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1 O Mercado Voluntário de Carbono: Análise de Co-benefícios de Projetos Brasileiros para o Desenvolvimento Sustentável Autoria: Danielle Soares Paiva, Luz Fernandez, Andréa Cardoso Ventura, Guineverre Alvarez Machado de Melo Gomes, Luiza Schultz Ramos Resumo Este estudo apresenta resultados parciais de uma pesquisa que tem por objetivo analisar os co- benefícios de desenvolvimento sustentável do mercado voluntário de carbono no Brasil, a partir de pesquisas exploratória, documental e estudos de casos ilustrativos, com matriz analítica construída a partir de estudos da UNFCCC sobre co-beneficios oriundos do mercado regulado de carbono. Trata-se de uma abordagem inovadora que, nesta etapa, permite observar que poucos foram os co-benefícios verificáveis, sendo que os projetos que mais avançaram estavam registrados em Padrões Internacionais que exigem o atendimento a indicadores que vão além da redução de emissão de gases de efeito estufa.

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O Mercado Voluntário de Carbono: Análise de Co-benefícios de Projetos Brasileiros para o Desenvolvimento Sustentável

Autoria: Danielle Soares Paiva, Luz Fernandez, Andréa Cardoso Ventura,

Guineverre Alvarez Machado de Melo Gomes, Luiza Schultz Ramos

Resumo Este estudo apresenta resultados parciais de uma pesquisa que tem por objetivo analisar os co-benefícios de desenvolvimento sustentável do mercado voluntário de carbono no Brasil, a partir de pesquisas exploratória, documental e estudos de casos ilustrativos, com matriz analítica construída a partir de estudos da UNFCCC sobre co-beneficios oriundos do mercado regulado de carbono. Trata-se de uma abordagem inovadora que, nesta etapa, permite observar que poucos foram os co-benefícios verificáveis, sendo que os projetos que mais avançaram estavam registrados em Padrões Internacionais que exigem o atendimento a indicadores que vão além da redução de emissão de gases de efeito estufa.

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1. Introdução

As mudanças climáticas representam uma ameaça crítica às condições humanas. Dentre suas implicações, encontram-se maior risco de fome, inanição, doenças, insegurança alimentar. A constatação inequívoca da gravidade dos efeitos das mudanças climáticas estabelece desafios inadiáveis para as ações e políticas de mitigação e ou adaptação, envolvendo, principalmente, ações que sejam capazes de reverter a atual situação de concentração na atmosfera de gases de efeito estufa (GEE), principais responsáveis pelo aquecimento global e mudanças climáticas.

Foi assim que, em 16 de fevereiro de 2005, após intenso debate político, efetivamente entra em vigor o Protocolo de Kyoto (PK), acordo multilateral internacional considerado como marco político mundial em questões relacionadas ao meio ambiente, que, através de três mecanismos de flexibilização de emissões de GEE, articulou 175 países (dos quais 36 com compromissos reais de redução de emissão) em torno do compromisso de combate às mudanças climáticas. Tais instrumentos de flexibilização englobam a “Implementação Conjunta” e o “Comércio de Emissões”, que têm sua atuação restrita aos países desenvolvidos ou industrializados (os chamados países do Anexo I). Já o terceiro, “Mecanismo de Desenvolvimento Limpo” (MDL), permite a participação de países em desenvolvimento, a exemplo do Brasil.

O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) constitui-se em uma ferramenta de mercado (SIMONI, 2009) que visa equilibrar desenvolvimento econômico e meio ambiente, permitindo que as reduções de emissões decorrentes de sua implementação sejam comercializadas. Os MDL têm como objetivos a redução de emissão de GEE e a promoção do Desenvolvimento Sustentável (DS) em países em desenvolvimento, através de projetos financiados por países desenvolvidos.

Portanto, do Protocolo decorre a criação do mercado regulado de carbono, um ambiente institucional no qual os participantes estão submetidos à legislação e normas nacionais ou globais, que estabelecem critérios e regras para concepção de projetos e comercialização das Reduções Certificadas de Emissões (RCE) oriundas dos projetos de MDL. Ademais, de acordo com Streck e Lin (2008), o MDL é o único instrumento de regulação de um mercado dominado por atores privados que dependem de um comitê das Nações Unidas, o Conselho Executivo do MDL, que aprova os métodos de cálculo e projetos de redução de emissão de GEEs.

Trata-se de um mercado com grande potencial de crescimento em um país em desenvolvimento, como o Brasil. Além de obter vantagens financeiras com a venda dos créditos – RCE –, as empresas brasileiras podem aliar à sua imagem a preocupação com o meio ambiente e com o futuro da humanidade e do planeta. Os projetos de MDL podem proporcionar a possibilidade de investimentos em tecnologias mais limpas pelas empresas das nações que os adotam, e ainda em co-benefícios que vão além da redução de emissão de GEEs, o que possibilitaria a promoção do DS.

Existe também outro mercado fora do arcabouço do PK, o então denominado mercado voluntário de carbono (MV). Inicialmente utilizado por empresas e indivíduos de países não signatários do PK – como os Estados Unidos –, com o passar do tempo o MV tornou-se também uma alternativa aos rigorosos critérios do mercado regulado. Movidos por objetivos diversos, os usuários deste sistema vêm movimentando um número significativo de ativos de carbono.

A existência de mercado alternativo ao mercado regulado pelo PK constitui-se em ambientes nos quais as negociações de créditos de carbono, intitulado Verified Emission Reduction (VER), se dão por meio de diversos agentes, como os governos, empresas, Organizações Não Governamentais (ONGs), indivíduos, etc. (SIMONI, 2009). O interesse

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nesse mercado está pautado no gerenciamento de seus impactos em relação às mudanças do clima, sua imagem, reputação, interesses em inovações tecnológicas para redução de GEE, legitimidade, necessidade de se prepararem para regulações futuras e/ou planos de revenda de créditos de carbono, lucrando com as comercializações (IBRI, 2009).

Esses dois mercados vêm se expandindo no mundo com a crescente comercialização de créditos de carbono tendo como foco a redução das emissões globais, respaldado também, em virtude de que a concepção empresarial de crescimento do século XXI tem agregado aspectos socioambientais nas projeções dos projetos corporativos, visando resultados positivos para a sociedade, fundamentados em benefícios sociais, ambientais e econômicos (BAYON et al., 2009).

O Brasil é hoje o terceiro país em implementação de projetos de MDL, somente atrás da China e da Índia, enquanto no mercado voluntário o país está na segunda região (América Latina) que abriga a maior parte dos projetos, ficando atrás dos EUA. Esse mercado, segundo dados da Ecosystem Marketplace (2011), embora represente 2% do volume transacionado de CO2 no Mercado de Carbono (MC) global (Tabela 01), vem crescendo constantemente em participação e tornando-se uma alternativa aos critérios rigorosos e burocráticos do mercado regulado. Ademais, dadas as incertezas das negociações climáticas pós-2012, quando se encerra o período de vigência do PK, o MV tem contribuído para a reforma dos mecanismos de flexibilização do MC, uma vez que tem se posicionado como uma alternativa ao mercado regulado.

Mercado Volume (MtCO2e) Valor (em U$ milhões)

2009 2010 2009 2010 Regulado 7.437 6.692 127.642 123.954 Voluntário 98 131 415 424 Total 7.535 6.823 128.057 124.378 Tabela 01 – Tabela comparativa volume e valor transacionado nos mercados de carbono regulado e voluntário Fonte: Adaptado Ecosystem Marketplace (2011)

O Brasil, tanto nas esferas federal, estadual quanto na municipal vem criando nos

últimos anos políticas públicas voltadas para combater as mudanças climáticas. Por meio da Política Nacional de Mudanças Climáticas (PNMC), o governo brasileiro pretende reduzir, voluntariamente, entre 36,1% a 38,9% de GEE em relação a projeções futuras até 2020, fomentando, portanto, o desenvolvimento de projetos de MDL (mercado regulado) e projetos de redução e/ou mitigação de GEE (mercado voluntário) no país (BRASIL, 2009). Diante da exposição apresentada anteriormente, o PK trouxe em um dos seus princípios a proteção do clima por meio do DS, por meio do mecanismo de flexibilização denominado MDL. O MDL trouxe a possibilidade de participação de países em desenvolvimento, não obrigados pelo acordo ao cumprimento das metas fixadas, a exemplo do Brasil, China, Índia, países emergentes que integram o grupo dos BRICs ao qual pertencem também a Rússia e a África do Sul. Assim como os projetos de MDL, os projetos desenvolvidos no mercado voluntário são implementados em nações em desenvolvimento e seus créditos são comercializados para as nações desenvolvidas ou entre países em desenvolvimento. Tais projetos despertam interesses tanto de agentes que atuam no mercado de varejo quanto de fundos de investimentos ligados aos bancos e os próprios atacadistas. De acordo com Bayon, Hawn e Hamilton (2009), diversas organizações buscam, nesse mercado, as compensações das emissões de GEE, decorrentes de suas atividades, a exemplo do HSBC, Whole Foods e Nike que compram créditos de carbono na busca de cumprir sua responsabilidade social corporativa, de caráter voluntário.

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Segundo Souza (2012), no MV os agentes participantes buscam desenvolver projetos que contribuam para a redução das emissões globais de GEE, assim como atividades que estimulam a promoção do DS com foco na transição para uma economia de baixo carbono.

Desta forma, de acordo com Boyd et al. (2009), o MDL permitiu que os países em desenvolvimento participassem desse mecanismo vendendo créditos de carbono e com isso apoiando atingir seu duplo objetivo que é reduzir a emissão de GEEs e gerar co-benefícios e com isso contribuir para o DS nesses países hospedeiros. Há, atualmente, inúmeras críticas aos resultados obtidos até aqui quanto à promoção do DS e às ações de mitigação das mudanças climáticas (SOUTHSOUTHNORTH, 2004). A insuficiência das contribuições é destacada, por exemplo, por Boyd et al. (2009) e por Bozmoski, Lemos e Boyd (2008), quando afirmam que estes projetos falharam na promoção de DS, especialmente, pela concentração geográfica e setorial privilegiando regiões mais ricas e tecnologias de caráter mais corretivo e de baixo conteúdo de inovação tecnológica.

Isto posto, o presente artigo tem como objetivo analisar os co-beneficios para além da redução de GEE dos projetos brasileiros do mercado voluntário de créditos de carbono para o DS, tendo como estratégia metodológica a realização de estudos de caso ilustrativos de quatro projetos brasileiros desenvolvidos neste mercado. 2. O Mercado Voluntário de Carbono e a abordagem de indicadores de co-benefícios para o desenvolvimento sustentável

O MC pode ser definido como a “compra e venda de licenças para emissões (direito de

poluir) ou reduções de emissões (offsets) que foram respectivamente ou distribuídos por um órgão regulatório ou gerados por projetos de redução de emissões de GEE” (ECOSYSTEM MARKETPLACE, 2011, p. 05). Este mercado está dividido em duas vertentes: mercado regulado e mercado voluntário. O mercado de carbono regulado (MR), que tem como marco legal o PK, constitui-se em um ambiente institucional no qual os participantes estão submetidos à legislação e normas nacionais ou globais, que estabelecem critérios e regras para concepção de projetos e comercialização das RCE oriundas dos projetos de MDL. Já o mercado de carbono voluntário (MV) pode ser entendido por um ambiente no qual as regras e normas emergem das relações entre os agentes participantes desse mercado, cujos projetos de mitigação e/ou redução de GEE estão submetidos a Padrões Internacionais (PIs), que fixam regras próprias para sua concepção (SOUZA, PAIVA, ANDRADE, 2011).

Empresas buscam um bom posicionamento nos mercados em que atuam, a partir de ações de responsabilidade socioambiental e aumento da vantagem competitiva frente aos seus concorrentes. A participação e/ou migração de novas empresas para esse mercado se dá também em função de que apresentam maior celeridade nos procedimentos de validação de projetos em comparação ao regulado, o que maximiza o retorno do investimento (SIMONI, 2009). Assim, dentre os projetos desenvolvidos no MV de carbono, estão: a) projetos com metodologias de pequena escala, não viáveis, do ponto de vista econômico, no mercado regulado; b) projetos que não atendem a critérios estabelecidos pelo MDL e; c) projetos que já computaram créditos retroativos, ou seja, créditos computados antes mesmo do registro do projeto (SIMONI, 2009).

Considerando-se a existência de falhas no setor (características de mensuração, fiscalização, contabilização das reduções de emissões, dentre outras, essenciais ao mercado de offset) que impactam na credibilidade das VERs negociadas, foram estabelecidos Padrões Internacionais (PIs), a partir da mobilização dos agentes participantes desse mercado (SIMONI, 2009). Com isso, regras foram instituídas de forma a tentar dar ao mercado a credibilidade necessária para seu efetivo funcionamento.

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Embora a razão da existência dos PIs esteja na concessão de credibilidade e transparência ao MV, alguns deles têm solicitado que os projetos gerem co-benefícios ambientais e para sociedade (sociais), ultrapassando a exigência mínima de mitigação/ eliminação da geração de GEE para os créditos de carbono, como o Brasil Mata Viva Standard; CarbonFix Standard; Climate, Community & Biodiversity Standard (CCB); Gold Standard (GS); Panda Standard; Plan Vivo Standards e Social Carbon (ECOSYSTEM MARKETPLACE, 2011). Exigem-se dos proponentes algumas regras no desenvolvimento do projeto de forma que eles possam assumir uma postura proativa no que diz respeito aos aspectos ambientais e sociais. Em alguns casos, como Social Carbon e Gold Standard, são elencados alguns indicadores específicos para mensuração desses benefícios. Para Ecosystem Marketplace (2011), há evidencias de que projetos com essa natureza tendem a serem mais valorizados no mercado e seus preços mais elevados.

Até o momento, esta pesquisa mapeou 104 projetos brasileiros no MV, sendo que 96 já atenderam a todos as etapas do ciclo de projetos no mercado voluntário, dois projetos já foram validados pela Entidade Operacional Designada (EOD) e aguardam aprovação e posterior registro pelo PI ao qual estão vinculados, e seis projetos ainda se encontram em fase de validação, ou seja, sob auditoria da EOD. De acordo com Simoni (2009), todos os projetos brasileiros desenvolvidos no MV são de pequena escala, já que constituem atividades de projeto de energia renovável (capacidade de até 15 megawatts) ou são atividades que resultam em reduções de emissões menores ou iguais a 60 quilos tCO2e por ano (MCT, 2011).

Os projetos podem ser divididos em 7 (sete) escopos setoriais, a saber: eficiência energética, reflorestamento, resíduos, troca de combustíveis fósseis, troca de combustível proveniente de mata nativa, suinocultura e energia renovável. Cabe observar que os escopos resíduos e troca de combustível proveniente de mata nativa são específicos do MV, não havendo qualquer registro no mercado regulado. A Figura 01, a seguir, demonstra a divisão dos projetos registrados (total 104) por escopo setorial no Brasil, apontando para os escopos setoriais mais representativos (troca de combustível proveniente de mata nativa, suinocultura e troca de combustível fóssil) e para os menos (reflorestamento, energia renovável, eficiência energética e resíduos).

Figura 01 – Número de Projetos por Escopo Setorial Fonte: Elaborado pelos autores (2012)

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2.1 Co-benefícios dos projetos do mercado de carbono Um dos princípios do PK é que os projetos de MDL, presentes no MR, deveriam

atender a dois objetivos: reduzir as emissões de gases de efeito estufa nos países em desenvolvimento e contribuir para o DS. Desta forma, os países em desenvolvimento não só recebem investimentos com a sua implantação, como também passam a estar em consonância com os princípios do DS (SEIFFERT, 2009).

Particularmente para o MR, esses co-benefícios seriam aqueles não associados diretamente à redução das emissões de carbono derivados de projetos potenciais de MDL. De modo geral, esses benefícios incluem melhora na qualidade do ar e da água, intensificação na preservação do solo, proteção contra enchentes, energia elétrica para áreas rurais ou remotas, e aumento nas oportunidades de emprego.

O MDL tem sido um mecanismo bem sucedido no que tange à transferência de recursos para pagamento por reduções de emissões de GEEs, no entanto há muitas críticas no que se refere à promoção do DS (BUMPUS, COLE, 2010). Para os autores, o MDL pode ser visto sob dois polos: por um lado compreendido como um instrumento de movimentação do capital do Norte para o Sul, resultando, portanto, numa distribuição desigual dos benefícios do desenvolvimento, já que os co-beneficios que por ventura possam ser gerados ‘seguem’ as emissões de GEEs; por outro, o mercado de carbono regulado seria um grande promotor de DS através da implementação dos seus projetos de MDL.

Entretanto, o DS tem sido difícil de perceber por causa de problemas de negociação, a exemplo da soberania nacional, e pelo fato de não haver um consenso sobre os critérios e indicadores para determinação e avaliação dos co-benefícios. Para Bumpus e Cole (2010), a maior dificuldade reside na sua operacionalização de forma realista. Os co-beneficios dependem na sua maioria onde o projeto está sendo implantado, já que cabe a Autoridade Nacional Designada (AND) determinar os critérios que devem ser atendidos para sua contribuição quanto ao DS. Em geral, as decisões tomadas pelas autoridades atendem a um contexto específico, baseado em prioridades nacionais e institucionais, as demandas do mercado e da participação (ou não) dos interessados em vários níveis.

Para Bumpus e Cole (2010) entender a contribuição do MDL para o DS requer compreender o papel das ANDs e os critérios adotados para determinar a contribuição para o país hospedeiro. Entretanto, é importante ressaltar que a responsabilidade por determinar as contribuições desses projetos para o DS pode ser compartilhada com outras partes interessadas que atuam de forma ativa no mercado de carbono, a exemplo dos fundos de investimento, as ONGs e comunidades locais envolvidas. Cabem a esses atores examinar e fazer cumprir por meio de relatórios, medição e verificação em múltiplas escalas os co-benefícios gerados e as emissões reduzidas de GEEs. Ademais, para os autores, o mercado também pode auxiliar no cumprimento do propósito de promoção do DS ao privilegiarem a compra ou a precificação de projetos de “boa qualidade”.

Desta forma, a UNFCCC (2011) realizou estudo para avaliar o quanto um projeto de MDL contribui para o DS. Para tanto, foi elencada uma lista de indicadores de DS com a qual um projeto é avaliado e deve demonstrar a natureza de sua contribuição. Cabe ressaltar que se trata de uma proposta inovadora, pois, para Bumpus e Cole (2010), cabem às ANDs de cada país determinar os critérios para que os projetos de MDL contribuam para o DS, não havendo, portanto, critérios e indicadores de uma forma unificada e consensual para avaliação de todos os países hospedeiros.

O estudo da UNFCCC (2011) dispôs uma lista de 15 indicadores que cobrem três dimensões do DS: desenvolvimento econômico, proteção ambiental e desenvolvimento social. Eles abrangem a maioria dos critérios usados por outros estudos (FERNÁNDEZ et al., 2011; OLSEN, FENHANN, 2008; ALEXEEW et al., 2010; BOYD et. al., 2009; OLSEN, 2007).

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Referido estudo demonstrou que os co-benefícios mais frequentes são a criação de emprego (23 %) e redução do ruído, odores, poeira ou poluição (17 %). Tal resultado corrobora com os argumentos de Olsen e Fenhann (2008) que constaram padrão similar na análise de projetos de MDL demonstrando que a geração de emprego foi o impacto mais provável, seguido da contribuição para o crescimento econômico e melhor qualidade do ar (Figura 02):

Figura 02 – Número de projetos de MDL por co-benefícios avaliados Fonte: UNFCCC (2011)

Ademais, a UNFCCC (2011) demonstra que a maioria dos projetos de MDL analisados

declara mais de um co-benefício, todavia nenhum deles é citado em mais de 25% dos projetos. O co-benefício mais citado dentre os projetos analisados foi o melhoria e/ou proteção dos recursos naturais, o qual constitui uma exceção, revelando o percentual de 36% presentes principalmente nos projetos de florestamento e reflorestamento. As maiores contribuições sociais são reivindicadas por projetos de gás industrial, principalmente através do envolvimento da população local e promoção da educação.

De forma geral, o estudo da UNFCCC (2011) aponta para uma tendência de aumento no percentual de projetos que reivindicam o co-benefício de redução do ruído, odores, poeira ou poluentes, já que o percentual aumentou de 12% em 2005 para 21% em 2011, assim como para uma redução de utilização eficiente dos recursos naturais, com resultados de 7% (2007) para 1% (2011).

Nesta abordagem, os projetos de MDL reivindicam diversos co-benefícios de DS, sendo a criação de emprego mais proeminente. O país anfitrião pode ter um efeito sobre o mix de co-benefícios, já que cabe à AND determinar os critérios que devem ser atendidos para promoção do DS. O estudo da UNFCCC (2011) demonstrou que os co-beneficios declarados não mudaram em muito ao longo do tempo, sendo, no entanto, sempre diversificados. O estudo concluiu que diante das inúmeras reivindicações declaradas nos Documentos de Concepção dos Projetos (DCP) dos projetos de MDL há uma forte evidência de contribuição para o DS no país de acolhimento. Já para Boyd et al. (2009), anos após a implementação do MDL, é possível observar que o objetivo de promover o DS nem sempre é atendido. De acordo com os autores, isso se dá já que o critério a ser estabelecido está sob a responsabilidade dos governos dos países hospedeiros, os quais nem sempre os definem de forma clara e mensurável, se preocupando apenas em obter investimento através desse mecanismo que é o mercado de carbono.

Sendo assim, há muito espaço para melhorias nas abordagens utilizadas para a declaração e avaliação do DS dos projetos de MDL. Bumpus e Cole (2010) corroboram para

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esse argumento, ressaltando que se deve exigir transparência e análises imparciais nos relatórios de acompanhamento, verificação e validação dos projetos, situação que se observa no governo do Peru e Honduras, em que as autoridades locais solicitam acompanhamento dos co-beneficios no relatório de monitoramento de forma específica e clara (no Peru, em especial, exigiu-se um projeto eletricidade para a comunidade local).

Estudos como Nussbaumer (2009), Drupp (2011) e Wood (2011) destacam a exigência de alguns PIs na comprovação de co-benefícios que vão além da redução de emissão de GEEs, o que se verifica no CCB, Gold Standard e Social Carbon, que solicitam o atendimento a indicadores ambientais e sociais, como o envolvimento da comunidade local, utilização eficiente dos recursos naturais, dentre outros. Portanto, entende-se que os projetos do MV registrados por esses PIs possuem um potencial maior de contribuição para o DS (KOLLMUSS et al., 2008).

3. Procedimentos metodológicos

Para alcance do objetivo, e, portanto, analisar os co-benefícios econômicos, sociais e

ambientais advindos da implantação dos projetos brasileiros no mercado voluntário de carbono, a metodologia desta pesquisa combinou fontes primárias, obtidas a partir de entrevistas presenciais e telefônicas com os atores chave, com fontes secundárias, o que inclui DCPs, relatórios de instituições que tratam sobre o assunto e referências bibliográficas.

Dentre os projetos desenvolvidos no mercado voluntário brasileiro, foram escolhidos 4 (quatro) projetos representativos do MV dos 104 mapeados que retratassem de forma representativa, mas não totalitária, a diversidade de PIs e de escopos setoriais existentes: Corredor Monte Pascoal-Pau Brasil; Fogões Eficientes; Cerâmica Santa Izabel e Nobrecel. Os critérios de escolha dos projetos foram sua representatividade diante da realidade brasileira, escopo setorial, atividades desenvolvidas, PIs registrados e os co-benefícios esperados.

Utilizou-se de roteiro de entrevista semi-estruturado, com questões abertas e fechadas a fim de obter informações acerca dos co-benefícios econômicos, ambientais e sociais dos projetos, sendo aplicado presencialmente a diversos agentes envolvidos no processo de implementação e desenvolvimento dos projetos (gestores, funcionários, comunidades afetadas), acrescida de análise de documentos técnicos (DCP) e institucionais (websites das organizações proponentes).

Com base nas informações coletadas, foi aplicado quadro teórico-metodológico de referência, construído a partir do estudo da UNFCCC (2011) utilizado para análise dos projetos do mercado regulado de carbono, permitindo a operacionalização da pesquisa, conforme Tabela 02:

CONCEITO DIMENSÃO COMPONENTE INDICADORES

Co-benefícios do Mercado de

Carbono Voluntário

Desenvolvimento Sustentável

Desenvolvimento Econômico

Benefício financeiro direto / indireto para a economia local e / ou regional Geração de empregos locais / regionais Desenvolvimento ou difusão local da tecnologia importada Investimento em infraestrutura local/ regional

Proteção Ambiental

Utilização eficiente dos recursos naturais Redução de ruído, odores, poeira ou poluentes Melhoria e / ou proteção dos recursos naturais Melhoria na utilização de energia Promoção de energias renováveis

Desenvolvimento SocialMelhoria das condições de trabalho e / ou direitos humanos

Promoção da educação

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Melhoria das condições de saúde e segurança Redução da pobreza Envolvimento da Comunidade Local

Empoderamento das mulheres, o cuidado das crianças e dos vulneráveis

Tabela 02 – Modelo de Análise da Pesquisa Fonte: Adaptado de UNFCCC (2011)

Este quadro permitiu uma análise dos co-benefícios dos projetos selecionados do MV brasileiro que estão contribuindo para o DS das localidades onde estão sendo realizados. A partir desse quadro e da análise dos dados coletados durante as visitas aos projetos foi possivel verificar os co-benefícios alcançados. 4. Análise dos co-benefícios dos projetos de Mercado Voluntário brasileiro estudados

Para melhor compreensão das análises realizadas, inicialmente apresenta-se breve

descrição dos quatro projetos estudados, conforme Tabela 03.

Projeto Localização Ano de Início

Principais Atividades

PI Breve Descritivo

Corredor Monte Pascoal – Pau Brasil

Caraíva (BA)

2008 Conservação e Reflorestamento

CCB Meta de restauração de quatro mil hectares e proteção de 20 mil hectares de mata nativa (destas, um mil hectares para comercialização de créditos). Formação de corredores ecológicos ligando os parques nacionais Pau Brasil e Monte Pascoal pela recomposição de mata através do plantio de espécies nativas, com sementes coletadas e mudas cultivadas por agentes locais capacitados para tal. Estabelecimento de governança florestal participativa, havendo capacitação técnica para manejo o sustentável dos recursos.

Fogões Eficientes

Maragogipe (BA)

2011 Substituição de Fogões Rudimentares por Outros Mais Eficientes

Gold Standard

Substituição de 1.000 fogões rudimentares movidos à lenha por outros mais eficientes. Prevê redução do consumo de madeira (cerca de 50%) e de emissão de GEE. Os novos fogões representam melhorias significativas à saúde. Envolvimento de agentes locais para a construção e manutenção dos fogões, bem como para o estabelecimento de relações com os interessados.

Cerâmica Santa Izabel

Itaboraí (RJ) 2004 Troca de Combustível Fóssil em Indústria de Cerâmica

Voluntary Carbon Standard (VCS) + Social Carbon

Integra um Programa de Atividades (PoA) com outros dois projetos nas circunvizinhas Guaraí e Itabira, dada a inviabilidade econômica, ambiental e social de um projeto isolado na região. Envolvimento dos trabalhadores com melhoria de suas condições de trabalho e vida.

Nobrecel Pindamonhangaba (SP)

2002 Troca de Combustível Fóssil em Indústria de Celulose com co-geração de

VCS Geração de energia renovável através da instalação de uma nova caldeira de biomassa e uma nova turbina, gerando eletricidade a partir do vapor em alta pressão. A energia é aproveitada no processo de produção

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energia Tabela 03 - Descrição dos Quatro Projetos Brasileiros do MV Analisados Fonte: Elaborado pelos autores (2012)

Conforme se examina, não obstante todos os projetos serem categorizados como de pequena escala, apresentam características bastante distintas no que se refere às atividades desenvolvidas e o PI em que está registrado. A aplicação do quadro teórico-metodológico anteriormente apresentado, tendo como base os DCPs analisados, as observações em campo e as entrevistas semi-estruturadas, originou as seguintes constatações, com relação aos co-benefícios de cada projeto (Tabela 04):

Dimensão Co-benefício Corredor Ecológico

Fogões Eficientes

Cerâmica Santa Izabel

Nobrecel

Econômica Benefício financeiro direto / indireto para a economia local e / ou regional

X X X

Geração de empregos locais / regionais X X X X Desenvolvimento ou difusão local da tecnologia importada

X X

Investimento em infraestrutura local/ regional

X

Ambiental Utilização eficiente dos recursos naturais X X X X Redução de ruído, odores, poeira ou poluentes

X

Melhoria e / ou proteção dos recursos naturais

X X

Melhoria na utilização de energia X X Promoção de energias renováveis X

Social Melhoria das condições de trabalho e / ou direitos humanos

X X X

Promoção da educação X X Melhoria das condições de saúde e segurança

X X X

Redução da pobreza X X Envolvimento da Comunidade Local X X X Empoderamento das mulheres, o cuidado das crianças e dos vulneráveis

X

Tabela 04 – Co-beneficios declarados dos projetos analisados Fonte: Elaborado pelos autores (2012)

Verifica-se que os projetos analisados apresentaram co-benefícios bastante distintos ao DS nas localidades onde foram implementados a exemplo do Corredor Ecológico Monte Pascoal – Pau Brasil, primeiro projeto brasileiro e da América Latina de restauração florestal registrado pelo PI CCB e verificado/certificado pela Rainforest Alliance, que possui peculiaridades próprias que permitem ilustrar os co-benefícos nas perspectivas sociais, econômicas e ambientais dos projetos de reflorestamento brasileiros desenvolvidos no MV, bem como apontar os possíveis caminhos que ainda precisam ser percorridos nesse sentido.

O projeto objetiva, através da recomposição dos fragmentos de mata atlântica, a formação de corredores ecológicos ligando os dois Parques Nacionais (Pau Brasil e Monte Pascoal), a geração de trabalho e renda para comunidades locais, a proteção e recuperação de serviços ambientais, especialmente água e carbono, a regularização de adequação ambiental das propriedades (uma estratégia para adesão de produtores rurais), conscientização ambiental, mobilização social e formação de capital humano (SENA, 2011).

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Com duração estimada de 30 anos, prevê uma redução de 316 mil toneladas de CO2eq, o que o configura um projeto de pequena escala. Para alcançar o objetivo proposto, as áreas degradadas foram restauradas através do plantio de espécies nativas, com sementes coletadas e mudas cultivadas por agentes locais capacitados em técnicas de reflorestamento (fruto de parceria entre o Projeto e o Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz – ESALQ/USP).

O Projeto Corredor Monte Pascoal – Pau Brasil declara em seu DCP 8 (oito) co-benefícios presentes nas três dimensões, conforme Tabela 04, demonstrando que o projeto foi bem sucedido na promoção do DS. As dimensões econômica e social foram as que mais apresentaram contribuição.

Dentre a contribuição do projeto para a mitigação das mudanças climáticas, destacam-se os co-benefícios de reflorestamento de áreas degradadas e aumento das chances de permanência regional de espécies endêmicas e ameaçadas. Ao longo do tempo de implantação do projeto foram percebidas alterações ambientais pelos produtores rurais cessionários de terras, como a diminuição da erosão do solo, a melhora na oferta natural de recursos hídricos e a menor incidência de pragas em lavouras, dado o maior equilíbrio ecossistêmico circundante. Tal cenário reflete na atenuação do uso de meios artificais de controle de pragas e qualidade do solo, com consequente barateamento de sua manutenção. Também foi relatada a aparição mais corriqueira de espécies de pequenos pássaros e animais anteriormente mais infrequente.

No que se refere aos co-benefícios sociais, um dos grandes atributos do projeto é o envolvimento comunitário no estabelecimento de uma governança florestal participativa. Foram empreendidas ações com o empoderamento local e formação de capital humano – como a capacitação técnica de moradores para manejo sustentável dos recursos florestais (neste caso organizados em sistema de cooperativas) – se mostram estratégicas para o sucesso e permanência do projeto. Verificou-se, portanto a inclusão e capacitação de agricultores locais, bem como o fortalecimento de associações locais. Como resultados dessas ações o projeto pode apoiar na redução da pobreza na região.

De forma complementar, pôde-se observar alguns co-benefícios de ordem econômica como a relatada mudança nas expectativas de vida de comunidades, frente às oportunidades de trabalho e geração de renda locais associadas à recuperação ambiental. Nesse sentido, foram colhidos relatos de indivíduos que trocaram atividades predatórias (supressão ilegal de mata nativa, modalidades de pesca irregular, etc.) e outras associadas ao limitado calendário turístico pelo envolvimento em ofícios de restauração florestal, como coleta e cultivo de sementes e plantio de mudas nativas, manutenção e monitoramento da mata.

O projeto Fogões Eficientes consiste na substituição de 1.000 dos tradicionais fogões à lenha utilizados na região por fogões melhorados que permitem o uso mais eficiente da madeira, e, portanto, reduzem o seu consumo e as emissões de CO2. Foi concebido e implementado pela ONG Instituto Perene, no entanto seus créditos são todos vendidos antecipadamente para a empresa Natura, que pretende utilizá-los por meio de um programa interno (Carbono Neutro) como forma de compensar as suas emissões de GEEs. Todo recurso recebido com a venda dos créditos de carbono pelo Instituto Perene para a Natura está sendo reinvestido no próprio projeto, beneficiando com isso a comunidade local.

Esta iniciativa foi validada pela metodologia da Gold Standard, a qual requer envolvimento dos agentes locais (comunidades rurais) desde as primeiras fases de concepção do projeto, constituindo-se um fator fundamental para a implantação do mesmo. Assim, foram constatados co-beneficios que vão além da redução de emissão de GEEs. Dos 15 indicadores estabelecidos, o projeto contribui positivamente para 12, conforme pode ser observado na Tabela 04. Ademais as dimensões ambiental e social demonstraram-se a de maior impacto positivo.

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O projeto possui como um co-benefício a geração de emprego local, alimentada pela opção de aquisição de insumos para construção dos fogões por fornecedores locais. O processo de construção dos fogões eficientes pressupõe a participação ampla da comunidade, apoiando a formação dos usuários como parte das atividades do projeto. Desta forma, beneficia-se o usuário final em termos de formação e treinamento para utilização e manutenção das cozinhas.

A dimensão ambiental apresenta positivamente o indicador de utilização eficiente dos recursos naturais, o que pode ser constatado com o uso mais eficiente da madeira para queima no fogão (redução média de 50%). Isso se explica face à tecnologia empregada nos novos fogões eficientes, que evita a fuga do calor resultando numa diminuição da demanda por lenha. Cabe o registro de que a lenha utilizada nos fogões eficientes recolhida em Maragogipe é composta por galhos e pequenos troncos e essa redução reflete na mitigação do desmatamento e erosão do solo.

No que se refere à redução de ruído, odores, poeira ou poluentes, esse co-benefício tem se demonstrado um dos mais significativos, no que se refere à redução da poluição do ar. Os fogões acabam por reduzir a emissão de fumaça dentro das casas e, por conseguinte, corrobora positivamente para a melhoria no aspecto social, já que há uma melhora no trato das doenças respiratórias inferiores e melhorias na dor nas costas (devido a não ter que carregar tanta madeira), assim como nos problemas de visão (devido à diminuição/ desaparecimento de fumo).

O projeto também reflete em co-benefícios sociais extremamente positivos, como o envolvimento da comunidade local que apoiou na implantação e adequação do projeto a realidade local, a exemplo da altura da cozinha, que foi modificada para satisfazer os interesses de mulheres locais. Ademais, observa-se a presença de uma agente multiplicadora “líder”, que repassa os treinamentos de implantação e manutenção dos fogões para os demais agentes e para os pedreiros. Também os agentes de saúde local estão envolvidos no processo, pois, como usuários dos fogões, participam de forma bastante agregadora no processo de disseminação da proposta, utilizando-se de sua fácil penetração na comunidade local.

Também se registra a aceitação do projeto por diferentes agentes em relação à sua contribuição para a melhoria das condições de vida e principalmente no que se refere às condições de saúde, já que a fumaça é reduzida e projetada para fora da residência, o que diminui seu odor característico, os malefícios para o organismo e implica na melhoria da autoestima das mulheres ao propiciar certo conforto e alteração da rotina estética.

Ainda quanto aos benefícios à saúde, foram relatadas melhorias na visão (devido à diminuição / desaparecimento de fumaça), doenças respiratórias inferiores e na dor nas costas (devido a não ter que carregar tanta madeira). Foi também apontada redução no risco de incêndio e explosões, já que com os novos fogões eficientes é reduzida a quantidade de lenha armazenada.

Em oposição aos cenários positivos analisados, o projeto da Cerâmica Santa Izabel apresentou contribuição mediana para o DS, já que contribui com 8 (oito) dos15 indicadores elencados. O projeto faz parte de um programa de atividades denominado “PoA” com outros dois projetos de cerâmica – Guaraí e Itabira, já que apenas um dos projetos não seria viável em termos econômicos, ambientais e sociais. Tal iniciativa consiste em utilizar madeira de florestamento e resíduos lenhosos (como aparas de madeira), que são biomassas renováveis, para alimentar os fornos em vez de usar um combustível não renovável como o petróleo pesado.

No aspecto econômico, à medida que a injeção da biomassa nos fornos é realizada manualmente pelos operadores, o projeto acaba por requer mais trabalhadores, uma vez que a madeira deve ser cortada com um machado hidráulico e movido ao longo da cerâmica, corroborando para geração de empregos locais.

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No que se referem aos co-benefícios ambientais, esses se demonstraram mais preponderantes. A proposta corrobora em muito para a utilização eficiente dos recursos naturais e para a promoção de energias renováveis, uma vez que são utilizadas biomassas renováveis para alimentar os fornos em substituição a um combustível não renovável, como óleo. Ademais, foram adquiridos com o projeto novos equipamentos, como queimadores mecânicos e termopares, que contribuíram para melhoria na eficiência energética, pois minimiza a perda de calor na produção da cerâmica. Foram também instaladas estruturas metálicas que capturam calor do sol para a secagem, tornando a secagem mais rápida e natural, não sendo necessária utilização de ventiladores, o que diminui consequentemente o gasto de energia. Igualmente, a aquisição dos novos equipamentos (queimadores mecânicos, termopares e trituradores de madeira) exigiu certa capacitação dos funcionários para o seu manuseio, sendo também ministradas palestras relacionadas à melhoria de vida, o que contribuiu para certa melhora nas condições de trabalho, como maior uso de equipamentos de proteção individual, com resultados na saúde geral do indivíduo.

O projeto Nobrecel consiste na geração de energia renovável através da instalação de uma nova caldeira de biomassa e uma nova turbina. Trata-se de um projeto de cogeração desenvolvido por empresa privada que utiliza resíduos de biomassa como combustível. Assim como o projeto de Cerâmica, foi apresentada pouca contribuição para o DS, registrando apenas 6 (seis) dos 15 indicadores. No aspecto econômico, o projeto Nobrecel constitui uma iniciativa inovadora dentro do setor energético brasileiro e pretende com isso contribuir para a integração regional e conexão com outros setores, como engenharia e construção civil, estimulando co-benefícios financeiros diretos e indiretos para a região.

O projeto visa contribuir com a geração de emprego e renda local, uma vez que proporciona novas oportunidades de trabalho. Os recursos auferidos com a venda dos créditos têm sido revertidos em melhorias nos processos internos na organização. Também foram relatados ganhos de experiência com as ações desenvolvidas, o que, segundo apontado, estimularia outras ações de cunho ambiental.

No campo ambiental, o projeto objetiva contribuir para a sustentabilidade ambiental local, uma vez que reduz o uso de combustíveis fósseis, substituindo-o por uma fonte alternativa renovável. Visa também à geração de energia, já que uma turbina instalada complementarmente para a caldeira gera eletricidade a partir do vapor de alta pressão. Esta energia elétrica é utilizada no processo de produção, bem como em outros processos rotineiros. Ademais, o projeto visa melhorar a condição ambiental local devido à destinação adequada de resíduos de serragem e lascas de madeira. 5. Considerações finais

O MDL e o MV constituem importantes instrumentos de políticas climáticas, ao invés

de mecanismos concebidos especificamente para impulsionar o desenvolvimento nos países em processos de industrialização, como pensado em sua concepção. Contudo, desde sua origem espera-se que a implantação dos projetos de mitigação possa contribuir para o DS dos países hospedeiros. O presente estudo ressalta a importância que o MV tem em auxiliar as comunidades locais a implementar ações em prol do DS e, até agora, vê conexão entre esse resultado e as exigências de caráter social de alguns PIs que suplantam as meras exigências de mitigação de GEE.

Conforme dados apresentados, dois dos quatro projetos apresentaram maiores avanços na promoção do DS, contradizendo os resultados da UNFCCC (2011) e Boyd et al. (2009) nos seus estudos sobre o MR. O resultado alcançado confirma o ponto de partida desse estudo sobre o maior potencial do MV para contribuição ao DS, dada sua maior flexibilidade e a

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diversidade de atores. De certa forma, foram apontadas contribuições em todos co-benefícios elencados na pesquisa, sendo os co-benefícios “utilização eficiente dos recursos naturais” e “geração de empregos locais / regionais” verificados em todos os projetos. As perspectivas social e econômica apresentaram maior contribuição para o DS para os estudos realizados.

Alguns co-benefícios estimulam outros, como é o caso “melhoria das condições de trabalho” com “melhoria nas condições de saúde e segurança”. Ademais, os projetos que apresentaram maiores co-benefícios foram registrados nos PIs CCB e Gold Standard, que exigem o atendimento a indicadores ambientais e sociais que vão além da redução de emissão de GEEs.

O resultado alcançado nesse estudo vai ao encontro das prioridades expressas pelo Conselho Executivo do MDL, que permitiu em 2011 contribuições públicas sobre formas de inclusão dos co-benefícios e diminuição do ciclo de vida e dos custos de transação dos projetos de MDL e o papel dos diferentes intervenientes e interessados neste processo.

Como análise preliminar, não há ainda como avaliar conclusivamente as contribuições dos 4 (quatro) projetos por ora analisados, tratando de um work in progress, já que se pretende analisar pelo menos 15 projetos representativos do MV no Brasil. Pelo mesmo motivo, ficam prejudicadas, por ora, as possíveis ampliações de suas leituras e inferências a outros cenários e situações. Referências ALEXEEW, J.; BERGSET, L.; MEYER, K.; PETERSON, J.; SCHNEIDER, L.; UNGER, C. An analysis of the relationship between the additionality of CDM projects and their contribution to sustainable development. International Environmental Agreements. Politics, Law and Economics. 10 (3), pp. 233-248. 2010. BAYON, R.; HAWN, A.; HAMILTON, K.. Voluntary Carbon Markets: An International Business Guide to What They Are and How They Work. 2a. ed. Earthscan: London, 2009. BOYD, E.; HULTMAN, N.; ROBERTS, J.; CORBERA, E.; COLE, J.; BOZMOSKI, A.; EBELING, J.; TIPPMAN, R.; MANN, P.; BROWN, K.; LIVERMAN, D.,. Reforming the CDM for sustainable development: lessons learned and policy futures. Enviromental Science & Policy. I2, 820-831, 2009. BRASIL. Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009. Institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima - PNMC e dá outras providências. Brasília, 2009. Disponível em: < http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%2012.187-2009?OpenDocument>. Acesso em: 20 jul.2011. BOZMOSKI, A.; LEMOS, M.; BOYD, E. Prosperous Negligence: Governing the Clean Development Mechanism for Markets and Development. Environment. 50 (3), 18–30. 2008. BUMPUS, A.; COLE, J. How can the current CDM deliver sustainable development? In: Wiley Interdisciplinary Reviews: Climate Change. Vol. 1, Jul/Aug. 2010. Pg. 541-547. DRUPP, M. Does the Gold Standard label hold its promise in delivering higher Sustainable Development benefits? A multi-criteria comparison of CDM projects. Energy Policy. 2011. ECOSYSTEM MARKETPLACE. Back to the Future: the state of the voluntary carbon

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