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Jean-Jacques René Sempé Goscinny O menino Nicolau

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Jean -Jacques René

Sempé Goscinny

O menino Nicolau

Uma recordação para toda a vida ................................. 11Os cow-boys .................................................................. 19O Caldo ...................................................................... 27O futebol .................................................................... 35Chegou o inspetor ...................................................... 43Rex ............................................................................. 51Djodjo ........................................................................ 59O ramo giro ................................................................ 65As cadernetas .............................................................. 73Luisinha ...................................................................... 81Andámos a ensaiar para o ministro ............................... 89Eu fumo ..................................................................... 97O Pequeno Polegar ..................................................... 105A bicicleta ................................................................... 111Estou doente ............................................................... 119Divertimo-nos muito .................................................. 127Fui visitar o Aniano ..................................................... 135O Senhor Bordenave não gosta do sol ......................... 143Fugi de casa ................................................................ 151

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Índice

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Esta manhã, chegámos todos à escola muito contentes,porque vão tirar uma fotografia da turma que será para nósuma recordação para ficar para toda a vida, como nos disse aprofessora. Também nos disse para virmos bem limpos e bempenteados.

Foi com a cabeça cheia de brilhantina que entrei no pátiodo recreio. Já lá estavam todos os colegas e a professora estavaa ralhar com o Godofredo, que tinha vindo vestido de mar-ciano. O Godofredo tem um papá muito rico que lhe compratodos os brinquedos que ele quer. O Godofredo dizia à pro-fessora que queria mesmo ser fotografado à marciano e quede contrário se iria embora.

O fotógrafo também lá estava com a sua máquina, e aprofessora disse -lhe que tinha de se despachar, senão íamosfaltar à aula de aritmética. O Aniano, que é o melhor da aulae o menino -bonito da professora, disse que seria uma penanão termos aritmética, porque gostava disso e tinha feito bemtodos os problemas. O Eudes, um colega que é muito forte,queria dar um murro no nariz do Aniano, mas o Aniano tem

Uma recordação para toda a vida

óculos e não se lhe pode bater tanto quanto se gostaria. A pro-fessora pôs -se a gritar que éramos insuportáveis e que seaquilo continuasse não haveria fotografia e iríamos para aaula. O fotógrafo, então, disse: «Vamos, vamos lá, calma, calma.Eu sei como é que se deve falar com as crianças, vai tudo cor-rer bem.»

O fotógrafo decidiu que tínhamos de nos pôr em três filas;a primeira fila sentada no chão, a segunda em pé à volta daprofessora, que estaria sentada numa cadeira, e a terceira empé em cima de caixas. Tem de facto boas ideias, o fotógrafo.

As caixas, fomos procurá -las à cave da escola. Divertimo --nos muito, porque não havia muita luz na cave e o Rufus tinhaenfiado um saco velho na cabeça e gritava: «Hu! Sou o fan-tasma.» E depois vimos chegar a professora. Não estava comum ar contente, por isso fomo -nos embora depressa com ascaixas. O único que ficou foi o Rufus. Com o saco, não viao que se passava e continuou a gritar: «Hu! Sou o fantasma» efoi a professora que lhe tirou o saco. O Rufus ficou bestial-mente espantado.

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De volta ao pátio, a professora largou a orelha do Rufuse bateu com a mão na testa. «Mas vocês estão todos pretos»,disse ela. Era verdade, ao fazer palhaçadas na cave tínhamo--nos sujado um pouco. A professora não estava contente, maso fotógrafo disse -lhe que não era grave, tínhamos tempo denos lavarmos enquanto ele arrumava as caixas e a cadeira paraa fotografia. Com exceção do Aniano, o único que tinha acara limpa era o Godofredo, porque tinha a cabeça no capa-cete de marciano, que é parecido com um frasco de boca larga.«Está a ver», disse Godofredo à professora, «se todos tivessemvindo vestidos como eu, não haveria histórias.» Vi que a pro-fessora tinha muita vontade de puxar as orelhas ao Godofredo,mas o frasco não tinha sítio por onde se pegar. Este fato demarciano é um truque incrível!

Voltámos depois de nos termos lavado e penteado. Estáva-mos bastante molhados, mas o fotógrafo disse que não fazia mal,que na fotografia isso não se via.

«Bem», disse -nos o fotógrafo, «querem agradar à vossa pro-fessora?» Respondemos que sim, porque gostamos muito da

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professora, ela é extremamente simpática quando não a faze-mos zangar. «Então», disse o fotógrafo, «vão com juízo tomaros vossos lugares para a fotografia. Os maiores em cima dascaixas, os médios de pé, e os pequenos sentados». Nós lá fomose o fotógrafo estava a explicar à professora que se conseguetudo das crianças quando se é paciente, mas a professora nãoo conseguiu ouvir até ao fim. Teve de nos vir separar, porquequeríamos todos ficar em cima das caixas.

«Aqui só há um grande, sou eu!», gritava o Eudes e em-purrava os que queriam subir para cima das caixas. Como oGodofredo insistia, o Eudes deu -lhe um murro no frasco emagoou -se muito. Tivemos de ser vários a tirar o frasco doGodofredo, que se tinha entalado.

A professora disse -nos que nos fazia um último aviso,depois seria a aula de aritmética, então pensámos que precisá-vamos de ficar quietos e começámos a instalar -nos. O Godo-fredo aproximou -se do fotógrafo, «é o quê, a sua máquina?»perguntou ele. O fotógrafo sorriu e disse: «É uma caixa deonde vai sair um passarinho, meu rapaz.» «O seu aparelho é

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velho», disse o Godofredo, «o meu pai deu -me um com para --sol, grande angular, teleobjetiva e, claro, filtros...» O fotógrafopareceu surpreendido, deixou de sorrir e disse ao Godofredopara voltar para o seu lugar. «Será que pelo menos tem umacélula fotoelétrica?», perguntou o Godofredo. «É a última vezque te digo, volta para o teu lugar!», gritou o fotógrafo que,de repente, ficou com um ar muito nervoso.

Instalámo -nos. Cá eu estava sentado no chão, ao lado doAlceste. O Alceste é o meu colega que é muito gordo e quepassa a vida a comer. Estava a morder numa fatia de pão comdoce e o fotógrafo disse -lhe para deixar de comer, mas o Al-ceste respondeu que ele precisava de se alimentar. «Larga essafatia!», gritou a professora, que estava sentada precisamente atrásdo Alceste. O Alceste ficou tão espantado que deixou cair opão com doce na camisa. «Lindo serviço», disse o Alceste, ten-tando rapar o doce com o pão. A professora disse que só haviauma coisa a fazer, era pôr o Alceste na última fila para que nãose visse a nódoa na camisa. «Eudes», disse a professora, «dê olugar ao seu colega.» «Não é meu colega», respondeu o Eudes,

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Em cima, da esquerda para a direita: Martim (que se mexeu), Poulot,

Dubéda, Coussignon, Rufus, Adalberto, Eudes, Champignac, Lefèvre,

Toussaint, Charlier, Sarigaut.

No meio: Paulo Bojojofe, Tiago Bojojofe, Marcou, Lafontan, Lebrun,

Dubos, Delmont, de Fontagnès, Martineau, Godofredo, Mespoulet, Falot,

Lafageon.

Sentados: Rignon, Guyot, Aníbal, Croutsef, Bergès, a professora,

Aniano, Nicolau, Faribol, Grossini, Gonzalez, Pichenet, Alceste e

Mouchevin (que foi mandado embora).

«não ficará com o meu lugar e que se ponha de costas na fo-tografia, assim não se verá a nódoa nem a sua cara gorda.»A professora zangou -se e deu ao Eudes o castigo de conjugaro verbo: «Eu não devo recusar -me a dar o meu lugar a um co-lega que deixou cair uma fatia de pão com doce na camisa.»O Eudes não disse nada, desceu da caixa e veio até à primeirafila, enquanto o Alceste ia para a última fila. Isso provocouuma certa desordem, sobretudo quando o Eudes passou peloAlceste e lhe deu um murro no nariz. O Alceste quis dar umpontapé ao Eudes, mas o Eudes esquivou -se, é muito ágil, efoi o Aniano que apanhou com o pé, felizmente no sítio ondenão tem óculos. Isso não impediu o Aniano de se pôr a chorare a berrar que já não via, que ninguém gostava dele e quequeria morrer. A professora consolou -o, assoou -o, voltou apenteá -lo e castigou o Alceste; ele tem de escrever cem vezes:«Eu não devo bater num colega que não implica comigo eque usa óculos.» «Bem feito», disse o Aniano. Então a profes-sora também lhe deu umas linhas para escrever. O Anianoficou de tal maneira espantado que nem sequer chorou. A pro-fessora começou a distribuir os castigos de uma forma bemgira, todos tínhamos montes de linhas para escrever, e por fima professora disse -nos: «Agora, têm de se resolver a estar quie-tos. Se forem simpáticos, levantarei todos os castigos.Vá, vãofazer pose, fazer um lindo sorriso, e o senhor vai -nos tirar umabela fotografia!» Como não queríamos aborrecer a professora,obedecemos. Todos sorrimos e ficámos em pose.

Mas, quanto à recordação para ficar para toda a vida, fa-lhou, porque demos conta que o fotógrafo já lá não estava. Ti-nha -se ido embora, sem dizer nada.

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