o marxismo de adorno em fredric jamenson

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 O MARXISMO DE ADORNO EM FREDRIC JAMENSON  Sílvio Cés ar Camargo 1  Para Fredric Jameson a pós-modernidade como lógica cultural do capitalismo tardio, possui o sentido de expressar o tipo de dominação presente nas sociedades ocidentais nas últimas três décadas. Sua teoria social, enquanto uma crítica da dominação no atual estágio do capitalismo, exprime-se, quanto a suas bases teóricas fundamentais, como uma reapropriação da teoria da dominação de Adorno. As categorias principais das quais Jameson se utiliza para caracterizar a dita pós-modernidade são oriundas do marxismo adorniano. A relação existente, portanto, entre marxismo e pós-modernidade, sob a ótica de Jameson, passa necessariamente pelo reconhecimento da atualidade de Adorno  para a compreensão das atuais transformações da s ociedade contemporânea. Ao contrário daqueles que interpretam a obra de Adorno através de uma forte ênfase quanto às influências que ele recebe de Weber e Nietzsche, além de Benjamin e Freud, na visão de Jameson o pensamento de Adorno é essencialmente marxista, e nesta  própria caracterização estaria a sua atualidade (Jameson, 19 96: 18). Diferente da teoria crítica da Escola de Frankfurt a abordagem teórica proposta por Jameson não proporá uma crítica sistemática da racionalidade e do Aufklärung , mas está muito mais voltada para dissecar a relação entre reificação e dominação, entre totalidade e modo de produção, procurando demonstrar a efetividade destes conceitos em uma era pós- moderna compreendida como capitalismo tardio. Nesse sentido, a sua apropriação do  pensamento de Adorno é totalmente distinta daquela proposta por Habermas (1998), e em alguns aspectos se assemelha a questões também levantadas recentemente por Honneth (2005) quanto aos aspectos sociológicos do pensamento de Adorno. A crítica adorniana da modernidade havia diagnosticado a perda da subjetividade autônoma, que se tornou diluída na própria objetividade reificada da sociedade. Mas tal subjetividade em Adorno ainda se mantém como um resíduo de utopia, essencialmente moderna, na medida em que o âmbito de manifestação da obra de arte autônoma sustentaria uma distinção com a cultura de massas (Adorno, 1984b). A manifestação desta 1  Estagiário docente e doutorando em Sociologia – Unicamp.

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Jameson a pós-modernidade como lógica cultural do capitalismotardio, possui o sentido de expressar o tipo de dominação presente nas sociedadesocidentais nas últimas três décadas. Sua teoria social, enquanto uma crítica da dominaçãono atual estágio do capitalismo, exprime-se, quanto a suas bases teóricas fundamentais,como uma reapropriação da teoria da dominação de Adorno. As categorias principais dasquais Jameson se utiliza para caracterizar a dita pós-modernidade são oriundas domarxismo adorniano. A relação existente, portanto, entre marxismo e pós-modernidade, soba ótica de Jameson, passa necessariamente pelo reconhecimento da atualidade de Adornopara a compreensão das atuais transformações da sociedade contemporânea.Ao contrário daqueles que interpretam a obra de Adorno através de uma forteênfase quanto às influências que ele recebe de Weber e Nietzsche, além de Benjamin eFreud, na visão de Jameson o pensamento de Adorno é essencialmente marxista, e nestaprópria caracterização estaria a sua atualidade (Jameson, 1996: 18).Diferente da teoria crítica da Escola de Frankfurt a abordagem teórica proposta porJameson não proporá uma crítica sistemática da racionalidade e do Aufklärung, mas estámuito mais voltada para dissecar a relação entre reificação e dominação, entre totalidade emodo de produção, procurando demonstrar a efetividade destes conceitos em uma era pósmodernacompreendida como capitalismo tardio. Nesse sentido, a sua apropriação dopensamento de Adorno é totalmente distinta daquela proposta por Habermas (1998), e emalguns aspectos se assemelha a questões também levantadas recentemente por Honneth(2005) quanto aos aspectos sociológicos do pensamento de Adorn

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  • O MARXISMO DE ADORNO EM FREDRIC JAMENSON

    Slvio Csar Camargo1

    Para Fredric Jameson a ps-modernidade como lgica cultural do capitalismo

    tardio, possui o sentido de expressar o tipo de dominao presente nas sociedades

    ocidentais nas ltimas trs dcadas. Sua teoria social, enquanto uma crtica da dominao

    no atual estgio do capitalismo, exprime-se, quanto a suas bases tericas fundamentais,

    como uma reapropriao da teoria da dominao de Adorno. As categorias principais das

    quais Jameson se utiliza para caracterizar a dita ps-modernidade so oriundas do

    marxismo adorniano. A relao existente, portanto, entre marxismo e ps-modernidade, sob

    a tica de Jameson, passa necessariamente pelo reconhecimento da atualidade de Adorno

    para a compreenso das atuais transformaes da sociedade contempornea.

    Ao contrrio daqueles que interpretam a obra de Adorno atravs de uma forte

    nfase quanto s influncias que ele recebe de Weber e Nietzsche, alm de Benjamin e

    Freud, na viso de Jameson o pensamento de Adorno essencialmente marxista, e nesta

    prpria caracterizao estaria a sua atualidade (Jameson, 1996: 18).

    Diferente da teoria crtica da Escola de Frankfurt a abordagem terica proposta por

    Jameson no propor uma crtica sistemtica da racionalidade e do Aufklrung, mas est

    muito mais voltada para dissecar a relao entre reificao e dominao, entre totalidade e

    modo de produo, procurando demonstrar a efetividade destes conceitos em uma era ps-

    moderna compreendida como capitalismo tardio. Nesse sentido, a sua apropriao do

    pensamento de Adorno totalmente distinta daquela proposta por Habermas (1998), e em

    alguns aspectos se assemelha a questes tambm levantadas recentemente por Honneth

    (2005) quanto aos aspectos sociolgicos do pensamento de Adorno.

    A crtica adorniana da modernidade havia diagnosticado a perda da subjetividade

    autnoma, que se tornou diluda na prpria objetividade reificada da sociedade. Mas tal

    subjetividade em Adorno ainda se mantm como um resduo de utopia, essencialmente

    moderna, na medida em que o mbito de manifestao da obra de arte autnoma sustentaria

    uma distino com a cultura de massas (Adorno, 1984b). A manifestao desta

    1 Estagirio docente e doutorando em Sociologia Unicamp.

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    subjetividade atravs da arte como uma de suas ltimas formas possveis, tornou-se, sob a

    tica de Habermas, uma aporia, por ter abortado sua positividade normativa e poltica em

    detrimento da nfase sobre o esttico, manifestando o sentido de uma permanncia de

    Adorno na tradio da filosofia do sujeito e no paradigma da produo. Em sua concepo

    da ps-modernidade Jameson radicaliza de tal modo a crtica da modernidade, que sequer

    uma subjetividade permeada pela experincia esttica, em seu sentido moderno, continua a

    existir, e se a utopia ainda pode ser pensada, ela agora se refere aos interstcios da prpria

    cultura ps-moderna (Jameson, 2001).

    . Para Jameson a atualidade de Adorno se refere principalmente s contribuies

    deste para a compreenso da sociedade contempornea mediante as categorias de

    totalidade, no-identidade e modo de produo. Este vis interpretativo acarretar,

    conforme alguns de seus crticos, como Osborne (1992) e Hullot-Kentor (1993), em uma

    minimizao dos elementos no marxistas do pensamento de Adorno, notadamente as

    influncias da crtica da modernidade de Nietzsche e Weber. Assim como Susan Buck-

    Morss (1981), Jameson faz um tipo de abordagem do pensamento adorniano em que este

    apreensvel mediante uma centralidade do que Adorno designou como dialtica negativa.

    Jameson tentar mostrar que a atualidade de Adorno estaria justamente na recorrncia de

    categorias, pertinentes a tal compreenso dialtica, tambm inseparveis das concepes

    marxianas do valor, do fetichismo da mercadoria e da reificao.

    Para Jameson a anlise do processo de produo capitalista necessariamente a

    anlise das metamorfoses culturais que no se distinguem dele, mas pelo contrrio, o

    legitimam. possvel percebermos que na concepo de dialtica adotada por Jameson, no

    far sentido aquela distino feita por Habermas entre sistema e mundo da vida, onde a

    prpria cultura, como componente do mundo da vida, expressaria a persistncia da

    modernidade. Para Jameson a modernidade esgotou a sua possibilidade de forjar um sujeito

    autnomo, naquele sentido apontado pelo projeto do esclarecimento, na medida em que a

    reificao, expandida era ps-moderna, impossibilita-nos de pensar o econmico e o

    esttico como duas esferas distintas.

    A concepo adorniana da indstria cultural revela para Jameson uma pertinncia

    sociolgica muito mais prpria aos anos 1990 do que todas as dcadas anteriores. Mas no

    se trata de pensarmos a realidade atual conforme aqueles alvos ento criticados por Adorno

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    e Horkheimer nos anos 1940, e sim pensarmos que aquilo que em Adorno aparecia como

    uma tendncia histrica acabou por se realizar completamente com o ps-modernismo.

    (Jameson, 1997: 14).

    A configurao cultural da crtica adorniana, como os filmes de Hollywood e o Jazz

    transformaram-se, em decorrncia do avano tecnolgico das ltimas dcadas, em algo de

    certo modo superado frente aos fenmenos do vdeo, do clip, da internet, das novas

    tendncias no cinema, das radicais mudanas na arquitetura, das novas formas musicais, da

    arte pop, etc (Jameson, 1995). Tais transformaes na manifestao social dos bens

    culturais, expressos agora como ps-modernos em vista da prpria indistino entre alta e

    baixa cultura, rompem apenas parcialmente com aquilo que Adorno chamava de

    capitalismo tardio.

    Embora a concepo de capitalismo tardio de Jameson parea ser muito mais

    devedora de Mandel que de Adorno, o contedo social do que caracterizava o capitalismo

    tardio como expresso de uma modernidade j tardia, a dominao consubstanciada pela

    racionalidade instrumental, apenas encontra uma expresso ainda mais acentuada com a

    chamada cultura ps-moderna. Estas novas tendncias da cultura, muito celebradas no

    incio dos anos 1980, so para Jameson a concretizao histrica de um mundo

    administrado para alm do que visualizara Adorno quatro dcadas antes. Para Jameson,

    aquilo que Adorno apontou como uma tendncia na direo de um sistema total, tornou-se

    efetivo na ps-modernidade.

    Ele identifica na utilizao da categoria de totalidade, tal como esta foi utilizada por

    Adorno, a possibilidade de interpretar a sociedade ps-moderna como subsumida na noo

    de modo de produo. Esta noo de modo de produo, conforme ele, transcorre a

    dialtica adorniana como algo sempre presente no prprio mbito da crtica da cultura, j

    desde a dcada de 1930 (Adorno, 1977; 1984 c), e na Teoria Esttica (1984 b) ficaria ainda

    mais claro a ligao de Adorno ao que Habermas chama uma viso produtivista de

    sociedade, na qual tambm Jameson faz questo de se inserir.

    Conforme Jameson a noo de subjetividade em Adorno, assim como em Marx, est

    sempre pressuposta pela objetividade que mediada pelo sujeito, e nesse sentido tal

    objetividade se refere ao prprio capitalismo como conceito e realidade histrica - ao modo

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    de produo. A totalidade s se compreenderia ao ter o modo de produo como conceito

    correlato. Na referncia de Adorno a uma primazia do objeto, devemos considerar,

    portanto, que se trata da sociedade enquanto a materializao daquela objetividade

    (Adorno, 1989). Contudo, diferentemente de Marx e da noo lukacsiana de totalidade

    (Lukcs, 1986) o mtodo em Adorno apontar para uma concepo de constelaes

    conceituais, isto , para a dimenso efetivamente contraditria do real enquanto particular-

    concreto (Adorno, 1984: 164), onde se expressam os momentos de no-identidade.

    (Osborne, 1992: 174).

    Conforme Jameson, no cenrio terico das ltimas dcadas surgiram tentativas de

    interpretar o pensamento de Adorno como um tipo de ps-marxista ou de um ps-

    modernista, ambas as teses equivocadas (1996: 31). Devemos lembrar que no debate que

    contextualiza a anlise de Jameson, qual seja, em uma refutao daquelas interpretaes de

    um Adorno ps-marxista e ps-modernista, a noo de identidade mantm um lugar

    especial naquelas tentativas de aproxim-lo, por exemplo, ao ps-estruturalismo, onde as

    noes de heterogeneidade, e tambm aquelas de fluxo em Deleuze ou da diferena em

    Derrida, parecem sustentar uma aproximao concepo adorniana (Dews, 1996).

    Contudo, justamente em sua interpretao da identidade e da no-identidade em Adorno,

    Jameson nos remeter para as categorias de totalidade e modo de produo para tentar

    explicitar a incompatibilidade do marxismo de Adorno com o anti-hegelianismo que inspira

    os ps-estruturalistas. O problema da identidade est presente no pensamento adorniano

    desde Atualidade da Filosofia (1977), e um dos eixos centrais para a compreenso

    da Dialtica do Esclarecimento, assim como para os motivos da controvrsia adorniana

    com o positivismo alemo (Adorno, 1973).

    A anlise de Jameson sobre Adorno, cuja exposio mais detida o livro Marxismo

    Tardio (1996), enfatiza a concepo adorniana do conceito, cuja melhor compreenso deve

    ser buscada na Introduo da Dialtica Negativa. No por acaso, a prpria concepo

    jamesoniana de narrativa (Jameson, 1985 a), que o tornou notrio na crtica literria norte

    americana, devedora daquelas posies elaboradas por Adorno em sua concepo do

    conceito e da no-identidade, sendo nesse sentido ainda que podemos perceber as

    afinidades de Jameson com as posies adornianas sobre o conceito (Pizer, 1993),

    defendidas por Adorno tambm em O Ensaio como Forma (1986 a).

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    Desta aproximao podemos tambm apreender de que modo Jameson concebe a

    Teoria Crtica e em que medida seu pensamento se posiciona na atualidade como uma

    teoria diferenciada quanto compreenso da sociedade contempornea. O modo como

    Adorno criticou a lgica da identidade no mbito da produo e mercadorizao cultural,

    onde a msica representara um campo emprico de efetivao da crtica imanente, de

    certo modo, similar ao que Jameson veio a fazer no campo da escrita e da literatura desde

    seus primeiros escritos. Identidade e reificao sero dois conceitos centrais na

    aproximao de Jameson a Adorno. Conforme Jameson: Das duas mais influentes leituras equivocadas de Adorno como ps-

    marxista e como ps-modernista -, a segunda ser abordada em nossas concluses.

    A noo de seu ps-marxismo, contudo, repousa numa incompreenso de um dos

    mais bsicos leitmotivs de Adorno, a saber, a no-identidade, da qual, tematizadas,

    reificadas e transformadas num programa filosfico de algum tipo, todas as espcies

    de conseqncias no autorizadas so extradas, conforme se expor a seguir (1996:

    31).

    Se, para Jameson, as categorias marxianas de Adorno so instrumentos

    epistemolgicos com os quais compreender a ps-modernidade, a atualidade de Adorno

    tambm se faz quanto indstria cultural, cujo modelo de crtica ao capitalismo tardio,

    tambm insiste com o conceito de reificao como uma categoria mediadora quanto

    possibilidade de crtica da cultura contempornea. Na viso de Jameson, a prpria

    historiografia contempornea parece confluir com um dos diagnsticos de Adorno, qual

    seja, o da semelhana entre a democracia de massas norte americana e o fascismo,

    justamente um contexto histrico que serve de contedo para a noo de indstria cultural

    (Jameson, 1996: 184).

    Para Jameson, todavia, a concepo adorniana da cultura de massas inseria-se em

    uma viso essencialmente moderna, cabe insistir, na medida em que o seu oposto, a alta

    cultura, teria desaparecido com o surgimento de uma era ps-moderna. No ps-

    modernismo, conforme ele, o avano tecnolgico alcanou um ponto em que o

    tecnologicamente novo passa a ser o prprio objeto do consumo cultural.

    Por outro lado, para Jameson a indstria cultural tal como desenvolveu Adorno,

    mesmo que se referindo a um momento histrico preciso, coloca-se como uma referncia,

    um modelo, cuja aplicabilidade compreenso da cultura ps-moderna praticamente

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    insupervel. Mesmo que no possamos mais falar em cultura de massas com o mesmo

    sentido que a expresso foi empregue nos anos 1940, a lgica da mercadoria, naquele

    sentido criticado por Adorno, est mais do que nunca presente nas imagens e artefatos de

    uma cultura ps-moderna (Jameson, 2001: 142).

    Assim como o pensamento dialtico e sua historicidade, reduzido m metafsica

    pelo discurso terico ps-moderno, sempre foi, desde Hegel, um modelo para a

    compreenso das contradies da sociedade, a dialtica adorniana seria agora um modelo

    adequado atravs do qual pensar o presente. A reificao e mercadorizao presentes na

    cultura ps-moderna so a expresso de uma danificao do sujeito cujo contedo histrico

    dado pelo prprio objeto, embora no apreensvel pelas pretenses do conceito e da

    identidade, mas por um materialismo, como o de Adorno, que requer permanentemente que

    pensemos a relao entre o particular e o universal.

    Atentar ao momento do particular, na experincia social e cultural ps-moderna

    at mesmo uma condio de possibilidade para pensar-se a sobrevivncia da utopia. A

    mediao do particular pelo universal, cujo contedo histrico e de dominao no

    capitalismo a prpria universalidade da forma mercadoria, nos remete, fazendo uso da

    dialtica negativa adorniana, para uma apreenso da fragmentariedade e a-historicidade das

    experincias sociais e culturais ps-modernas, onde cada uma das suas manifestaes

    imanentes, como no caso dos bens culturais, encontrar o seu momento de verdade se for

    pensado ao mesmo tempo no horizonte da totalidade.

    Jameson sugere assim, que aquilo que Adorno chamava de positivismo pode ter

    mudado sua roupagem e assumido outras formas na era do ps-modernismo, ou para

    sermos mais enfticos, teriam se identificado a ele os seus idelogos, pois conforme ele,

    bem provvel que Adorno assim os considerasse. A nfase de Adorno quanto ao esforo da

    teoria algo vrias vezes lembrado por Jameson, na medida em que as tendncias

    apontadas por ele estariam mais atuais do que nunca (Jameson, 1996: 319).

    Pensando-se justamente no mbito das problematizaes tericas, uma questo

    fundamental elaborada por Jameson a noo de capitalismo tardio, que ter um sentido

    bastante diferenciado tanto daquele esboado por Adorno (1986 b) como pela viso de

    Habermas (1994). Para Jameson o capitalismo tardio no ser uma persistncia da

    modernidade, mesmo naquele sentido em que esta compreendida pela sua

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    inseparabilidade do Aufklrung, mas como aquilo que designa a prpria noo de ps-

    modernidade.

    Jameson desenvolve uma concepo de cultura que procura dar conta do estgio

    atual do capitalismo, onde as crticas adorniana, habermasiana ou foucaultiana da

    modernidade no podem mais explicitar as caractersticas de um momento histrico

    completamente diferenciado. Mas Jameson busca em Adorno um modelo para pensarmos

    o presente, o que no significa que manteriam sua atualidade todas aquelas caractersticas

    do capitalismo tardio e da sociedade industrial desenvolvidas por ele. Em outras palavras,

    Adorno permanece um terico essencialmente moderno que imprescindvel para a

    compreenso da ps-modernidade.

    Em Jameson encontramos uma outra forma de conceber a dominao, que por

    tentar lidar no mbito daquilo que seria um outro paradigma histrico precisa renovar

    alguns de seus marcos de referncia tericos. O ps-modernismo no se apresenta nele

    como um conceito que aponte para uma recusa da teoria crtica quanto aquilo que melhor a

    caracteriza: a sua origem marxiana. Mas possvel sugerir que para ele uma teoria crtica

    da sociedade deveria apenas reconhecer no ps-modernismo o seu objeto real e histrico,

    que so a cultura e a nova ordem econmica mundial como esferas no mais distinguveis.

    Enquanto a concepo de indstria cultural a autocrtica de um perodo, que

    proporciona a Adorno conceber aquelas distines entre alta e baixa cultura, a ps-

    modernidade expresso da impossibilidade de estabelecer tal distino, mas a dominao,

    como para Adorno, continua a ser essencialmente capitalista. O mercado e a lgica da

    mercadorizao, mais do que outrora, permeia cada fragmento das expresses culturais ps-

    modernas. nesse sentido que a argumentao de Jameson problematiza uma questo

    terica sem desvel-la completamente. No obstante uma certa fragilidade terica na

    periodizao que prope do capitalismo, que nos ltimos anos tem transformado-se em uma

    utilizao do conceito de globalizao, Jameson manifesta uma mesma dificuldade que

    tambm Adorno manifestara em seu momento histrico, isto , uma melhor explicitao da

    dinmica propriamente econmica do capitalismo (Jameson, 2001: 158).

    Outro aspecto sua tentativa de retornar ao prprio conceito, ou palavra,

    modernidade (2005), que em textos anteriores parecia ser tratada mais como ponto

    antinmico com o qual contrastar a ps-modernidade, mas que agora, torna mais explcito a

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    presena do moderno no ps-moderno, para o bem e para o mal, isto , como na teoria dos

    paradigmas de Kuhn, os elementos de um perodo anterior se fazem presentes na nova

    configurao. A presena do moderno no ps-moderno indica, por um lado, que os

    idelogos e defensores da modernidade, to ou mais em voga nos dias atuais que os ps-

    modernos, se vem enredados em modelos estticos e econmicos que hoje, como outrora,

    apontam para a completa mercadorizao da vida. Por outro lado, o momento da utopia e

    desvelamento de uma narrativa cultural crtica no quer abrir mo de uma mediao

    dialtica informada pela mercadoria.

    O ncleo articulador da teoria crtica de Adorno, como teoria crtica da sociedade,

    uma insistente no abdicao quanto ao papel do mercado e da mercadoria como o

    epicentro da abstrao no capitalismo, e para Jameson a ps-modernidade como dominante

    cultural ou como globalizao, uma extenso desta espcie de ontologizao pelo

    mercado que caminha em passos largos. Mas isto no elimina, como no eliminara para

    Adorno, as possibilidades de resistncia, ou, da prpria utopia.

    To difcil como o era para Adorno, a questo est em como pensar a utopia em um

    presente que o nosso, presente em que a ideologia do mercado e do neo-liberalismo

    permeia o conjunto de imagens e formas de vida, cuja implicao sempre a no abdicao

    da moderna categoria de reificao. Como alguns dos ltimos textos de Adorno sobre

    cultura (1981) parecem supor a possibilidade de percebermos limites da reificao, ou da

    sociedade administrada, tambm em Jameson tal limite buscado, mas dentro das prprias

    manifestaes da cultura mercantilizada ps-moderna, e igualmente em interstcios dos

    processos econmicos, polticos e tecnolgicos da globalizao, cuja existncia histrica

    pode estar nas prprias expresses culturais e polticas do terceiro mundo.

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