    feita em notvel estudo sobre o homem livre pobre em

    So Paulo do sculo XIX, no sentido de que " [o] que se

    observa na configurao da famlia nessa camada da so-

    ciedade brasileira sua integrao em pequenos grupos,

    fundados em relaes pessoais, categorizadas e reguladas

    apenas com base na 'tradio' "

    (45)

    .

    Assim, um vasto sistema de interao comunal s

    poderia crescer dentro do crculo familiar do proprietrio

    de terras. Rea lmente, essa famlia f oi a nica estrutura

    capaz de englobar duas exigncias essenciais e, no en-

    tanto, opostas de associao moral: de um lado, uma

    orientao habitual para a satisfao de uma constelao

    de interesses econmicos dentro da famlia patriarcal e,

    de outro lado, o carter exemplar que esses interesses

    tentavam assumir a fim de facilitar sua prpria institu-

    cionalizao dentro de uma sociedade profundamente

    marcada por orientaes estamentais. A histria agrria

    do Brasil, em grande parte, pode ser examinada em ter-mos das vicissitudes das tentativas sisifianas do senhorio

    de terras de criar um tal sistema

  • 7/25/2019 o Minotauro Imperial

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    do cl aplica-se comunidade cujos membros partilham

    uma linha comum de descendncia. Qualquer estratifi-

    cao ou estereotipao subseqente dos recursos dentro

    do cl externa ao seu princpio form ativo. No cl bra-

    sileiro, a estratificao interna seguiu o

    mesmo

    princpio

    da estratificao da sociedade mais ampla, a saber, a pro-

    priedade da terra. Por trs do "c l ", assim como por

    trs da sua liderana "natural", espreitava a famlia do

    senhor de terras. No Brasil, o "carism a do cl " s podia

    surgir ligado famlia do senhor de terras, no ao "cl"

    como um todo. A configurao brasileira na verdade

    est mais prxima ao conceito da tribo isto , uma

    associao poltica de famlias, com uma base territorial

    e comunalizada atravs de laos de sangue

    (47)

    .

    Em contraste com a China patrim onial, onde o poder

    arbitrrio do senhor de terras era limitado pela proteo

    do cl ao indivduo, o "cl" do Brasil patrimonial refor-

    ou e multiplicou o poder discricionrio do senhor de

    terras sobre o campons local

    (48)

    . E o prprio campons,

    ao contrrio do padro indonsio, no era protegido con-

    tra os abusos de autoridade do senhor de terras por um

    sistema de laos pessoais cruzados que o ligavam a uma

    Pluralidade de senhores

    (49)

    . Sem os controles quer de

    uma estrutura de parentesco elaborada, como a chinesa,

    quer dos precipitados normativos de um sistema intrin-

    cado de organizao de terras, como a balinesa, o senhor

    de terras brasileiro foi mais um pequeno "dspota orien-

    tal" do que os prprios senhores orientais.

    Antes da concluso desta breve introduo orga-

    nizao social e poltica do Brasil colon ial, sero apresen-

    tadas duas observaes gerais relativas ao impacto do

    senhorio local sobre o processo de formao do estado.

    Primeiro, errnea uma leitura "feudal" da concen-

    trao excessiva de poder das classes proprietrias. Todas

    as formas de dominao pr-burocrtica, no apenas a

    feudal, demonstram um grau considervel de descentra-

    lizao adm inistrativa do governo. O monarca era, cer-

    tamente, to remoto como o Paraso, no apenas para

    o campons chins como para todos os tipos de campe-

    sinato. As oligarqu ias locais no so mais indicativas

    do feudalismo do que de outros arranjos polticos. Alm

    disso, tanto a estrutura feudal como a patrimonial so

  • 7/25/2019 o Minotauro Imperial

    47/318

    administradas patrimonialmente e a administrao

    interpretada como patrimnio pessoal do servidor, seja

    ele feudo, um a prebenda ou uma sinecura. Assim, a ca-

    racterizao de estruturas como feudais ou patrimoniais,

    em termos de graus de centralizao administrativa,

    inadequada. Finalm ente, as peculiaridades dos modelos

    feudal e patrimonial se revelam principalmente atravs

    de uma anlise com parativa das implicaes po lticas de-

    correntes dos laos de solidariedade entre o senhor su-

    premo e o senhor que prevalecem nos dois tipos de admi-

    nistrao. A form a mais sinttica de apresentao das

    diferenas entre elas em todos os textos relevantes de

    Weber, talvez seja dada na Religion of China:

    O feudalismo baseava-se na

    honra

    testamen-

    tal] como virtude cardial, o patrimonialismo na

    devoo [pa tria rcal]. A confiana na sujeio do

    vassalo era baseada na primeira; a

    subordinao

    do empregado e do funcionrio do senhor era ba-

    seada na ltima . A diferen a no chega a ser

    um contraste mas uma mudana de acento

    (50)

    .

    As conseqncias institucionais dessa diferena no

    so difceis de deduzir a partir da perspectiva da razo

    prtica, se assim podemos dizer: as obrigaes morais do

    lao feudal, em virtude de serem baseadas num contrato

    entre homens livres, facilitavam a representao poltica

    e encora java m a criao de uma ordem legal politicamen-

    te garantida; as obrigaes morais do lao patrimonial,

    pelo fato de serem baseadas em estatutos do senhor ao

    prebendrio, facilitaram a

    cooptao administrativa

    e

    encorajaram a criao de uma ordem legal garantida cor-

    porativamente

  • 7/25/2019 o Minotauro Imperial

    48/318

    normativo que orientasse a ao social cotidiana, em

    outras pa lavras, avalidade de uma tal ordem. Este tema,

    porm, merecer uma discusso mais detalhada em uma

    parte posterior deste trabalho.

    Para resumir: ao final da era colonial, o estado bra-

    sileiro, num modo tipicamente patrimonial, exibia uma

    combinao de, por um lado, uma autoridade altamente

    centralizada em cujo topo estava o monarca portugus

    e as camadas mais elevadas, burocratizadas, da adminis-

    trao real e, de outro lado, um poder altamente descen-

    tralizado, monopolizado pelos senhores de terra na sua

    capacidade de autoridades delegatrias de funes patri-

    moniais. Com o no Japo Toku gawa, esse padro de dis-

    crio patriarcal atingiu a clula bsica da comunidade:

    no houve qualquer mediao de parentesco como

    vimos no caso da China entre o campons, de um lado,

    e o aimio e o latif nd io do outro. For a das sedes cos-

    teiras urbanas da administrao patrimonial incessan-

    temente burocratizada, e fora do latifndio engajado

    na formao de uma "sociedade civil" cujo prprio de-

    senvolvimento ele frustrou jazia uma terra desolada,

    "une solitude profonde", como Saint-Hilaire uma vez co-

    locou.

    N O T A S

    1. " F o i o tem or dessa com pet i o (na extrao do pau-brasi l na costa

    brasileira) que gerou a ocupao sistemtica da colnia a part ir da

    segunda metade do sculo, atravs do estabelecimento de uma eco-

    nomia baseada na exp lorao da grande propr iedade agr co la . "

    Stanley J. Stein e Barbara J. Stein, A Herana Colonial da Amrica

    Latina: Ensaios de Dependncia Econmica (Ed i tora Pa z e Ter ra ,

    Rio de Janeiro, 1976), p. 40.

    2. Eucl ides da Cunha, Os Sertes (Ed i t o ra Pau lo de A ze ve do L tda . ,

    Rio de Janeiro, 27." edio, 1968), p. 67.

    3 . Eula l ia Ma r ia Lah m eye r L ob o, "C on f l ic t and Cont inui ty in Braz i-

    l ian His tory " , in Conflict and Continuity in Brazilian History, ed.

    por H en ry H . Ke i th e S . F . Edwards (Co lum bia , South C aro l ina :

    Un ive rsity of So uth Car olin a Press, 1969), p. 269.

    4. Ca io Pr ad o Jr. , Formao Econmica do Brasil, p. 127; apud A l -

    berto Passos Guimares, Qua tro Sculos de Latifndio (3." ed., R io

    de Janeiro, Editora Paz e Terra, s/d).

  • 7/25/2019 o Minotauro Imperial

    49/318

    5 . An ton io E . de Cam argo , Quadro Estatstico e Geographica da Pro-

    vncia de S. Pedro do Rio Grande do Sul ( P o r t o A l e g r e : T y p og ra -

    phia do Jornal do Commercio, 1868), p. 78.

    6. Essa indstria supriu os centros consu mid ores do R io de Janeiro e

    So Paulo aps a organizao da indstr ia do charque, sendo a

    exportao do couro o i tem principal do desenvolv imento anter ior .

    7. Stanle y J. Stein,

    Vassouras: A Brazilian Cofee County, 1850-1900

    (Cambridge, Mass. : Harvard University Press, 1970).

    8 . C f . C ai o Pr ad o Jr., Formao do Brasil Contemporneo - C ol-

    nia (So Paulo, Editora Brasil iense: 1972).

    9 . Ra y m un d o Fa o r o . Os Donos do Poder: Formao do Patronato

    Poltico Brasileiro (R io de Jane iro , Po r to A le gre , So Pau lo , Ed i -

    tora Globo, 1958), p. 52.

    10. Ne sto r Du arte, A Ordem Privada e a Organizao Poltica Nacio-

    nal (So Paulo, Companhia Editora Nacional, 2 . " ed. , 1966), pp. 23,

    24.

    11 . S tuart B . Schwartz, "F re e Lab or in a S lave Ec on om y: Th e L avr ad o-

    res de Cana of Colonia l Bahia" , in Dauri l Alden (ed. ) , Colonial

    Roots of Modern Brazil (Berke ley , Lo s Ange les , Lo nd on : Univers i -

    ty of California Press, 1973), pp. 164-165.

    12. Schwartz, op. cit., pp. 165-167.

    A funo do comp lexo hacienda-plantacin com o um t ipo de pov oa-

    mento ao invs de um t ipo de empresa para a Amrica Lat ina tam-

    bm de fend ida por gegra fos , ta is como Ward Barret , con forme

    re la tado por Magnus Morner , "La Hac ienda Hispanoamer icana en

    la Histor ia : Un esquema de Reciente Invest igacin y Debate" , in

    Desarrollo Econmico, v o l. 13, n. 52, jan eir o-m ar o 1974 o 756

    nota 111.

    13. O pr p rio Fao ro concorda com esse aspecto pr iva t izado do proces-

    so de ocupao.

    14. T l io Ha lpe r n Dongh i , Revolucin y Guerra: Formacin de una

    elite dirigente en la Argentina criolla (Buenos A i r es : S ig lo X X I ,

    1972).

    15. Ca io Prado , op. cit., p. 357.

    16. C. R . Box er, Four Centuries of Portugueses Expansion, 1415-1825:

    A Succint Survey (Johannesburg: Witwatersrand University Press,

    1963), p. 75.

    17 . Faoro , op. cit., p. 65.

    18. Ibid ., p. 71.

    19. Ca io Prad o, Formao do Brasil Contemporneo, p. 301.

    20. Passos Gu imare s, Quatro Sculos de Latifndio, p. 50. V ej a tam -

    bm Boxer , A Idade de Ouro do Brasil: D ores de Crescimento de

    uma Sociedade Colonial (So Pau lo : Co mp . Ed i tora Nac iona l , 2 .

    ed., 1969), p. 85, n. 5.

    21 . Cf. Jos Maria Ots Caodequi, Instituciones de Gob ierno del Nue vo

    Reino de Granada Durante el Siglo XVIII (Bogo t , Univers idad

    Nac iona l de Co lombia , 1950 ) .

    22 . Cf. Ots. Capdequi, Ibid., p. 89.

    23. Stuart B. Schw artz,

    Sovereignty and Society in Colonial Brazil: The

    High Court of Bahia and Its Judges, 1609-1751 (Be rke ley , Los An -

    geles, Lo nd on : Un iversity o f C al i fo rni a Press, 1973), p . 362. Cf .

    tambm pp. 215-16 e p. 274.

  • 7/25/2019 o Minotauro Imperial

    50/318

    24. Jos M ar ia Ots Cap dequ i ,

    Nuevos Aspectos del Siglo XVIII Espa-

    nol en America

    (B ogo t: Ed itor ia l Centro , 1946) , p. 88.

    D . A com plex ida de das tare fas administrativas e a expanso mesma

    do seu objetivo resultam crescentemente na superioridade tcnica

    aaqueles que t iveram tre inamento e exper incia e , ass im, favorecer,

    inev i tave lmente , a cont inu idade . . . de pe lo menos a lguns dos fun-

    c i o n r i o s . . . " M a x W e b e r ,

    Econom y-and Society: An Outline of

    interpretive Sociology,

    Guen ther Ro th e C laus W it t ich (eds .) (N ew

    26 F -

    r

    m i n s t e r P r e s s

    . '968) , Vol . I l l , pp. 951-2.

    ' f

    G o f f m a n

    ' Asylums: Essays on the Social Situation of Men-

    tal Patients and Other Inmates

    (Garden C i t y , N ew Yo rk : Doub le -

    aay & Co . , An ch or B ooks , 1969), p . X I I I . M i tche l Gu r f ie ld sugeriu

    essa caracterizao como uma instituio total, mas no f ica claro

    se e le pensa tamb m em termos do esquema de G o f fm an . Ve ja

    sua "Class Structure and Pol i t ical Power in Colonial Braz i l : An

    Interpretat ive Essay in Histor ical Soc io logy" , Dissertao de Ph. D. ,

    N e w S cho ol fo r Socia l Research , 1975, p. 69.

    1 1

    G o f f m a n ,

    Ibid.,

    p. 6.

    28. Neste sent ido, o engen ho e a fazen da da poca co lonia l nos trazem

    mente, de modo adequado, a teor ia de evo luo e desenvolv imen-

    to hoje insat is fatr ia, da "caixa-d entro -da-ca ixa" dos sculos X V I I e

    X V I I I , segundo a qual o or ig inal j contm, na verdad e, mas em

    dimenso miniaturizada e l i l iputiana, os elementos diferenciais sub-

    seqentes . Cf . , H ege l , G . W . F. ,

    Logic: Being Part One of the En-

    cyclopaedia of the Philosophical Sciences (1830)

    (Ox ford at the

    Cla ren don Press: 1975, W il l i am W all ac e, tr .) , 161 e o

    Zusatz

    de

    Von Henn ing .

    29. A obs erva o orgulhos a do senhor de terras: "N es ta casa s se

    compram ferro , sal , p lvora e chumbo" suf ic ientemente i lustrat iva.

    Ol ive i ra V ianna,

    Populaes Meridionais do Brasil

    (R io de Janeiro

    Paz e Terra, 1973), p. 123-4.

    A lcntara Machado tambm observa :

    "Dentro de seu domnio tem o fazendeiro a carne, o po, o v inho,

    os cereais que o alimentam; o couro, a l, o algodo que o vestem;

    o aze i te de amendoim e a cera que noite lhe do c lar idade; a ma-

    deira e a telha que o protegem contra as intempries; os

    arcos

    que

    lhe servem de broqu el . Na da lhe fa l ta. P o d e desaf iar o m un do ."

    A l can ta ra Machado ,

    Vida e Morte do Bandeirante

    (So Pau lo : L i -

    vraria Martins Editora, 1943), p. 57.

    30. Nesta com o em outras af irma tivas de carter com par at ivo que sur-

    gem neste trabalho, importante ter em mente que elas representam

    tendncias e acentuaes de processos de uma natureza um tanto

    geral.

    Para uma comparao mais detalhada dos padres de desenvolv i-

    mento burocrt ico-patr imonial do Bras i l e da Amrica Hispnica,

    cf .

    Fernando Ur icoechea, "Formac in y Expans in de i Es tado Bu-

    rocrt ico -Patr imonia l en Co lombia y Bras i l " , in Eugene Havens

    et

    al.,

    (eds.),

    Metodologia y desarrollo en las cincias sociales: Efectos

    del crecimiento depend iente sobre la estructura social colombiana

    (Bogot: CEDE, Univers idad de los Andes, 1977) , pp. 585-607.

    31. Fran ois Ch eval ier ,

    Land and Society in Colonial Mexico: The

    Great Hacienda

    (Be rke le y: Univers i ty o f Ca l i for nia Press, 1970), p.

    123.

  • 7/25/2019 o Minotauro Imperial

    51/318

    32. A md ia das im porta es anuais de metais precioso s perm anec eu

    acima do nve l de um milho de pesos de minas de 450 maravedis

    desde os 1530's at os 1660's, quando as remessas diminuram du-

    rante algumas dcadas.

    N o sculo X V I I I as rece itas de metais prec iosos subiram novam ente

    em fun o do incremento de prod u o das minas mexicanas. En -

    tre 1700 e 1770 a quan tidad e de prata cu nhad a na

    Casa da Moeda

    mexicana dobrou, de cerca de cinco milhes de pesos por ano para

    dez ou on ze milh es. N o s tr inta anos seguintes do bro u n ovam ent e

    para acima de vinte milh es de pesos. M ais de um e m eio bilhes

    de pesos em prata fo ra m cunhados n o M x ic o entre 1690 e 1822 e

    cerca de sessenta m ilhes em ouro . Du rante o reina do de Ca rlos I I

    (1759-88) quase quinhentos milhes de pesos em moeda e bilhes

    foram importados das co lnias amer icanas pe la Espanha.

    C. H. Har ing , The Spanish Empire in America ( N e w Y o r k and

    Bur l ingame: Harcou r t , Brace and W or ld , Inc ., Ha rb inge r Books ,

    1963), pp . 251 e 249-250). Esse tota l vol um os o, qu e se estendeu

    durante um per odo de trezentos anos, no pode ser comparado

    com o magro resultado dos metais enviados a Portugal durante um

    pe r o do que no durou mais que a metad e de um sculo. Infe l iz -

    mente no poss ve l chegar a uma comparao em v ir tude da di fe-

    rena nas unidades de medida. Cf. documentao serial sobre re-

    messas de metais para Portugal in Boxer, A Idade do Ouro no Bra-

    sil, op. cit., p p. 344-349 (Ap n dic es I I e II I ) .

    33. Po r ex em plo , a pop ula o total de ndios l ivres em 1789 fo i esti-

    mada em 250.000 contra 1.010.000 brancos e 406.000 habitantes de

    cor , l iv res . Ago s t inh o Ma rques Perd igo M alhe i ro , A Escravido

    no Brasil.. . apud

    Robe r t Conrad ,

    The Destruction of Brazilian

    Slavery: 1850-1888 (Berke ley , Los Ange les , London: Univers i ty o f

    Califrnia Press, 1972), p. 283.

    34. Fran ois Ch eval ier , Land and Society in Colonial Mxico; The

    Great Hacienda (B erk ele y: Un iver sity of Ca li f rn ia Press, 1970), p.

    48.

    35. C. R . Box er , A Idade de Ouro do Brasil, op. cit., p. 244 e Passos

    Guimares , op. cit., p. 17.

    36. Ol ive ira Vian na, Populaes Meridionais do Brasil (Rio de Janeiro-

    Ed. Paz e Terra, 1973), p. 78.

    37. Ol ive ira Vian na, Instituies polticas brasileiras (Rio de Janeiro,

    Livraria Jos Olympio Editora, 1955), vol. I , p. 133.

    38. Idem supra, p. 138.

    39. Ibidem, p. 140.

    40. Saint-Hi la ire , Augu ste de, Segunda Viagem ao Rio de Janeiro a

    Minas Gerais e a So Paulo: 1822 (Be lo H or izon te : L iv rar ia I ta -

    tiaia Editora, 1974), p. 77.

    Saint-Hilaire, um naturalista francs, apresentou algumas observa-

    es a respeito dessa viagem ao interior: de maneira oposta de Oli-

    veira Vianna, ele argumenta que a excessiva subdiviso da terra em

    algumas reas da provncia do Rio de Janeiro fo i o fator inibidor do

    cresc imento urbano, uma vez que a re lat iva densidade da povoao

    oferecia ao colono servios bsicos relativamente prximos a seu

    local de habitao; conseqentemente, aqui no surgiram motivos

    para uma nova agrega o eco lgica. N a prov nc ia central de Min as

    Gerais, dada a distncia bastante considervel entre os povoadores,

  • 7/25/2019 o Minotauro Imperial

    52/318

    n o havia locaes tima s para servios comu nais. O nd e quer que

    estivessem localizadas, eles certamente estavam demasiado afastados

    da maioria dos residentes. Esta situao obrigou-os a construir

    "portos-de-ancoragem" res idenciais prximos igre ja que f reqen-

    tavam nos f ins de semana e isto deu origem, progressivamente,

    concentrao urbana. "Em Inhama, como em muitos outros lu-

    gares no Rio de Janeiro [ isto , a provncia], no h aldeia, propria-

    mente dita. Co m pe -se a par qu ia unicamen te de casas esparsas

    pelo camp o. Em M inas Gerais , pe lo contrr io , no ex iste parquia

    sem aldeia e o motivo fcil de se apontar.

    Pe rto d o R i o de Janeiro as terras se sub dividiram mais do qu e e m

    qualquer outro ponto do Brasil e quando em dado distr ito h

    nmero suficiente de habitantes, forma-se uma parquia.

    Como as vendas esto dispersas margem dos caminhos, cada pro-

    pr ietr io tem sempre uma igre ja ao alcance. N o hav ia, po is , razo

    para que um grupo de casas se edif icasse em torno da capela mais

    do que em outro lugar . N o se d o mesmo em Minas. A l i , as

    habitaes muito distam umas das outras e a igreja, onde quer que

    a colocassem, f icaria sempre muito afastada da maioria dos paro-

    quianos. Alm da moradia habitual, cada proprietrio rural quis ter

    perto do templo uma casa onde a famlia pudesse descansar da lon-

    ga caminhada a que era obrigada para assistir o servio divino,

    receber os amigos ou tratar de negcios no nico dia em que se

    ajuntam os mora dores. Os mercadores, taberneiros , operr ios , pro-

    curavam acercar-se do lugar onde se reuniam os sitiantes e assim

    nasceu a maioria das aldeias".

    Op. cit., pp. 15-16.

    41 .

    Oliveira Vianna , op. cit.,

    p. 124.

    42. Ol ive i ra V ianna , op. cit., p. 125.

    43. " O uso largam ente di fu nd id o da m agia negra sugere uma sria falta

    de m eios legt im os de con trole social e laos mo rais. Im plica em

    que as pessoas precisam controlar umas s outras numa situao

    em que tal contro le no fornec ido por meios que dispem de

    aprovao pbl ica . "

    Guy E . Swanson, The Birth of the God s: The Origin of Primitive

    Beliefs (A nn Arb or : Th e Univers i ty o f Mich igan Press, An n A rb or

    Paperbacks, 1964), p. 151.

    Obviamente, a condio anmica tem re lao com o contexto da

    sociedade mais ampla, o mundo cultural do senhor, mas no com

    a intimidade do mundo escravo que certamente dispunha de seus

    prp r ios laos morais . M inh a grat ido a Car los Hasen balg pe la per-

    tinncia deste esclarecimento.

    44. U m a ma nifestao muito clara v is ta na t mida e distorc ida "co n-

    veno" da comensal idade que lutava vmente para emergir na

    particip ao d o arteso mesa do senhor. Essa com ensa lidade era

    restrita, certamente, apenas aos artesos e assumiu uma expresso

    inteiramente atpica uma vez que os artesos f icavam apenas sen-

    tados como espectadores mudos, lembrando as no-pessoas de Irv ing

    G of fm a n . A inst ituc ionalizao dessa "c on ve n o" se estendeu du-

    rante grande parte do sculo X I X , co m o sugere a reconstruo

    l i terr ia de Jos L ins do Rego das memrias de um jovem senhor

    o prprio Lins do Rego era neto de um senhor de terras e

  • 7/25/2019 o Minotauro Imperial

    53/318

    como con f i rmam as memr ias b iogr f icas de Jul io Be l lo como se-

    nhor de engenho.

    Jos L ins do Rego , Menino de Engenho (R io de Jane iro : L ivra r ia

    Jos Olympio Editora, 14." ed., 1969), pp. 11 e 71; e Jos Maria

    Be l lo , Mem rias de um senhor de engenho (R io de Jane iro : L ivra r ia

    Jos Olympio Editora, 1938), p. 104.

    45 . Ma r ia Sy lv ia Carva lho Franco ,

    Hom ens livres na ordem escravo-

    crata (So P au lo: E ditor a Att ica , 1974), p . 43. C f . tam bm p. 57.

    46. Ca rva lho Fr an co mo strou, br i lhantemente, a intruso predat r ia de

    interesses econmicos na delicada estrutura de associao moral no

    l ivro j menc ionado.

    47. Para uma discusso sobre t r ibo, ve ja Ma x W eb er , The Religion of

    India: The Sociology of Hinduism and Buddhism ( N e w Y o r k : T h e

    Free Press, 1967), cap. I, e Ancient Judaism ( N e w Y o r k : T h e F r e e

    Press, 1967), caps. I e II.

    4 8 . C f . W eb e r , The Religion of China: Confucionism and Taoism ( N e w

    Y o r k : Th e Fr ee Press, 1951), cap. I I I .

    4 9 . Cf. C l i f f o rd Gee r t z , Peddlers and Princes: Social C hange and Eco-

    nomic Modernization in Two Indonesian Towns (Ch icago and Lo n -

    don: Yale University Press, 1963), cap. I I .

    5 0 . Web e r , The Religion of China, op. cit., p. 157, o grifo nosso.

    51. O contraste entre representao e coo pta o fo i m uito bem apre-

    sentado por Simon Schwartzman em seu art igo "Representao e

    Coop tao Po l t i ca no Bras i l " , Dados, 1970, n. 7. C f. tam b m o

    seu So Paulo e o Estado Nacional (So Pa ulo : D ife l , 1975).

  • 7/25/2019 o Minotauro Imperial

    54/318

    CAPITULO I I

    SENHORES DE TERRA E MILITARES:

    AS RAZES COLONIAIS

  • 7/25/2019 o Minotauro Imperial

    55/318

    Este paptulo examinar as duas categorias essen-

    ciais para a organizao do poder e da autoridade du-

    rante os perodos colonial e imperial no Brasil: os senho-

    res da terra e os militares. Esta diviso analtica no

    deve obscurecer o fato importante de que, na maioria

    das vezes, estas duas posies eram habitua lmente ocupa-

    das pelos mesmos indivduos. De fato, preciso lembrar

    que, em primeiro lugar, a prebendalizao da adminis-

    trao real foi uma fonte importante de militarizao,

    e, em segundo, que o acesso a tais prebendas territoriais ,

    de uma fo rm a gera l, era lim itado a homens de qualidade.

    Propomo-nos a examinar essas duas categorias em ter-

    mos da possibilidade de desenvolvimento de uma tica

    estamental, um desenvolvimento que, primeira vista,

    poderia ter sido pensado como altamente provvel.

    No h quaisquer indcios sugerindo a criao de

    formas corporativas de senhorio patrimonial durante o

    perodo colonial ou no sculo passado. Este um desen-

    volvim ento surpreendente quando se d a devida ateno

    presena de fatores que, de outra, maneira, teriam fa-

    vorecido tais formas: origem social comum, uma tradio

    cultural comum, traos endogmicos na famlia, o mor-

    gadio dos domnios rurais, um grau considervel de

    poder e ideologia militares, etc. A inabilidade dos senho-

    res de terra em desenvolver formas corporativas de so-

    lidariedade

    vis--vis

    o monarca pode ser explicada a par-

    tir de diferentes pontos de vista. Toda via, trs fatore s

    parecem particularmente relevantes a partir da presente

    perspectiva: o primeiro a descontinuidade do quadro

    de funcionrios entre os ncleos centrais da burocracia

    metropolitana e os postos avanados perifricos de admi-

    nistrao local. As grandes comunidades polticas patri-

    moniais, como a chinesa e a indiana, permitiram a form a-

  • 7/25/2019 o Minotauro Imperial

    56/318

    o de grupos solidrios de brmanes budistas ou literati

    chineses os quais monopolizaram a proviso de cargos

    desde o topo at a base da hierarqu ia. "Essa continu idade

    do quadro de funcionrios no caracterizou a organiza-

    o portuguesa. O governo local no Brasil colonial foi

    mais semelhante a um estilo de administrao por meio

    dehonoratiores, sem ligaes corporativas com as fileiras

    mais elevadas da oficialidade; a continuidade do quadro

    de funcionrios s existiu nos nveis mais elevados da

    hierarquia e, em particular, na administrao de justia.

    Ademais, a criao de um estrato relativam ente un ificado

    com uma exigncia monopolista sobre a proviso de car-

    gos em todos os nveis da administrao foi um produto

    tpico do sculo XIX, ligado emergncia de um estrato

    de bacharis. Foi som ente nesse sculo que as perspecti-

    vas de um cargo de responsabilidade ligaram-se a uma

    carreira que comeava tipicamente, com o desempenho

    dos deveres administrativos a nveis locais de governo

    (1 )

    .

    Um segundo fator que concorreu para sustar o de-

    senvolvimento do patrimonialismo estamental reside no

    grau relativamente limitado de uma estratificao est-

    vel na sociedade colonial. A sociedade brasileira, na ver-

    dade, exibiu um grau considervel de mobilidade social

    e, particularm ente, de mobilidade intergeracional. A

    representao de tal sociedade como um sistema de pri-

    vilgios corporativos e posies sociais fixas um este-

    retipo no comprovado pela evidncia emprica. Um a

    das causas principais para a inibio da institucionali-

    zao de um padro preciso de estratificao repousa no

    fcil acesso terra de fronteira que, por sua vez, obstruiu

    a estereotipificao e coagulao da honra e das opor-

    tunidades sociais. Essa fluidez relativa fo i, em conse-

    qncia, um obstculo muito significativo para o desen-

    volvimento de um princpio estamental.

    Um terceiro fator que se colocou em oposio mar-

    cante emergncia de um senhorio vigoroso e corpora-

    tivo foi o princpio ativo da solidariedade de parentesco.

    A organizao do "cl", que estava por trs dessa esp-

    cie de solidariedade, teve efeitos deletrios sobre a orga-

    nizao estamental dos senhores de terra, sem os quais

    o patrimonialismo estamental era letra morta. A for-

    midvel quantidade de poder que o senhor de terras con-

    seguiu reter nessa baseparecia ser sua fonte principal de

  • 7/25/2019 o Minotauro Imperial

    57/318

    independncia e autonomia

    vis--vis

    a autoridade poltica

    do estado; na verdade, ela foi a sua runa, na medida em

    que a transparncia de uma tal solidariedade negou a

    formao de uma associao corporativa de senhores.

    Eles permaneceram, assim, uma classe em si mesma, ex-

    traviada no particularismo da solidariedade consangu-

    nea. Como Weber mostrou em sua sociologia da cidade,

    o papel do cristianismo foi definitivo no Ocidente para

    a dissoluo dos tabus clssicos anteriores emergncia

    de uma associao

    poltica

    de indivduos burgueses no

    interior da comunidade urbana

  • 7/25/2019 o Minotauro Imperial

    58/318

    Isto verdade, acima de tudo, porque os in-

    teresses de classe na sociedade pr-capitalista

    nunca atingem uma articulao econmica com-

    pleta. Da a estruturao da sociedade em castas

    e estamentos significar que os elementos econ-

    micos esto ligados

    inextrioavelmente

    a fatores

    polticos e religiosos

  • 7/25/2019 o Minotauro Imperial

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    veu sobre o senhor de engenho nordestino no sculo

    XV I I I :

    O ser senhor de engenho ttulo a que mui-

    tos aspiram, porque traz consigo o ser servido,

    obedecido e respeitado de muitos. E se for , qual

    deve ser, homem de cabedal e governo, bem se

    pode estimar no Brasil o ser senhor de engenho,

    quanto proporcionalmente se estimam os ttulos

    entre os fidalgos do Reino

    (7 )

    .

    O outro foi o naturalista francs Saint-Hilaire, no

    primeiro quartel do sculo XIX:

    A posse de um engenho de acar confere,

    entre os lavradores do Rio de Janeiro, como que

    uma espcie de nobreza. De um 'Senhor de Enge-

    nho' s se fala como considerao e adquirir tal

    preeminncia a ambio geral.

    Um senhor de engenho tem carnes cujo ana-

    fado significam boa alimentao e pouco traba-

    lho. Em casa, usa roupa de brim, tamancos, cala

    .mal amarrada e no pe gravata; enfim indica-

    lhe atoilette que am igo do comodismo. Mas, se

    monta a cavalo e sai, preciso que o vesturio

    lhe corresponda importncia e ento enverga o

    jaleco, as calas, as botas luzidias, usa esporas de

    prata , cavalga sela muito bem tratada. sempre

    necessrio um pagem negro, fardado com uma

    espcie de libr. Em pertiga-se, ergu e a cabea,

    fala com voz forte e tom imperioso que indicam

    o homem acostumado a mandar em muitos es-

    cravos

    (8 )

    .

    A partir destas e de observaes similares, um certo

    nmero de estudiosos alega ter a sociedade colonial par-

    ticipado na criao de uma aristocracia fundiria, com

    sua fidalguia caracterstica e a monopolizao da honra

    social. H qualificaes tan to empricas com o tericas

    que invalidam uma tal caracterizao.

    De um lado, esse fenmeno no foi tpico nem gene-

    ralizado; se que existiu, ficou no mximo restrito

    economia aucareira do nordeste. O latifn dio em So

    Paulo, por exemplo, um desenvolvimento posterior que

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    surgiu juntamente com o cultivo do caf no sculo XIX

    e o senhor de terras sulista no desenvolveu valores con-

    sumatrios de natureza aristocrtica mas se envolveu

    pessoalmente na explorao econmica da sua proprie-

    dade. Alcntara Machado, aps examinar os registros

    legais que cobrem o perodo de 1578 at 1700, traa um

    perfil social do colonizador paulista que fica era agudo

    contraste com a estilizao fidalga que somente uma

    "fantasia delirante" poderia criar: o que aparece

    ... um bandeirante pobre e analfabeto, gros-

    seiro de modos e de haveres parcos, vivendo qua-

    se na indigncia, duro para consigo mesmo e com

    os semelhantes, austero e primrio...

    (9)

    Este relato confirmado por Boxer, talvez o mais

    bem informado historiador desse perodo:

    Havia certamente, diz ele, muitos e bvios

    contrastes entre a capitania de So Vicente e o

    resto do Brasil. Enquanto os povoadores e plan-

    tadores de acar ao longo da costa tinham seu

    interesse concentrado no comrcio martimo com

    Portugal e seus olhos fixos no Atln tico, os habi-

    tantes desse rem oto planalto voltavam suas faces

    e seus passos para o serto inexplorado.

    No se encontrava nada que correspondesse

    ao luxo e vida fcil dos plantadores da Bahia

    e de Pernambuco entre os povoadores dos sertes

    de So Vicente, cujo estilo de vida se voltava cer-

    tamente mais para o frugal

    ( 1 0 )

    .

    Alm disso, a nobreza titulada brasileira, como clas-

    se,no gozava de qualquer privilgio; ser um nobre tinha

    vantagens definidamente individuais, porm no existia

    uma estrutura estamental politicamente garantida

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    feudais mas atravs de prebendas patrimoniais e, final-

    mente, a escravido e no a servido desempenhou um

    papel proeminente na organizao das suas economias

    agrrias

    (12)

    .

    De outro lado, somente de forma inadequada que

    as extravagantes pretenses aristocrticas de alguns po-

    derosos senhores de terra podem ser consideradas como

    indicao da presena de um estamento. Em prime iro

    lugar, estruturalmente, qualquer "honra estamental" de

    que esse estrato pudesse ter

    eventualmente

    gozado deri-

    vava exclusivamente da sua situao de classe, isto , sua

    apropriao monopolstica da propriedade fundiria; em

    nenhum momento uma tal honra resultou de um estilo

    de vida fidalgo ou fo i inerente a uma qualidade especfica

    de tal grupo. Em igualdade de condies, faltava um ele-

    mento essencial que poderia ter transformado essa usur-

    pao de oportunidades econmicas em oportunidades

    de vida estereotipadas e caractersticas, que instituciona-

    lizassem uma ordem estamental, a saber, a estabilidade e

    rigidez na distribuio dos poderes econmicos, que j

    tivemos a oportunidade de mencionar. Neste sentido, os

    senhores de terra brasileiros partilhavam da mesma con-

    dio que outros senhores de terra patrimoniais tinham

    que enfrentar, como os indianos, por exemplo: seus di-

    reitos "senhoriais" no eram conseqncia da feudaliza-

    o o padro europeu tpico mas da prebendalizao

    da autoridade poltica . Na verdade, estas ltimas circunstncias foram

    caractersticas da histria portuguesa durante mais de

    oito sculos. Mas a situao brasileira de form a algum a

    se ajusta a qualquer dos dois conjuntos descritos acima.

    Alm disso, os militares profissionais, como grupo,

    foram isolados da rea na qual poderiam ter desenvol-

    vido uma comunidade de interesses: a burocracia real.

    As funes fiscal e judiciria eram basicamente monop-

    lio dos letrados, em primeiro lugar; de outro lado, com

    a notvel exceo das governadorias, a vasta maquinaria

    da administrao provincial colonial estava em mos dos

    senhores de terra prebendrios e dos honoratiores.

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    De qualquer forma, os militares profissionais no

    abandonaram seus reclamos objetivamente extravagan-

    tes de honra social. A fin al de contas, viviam em uma

    socidade visivelmente marcada por distines hierrqui-

    cas em todos os setores de vida distines que fre-

    qentemente abriam ou fechavam a porta ao patronato,

    ao favor, autoridade, ao nome, etc. e pertenciam a

    uma instituio fastidiosamente imbuda de smbolos,

    pompa e circunstncias cerimoniais. Assim, compreen-

    svel que a Coroa tomasse medidas para fortalecer privi-

    lgios corporativos para o exrcito, a fim de encorajar

    o ingresso da nobreza. A estratgia mais importan te

    elaborada pelo rei para atrair aquele estrato para seu

    exrcito profissional real foi a criao da instituio dos

    "cadetes ". Estabelecida por Dom Jos em 1757, os jovens

    cadetes.

    [u]sariam uniforme do tipo do de oficial e

    seriam recebidos pelo coronel do regimento com

    sua tropa formada para a ela serem apresentados.

    Freqentariam o crculo dos oficiais, sem serem

    obrigados a

    usar

    bigodes-

    no fariam servio de

    cavalaria; no fariam sentinela nos quartis; e

    concorreriam com os sargentos e forriis nos ser-

    vios externos. Podiam ser promovidos sem tem-

    po determinado de praa

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    parece ter florescido em qualquer momento um anco-

    radouro prebendai na economia patrimonial e talvez

    uma participao mais decisiva e ntida nos assuntos de

    administrao do governo

    (32)

    . Sem qualquer desses su-

    portes, os militares profissionais viveram em uma con-

    dio adjetiva e de marasmo at a segunda metade do

    sculo XIX, quando um conflito armado com um pas

    vizinho trouxe a primeiro plano a relevncia poltica

    dessa coletividade.

    No de surpreender que o setor mais burocrtico

    das foras armadas o exrcito real fosse tambm

    o rgo mais irrelevante e ineficaz da organizao pa-

    trimonial real

    ( 3 3 )

    . Pode-se encontrar um grau mais pro-

    fundo de coalescncia entre as foras armadas e os gru-

    pos privados nas demais estruturas militares: as milcias

    e os ordenanas. As primeiras era m um ad jun to do exr-

    cito regu lar, organizadas como fora auxiliar sob a form a

    de regimentos pelos distritos locais, de acordo com a cor

    e a ocupao. Havia, assim, regimentos m ilicianos de

    sangues mistos e mulatos, de negros livres, de artesos

    e artfices brancos, etc.: os oficiais mais graduados de

    todos esses regimentos milicianos eram escolhidos, por

    supuesto,

    entre os membros das classes privilegiadas

    (34)

    .

    Diferentes dos ordenanas, as milcias eram basica-

    mente militares, a.despeito da com posio civil dos seus

    corpos. As primeiras tambm tinham uma organizao

    local de teros comandados por um capito-mor, com

    subdivises em companhias comandadas por capites e

    o alistamento tambm era em termos de cor e ocupao,

    com o controle caracterstico dos senhores de terra dos

    postos mais graduados de comando. Mas suas funes

    eram, na maior parte, deveres policiais intercalados com

    treinam entos e exerccios peridicos. No con jun to, os

    ordenanas eram colocados parte do restante da orga-

    nizao militar do Brasil agrrio em virtude da sua par-

    ticipao ativa na administrao local do governo. Essa

    participao era, de fato, to formidvel que um soci-

    logo contemporneo afirmou que

    [s]em exagero, pode-se afirmar que so elas que

    tornaram possvel a ordem legal e administrativa

    neste territrio imenso, de populao dispersa e.

    escassez de funcionrios regulares

    (35)

    . .

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    No preciso dizer que, considerando as variaes

    caractersticas entre as provncias, as milcias a des-

    peito do seu nmero limitado de unidades provavel-

    mente tambm contriburam com a sua parte nesse pro-

    cesso. Em qualquer dos casos, o que temos claramente

    o padro tpico da coalescncia de funes militares e

    administrativas exercidas por indivduos privados que j

    observamos antes. Essas ltimas funes, ademais, no

    eram oficialmente confiadas oficialidade capites-

    mores, sargento-mores e capites dos ordenanas. Ao

    invs, foi uma constelao de fatores que espontanea-

    mente levaram a que eles assumissem tais deveres. Entre

    esses fatores ressaltam os seguintes: a tradio colonial

    de participao militar na administrao; a diviso im-

    precisa das funes administrativas fiscal, judiciria,

    executiva, legislativa entre as diferentes estruturas de

    governo; o grau insuficiente de burocratizao dos nveis

    locais de administrao pblica e, finalmente, a relativa

    ineficincia e insuficincia de funcionrios patrimoniais

    e burocrticos locais para fazer face s necessidades coti-

    dianas do governo. Estes e outros fatores no especial-

    mente relevantes do nosso ponto de vista facilitaram, e

    at encorajaram , o envolvimento dos ordenanas na orga-

    nizao da ordem poltica e administrativa da sociedade

    colonial.

    O aliciamento da cooperao dos ordenanas para a

    administrao do governo local data da segunda metade

    do sculo X V I I I , quando a onda de centralizao, p rom o-

    vida pelo talentoso Pombal, trouxe ao Brasil um punha-

    do de administradores hbeis e eficientes, encarregados

    da reorganizao dos interesses da Coroa. Ura deles fo i

    o Marqus de Lavradio que viu a necessidade premente

    de estender a influn cia da autoridade real alm dos con-

    fins urbanos e at os sertes. At essa ocasio, os orde-

    nanas tinham uma participao ativa mas informal na

    execuo de uma variedade de funes que iam desde a

    coleta do dinheiro local arrecadado pelas autoridades

    municipais e a execuo de instrues governamentais

    que impediam os colonos de abandonar suas terras por

    ocasio da conscrio at a tutelagem formal dos inte-

    resses locais com relao s autoridades mais eleva-

    das

    (36>

    . A habilidade poltica do Marqus consistiu em

    assegurar o ficialm ente a cooperao dos ordenanas para

  • 7/25/2019 o Minotauro Imperial

    72/318

    a institucionalizao da autoridade real. Ele compreen-

    deu, em suas prprias palavras, que

    [p]ara mim forte razo formar com todos os

    povos, assim os teros auxiliares

    (milcias),

    com

    todos aquelles individuos que esto em edade, fo r-

    as e agilidade para poderem tomar armas, como

    as das ordenanas, com aquelles que esto mais

    impossibilitados; e vem a ser a razo que redu-

    zir todos estes povos em pequenas divises e esta-

    rem sujeitos a um certo nmero de pessoas, que

    se devem escolher, sempre dos mais capazes para

    oficiais, e que estes gradua lmente se vo pondo no

    costume da subordinao, at chegarem a conhe-

    c-la todos na pessoa que S. M. tem determinado

    para os governar. Estes povos em um paiz to di-

    latado, to abundante, to rico; compondo-se a

    maior parte dos mesmos de gentes da pior educa-

    o, de caracter o mais libertino, como so ne-

    gros, mulatos, cabras, mestios, e outras gentes

    semelhantes, no sendo sujeitos mais que ao Go-

    vernador e aos magistrados, sem serem primeiro

    separados e costumados a conhecerem mais jun-

    to, assim outros superiores que gradualmente vo

    dando exemplo uns aos outros da obedincia e

    respeito, que so depositrios das leis e ordem do

    Soberano, fica sendo impossvel o governar sem

    socego e sujeio a uns povos semelhantes. A ex-

    perincia o tem mostrado, porque em todas as

    partes aonde tem havido de

    (faltado)

    reduzir os

    povos a esta ordem, tm sido as desordens e in-

    quietaes immensas, e ainda depois de canado

    o executor da alta justia de fazer execues no a

    quem a lei tem condemnado pelos seus delictos,

    nem isto tem bastado para elles se diminurem, e

    pelo contrario se tem visto que naquellas partes

    aonde os povos esto reduzidos a esta ordem, tudo

    se conserva com m uito maior socego, e so m enos

    frequentes as desordens, e so mais respeitaves as

    leis"

    (37)

    .

    talvez suprfluo enfatizar a composio elitista da

    oficialidade dos ordenanas; acrescentaremos apenas que

    o acesso tpico ao oficialato era f eit o atravs de nomeao

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    73/318

    do governador de membros escolhidos entre trs listas

    apresentadas pelo corpo legislativo do pas

    (38

    >.

    Pareceria admissvel caracterizar o aliciamento dos

    notveis locais para participarem