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EUNICE MARTINS MÓRRA O LÉXICO NO SÉCULO XVI: UM ESTUDO DO IDIOMA BRASILEIRO PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO 2006

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EUNICE MARTINS MÓRRA

O LÉXICO NO SÉCULO XVI: UM ESTUDO DO IDIOMA BRASILEIRO

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

2006

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EUNICE MARTINS MÓRRA

O LÉXICO NO SÉCULO XVI: UM ESTUDO DO IDIOMA BRASILEIRO

Dissertação apresentada ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua Portuguesa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa, sob a orientação da Profª Drª Jeni Silva Turazza.

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

2006

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EUNICE MARTINS MÓRRA

O LÉXICO NO SÉCULO XVI: UM ESTUDO DO IDIOMA BRASILEIRO

Dissertação apresentada ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua Portuguesa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa.

Profª Drª Jeni Silva Turazza – Orientadora Prof. Dr. Jarbas Nascimento Vasconcelos — Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Profª Drª Nancy Santos Casagrande — Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

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AGRADECIMENTOS

Ao Grande Arquiteto do Universo por me orientar através de seus Mestres.

À Vida por me conceder a oportunidade de existir como pessoa. A meus Pais pela orientação, carinho, colo que, muitas vezes, necessitei e com muito amor e compreensão me acolheram nesta vida. A meu irmão César pela força que fez para instrumentalizar-me na Era da Informática. A meus Professores pela dedicação e carinho que sempre me foi dispensada na busca de me orientar e compreender o quanto eu desejava obter o conhecimento necessário para ser de fato uma Educadora. A meus colegas que, na verdade, foram meus irmãos nesta experiência fantástica que a vida me proporcionou. A todos aqueles que, de forma direta ou indireta, concorreram para a elaboração deste trabalho.

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RESUMO Esta Dissertação, situada na linha de pesquisa História e Descrição da Língua Portuguesa, compreende uma investigação exploratória, cujo objeto de estudo está circunscrito ao vocabulário do idioma português brasileiro, no século XVI. Postula-se que a idiomaticidade se inscreve na transformação do léxico do português arcaico-provençal que, transportado para as Terras do Brasil, com o colono que com ele se deslocou, foi cultivado tal qual o solo da nova colônia. Nesse processo de cultivo, de que resultou a aculturação do branco, do índio e do negro, esse vocabulário se renova para se adaptar ao contexto de um outro território, de sorte a incorporar novas semias e, assim suprir a falta do próprio vocabulário do português arcaico provençal. Contudo, essas novas semias são ainda insuficientes, fazendo-se necessário incorporar, ao seu campo lexical, palavras de origem indígena e africana, em função da nova geografia, fauna e fora. Desse processo de mudanças semêmicas e de incorporações tem-se novas/outras lexicalizações que vão diferenciando o idioma brasileiro do português propriamente dito, pela edificação de novas arquiteturas, cujo suporte é o mesmo sistema lingüístico: aquele que qualifica os processos de codificação de conhecimentos de mundo, formalizados pela língua portuguesa. A distinção entre estrutura e arquitetura facultou diferenciar língua de idioma — ponto de partida adotado para examinar a idiomatização do português provençal arcaico, tendo como parâmetro os processos de lexicalização — e considerar tanto o português do Brasil, quanto o de Portugal, bem como o de outras nações como idiomas produto de línguas de culturas diferenciadas que conviveram e convivem em espaços geográficos diferentes e que, hoje, tipificam territórios distintos que se tornaram Estados Nacionais. Essas diferentes línguas que fizeram desses espaços territórios bilíngües deixaram-se inscrever no sistema vocabular desses idiomas, de sorte a assegurar a eles visões de mundo que, embora distintas, se apresentam similares quanto à forma que estrutura o campo de seus respectivos vocabulários. Norteado por um objetivo geral — buscar explicitar as permanências pelos modelos de deslocamento referente à estruturação e organização desse processo de idiomatização — o percurso investigativo está traçado por duas focalizações. Uma que configura o caráter historiográfico da constituição do idioma na terra dos papagaios; outra referente aos quadros dos estudos lingüísticos que privilegiam o léxico como instância capaz de apontar semelhanças nas diferenças entre modelos de organização e representação de conhecimentos de mundo formalizados por um mesmo sistema lingüístico. Dos resultados obtidos, por meio de procedimentos analíticos orientados pelo estudo de campos semântico-discursivos, tem-se que o português arcaico provençal, implantando em território brasileiro, idiomatiza-se e se torna a língua oficial de uma colônia transmudada em Estado Nacional, no século XIX. Tal idiomatização apresenta diferenças pouco significativas no âmbito gramatical o que não permite considerar a existência de línguas diferentes. Já no âmbito lexical, esse processo de idiomatização, implicando a construção de pontos de vista diferenciados pelos quais os conhecimentos de mundo são organizados, estruturados e formalizados por categorias de línguas, pode qualificar o idioma brasileiro na sua diferença com aquele de Portugal. Palavras-chave: língua, idioma, lexicalização, cultura, identidade lingüística

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ABSTRACT

This paper, based on the research line of History and Description of Portuguese, implies an exploratory investigation, whichg object of study is circumscribed to the Brazilian Portuguese vocabulary of the XVI century. It is claimed that ‘idiomaticity’ is inscribed in the transformation of the archaic-Provençal Portuguese that, transported to the Brazilian lands with the colonists who moved bringing it, was cultivated as it was in the soil of the new colony. In this process of cultivation, resulting the cultural adaptation of the white, the native and the negro people, that vocabulary would have been renovated to be accustomed to the context of another territory; in such a manner it would incorporate new ‘semias’ and, thus, supply the lack of an authentic Portuguese archaic-Provençal vocabulary. However, those new ‘semias’ are still unsatisfactory, and it would be necessary to incorporate to its lexical field words of native and African origins, because of the new geography, fauna and flora. From this ‘sememic’ changing process and incorporations new/other ‘lexicalizations’ will appear, contrasting with the Brazilian Portuguese itself, through the edification of new architectures, which support is the same linguistic system: the one that qualifies the processes of codification of the world knowledge, formalized by the Portuguese language. The distinction between structure and architecture granted the differentiation between language from idiom – a starting point adopted to examine the ‘idiomatization’ of the archaic-Provençal Portuguese, being its parameter the processes of ‘lexicalization’ – and to consider both Brazilian Portuguese and Portugal’s, as well as the one of the other nations as idioms produced by differentiated cultural languages which lived together - and still live – in different geographical spaces and that, nowadays, typify distinct territories that became National States. Those different languages which had made those territories bilingual let themselves to be inscribed in the vocabulary system of those idioms, in order to grant them with visions of world that, although distinct, present similarities in terms of form which frame the field of their respective vocabularies. Guided by a general objective – to try to explain the permanencies by dislocation models concerned to the structure and organization of this ‘idiomatization’ process – the investigative way is traced by two focuses. One that configures historiographical characteristic of the constitution of the idiom in the ‘land of the parrots’; other that concerns to the images of the linguistic studies that favour the lexicon as instancy capable of pointing out similarity through the differences among models of organization and representation of world knowledge formalized by a unique linguistic system. From the results obtained, by means of analytical procedures oriented by the study of the discursive-semantic fields, the result is an archaic Provençal Portuguese – which was implanted in Brazil – which becomes an idiom and the official language of a transmuted colony in National State at the XIX century. Such ‘idiomatization’ presents differences not significant in the grammatical area and not allowing to considerate the existence of different languages. In the lexical area, this process of ‘idiomatization’, which implies the construction of differentiated points of view through which knowledge of world are organized, framed and formalized by language categories, may qualify Brazilian idiom differently from that of Portugal. Key words: language, idiom, ‘lexicalization’, culture, linguistic identity

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................... 9 CAPÍTULO 1 AS MATRIZES SÓCIO-HISTÓRICO-CULTURAIS DO SÉCULO XVI

E A EXPANSÃO DO TERRITÓRIO PORTUGUÊS

1.1 Considerações iniciais ................................................................................ 16

1.2 As ações colonizadoras pelos sentidos do colo, culto e Cultura: “O Colo

de Cultus(rus) na Colônia” ........................................................................... 17

1.3 Ações colonizadoras e estratégias de colonização ...................................... 22

1.3.1 Propósitos e objetivos da travessia do Atlântico................................ 23

1.3.2 Estratégias para mudança de modelo de representação: buscas de

novos conhecimentos.......................................................................... 24

1.3.3 Estratégias de rupturas de contrato ..................................................... 27

1.3.4 Estratégias para o domínio dos caminhos do mar: tratados de

soberania ............................................................................................. 29

1.3.5 Estratégias de ocupação ...................................................................... 32

1.3.5.1 O desterro................................................................................ 33

1.3.5.2 Estratégias de miscigenação .................................................... 35

1.3.5.2.1 O valor da prole mameluca................................................... 36

1.3.5.3 O patrulhamento e as feitorias ............................................. . 38

1.3.5.4 A implantação de vilas ........................................................ 39

1.3.6 Estratégias administrativas na Colônia ................................................... 41

1.3.6. 1 O sistema de capitanias hereditárias .................................... 41

1.3.6.2 O sistema de governos gerais ................................................. 44

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1.3.7 Estratégias de exploração .............................. ....................................... 46

1.3.7.1 O escambo e a exploração do pau-brasil ................................ 48

1.3.7.2 Estratégias de resgate............................................................... 50

1.3.7.3 A escravidão e as lavouras da terra ........................................ 52

1.4 Considerações finais ..................................................................................... 55

CAPÍTULO 2 AS MATRIZES SÓCIO-HISTÓRICO-CULTURAIS DO SÉCULO XVI: LÍNGUAS EM CONTATO, LÍNGUAS DE CONTATO E EMPRÉSTIMOS

2.1 Considerações iniciais ................................................................................... 59

2.2 O Processo de idiomatização ou dialetação em terras de Portugal:

retrospectiva .............................................................. ................................ 62

2.2.1Lexicalização e gramaticalização da língua portuguesa....................... 65

2.2.2.1 Substrato ......................................................................................... 71

2.2.2.2 Superstrato ........................................................................................ 72

2.2.2.3 Adstrato ............................................................... ............................ 75

2.3 O português implantado e transformado no Novo Mundo ............................ 78

2.4 A Lexicalização e a gramaticalização da língua geral .................................. 82

2.4.1 A extensividade do uso da língua geral ...................................... ....... 83

2.4.2 O dicionário e o seu papel.......................................................... ........ 85

2.4.2.1 Alguns princípios do dicionário anchietano ............................. 86

2.4.2.2 Alguns princípios da gramática anchietana .............................. 89

2.5 Substrato e adstrato do português brasileiro ................................ ................ 97

2.6 Anchieta: o pesquisador ........................................................... ..................... 102

2.6.1Os jesuítas educadores ........................................................ ............... 103

2.6.1.1 Os jesuítas e o ensino básico .................................................. 103

2.6.1.2 O plano de estudo dos jesuítas ............................................. 104

2.6.1.3 Os jesuítas e o ensino superior............................................. .. 107

2.7 Outras ações dos jesuítas ............................................................................. 108

2.8 Considerações finais ..................................................................................... 111

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CAPÍTULO 3 A LEXIA E SUAS EXPANSÕES NO SÉCULO XVI: UMA PROPOSTA DE ANÁLISE 3.1 Considerações iniciais ................................................................................... 116

3.2 A origem da concepção do termo “campo” .................................................... 119

3.2.1 A distinção entre lexia, vocábulo e palavra ........................................ 120

3.3 A organização dos conhecimentos lexicais na memória ............................... 121

3.3.1 Os conhecimentos lexicais e os processos de categorização............. 124

3.3.2 A organização dos conhecimentos lexicais por redes ........................ 128

3.4 O funcionamento sígnico e simbólico no século XVI .............. ...................... 141

3.5 Considerações finais ...................................................................................... 144

CONCLUSÃO....................................................................................................... 146 BIBLIOGRAFIA ....... ................................................................................... 157 ANEXO 1 ............................................................................................................. 169 ANEXO 2 ............................................................................................................. 189 ANEXO 3.............................................................................................................. 197 ANEXO 4.............................................................................................................. 203 ANEXO 5.............................................................................................................. 212 ANEXO 6.............................................................................................................. 214 ANEXO 7............................................................................................................. 217

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INTRODUÇÃO

Esta Dissertação situa-se na Linha de Pesquisa História e Descrição da Língua

Portuguesa do Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua Portuguesa da

PUC/SP e está circunscrita a um estudo sobre a formação do vocabulário do idioma

Português-Brasileiro, no fluxo do tempo delimitado ao século XVI. Trata-se de uma

investigação de caráter exploratório por meio da qual se busca examinar a constituição

de um novo vocabulário, cuja matriz deve explicar a formação de uma outra

comunidade lingüística, a brasileira e, conseqüentemente, a criação de um outro idioma

que tem por suporte o sistema lingüístico do português. Esse processo de construção

de outras/novas matrizes lexicais, embora incorpore aquelas que qualificam a língua

portuguesa d’além mar, delas se diferencia por abarcar matrizes do vocabulário

indígena e africano, de modo a melhor configurar o substrato do idioma português

brasileiro e dar a ele identidade própria. Neste sentido, o trabalho de investigação

proposto contribui com estudos que visam compreender a identidade de um novo povo,

alocado em território americano, fundador de uma nova nacionalidade e Estado

Nacional, no século XIX.

Estudiosos da Psicossociologia, bem como da Teoria do Conhecimento afirmam

que a Identidade de um povo se explica pelo princípio da alteridade: aquele por meio do

qual é possível apreender diferenças nas semelhanças existentes entre homens cuja

convivência se qualifica por modos de ser e proceder no mundo da vida, de modo a se

constituírem como membros de uma mesma comunidade. Por conseguinte, a alteridade

é um aspecto importante para tratar da pluralidade humana, inscrita numa singularidade

de ações e circunscrita a um espaço ocupado em um dado território. Esse espaço está

configurado no corpo desta Dissertação pelo denominado território latino-americano e

por um lugar específico ocupado neste território: aquele em que se desenham os limites

de fronteiras politicamente instituídas, a princípio, pelo tratado de Tordesilhas, por meio

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do qual esse território é dividido em dois grandes blocos, quais sejam, terras sob

domínio português e terras sob o domínio espanhol.

O foco incide sob as terras controladas, política e economicamente, pelo Estado

Português, no século XVI. É nos limites das terras, acima enunciados, que virá a ser

edificada a chamada Nação Brasileira, inscrita no fluxo de um processo complexo cuja

história é povoada por uma narratividade que se explicita nas próprias matrizes da

formação de Língua Nacional. Resgatar essas matrizes é contribuir com os estudos

historiográficos e identitários, registrados na memória de longo prazo e, lexicalmente,

formalizados em língua.

A identidade nacional está compreendida como uma construção referente à

criação de uma consciência fundadora da percepção que os membros de uma dada

sociedade têm de formar uma comunidade. Essa comunidade qualifica-se por ser

autora de uma história inerente ao fluxo de suas vivências, por meio da qual essa

identidade se reveste de diferentes formas, no caso desta Dissertação, o vocabulário da

língua portuguesa. Esse processo histórico, em alguns casos, pode estar tipificado por

um grau bastante relevante de fatores de ordem cultural; noutros, por fatores de ordem

sócio-político-econômica, de modo que o estudo da identidade nacional de um povo

exige que se verifique como tais fatores se articulam no tempo da formação de sua

própria história. (MATTOSO, 1998).

Os autores que tratam da identidade nacional atribuem valores às questões

lingüísticas, pois a unidade lingüística é qualificada como fator de identidade de um

povo, muito embora existam países, como é o caso da Bélgica e da Suíça, em que a

unidade nacional não é regida por uma única língua; por outro lado, por exemplo, há

países, cujas nacionalidades são garantidas pelo uso de uma mesma língua, como é o

caso de Portugal e Brasil. Nesse último caso, é preciso considerar as relações

históricas entre esses dois povos que, embora situados em continentes distantes e

diferentes, têm histórias parcialmente comuns, fundadas numa vivência de encontros e

desencontros regidos por ações de caráter sócio-político-econômico, fundadoras de um

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processo colonizador instituído pelos portugueses das terras do além-mar, no

Continente Americano, circunscrito às Terras do Brasil.

A transformação de territórios colonizados em nações independentes implica a

construção da identidade de um povo fundada na consciência da sua diferença com

aquele outro que, até então, o colonizara. Essa consciência é garantida por um

conjunto de contingências históricas de que emergem a formação de um único idioma,

falado pelos membros de uma mesma comunidade lingüística. Neste sentido, segundo

Mariani (2004, p. 21)

(...) é preciso compreender que o processo de colonização lingüística é resultante de um acontecimento na trajetória de nações com línguas e memórias diferenciadas e sem contato. Trata-se de um processo histórico de confronto entre línguas com memórias históricas e políticas de sentidos dessemelhantes, em condições assimétricas de poder tais que, a língua colonizadora tem condições políticas e jurídicas para se impor e se legitimar relativamente à(s) outra(s), colonizadora(s).

Por conseguinte, a construção do idioma português brasileiro não se explica

apenas por processos de contextualização do português de Portugal, isto é, por efeitos

pragmáticos do uso daquela língua em terras brasileiras. Trata-se de um processo de

historicização em um outro território ocupado por povos que falavam línguas indígenas

diferentes, mescladas pelo contato não só com o branco europeu, mas também com o

negro africano. Desse contato, o processo de constituição da língua portuguesa

explica-se pelo uso real, em um tempo e em uma espacialidade configurados por

práticas discursivas qualificadas por novos modelos de interação comunicativa. É

nesse tempo, circunscrito ao século XVI, que esta investigação busca se situar tendo

por parâmetro a construção da unidade lingüística do território brasileiro por meio do

processo de idiomatização da língua portuguesa.

Nesse sentido, o que se busca é conhecer esse processo cuja complexidade se

explica pelo uso de uma língua, não só em um outro/novo tempo e espaço, mas

também, segundo Orlandi (2001), por um duplo movimento: aquele que se refere às

permanências e a deslocamentos. As permanências são compreendidas pela autora

como um movimento inerente a modos de ser e de agir, implicando ações verbais

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capazes de garantir a construção de um sistema gramatical e lexical responsável pela

unidade de um povo que partilha vivências comuns: princípio constitutivo de qualquer

processo identitário. Entretanto, nesse processo identitário também se inscrevem

diferenças de uso e, assim sendo, o segundo movimento, indissociável do primeiro,

implica usos variados de um mesmo sistema lingüístico que, se por um lado, distancia

colonizador e colonizado, por outro, os aproxima e garante ao colonizado o direito a

uma nova identidade lingüístico-cultural.

Tais diferenças se inscrevem, ao mesmo tempo, no léxico desses dois idiomas e

nas regras gramaticais do Português Brasileiro, semelhantes, mas não iguais àquelas

de Portugal. Dessa feita, a identidade lingüístico-cultural é contratual. Sapir (1971), em

se tratando do léxico, afirma ser ele o único espaço em que se dá o inter-

relacionamento da língua com a cultura, mas adverte que nenhum estudioso da matéria

lingüística poderá cometer o engano de identificar o seu léxico com o seu dicionário e

tão pouco poderá focalizar o léxico pelo princípio das regularidades gramaticais. Nessa

acepção, considera Coseriu (1979) que entre a designação e a significação própria de

uma língua em suas relações distintivas há de se considerar a significação cultural:

aquela instalada em uma língua enquanto rede conceptual, através da qual se côa e se

escoa a experiência vivida por seus usuários.

É nessa acepção que as línguas, quando focalizadas por um ponto de vista

histórico ou historiográfico, não se qualificam apenas como estrutura – tecido

meramente formal de relações opositivas – mas também como arquitetura, pois são

continuamente alimentadas por fatores psicossociológicos, sócio-antropológicos e

históricos, próprios de cada povo; “ideos” que lhes são particularidades. Esses fatores

estão presentes no léxico, nas suas diferentes variações societais, na padronização de

seus esquemas frasais (ELIA, 1987). Por conseguinte, embora o português brasileiro, o

africano e o de Portugal tenham a mesma estrutura, suas arquiteturas não se igualam.

No caso do português brasileiro essa arquitetura tem como marco os primeiros tempos

da colonização, pois segundo Ribeiro (s/d, p. 23),

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desde os primeiros tempos da colonização do Brasil, nos documentos literários, nas cartas dos jesuítas e nas crônicas dos antigos historiadores aparecem os primeiros vocábulos de origem americana. Esse vocabulário colonial é a primeira diferenciação da língua portuguesa na América; mas, em geral, consiste em expressões técnicas e peculiares no Novo Mundo, coisas e objetos, plantas e frutos, animais e seres novos, que não tinham designação específica na língua dos conquistadores.

Assim sendo, a idiomaticidade brasileira da estrutura da língua portuguesa se

explica por processos de gramaticalização e incorporação da arquitetura lexical de

outras línguas de cultura que, no século XVI, eram línguas em contato, mas nos

séculos seguintes fizeram do português brasileiro uma língua de contato. Nesse

processo de transmudação, o português do Brasil se faz língua oficial de uma outra

nacionalidade: a brasileira, e garante a fundação da independência e da república do

Brasil. Trata-se do uso oficial da língua portuguesa. Segundo Sousa da Silveira o

nosso idioma nacional

é o português, não tal qual se fala em Portugal, mas com a pronúncia diferente, pequenas divergências sintáticas e o vocabulário grandemente opulentado por numerosas palavras indígenas e africanas, e outras criadas ou adotadas em nosso meio. (apud LIMA SOBRINHO, 2000, p. 69)

O objetivo geral a que se propõe atingir, no curso desta investigação, é o de

explicitar esses dois movimentos fundadores da identidade do povo brasileiro inscritos

nos registros da idiomatização da língua portuguesa. Para tanto, tem-se por objeto de

estudo a constituição do sistema lexical do português do Brasil. Esse objetivo geral será

mensurado pelos seguintes objetivos específicos que, por sua vez, estão materializados

no corpo desta Dissertação por três capítulos, quais sejam:

a) um primeiro capítulo de caráter historiográfico, por meio do qual se busca

compreender as matrizes histórico-sociais fundadoras de um novo território que,

habitado pelo português a partir do século XVI, se faz espaço de ocupação, no

qual são negociadas suas diferenças e semelhanças, implicando o uso de

estratégias, de onde emergirão novos matizes culturais, registrados nos

significados de base do vocabulário do Português Brasileiro. É nesse espaço

materializado pela convivência entre povos distintos que se verifica a diversidade

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lingüística e as estratégias utilizadas pelo colonizador para garantir a interação

com povos a eles estranhos;

b) um segundo capítulo de caráter teórico, por meio do qual se busca organizar

conhecimentos referentes aos quadros dos estudos lingüísticos, privilegiando o

léxico como instância capaz de apontar semelhanças nas diferenças entre

modelos de organização e representação de conhecimentos de mundo —

arquitetura — formalizados por um mesmo sistema lingüístico. O objetivo deste

capítulo é diferenciar sistema lingüístico de idioma, com vistas a verificar o

processo de idiomatização da língua portuguesa em terras do Brasil, bem como

compreender o movimento circunscrito entre as línguas nativas e da metrópole,

cujo marco é o século XVI;

c) um terceiro capítulo, de caráter teórico-analítico por meio do qual se busca

analisar o vocabulário que constitui o léxico do século XVI, em Terras do Brasil,

com vistas a verificar a organização dos conhecimentos de mundo por campos

semânticos, para precisar as diferenças, inscritas nas designações, entre o uso

da língua portuguesa na colônia e na metrópole, ou dizendo de outra forma, para

designar o velho e o novo ou o novo pelo velho.

Tem-se por pressuposto que um mesmo sistema lingüístico faculta a constituição de

diferentes idiomas. Desta feita, segundo Bueno (1998) a língua, na sua dimensão

léxico-gramatical, é um sistema de sinais empregados pelo homem no fluxo de seu

processo de socialização; já o idioma é o uso efetivo desse sistema por um povo para

representar e comunicar o ponto de vista pelo qual ele organiza seus conhecimentos de

mundo. O fato de um mesmo sistema possibilitar processos diferenciados de

idiomatização implica diferenças léxico-gramaticais que, se por um lado, incorporam

usos lingüísticos do colonizador, por outro, ressemantizam o vocabulário do qual ele faz

uso para designar novos seres e objetos de um mundo distinto daquele por ele

conhecido, até então.

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A metodologia empregada para o desenvolvimento desta Dissertação abarca os

seguintes passos:

a) desvendar por movimentos de leituras crítico-reflexivas autores que facultam

revisitar e reinterpretar a História do Brasil colônia do século XVI para melhor

compreender as matrizes constitutivas do idioma brasileiro;

b) organizar esse conjunto de leituras pelo eixo temático proposto para o

desenvolvimento do tema no referido projeto, atribuindo relevo às ações

colonizadoras;

c) ler obras teóricas sobre a formação da língua portuguesa, na Península Ibérica,

a constituição do seu vocabulário, do seu sistema gramatical e seu ensino

transplantado para a América;

d) buscar fundamentos teóricos no campo da lexicologia para facultar o estudo de

conteúdos lexicais, de modo a poder compreender diferenças na organização de

conhecimentos de mundo por povos de diferentes culturas e usuários de línguas

diferentes;

e) realizar leitura compreensiva de teorias referentes à estruturação e organização

de campos lexicais visando a um procedimento analítico do corpus: pequeno

exemplário do uso vocabular no século XVI de algumas lexias da classe de

designação.

Observa-se que, além dos procedimentos acima mencionados, também se

busca, no corpo da Dissertação, apresentar análises fundamentadas em conteúdos

etimológicos, no caso da língua portuguesa ou na interpretação dos conteúdos

vocabulares, no caso de línguas indígenas tendo como ponto de referência dicionários

da língua geral ou dicionários do tupi-guarani.

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CAPÍTULO 1 AS MATRIZES SÓCIO-HISTÓRICO-CULTURAIS DO SÉCULO XVI E A EXPANSÃO DO TERRITÓRIO PORTUGUÊS

1.1 Considerações iniciais

A Historiografia é um espaço de investigação que se oferece ao pesquisador

como lugar que lhe faculta dirigir o olhar para o já visto, de modo a “olhar novamente”

para apanhar o que se julga novo, quando se percebe e se apreendem rupturas naquilo

que se repete. Nesse sentido, ela é compreendida como o locus de intervenção que se

manifesta nas práticas discursivas dos historiadores, com a finalidade de

recontextualizar a História para além dos limites das ações de caráter estatal que

regem a vida pública e o espaço social. Resgatar a História do século XVI nas suas

relações com a História do Brasil desse mesmo período é mergulhar num tempo em

que o “Brasil não era ainda o Brasil”, mas tão somente a América Portuguesa, a qual foi

chamada de terra dos Papagaios (=araras), terra de Vera Cruz e terra de Santa Cruz.

(CORRÊA, 2004).

Trata-se de um tempo povoado por encontros entre diversidades lingüístico-

culturais e habitado por necessidades de aprendizagem de um outro/novo sistema de

codificação lingüística capaz de facultar a comunicação entre homens de falas

estranhas, incompreensíveis. Tais falas eram configuradas por contingências sobre as

quais nenhum dos interlocutores – aqueles que aqui estavam e os que aqui chegavam

– tinham qualquer domínio, pois os modelos para significar o mundo por eles vivenciado

revelam-se insuficientes para representar o que se fazia estranho, não familiar, para

cada um deles. Esse encontro faz do Brasil um país um pouco mais plurilíngüe.

Ressalta-se que quem de lá chegava tinha diante de si um novo/outro mundo

povoado por homens estranhos; quem aqui estava deparava-se com homens

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diferentes vindos “milagrosamente sobre as ondas do mar grosso. Não havia como

interpretar ‘esse outro homem’, que tanto podia ser feroz como pacífico, espoliador ou

doador.” (RIBEIRO, 2002, p. 42). Assim, o século XVI tipifica-se por um tempo de

encontros entre homens diferentes e de descobertas do “outro”: o estranho ou

estrangeiro.

Este capítulo busca compreender esses encontros e descobertas como

matrizes fundadoras de um novo espaço que, povoado pelo esforço da compreensão,

exigiu desses nossos antepassados habilidades para negociar suas diferenças a fim de

construir um lugar para nele edificar suas semelhanças. Dessas semelhanças emerge

um outro lugar ocupado no continente americano. Tais habilidades implicaram o uso de

várias estratégias de que resultaram a idiomatização da língua portuguesa. Esse

processo de idiomatização se qualifica no fluxo do tempo de colonização e, segundo

Bosi (2002, p. 15), “se explica por ações que reinstauram e problematizam o cultivo, o

culto e a cultura”.

1.2 As ações colonizadoras pelos sentidos de colo, culto e cultura — “O Colo de Cultus (rus) na Colônia”

Os romanos designavam colo àquele que ocupa a terra, nela mora, trabalha e

cultiva os seus campos: aquele do qual provêm bens não materiais ou, melhor dizendo,

conhecimentos de mundo e destes provêm bens materiais: alimentos, utensílios em

geral. Ao herdeiro, antigo habitante da terra, chamavam íncola e àquele que ocupa

terra alheia, inquilinus, de modo que a base dos significados primeiros de colo – verbo

transitivo que tem cultus como particípio passado e culturus como particípio futuro -

está registrada em Colônia: grupo de imigrantes que se estabeleceu em terra estranha.

Afirma Bosi (2002, p. 13) que esse valor de transitividade do verbo “colo” implica o

significado de “deslocamento”, de modo que o “inquilino” – estranho que chega à terra

do íncola, seu herdeiro natural – ocupa-se em cultivá-la e, por meio desse trabalho de

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“cultivo”, faz-se colono: - trabalhador que cultiva terras em lugar de seu dono. Tem-se,

ainda como produto desse deslocamento a mudança de sentidos e do valor de “posse”,

na medida em que o “cultivador” transforma a terra que o íncola herdara, visto ser ela

transmudada pelo colono e com ela seu antigo proprietário, na mesma proporção em

que ele muda seu estado de antigo inquilino. Nessa acepção, a colônia é um lugar que

se faz ocupado por meio do cultivar idéias, conhecimentos, pontos de vista diferentes,

alimentos, objetos ou utensílios, de modo que esse trabalho de cultivo deve ser

compreendido não só na dimensão do solo, mas também do seu antigo proprietário, ou

seja, a terra e o homem.

Observa-se que esse ato de trabalhar o “outro” tem por fundamento a

socialização que é indissociável da aculturação: trocas de bens culturais, de saberes

entre homens que se estranham, mas buscam por meio do uso da linguagem se

compreender, comunicar uns com os outros, ainda que façam uso de sinais

rudimentares como os gestos. O código gestual é ponto de partida para a reconstrução

de seus respectivos sistemas de referências, com vistas a torná-los comuns; todavia

tais sinais, na medida em que se tornam significativos, auxiliam na construção de

modelos de representação do mundo, pois esse processo exige a reelaboração dos

códigos culturais de que cada um deles faz uso como o da alimentação, do vestuário,

da música, da dança e, dentre eles, aquele que transcodifica todos os demais: a língua.

Assim, o português, que era navegante, aprende a caçar animais que lhe eram

desconhecidos, pois assar o peixe já era de domínio do seu conhecimento alimentar,

por exemplo.

É nessa rede de relações instituída pelos significados do “habitar”, do “cultivar” e

do “colonizar” que os íncolas vão se deslocando no espaço do solo por eles cultivado e,

nele, passam a ocupar outros lugares, ao mesmo tempo em que o europeu português,

íncola em seu país, foi se fazendo colono na travessia do oceano que o afasta cada vez

mais de sua terra natal e, aqui chegando “inquilino”, se fez colono pela lavoura, e pela

ocupação do solo. Logo, pelo “lavrar”, o europeu é transmudado em um outro homem

reconstruído pelo íncola que aqui habita, e vice-versa.

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Esse português que irá se construir como “brasileiro” 1 (eiro = trabalhador do

Brasil) arrasta no seu inquilinato suas representações do mundo da vida, incorporando

a ele aqueles do seu mundo do trabalho, ou seja, modelos de produção que lhe

asseguram viver em companhia de outrem e com eles estabelecer relações de poder,

fundadas no mundo político e econômico de uma formação sociocultural de caráter

medieval, que está sendo transmudada e modernizada. Esse processo de

transmudação,

(...) não se esgota na reiteração de esquemas originais: há um plus estrutural de domínio, há um acréscimo de forças que se investem no desígnio do conquistador emprestando-lhe às vezes um tonus épico de risco e de aventura. A colonização dá um ar de recomeço e de arranque a culturas seculares. (BOSI, 2002, p. 12).

A busca por essa tonalidade épica levou a Espanha, em 1556, a proibir por

decreto o uso das palavras conquista e conquistadores que deveriam ser substituídas

por descobridores, descobrimento, descoberta, povoadores e habitantes. Assim

procedendo, a Espanha visava a impedir que se sedimentassem significados que

habitam a matriz de colo do tipo “cuidar”, “mandar”, “tomar conta”, em razão dos usos

freqüentes dessas formas vocabulares, naquela época, com tais sentidos que faziam

remissão a modelos de processos de socialização dos quais são cancelados os de

aculturação para privilegiar valores que emergem do “poder de controle” do mais forte

sobre o mais fraco.

Os significados de cultus, focalizados como particípio passado são mais densos,

pois neles se inscrevem os significados de colo – cultivar, lavrar a terra por séculos

afora – mas se estendem para além deles, pois abarca outras dimensões de sentidos

cristalizados: o conjunto de ações vivenciadas por meio do trabalho, bem como a

1 Corrêa (2004) afirma que entre os países do mundo, apenas o Brasil tem adjetivo pátrio construído com sufixo que designa trabalho, razão pela qual se institucionalizaram sentidos de ser o Brasil lugar para se trabalhar e enriquecer, contudo as riquezas aqui produzidas são investidas na pátria distante: a Europa.

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qualidade já incorporada à terra lavrada. Assim, funde-se a esses significados a

concepção de trabalho sistemático, bem como o de valorização dos agentes que por

ele respondem de modo qualitativo e quantitativo, no espaço da vida social pública, ou

seja, do mundo do trabalho, dele excluído o mundo da vida. Logo, não só os esquemas

sociais dos processos de produção, mas também os seus valores sociais são

arquivados na memória de longo prazo. Por conseguinte, o cultus traz consigo os

sentidos de lavrar e com eles aqueles do suor coletivo, derramado na luta travada

diariamente entre o homem e a terra que, agora cultivada, possibilita narrativas de

histórias desse cultivo.

Tais narrativas têm a terra como espaço, o homem como personagem e o

passado distante que, indexado ao presente do mundo narrado do Brasil Colônia,

constrói o fio de uma história por meio da qual passa a evocar e invocar, pelo exercício

da fala, os mortos que habitam as lembranças. Considera Bosi (2002, p. 14-15) a

necessidade de

(...) amarrar os dois significados desse nome-verbo que mostra o ser humano preso à terra e nela abrindo covas que o alimentam vivo e abrigam os mortos: a) cultus (1): o que foi trabalhado sobre a terra; cultivado; b) cultus (2): o que se trabalha sob a terra; culto; enterro dos mortos; ritual feito em honra dos antepassados e, os mortos se fazem heróis evocados e invocados em cada presente nas lembranças.

O culto é, quando assim concebido, o ato de enraizar as experiências do

presente no passado por meio de gestos, de cantos, de danças, de rituais, de orações

e de falas que o evocam e o invocam, para tornar o “outrora” em “agora”; razão pela

qual nessas ações culturais estão tecidos e entretecidos nos laços da comunidade: as

matrizes que possibilitam a criação de sua identidade em um novo tempo. Entretanto, é

preciso ainda considerar que esses significados do particípio passado se

complementam com aqueles do particípio futuro “culturus”, em latim, por meio do qual

se dá forma à concepção de vir a ser, do porvir: o que aponta para uma direção que

possibilita situar o agente para além do presente em suas vivências. Esse ir além são

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fundamentos de projetos a serem planificados por meio de recursos que garantam

executá-los. Tal execução implica elaborar planos de ações que, estratégica e

taticamente organizados, assegurem a conquista de metas configuradas por propósitos

e/ou objetivos gerais que se busca conquistar. (TURAZZA, 2005, p. 62-63).

Nessa acepção, a mola propulsora das projeções humanas é o presente;

contudo, nele está fatalmente incrustado o passado, de modo que os significados de

cultura sempre se inscrevem num dado tempo do presente que, se por um lado, enlaça

o passado, por outro, projeta-o para além de si. Essa tessitura entre passado e futuro,

incrustada no presente, é garantia de que o termo “cultura” seja genericamente definido

como conjunto de práticas, símbolos, valores e técnicas que, socialmente

compartilhadas, são transmitidas entre gerações para tornar certa a reprodução da

coexistência social por meio da conjunção passado-futuro, sem o que não se define e

tampouco se compreende o presente de uma dada contemporaneidade.

Entende-se, neste contexto de considerações, que a cultura brasileira tem suas

raízes entrelaçadas às motivações dos íncolas portugueses, moldados pelo projeto de

dilatação da Fé e do Império de que resultou a viagem por mares nunca dantes

navegados. Esses mares, depois de transpostos, tornaram-se o Oceano Atlântico:

águas salgadas que facultaram a implantação do Império Mercantil em Terras da

América, pelo cultivo de seu solo e dos seus habitantes, pelo modelo Salvacionista

Medieval. É no fluxo dessa viagem que os portugueses e espanhóis se fizeram

inquilinos e, por meio de várias outras que os foram desalojando do mundo Europeu e

os fixando no mundo brasileiro das Américas, colonos. Agora, aqui alocados não só

ocuparam o solo americano, exploraram os seus bens, mas também se aculturaram e

foram aculturados, respectivamente, na com-vivência com os nativos que aqui

habitavam. Desta feita, o colono português trouxe consigo, na arca de sua memória

social, as vozes dos seus mortos e, sob essa perspectiva, não se pode qualificá-los

apenas como suportes físicos de operações econômicas. (BOSI, 2002).

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Nesse processo de transmudação, cujo marco é o encontro com o desconhecido

e o esforço para compreendê-lo e dominá-lo, emergiu uma outra/nova consciência

entrelaçada na trama de uma história, cuja resolução dos conflitos de seus episódios

explica-se por variadas estratégias. Dessas estratégias tem-se a formação de um novo

povo e da língua portuguesa como variação do sistema lingüístico do português.

Entretanto, em se tratando do século XVI, ao qual esta investigação faz referência, não

se pode falar sobre a existência de uma comunidade lingüística, pois para Martinet

(1964) o termo “comunidade lingüística” deve ser empregado para designar a existência

de uma ou mais línguas capazes de assegurar a comunicação efetiva entre homens

que habitam um dado espaço territorial. Por conseguinte, “comunidade” e “língua” são

concepções asseguradas pela prática da comunicação: um empreendimento, um

trabalho a várias mãos que tem como marco inicial o século XVI, mas que nele não se

esgota.

1.3 Ações colonizadoras e estratégias de colonização

Tratar de ações colonizadoras em terras americanas implica considerar que,

segundo registros dos historiadores, há dois tipos de projetos de colonização: um, cujas

ações são ordenadas pelo propósito de ocupação; o outro, pelo de exploração. O

primeiro tem por objetivo o uso do solo herdado por outrem em benefício do próprio

colono que nele passa a habitar; o objetivo do segundo é fazer do inquilino um colono

cuja riqueza do trabalho, circunscrita à produção de bens materiais, é partilhada com

aqueles de seu solo de origem, e não com os nativos da terra descoberta. Entende-se

pelas leituras realizadas serem os atos de ocupação e exploração indissociáveis da

esfera do agir colonizador. Assim sendo, a distinção entre essas duas concepções

parece estar circunscrita a uma questão de gradação, pois sempre o solo ocupado é

explorado por novos cultivos e outros/novos modos de cultivá-lo. (BUENO, 1998 e

RIBEIRO, 2002).

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Por tais considerações pode-se compreender que, entre 1500 — tempo de

descoberta — e 1532 — tempo da primeira expedição comandada por Martim Afonso

de Souza, o modelo colonizador brasileiro se qualifica muito mais como ocupação do

que exploração propriamente dita. Tal modelo aliado ao o fato de a coroa Portuguesa

não ter recursos para explorar as terras descobertas no continente africano e

americano e, ao mesmo tempo, comercializar com as Índias fez com que ela optasse

por usar estratégias de ocupação e só posteriormente a essa data revertesse suas

ações colonizadoras para o modelo de exploração. Todavia, essa interpretação dos

modelos de projetos de colonização por que se busca traçar limites entre a colonização

da América do Norte e o da América do Sul não se sustenta quando se focaliza a

colonização brasileira para melhor compreendê-la por uma dessas modalidades de

projeto. (BUENO, 1998).

1.3.1 Propósitos e objetivos da travessia do Atlântico

Afirmam os historiadores que a planificação do projeto português de que resultou

o evento extraordinário das grandes navegações se deveu à busca de soluções para

dois grandes problemas vivenciados pelo novo reino ibérico, formado a partir do

condado de Porto Cale, em 1097, no século XI, que teve o conde D. Henrique como

seu idealizador: o abastecimento e a sustentação do reino. Assim, no século XV, ano

de 1419, o Infante D. Henrique, “O Navegador”, projetava explorar o mar Tenebroso,

ciente de que por ele estenderia o poder do seu reinado para além dos limites que esse

mesmo mar impunha ao seu reino.

Tal objetivo expansionista do poder real pela extensão do próprio reino visava a

encontrar solução para aquelas duas necessidades do novo território e,

conseqüentemente, para sua realeza, para o seu reino e povo: a) a primeira referente

ao abastecimento, pois as porções de solo fértil eram e são bastante reduzidas naquela

região do mundo; b) a segunda referente à produção de riquezas em espécie capazes

de sustentar o novo reino. Essa última meta era uma exigência do novo modelo

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econômico e de organização estatal instituída com a queda da Idade Média, de modo a

garantir a inserção dos povos medievais na Idade Moderna. Tornava-se inviável a

conquista dessa meta em razão do fechamento dos caminhos para o comércio no mar

Mediterrâneo, decorrente de taxas exorbitantes cobradas pelos turcos para que as

embarcações pudessem circular pelos caminhos do Mediterrâneo, o que exigia a

produção cada vez mais crescente de valores em espécie pelos reinos da Ibéria.

(LEAL, 2001 e MAZZEO, 1997).

1.3.2 Estratégias para mudança de modelo de representação: buscas de novos conhecimentos

Nesse contexto de dificuldades, o olhar de D. Henrique recaía sobre o mar Tenebroso:

obstáculo milenar para as navegações, devido às lendas que impediam os navegantes

ibéricos de nele lançarem suas embarcações em busca de novas paragens e

aventuras. Mas o rei acreditava que a solução para tais problemas estava diante dos

olhos portugueses; contudo, aquela seria uma tarefa para visionários, visto ser

necessário transpor o mar imaginário dos navegantes do seu tempo. Para tanto, eles

precisariam deixar de crer na possibilidade de que ao navegá-lo cairiam no abismo que,

supostamente, haveria nele quando se cruzasse a linha do seu horizonte traçada pelo

olhar em terra firme. Os seres marinhos gigantescos que habitavam esse mar

Tenebroso e que devorariam aqueles que ousassem ultrapassar essa linha lendária

eram um produto da imaginação, de uma crença que só o conhecimento poderia diluir.

Tal era o problema com que se deparava o rei português. (BUENO, 1998).

A consciência de quem sabia serem as lendas — produtos cristalizados de

modelos de representações, visões de mundo criadas para interpretar o desconhecido

— a fonte que justificava o medo e impedia o navegante português de se lançar à

descoberta de novos espaços leva D. Henrique a ordenar que seu irmão, D. Pedro,

vasculhasse todas as bibliotecas da Europa em busca de outros conhecimentos sobre o

mar Tenebroso. Tal empreitada de D. Pedro deslocou, para a corte portuguesa, livros e

mapas, dentre os quais os de Marco Pólo em que se registravam descrições de suas

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viagens pelas terras do mundo de sua época. D. Henrique também se incumbiu de

trazer para sua corte sábios, cartógrafos, astrônomos e astrólogos – especialmente

judeus que, desde meados do século XIV, fugiam das perseguições que se

desencadeavam na Espanha. Dentre esses perseguidos estava Jehuda Cresques, filho

de Abraão Cresques, brilhante cartógrafo e autor o célebre Atlas Catalão. Com esses

refugiados, D. Henrique fundou a Escola de Sagres, em 1433, assim chamada por se

situar na vila de Sagres. Ali, construíram um observatório astronômico, oficinas para

construção de embarcações, bem como salas de estudo. (BUENO, 1998 e

ENCICLOPÉDIA DIGITAL “O ESTADÃO”, 2005).

Os conhecimentos produzidos pelos estudiosos de Sagres foram assegurando

um conjunto de informações que garantiam a exploração dos caminhos do mar

Tenebroso, de modo a que esse fosse gradativamente explorado pela arte da

navegação: um feito resultante da sabedoria de um rei que, para planificar um conjunto

de ações de seu projeto de governo, compreendeu ser necessário valer-se de novos

conhecimentos para reconstruir velhos modelos de representação do mundo do seu

próprio povo. Esses novos conhecimentos facultaram a transformação das galés,

birremes e trirremes portuguesas em naus e caravelas que se valendo da força dos

ventos foram possibilitando aos navegantes explorar, a princípio, as costas portuguesas

e se defrontarem com várias ilhas deles desconhecidas até então. E, por fim, descobrir

a costa do continente africano: o grande achado daquela época. (BUENO, 1998 e

ENCICLOPÉDIA DIGITAL “O ESTADÃO”, 2005).

A exploração gradativa dessa costa continental do mar Tenebroso assegurou a

descoberta de outras terras, outros povos e, com ela, o deslocamento para a Coroa

Portuguesa de bens de consumo da época do que nelas se produzia. Ressalta-se que,

ao mesmo tempo, também se dava a conversão de seus habitantes em escravos da

nova coroa. Esse processo de escravização era feito por meio de estratégias que

implicavam o uso do próprio modelo cultural das estruturas sociais que organizava a

vida no mundo tribal. Assim, os escravos conquistados pelas tribos – homens de tribos

rivais que perdiam o combate com outros e eram por isso escravizados – eram

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negociados com os portugueses, de modo a lhes servir de mão-de-obra para o trabalho

braçal: razão pela qual a escravatura é matriz da formação do Estado Português

Moderno e, conseqüentemente, do sistema de produção nas suas colônias. Há de se

considerar, ainda, que a aquisição de escravos também era obtida pela força bélica dos

portugueses, superior àquela dos povos nativos que não haviam alcançado domínio

sobre tecnologias de que se valiam os portugueses, pois os nativos ainda faziam uso

da lança, arco e flecha, tacape para suas conquistas por meio da guerra. (SOUTO

MAIOR, 1972).

Nesse contexto de reinterpretação da história oficial, o feito de D. Henrique – um

monge guerreiro, cavaleiro da ordem de Cristo, herdeiro das tradições e conhecimentos

dos Templários - garantiu a seus sucessores outras descobertas de novas terras,

habitadas por íncolas desconhecidos dos ibéricos, bem como a expansão dos reinos de

Portugal e de Castela. Tal expansão teve como fundação e fundamento os negócios da

coroa e da fé cristã, pela qual foi moldada a formação educacional daquele rei

visionário e de um reinado que alcançou o continente americano: espaço em que se

situam as fronteiras do Brasil.

1.3.3 Estratégias de rupturas de contrato

Transcorrido um século dessas explorações costeiras, os navegantes

portugueses ousam se aventurar em descobertas de outras correntes marítimas que já

haviam transformado o Mar Tenebroso em Mar Salgado: segundo Fernando Pessoa,

“muito desse sal são lágrimas de Portugal” (apud CADORE, 1998). Essas correntes

trariam para as terras da América uma primeira frota de dez naus e três caravelas

redondas, sob o comando do almirante Pedro Álvares Cabral, no século XVI. Este

almirante, também cavaleiro da Ordem de Cristo, recebeu de Vasco da Gama um

conjunto de documentos em que se registravam informações sobre as viagens de

Vasco às Índias. (BUENO, 1998).

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Tal informação também se faz presente no seguinte registro:

(...) quando Cabral partiu para a Índia, não só por cálculo e estudo, como por uma viagem anterior de que guardara sigilo, os portugueses sabiam da existência de terras a oeste. Por estudos vindos a lume recentemente, está averiguado que Pedro Álvares Cabral, desviando-se do roteiro de sua viagem, sabia muito bem o que queria, porque o grande navegador que foi um dos maiores nomes da epopéia marítima de Portugal, não ignorava a existência das vastas regiões por ele descobertas e de que imediatamente tomou posse, em nome do seu rei. Seu avô Fernão Álvares Cabral foi guarda-mor do Infante D. Henrique, fundador da Escola de Sagres. (LELLO UNIVERSAL, s/d)

Segundo informações da história oficial, Cabral e sua frota zarpam em direção às

Índias orientais; contudo, para Bueno (1998), em um dado momento e lugar,

previamente estabelecido nos documentos de Vasco da Gama, a esquadra muda o

curso da viagem, que duraria quarenta e quatro dias. A tripulação, dias antes de 22 de

abril, enche-se de esperanças ao identificar naquele mar certos tipos de algas como as

“botelhos” e as “rabo de asno”, interpretadas como “proximidade da esquadra com a

terra firme”. A esses sinais, no alvorecer da manhã seguinte, acrescentam-se aqueles

referentes à leitura do grasnar de aves marinhas, no vôo entre os mastros e as velas da

esquadra, confirmando a interpretação dada à presença no oceano das algas. Esses

indícios garantiriam a explosão de alegria registrada no enunciado “Terra à vista”,

quando os olhos dos marinheiros pousaram sobre o Monte Pascoal na Bahia, em 22 de

abril de 1500, assim designado por ser domingo de Páscoa: um tempo em que se

comemora a vida pela ressurreição do Cristo crucificado. Desta feita, depois de meses

no mar, submetidos a privações e à doenças, distantes de suas famílias e da terra de

origem, encontram a Terra dos Papagaios, o Paraíso já registrado em mapas da Idade

Média. Assim, tal qual o Cristo ressuscitado que ascendeu ao céu, os portugueses

alcançam a nova terra: fonte de uma nova vida. Plantam no solo da nova Terra, que

acreditavam ser uma ilha, a Cruz verdadeira de Cristo, assim concebida em razão do

dia da sua descoberta, e designam à nova terra Ilha de Vera Cruz. (CORREA, 2004).

O registro da viagem, as belezas da terra, o perfil de seus habitantes, a primeira

missa, as dimensões da cruz, a presença do estandarte da Ordem de Cristo está

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descrita na redação, em língua portuguesa do século XVI, na carta de Pero Vaz de

Caminha. Nela o capelão-escrivão Pero Vaz de Caminha descreve o nativo da terra,

determina-lhe a raça, o idioma e a religião que seria aquela que o povo Ibérico legaria

ao continente sul-americano. A terra recém-avistada, a ilha como supunham, foi

batizada de Vera Cruz e, logo em seguida, de Santa Cruz, conforme a determinação do

rei D. Manuel. Esse monarca herdeiro da sagacidade de D. Henrique envia novas

expedições para registrar rios, cabos, ancoradouros naturais, ilhas, as quais seriam

batizadas com nomes do calendário litúrgico, como as realizadas por Gonçalo Coelho e

Américo Vespúcio em 1501 e, depois, em 1503. (BUENO, 1998).

Várias expedições chegaram a esta nova terra para mapeá-la e determinar sua

posição nas linhas dos meridianos terrestres. Para tanto, fez-se uso dos instrumentos

da época: o astrolábio, para indicar a latitude; as Tábuas da Índia – espécie de

“balestrilha” usada pelos pilotos árabes para avaliar a latitude à noite e para medir a

altura das estrelas. Constituída por duas réguas, uma horizontal (o virote), com escala

em graus, outra vertical (a soalha), alinhava-se à extremidade inferior da soalha com a

linha do horizonte, enquanto a superior era alinhada após esse alinhamento, de modo a

marcar a altura da estrela em graus, precisando a latitude mais adequada, durante a

navegação. Esses navegantes também faziam uso de outros instrumentos como: a)

agulha de marear (espécie de bússola); b) os portulanos - antigos mapas náuticos feitos

pelos árabes em peles de carneiro ou em pergaminhos; c) o nortulábio - espécie de

astrolábio usado à noite. Tais instrumentos facultavam a leitura da nova posição em

relação à terra e astros que habitam o firmamento. Assim, desse hemisfério austral

descobriu-se a primeira constelação que viria a funcionar como ponto de referência,

para os habitantes desse novo espaço: o Cruzeiro do Sul. (BUENO, 1998).

1.3.4 Estratégias para o domínio dos caminhos do mar: tratados de soberania

As descobertas das Grandes Navegações envolveram muitas disputas entre os

dois reinos da Península Ibérica, não só para assegurar o poder e o controle das novas

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terras, mas também o domínio dos caminhos do mar. A fonte dessas disputas, segundo

Vainfas (2000), deve ser considerada em relação aos conhecimentos náuticos,

cartográficos e topográficos da época, bastante avançados, se comparados àqueles da

Idade Média. Desse modo e à medida que se descobria uma nova rota oceânica ou se

chegava por elas a um outro pedaço de Terra, confirmavam-se as projeções medievais

de que o mundo não se circunscrevia à Europa e à Ásia. Entretanto, novos mapas

precisavam ser construídos; mas, para tanto, fazia-se necessário precisar com exatidão

a extensão dessas outras terras. Esses conflitos entre os dois Estados Ibéricos eram

mediados pela Igreja que buscava, por meio de bulas, dissolvê-los para assegurar a

convivência o mais pacífica possível entre ambos os reinos.

Por um lado, Portugal buscava garantir seus interesses mercantilistas com as

“Índias orientais” e as rotas traçadas por seus navegadores no Atlântico, assegurando

que sua frota mercante não fosse atacada por corsários: capitães que, defendendo os

interesses de seu monarca, atacavam embarcações consideradas inimigas,

promovendo o saque de mercadorias, afundando as embarcações saqueadas e, com

elas seus marinheiros. Esse procedimento dos corsários franceses e espanhóis

resultava em grandes prejuízos econômicos para o reino saqueado. Observa-se que

também os comandantes portugueses, não raramente, utilizavam esse mesmo

procedimento para saquear embarcações espanholas e francesas. Assim, o rei D.

Manoel buscava, insistentemente, assegurar para si as rotas para as Índias,

asseverando que tal caminho pertencia aos portugueses. O argumento de prova de que

fazia uso era o feito de um português e não de um espanhol haver dobrado o cabo das

Tormentas: Bartolomeu Dias. Tal feito garantiu ao reino português investir na viagem de

Vasco da Gama, cujo sucesso dava àquele reino direito de propriedade sobre tais rotas

que cortavam o Atlântico, o Índico e o Pacífico. Contudo, a cada nova expedição os

navegantes se afastavam da linha divisória estabelecida pelas bulas papais,

deslocando-se mais e mais para o ocidente, seguindo as ordens do rei. (VAINFAS,

2000).

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Por outro lado, o reino espanhol convivia com a presença constante dos

portugueses no Ocidente e se esforçava por dividir o comércio das especiarias com o

Estado vizinho, não poupando tempo ou ocasião para assegurar o controle de rotas no

Pacífico e reivindicar direitos sobre aquelas do Atlântico. Valia-se, para tanto, de

argumentos fundamentados na viagem de circunavegação do globo: um feito de

Fernão de Magalhães (1519-21), realizado sob a bandeira de Espanha. Assim, a

Espanha exigia dos portugueses o dever de respeitarem esse feito histórico, bem como

os limites traçados pelas bulas papais. É nesse contexto de disputas que se firma o

tratado de Toledo entre D. João II, rei de Portugal, e D. Fernando de Aragão e Isabel

de Castela, reis de Espanha, assinado em 1480, por meio do qual se atribuía a

Portugal direito sobre as terras situadas ao sul das ilhas Canárias.

Afirma Romero de Magalhães (apud VAINFAS, 2000) que esse tratado, como as

bulas papais até então publicadas, não diminui as relações de conflito entre as coroas

portuguesa e espanhola, pois quando Colombo faz uma escala no porto de Lisboa, em

1493, é advertido de que as terras situadas ao sul das Canárias eram território

português, consoante o tratado de Toledo. D. João II, ao tomar ciência do fato acima,

envia uma embaixada aos Reis Católicos de Espanha e, ao mesmo tempo, ordena a

preparação de uma esquadra que, sob o comando de D. Francisco de Almeida, deveria

tomar posse das novas terras situadas abaixo desse marco territorial. D. Fernando de

Aragão e Isabel de Castela recorrem ao papa Alexandre VI para legitimar novos

domínios das terras que a Espanha buscava ocupar em nome da fé. Esse papa publica

nova bula e estabelece o limite de 100 léguas tendo como ponto de referência o

arquipélago de Cabo Verde e, assim procedendo, revoga os privilégios dos

portugueses, assegurados nas bulas anteriores. A reação do rei de Portugal, diante

desse novo traçado da linha meridional, resultará no Tratado de Tordesilhas: um dos

primeiros realizados diretamente entre dois soberanos temporais que prescindiu da

mediação do representante de Deus na Terra dos homens. (VAINFAS, 2000 e

RIBEIRO, 2002).

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Firmado na pequena cidade de Tordesilhas, ao norte da Espanha, em sete de

junho de 1494, a Capitulación de la partición Del Mar Oceano dividiu as zonas de

influência dos países ibéricos – Espanha e Portugal – em dois hemisférios,

demarcados de pólo a pólo, cabendo a Portugal as terras “descobertas e por

descobrir”, desde que situadas aquém da linha demarcada a 370 léguas a oeste de

Açores e Cabo Verde. À Espanha cabiam as terras que ficassem além desta linha.

Esse Tratado, na verdade, alterava o estabelecido pela bula Inter Coetera, de 1493,

pelo arbítrio do papa Alexandre VI (espanhol, da família Bórgia) que concedia à

Espanha a posse das terras “descobertas ou por descobrir” desde que estivessem

localizadas a partir de uma linha demarcada a 100 léguas a oeste de Cabo Verde.

Observa-se que o Tratado de Tordesilhas limitava consideravelmente a área de

influência de Portugal; pois, até então, era ele o beneficiário exclusivo do poder de

dominação e cristianização dos territórios e povos conquistados em terras de infiéis

que, agora, deveria ser partilhado com o poder do Estado Espanhol. Nesse contexto de

interpretação dos documentos históricos, cabe ressaltar que

(...) antes mesmo do achamento do Brasil, o Vaticano estabelece as normas básicas de ação colonizadora, ao regulamentar, com os olhos ainda na África, as novas cruzadas que não se lançavam contra hereges adoradores de outro Deus, mas contra pagãos e inocentes. É o que está registrada na bula Romanus Pontifex de oito de janeiro de 1454, do papa Nicolau V, e mais tarde, o Vaticano através da bula Inter Coetera, de quatro de maio de 1493, quase nas mesmas palavras que a bula anterior, assegura, que também o Novo Mundo era legitimamente possuível por Espanha e Portugal, e seus povos também escravizáveis por quem os subjugasse. (RIBEIRO, 2002, p. 39-40).

Por conseguinte, os herdeiros naturais das terras descobertas, designados

“pagãos” e “inocentes”, segundo o fragmento acima transcrito em 1457, já eram

projetados como possível força de trabalho escravo pela Igreja que, no exercício do

poder político-econômico partilhado com o Estado, atribuía lhe o direito de poder

escravizar ou não esses outros homens. Tal documento admite não só o direito à

posse das terras descobertas pelos dois Estados Ibéricos, mas também sobre o

homem que nela habita, por meio do trabalho escravo: modalidade por meio da qual se

atribui ao íncola das Américas, nesse caso, uma outra identidade, moldada pelo poder

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do Estado Nacional. Essa identidade implica a transferência e o deslocamento de

categorias não só de posse da terra, mas também do homem livre para o homem

escravo. Esse modelo de transferência se inscreve, portanto, no projeto da Igreja,

planificado pelo Estado Português. Nessa acepção, torna-se bastante complexo

considerar que as matrizes dos projetos de colonização desses Estados Católicos

visaram apenas à ocupação; razão por que, se a princípio as terras do Brasil foram tão

somente ocupadas, tal fato se devia a questões de ordem econômica. E, assim, por

deliberação dos comandantes da Igreja Católica e por decisão dos Estados Ibéricos, se

fez a América luso-espanhola (cf. item 1.3 deste capítulo).

1.3.5 Estratégias de ocupação

Observam os historiadores do século XVI que a coroa portuguesa se depara com

a necessidade de ocupar as terras da América; entretanto, devido à extensão territorial

sob o seu domínio na Península Ibérica, ser reduzida e a população demográfica ser

pequena, não era possível despovoar o próprio território o qual era sede central do

reino. Acrescenta-se a esta questão, as constantes investidas do reino espanhol para

estender seus limites territoriais e ocupar terras sob o domínio do reino português. A

solução para o problema de ocupação foi encontrada no “degredo”.

1.3.5.1 O desterro

A ação de banir aquele que praticava um crime contra a sociedade ou o Estado

português, já era uma prática do Direito instituído pela coroa portuguesa no século XIV.

Todavia, é no século XV que essa modalidade de pena torna tal castigo comum. O

condenado ao degredo era levado para uma das possessões ultramarinas e ali

permanecia por toda a vida, se o degredo fosse perpétuo, ou pelo tempo declarado na

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sentença, neste caso seria temporário e não poderia ser menor de três anos, nem

exceder a quinze anos. (CALDAS AULETE, 1948).

Assevera Bueno (1998) que esses personagens degredados, nem sempre eram

assassinos ou ladrões comuns, mas homens que, a serviço da nobreza, praticavam o

peculato – desvio de bens públicos em benefício próprio; razão pela qual eram

mantidos como funcionários da corte, na nova Terra. Em 1500, o comandante da frota

Pedro Álvares Cabral deixou nas terras do novo mundo dois desses personagens,

embora devessem eles cumprir a pena de degredo na Índia. Mas, por decisão de

Cabral e seus comandantes, aqui eles foram deixados. O não respeito à decisão judicial

da coroa foi justificado pela necessidade de que eles aprendessem a língua e os

costumes dos nativos, de modo a poderem colaborar com os comandantes de novas

expedições que aqui chegassem, transmitindo informações, por meio das quais os

portugueses viessem a se sentir mais seguros e a ter maior acesso e domínio sobre os

bens que a nova terra lhes poderia oferecer. Em 1502, esses degredados, Afonso

Ribeiro e, possivelmente, João de Thomar – foram recolhidos por Gonçalo Coelho e,

em razão dos seus relatos, perdoados pelo rei D. Manuel.

Afirma Porchat (1993) que, possivelmente, o misterioso Bacharel da Cananéia

seria Cosme Fernandes, também condenado ao degredo em 1501 e que aqui

chegando, juntou-se a outros degredados sob sua liderança. Desta feita, o Bacharel ou

um de seus homens é responsável pelas informações transmitidas a Martim Afonso de

Souza sobre as riquezas e a rota para se chegar à “Sierra de la Plata”, possivelmente

uma alusão ao Império Inca. Esse Bacharel prestou inúmeros serviços à Coroa

Portuguesa, auxiliando a todos aqueles que o procuravam. Vivia cercado de náufragos

e desertores e, assim, detinha conhecimentos preciosos para aqueles novatos que aqui

chegavam, pois era um ponto de referência para se aprender a sobreviver na nova

Terra ou se deslocar por ela.

Outro colaborador de Martim Afonso de Souza foi João Ramalho: uma

personagem da história brasileira de que não se sabe, ao certo, se fora degredado pela

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coroa ou vítima de um naufrágio, mas vivia com os indígenas em “Guaiahó”, na ilha de

São Vicente, por quem era respeitado e temido. Colaborou com Martim Afonso de

Souza na edificação do povoado de São Vicente. Genro do cacique Tibiriçá, o fundador

do Povoado de Santo André da Borda do Campo, Alcaide-mor dessa mesma vila. Em

1562, é eleito pelo povo e pela câmara “capitão de guerra da vila de São Paulo”; e em

1562 se torna vereador dessa mesma câmara, tendo falecido em 1580. (PORCHAT,

1993).

Ressalta-se que, em terras do Brasil, uma outra personagem significativa teria

sido Antônio Rodrigues: um dos náufragos que chegara à Ilha dos Porcos e fora salvo

em 1503 ou 1508. Associou-se a João Ramalho e ao Bacharel da Cananéia na venda

de índios e nas pequenas indústrias da terra: cera, mel, óleo, resinas, peles de animais,

aves e madeiras ... produtos que eram trocados por artigos europeus. Fabricavam,

ainda, bergantins: embarcação a vela ou a remo e reabasteciam os navios que

transitavam pelas praias paulistas. É a partir do ano de 1525 que o número de

degredados enviados ao novo mundo passa a se tornar cada vez mais intenso, o que

justifica o povoamento da costa brasileira. (BUENO, 1998 e RIBEIRO, 2002).

1.3.5.2 Estratégias de miscigenação

A sociedade nativa acolheu degredados, náufragos, desterrados, corsários, tanto

portugueses, espanhóis como franceses, porque no mundo daqueles indígenas, o mais

belo era dar que receber. O costume do povo da terra era oferecer uma moça índia

como esposa ao estranho. Esse costume muito antigo, de acordo com os antropólogos,

tinha como objetivo incorporar o estranho à família. Assim que ele assumisse a relação

marital com a sua temericó estabeleceria os laços de parentesco. Esses laços, por sua

vez, não se restringiam ao grupo da aldeia, mas a todos os membros de um povo.

Assim, o europeu poderia ter muitas temericó, dessa forma ele poderia contar com

milhares de parentes, que poderiam estar a seu serviço, seja para seu conforto

pessoal, seja para a produção de mercadorias, seja para a luta.

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A função do cunhadismo com a chegada de europeus se modificou passando às

guerras de captura de escravos, isso por ocasião da grande necessidade de mão-de-

obra indígena. Outra conseqüência desse sistema social é a geração de milhares de

mamelucos, ou seja, fruto da união de europeus e índios. Esses degredados

aprenderam a língua daqueles agrupamentos que os acolheu como membros de sua

própria família ou como hóspedes e se uniram aos nativos para defendê-los de outros

nativos hostis e criaram raízes nessas aldeias. Esses homens tornaram-se os línguas

da terra, os mediadores e negociadores. (RIBEIRO, 2002).

1.3.5.2.1 O valor da prole mameluca

Tais homens, ao se unirem aos nativos por laços de família, acabavam tendo

uma prole muito grande - o fruto mestiço da terra -, dando origem ao lusotupi ou como

foram chamados, mamelucos, pois segundo o costume eles poderiam ter várias

esposas. Assim, aqueles que aqui chegavam posteriormente sem família, como no caso

dos portugueses que se estabeleceram em São Vicente, em 1532, privados quase

todos, em seus primeiros tempos, de mulheres européias foram obrigados a seguir o

exemplo de João Ramalho: procurar contactos com a brasilíndia, conceber uma prole

lusotupi, construir uma geração semiguerreira, em cujo sangue luso-americano se

plasmam as qualidades virtuais dos bandeirantes. Propaga-se a família luso-brasilíndia.

Tempos mais tarde, têm a missão providencial e terrível de serem os

devassadores dos sertões, de partir as resistências do indígena, de preparar a

transição entre a cultura lusitana, de facilitar as relações entre os povoadores e a gente

da terra. A estrutura bandeirante é apoiada na organização familial mameluca, nesses

filhos de lusos e brasilíndios, produtos nativos da primeira hora, bilíngües, porque falam

o português, o idioma paterno, e o tupi, a língua materna. E se no aspecto físico são

brasilíndios autênticos, na alma, na inteligência e no espírito guardam a formação

psíquica européia. (RIBEIRO, 2002 e FERREIRA, 1970, p. 25).

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No lusotupi estão as características de sua descendência, neles se fixam as

capacidades férreas de resistência ao ambiente e se implanta e desenvolve uma alma

brasileira. Ele é o elemento social preponderante no povoamento português para servir

de passagem entre a barbárie e a civilização, para unir as duas raças sob o sol dos

trópicos.

O plano de D. João III, ao fixar à terra os povoadores portugueses e permitir a

formação de proles mamelucas, era a formação de um novo fruto gerado entre o velho

mundo e novo mundo. Por isso mesmo, o lusotupi é um forte campeão da

nacionalidade futura, o conquistador do território e formador de uma sub-raça

necessária à tarefa sobre-humana de embalar o Brasil-Menino e de prepará-lo para as

lutas da vida. Coloca-se desde logo, na defesa de seu pai, contra seus parentes

nativos. Fundador da raça, o luso-tupi de Piratininga afasta os selvagens, “(...) gente

tão carniceira que parece impossível viver sem matar”, diz o Irmão Anchieta, na carta

ao Padre-Mestre Diogo Laynes, em 16 de abril de 1563.

Orgulha-se o lusotupi de sua ascendência lusitana. Desse entusiasmo natural vai resultar uma pátria. Meio-selvagem, quer ser civilizado. Homem, prepara-se para ser povo. E povo, será nação, pela sua independência indomável, pela sua insensibilidade heróica, pela sua sinergia psicossomática. (FERREIRA, 1970, p. 25).

O papel desses mamelucos foi de grande importância, quase se confundindo

com o papel dos bandeirantes paulistas, sendo que o primeiro adentrava os sertões em

busca de escravos e, o segundo não apenas caçavam escravos, como adentravam os

sertões em busca de metais preciosos, traficavam com as aldeias e contribuíram para o

alargamento das fronteiras coloniais. Em São Paulo, a ação dos mamelucos era vista

como um bandeirante intrépido e heróico, pois como viveu até certa idade nas aldeias e

depois passou ao convívio dos povoados coloniais, eram bilíngües, batizados na Igreja,

até casados, porém tinham seu papel social dentro do seu povo, assim tinham esposas

ou temericó em várias aldeias. Usavam as tinturas e tatuagens e participavam das

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cerimônias antropofágicas. Também eram reconhecidos pelo conhecimento da

medicina tradicional indígena. (RIBEIRO, 2002).

1.3.5.3 O patrulhamento e o uso das feitorias

Em 1516, 1521 e 1526 Cristovão Jaques comanda várias expedições costeiras,

cuja função era patrulhar a costa atlântica brasileira e, assim, desmotivar corsários

franceses e espanhóis, que se ocupavam do tráfico do pau-brasil. Essas expedições

não só percorriam a costa do país, mas também buscavam edificar construções em

lugares estratégicos para armazenar víveres e riquezas colhidas na nova terra como o

pau-brasil. Constroem-se, entre 1502-1504, as feitoras de Pernambuco, Bahia e Cabo

Frio, sendo que a feitoria do Rio de Janeiro foi transferida para Pernambuco, devido ao

saque feito pelos espanhóis, 1517. (BUENO, 1998).

Observa Bueno (1998) que, apesar dos tratados firmados entre D. João III e

Francisco I, nos entrepostos, o comércio dos bens da terra eram mantidos em grande

escala com os franceses, mediante autorização do rei de França. Náufragos,

degredados e indígenas, na ausência de autoridades portuguesas ou em comum

acordo com elas, mantinham no mar carregamentos do pau-brasil e outros bens, mas

nem sempre esse era meio de que se valiam os corsários franceses para se

apoderarem dos bens da Terra. Assim, em 1531, a nau La Pèlerine é capturada

próximo ao estreito de Gibraltar, no Mediterrâneo e, com ela, três mil peles de onça,

seiscentos papagaios e 1.8 toneladas de algodão, produzidas pelos nativos; além de

óleos medicinais, amostras de minerais e pau-brasil. Nesse caso, Pèlerine atacara a

feitoria localizada na ilha de Itamaracá em Pernambuco e obrigaria os prisioneiros a

reconstruir a que haviam destruído e nela colocar a bandeira francesa. Por esse ato de

invasão, a coroa francesa pagou à portuguesa sessenta e dois mil ducados.

Observa-se que algumas feitorias tiveram vida longa como a de Cabo Frio;

outras foram reconstruídas devido a ataques de nativos ou de corsários franceses e

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espanhóis, como foi o caso da feitoria de Pernambuco, destruída em 1531 e

reconstruída por Pero Lopes; após a sua reconstrução, os portugueses que ali se

encontravam foram repatriados.

As feitorias eram construções rústicas que, administradas por um feitor,

armazenavam o pau-brasil e outros bens da terra até que fossem embarcados para o

reino. O feitor que por elas respondia tanto estava no comando da exploração da

madeira, como também, em outras ocasiões, falava em nome do rei; o feitor era, na

verdade, um embaixador da coroa. Todavia, no Brasil, eles não se viam obrigados a

negociar com as chefaturas ou realezas africanas, tampouco com samorins ou chefes

mulçumanos, como na Índia. Nas terras brasileiras, além do exercício do papel de

comerciantes eles também exerciam muito mais o papel dos militares ou dos

diplomatas. Assim, em situações de conflito entre os indígenas e os corsários, ora se

aliavam aos indígenas para aumentar o número de guerreiros, ora se predispunham a

sentar com o chefe da tribo e com o comandante corsário para mediar acordos ilegais

estabelecidos entre ambos, de forma a prevalecer os direitos da Coroa portuguesa.

(BUENO, 1998)

1.3.5.4 A implantação de vilas

Há de se observar que os náufragos e degredados que aprenderam a se

comunicar com os indígenas, por meio de um domínio elementar do sistema de

codificação por eles utilizado, esforçavam-se por não difundir entre os colonos tal

conhecimento. Esses, temerosos da floresta e de seus habitantes, não se aventuravam

por caminhos desconhecidos e permaneciam no espaço da Terra que cultivavam.

Desse modo, a chamada “língua geral”, que já garantia o contato desses portugueses

com os indígenas, só será aprendida e divulgada pelo trabalho de catequese dos

jesuítas.

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Essa estratégia de não divulgação do meio de comunicação com os indígenas,

bem como a do conhecimento das trilhas da floresta e dos caminhos dos rios, garantirá

aos comandantes das expedições zelarem e preservarem a vida desses homens.

Nesse contexto, Pero Corrêa – um português traficante de escravos – já explorava as

terras situadas entre os rios Itanhaém e Peruíbe, quando da chegada de Martim Afonso

de Souza ao Brasil. Desse modo, ele, Martin, e Namorado, comandante de sua

esquadra, fundam a vila de Itanhaém nas terras exploradas por Pero Coelho que ali já

edificara uma capela de boas proporções, explorada pelos jesuítas para catequizar os

nativos. Esses transformam a capela em colégio, erguido a 1 km da praia, do qual se

podem encontrar vestígios até o século XIX. Uma outra Vila, situada na praia do

Flamengo, com uma casa forte, uma ferraria e um estuário, cercados de paliçada –

tapume com estacas enterradas no chão – também foi obra desse homem da nobreza

portuguesa e desse seu comandante Namorado. (BUENO, 1998).

João Ramalho, conforme já enunciado, foi outro assessor de Martim Afonso de

Souza na criação da vila de São Vicente, no planalto paulista. Afirma Castro (1941) que

para chegar a esse planalto, Martim Afonso navegou pelo braço de um rio que ia dar ao

Peaçá: porto de João Ramalho, onde começava o primeiro caminho serrano. Subiram

por caminhos de lama ou tijuco, com o propósito de atingirem o cume da serra do mar,

tendo por referência o Itutinga: salto branco da cachoeira. Batizaram o cume de onde

se avistava o mar de Paranapiacaba – Paraná: braço de rio caudaloso, deste separado

por uma ilha + piá: entranhas de cavidades das pedras onde se acumulam águas da

chuva + caba: insetos; logo: lugar aonde se chega pelo paraná e pelos caminhos do

tijuco: estradas de pedras e lama (devido ao piá) pelas trilhas da floresta povoada de

insetos. (AURÉLIO, 1975).

E, assim, o português ia aprendendo a designar o novo mundo pelo uso das

palavras indígenas e não pelos nomes de santos, conforme ditara o rei. Navegaram, a

seguir, em canoa pelo Jeribatuba ou Jeribatiba: jeribá (fruto) + tuba (tiba): muito,

abundante = lugar onde há muitas palmeiras jiribá, produtoras do fruto geribá (cf.

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Castro, 1941), em cujas margens e em certas passagens encontravam essas palmeiras

e delas saboreavam os jeribás: cocos adocicados. Entravam, assim, pelos campos de

Piratininga: região onde o rio e seus afluentes transbordavam e, após o refluxo das

águas, ali deixava depositado grandes cardumes de peixes. E, assim, João Ramalho –

conhecedor dessas trilhas, líder de comunidades indígenas e negociante de escravos

índios - faz-se condutor dos caminhos da fundação de São Vicente, já São Paulo dos

tempos da colonização, situado nos campos de Piratininga.

Pero Lopes registra nestas palavras a obra de Martim Afonso:

A todos nós pareceu tam bem esta terra, que o capitam Martim Afonso determinou de a povoar, e deu a todolos homês terras para fazerem fazendas: e fez hûa villa na ilha de Sam Vicente e outra 9 leguas dentro pelo sartam, á borda d’hum rio que se chama Piratininga: e repartiu a gente nestas 2 villas nellas officiaes: e poz tudo em boa obra de justiça, de que a gente toda tomou muita consolaçam, com verem povoar villas e ter leis e sacreficios e celebrar matrimônios e viverem em comunicaçam das artes; e ser cada um senhor do seu: e vestir as enjurias particulares; e ter todolos outros bens da vida sigura e conversável. (RIBEIRO, 2002, p. 87).

1.3.6 Estratégias administrativas na Colônia

A planificação de ações para a área administrativa da Coroa Portuguesa, por um

lado, visava a povoar as terras da América e, por outro, garantir o controle dos bens de

produção nelas explorados; como a cana-de-açúcar, por exemplo. Assim, o Estado

português opta, em primeiro momento, pela implantação do sistema de Capitanias

hereditárias e, posteriormente, pelo dos chamados Governos Gerais para exercer tal

controle na colônia.

1.3.6.1 O sistema de capitanias hereditárias

A administração das Ilhas do Atlântico – Madeira, ilhas do Cabo Verde e

Canárias – por meio do sistema de capitanias, rendia à coroa lucros vantajosos. Esse

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sistema administrativo fundado na relação entre o rei e a nobreza, no período medieval,

consistia na concessão feita pelo rei aos nobres de sua corte de largos domínios de

terras a serem por eles ocupados, de modo a lhes renderem proventos e privilégios

particulares, incluindo o direito de soberania sobre seus habitantes. Assim, nessas

terras cabia-lhes fundar povoados, nomear funcionários para a administrarem os

mesmos, cobrar impostos e, neles praticar a justiça. Em 1532, no palácio de Évora, a

corte portuguesa decidiu por ajustar esse “modelo de senhorio” ao contexto

ultramarino, ou seja, para ocupar toda a extensão do território brasileiro e,

posteriormente, para a ocupação de Angola. (VAINFAS, 2000).

As cartas de doação registravam tanto os deveres e direitos dos donatários,

quanto os dos colonos em relação ao Capitão e à Coroa. Assim, as capitanias eram

hereditárias, o que impedia a divisão das terras doadas, bem como sua alienação, em

caso de pagamento de dívidas à justiça. Todavia, cabia ao capitão-donatário o direito

de dividi-las em Sesmarias, entre seus herdeiros, mas ainda em vida. A ele era

reservado o direito de escravizar e vender os indígenas sem pagar à corte qualquer

tributo, de nelas fundar ouvidorias e tabelionatos e nomear os ouvidores e tabeliães

para melhor administrá-las. Podiam, ainda, tributar a navegação nos rios, nas salinas,

nas moendas d’água e quaisquer outros engenhos existentes em suas respectivas

capitanias, pois “por direito, tudo lhes pertencia, não sendo lícito a ninguém construí-los

sem sua licença”. (VAINFAS, 2000, p. 93).

Essas cartas foram editadas entre 1534 e 1536, de modo a abarcarem doações

de terras que se estendiam de Pernambuco ao Rio da Prata; num primeiro momento e,

num segundo, de Pernambuco ao Maranhão. Tais doações foram feitas aos membros

da pequena nobreza e visavam a recompensar funcionários que havia se destacado

e/ou enriquecido com a expansão ultramarina no Oriente. Desta feita, a capitania de

Pernambuco foi doada a Duarte da Costa; a de Porto Seguro, a Pero de Campo

Tourinho; a do Espírito Santo, a Vasco Fernandes Coutinho; a de Itamaracá, a Pero

Lopes de Souza; a de São Vicente, a Martim Afonso de Souza; a do Maranhão, o

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primeiro lote a João de Barros e a Aires da Cunha e, o segundo, a Fernão Álvares de

Andrade, além da capitania de Ilhéus, a Jorge de Figueiredo Correia. Em 1536, a

capitania do Ceará foi cedida a Antônio Cardoso de Barros. (VAINFAS, 2000).

Faz-se necessário observar que, por ocasião da criação das Capitanias

Hereditárias, o rei D. João III, por meio dos forais, também atribuía ao capitão-donatário

e a seus sucessores a responsabilidade de dividirem as terras doadas com colonos

portugueses valendo-se do regime de Sesmarias. Embora as Sesmarias fossem isentas

de pagamento de impostos reais, o que nela fosse produzido deveria ser entregue à

Ordem de Cristo obedecendo à proporção do dízimo, ou seja, dez por cento da

produção. (VAINFAS, 2000).

Observa-se que o termo “sesmaria” designa “colégio feudal”, composto por seis

membros encarregados de repartir o solo entre os moradores e o seu objetivo era tornar

todas as terras férteis agricultáveis de modo a diminuir as importações de grãos, como

o trigo. A implantação desta lei em solo português implicou a criação de vilas, cidades e

comarcas para que os sesmeiros pudessem registrar quais terras estavam sendo ou

não cultivadas. Esse procedimento facultava fiscalizar o cumprimento da lei. No Brasil,

todavia, as terras distribuídas como sesmarias eram áreas nunca lavradas, povoadas

por animais, répteis e insetos desconhecidos, matas virgens. (VAINFAS, 2000).

Nesse sentido, a medida real, em terras do Brasil, não resultou em histórias de

sucesso quanto à povoação do novo território, pois – exceção feita às capitanias de

Pernambuco, Porto Seguro, Ilhéus, São Vicente, Espírito Santo e Itamaracá, - as

demais fracassaram em razão dos constantes ataques dos nativos influenciados pelos

franceses ou pelo repúdio ao europeu que escravizava o povo de suas tribos ou tribos

amigas, além de usufruírem os benefícios de suas terras. Em algumas delas a

geografia dificultava o desbravamento de modo que alguns donatários jamais chegaram

a ver as terras doadas.

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Esse fracasso no empreendimento colonizador leva o Estado português a optar

pelo sistema de governos gerais para melhor administrar a colônia. Contudo, para

Capistrano de Abreu, o sucesso das capitanias hereditárias de Pernambuco, São

Vicente, Itamaracá, Espírito Santo, Porto Seguro, Santo Amaro e Ilhéus, contrastava

com as capitanias reais do Rio de Janeiro, Bahia, Sergipe, Paraíba, Rio Grande, Ceará,

Maranhão e Pará. Observa-se que, muito embora não se deva menosprezar o fato de o

sistema de capitanias haver revelado a precariedade do espírito de aventura e

desprendimento de alguns donatários, ele também evidenciou que apenas a coroa

estava apta para assumir os riscos inerentes ao avanço do processo de colonização.

Assim, entre os anos 1718 a 1759, a administração pombalina extinguiu definitivamente

o sistema de capitanias hereditárias, encerrando um processo que há muito se

arrastava na burocracia portuguesa. (VAINFAS, 2000).

1.3.6.2 O sistema de governos gerais

No ano de 1548, D. João III decidiu incorporar aos bens da sua coroa a capitania

da Bahia, tornada devoluta devido à morte do seu capitão-donatário Francisco Pereira

Coutinho, transformando-a em “capitania da coroa”. Sem abolir o sistema das

capitanias, criou o sistema de governo geral, nomeando Tomé de Souza o primeiro

governador da sede administrativa portuguesa em terras do Brasil. (VAINFAS, 2000).

Tomé de Souza chega ao Brasil em companhia do Ouvidor Geral do Reino, de

um provedor da Fazenda dos negócios do Rei, de oficiais e soldados para defender as

terras ocupadas pelo governador geral e artífices: carpinteiros, ferreiros, mecânicos,

mestres e edificações e meirinhos para policiar o mar. Também trazia gado para formar

fazendas, mudas de cana-de-açúcar para abastecer os engenhos a serem construídos

e artilharia para montar fortalezas que ali seriam construídas. Os degredados que o

acompanhavam eram 400: responsáveis para ajudar no povoamento da nova cidade

que, sem demora, construiu a primeira Santa Casa de Misericórdia. Os jesuítas,

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responderiam pela salvação das almas perdidas dos indígenas que habitavam aquela

região e também, sem demora tem início a ação punitiva contra os tupinambás: suas

aldeias são destruídas e parte de seu povo é morta ou se torna cativa, para servir de

exemplo a qualquer outra tribo que ousasse investir contra o poder real da coroa, assim

dizia o regimento real. (MONTEIRO, 1992, p. 29).

Essas ações foram ditadas pelos sinais de crise que afetava o sistema de

capitanias que se tornavam cada vez mais despovoadas – salvo a de São Vicente e a

da Nova Lusitânia – quer pelo ataque dos indígenas, quer pelos corsários franceses. A

elas se deve acrescentar a farta distribuição de terras feita por Tomé de Souza, a

mando do rei, através da instituição da prática das “Sesmarias”. E, assim, tiveram início

no nordeste brasileiro, os grandes latifúndios cujos donos comandarão por muito tempo

os destinos políticos do Brasil. Desse modo, Tomé de Souza fundamentando-se no

regimento do rei – que atribuiu ao governador geral a responsabilidade de distribuir

terras – passa a editar cartas de Sesmarias para colonos de sua confiança. Esses

teriam plenos poderes sobre tais terras desde que as explorassem e as cultivassem,

podendo também arrendá-las.

Nesse sentido, a colonização passa a ser motivada e a sua intensificação é

garantida cada vez mais pelo tráfico de escravos, agora, incentivado e pela vinda de

colonos açorianos para o Brasil. Essas notícias chegam a Portugal e passam a atrair

cada vez mais os portugueses em busca de melhores condições de vida. A eles se

agregam aqueles que são perseguidos pela Inquisição do clero português, acelerando o

processo de povoamento do solo brasileiro. Contudo, nesse mesmo tempo, Portugal

assistia ao acelerado processo de despovoamento de seu território natal, em razão: a)

desse processo de imigração, também decorrente das necessidades econômicas do

reino que se tornava cada vez mais dependente das importações; b) das epidemias que

assolavam aquela região da Europa. Deve-se salientar que a excessiva importação

levava Portugal a entregar as riquezas e conquistas resultantes da expansão

ultramarina aos ingleses e banqueiros holandeses: judeus expulsos de Portugal pelo

seu próprio clero. Assim, sua pequena população era distribuída entre o solo da terra

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natal, a África, Brasil, China e Japão para manter as fortificações que edificara nessas

suas terras distantes. (RIBEIRO, 2002).

Três foram os governadores gerais no século XVI: Tomé de Souza (1549-1553),

Duarte da Costa (1553-1557) e Mem de Sá (1557-1572). Em 1572, o Brasil teve dois

Governos Gerais: um ao norte, em Salvador, presidido por Luís de Brito; outro ao sul,

sob o mando de Antônio Salema. Em 1578 houve a reunificação do Governo Geral;

assumiu o cargo Lourenço da Veiga. Durante o seu governo morre D. João III e, por

não ter herdeiro, Felipe II, de Espanha, ascendeu ao trono português como Felipe I, em

1580. Por conseguinte, Portugal perderia a sua independência política. (VAINFAS, 2000

e RIBEIRO, 2002).

Pode-se considerar que, se Pedro Álvares Cabral toma posse oficial da Terra de

Santa Cruz, se Cristovão Jaques faz a limpeza dos mares, Martim Afonso de Sousa

inicia o seu povoamento. Essas ações implicam três tempos de um compasso

rigorosamente medido pela Coroa Portuguesa que não improvisa, mas estuda, prepara

e concretiza a posse das terras do novo continente. Este papel é atribuído pelos

historiadores consultados à inteligência dos estadistas do reino português a 300

pessoas do reino português que se estabelecem em São Vicente. Esses imigrantes

estão na esquadra de Martim Afonso de Sousa, o primeiro governador das terras de

Santa Cruz, a qual ainda não era Brasil.

1.3.7 Estratégias de exploração

As ações colonizadoras, conforme já afirmado nos registros que antecedem a

esse, não têm por marco um modelo de projeto capaz de facultar a compreensão

dessas mesmas ações em relação a metas devidamente configuradas por valores

históricos referentes às colônias portuguesas, quando tomadas em si e por si. Desse

modo, quando se busca estudá-las, observa-se que elas inserem-se no projeto das

Descobertas da Coroa Portuguesa, conforme já foi apontado, sem que se possa falar

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de projeto, propriamente dito, de colonização do Brasil. Por conseguinte, as metas em

relação a essa colonização vão sendo instituídas em relação ao aqui e agora, com

vistas a solucionar problemas imediatos vivenciados pela Coroa Portuguesa que,

segundo dados dos historiadores, são de caráter político-econômico. (RIBEIRO, 2002 e

VAINFAS, 2000).

Compreende-se, assim, que o projeto colonizador brasileiro parece associar-se a

uma concepção mais técnica do que aquela normalmente atribuída aos projetos. Nesse

sentido, tais projetos não podem ser concebidos como um desenho que mantém uma

relação mais direta com as concepções de plano, de criação, de esboço ou design.

Esses abarcam sentidos referentes a estilo e, quanto à concepção de caráter mais

técnico, abarcam a concepção de cópia. Assim, reproduz-se, no Brasil, o que dera

certo, ou melhor, lucros, em outras regiões colonizadas. Nesse sentido, se o projeto se

qualifica como design e este deve ser compreendido por uma relação associativa

capaz de garantir a criação individual por meio do qual se reproduz a cópia, mas de

forma inovadora, caberá ao povo brasileiro a tarefa individualizada de criação dessa

cópia, no fluxo do tempo desse processo colonizador e para além dele.

Nessa acepção, a colonização brasileira, no século XVI, tem por ancoragem um

modo de proceder da Coroa Portuguesa qualificado pelo abandono ou por ações

emergenciais, pois a iniciativa do projeto era não perder as terras descobertas e, na

medida do possível, torná-las lucrativas sem grandes custos. Por conseguinte, as

estratégias de exploração no século XVI circunscrevem-se à exploração do pau-brasil e

ao cultivo da cana-de-açúcar, com vistas a abastecer o mercado europeu.

Todavia, esse quadro muito mais voltado para questões de caráter econômico

tem como suporte a exploração da mão-de-obra indígena e da mão-de-obra africana,

ambas asseguradas por estratégias parcialmente diferenciadas. Essa diferenciação se

deve ao fato de o neoportuguês haver compreendido sobre como deveria proceder em

relação aos nativos da nova terra, devido a com ele conviver e ter de sobreviver. É

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nesse sentido que se buscará diferenciar estratégias referentes ao escambo daquelas

referentes à escravidão africana, propriamente dita, ainda que ambas possam ser

qualificadas como exploração; entretanto, por meio do escambo, o nativo participa das

leis de troca de bens materiais, já o africano nada troca em termos de bens materiais.

Por conseguinte, as trocas com os africanos estão mais circunscritas àquelas relativas

às matizes da cultura negra. Esses matizes sobrevivem, por um lado como substrato

“do vocabulário do idioma brasileiro” e, por outro lado, são assegurados no

caldeamento do processo de miscigenação e no sincretismo religioso do povo

brasileiro. (RIBEIRO, 2002 e BUENO, 1998).

1.3.7.1 O escambo e a exploração do pau-brasil

No período que se estende de 1500 a 1530, a economia na nova colônia

centrou-se na exploração do pau-brasil: madeira avermelhada, conhecida desde a

Idade Média, da qual se extraía o corante para tecidos e móveis. Segundo Bueno

(1998), o pau-brasil era uma árvore da mata atlântica que se estendia do Rio Grande

do Norte até o Rio de Janeiro e, já nos primeiros anos do século XVI, após a chegada

de Cabral, franceses e portugueses utilizavam a mão-de-obra indígena para a

exploração comercial dessa madeira. Os nativos trocavam com eles o pau-brasil e

algumas especiarias por mercadorias que o colonizador trazia consigo.

Observam alguns historiadores que os europeus não impunham aos indígenas

quaisquer obrigações, ou seja, quaisquer limites à liberdade dos nativos, pois

retribuíam o trabalho da derrubada e carregamento dessas árvores para as

embarcações com objetos de pouco valor, mas desejados pelos indígenas. Entretanto,

nesse tempo, muitos deles eram aprisionados e levados como escravos para a Europa,

o que reitera a opção do português pelo escravismo sem qualquer preocupação em

compreender o modo de vida diferenciado entre povos de culturas diferentes.

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Na época do descobrimento, segundo Bueno (1998), havia exemplares

extraordinários de ibirapitanga – ïmbira: aquela que tem fibra + pï’tanga, isto é, o

vermelho da cor do cobre. Esses exemplares, de até 30 metros de altura, já eram

usados pelos índios para construir arcos e para uso medicinal. Ressalta-se que do

tronco revestido por casca tanífera os indígenas dele já sabiam extrair tinta

avermelhada de que faziam uso para colorir as penas brancas das aves para enfeitar

seus corpos com cocares, braçadeiras e tangas. Observa-se que ibirapitanga não era a

única designação empregada para nomear o pau-brasil no continente; logo arabutã,

arubatã, ibirapiranga, ibirapitá, ibirapitanga, ibirapuitá, imbirapatanga, muirapiranga,

murapiranga eram parassinômos na língua dos nativos, todavia, para os portugueses,

elas são chamadas de “pau-de-tinta”, no século XVI. (RIBEIRO, 2002; VAINFAS, 2000

e HOUAISS, 2001).

As toras de pau-brasil, embarcadas para Lisboa, eram reembarcadas para

Amsterdã, onde eram reduzidas a pó, o qual era usado para tingir os tecidos. Esse pó

era vendido na França e na Itália. A tarefa de cortar e raspar a madeira até se

transformar em pó era dos prisioneiros holandeses, de modo que essa indústria era

monopólio dos holandeses. Um quintal de pau-brasil (60 kg) era vendido em Lisboa, por

cerca de 2,5 ducados. Para Fernando de Noronha — o primeiro nobre a fazer um

contrato com o Rei D. Manuel, para a exploração do pau-brasil — esse era um negócio

rentável, especialmente porque o rei comprometeu-se a proibir a importação do pau-

brasil do Oriente, garantindo ao consórcio o monopólio do trato do pau-de-tinta.

Ressalta-se que a extração dessa madeira estava baseada no estanco: um

monopólio real, de modo que o direito de explorá-la era concedido pelo rei; todavia, a

exploração era feita por conta e risco do donatário. Assim, embora a Coroa não

investisse nenhum recurso nesse processo de exploração, dele recebia uma parcela

dos lucros. Tal exploração por ter sido feita de forma predatória esgotou-se

rapidamente, pois não houve a preocupação em replantar sequer uma dessas árvores.

Essa relação de trabalho era designada por escambo: uma modalidade de troca de

serviços prestados, instituída no século XIII, sem o uso de moedas.

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Afirmam os historiadores que o uso da estratégia do escambo é decorrente do

primeiro contato entre portugueses e indígenas; pois, quando os primeiros chegaram à

praia para encher os tonéis com água fresca, os tupiniquins, prontamente auxiliaram

Coelho Dias nessa tarefa. Em retribuição à ajuda foram ofertados guizos e miçangas

aos nativos que demonstraram grande alegria e felicidade com os presentes. Naquele

momento os portugueses descobriam como converter o interesse dos nativos aos seus.

(BUENO, 1998).

No início desse processo exploratório, os nativos aceitavam como troca

espelhos, quizos, contas; contudo, ao observarem a derrubada das árvores com

machados de ferro pelos portugueses e compararem àqueles de pedra que usavam,

entenderam que a tarefa exigiria deles menos esforço se tivessem o mesmo tipo de

machado. Passam, assim, a exigir aquele machado como moeda de troca. À medida

que observavam a função de outros instrumentos usados pelos portugueses, como as

facas, as foices, as navalhas, os anzóis, os panelões, as tesouras, e comparavam

àqueles por eles usados, incluíam-nos como moeda de troca. Esse procedimento

facultou às comunidades nativas saírem da Idade da Pedra e entrarem na Idade do

Ferro, num piscar de olhos.

1.3.7.2 Estratégias de resgate

No período de colonização propriamente dita, quando o cultivo da lavoura de

subsistência nas capitanias e povoados passou a fazer uso da mão-de-obra indígena, o

colono trocava, com os indígenas, porções de milho e farinha por mão-de-obra escrava.

A princípio, os indígenas trocavam com os colonos seus prisioneiros de guerra: índios

de tribos rivais, o que acabou incentivando as guerras entre tribos para, cada vez mais,

trocar os inimigos com os colonos. Essa estratégia, designada “resgate”, se prolonga

até o ano de 1570 aproximadamente quando a firme oposição dos jesuítas leva a coroa

Portuguesa a proibir a escravização dos silvícolas e aceitar a posição assumida pela

Igreja para que eles fossem catequizados e não escravizados. Contudo, no conjunto

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das leis, era possível aos colonos romper com esta proibição da coroa, além do que o

indígena fazia-se um “trabalhador ideal”, na medida em que ele transportava cargas e

pessoas por terra e por água, visto ser conhecedor dos caminhos da floresta. O

indígena também colaborava nas atividades da pesca e da caça contribuindo para

enriquecer e variar a alimentação do colono. (VAINFAS, 2000).

Embora as estratégias de resgate se estendam por todo século XVI, essas

dificuldades acrescidas dos ataques que as tribos indígenas faziam aos colonos para

libertar seus guerreiros ou dos contra-ataques dos colonos feitos a essas tribos, os

neoportugueses encontram na mão-de-obra africana a solução para tais problemas. O

escravo negro não se negava a trabalhar no ritmo exigido pelos colonos e à medida

que o tráfico de escravos é intensificado os colonos passam a ser pressionados pelos

traficantes com o objetivo de aumentar o lucro pela venda de tal mercadoria. A Igreja,

por sua vez, não impõe nenhuma restrição à escravidão do negro, interpretando-a

como necessária para que eles pudessem purgar seus pecados e, assim, converter-se

ao reino de Deus. Essa posição da Igreja é justificada pelo fato de muitos grupos

africanos haverem se convertido à religião mulçumana, de modo que, deslocados para

as terras da América, ali poderiam ser também catequizados. Nesse sentido, durante o

século XVI, não é possível afirmar que a escravidão negra superou a indígena, pois

esse índice só pode ser constatado no século XVII. Por conseguinte, se os indígenas

mesmo defendidos pela Igreja são transformados em escravos, os africanos são

abandonados à sua própria sorte; mas aqueles colonos que não eram grandes

proprietários das terras e não podiam arcar com a compra do escravo negro

continuaram a adquirir o escravo indígena como força de trabalho, pois o valor do

segundo era cinco vezes menor que o primeiro. Essa cultura de escravização do

indígena é a razão dos conflitos entre os neoportugueses e os jesuítas. (RIBEIRO,

2002).

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1.3.7.3 A escravidão e as lavouras da terra

A implantação da lavoura da cana-de-açúcar no início do século XVI, bem como

a moagem, fervura, o processo de purgação para converter a cana-de-açúcar em

rapadura, no início é sustentada pela escravidão indígena e gradativamente substituída

pela escravidão africana. Essa substituição vai garantindo aos indígenas o

desenvolvimento de suas habilidades de trabalhos manuais ou artesanais, de maneira

que durante a catequese eles vão se mostrando ótimos tipógrafos, artistas plásticos e

músicos, mas jamais cultivadores das terras para produção de excedentes para bens

de consumo como queriam os neoportugueses.

Para Ribeiro (2002) essa dificuldade de conversão decorria do fato de os nativos

não terem incorporado à sua visão de mundo a concepção de produção excedente do

plantio e, assim, para eles esse tipo de produção comercial, do cultivado pela terra

jamais poderia funcionar como moeda de troca. Produziam apenas para o sustento do

seu povo, de forma que as colheitas não ultrapassassem as necessidades de

consumo. Adaptar-se à visão de mundo capitalista do europeu exigia deles mudança

de posição no mundo da vida, pois a terra deveria ofertar o alimento para sustentar

apenas à fome da aldeia. A cada colheita comemorava-se, tal procedimento visava a

louvar os frutos da terra como fonte de prazer do homem bem alimentado, festejava-se

a colheita e a continuidade da vida.

A escravidão dos nativos trouxe como conseqüência a destruição das bases da

vida social, a negação de todos os seus valores, o despojo, a bravura, a vontade de

beleza, a criatividade, a solidariedade, de sua língua e de seus xamãs. O paraíso

agonizava, quem podia fugia, sem saber que já estava contaminado e levava doenças

a povoados mais distantes – dizimando-os. Apesar de seus conhecimentos medicinais

da flora, os quais foram usados por muitos europeus para se curarem, eles não sabiam

como combater os males trazidos pelos estrangeiros, nem mesmo como combater a

ganância dos estranhos e a de seu povo. Durante os dois primeiros séculos de

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colonização, as guerras, as expedições para captura de indígenas como escravos, as

epidemias e a fome dizimaram os Tupi-Guarani. Em 1562, houve uma epidemia e em

três meses morreram 30 mil índios na Baía de Todos os Santos. No ano seguinte, a

varíola matou de 10 a 12 índios por dia; em 1564 foi a fome. (RIBEIRO, 2002).

Os primeiros homens negros chegavam da costa ocidental africana e eram

membros das culturas sudanesas, principalmente os grupos Yoruba – chamados nagô,

pelos Dahomey – designados como gegê – e pelos Fanti-Ashanti – conhecidos como

minas -, além de muitos representantes de grupos menores da Gâmbia, Serra Leoa,

Costa da Malagueta e Costa do Marfim. A importação de africanos para o Brasil

também foi bastante significativa no século XVII, XVIII e por fim no início do século XIX

e já era um hábito da Coroa Portuguesa desde o século XV, quando estes já eram

mãos-de-obra em Portugal e ilhas atlânticas. (ELIA, 2003 e RIBEIRO, 2002).

Observam os historiadores que os escravos que aqui chegavam não só

pertenciam a diferentes etnias como também eram membros de formação

socioculturais diferenciadas, pois alguns tinham grande domínio sobre a produção

agropecuária, os artesanatos referentes ao manuseio de metais e, assim, superavam

as técnicas dos portugueses. Aqueles que eram caçadores hábeis foram manipulados

pelos neoportugueses, de modo a se especializarem na captura de prisioneiros e na

venda dos “escravos fujões” aos traficantes.

Faz-se necessário ressaltar ainda que no século XVI, juntamente com os negros,

desembarcavam no Brasil muitos portugueses acompanhados de seus familiares. Os

primeiros que aqui chegaram iam diretamente para a lavoura; os segundos tornavam-se

empregados assalariados nos engenhos de seus conterrâneos. Muitos desses

assalariados se tornaram proprietários de sesmarias, conforme apontado anteriormente,

em função dos serviços prestados aos donos dos engenhos e, por extensão a coroa

Portuguesa.

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Observa-se que esse processo escravocrata, associado ao trabalho assalariado

e à distribuição de terras por meio das capitanias hereditárias e por sesmarias, vai

estabelecendo as matrizes fundadoras da sociedade brasileira. Assim, a implantação

dos primeiros engenhos açucareiros está vinculada aos antigos núcleos extrativistas

que garantiram o abastecimento do mercado mundial e viabilizaram as condições

sócio-econômicas sobre as quais é edificada a sociedade portuguesa: aquela

qualificada pelo escambo e pelo trabalho escravo. Desta feita, com a intensificação da

mão-de-obra escrava, os canaviais passam a prosperar a partir de 1560, na medida em

que os negros e portugueses imigrantes adaptavam-se à Nova Terra e recorriam a

tecnologias adequadas para cultivá-las.

O transporte do produto era garantido pela navegação transoceânica que já

integrava o novo mundo à economia mundial, favorecia o deslocamento dos produtores

de mercadorias de exportação, os importadores e os produtos de mão-de-obra escrava,

bem como os próprios escravos e os produtos do seu trabalho na colônia. Os barcos

que aqui chegavam para o embarque do açúcar, apesar de navegarem com a bandeira

portuguesa, na verdade, eram navios holandeses que faziam o transporte, isso porque,

foram os banqueiros holandeses, na maioria os mesmos judeus que foram expulsos de

Portugal, que financiaram a instalação dos engenhos e o transporte. Detentores do

segredo do refino do açúcar e possuidores de inúmeros entrepostos comerciais

espalhados pela Europa, os holandeses monopolizaram a lucrativa comercialização do

açúcar no continente. (RIBEIRO, 2002).

O funcionamento dos engenhos de açúcar, baseado nos procedimentos

agrícolas bastante complexos, já dependia do uso de produtos químicos;

posteriormente, esse uso será estendido à mineração do ouro e diamante. O gado

introduzido, a princípio, na agricultura de subsistência passa a ser usado como animal

de transporte e de tração. Observa-se que também havia no século XVI à criação de

gado de corte e leiteiro, a criação de porcos e galinhas ensinados aos índios, para

abastecer os núcleos coloniais.

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Nesse contexto, à singela tecnologia de produção de telhas, sapatos, chapéus,

sabão incorpora-se a produção de cachaça. É ainda esta tecnologia que assegura a

construção da roda dos carros de boi, de pontes, as engrenagens de madeira de lei, as

pontes e barcos de navegação nos caudalosos rios brasileiros. São os Bandeirantes

que dela fazem uso para penetrar no interior e fundar novas povoações na mesma

proporção em que iam explorando a terra escravizando os indígenas e recolhendo

pedras preciosas. (RIBEIRO, 2002).

1.4 Considerações finais

A plantação da cultura brasileira pelo plantio do colono português em terras da

nova América teve por ancoragem contratos entre a Igreja e o Estado ou entre o

Estado e a nobreza e também entre o Estado português e outros Estados europeus:

todos eles de caráter mercantil salvacionista para assegurar interesses dessas

instituições sociais e, conforme demonstrado, o alicerce desses contratos foi o sistema

escravocrata.

Distante do reino e do rei, o neoportuguês ao cultivar a nova terra cultiva seu

habitante natural e é por ele cultivado e, na medida em que a habita, coloniza-a e é por

ela colonizado. Desta feita, o português aprende a cultivar idéias do reino distante e as

recontextualiza pelas idéias dos íncolas naturais para garantir os processos de

socialização, regidos tanto por parâmetros de afetividade quanto por parâmetros de

sobrevivência. Aprende a amar, a rejeitar, a aceitar o seu outro, na medida em que com

ele tem de conviver, fazendo uso de inúmeras estratégias. Assim, aprende não ser

possível violar a cultura indígena, sem que esse o índio se rebelasse, razão por que

esse processo de violação do espaço já ocupado pelo indígena tem uma mescla que

vai implicando diferentes estratégias das quais vão resultando mudanças “do modo de

ser” do índio no Brasil. No fluxo do século XVI, o uso dessas estratégias vai facultar ao

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indígena tornar-se artesão, tipógrafo, artista, marceneiro, carpinteiro, oleiro... Mas,

nesse espaço de permissão, o português também se torna caçador, pescador, aprende

a cobrir a sua morada com sapé e, ao mesmo tempo, muda a arquitetura da oca

indígena, pois o mestiço, agora oleiro e pedreiro, aprende a fazer para si casas de pau-

a-pique, substitui a arquitetura ovalada da morada indígena pela retangular do

português.

O português aprende a dormir em redes, a fazer uso do fogo para afastar

animais ferozes que habitavam a floresta que rodeava sua casa e incorpora à sua

alimentação o milho, a farinha de mandioca e a carne de animais exóticos. Também

aprende a se banhar todos os dias e a fazer-se amigo das tribos indígenas e, assim,

conquistar mulheres indígenas para suprir a ausência das que não trouxe consigo de

Portugal.

Trata-se de um amplo processo adaptativo que rompe os limites dos contratos

sociais. Esse processo adaptativo, segundo Ribeiro (2002), também deve ser

considerado quanto ao uso de tecnologias e quanto aos modos de organização da vida

sócio-econômica da colônia no século XVI. Nessa acepção, é preciso considerar que a

implantação dos primeiros engenhos açucareiros está vinculada aos antigos núcleos

extrativistas que, conforme registrado, garantiram o abastecimento do mercado mundial

e viabilizaram as condições sócio-econômicas sobre as quais o Estado Português se

edificava. Essa edificação qualificada pelo escambo e pelo trabalho escravo teve por

garantia a intensificação desse tipo de mão-de-obra nos canaviais cuja prosperidade

tem como marco o ano de 1560, quando os negros e portugueses imigrantes, já

adaptados à nova terra, passaram a recorrer a tecnologias avançadas para cultivá-las.

Segundo Ribeiro (2002), essa adaptação tecnológica é proporcional à

construção do novo português e dos novos nativos, já mestiços e melhor conhecedores

da geografia regional. Observa esse autor que, para compreender o processo de

adaptação e uso de tecnologias da época, é preciso diferenciar duas modalidades de

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engenho: aquele movido a energia hidráulica e o movido por tração animal, fosse ela

circunscrita à força de bois e cavalos propriamente dita ou pela força do escravo negro.

Havia, assim, uma hierarquia entre estes dois tipos de engenho:

a) aqueles movidos à energia hidráulica tinham alta produtividade, de modo a

responderem por quatro mil pães de açúcar a cada colheita, além de moerem a cana

plantada em suas próprias terras e aquela plantada por seus vizinhos. Esses

proprietários tinham em torno de si uma grande variedade de mão-de-obra

especializada: o mestre de açúcar, o purgador, os calafates, os carpinteiros, os

pedreiros, os carreiros, os oleiros, os vaqueiros, os pastores, os pescadores, os

caixeiros, os feitores - bem como um grande número de escravos para os trabalhos

da lavoura e domésticos e instrumentos de trabalho como: enxada, foice, moenda,

arado, pá, picareta...

b) aqueles movidos a tração animal-humana eram desprovidos da maioria desses

recursos, de modo que a sua produtividade era bastante baixa, pois alguns deles

dependiam da tecnologia dos engenhos reais até mesmo para moer a cana. Os

proprietários desses engenhos deixavam de se entusiasmar com a cultura da cana

diante das dificuldades que encontravam não só para derrubar a mata, preparar o

solo para o cultivo da cana e transformá-la em produto manufaturado, de modo que

havia grande rotatividade dos proprietários desse tipo de engenho.

Observa Vainfas (2000) que o engenho de Mem de Sá, fundado após a sua

chegada ao Brasil, estivera por um período em mãos de sua irmã, Condessa de

Linhares, e posteriormente fora transferido aos jesuítas: uma prática bastante comum,

no século XVI, que transformou muitos jesuítas em Senhores de Engenho.

Já na dimensão associativa, segundo Ribeiro (2002), observam-se os modos de

organização da vida social e econômica, devido à substituição da solidariedade

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elementar, fundada no parentesco do mundo tribal, por meio de formas de estruturação

social do mundo capitalista que teve o engenho como marco de sua fundação.

O encontro de um novo mundo com a velha Europa, portanto, não significou para

os europeus apenas a ampliação de suas rotas, mas também o novo processo de

aprendizagem e de ensino, pois eles se viram obrigados a interagir com povos nunca

antes vistos e a se voltarem para a aprendizagem de línguas desses povos nativos,

descobrirem novas espécies animais e vegetais. De esse descobrir e interagir com o

novo mundo, não só ambas as línguas foram enriquecidas, como também os costumes

de cada mundo representados na língua por designações que se remetem a novos

recortes culturais.

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CAPÍTULO 2 AS MATRIZES SÓCIO-HISTÓRICO-CULTURAIS DO SÉCULO XVI: LÍNGUAS EM CONTATO, LÍNGUAS DE CONTATO E EMPRÉSTIMOS

2.1 Considerações iniciais

O século XVI, aos olhos dos estudiosos da Língua Portuguesa, caracteriza-se

pela busca em construir um modelo de socialização fundado na transposição da Língua

Portuguesa das terras d’além mar para as terras dos papagaios: um vasto território

continental, a princípio interpretado como se fora uma ilha, mas designado,

posteriormente, Terra de Santa Cruz. Essa transposição, conforme apontado no

capítulo I, implicará um processo de dialetação ou idiomatização do português arcaico,

bastante complexo, na medida em que ele está inexoravelmente associado a um

projeto político de caráter mercantil-salvacionista ou político-econômico-religioso.

Esse projeto — fundamentado na expansão da fé, dos bons costumes e da moral

segundo a visão religiosa — faz-se sustentáculo de um vasto império religioso e laico

que transplanta para o Brasil usos, costumes e línguas européias; contudo, não

transplanta para a Europa esses mesmos elementos aqui encontrados. Nesse contexto

de transplantação, observa-se que, se não houve a assimilação da língua portuguesa

por grande parte dos nativos, fazia-se necessário encontrar estratégias que

garantissem a criação de um espaço que facultasse a interação entre o povo de lá e os

de cá. Se a eliminação de muitos desses nativos é um acontecimento registrado em

textos oficiais da História do Brasil ou de Antropologia, o afastamento para o interior da

população nativa - à medida que o português embrenhava-se nas matas em busca de

riquezas minerais e de braços escravos - levaria ao deslocamento desses mesmos

nativos para os limites do Rio da Prata. Segundo Porchat (1993), produto desse

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processo de afastamento são as nações do Paraguai e do Uruguai que, hoje, fazem

fronteiras com a nação brasileira e têm os guaranis e os charruas como alicerce

fundador daqueles povos.

Entretanto, ao mesmo tempo, nas costas brasileiras, emerge a chamada “língua

geral”, ou “franca”, cuja matriz seriam as línguas do grupo tupi, dentre tantas outras

faladas no novo território. Essa língua geral será usada, no século XVI, ao lado da

portuguesa e outras do ramo tupi, de modo a se poder qualificar a nova colônia como

um território bilíngüe. Dessa convivência têm-se os empréstimos léxico-gramaticais do

tupi e do africano que responderão pelos alicerces do que se denomina dimensão

adstrata do português brasileiro. Tais empréstimos são configurados morfologicamente

e sintático-semanticamente pelo sistema lingüístico do português e, assim,

(...) No século XVII (...) o transplante lingüístico já estava inteiramente realizado, penetrando brasileiros e português, no século XIX, falando a mesma língua, mas já com duas vertentes nacionais (...), pois todo sistema admite variações regionais e nacionais (AZEVEDO FILHO, in LIMA SOBRINHO, 2000, p. 10).

Ressalta-se que, desse processo de dialetação ou idiomatização, também

participam, no século XVI, os negros em suas condições de escravos; logo, forçados a

aprenderem à língua de seus donos, ao mesmo tempo em que contribuíam com a

renovação das matrizes do português, em terras do Brasil, isto é, com o seu “outro”

adstrato. Por conseguinte, a sociedade colonial brasileira do século XVI, encontra-se

em fase de edificação e, com ela, vive-se o esforço de construção de uma língua de

comunicação, entre tantas outras em contato.

A bibliografia pesquisada possibilita compreender que a imposição da Língua

Portuguesa sobre as demais decorrerá, mais marcadamente, de um modelo de política

centralizadora assumido por Portugal no século XVIII e, implantado no Brasil pelo

marquês de Pombal. Produto dessa ação política, que visava a um maior controle

sobre o território pelo Estado Português, foi a expulsão dos Jesuítas e,

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conseqüentemente, a reforma do sistema de ensino, até então sob a coordenação e o

poder de várias ordens religiosas. Segundo Orlandi (2001), esta intervenção do Estado

Português se explica em função dos seguintes fatos: a) Frei Vicente de Salvador haver

registrado, já no século XVI, que as línguas nativas brasileiras eram muito mais ricas

do que a portuguesa, em termos de vocabulário; b) o padre José de Anchieta haver

criado um dicionário e uma gramática para planificá-las e, assim, delas se valer para o

ensino oficial da língua geral na colônia, o que fazia do português uma segunda língua;

c) a produção de dicionário e gramática atribuía à língua geral o mesmo status de

língua oficial, podendo ser ensinada e aprendida por todos; d) os monges-guerreiros

que vieram para o Brasil até o ano de 1752, se ocuparem da aprendizagem da língua

geral.

Portugal trazia, em sua memória histórica, experiências vividas durante o

processo de romanização fundado na implantação do latim como língua oficial na

Península. Aprendera que os grandes impérios se construíam nos alicerces de uma

única língua oficial e, nesse sentido, no século XVI, para se sobrepor ao bilingüismo, a

lexicalização e a gramaticalização da língua geral passou a concorrer com o português

na sua condição de língua oficial. Entretanto, o século XVI, conforme apontado, marca-

se pelo confronto de memórias históricas, cujos sentidos são antagônicos e, por

conseguinte, o modelo de contexto situacional se qualifica por um alto grau de

assimetria, em relação à interação. Essa assimetria é observada pelo afastamento de

línguas localizadas na costa do território para o interior, ao mesmo tempo, em que se

busca construir uma modalidade de uso capaz de assegurar maior grau de semelhança

entre memórias históricas distintas.

O fato de os portugueses terem melhores condições políticas e jurídicas para se

imporem e se legitimarem, por meio da língua e de outras forças institucionais, é

bastante significativo, conforme já apontado no capítulo 1. Ressalta-se também, os

procedimentos já assumidos pelos náufragos, degredados e marinheiros que aqui

chegaram e, obrigados a aqui permanecerem, viram-se forçados a construir um espaço

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de convivência com os nativos para assegurar a própria sobrevivência. A

sistematização desse espaço, um trabalho a várias mãos, caberá aos jesuítas, que

transformarão o produto dessas línguas em contato num primeiro modelo de descrição

desse modo de falar: a língua geral. Têm-se, assim, duas forças atuando,

concomitantemente, nesse novo espaço lingüístico: uma desagregadora; outra

agregadora. (LIMA SOBRINHO, 2000).

2.2 O processo de idiomatização ou dialetação do português em terras de Portugal: retrospectiva

Faz-se necessário observar que, embora o termo idioma seja empregado para

fazer referência a uma unidade lingüística nacional, de forma a tornar a língua como

qualificativo dos Estados Nacionais, a construção dos idiomas e da unidade lingüística

é um processo lento que se estende na linha do tempo. Assim, embora o sistema

lingüístico do português se mantenha articulado e uno durante todo o período de

extensão do reino português para d’além mar, segundo Gladstone (1974) é preciso

considerar que em cada região conquistada ele foi sendo dialetizado ou idiomatizado,

de modo diferente, em razão do contato que foi estabelecido nessas novas regiões

com outras línguas, outras memórias, outras histórias. É nessa acepção que se

emprega o termo idiomatização nesta Dissertação, para compreender como se deu a

formação do idioma português brasileiro que garantiria, no século XIX, a formação do

Brasil - Estado, cujo alicerce foi o Brasil Colônia. Lima Sobrinho (2000) designa a esse

processo por dialetação. Por conseguinte, está se compreendendo o idioma para além

dos limites da língua padrão: uma variante de prestígio isenta de regionalismos,

ensinada na escola, ou seja, como padrão ideal.

Entende-se, desta forma, que a construção dessa variante resulta de uma

complexidade de elementos de caráter sócio-político-econômico e cultural e, segundo

Celso Cunha (1964) ela funciona ideologicamente para impedir o uso de recursos

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expressivos de que os usuários se servem em suas práticas lingüísticas coloquiais.

Nesse sentido, tem-se por propósito verificar, no século XVI, questões de formação ou

de modelo da língua como patrimônio histórico-social do povo português e,

posteriormente, do brasileiro.

O bilingüismo faz parte da história de Portugal e de outras nações européias,

tanto quanto do Brasil, pois a fundação e o fundamento dos idiomas são as línguas de

contato. Nessa acepção, estudos referentes à ocupação da Península Ibérica apontam

ter sido aquele território ocupado, desde a pré-história, por homens que falavam

diversas línguas. Arqueólogos, etnógrafos e lingüistas, por meio da pesquisa de campo,

afirmam ser esta Península bilíngüe e, entre seus habitantes estariam os fenícios, os

cartagineses, os gregos, os germanos, os árabes e os romanos, mesmo antes do

processo de romanização, cujo marco inicial é o século II a.C e, posteriormente, a

invasão pelos árabes.

Para Silveira Bueno (1955), a idiomatização do que viria a ser a área lingüística

circunscrita ao falar designado por galego-português, no século II a.C, já estaria

delimitada, de modo que o processo de romanização se faria de maneira mais rápida e

completa na região sul do que naquela ao norte da Península. Os gallaeci, em

particular, que habitavam a zona mais setentrional, se comparados aos outros povos,

conservaram por mais tempo elementos da sua própria cultura. No final do século XI e

início do século XII, a região entra na esfera de influência da Abadia de Cluny, sob o

patrocínio de Afonso VI, que mantinha estreitas relações com o ducado de Borgonha:

um senhor feudal vassalo do rei de França, conforme já apontado no capítulo 1.

A reconquista da Península, invadida pelos árabes em 711, é gradual e conta

com a colaboração de povos da Europa. Assim, por exemplo, Lisboa é reconquistada

em 1147 com a ajuda de cruzados alemães, franceses, ingleses e flamengos e, só no

século XIV, as terras do sul são incorporadas ao reino português. Entretanto, a língua

era o galego-português que vinha do século VIII e os primeiros documentos

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inteiramente em língua vulgar datam do século XIII. No século XII, contudo, pode-se

encontrar registros de documentos em galego-português, como comprova o fragmento

referente a “Legislação antiga do Foral da Guarda”:

(...) Aquel que casa fezer ou uinha ou sa herdade onrrar e per I ano em

ella seuer, se depoys en outra terra morar quiser, seru [i] a a el toda sa herdade u quer que morar. E, se as quiser uender, uenda a quem quiser per foro de uossa cidade. ... Homëes da Guarda non pagen pen[h]ora polho(1) sem[h]or da Guarda, nõ por meyïlho, në seyã pennorados seno por seu uizïo. (Nunes, 1970, p. 3).

Observa-se que o uso da “língua vulgar”, já diferenciada do galego, é oficializado

por uma imposição do rei D. Dinis que tornou o seu uso obrigatório nos registros

oficiais, para poder elegê-la à condição de língua nacional, de modo que ela fosse o

alicerce de um novo estado de realeza. Assim procedendo, D. Dinis se faz o primeiro

planificador de uma política lingüística, em terras de Portugal, para diferenciar aquele

seu reino do espanhol, criando entre eles uma fronteira lingüística. Esse rei colocava

em prática a mesma estratégia política do modelo fundador dos grandes impérios, cujo

maior suporte é a unidade lingüística. Designado Rei Trovador, D. Dinis passa a fazer

uso da língua vulgar para registrá-la em trovas, nas quais inscrevia sentimentos,

amores, conflitos vivenciados pelos seus súditos ou nobres. (SILVEIRA BUENO, 1955

e MONGELLI, 1995).

Destaca-se que, por volta de 1350, as cantigas em galelo-português são

bastante raras, de modo que, na medida em que o eixo do poder político-cultural vai

sendo deslocado para o sul e a língua vulgar vai se firmando como língua oficial, o reino

vai se tornando cada vez mais independente. Assim, a fronteira entre o galelo-

português e a língua vulgar é de ordem política, isto é, o estabelecimento de uma

norma padrão, o que garante a Lisboa se tornar a capital do novo reino.

A sedimentação do falar lisboeta, como língua oficial ou norma padrão, é

garantida pela implantação de instituições de caráter religioso ou laico, que passam a

desempenhar papel fundamental no ensino formal da escrita dessa modalidade de uso

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da língua vulgar. Dentre tais instituições estão os mosteiros de Alcobaça e Santa Cruz

em Coimbra e, a Universidade criada entre 1288 ou 1290, por D. Dinis, em Lisboa, mas

posteriormente deslocada para Coimbra. (LIMA SOBRINHO, 2000)

.

Apesar de a fronteira entre as línguas galego-portuguesa e a vulgar ser de

caráter eminentemente político, ambas carregam contribuições dos povos que

passaram ou permaneceram na Península Ibérica e, assim sendo, se inscrevem no

idioma ascendente, ou seja, o português arcaico que viria a ser planificado por meio da

construção de um dicionário e de uma gramática para poder ser ensinada oficialmente.

Essa língua planificada será empregada no Brasil, apenas nos documentos oficiais,

durante o século XVI e os subseqüentes.

2.2.1 Lexicalização e gramaticalização da língua portuguesa

Os estudos referentes ao aportuguesamento ou idiomatização da língua latina,

na Península Ibérica, estendem-se ao longo dos séculos XIV e XV; mas somente no

século XVI são sistematizados por meio de descrições léxico-gramaticais. Observa-se

que este processo exigiu que os estudiosos se voltassem para as origens das palavras

constitutivas do vocabulário do português arcaico, de modo a assegurarem suas

matrizes fundadoras, quais sejam: o grego, o latim, o celta, o árabe e o germano. Desta

feita, localizam em vários mosteiros ou abadias glossários para favorecer a

compreensão de textos arcaicos, bem como tratados e listas de vocábulos organizados

por temas ou assuntos relevantes para a época, registrados, quer em grego ou em

latim, sob a forma de rolos de papiros ou pergaminhos. Na verdade, esses documentos

compreendiam tratados de agricultura, de engenharia, de medicina, de caráter militar

ou jurídico, entre outros; razão pela qual são designados de enciclopédias. Tais

registros apontavam para variações do uso escrito dessas formas vocabulares, se

comparados àquelas da língua original, ou seja, o latim clássico. Tais variações de

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significado e/ou de sentidos foram sedimentados pelo povo por meio do uso efetivo da

língua que falava. (VERDELHO, 1995 e BASSETO, 2000).

Esses tratados de caráter enciclopédico datam do período em que o Império

Romano não só invadiu a Grécia, mas também reformou pela cultura grega os

parâmetros da cultura latina. Segundo Basseto (2000), os imperadores, cônsules,

censores e questores procuravam conquistar a simpatia junto ao povo subjugado,

realizando obras públicas que beneficiariam a todos como: estradas pavimentadas e

com serviços constantes de manutenção, tanto que existem até hoje trechos delas,

mas todas convergiam para Roma. A água, desde a sua captação até a sua

armazenagem, chegava a seus usuários por meio de canais, pontes, sifões invertidos,

e distribuída através de reservatórios para fontes públicas, termas, banhos, saunas e

consumidores particulares. Mas, não se cobrava nenhuma taxa por esse serviço

público, cabendo à província cuidar da manutenção desse sistema. Assim, a

construção desses aquedutos além de mudar a arquitetura peninsular, contribuiu para

a implantação do saneamento básico na Península. Acrescenta-se a essas obras, a

construção de teatros, edifícios públicos, basílicas, monumentos e bibliotecas nas

cidades maiores; porém, as escolas públicas eram poucas e apenas para a elite.

Também havia o serviço de padaria pública, ou seja, levava-se o pão para assar nos

fornos públicos, consoante esse mesmo hábito existente até hoje em muitos países

árabes. (SOUTO MAIOR, 1972).

Os romanos, assim procedendo, conquistavam o povo vencido pelos serviços e

melhoria de sua qualidade de vida e, como contrapartida, os grupos que partilhavam o

poder na Península, de certa forma, com os romanos, esforçavam-se para aprender a

língua latina. Esse esforço decorria de dois propósitos: manter o prestígio de que

gozavam antes da invasão e se mostrarem agradecidos pelo trabalho realizado. A

cidadania romana era concedida como honra àqueles que se romanizavam, em todos

os aspectos, principalmente quanto ao uso da língua latina, na esfera pública,

lembrando que, raramente, era uma cidadania plena. O latim vulgar era usado pela

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administração das províncias, no comércio, na indústria. Seus emissários, em sua

maioria comerciantes, percorriam todo o Império e colaboraram com a latinização,

difundindo a língua além dos limites do próprio Império romano. Embora esses

emissários utilizassem uma terminologia própria e técnica, quando no âmbito comercial,

normalmente usavam o latim vulgar; mas, mesmo assim, permeado de alguns desses

termos técnicos da época, contribuindo para a vulgarização dos mesmos. (BASSETO,

2000).

Esses contatos entre as línguas faladas na Península e o latim vulgar

implicavam empréstimos de formas vocabulares para designar os “novos objetos” ou

“construções”, por meio das quais os romanos alteravam o espaço habitado por esses

povos. Ao mesmo tempo, o uso de terminologias deslocava-se para o uso popular,

resultando numa vulgarização dos conceitos de termos empregados pelos especialistas

ou técnicos da época. Pode-se compreender, portanto, que esses glossários e esses

vocabulários já eram produtos de processos de novas lexicalizações, ou seja, de novos

sentidos que foram sendo cristalizados por novos usos, no fluxo do tempo, que se

estendem desde a invasão da Grécia até a invasão da Península Ibérica. Nessa

acepção a leitura compreensiva desses textos se distanciava dos usos e processos de

compreensão moderna, razão pela qual tais enciclopédias e glossários eram de grande

valia para se compreender tais textos. Dessa forma, os estudiosos dos mosteiros e

abadias buscaram, por um lado copiar tais documentos e, por outro, registrar os

sentidos mais freqüentes com que eram empregados, em seus tempos, por meio de

definições para facultar leituras desses textos clássicos. (VERDELHO, 1995 e

BASSETO, 2000).

Entre os séculos XV e XVI, observa-se um esforço para relatinizar o português

arcaico, de modo a convertê-lo em idioma nacional. Desse esforço emerge a primeira

Gramática da Língua Portuguesa de Fernão de Oliveira (1536), com vistas a definir

normas para a pronúncia da língua portuguesa e alguns aspectos relevantes da sua

ortografia. Paralela à construção dessa gramática, encontram-se as primeiras

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tentativas para a elaboração de um dicionário, de modo a institucionalizar os sentidos

de alta freqüência do vocabulário que formava a base significativa do novo idioma. Tal

dicionário produzido por Jerônimo Cardoso, em 1562, garantiria a institucionalização

dos processos de lexicalização e gramaticalização das formas lexicais, necessários

para a conversão do português arcaico, em língua de cultura, constitutiva da unidade

nacional.

Observa-se que os processos de gramaticalização da língua portuguesa, no

século XVI, estão registrados nas gramáticas de Fernão de Oliveira e João de Barros e,

segundo Fávero (1996), na visão dos ortografos Pero de Magalhães Gandavo e Duarte

Nunes de leão, o objetivo desses lingüistas era expressar o sentimento patriótico da

língua portuguesa, principalmente, diante da castelhana. Nesse sentido no século XVI

vive-se a preocupação em estabelecer semelhanças entre a gramática portuguesa e a

latina, em razão do prestígio do latim como língua de cultura. Esse sentido de

superioridade da língua portuguesa e o esforço para diferenciá-la da castelhana

explica-se pelo esforço de criação de normas ortográficas, bem como estudos lexicais

de que resultou a produção de glossários e dicionários.

Para Buescu (1983) é preciso considerar que a gramática de Fernão de Oliveira

é obra de um fonólogo, de um ortografo e de um lexicógrafo, visto que nela há apenas

um capítulo dedicado à morfologia e à sintaxe; o capítulo quarenta e nove. Mas para

Fávero (1996) em verdade, é um mau lexicógrafo, pois suas explicações etimológicas

sobre o conteúdo e a origem das formas lexicais são não só incorretas como ingênuas.

Nesse sentido, afirma Buescu (1983, p. 15) “um compêndio gramatical sistemático e

segue o esquema tradicional transmitido pelos gramáticos latinos (...) um conjunto de

curiosas e judiciosas reflexões, de tipo ensaístico; (...) uma miscelânea lingüística e

cultural.”

As pesquisadoras já citadas, principalmente Buescu (1983), apontam ter sido

João de Barros o primeiro estudioso da língua portuguesa a elaborar uma gramática,

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propriamente dito, da língua falada pelos homens doutos e a ser ensinada aos homens

de outros continentes e aos alunos das escolas secundárias. É nesse sentido que sua

gramática descreve a língua portuguesa pelas categorias da gramática latina, de modo

a ter sido o primeiro a colocar nessa “linguagem em arte”. Os estudos lexicais na obra

de Barros são descritos pelo foco da morfologia, atribuindo relevo ao latim como fonte

da base vocabular da língua portuguesa.

O primeiro lexicógrafo português, a se ocupar dos registros dos processos de

lexicalização foi Jerônimo Cardoso. Ao fixar pela primeira vez uma nomenclatura

vernácula, poderia ter acompanhado os modelos latinos, como faria André de Resende

e outros estudiosos do Renascimento; porém, preferiu dicionarizar o português normal

de seu tempo. Nesse sentido e contrário à preocupação dos puristas, propõe uma

ortografia simplificada, próxima da transcrição fonética, até o ponto de recusar a

utilização do “h” na ordenação alfabética. Do mesmo modo o significado do conteúdo

do vocabulário por ele descrito é simples e facilmente compreensível. Na verdade a

fixação lexicográfica do português feita por Cardoso, em repetidas edições, constitui

um contributo marcante para a codificação da memória ortográfica e lexical do

português arcaico e manifesta uma escassa receptividade à inovação latinizante. Os

demais dicionaristas portugueses, até o século XVIII, consideram-se, sobretudo,

dicionaristas do latim e, como tal, as entradas de seus dicionários para registrar a

nomenclatura portuguesa se qualifica por um grande caudal dos neologismos latinos,

que já eram intensamente empregados na escrita vernácula erudita, desde meados do

século XVI. O dicionário de Jerônimo Cardoso é o primeiro, na Europa, a ser

organizado em ordem alfabética. (VERDELHO, 1995).

Os dados acima possibilitam considerar que a oficialização da língua vulgar,

construída por um processo de dialetação do galego-português, nos seus primórdios,

tem como marco a própria formação do reino português e decorrem três em situações

sociais das quais emergem, a princípio, o bilingüismo:

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a) da formação de núcleos migratórios que praticam língua diferente daquela do

país que os acolheu;

b) das populações conquistadas por invasões de línguas diversas daquela do

povo vencido;

c) das populações de fronteira (s).

Essas situações, vivenciadas na Península, são qualificadoras do estado de

bilingüismo; contudo, ocorreram em tempos diferentes de sua história. Todavia, a

conversão desse estado bilíngüe em monolíngüe implicará a criação de um novo

modelo de formação sócio-cultural-ideológico. Tal modelo é assegurado pela edificação

dos chamados Estados Modernos, cujo suporte é a oficialização de uma modalidade de

uso como língua de prestígio social. Esse processo de oficialização tem como

sustentáculo a produção de dicionários e de gramáticas para normalizar a escrita do

uso escolhido, além de instituições de caráter educacional, conforme já apontado.

Assim, o português arcaico é produto de inúmeras invasões e o seu vocabulário,

de inúmeros empréstimos. Turazza (2005) afirma não se poder considerar os

empréstimos lingüísticos como criações de unidades lexicais, mas como adoções que

se integram ao vocabulário dos falantes de uma dada língua, a partir do momento em

que são integrados ao seu sistema. Assim, muito embora os etnologistas se ocupem

em registrar a origem estrangeira de tais vocábulos, é preciso considerar que o grau de

estranhamento desaparece à medida que o uso desses vocábulos é intensificado e se

estende à grande parte, se não à totalidade, de seus falantes. Assim, sendo, o

vocabulário do português oficial se qualifica por esse processo de adoções, cujas

matrizes não desaparecem, apesar da força dos processos de invasão e sobreposição

de uma língua às outras, por meio de imposições de caráter sócio-político-cultural-

ideológico. Essas matrizes são estudadas pela sociolingüística que as explicam, quanto

ao estudo do vocabulário, por três perspectivas: substrato, superstrato e o adstrato.

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2.2.2.1 Substrato

A romanização da Península Ibérica fez com que o latim se sobrepusesse às

línguas já existentes na Lusitânia somadas a influência celta: elemento de maior valor

matricial para a construção da estrutura do sistema lingüístico do português,

propriamente dito. Apesar de a língua latina ser a de maior prestígio cultural, a língua

do povo vencido não desaparece de todo, pois sempre deixa marcas de seus hábitos

na língua do povo vencedor. Esse tipo de interferência costuma ser denominado por

“influências de substrato”. Tal denominação foi cunhada por Graziadio Isaia e, logo

adotada por Albert Scheicher e Matteo Bártoli. (CÂMARA JR. , apud ELIA, 1974).

A ação do substrato depende de causas sociais, políticas, históricas e até

estilísticas, de forma a garantir as tendências populares como a busca pela

simplicidade, compreendida muitas vezes como descuido, e a busca de aprimoramento

por grupos de maior grau de instrução. Desse modo, até que um conjunto desses

fatores favoráveis permita o afloramento e a expansão definitiva das mutações

resultantes, a força de substrato pode ficar latente por séculos, durante os quais se tem

a duplicidade de formas coexistentes. É nesse sentido que se considera o vocabulário

dos celtas como substrato do português que resiste ao tempo, muito embora ele

permaneça até os dias atuais nos símbolos do Estado português. Exemplo desse

simbolismo é o Galo de Barcelos, que representa a fertilidade do campo e a identidade

portuguesa – que deslocado para a cultura religiosa dá origem ao vocábulo “Missa do

Galo”. No campo vocabular tal influência também se inscreve nos topônimos, como

Coninbriga > Coimbra; Brigantium > Bragança; Ebora > Évora; Lisbona > Lisboa,

Brácara > Braga, Durtus > Douro, Limia > Lima. Como exemplo de um novo processo

de lexicalização tem-se o vocábulo “briga” que significava fortaleza; o vocábulo “sego”

que significava vitória; “dunum” de que originou Douro de cuja base vocabular tem-se a

criação de “aldeia” e “bona” (segundo elemento de Lisboa) que significava cidade,

povoação. (SILVEIRA BUENO, 1955 e ALVES DOS SANTOS, 2005, p. 48).

No vocabulário geral, a contribuição celta é bastante considerável, como se observa

nos seguintes exemplos: camisia > camisa, salmo > salmão, leuca > légua, carrus >

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carro, carpentarius > carpinteiro, mantica > manteiga, cattus > gato, caminum >

caminho, taratru > trado, lancea > lança, vassalus > vassalo, caballus > cavalo. (cf.

Silveira Bueno, 1955). Logo o celta sobrevive no idioma português brasileiro, aliás, o

próprio termo “Brasil” é de origem celta; todavia ele deixou de ter, incorporado aos seus

significados, o sema “vermelho”. As cores simbólicas do Brasil, o amarelo, o azul, o

verde, e o branco apagaram o significado “vermelho” dessa sua base vocabular. Nesse

sentido, o celta instituiu-se como substrato do vocabulário do idioma português

transposto da Europa para a América. De acordo com Silveira Bueno (1955), muitos

vocábulos celtas entraram na língua portuguesa através do latim que os recebeu e os

acomodou à sua fonética. Por isto evoluíram foneticamente como os genuinamente

latinos.

2.2.2.2 Superstrato

O termo superstrato foi criado por meio de um modelo de estudos já existentes

sobre o substrato, proposto por Walther von Wartburg para designar os vestígios e as

influências de um povo dominador, no idioma do dominado. Assim, como exemplo de

povo invasor, tem-se os godos que falavam a língua germânica, porém, conheciam o

latim vulgar, de modo que, ao invadir a Península Ibérica, utilizarão a língua do povo

dominado.

Aqui os fatores determinantes para a sobrevivência da língua remanescente são

o maior prestígio cultural, o grau de desenvolvimento tecnológico e lingüístico. Na

Península Ibérica, o superstrato visigodo não é encontrado em grande quantidade de

formas vocabulares, apesar de um domínio de dois séculos e meio. Essa reduzida

influência se explica pelo fato dos visigodos terem-se romanizado durante suas

andanças pela România, antes de se fixarem na Ibéria. Deixaram de falar a língua

gótica no século VII, por isso, os vários empréstimos são comuns nas duas regiões.

Exemplo: gótico stakka > estaca, além de muitos derivados. Exemplos: gótico wida

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“condutor de estranhos” > “guia”, gótico gasalva (companheiro) “agasalhar” (acolher de

modo amigável).

Na Península Ibérica, poucos são os empréstimos indiscutivelmente visigodos,

por exemplo: gansus > “ganso”; hagva que, modificado para hegen, em alemão, >

“protetor” e, modificado em português para “aio”; lofa > “luva”; spehon, em alemão >

observar atentamente que, em português significa “espiar”. Sabe-se que o /w/ inicial em

germano passa a /gu/ nas línguas românicas, assim, por exemplo, windan, em

português significa “guindar”. (BASSETO, 2000).

Na morfologia são de origem germânica, especificamente franca ou lombarda,

certos empréstimos de sufixos, que se difundiram entre as línguas românicas, como:

-isk que passou ao provençal como –esc e daí ao italiano como -esco, difundindo-se

depois às demais línguas românicas, como em português: “burlesco”, “grotesco”,

“dantesco”, “parentesco”, “arabesco”. Na verdade, esse sufixo não era desconhecido

pelas demais línguas indo-européias; porém, no indo-europeu dispunha-se do sufixo

–isko, -iska que, no grego, considerava o sema de valor diminutivo, empregado para

designar “menininho”, “menininha”, “senhorzinho”, “homenzinho”. No latim, formava

adjetivos, embora mais raros, com –iscus, antigo mariscus, em português “marisco”; no

celta forma: a) nomes de povos, como Taurisci, Vivisca gens; b) nome de lugares,

como Viviscum, Matriscum. No germano esse mesmo sufixo indica: a) relação e

procedência; b) forma adjetivos, como guidisks, que significa em português “divino”,

fimisks, que em português significa “ardente”.

Outro sufixo emprestado dos visigodos é o -engo, sobretudo para a formação de

adjetivos, como “solarengo”, “realengo”, “abadengo”, “reguengo”, “monstrengo”. O

sufixo –ardo, herança visigótica, forma primeiramente nomes de lugares e de pessoas,

como Ricardo, Abelardo, São Bernardo, depois, passam a formar nomes comuns

difundindo-se e chegando à Ibéria, onde é empregado para designar nomes da classe

do adjetivo como galhardo, felizardo. (BASSETO, 2000).

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Exemplo significativo desse processo de adoção das línguas visigóticas e, por

exemplo: bansts > “celeiro” , em português; mas > bastard, em francês que, deslocado

ou emprestado para o português, resultou no vocábulo “bastardo”: expressão jurídica

eufemística para designar o filho gerado fora do matrimônio legal, isto é, no celeiro e

não no palácio. Esse empréstimo sufixal se tornou bastante produtivo no português,

onde se mantém em: “galhardo”, “felizardo”, Bernardo”, “Abelardo”. Observa-se, ainda,

que as línguas românicas, geralmente, também recorrem ao latim eclesiástico e

medieval, como fonte de empréstimos de sufixos, prefixos e vocábulos propriamente

ditos, como papisa, sacerdotisa, abadessa, por exemplo.

No português, os termos emprestados ao grego, como asterisco “pequeno

astro”; menisco “pequena lua”, serviram de modelo a outras formações, como

“chuvisco”, “pedrisco”, bem como em verbos com denotação diminutiva do tipo

“chuviscar”, “bebericar”, “lambiscar”, “mordiscar”, “namoricar”. Observa-se, ainda, que

este sufixo mantém o /i/, enquanto –esco, semanticamente não diminutivo, vem com

/e/: “grotesco”, “picaresco”, “pitoresco”, “carnavalesco”, “nababesco”, “livresco”,

“animalesco” e traz certa conotação perojativa.

Tanto o aspecto semântico como o fonético mostra que se trata de empréstimos

oriundos de línguas diferentes: o esco vigente no português é de origem gótica e não

do grego, pois, se grega, teria sentido de diminutivo. Contudo, muitos estudiosos

ignoram essa origem singular do gótico e atribui a eles apenas a uma base única para

a formação do indo-europeu: o grego. No caso do prefixo –in, observa-se que, ao longo

do tempo, a linguagem literária, técnica e, a eclesiástica, em particular, ampliaram o

uso de in- na formação de adjetivos: “infeliz”, ‘inimigo”, “inerente”, ‘inerte”, e de

substantivos: “infelicidade”, “inerência”, “invalidade”, “invalidação”. Essas matrizes

formadores do superstrato do português europeu transplantado para o Brasil mantêm-

se no nosso idioma, de modo bastante produtivo; logo, não permanecem “imexíveis”.

(BASSETO, 2000 e CÃMARA JR., 2002).

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2.2.2.3 - Adstrato

O adstrato foi descrito por Câmara Jr. (2002), como toda língua que vigora ao

lado de outra, num território dado, e que nela interfere como manancial permanente de

empréstimos. Basta, portanto, que dois povos de idiomas diferentes sejam vizinhos e

mantenham relacionamento de qualquer tipo para a caracterização da situação de

adstrato. Nesse sentido, não há adstrato sem substrato e tampouco substrato sem

superstrato.

Exemplo significativo de adstrato na formação do vocabulário da língua

portuguesa, conforme Câmara Jr. (2002), é decorrente da invasão árabe. Desse

adstrato provém uma grande quantidade de arabismos encontrados na língua

portuguesa. Assim, a partir de 711, de forma mais intensa nas regiões do sul da

Península, os romances Ibéricos passam a conviver com a língua árabe. Nos oito

séculos de ocupação, surgem os “moçárabes”: nativos românicos que, por assimilarem

a cultura árabe, por meio da adoção da língua desse povo, tornam-se bilíngües. Os

moçárabes passam a fazer uso de caracteres ou recursos da língua árabe para falar ou

escrever no dialeto ou romance da região por eles habitada. Desta feita, os seus

escritos são qualificados por numerosos empréstimos. Entretanto, e apesar de quase

dois séculos de convivência num só território, não houve absorção de um povo pelo

outro e, conseqüentemente, das línguas por eles faladas. (ELIA, 1974).

A miscigenação entre os iberos e os árabes ocorreu de forma bastante

significativa, pois os árabes procuraram esposas entre a população local e, casados,

ensinavam a suas esposas e filhos sua língua, religião e costumes em geral.

Entretanto, a não absorção da língua árabe como um todo não ocorreu, porque eles

não se organizaram para instituir uma sociedade organizada e, em parte alguma,

fundaram escolas ou fizeram tentativa para propagar e ensinar essa sua língua.

A língua utilizada na administração e na religião era o árabe clássico; porém, no

dia-a-dia, falava-se um árabe mesclado com os vários dialetos latinos ou românicos

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encontrados na Península Ibérica, dando origem a um dialeto árabe vulgar. Segundo

Nimer (1927), os judeus contribuíram de maneira particular na introdução de palavras

árabes à língua portuguesa e espanhola, pois eram eles os interpretes, tradutores e

mediadores entre os conquistados e conquistadores. Os árabes também favoreciam os

judeus convertidos ao islã e criaram um título de nobreza, o Najid, isto é o auxiliador.

A religião predomina sobre as outras causas de influência lingüística, na falta de

toda organização social metódica e, guia os conquistadores. Isso porque o árabe, ou

melhor dizendo, todo mulçumano considera a língua árabe como a maior, a mais bela

e a mais perfeita de todas as línguas, por ser a língua do profeta. Esse dogmatismo é

devido ao próprio profeta Muhammad, que nunca, no Alcorão, intervém em pessoa,

mas unicamente em sua qualidade de Mediador entre Alá e os homens. Mas toda

intervenção, como se sabe, implica no conhecimento da língua comum, no caso o

árabe clássico. O dever se cada mulçumano, “ou aqueles que se converteram é saber

a língua cujo conhecimento é agradável a Deus”. (NIMER, 1927, p. 172-173).

Afirma Câmara Jr. (2002) serem os árabes senhores de uma cultura diferente

oriunda de contatos com civilizações do Oriente por eles conquistadas, de forma a

legarem, no fluxo de sua permanência na Península, não só tecnologias, mas também

um léxico bastante significativo que formaria o adstrato do português. Para o autor tais

empréstimos são comparáveis em quantidade e importância àqueles legados pelos

germanos e pelos celtas, vindos da Gália. Observa que, entre os séculos IX e XII,

esses empréstimos são bastante significativos e se agrupam mais na classe dos

substantivos; mas, encontram-se entre eles poucos adjetivos e verbos. Esses

substantivos eram de caráter concreto, pois como substantivo abstrato tem-se apenas

“alvoroço”. Exemplos de poucos adjetivos são: “baldio”, “mesquinho”, “cadimo”,

“algavio” e nomes de cores como, azul, “de origem persa”, carmesim e escarlate.

Observa Basseto (2000), que, por vezes, os termos árabes formam grupos de

cognatos como: bátil, cujo significado de base vocabular se organiza pelo sema “inútil”,

de modo que esse valor de inutilidade, em português, faz-se extensivo a vocábulos

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como baldio e debate”. Palavras como “alcachofra”, “aldeia”, “arrabalde”, “alcova”,

“tarefa”, “azul”, “alcáçar” etc., são legados árabes para o português. Embora esses

vocábulos se façam extensivos ao espanhol e ao francês, há aqueles como “açude”,

“alface”, “alfaiate” etc., que são exclusivos do sistema lexical português. Observa-se, no

caso de alcasser – forma arabizada do latim, significando fortaleza ou palácio real é

lexicalizado em português por “acicate” = espora com um só ponto de ferro.

Afirma, ainda, Basseto (2000) que, ao desenvolverem atividades na Península,

os árabes iam divulgando um conjunto de conhecimentos e uma nomenclatura

específica que foi incorporada aos romances da época, de modo a se integrarem ao

vocabulário do português arcaico. Assim, deixaram nomes de: a) produtos da terra,

como “acelga”, “algodão”, “açafrão”, “alfafa”, “abricó”, “azeite”, “arroz” [empréstimo

árabe ao grego que, por sua vez, empréstimo do iraniano], “limão”, e “laranja” [de

origem persa], “açúcar”; b) termos referentes à moradia, como “bairro”, “azulejo”,

“alfombra”, “almofada”, “jarra”, “taça”[de origem persa], “alvanel”; c) às vestimentas,

como “aljuba” [fr. jupe], “jibão”, “albornoz”, “alfaiate”, “recama”; d) à administração e a

guerra, como “alcaide”, “califa”, “aguazil”; “almirante”, “arsenal”, “atalaia”, “adail”,

“alfanje”, “aljava”, “alferes”, “acicate”, “ginete”; e) ao comércio, como “aduana”,

“armazém”, “arroba”, “almude”, “maravedi”, “quintal” [medida de peso]; f) na

matemática, “restauração” e “redução”, romanizado como “álgebra” por Leonardo

Fibonacci, célebre matemático de Pisa (1202); g) na Química “Alquimia”, esse

empréstimo no Ocidente tem o sentido de “pedra filosofal”; h) no “xadrez”, aprendera

com os persas que a haviam emprestado, por sua vez, dos indianos, a expressão “de

quatro membros”, ou “quatro tipos de armas”: “carros”, “cavalos”, “peões” e “elefantes”.

No aspecto fonético, contrariamente ao sucedido com o superstrato germânico,

a população românica assimilou a tônica em empréstimos proparoxítonos, como

“cáfila”, “sáfaro”, “almôndega”, “Alcântara”, entre outros; em paroxítonos com

consoante líqüida final, como “aljôfar”, “arrátel”, “âmbar”, “almocávar”; ao lado de

numerosos oxítonos, como “anafil”, “algeiroz”, “avanel”, “alamar”, “almofariz”, “alecrim”,

“borzeguim”, “baldaquim”, “alcatruz”, “arroz”, “atabal”, “anadel”, “javali” (< djabali,

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“montês”). A conservação dessas tônicas, de certa forma, contraria tendências

acentuais do português de eliminar os proparoxítonos pela síncope da pós-tônica e

fazer coincidir a tônica com fonemas líquidos e nasais (BASSETO, 2000). Desse

adstrato participa o português brasileiro, de modo a se poder considerar que o

português do século XVI, transplantado para o Brasil, é produto de uma complexa rede

de inter-relações, interlínguas que se influenciaram mutuamente em grau maior ou

menor, conforme o prestígio da cultura dos povos que habitavam ou invadiram a

Península Ibérica. Observa-se ainda que, em se tratando do adstrato, nenhuma dessas

línguas desaparece, mas se auto-influenciam, deixando no léxico suas matrizes

fundadoras; contudo, as transformações são bastante complexas para se ajustarem ao

sistema fono-morfo-sintático e semântico da língua portuguesa.

2.3 O português implantado e transformado no Novo Mundo

O português falado na época do achamento do Brasil, conforme apontado no

item anterior, traz consigo marcos de substrato, adstrato e superstrato de diferentes

línguas que estiveram em contato, no fluxo do tempo de formação sócio-cultural do

reino luso. Apresenta uma notável unidade e arcaicidade, segundo Silva Neto (1951),

para quem se tratava de uma língua que apresentava aspecto camponês e provençal,

além de diferentes modos ou falares. Para o autor aqueles que aqui chegavam vinham

das mais diferentes regiões portuguesas: Viana no Minho, do Alentejo, de Lisboa, da

Serra da Estrela, na Beira Baixa, dos Açores, da Madeira, do Porto. Nessa acepção,

embora falassem a mesma língua, esta apresentava variações regionais o que

implicava um uso lexical diferenciado.

Transplantados para o Brasil, esses povoadores tinham seus vocabulários —

restringidos pela força da nova paisagem, do novo clima, da nova fauna, da nova flora,

do novo homem — ora bastante distantes, ora com diferentes graus de semelhanças

entre o que sabiam e conheciam — de modo que tal vocabulário lhes era insuficiente

para dizer o novo mundo pela velha língua.

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O esforço para compreender e interpretar esse mundo novo pelo ponto de vista

do velho continente é registrado por Hoehne (1937), ao retratar, o seguinte “hino” feito

por Anchieta:

Todo o Brasil é um jardim em frescura e bosques e não se vê em todo o anno arvore ou herva secca.(1) Os arvoredos se vão ás nuvens (2) de admirável altura e grossura e variedade de espécies (3). (4) Muitos dão bons fructos e o que lhes dá graça é que há nelles muitos passarinhos (5) de grande formosura e variedade e em seu canto não dão vantagem aos roxinoes, pintasilgos, colerinhos e canarios de Portugal e fazem uma harmonia (6) quando um homem vai por este caminho, que é para louvar ao Senhor, e os bosques são tão frescos que os lindos e artificiaes de Portugal ficam muito abaixo. (7) Ha arvores de cedro em quantidade, aquila, sandalos e outros páos de bom olôr e varias cores e tantas differenças de folhas e flores que para a vista é grande recreação e pela muita variedade não se cança de vêr. (HOEHNE, 1937, p. 108-109).

(1) na Europa em função do clima elas secam, no Brasil estão sempre viçosas;

explodem em vida;

(2) na Europa não há encontros entre o céu e as árvores;

(3) elas são baixas; troncos finos, pouca variedade de espécies;

(4) as árvores de lá não dão bons frutos e não são povoadas por pássaros de

grande formosura e variedade;

(5) o cantar desses pássaros desconhecidos é variado e harmônico;

(6) os bosques portugueses não têm frescor e beleza natural: são artificiais;

(7) as árvores são de numerosas espécies. 2

O Jesuíta faz observar, por meio do processo da comparação, a diferença entre

a fauna e a flora portuguesa em relação à brasileira, avaliando a primeira como artificial

e pouco rica e significativa em relação à segunda, quer quanto à suas variações e

variedades.

Os estudos de Hoehne (1937) apontam a dificuldade encontrada pelo Jesuíta

para designar árvores e plantas de gêneros diferentes:

2 Análise de responsabilidade do pesquisador

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Os “cedros’ aqui referidos não são como supoz Ordoñez, so da Europa, são antes do gênero Cedrella. A “aquila” foi resultado de confusão feita por Anchieta, porque a Aquilaria agallochum Roxb. Que é conhecida por tal nome, como a sua afim, A. malacensis Lm., planta do Velho Mundo e não natural da América e muito menos do Brasil. (HOEHNE, 1937, p. 108-109).

Assim, Anchieta busca semelhanças de cores, de odores, formas ou de funções

para nomear o que lhe é estranho, para torná-lo familiar, por meio do vocabulário que

domina:

O nome deve ter sido aplicado por espírito de derivação. Acreditamos que, sendo

a confusão motivada pelo produto resinoso da árvore, que encontra empregos como

incenso e para embalsamar cadáveres, sem dúvida Anchieta teve em mira a

“Corohiba”, citada por Frei Vicente do Salvador, que, deve ser o “Myroxylon toluiferum,

H. B. K., cujo nome vulgar é “Cabureiba” ou “Balsamo” e fornece uma resina ou

balsamo fortemente aromático, utilizado para os fins em questão. O “Sândalo” foi nome

arranjado pelos padres, graças à semelhança do produto, porque o Santalum álbum L.

como o S. Freycinetum Gaud. Também não pertencem à flora americana, mas sim à

asiática. É possível que a árvore observada tenha sido uma espécie de Protium, que

fornece a “Almecega”, resina pastosa repetidas vezes aconselhada como excelente

sucedâneo para o “Sândalo”. Se a semelhança e conseqüente confusão foram

baseadas na madeira, deve, porém, ter sido a Ximenea americana L., a árvore que

Anchieta quiz referir-se nessa citação. (HOEHNE, 1937, p.108-109).

Desse processo de comparação e do princípio da deriva, criam-se designações

para nomear o que se desconhece. Nessa acepção, a língua portuguesa ia se

consubstanciando como meio para construir pela designação “as coisas do novo mundo”

pelo velho vocabulário, de modo que o português ia se fazendo presente no espaço que

se buscava dominar e conquistar. Por esse processo de nominalização, o plano da

expressão é enriquecido, quer pelo esforço acima mencionado, quer pela adoção de

inúmeros vocábulos indígenas e posteriormente africanos, pois no período de

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colonização efetiva, os negros integravam os engenhos da cana-de-açúcar e conviviam

com os portugueses da Casa Grande. (LIMA SOBRINHO, 2000).

Assim, os vários usos da língua lusa vão aqui se mesclando e se fundindo

deixando alguns vestígios das peculiaridades regionais européias, porém se busca um

novo modelo de interação, o qual vai diluindo o português da Coroa, em uma

modalidade de uso de que se originará o uso do português no Brasil.

Observa, nessa acepção, o padre Antonio Vieira:

(...) falam (nas nações asiáticas) a língua portuguesa, mas cada uma a seu modo, como no Brasil os de Angola, e os da terra... A língua portuguesa... tem avesso e direito: o direito é como nós falamos, e o avesso como os falam os naturais... meias línguas, porque eram meio políticas e meio bárbaras: meias línguas, porque eram meio portuguesas, e meio de todas as outras nações que as pronunciavam ou mastigavam a seu modo. (VIII, 165-6) (SILVA NETO, 1951, p. 58).

Vieira faz referência, no caso do Brasil, conforme afirma Silva Neto (1951), ao

aparecimento do semicrioulo que se caracterizava pela adaptação do português

arcaico e provençal ao uso cotidiano pelos mestiços, nativos e negros que, na tentativa

de se comunicar deturpavam a pronúncia e simplificavam a estrutura gramatical da

língua portuguesa. Relata esse missionário o esforço que fazia para compreender o

que lhes diziam esses novos homens da terra:

Por vezes me aconteceu estar com o ouvido aplicado à boca do bárbaro e ai da do intérprete, sem poder distinguir as sílabas, nem perceber as vogais, ou consoantes de que se formavam, equivocando-se a mesma letra com duas ou três semelhantes... (SILVA NETO, 1951, p. 59)

Desse esforço, propõe o padre, uma metodologia para descrever esse “outro”

modo de falar e usar o sistema lingüístico do português: “o primeiro trabalho é ouvi-la; o

segundo percebê-la; o terceiro reduzi-la a gramática e preceitos; o quarto estudá-la; o

quinto... pronunciá-la” (SILVA NETO, 1951, p. 59).

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Assevera, por fim, tratar-se de línguas travadas que tanto o torturavam. Designa

a essas modalidades de falares por “o nheengaíba, o juruuna, o tapajó, o teremembé, o

mamaiana — que só os nomes parece que fazem horror”. (SILVA NETO, 1951, p. 59).

Nesse contexto de estranhamento e dificuldades, buscavam os portugueses

aprenderem à língua da terra e dessa aprendizagem, com vistas a comunicação, vão

emergindo as línguas travadas designadas pelo termo genérico “língua geral”, que, em

verdade, se explica por distinções entre o tupi, o guarani e o nhengatú. Para M. Mansur

o tupi e o guarani são dois aspectos de uma mesma língua comum que, embora sejam

discutidas como pertencentes ou não a uma mesma matriz lingüística, são

denominadas por esse estudioso como língua mãe. Observa Silveira Bueno (1998) que

convém considerar

(...) que por tupi entendemos exclusivamente a língua dos tupis, como a registraram os Jesuítas nos séculos dezasseis e dezasssete. Ao lado dessa língua policiada, desenvolveu-se uma fala popular, deturpada pela ignorância e pelos vícios de pronúncia dos mestiços e alienígenas, que devia diferir ainda um pouco de sul a norte. Que nos impede dar a esse tupi mestiço o nome de brasiliano? Ao descendente amazônico do brasiliano conservamos o eufemismo usual de nheengatú. (Introd. a 4 ed do Tupi na Geografia Nacional de Teodoro Sampaio Salvador-Bahia-1955, p. 6 apud SILVEIRA BUENO, 1998, p. :667).

Nesse sentido, a designação língua geral ainda se faz bastante complexa, mas é

dela que se têm registros para o estudo do século XVI; razão pela qual o pesquisador

se aterá a esses registros.

2.4 A lexicalização e a gramaticalização da língua geral

Registram os documentos históricos o empenho dos novos íncolas para

aprenderem a língua falada na costa atlântica, atribuindo relevo ao fato de que as

populações que viviam nas feitorias buscarem aprender o nome dos peixes, da caça,

enfim, de tudo o que comiam para poder sobreviver. Essa aprendizagem também se

estendia às denominações de acidentes geográficos como os cabos, os ancoradouros,

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as saliências e reentrâncias que as águas do oceano desenhavam na terra habitada.

Se “igara” era canoa “igaraçu” seria a “canoa grande” ou nau. Desta feita, a presença

constante das naus portuguesas nos ancoradouros dos rios, fez com que os mesmos

fossem nomeados por “igaraçu” ou “garaçu”.

Nesse contexto, os missionários responsáveis pela catequese, dentre os quais

se destaca Anchieta, aprenderam o tupi como estratégia para desenvolver esse

trabalho de evangelização e, ao mesmo tempo, ensinar-lhes o português. A língua

geral era simples e de reduzido material morfológico, não possuía declinações nem

conjugações. Tinha o aspecto das línguas de necessidades, criadas para intercâmbio.

Constituiu-se, entretanto, numa ferramenta poderosa para unir os povos nativos

que aqui viviam, tendo sido possível desenvolver um trabalho junto aos aldeamentos,

no ensinamento da língua portuguesa em todo o território atendido pela Companhia de

Jesus. Esse ensino foi bem recebido, mas a aprendizagem dessa língua se fazia de

forma muito lenta e gradual, enquanto o da língua geral ou o tupi jesuítico, por ser mais

hegemônica, era facilmente assimilada. Adotada a língua geral, imposta pela empresa

colonizadora, por meio da catequese, tornou-se mais fácil exercer o controle sobre os

indígenas e garantir a interpretação dos textos religiosos. Essa estratégia jesuítica

contribuiu para evitar a polissemia. (SILVEIRA BUENO, 1998).

2.4.1 A extensividade do uso da língua geral

O tupi jesuítico ou língua brasílica estendeu-se do Maranhão até São Paulo e

trazia consigo uma uniformização léxica e racional fixada pela gramática e pelo

vocabulário elaborado por Anchieta. Resquícios do tupi jesuítico, segundo Lemos

Barbosa (1951), é o nhengatú amazônico: um dialeto civilizado ou crioulo, falado por

descendentes de aruaques e que, hoje, do tupi mal conserva o vocabulário, já bastante

alterado e reduzido. O nhengatú em tupi significa “língua boa”. Vale ressaltar que, ao

disciplinar a língua geral por meio de um dicionário e uma gramática, Anchieta

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contribuiu para unir os povos que aqui viviam e para divulgar a língua portuguesa em

todo território nacional; mas este último objetivo é produto do trabalho do marquês de

Pombal e dos negros fugitivos que, por força da sobrevivência, aprenderam a língua

portuguesa. (ELIA, 2003 apud SILVEIRA BUENO, 1998, p. 669).

Observa-se que a língua geral ou brasílica era mais intensamente empregada

nas áreas mais afastadas dos centros administrativos que iam sendo implantados na

colônia. Predominava como língua comum entre os portugueses e seus descendentes,

ou seja, os mestiços luso-tupis, e, também, entre os escravos africanos. Afirma

Rodrigues (2002) que os índios incorporados às missões, às fazendas, às tropas e às

bandeiras, também, dela faziam uso, em outras palavras, toda a população que,

independentemente de sua origem, integrava o sistema colonial.

Ressalta-se que, essa língua foi implantada pelos Jesuítas no século XVI, com o

respaldo do governo colonial e, no século XVIII, com a expulsão dos jesuítas e a

efetivação do português como língua oficial, a língua nhengatú declinou; entretanto,

segundo Hohter (2005), hoje, o nhengatú é uma língua oficial no Amazonas e, como tal

autorizada a ser ensinada nas escolas locais, falada nos tribunais e usada em

documentos do governo. Aqueles que conservaram a memória lingüística, hoje estão

sendo contratados como intérpretes, professores e funcionários de saúde.

No século XVI, por meio do nhengatú e do tupi-guarani, o europeu conquistava o

seu objetivo, fosse religioso e/ou econômico, criando uma sociedade subserviente, que

muito lentamente tenta sair desse processo de manipulação, mas traz como herança,

até nossos dias traços da sociedade colonial.

2.4.2 O Dicionário e o seu papel

Afirma Turazza (2002) que a palavra é o elemento lingüístico que mais

rapidamente envelhece visto variar de grupo para grupo, de região para região, de um

uso para outro e, ainda, de um tempo para outro. Afirma a autora que esta variação faz

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do vocabulário um campo instável, quando se busca verificar os seus significados no

fluxo das atividades de fala: lugar onde seus significados são transmudados em

sentidos e estes se fazem vagos e fluidos, razão pela qual muitos lingüistas afirmam

que os vocábulos não significam, mas têm a função de significar. Todavia, o registro

em dicionários dos sentidos de maior freqüência de uso apontam que eles não só

significam como também arrastam consigo cargas de sentidos históricos, conforme se

busca afirmar nos registros desta Dissertação.

Nessa acepção, a autora diferencia significado de sentido, considerando serem

os significados sentidos cristalizados pelo uso e, por isso, passíveis de serem descritos

pelos lexicógrafos nas páginas de um dicionário, que as registram, mas não as criam;

razão pela qual correr atrás das palavras e dos seus sentidos cristalizados é tarefa

desses especialistas. (TURAZZA, 2005).

Para essa autora, tanto o dicionário, quanto a gramática têm função normativa: o

primeiro funciona para regular os limites de produção de sentidos – significados

desmobilizados – remobilizados durante o ato de produção textual – a segunda

normativiza as regras combinatórias das unidades lexicais, também assegurando

limites para novas ou possíveis combinatórias. Afirma a autora que “dicionário e

gramática são fiéis depositários de uma língua e, embora se refiram mutuamente e

necessariamente, uma a outra, trata-se de obras que não se reduzem a si próprias e

nem tampouco uma a outra”. (TURAZZA, 2005, p. 154).

Assim, para tratar dos conhecimentos lexicais por um ponto de vista

lexicográfico é preciso estar ciente de que este é um foco reducionista, porque fora do

uso efetivo da língua - lugar de renovação, de dinamismo das unidades lexicais; mas

registrado em dicionário, têm-se apenas os sentidos de alta freqüência.

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2.4.2.1 Alguns princípios do dicionário anchietano

Os registros lexicográficos feitos por Anchieta não tem por parâmetro a macro

estrutura (ME) dos dicionários contemporâneos, ou seja, ME = entrada do verbete +

informações gramaticais (classe de palavras), gênero gramatical + significado

etimológico + definições sob a forma de predicações, seguidas ou não de exemplos.

Nesse sentido, observa-se que as entradas ora dadas por meio de frases ou

segmentos frasais, de forma que o Jesuíta não define uma palavra pela outra, mas

estende conjuntos de conhecimentos condensados por esses fragmentos de

enunciados, propriamente ditos.

O corpus descrito, portanto, não pode fazer remissões às classes gramaticais da

língua descrita, ainda que, seja possível verificar o registro de substantivos, adjetivos,

verbos, preposições, etc. Desse seu texto, também não consta a origem das palavras

descritas e tampouco a correspondência entre a língua que descrevia e aquela que

dominava. A primeira era descrita para ser dominada, enquanto campo de

conhecimento; logo, não há remissões etimológicas. Assim, o que nele se registra são

significações formalizadas por meio de seqüências ou fragmentos de seqüências como,

por exemplo: abastado estar de qualquer cousa. – Xerecemõ, vel Xepoecemõ, tal ou tal

cousa; andar como cada hum destes ou fazelos andar. – Aimopîrîgrim; consolado

estar. – Xeapîcic, l, Xeapîcîc guitecobo. (DRUMOND, 1953).

Afirma Orlandi (2001) que o jesuíta se esforça por registrar um modelo

situacional dos processos de enunciação da época, todavia esse esforço é

questionado, pois, em verdade, trata-se de uma busca por aproximar palavras e

possíveis significados entre a língua portuguesa e a língua geral.

O exemplo acima aponta que o dicionário anchietano busca traçar uma

equivalência de sentidos entre as entradas em língua portuguesa e palavras ou

fragmentos de seqüências enunciadas em tupi. Nas definições do tipo acima

exemplificado, observa-se a articulação intrínseca entre o léxico, a sintaxe e a

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morfologia. Desta feita, a leitura das definições remete a uma incorporação das regras

e categorizações gramaticais da língua geral. Pode-se afirmar que o modelo de

dicionário anchietano se qualifica como de “equivalência”, mesclado com o modelo

enciclopédico, conforme exemplo abaixo:

Palma ou palmeira não tem gênero – As espécies são muitas, mas nenhüa se nomea senão pola fruita, saluo a principal delas com q. se cobrem às casas que se chama Pindoba. E o fruito della Ynajâ. As mais como são Jaraigbâ, cujo fruito arremeda âs tâmaras. Marajaigbâ. Airig, q. tem espinhos etc. Nomeiam a folha ou ramos, a de ser por seu próprio nome q. çoba i. folha comü, a toda a folha, posto q. comumente o nome da fruita serue pa. tudo maxime porq. a cousa, ou propósito pa. q. se nomeão distingue hüa cousa e outra. porq. se eu digo q. tenho hüa linha de pescar de tucum, claro esta q. não he da fruita pois não tem estopa, etc. (DRUMOND, 1953: 63).

A entrada – palma ou palmeira não tem gênero, aponta para duas designações:

a primeira primitiva “palma”, a segunda derivada “palmeira” que, na época, eram

parassinônimas. Todavia, prevaleceu no português brasileiro “palmeira”, pois o termo

“palma” ficou restrito a uma denominação que se refere ao lado interno da mão entre o

pulso e os dedos ou a batida das mãos de forma repetida, cujo sinônimo é aplauso.

Também, como termo, “palma” designa plantas de pequeno porte, cujo tronco é

indiviso, como, por exemplo, “espada de São Jorge”.

A afirmação “não tem gênero” impede Anchieta de construir uma definição para

“palma” ou “palmeira”, de modo que essa pudesse se remeter a um conceito geral

capaz de englobar todas as propriedades comuns que qualificam um dado grupo ou

classe dessa espécie de planta, como fazem os lexicógrafos modernos: Palmeira s.f.

(s. XIII ACGC). Angios 1.desig. comum às plantas da família das palmas; esp. Às de

porte arbório como palmeira-açaí, palmeira-anã, palmeira-andim, palmeira-areca,

palmeira-bambu, palmeira-barriguda, palmeira-brava, palmeira-buri, palmeira-chifre,

palmeira-cipó etc. (Houaiss registra quarenta e sete tipos de palmeira).

O fato de não se ter na época conhecimento científico capaz de identificar as

espécies “palmeira” do gênero “palma” leva o autor a afirmar a inexistência do gênero

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e, conseqüentemente, da classificação. Assim, impedido de construir definições por

gênero e espécie, produz um texto descritivo, de forma a apontar ao leitor consulente

“o que é” o ser ou objeto, ao qual se refere valendo-se da estratégia descritiva que faz

remissão ao:

a) como é o objeto descrito: “as espécies são muitas”;

b) como se nomeia, ou seja:

b1) pelo tipo de fruta que produz cada espécie – palmeira-dendê, palmeira-do-

azeite, palmeira-de-óleo, palmeira de macaúba (HOUAISS, 2001) – mas

nenhüa se nomea senão pola fruita;

b2) pelo uso que se fazia ou se faz das suas folhagens - saluo a principal delas

com q. se cobrem às casas que se chama Pindoba; b3) pelo tipo de fruto que produz - E o fruito della Ynajâ. As mais como são Jaraigbâ,

cujo fruito arremeda âs tâmaras. Marajaigbâ. (Hoje: palmeira-açai, por exemplo);

c) pelo o que há ou não no caule ou folhas - Airig, q. tem espinhos etc;

d) pelo nome dado em tupi às suas folhas ou ramos - Nomeiam a folha ou ramos, a de

ser por seu próprio nome q. çoba i. folha comü, a toda a folha. Informa, ainda ao leitor

consulente, que para os nativos - nome da fruita serue pa. Tudo, de modo que é

em função do uso que os nativos fazem das frutas que elas distinguem uma

palmeira da outra - ou propósito pa. q. se nomeão distingue hüa cousa e outra.

Anchieta busca dialogar com o seu leitor consulente para discutir o processo de

nominalização de que os nativos fazem uso, ou seja, diferenciando as espécies de

palmeiras apenas pelo tipo de fruto que elas produzem, visto que - porq. se eu digo q.

tenho hüa linha de pescar de tucum, claro esta q. não he da fruita pois não tem estopa, o

processo de nomeação não tem por ancoragem o fruto, mas o uso que se faz de um

dado tipo de palmeira – palmeira-cipó – para fazer cordas ou linha para a pesca.

È por meio dos vocábulos pelos nativos empregados para designar o que os

portugueses não conhecem e não conseguem nominalizar. Observa-se nos registros

anchietano, no seu dicionário, um esforço que implica a prática de tradução e

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interpretação. É nesse sentido que prevalecem dois critérios para a construção desse

dicionário: o enciclopédico e o de equivalência. Esse dicionário foi publicado

inteiramente em 1938 por Plínio Ayrosa, sendo a segunda edição, publicada em 1953,

revisada pelo Dr. Carlos Drumond, quando foram feitas correções que implicaram

equívocos tipográficos ou enganos de transcrições.

2.4.2.2 Alguns princípios da gramática anchietana

As dificuldades para fazer uma descrição da língua geral são de diferentes

ordens, conforme a bibliografia estudada, pois tanto no tupi como no guarani os

fonemas /r/, /f/, /l/ inexistiam. Por outro lado, para cada palavra pronunciada em

português, os usuários faziam corresponder várias outras. Assim, os missionários

registravam o que ouviam de acordo com os conhecimentos da gramática do

português. É por esta razão que, quando se comparam os escritos de suas autorias,

observa-se que cada um procurou reduzir o que ouvia da boca do nativo aos

conhecimentos da gramática que dominavam. Os sons que faltavam ao tupi-guarani

foram representados pelas letras f, l, v, e z, e pelos grupos lh e rr de modo que,

palavras grafadas com v e z refletem influências das línguas européias dos

colonizadores. (SILVEIRA BUENO, 1998).

Apresentam-se a seguir questões referentes ao vocalismo, consonantismo,

nasalização, morfologia, ao grau, aos verbos, para melhor explicitar as dificuldades de

descrição vivenciadas por Anchieta.

A) O vocalismo

As vogais eram quase as mesmas que as utilizadas no português, devido ao

fechamento fonético que o inglês traduz por U como Sumatra, do português Samatra;

tem-se, assim: a1) a vogal ã era mais nasalizada do que a sua correspondente no

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português; a2) não havia ditongo ão, mas um on. Por exemplo, Yaguaron cujos

portugueses falavam Jaguará;. a3) a vogal “e” se pronúncia como em português.

Entretanto seu valor fonético é sempre ‘e’, jamais ‘i’ quando átono, ao final da palavra,

e não muda como em francês, tem o mesmo valor que Portugal na língua falada em

Coimbra, em Lisboa. Exemplos: que, cidade, bondade, de; no Rio de Janeiro são

pronunciados como: qui, cidadi, bondadi, di; em Coimbra: que, cidadeu, bondadeu,

deu; a4) a vogal e nasal (em) não forma ditongo ei, segundo a pronúncia brasileira. Por

exemplo: nheengatú (nhe – em- ga - tu) e não nheigatú (he – in – ga – tu); a5) O som

mais difícil era “i – y” seguido do ‘g’, por exemplo: yg, eau. Lemos Barbosa (Curso de

tupi antigo, p. 411) após ter revisado os esforços dos diversos gramáticos de nos

ensinar que ‘y’ é uma vogal articulada na zona laríngea ou mais na faringe (goela).

Guasch-SJ. (O Idioma guarani, p. 16) nos diz: “o ‘y’ gutonasal é fonema característico

que convém ouvir da boca de um paraguaio”. (SILVEIRA BUENO, 1998, p.671).

Esta escala vocálica, exceto o ápice do ‘u’ e ‘y’ (francês u) se reflete no

português do Brasil, não têm o â fechado de Portugal. Nós pronunciamos Maria, para,

dando o mesmo timbre ao ‘aa’ que é encontrado em palavras que os portugueses

pronunciam Mâria, pâra, mâs quase Meria, pera, mês. É verdadeiro que no Rio de

Janeiro, Florianópolis e em outras localidades onde os portugueses são ainda muitos,

onde se pode ouvir a (a fechado).

Os Jesuítas transcreveram esse som com valor, ao mesmo tempo, palatal e

velar, por exemplo, ig, yg. A vogal ‘o’ teve dois timbres; aberto (ó) e fechado (ô) como

na palavra francesa propos. Exemplo che pó, ma main; óca, maison; coema (ô) matin;

cororõ com o final on. Não havia d’ó com valor de u (ou) quando átono: era sempre ‘o’.

Por exemplo, bororo não Bororu; rirerno, não riremu; pororo, não pororu etc. No tupi

soube de um ‘u’ com o valor de ‘u’ francês (vu, du, Jésus), escrito ‘y’ pelos Jesuítas.

Por exemplo, yasy, a lua; piryty (pirutu) em pronúncia francesa, leproso. Como este

som era de difícil pronuncia, desvia-se simplesmente para ‘i’. Havia um outro ‘u’ como

‘l’ ou du francês: caruru (carourou), jururu (jourourou); cassununga (cassounounga).

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Os pesquisadores consideram que o português arcaico, precisamente o tipo de

língua que o Brasil colonial havia recebido, não tinha este “â” fechado. O ‘u’ mudo, final,

com o valor exato de “l” eu francês, se estranho para nossos ouvidos e assim comum

na pronúncia portuguesa, não existe em nossa pronúncia. É este mesmo som

característico na distinção do falar brasileiro e do falar português. Para nossos ouvidos

o som é perfeitamente comum ‘eu’ da língua francesa. Assim, de que, em Portugal se

assemelha a deu, queu, seu queue, deus, seus. Nós todos dizemos simplesmente de

que, segundo a dicção espanhola. (SILVEIRA BUENO, 1998:672).

A nasalização é mais forte em nossa pronúncia e muito mais fraca no português:

cama, santo, irmão, manhã são pronunciadas pelos brasileiros câma, sâ -nto, ir-mã,

mã-nhã; ao contrário o português especialmente aqueles do norte: cáma, sá-nto, ir-má,

má-nhã. Esta forte nasalização deve ser atribuída a uma influência do tupi e do

guarani. Os ditongos ai, ei, ou são monotongados no falar brasileiro, não somente na

boca do homem rústico, mas também daqueles que seguiram o curso do mundo, como

caxa (caixa), fexe (feixe), robo (roubo), estora (estoura). Esta tendência de

monotongação foi consolidada mais tarde, especialmente no sul, pelo contato com o

espanhol. (SILVEIRA BUENO, 1998:672).

B) O consonantismo

No tupi como no guarani não havia os sons representados por f, j, (palatal), l,lh,

rr e s (sonoros), v e z , são sempre fraco. O r é sempre fraco. O ‘s’ é sibilante, mesmo

entre duas vogais: easy (yassy); guasu (guassu), pirasunung (pirassanung). O ‘g’ é

sempre gutural como em alemão, corresponde ao italiano ‘gh’. Por exemplo, Mo-ingé

(Mo-in-ghé); mogy (moghy jamais mojy). O ‘y’ consoante o qual Montoya transcreve em

guarani por ‘j’ teve o valor de ‘g’ italiano na frente de ‘e’, ‘i’. Assim, yaguar, (cachorro,

onça), yasy (lua) eram pronunciados djaguar, djassi. Eis o ensinamento de Montoya: “A

quarta é o ‘y’ velar ‘j’ consoante; se diz consoante porque é precedido de outra vogal,

se há de pronunciar como consoante, golpeando a vogal que se segue, de maneira

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como ‘eo’ é na língua latina o ‘j’ de jaceo, mas com mais força, da mesma maneira

como os italianos pronunciavam as sílabas: gia, ge, gi, gio, giu, etc”. (SILVEIRA

BUENO, 1998, p. 672-673).

Os indígenas, quando têm que aprender o português, em sendo leigo na base

fonética do tupi ou do guarani, fazem acomodações, de modo que: b1) o valor de ‘l’,

depois de algum tempo é substituído por ‘r’ simples: cavalo, cabaru porque não tinham

o ‘v’ nem ‘l’. A palatização ‘lh’ por ‘y’: filho – fiyo; mulher – muyé (r), palha – paya. b2) a

assimilação (yeismo) como se vê nesta acomodação fonética; b3) o ‘l’ laríngeo devido

ao português ser muito difícil porquanto o tupi e o guarani não possuíam nenhuma

destas consoantes. Eles substituíram pelo ‘r’ simples, mas com um valor que

aproximasse perfeitamente do ‘r’ inglês em murder, father, mother. Assim, alma- arma,

palma – parma; animal- animar. Está pronúncia do ‘r’ inglês é estendido a todos os ‘rr’

após vogal: verde, forno, curto, etc. A palatal portuguesa ‘j’, bem fraca, tem sido

pronunciada ‘dj’ como em italiano (fênetre): djanela; hoje - hodje bem próximo do

italiano oggi. (SILVEIRA BUENO, 1998, p.673).

Esta acomodação deixou traços na pronúncia do português pelos brasileiros,

traços que a escola procura eliminar, mas que estão muito vivos na boca do povo, do

dito rústico de todo o país. A assimilação (yeismo) é talvez a característica mais

evidente do falar português do Brasil, de São Paulo até o Rio Grande do Sul, Mato

Grosso, Goiás, Minas Gerais, isto é, os estados mais populosos da nossa pátria. Uma

outra conseqüência que marca fortemente o português do Brasil é o valor do ‘r’ após

vogal seguida de uma consoante: carne, firme, inferno, cor, curto. Não há alternância r/l

ou l/r que se encontra na língua especialmente arcaica: pranta -planta, frauta - flauta;

púbrico-público, praneta - planeta, mas esta ‘r’ do inglês-americano, como já foi

observado, de murder, mother, father. Em nosso país, esta pronúncia se chama

‘caipira’, roceiro. Ele é muito comum no Estado de São Paulo. Mesmo aqueles que são

diplomados, médicos, advogados, sacerdotes, professores, todos têm esta pronúncia

incomum do português de Portugal. (SILVEIRA BUENO, 1998:674).

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C) A nasalização

A nasalização do tupi e do guarani reforça a do português, de modo a assegurar

a distinção entre o idioma português brasileiro e o de Portugal. O guarani golpeia o final

das palavras: pirapó-pirapora, tinin-tininga, acan-acanga, etc. Na região de domínio do

som, este golpe no final, apócope, é muito comum comê – comer; jantá – jantar; morrê

– morrer; artá – altar; vegetá – vegetal. (SILVEIRA BUENO, 1998, p.674).

D) A morfologia

O tupi, como o guarani, é língua aglutinante, tem uma morfologia bem diferente

da língua portuguesa. Não há gênero. O conceito de masculino e feminino se baseia na

palavra apyaba e cunhã, isto é, homem e mulher. Exemplo mambyra apayaba - o filho,

mambyra cunhã – a filha. Para os animais, qualquer que seja, sabe-se que é

empregado s-acuãa-baé e cunhã. Ex.: yaguara s-acuãa-baé, a onça macho, uaguara-

cunhã, a onça; maracaiá s-acuãi –baé, o gato, maracaiá cunhã- a gata. O plural era

formado pelo acréscimo de uma palavra etá. Ex.: Pirá, peixe; pirá etá – peixes.

O brasileiro rústico não tem plural e distingue os gêneros da mesma forma que

os indígenas. Ex.: Fyo homem; fyo muié. Como os animais não há formas

diferenciadas para o masculino e para e feminino, a distinção se faz por adição das

palavras macho e fêmea: a cobra macho; a cobra fêmea. O plural não existe para a

gente do campo: dois pão, os pé, as mão; os filho. O nome é invariável.

A concordância no gênero e no nome não existe. Se a disposição das palavras

na frase não deixou traços na sentença rústica do Brasil, é muito diferente quando

considerado a concordância do adjetivo com o nome: o pé meu é fria, a mão meu é fria.

Em bom português seria dito da seguinte forma: o meu pé é frio, a minha mão é fria. A

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frase: eu tenho os pés frios, as mãos frias é dito pelos rústicos do Brasil: Tó c’os pé fria

e c’as mão fria. Observe que Tô é redução de estou; que c’os pé fria (com os pé frios)

não se observa a marca do nome, do plural, o mesmo se passa com c’as mão fria, não

é a mesma marca do gênero. É a gramática do tupi e do guarani. (SILVEIRA BUENO,

1998, p. 678-9).

E) Os graus

O grau diminutivo se forma pelo acréscimo do adjetivo mirim ou simplesmente

im: itá – pedra, itá mirim – pedra pequena; mitang mirim ou mitangim – menino

pequeno; pirá mirim ou piraim – pescado ou peixe pequeno. O aumentativo se forma

por adição do adjetivo ussu para os nomes terminados por vogal átona; guassu,

quando a vogal é tônica, por exemplo: mitangussu – menino grande; piráguassu –

peixe ou pescado grande; mboi – cobra, mboiussú – cobra grande; ygara não pode ser

ygarussú (não pode ser barco); ygara – canoa, ussú - grande; tim – nariz, tinguassu –

nariz grande.

O superlativo era formado pelo acréscimo de eté ou catú (muito); yaguar (cão ou

onça), yaguareté (bastante, muita onça) porang (bonito) porangatu (muito bonito). Para

os graus de comparação não há formas presas àquelas carregadas do português.

Havia recursos como as perífrases e segundo a revista P. Lemos Barbosa (Curso de

Tupi Antigo,1956, p. 84 apud SILVEIRA BUENO, 1998: 679) o conceito gramatical da

comparação era pouco conhecido.

O português coloquial brasileiro traz consigo marcos dessa estruturação

morfológica; de modo a se poder considerar a preferência pelo uso dos graus analíticos

em relação aos sintéticos: livro pequeno; livro grande; mais pequeno, mais grande,

mais bonito, muito bonito. As formas sintéticas maior, melhor, pior, menor, ótimo, bem

como o emprego de sufixos íssimo, ílimo, rimo (boníssimo, facílimo, celebérrimo) não

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apresentam registros na fala do povo. Tais empregos podem ser constituídos apenas

na fala daqueles que têm grau relevante de instrução escolar ou de letramento

bastante satisfatório; contudo, mesmo assim, e não raramente, é possível ouvi-los

dizer: mais melhor, mais pior, muito ótimo. Na linguagem das mulheres é observada

muita afetividade, empregando de preferência os diminutivos sintéticos: bonzinho,

pequenininho, bonitinho, dentinho, amorzinho, etc.

O pesquisador aponta duas influências que se encontram: a primeira do

português arcaico em que não são conhecidos os graus sintéticos, não são os mesmos

em relação aos diminutivos. O superlativo com formação sufixal era absolutamente

incomum. Somente a língua clássica, sob a influência do Renascimento, inaugura o

emprego das formas sintéticas. A outra influência vem do tupi e do guarani. Deve ser

observado que dentro da fala do povo a formação com guassú e mirim se encontra

muito freqüentemente: mandão guassú, mandão mirim; menino guassú, exatamente

como os indígenas designavam os curumim guassú. As outras formações não

deixaram traços no português brasileiro. (SILVEIRA BUENO, 1998, p. 675-676).

F) Os verbos

Não há uma flexão pessoal em tupi e no guarani, muito embora indique as

pessoas por meio dos pronomes. Exemplos:

Che marangatú eu sou bom

Nde marangatú tu és bom

Y marangatú ele é bom

Yandé marangatú nós somos bom

Pe marangatú vós sois bom

Y marangatú eles são bom

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O adjetivo marangatú não sofre flexões, pois tais variações são funções dos pronomes

que indicam as pessoas e a qualidade com que a eles se agrega. Observa-se que na

conjugação dos verbos nominais, as formas do verbo “ser” não são empregadas.

Somente se encontra o pronome seguido de um adjetivo.

Che yucá eu mato

Nde yucá tu matas

Y yucá ele mata

Yandé yucá nós matamos

Pe yucá vós matais

Y yucá eles matam

É preciso esclarecer que yucá é o nome de uma árvore muito dura da qual se fazem os

tacapes, as armas de combates dos indígenas, usados para matar.

Ressalta-se que os habitantes dos sertões do Brasil conheciam duas pessoas do

verbo, algumas vezes três: a primeira do singular, a terceira do singular e a primeira do

plural.

Eu sô bão eu sou bom

Ele é bão ele é bom

Nois é bão nós somos bons

Eles é bão eles são bons

Eu vô eu vou

Ele vai ele vai

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Nóis vai nós vamos

Eles vai eles vão

Essa redução das pessoas do discurso não deixa de ter certo grau de

equivalência com o uso das pessoas na língua indígena. O mesmo ocorre de forma

mais significativa, quanto ao uso do adjetivo não flexionado. Observa-se que a forma

sô por “sou” é muito comum dentro da língua de Gil Vicente, no português arcaico, o

bão em vez de “bom” é dialetal, ou seja, é próprio da variedade regional de uma língua.

Nóis por “nós” é igual. Vô por “vou” como tõ (estou), dô (dou) se encontra nos autores

pré-clássicos, isto é, arcaicos. Esta simplificação do verbo é reforçada pela influência

do tupi, pois que os povos do campo de Portugal não falavam da mesma maneira que

aqueles da cidade. (SILVEIRA BUENO, 1998, p. 676-678).

G) A sintaxe

A sintaxe do tupi e do guarani difere muito daquela do português, quer na ordem

das palavras numa sentença, quer dentro da concordância do adjetivo com o nome, do

verbo como sujeito. Observe-se o exemplo do Dicionário Anchietano: “Camanoçara

yaguara irumo caá upê oikê = o caçador de onça entra junto com sua pua (furador)”.

(SILVEIRA BUENO, 1998, p. 678).

2.5 Substrato e adstrato do português brasileiro

Os estudos acima apresentados apontam que, no novo mundo físico, na mesma

proporção em que os povos se miscigenavam as suas línguas se fundiam. A renovação

dialetal e a alteração fonética, são as duas operações distintas a que se subordina à

renovação das línguas faladas na colônia, em estreito contato.

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Pode-se considerar que o tupi-guarani é o substrato lingüístico do português do

Brasil, visto haver interferido no aportuguesamento do idioma brasileiro, quanto à

fonética e ao vocabulário. No âmbito do vocabulário acrescenta-se o africano que se

tornaria mais significativo dentro do ciclo da mineração. Sua ação transformadora

mesclou-se na língua do conquistador em toda a sua demonstração, especialmente na

fonética e no vocabulário. Câmara Jr. (2002) acredita que esta ação de caráter

fonético é responsabilidade do brasileiro: um idioma musical, claro e, por isso, fácil de

ser distinguido do falado da metrópole. Apesar de ser a mesma língua, apresentam-se

duas acentuadas características: a diferenciação está na fala, onde no Brasil é

compassada; pronunciam-se todas as vogais, dando às consoantes portuguesas p, t, b,

d, n um valor mais fraco, mais doce. No português falado no Brasil não há os semitons

que poderia obscurecê-la. Estas diferenças permitiram a Eça de Queirós afirmar que os

brasileiros falam o português com açúcar. Por esta razão a pronúncia do brasileiro é

mais fácil de ser assimilada.

Todas estas diferenças não são devidas exclusivamente ao substrato indígena,

mas sim ao português transplantado do início século XVI para o Brasil, que se

comparado àquele arcaico e provençal do século XVI, evoluiu muito. Porém, aqui se

conservou aquele vocabulário repleto de arcaísmos. Portanto, a mescla do português

trazido a esta terra, somado ao tupi e ao guarani tornou-a diferente da metrópole e

essa diferença é possível de ser verificada na literatura que, devido às mesclas

recebidas inclusive das línguas nativas de outros povos como quichua, o caribe,

enriqueceu o nosso falar, por isso, a nossa literatura é tão rica se comparada à

literatura de Portugal. Os brasileiros, quando falam, orquestram uma linda sinfonia; já

em Portugal não há esse efeito. Por conseguinte, apesar de ser a mesma língua, as

influências são outras: o nosso falar é bem distinto e, principalmente nos dias atuais, a

linguagem é praticamente outra. (BASSETO, 2000).

O português do Brasil conta com substratos indígenas em áreas dialetais,

sertão adentro, em que a colonização portuguesa se diluiu numa população indígena,

que passou a falar português. Porém, o acervo de palavras de origem indígena na

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língua comum são tupinismos provenientes do uso do tupi na catequese e no processo

de aculturação dos indígenas na época colonial, sob o aspecto de adstrato ao

português. (CÂMARA JR., 2002).

Alguns exemplos do convívio encontrado no léxico como nomes próprios ou

apelidos de pessoas: Araci, Iracema, Itú, Paraíba, entre outros. Os animais: cutia,

jibóia, paca, jaburu, arara, sabiá, etc. Frutos: abacaxi, jabuticaba, mandioca, etc.

Vegetais: jequitibá, imbaúba, imbuia, ipê, etc. Fenômenos naturais: piracema, pororoca,

saci, caipora, etc. Doenças: catapora, etc. Verbos: empipocar, capinar, empaçocar,

encaiporar, moquear, etc. (GLADSTONE, 1974). A incorporação de muitos

indigenismos à língua portuguesa foi tão perfeita que eles se tornaram produtivos,

servindo para a formação de compostos e derivados: tiê-sangue, sabiá-da-praia,

jabuticabeira, capinzal, cajuada, chorar pitanga etc.

Destaca Silveira Bueno (1998) a existência de expressões correntes na fala do

brasileiro, absolutamente incomum para o português de Portugal, em razão da herança

da língua indígena. Exemplo: um sujeito pacova > um indivíduo sem energia, bobo. Por

está expressão marca a construção de um sujeito “banana”. Outra expressão Estar,

viver na pindaíba > estar sem dinheiro, com os bolsos vazios. Pinda é uma palmeira e

os nativos usam para fazer anzóis e por esta razão pinda é sinônimo de estar no

gancho. Quando o gancho ou anzol não está bom para a pesca, o nativo se sente

pobre, isso porque sem a pesca ele não tem como sobreviver. Estes foram alguns

exemplos de expressões de um rico acervo. (RIBEIRO, s/d).

O substrato africano é decorrente das levas de escravos negros trazidos para o

Brasil na sua fase de colônia e primórdios de um país independente, evidente nos

africanismos que são essencialmente empréstimos lexicais, também com adaptação à

fonologia e à morfologia portuguesa, já configurada pela indígena – exemplo: cochilar,

camundongo, marimbondo, molambo, quitute, entre outros; existem tanto na língua

popular como na língua culta, constituindo os brasileirismos. São especialmente

curiosos os africanismos em sentido lato, decorrentes dos termos para senhor e

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senhora no português, crioulo dos negros escravos e vigentes como hipocorísticos, no

português do Brasil: sinhô (>senhor), com o feminino sinhá (>senhora), as reduções

nhô, nhã, e as reduplicações nhonhô, nhanhã, ou por iotização ioiô, iaiá. (CÂMARA

JR., 2002).

Segundo Renato Mendonça (1948 apud ELIA, 2003), a influência Africana é

possível ser encontrada já no século XVI, porém não de forma sistematizada e já

integrada totalmente ao vocabulário português. Entretanto, tal influência faz-se sentir

nas seguintes áreas:

- Culinária: abará, acarajé, angu, fubá, quindim etc.

- Religião, deuses e deusas: babalaô, Iansã, Iemanjá, Orixá, Xangô etc.

- Objetos, Instrumentos Musicais: berimbau, cachimbo, calunga, miçanga, tanga

etc.

- Animais, Vegetais: chuchu, jiló, quiabo, marimbondo etc.

- Danças: samba, maracatu etc.

- Bebidas: aluá, cachaça.

- Doenças, Defeitos físicos, partes do corpo: banguela, corcunda, caxumba etc.

- Lugares: cacimba, quilombo, quitanda, senzala etc.

- Vida Social, Acontecimentos: caçula, calundu, dengue, moleque, muamba etc.

- Verbos: engambelar, xingar, aquilombar, banzar, batucar etc.

-

E pela derivação, no falar brasileiro, dezenas de palavras se formaram, por

exemplo: anguseiro, angu-de-caroço, angu-duro, angu-de-vesperas, angu-de-cheiro

etc; o verbo balangar (de balango): bananada, bananaço, bananal, bananeira,

bananinha, abananado; bangüês e andar-de-banguê: banguela, bangueludo,

esbanguelado, banzar e banzeiro, a expressão banze-de-cúia; batucar, batucador,

batuqueiro; mal-de-bengo: bingueira e bingueiro; a expressão bodum-azedo;

cachaçada, cachaceiro, encachaçar; feitiço, feitiçaria, feiticeiro, enfeitiçar; molecada,

molecagem, molecar, molequice etc.

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Também são encontrados vícios prosódicos, no falar do povo africano, desde o

abrandamento amolecido de certos sons, uma forma apocopada dos verbos

portugueses – invariavelmente pronunciados sem o “r” final do infinitivo, como: dá, fazê,

tocá, acendê, tomá, caminhá, pó, dizê etc; em vez de: dar, fazer, tocar, acender, tomar,

caminhar, pôr, dizer etc. (SENNA, 1921, p. 159-163).

Dessa maneira está traçada a formação da língua portuguesa do Brasil, um

triângulo, cuja base é o português e cujas lateralidades são, de um lado o tupi e o

guarani; e, do outro, as línguas nagô-quimbundo. (ELIA, 2003, p. 63-64).

Ressaltam os autores pesquisados que as mulheres africanas tiveram um papel

de grande relevância na formação e transmissão de conhecimentos de suas culturas

nativas, por meio do trabalho na Casa Grande, ainda que nessas casas o falar

português tivesse influenciado, de modo particular, as vozes que elas traziam consigo

das terras da África. À proporção que passava da senzala à cozinha da casa Grande e

daí para a intimidade do lar e Ama ou Bá dos filhos do senhor rural, avançava a sua

contribuição lingüística ao idioma português.

Assim, o grande elemento caldeador era a Casa Grande, a infiltração da língua

mestiça já existente se faria sentir na sua contribuição vocabular do negro. Nas

cozinhas imensas, o angu, o anguzô, o guisado de quincombô e galinha, ou quenga,

passara a fazer parte do vocabulário brasileiro e da mesa do português. As iguarias em

que entravam gergelim, a farinha e o sal era chamado quimama; o quiabo associado ao

camarão criaria o zorô; a abóbora designada porongo ou abóbora passou a ser usada

para fazer doces ou salgados, de modo a se criar o quibebe. Dessa forma, novos

pratos não só saciavam os prazeres da boa mesa do colonizador e de seus

descendentes, como também acresciam ao idioma, pois estes falavam e contribuíam

para que estas vozes passassem da cozinha para a sala de jantar da Casa Grande. A

mesma influência se fez sentir na sua língua, mesclando lendas de seu povo com as

indígenas e européias, quando as conhecia, de modo a exercerem o papel de amas-

de-leite: aquelas que ofereciam às crianças brancas o leite de seus peitos e povoavam

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suas memórias com histórias. (GLADSTONE, 1946 e 1974). Em síntese, é bem maior

do que se imagina a colaboração dos africanos na formação do adstrato do vocabulário

do idioma português brasileiro.

2.6 Anchieta: o pesquisador

Anchieta, identificando-se com a terra, fazia suas investigações sobre Botânica,

Zoologia e a Geografia brasileira. Para tanto se valia da sua inteligência e curiosidade,

revestido de uma autoridade invulgar. Uma de suas cartas em São Vicente em 1560,

fala sobre a divisão das estações do ano, tal como se dá nos trópicos. Em outra explica

a piracema ou a saída dos peixes nas épocas das inundações ou das cheias dos rios,

em que os peixes nela são levados aos campos e em tempo de desova ali são

apanhados com facilidade. Referia-se a um tipo de pesca chamada pira-iquê (pirakê),

quando os peixes entram em lugares de pouca profundidade para desovarem e, os

índios, após embriagá-los com timbó – líquido de uma planta jogada na água, os

apanhavam.

Por guaraguá ou iguaraguá, segundo Anchieta, é o nome do peixe-boi;

sucuriuba ou sucuryuba é a serpente amarela, ou aquela de escamas amarelas, as

quais muitas vezes encontrou em suas caminhadas. Aponta o Jesuíta um conjunto de

outros termos indígenas, como capyi-uara - capivara; jacaré; jararaca, serpente de bote

venenoso; a boieininga, ou cobra que tem chocalho, ou seja, a cascavel; a boipeba:

uma cobra cujo corpo é achatado; a boiroçanga, cobra fria, porque sua picada produz

no corpo do homem um grande frio.

Anchieta registra entre as aves o guainumbi ou guanumbi: o “pássaro mimoso”

que segundo os nativos era mensageiro de outras vidas e que passou a ser designado

em língua portuguesa por o “beija-flor”. Guará era uma ave que, ao nascer, tinha as

penas acinzentadas e, durante o seu crescimento, essas penas se tornavam brancas

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para posteriormente serem vermelhas, na cor púrpura, quando adultas. Esse termo foi

traduzido na língua portuguesa por “garça vermelha”. Nhandús são termos que,

posteriormente, são traduzidos por avestruz ou emas.

O Jesuíta, em suas cartas, faz referência à medicina indígena por meio da

descrição de árvores, frutos, raízes utilizadas para a cura, ou seja, elementos naturais

a ipecacuanha ou poaia que significa raiz saudável. Também os demônios que

acometiam os índios como o curupira, o boitatá e outros. (CASTRO, 1941).

2.6.1 Os jesuítas educadores

Os jesuítas, em suas tarefas diárias, também se ocupavam em elaborar cartilhas

para o ensino das primeiras letras. Esse trabalho era manuscrito, isso devido à falta de

livros. Também transcreviam orações e o próprio catecismo, traduzidos em língua

geral, de modo que todos aqueles que se candidatassem ao trabalho colonial, na

condição de membros da Companhia de Jesus obrigavam-se a conhecer a língua

geral: instrumento de doutrinação e meio para o ensino básico. (MORAES, 1979).

2.6.1.1 Os jesuítas e o ensino básico

Faz-se necessário ressaltar ter sido o padre Vicente Rodrigues o primeiro

mestre-escola do Brasil, de modo que, após quinze dias de sua chegada, já ministrava

a sua primeira aula de ler e escrever. Assim os jesuítas procuravam adequar-se a vida

do novo mundo buscando integrar-se à vida cotidiana e se fazer, ao mesmo tempo

presentes na vida da comunidade. Dessa forma, logo pela manhã um sino chamava os

fiéis à missa e à comunhão, antes que eles tomassem o caminho da roça ou das

praias. Era ainda o sino que chamavam os curumins e as cunhãtens, bem como aos

meninos reinóes - nascido no reino, mazambos - os estrangeiros nascidos no Brasil,

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para as aulas de ler, escrever, contar, rezar e de bons costumes. Nessa acepção, a

sala de aula jesuítica era heterogênea, cabendo ao mestre criar um ambiente de

simpatia e entendimento entre as crianças tão distintas entre si. (CASTRO, 1941).

Havia dias maiores, em que, jogando com os dois idiomas, tornava-se

interessante ver curumins cantando e tangendo instrumentos musicais, a seu modo,

faziam suas escaramuças, ou seus motins de guerra com arcos e flechas, pintados de

várias cores, mas para louvar a Deus. Os meninos brancos, por outro lado, envolviam-

se numa dança de escudos à portuguesa, ao som de viola, pandeiro, tamborim e flauta

para entoar cantigas pastoris, tanto na língua indígena, quanto em português e

castelhano. Essa prática de docência heterogênea visava a conquistar e a reeducar os

pais. Por conseguinte, os jesuítas situavam o ensino além dos processos de

catequização, lançavam as sementes da base da educação popular, espalhando a fé, a

mesma língua, os mesmos costumes e, começava forjar a unidade espiritual, a unidade

política de uma nova pátria.

Esses religiosos, portanto, descobriram no século XVI e aqui implantaram uma

modalidade de ensino multicultural, pois entenderam que não poderiam educar povos

distintos, com culturas diferenciadas por meio de uma prática unicultural, é necessário

buscar meios diferenciados e abrangentes para lidar com culturas diferentes e torná-las

homogêneas, esse foi o desafio dos jesuítas. Mas esses ensinamentos se perderam no

tempo, de modo a ignorarem as diferentes matrizes culturais que implicam

conhecimentos prévios diferenciados para aprendizagem do idioma português.

(AZEVEDO, 1963 e CASTRO, 1941).

Mem de Sá em carta redigida em 1560 no Rio de Janeiro, faz referência a

escolas em que havia trezentos e sessenta piázinhos, sabendo ler e escrever; logo o

modelo pedagógico jesuítico era diferente. Em outro trecho, o governador geral faz

remissão à Bahia onde o colégio de jesuítas estava presente em três aldeias, o modelo

de ensino se matinha pelo princípio da inter-culturalidade:

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Têm nelas suas casinhas, cobertas de palmas,... e também em cada uma ensinam aos filhos dos índios a ler, escrever, contar e falar português, que aprendem bem e falam com graça, ajudar às missas, e desta maneira os fazem polidos e homens. Em uma delas lhes ensinam a cantar e tem seu coro de canto de flautas para suas festas, e fazem suas danças à portuguesa com tamboris e violas, com muita graça, como se fossem meninos portugueses... (SILVA NETO, 1951, p. 34).

Os jesuítas trabalham com as crianças fazendo analogias e correspondências

simbólicas entre o mundo cristão e as crenças nativas, do que muitas vezes derivou

uma tupinização do catolicismo, ou uma tessitura de um complexo religioso híbrido.

Tupã era o deus que, na mentalidade nova do curumim, o jesuíta faria evoluir para

Deus cristão, anhangá seria o diabo para um índio já convertido. Assim, os Jesuítas

vão traduzindo os valores do cristianismo para aqueles dos pagãos. Desta feita os

nativos participavam das festas campesinas à sombra das mangabeiras ou dos

jequitibás gigantes. Acompanhavam as procissões, nas danças e nas cerimônias

entoavam cânticos ou hinos sagrados junto com os brancos, em língua geral que se

tornava língua corrente, bem como durante a missa rezavam o Padre Nosso e a Ave

Maria, também traduzidas nessa nova língua, estimulados à prática religiosa pelos

jesuítas. (CASTRO, 1941).

O papel das crianças nas escolas primárias foi fundamental para a propagação

da língua geral em seus lares, fossem tais escolas fixas ou ambulantes. Estas últimas

circulavam com os jesuítas em suas peregrinações pelas aldeias e sertões, divulgando

cartilhas, orações, peças de teatro por meio de textos manuscritos, que contribuíram

para divulgar a língua geral e propagar a fé cristã na colônia. Observa-se que essa

modalidade de ensino tinha por fundamento um plano de Estado elaborado por

Nóbrega.

2.6.1.2 O plano de estudo dos jesuítas

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O padre Manuel da Nóbrega - desde que elaborou o plano de estudos em 1536,

ano das Constituições da Companhia de Jesus, até sua morte em 1570 - havia

elaborado o ensino, segundo Fávero (2000, p. 89) da seguinte forma:

Aprendizado do português

|

doutrina cristã

|

escola de ler e escrever

|

canto orfeônico | música instrumental

________________|________________

| |

aprendizado profissional gramática

e agrícola latina

Ratio= curso de humanidades / curso de filosofia / curso de Teologia

Viagem à Europa

Esse modelo de planificação, visando ao aprendizado da língua portuguesa

como veículo da cultura e da ideologia cristã, topicalizava a prática da leitura e da

redução como eixo fundamental da docência jesuítica. O canto orfeônico e às

atividades referentes à música instrumental inseria a musicalidade, respeitada a cultura

de cada povo, eram estratégias fundamentadas na aprendizagem. O plano de Nóbrega

também privilegiava a formação profissionalizante como as práticas de agricultura,

processos de lavrar a terra. Contudo, o português acabou aprendendo com o índio que

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a cada cultura a terra deve ser limpa por meio do fogo, de forma que as queimadas

passam a integrar a cultura da lavoura. (SERAFIM LEITE, 1938)

Ao colocar o aprendizado da gramática latina na mesma dimensão daqueles

referentes aos das práticas profissionais, o Jesuíta concebe a ambas como meios para

ensinar a língua e a cultura portuguesa.

Após 1570, houve a necessidade de alterações nesse plano de estudos

excluindo-se os aprendizados profissionais, agrícolas e musicais (canto orfeônico e

instrumental). Esse esboço de planejamento pedagógico data de 1586, após a consulta

de homens sábios e experimentados no ensino, imprimiu-se como manuscrito em

1591, e promulgado depois da impressão definitiva, como lei da Companhia de Jesus,

no dia 8 de janeiro de 1599. Nele havia certas ordenações, adaptadas aos diversos

países devido às circunstâncias locais. Uma outra esfera de atribuição dos Jesuítas, no

campo da educação, instituiu cursos superiores. (SERAFIM LEITE, 1938)

2.6.1.3 Os jesuítas e o ensino superior

O curso de “Letras” implantado no Brasil caracterizava-se por ser um ensino

eminentemente literário de base clássica, que constituía o verdadeiro alicerce de toda

essa estrutura do ensino jesuítico. Era dividido em três classes: Gramática,

Humanidades e Retórica e destinava-se a formar o homem in litteris humanioribus. O

curso de Filosofia e de Ciências, também chamado de artes, é dividido em três anos e

tinha por finalidade a formação de Filósofo, por meio de estudos de Lógica, Metafísica

geral, Matemática Elementar e Superior, Ciências Físicas e Naturais, além da Ética

Teodicéia, ou seja, Argumentação Teológica. O aluno candidato ao sacerdócio, além

dos dois primeiros cursos, faria o terceiro de Teologia e Ciências Sagradas, existentes

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apenas nos seminários maiores e em casas prepostas à formação intelectual dos

jesuítas. (SERAFIM LEITE, 1938).

O importante a ressaltar é que a formação intelectual oferecida pelos jesuítas e,

portanto, a formação da elite colonial foi marcada por uma intensa rigidez na maneira

de pensar e de interpretar a realidade. A formação religiosa era extremada, buscando

com isso afastar seus pupilos das influências daquilo que é considerado nocivo.

Quanto à formação dos professores, estes somente estariam aptos a ensinar, após os

trinta anos, eram selecionados cuidadosamente os livros que exerciam rigoroso

controle sobre as questões a serem trabalhadas, especialmente em Filosofia e

Teologia.

Os cursos considerados inferiores, Humanidades, tinha por propósito o domínio

de uma prática voltada para o estilo literário de autores clássicos. Com essa

orientação, a formação da elite colonial adequava-se à política colonial, uma vez que a

orientação universal jesuítica era baseada na literatura antiga e na língua latina e, no

Brasil, esses cursos eram compostos de quatro séries para assegurar o domínio da

gramática e de conhecimentos humanísticos, de modo a propiciar ao aprendiz domínio

da expressão exata e clara associada à elegância e riqueza de uso de recursos

retóricos, voltados para a persuasão. A complementação desses estudos era feita na

metrópole. Desta feita a formação em Direito, Filosofia e Medicina, da grande maioria

dos homens graduados do Brasil ocorria na Universidade de Coimbra, conforme aponta

a história da intelectualidade brasileira no tempo do Brasil Colônia. (SERAFIM LEITE,

1938).

O privilégio do trabalho intelectual, em detrimento do manual, afastava os alunos

dos assuntos e problemas relativos à realidade imediata. A grande parte da população

era escrava e iletrada. Para os letrados, o mundo civilizado estava lá fora e servia de

modelo para os modos de ser e de agir na colônia. Dessa maneira os letrados

acabavam por rejeitar não apenas esta maioria iletrada, excluindo-os das decisões

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político-sociais, de maneira a contribuir com a Coroa para exercer o domínio na

colônia. Essa atitude mantém o traço de dominação: problema com o qual o Brasil,

ainda, convive no século XXI. (SANTOS RIBEIRO, 1998).

2.7 Outras ações dos jesuítas

O contraste desse trabalho árduo foi a lenta e gradual substituição, no raio de

influência dos missionários, das línguas, costumes e usos da terra, de modo a se poder

considerar que os Jesuítas foram os agentes de desintegração de valores nativos e

também dos caboclos. Assim procedendo, eles procuravam substituir suas danças,

cânticos e festivais que, segundo a visão jesuítica, estavam em desacordo com a moral

católica e as convenções européias. Com o papel desempenhado pelos missionários, é

possível apreciar o valor enorme da catequese na formação do Brasil.

Os jesuítas, em sua rede de escolas, ao mesmo tempo em que desorganizavam

a cultura indígena, buscava nos colégios e nas igrejas restaurar e manter na sua

integridade a civilização ibérica que, conforme apontado, passara por profundas

transformações e, tendia a dissolver-se na Colônia, sob as poderosas influências

indígenas e africanas, além de ser ameaçada pelas invasões estrangeiras. Durante

dois séculos os jesuítas foram os guias sociais e culturais da Colônia, os guardiões da

civilização, da unidade do poder espiritual e político, representados nas pessoas do

padre Manuel da Nóbrega e Anchieta.

O fragmento abaixo de uma carta do padre Luís da Grã, informa a Santo Inácio

sobre as dificuldades desses padres que buscavam fazer com que os nativos

deixassem de ser nômades. Assim informa o padre Luís que, embora Nóbrega busca-

se “(...) conservar os nativos ao redor dos Jesuítas (...). A presença deles é precária,

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instável e prontos para a mudança, na primeira oportunidade (...) difícil conservá-los

fixos na colina sagrada.” (FERREIRA, 1970, p. 91-92).

Essa qualidade de andejos dos brasilíndios tornava difícil o trabalho de

sistematização da catequese, além do que era difícil mantê-los casados com uma única

mulher, o que cria empecilhos para manter os habitantes das povoações fundadas no

mesmo lugar. Considera o padre Luís ser necessário evitar o perecimento de São

Paulo de Piratininga porque a aldeia é posto chave da civilização, da catequese e da

unidade do Brasil: um aldeamento continuamente atacado pelos tamoios incitados

pelos franceses. Diante dessas informações levadas a Mem de Sá, pelo padre Manuel

da Nóbrega, aquele governador

(...) transpõe a Serra do Mar sem perder tempo. Ambos estão em Santo André, em casa do Patriarca dos Bandeirantes. Padre Manuel da Nóbrega expõe o estado miserável da povoação fundada por ele. São Paulo de Piratininga, a seu ver, precisa ser defendida. Se ela desaparecer, desaparecem a catequese, o catolicismo e a civilização portuguesa, do Espírito Santo para baixo. É preciso mudar a população lusitana de Santo André e a respectiva Câmara para junto do Colégio de São Paulo. João Ramalho concorda (FERREIRA, 1970, p. 91-92).

Segundo o relato desse padre, Mem de Sá ordena aos filhos de João Ramalho

que se mudem para a Vila de São Paulo de Piratininga que, como outras poderiam vir a

desaparecer (FERREIRA, 1970).

A bibliografia lida aponta não só a sistematização de uma política de ocupação e

povoamento do Brasil Colônia, controlada pelos Jesuítas e pelos representantes do

Estado Português, mas também a influência que eles exerceram junto a Casa Grande.

Informa-se que na família patriarcal, a única força que se contrapunha a ação educativa

dos Jesuítas era a de senhor de engenho. Este, com sua autoridade soberana,

dominava do alto não só a escravaria, mas a mulher e os filhos, mantidos à distância

da justiça e da polícia da região. Os Jesuítas não tardaram a penetrar e quebrar, em

proveito da Igreja, esse modelo de organização familiar, exercendo influência religiosa

sobre a mulher e filhos desses senhores. Segundo a tradição da família portuguesa os

filhos eram assim educados: o mais velho, o herdeiro, seguia o destino paterno; o

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segundo, os estudos no colégio para ir concluí-los na Europa; e o terceiro entrava para

a Igreja, preparando-se para ser padre e, aos 15 anos, professava sua fé religiosa. Tal

tática também era empregada com as famílias indígenas e dos colonos brancos que

aos Jesuítas confiavam seus filhos para que eles os educassem. (AZEVEDO, 1963).

Essas crianças iam para os internatos religiosos e se tornavam “filhos dos

padres” ou “da Igreja”, deixando ser filhos do cacique, dos senhores de engenhos, bem

como das mães caboclas. O resultado desse procedimento, por vários séculos garantiu

a transmissão de uma cultura homogênea, fundada na religião católica e no uso da

língua portuguesa como matriz de uma identidade que se construiu ao longo da

colonização. Justifica-se, assim, a força agregadora da ação dos Jesuítas. Observa-se,

porém, como força desagregadora desse trabalho, a preparação para os jovens que

continuavam seus estudos na metrópole. Nesse caso, esses filhos da Colônia se

aproximavam uns dos outros quando chegavam a Coimbra, oriundos de suas

capitanias e em Portugal expandiam seus horizontes para além das fronteiras de suas

capitanias. Entenderam estarem sendo subjugados por hábitos morais e modos de

raciocinarem inerentes aos portugueses. (AZEVEDO, 1963).

As lembranças de suas famílias, a diversidade de costumes e tendências, bem

como a situação de inferioridade em relação aos estudantes reinóis, tendiam a uni-los

cada vez mais e a brotar um sentimento de amor em relação à terra de origem. Esse

sentimento nativista contribuiu para a concepção de uma pátria que, embora primitiva e

rude tinha suas fronteiras móveis, em formação. As descrições e os sentidos que

expressavam em relação a essa pátria atraiam para o Brasil seus colegas lusos que

aqui chegavam e ficavam. Nessa acepção, esse sentimento de nacional de caráter

nativo não se desenvolve apenas pela concepção de raça ou de língua, mas por uma

livre escolha refletida que proíbe a esses brasilíndios pensar que poderiam pertencer a

uma outra pátria que não àquela que os viu nascer: túmulo de seus antepassados, mas

o berço que os embalou e para qual sempre voltaram e consigo trouxeram muito de lá.

(AZEVEDO, 1963).

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2.8 Considerações finais

A pesquisa registrada neste capítulo remete-se a um tempo em que a língua

portuguesa de caráter arcaico e provençal convivia comas línguas dos nativos

brasileiros, com aquelas de alguns poucos escravos dos engenhos da cana de açúcar e

as de outros europeus que por aqui passavam. Essas diferentes línguas em contato

fazem do território brasileiro um país bilíngüe e respondem pelo que Orlandi (2001)

designa como força desagregadora, visto que cada um desses sistemas lingüístico

mantém-se articulados, no período investigado. A força agregadora tem como matriz o

processo de idiomatização desse português arcaico-provençal que, conforme apontado

no corpo da pesquisa, é produto de várias outras línguas que se colocaram em contato

no fluxo da própria história da Península Ibérica. No percurso dessa história, apontou-

se que oficialização da língua vulgar por D. Dinis fez dela língua de uso obrigatório, de

sorte a assegurar a edificação do Estado Português.

Nesse sentido, pode-se asseverar que a força agregadora tem por suporte a

planificação de uma política lingüística voltada para a prescrição de uma norma — o

falar lisboeta, no caso de Portugal — capaz de assegurar o maior grau possível de não

variação do uso escrito. Essa política de implantação de instituições estatais, dentre as

quais se inserem aquelas voltadas para o ensino, responsáveis pela aprendizagem da

norma oficial.

A sistematização e consolidação desse processo de planificação, conforme

apontado, exigem a descrição gramatical e lexical da norma lingüística oficializada, de

que resulta a produção de gramáticas e de dicionários ou glossários: trabalho realizado,

a princípio, por abades e monges e cujo propósito era a compreensão de textos

arcaicos registrados em língua latina ou grega. (cf. p. 61)

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Faz-se necessário ressaltar que, até o século XIV, não se tem a produção de

gramáticas e/ou dicionários desse português arcaico-provençal visto que tais obras

terão como marco de sua produção o século XVI. Entretanto, antecedendo à produção

das gramáticas de Fernão D’Oliveira e de João de Barros, os estudos filológicos e

lexicográficos da língua portuguesa se fizeram presentes para registrar traduções de

trabalhos de agricultura, de medicina, de jurisprudência, de engenharia herdados dos

greco-latinos. Tais traduções, com se sabe, implicavam a recontextualização das

formas léxico-gramaticais pela língua oficial portuguesa dos séculos XIII e XIV,

aproximadamente e delas resulta a latinização do português escrito (cf. p. 63-64).

Observa-se que a norma lisboeta, em fase de latinização, arrastava consigo matrizes de

significados lexicais oriundos do substrato, adstrato e superestrato o grego, o latim, o

celta, o árabe e o germano.

É nesse contexto que, à semelhança das gramáticas de Fernão D’Oliveira e de

João de Barros — que tomam a gramática greco-latina como modelo de descrição

lingüística do português — Jerônimo Cardoso produzirá a primeira obra lexicográfica da

língua portuguesa, composta por três volumes, na qual também usará como parâmetro

da língua latina para descrever as formas vocabulares da portuguesa. Esse dicionário,

de caráter bilíngüe, tem o vocabulário da língua latina como ponto de partida e o da

língua portuguesa como ponto de chegada para acentuar p sentido de pertença a uma

língua de civilização, conforme fora o latim. Como todo dicionário bilíngüe, descreve a

equivalência entre o vocabulário do português e aquele do latim, num segundo

momento.

Observa-se, nos registros da bibliografia consultada, que, desde o século VI e

em razão da imposição do latim como língua de cultura, se intensificam as traduções de

textos arcaicos, de sorte que o estudo das significações lexicais se torna relevante.

Advém da necessidade de compreensão desses textos, a produção de enciclopédias,

glossários e listas de palavras ou dicionários. Para Nunes (2002), os glossários já

podem ser diferenciados das listas temáticas de vocabulários que transitam em uma

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língua para outra, dissociados dos textos originais, pois aqueles estão vinculados a

esses e têm por objetivo a prática da decodificação significativa desses últimos. Assim

sendo, os significados dos vocábulos de um glossário sempre estavam registrados no

meio ou à margem dos próprios textos, ou seja, circulavam com os textos e não

dissociados deles. Posteriormente, passam a ser organizados em ordem alfabética ou

por domínios temáticos — medicina, engenharia, agricultura... — É dessa autonomia do

glossário que emergem os dicionários, já presentes no ensino da língua latina do século

XI. Contudo, eles têm função didática.

Esse percurso historiográfico da forma e registro do vocabulário português, tendo

por parâmetro o latim, será reiterado na descrição do português brasileiro no fluxo do

tempo que se estenderá após o século XVI. Assim, é do século XVII o Dicionário

Brasileiro Português, de Frei Veloso e do século XIX o Vocabulário na Língua Geral, de

Frei dos Prazeres do Maranhão. A corpora desses dicionários é constituída por textos

de caráter religioso que são acumulados nos arquivos europeus após a expulsão dos

jesuítas das terras do Brasil.

No que se refere à formação do vocabulário português-brasileiro, no século XVI,

apontou-se serem os missionários os precursores de uma política lingüística em terras

da colônia, planificadas pela elaboração de uma gramática e de um dicionário. Essa

política teve como fundadores os padres Manuel da Nóbrega e José de Anchieta, mas o

segundo o responsável por tornar a língua indígena objeto de conhecimento, de

descrição e de interpretação.

Os jesuítas, portanto, ao constatarem a impossibilidade de exercer o papel de

catequizadores dos indígenas em língua latina, entendem ser necessário fazer uso das

línguas indígenas faladas na costa litorânea do continente. Mas, para tanto, era preciso

discipliná-las, homogeneizá-las e diferenciá-las da língua do colonizador. Esta é a razão

por que se pode considerar que o dicionário anchietano é do tipo bilíngüe, de sorte a

servir para o aprendizado dessa língua homogeneizada: a língua geral.

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O aprendizado não estava circunscrito apenas à formação de novos mestres

para as escolas de ler, escrever e contar, mas também se estendia aos curumins e/ou

filhos de colonos que aprendiam o português pelo tupi-guarani, ou vice-versa. O método

de ensino, conforme apontado, era sustentado pelo princípio da intertextualidade —

orações, narrativas dos textos sagrados, canções indígenas e portuguesas, perguntas

em português, respostas em tupi-guarani ou vice-versa, mas sempre exigindo que

fossem reformulados em língua portuguesa. Por conseguinte, justifica-se o trabalho de

Anchieta em traduzir textos bíblicos para a língua geral e divulgá-los por meio de

catecismos e de encenações religiosas.

Os resultados desse trabalho de Anchieta levam o padre Luis da Grã a impor o

uso obrigatório da gramática anchietana nas escolas de ler, escrever e contar,

conforme registra Capistrano de Abreu (1975), em “A Obra de Anchieta no Brasil”.

Assim sendo, ao aprenderem a língua usada na costa, os missionários pregam em tupi-

guarani ou na língua geral e as ensinam nas escolas para serem compreendidos e

exercerem seu papel de catequizadores. Contudo, ao ensinarem o português pela

língua geral, contribuem com o processo de idiomatização do português arcaico-

provençal em terras do Brasil e, assim procedendo, desencadeiam a força agregadora

inscrita nos movimentos e desagregação de uma colônia bilíngüe.

Resta, por fim, considerar que os processos de lexicalização observados nos

textos anchietanos distanciam-se da técnica lexicográfica já praticada em Portugal, pois

as palavras de entrada no seu dicionário são sintagmas e não vocábulos isolados (cf. p.

85), ainda que possa encontrar uma ligação termo a termo: “parir >> xemembîrar”, mas

estes são casos mais raros. Esse distanciamento explica-se pela necessidade de

construção de novos/outros modelos de designação pelos quais os indígenas

designavam um outro mundo que, até então desconhecido dos portugueses, precisava

ser por eles conhecido. Por conseguinte, fazia-se necessário designar novas

referências fazendo uso do sistema da língua portuguesa. Para atender a essa

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necessidade, conforme comprova Anchieta, o único meio era valer-se da produção de

textos de caráter enciclopédico e não lexicográfico.

Tal procedimento também se inscreve na literatura dos viajantes e na própria

Carta de Pero Vaz de Caminha, apontando a dificuldade de usar uma língua já

estratificada para funcionar como apoio para se compreender e dizer um outro mundo,

outras línguas. Conseqüentemente, o processo de lexicalização do português brasileiro

tem os seus registros nos primeiros documentos históricos, nos quais a sistematização

e oficialização desse vocabulário tiveram Anchieta como marco inicial de um trabalho

que duraria em torno de dois ou três séculos.

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CAPÍTULO 3 A LEXIA E SUAS EXPANSÕES NO SÉCULO XVI: UMA PROPOSTA DE ANÁLISE

3.1 Considerações iniciais

Os capítulos que antecedem a este buscaram registrar a articulação entre léxico,

memória e história, de modo a apontar que a construção do léxico do idioma português

brasileiro é produto de línguas em contato, quer em relação àquele transplantada para

o Brasil - por meio do português arcaico e provençal, falado pelos colonos que aqui

chegaram ao longo do século XVI - quer em relação às línguas que se fizeram em

contato na nova terra no referido período. Nesse sentido, buscou-se compreender que

a história do léxico está relacionada com a historicidade de um povo, o que implicou a

transformação dos fatos lexicais.

Essas línguas de contato e os diferentes discursos que nelas eram/foram

produzidos respondem pelo deslocamento, empréstimos e certo grau de estabilidade

das unidades lexicais, de modo a se poder dizer que o léxico se modifica no espaço da

interdiscursividade produzida por povos diferentes e dos quais resulta a formação de

um novo vocabulário pela incorporação de outros adstratos, substratos e superstratos.

Afirma Maingueneau (1997) que o interdiscurso3 pode ser operado com a concepção

de um conjunto de unidades discursivas com as quais ele estabelece relações. Tais

unidades podem abranger dimensões variáveis como locuções ou enunciados que

ligados às palavras contribuem para dar um valor simbólico.

3 Assume-se a concepção de interdiscurso proposta por Maingueneaus: um discurso tem por matriz outros discursos, ou seja, discurso sobre outros; por isso é social

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Entende-se que a interdiscursividade que qualifica o século XVI, reconstrói os

discursos dos jesuítas, dos colonos portugueses e dos nativos, ao longo de outros

séculos que se seguem à descoberta e invenção do território americano. Nesse

movimento de reinvenção, criam-se modelos para que os homens aqui chegados e

aqueles que aqui viviam possam se conhecer e se compreender. Uma dessas

invenções, conforme apontado no capítulo II, é a língua geral cuja descoberta arrasta

consigo a história de náufragos, navegantes, desterrados e escravos, dentre outros. As

matrizes dessas outras/novas histórias se inscrevem na reconstrução do vocabulário

desses homens, para se fazer remissão a elas. A discursividade dessas histórias

prefigura novos/outros campos discursivos:

(...) espaços em que um conjunto de formações discursivas – enunciados e identificáveis por seguirem, num mesmo sistema de regras, historicamente determinados (...) que se constituem e se mantêm no interdiscurso – estão, em sentido lato, uma relação de co-ocorrência, delimitando-se reciprocamente (MAINGUENEAU, 1997, p. 16 e 51).

Este capítulo trata da análise do vocabulário por campos lexicais, de modo a

verificar como diferentes vocábulos vão se remetendo a diferentes campos do

conhecimento para designar o velho e o novo ou o novo pelo velho (TURAZZA, 2005).

Como exemplo de expansão da base do vocabulário da língua portuguesa,

selecionou-se o campo das frutas, cuja análise apresenta o item lexical “manga”. No

fluxo desse procedimento analítico, buscam-se outros exemplos para apontar

mudanças e transformações do vocabulário da língua portuguesa, em função da

criação de outros campos de significação.

Tem-se por pressuposto que o vocabulário descrito por dicionários são

designações que condensam um conjunto de predicações que se remete a significados

de alta freqüência dos quais os usuários de uma dada língua fazem uso em suas

práticas discursivas. Nesse sentido, os significados descritos pelos lexicógrafos são

aqueles que estão em circulação numa dada comunidade, em uma dada

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118

contemporaneidade. Os vocábulos descritos por Beaurepaire-Rohan, em 1881, a partir

de uma pesquisa realizada em textos do século XVI, apontam para os significados das

designações vocabulares remetendo-os a sentidos de maior freqüência. Observa-se

que este lexicógrafo incorpora vocábulos do Dicionário de José de Anchieta e os

expande por conjuntos vocabulares coletados em textos da literatura dos viajantes.

Ressalta-se que, no prólogo de sua obra, o autor registra que o seu dicionário de

vocábulos brasileiros poderia ser mais rico, diante das denominações vulgares dos

produtos naturais, das tribos dos aborígines que existiam e ainda existem, das

localidades cuja etimologia é rica e poética. Entretanto, não o fez por recear não poder

publicá-lo em vida, já que tinha idade avançada e, como ele mesmo coloca, “não é lícito

confiar na vida”. O seu desejo era que a obra servisse de base a outros trabalhos “tão

ricos e com grande proveito da nossa Literatura”.

O corpus contou com um grupo de lexias que faz nossas mentes se deliciarem

com a riqueza contida em suas páginas. São frutos da terra – a Terra Brasilis – rica em

todos os aspectos, nossa flora, fauna, cultura aborígine, a qual acolheu em seu seio,

africanos, europeus, asiáticos. Afirma o pesquisador que a língua portuguesa já no

século XVI era distinta da língua-mãe, talvez pelas línguas que, aos poucos,

mesclaram-se a ela.

Reitera as muitas dificuldades para representar sons completamente estranhos

ao nosso alfabeto, e assim nasceram convenções ortográficas que, no seu tempo, cada

um procurava justificar a seu modo. Os sons guturais, por exemplo, que alguns jesuítas

portugueses designaram por “ig”, o autor substituiu por “ÿ”, porém os editores, por

dificuldade de composição gráfica, conservaram nestes casos, a grafia jesuíta de “ig”. A

transcrição do grupo de vocábulos retirada do dicionário seguirá a grafia, pontuação e

acentuação, como também, algum provável equívoco constante da obra, em

consideração ao trabalho do autor.

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119

Apresenta-se, no corpo deste capítulo, apenas um exemplo para indicar o

procedimento analítico adotado para tratar da organização do vocabulário da língua

portuguesa brasileira. Entretanto, a organização dos vocábulos descritos por

Beaurepaire-Rohan na sua obra lexicográfica está sistematizada por campos

semânticos e consta dos anexos desta Dissertação. As definições apontadas pelo autor

fizeram referência a um universo vocabular bastante extenso razão por que, ainda hoje,

os registros dos dicionários contemporâneos da língua portuguesa prendem-se a elas.

3.2 A origem da concepção do termo campo

A bibliografia sobre teorias que se remetem ao desenvolvimento da concepção

de “campo” tem por marco os estudos de Trier (1934 apud Geckeler, 1984), em que se

registra a existência de uma “Babélica confusão terminológica” em relação a esse

conceito. Isso se deve ao fato de o termo “campo” ser adjetivado por expressões como:

campo lingüístico, campo lexical, campo semântico, campo conceitual, campo léxico ou

lexical e, hoje, campo discursivo.

Segundo Geckeler (1984), tal indefinição justifica-se quando se observa que

Tgnér (1874 apud Geckeler, 1984) antecipa a idéia de se elaborar uma teoria referente

ao campo dos estudos lingüísticos e faz uso dessa palavra pela primeira vez. Em 1910,

Meyer, (apud Geckeler, 1984), publica um artigo cujo título é “Sistemas Semânticos”,

demonstrando de forma bastante coerente e detalhada a idéia de campo. Nesse

trabalho, afirma que um campo se define como um sistema semântico que se explica

pelo agrupamento de um número limitado de expressões ou lexias, organizadas ou

relacionadas pelo princípio da semasiologia.

A semasiologia designa em semântica lexical, o estudo da significação dos

conteúdos das lexias da classe de designação, cujo ponto de partida é a análise de

desses conteúdos para se poder precisar o campo conceitual a que eles fazem

referência. Trata-se, portanto, de um procedimento que se opõe ao de onomasiologia:

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aquele que parte do conceito ou noção, de modo a verificar como se manifesta em

língua, no plano do significado do signo. Assim, se o procedimento semasiológico tem

por matriz um movimento que vai do significado para o conceito, a onomasiologia se

explica pelo movimento contrário, a aquele que vai do conceito para o significado do

signo manifestado (GREIMAS, 1989).

Observa-se na medida em que os princípios da semasiologia e da onomasiologia

remetem-se aos movimentos complementares, cujos pontos de partida, a palavra e, o

de chegada, o conceito ou vice-versa, os quais não são suficientes para esclarecer a

concepção de campo. Afirma Turazza (2005) ser preciso considerar a distinção entre

palavra, vocábulo e lexia, para se compreender a noção de campo, quer semântico,

quer conceptual.

3.2.1 A distinção entre lexia, vocábulo e palavra

Fundamentando-se em estudos lexicológicos, Turazza (2005) assevera ser a

lexia ou signo lexical um elemento oferecido aos interlocutores que fazem uso de uma

dada língua para construir e revelar visões de mundo, ideologias ou valores, de modo

que a lexia é lugar de estabilidade, de regularidades inscritas nas variabilidades da fala

ou de diferentes discursos. Assim, empregada em diferentes discursos, a lexia ganha

em cada um deles graus de estabilidade, de maneira que, focalizada na dimensão

discursiva, ela se torna vocábulo e materializada pelo plano de expressão da fala ela se

faz palavra. Nessa acepção, a palavra é a materialização de uma lexia por meio do

vocabulário de uma língua.

Segundo esta autora, uma palavra pode corresponder a vários vocábulos como

é, por exemplo, o caso da palavra “manga”, que ao ser empregado no discurso da

moda, remete-se ao campo conceptual de vestimenta, mas ao ser empregada no

discurso da alimentação, remete-se ao campo conceptual de fruto comestível; contudo,

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se empregada em discursos que fazem remissão à meteorologia, pode designar a

chuva que cai nos meses de agosto e setembro – chuvas rápidas, passageiras que

levam ao florescimento das mangueiras, razão pela qual chuva é designada “chuva de

manga”. O fato de a “manga”, ser um fruto tropical, própria de países ou regiões, cuja

temperatura raramente está abaixo de vinte graus, “a chuva de manga” é aquela que

não encharca o solo, pois seu nível pluviométrico é baixo. Nesse sentido, ela não se

confunde com “a chuva de inverno”: aquela que traz consigo não a florada das

mangueiras, mas o frio.

3.3 Organização dos conhecimentos lexicais na memória As lexias da classe de designação, conforme apontado no exemplo acima,

jamais são empregadas de modo isolado, pois elas se encontram reunidas em grupos

semânticos. Nessa acepção a palavra “manga” quando é remetida ao campo

conceptual de vestimenta está associada à blusa, camisa, casaco, vestido, paletó, por

exemplo; quando remetida ao campo conceptual de frutas está associada a diferentes

espécies – manga manteiga, manga Bourbon, manga espada, manga coquinho, manga

rosa, manga coração-de-boi, etc., ou a outras frutas, como: melão, melancia, abacaxi,

banana, etc. Se remetida ao campo conceptual de chuva, associa-se a outras espécies

ou tipos, como chuva-de-vento, chuva torrencial, chuva moderada, chuva de granizo,

ou pedra, chuva congelante, chuvas equinociais – estação das chuvas próximas do

equador; chuvas zenitais – nas regiões tropicais e subtropicais. Acrescenta-se, ainda:

chuva de poeira, chuva de meteoros, chuva ácida, chuva de lama, chuva artificial,

chuva glacial, chuva de cinzas vulcânicas, chuva de convenção, oriunda do movimento

ascendente das massas de ar; chuva de pedra-pomes, chuva pirotécnica, entre outras.

Assim, a cada uso discursivo de uma palavra ela forma uma relação associativa com a

sistematização de outras, que resulta em um campo semântico, este, estruturado como

se fora um mosaico em que o conteúdo de um vocabulário faz remissão ao de outros

do mesmo campo semântico.

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Observa Turazza (2005) que os conceitos não estão justapostos na memória

humana, pois eles estão integrados e estruturados, de modo que, ao serem acionados

por uma palavra, eles se tornam rapidamente acessíveis uns a partir de outros. Nessa

acepção os dados da memória se qualificam por conjuntos de atributos, de maneira que

uma palavra apresenta relações seletivas com algumas outras, em função dos atributos

comuns a duas ou mais palavras a que se referem. Tais relações são do tipo semântico

e possibilitam associar, por exemplo, mesa a cadeira; martelo a prego e prego a

parede, bem como a quadro ou ainda coco a cabeça e cabeça ao papão. Como

exemplo, no século XVI, o vocábulo “coco” é assim definido:

CÔCO (1°), s. m., nome com que se designa geralmente a fruta de qualquer espécie de Palmeira, quer indígena, quer exótica, acompanhando-o sempre de um epiteto especifico: Côco da Bahia (Côco nucifera); Côco de dendê (Elaeis guineensis); Côco de catarro (Acrocomia sp.), etc. || Etim. É vocábulo estrangeiro, talvez africano ou asiático.

CÔCO (2°), s. m. Espécie de vasilha feita do endocarpo do Côco da Bahia, no qual se embebe, perto da boca, um cabo torneado. Serve para tirar água dos potes. Por extensão, dá-se o mesmo nome a vasilhas análogas feitas de metal ou de outra qualquer materia: Um côco de prata, de cobre, de folha de Flandres, de madeira, etc. (BEAUREPAIRE-ROHAN, 1881)

Nesse caso, tanto no primeiro, quanto no segundo conjunto definitório, o

vocábulo coco tem por matriz de significado na sua base vocabular a propriedade de

“contedor”. No primeiro conjunto o coco contém água, cujas propriedades equivalem

ao soro, isto é, solução líquida orgânica ou mineral empregada na reabitação ou

alimentação de pessoa enferma; logo água medicamentosa: coco-da-baía. No caso de

coco-de-dendê ou coco-de-catarro, o contedor é uma castanha da qual se extrai o óleo

de dendê; já o coco-de-catarro ou macaúba, ele é assim designado em razão da polpa

que envolve a castanha, usada como medicamento expectorante pelos indígenas.

Ressalta-se que, por analogia com o crânio humano, a cabeça cujo conteúdo é o

cérebro, passou a ser designado por coco. Segundo Houaiss (2001), já no século XVI

esta era uma designação hiperonímica, visto que por ela os portugueses designavam

diferentes tipos de palmeiras e por “coco” o fruto dessa palmeira, eles recorreram a

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semelhança existente entre esses frutos e a cabeça. O fato de eles usarem

reproduções de cabeças para assustar as crianças, implicava o uso da palavra “papão”:

cabeças que papam as crianças, daí a associação entre papão – cabeça e coco.

Afirma, ainda, Houaiss (2001) que o termo “papão” teria origem no vocábulo

calcãre do francês, cujo significado é “pressionar”, “apertar”; já empregado por esse

povo com vistas a fazer referência à concepção de “fantasia” ou “espírito”. Em alemão,

designa-se Alpdruck ao espírito chamado Alp: “aquele que pertuba o sono”. Assim, o

termo “papão” está na constituição do português provençal que tem como origem

calcãre+mar lexicalizado em alemão como “espírito noturno”, transplantado para o

português como “papão”: bicho que tem cabeça semelhante ao coco: fruto redondo do

coqueiro que é encontrado pela primeira vez por Vasco da Gama em território Asiático,

tendo sido designado por “papão”. Observa-se que a qualidade de contedor permeia

todas essas significações.

Nessa acepção, as relações entre propriedades são do tipo semântico e

possibilitam associações como as já mencionadas anteriormente Por conseguinte, é

preciso compreender que há dois tipos de dicionários: um, cuja organização está

centrada nas formas significantes do signo e que são produtos do trabalho do

lexicógrafo, ou seja, pela ordem alfabética; o outro é o dicionário mental, cuja

organização está centrada no significado das formas significantes. Tais discursos

organizam-se, conforme demonstrado acima, por relações associativas de caráter

funcional, ou de cada item lexical se associar a outro (s) por critérios diversos: na

mesma propriedade semântica, ou funções semânticas (martelo-prego-quadro-parede).

Essa pesquisa privilegia o dicionário cognitivo, isto é, concebido como processo,

mas se tem como ponto de referência o dicionário produto, aquele referente à obra de

Beaurepaire-Rohan, editado em 1881.

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3.3.1 Os conhecimentos lexicais e os processos de categorização

Para os psicolingüistas, as categorias são aprendidas, de modo natural, tal qual

a própria língua, e delas, o homem faz uso tão freqüente, de modo que ele sequer se

dá conta da sua existência. Esse uso automatizado faz com que se deixe de questionar

se todo animal que tem o corpo coberto de penas, que é ovíparo, tem asas e voa é de

fato um pássaro, pois o pingüim, por exemplo, embora tenha todos esses atributos, não

voa, mas nada. Todavia, o fundamental é o fato de usarmos essas categorias como

eixo na/para a compreensão dos sentidos que atribuímos ao mundo, de maneira que as

categorias se fazem presente nas mais variadas formas de conhecimento.

Para os cognitivistas as categorias são propriedades mentais compartilhadas e

elas decorrem de modelos culturais regionais ou universais. Como as culturas humanas

são variáveis, as categorias também o são; de forma que a vaca pode ser categorizada

como animal sagrado, como fonte de alimentação, visto que ela fornece leite e carne.

Desta feita, uma fazenda produtora de leite ou carne bovina, dependendo do preço do

leite ou da carne estabelecido pelo mercado, levará os produtos a classificar a vaca

como fonte de lucro ou de prejuízo.

Compreende-se, assim, que as categorias são socialmente construídas e elas

funcionam não só para organizar e compreender o mundo, mas também para falar

sobre ele e, nesse sentido, elas são empregadas para produzir visões e versões

variadas sobre conhecimentos de mundo. Logo, elas dão sentido à existência humana

e não são fixas, ainda que parte dos seus atributos jamais possa ser negada: o

pingüim, embora tenha o corpo coberto de penas, tenha bico e seja ovíparo é uma ave,

muito embora as suas asas associadas a seus pés, de nadadeiras contribuam para ele

nadar, e não voar. Por conseguinte, o pingüim é um pássaro que tem maior grau de

similaridade com o pato, que também não voa, mas é tão ave quanto ele.

É nessa acepção, segundo Lepot-Froment (1999), que se deve compreender as

propriedades de um conceito, ou seja, “ter asas” é uma propriedade do conceito de

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pássaro: todavia, ele não se constrói por uma única propriedade, mas por várias que

englobam todas as aves, razão pela qual o conceito de pássaro abarca uma relação de

todas essas propriedades extensivas ao conceito de diferentes espécimes de pássaros.

Observa a autora ser necessário considerar o grau de relação entre as

propriedades de um conceito extensivas a várias espécies de seres ou objetos, pois a

relação entre mesa e cadeira é mais forte do que aquela existente entre mesa e

armário. Assim, para organizar um campo conceptual por meio do léxico é preciso ter

como critério o maior grau de adesão entre aquelas propriedades que facultam

identificar um dado campo conceitual. A autora também chama a atenção para

conceitos que se relacionam pela reciprocidade, ou seja, “manga” é uma designação

genérica que se remete ao campo conceptual “frutas”, de forma que quando se busca

organizar campo semântico de “manga”, para configurá-lo pelo campo semântico de

frutas, é preciso tomar manga como hiperônimo: designação genérica que abarca os

seguintes hipônimos – manga coquinho, manga rosa, manga espada, manga coração-

de-boi, manga Bourbon, entre outras, conforme já apontado, cada tipo de “manga”

designará um nó que por sua vez estará vinculado ao nó que tem por designação

“manga” e esta ao nó de frutas, conforme se aponta abaixo:

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Esse processo de categorização e recategorização de caráter cultural,

responderá pela sua manutenção ou remoção do vocabulário do português brasileiro.

Observa-se o seguinte fato, quando se recorre:

a) ao tupi-guarani, em que o uso do vocábulo caá pyir, empregado pela tribo dos

tupinambás remete-se ao significado de “limpar o mato baixo”. Assim, caá significa

“mato” e pyir “varrer”. Já os guaranis expressavam essa mesma concepção pelo uso

do vocábulo caá pyir . Ressalta Ribeiro (2002) que, para preparar a terra para o cultivo,

os indígenas derrubavam as árvores com machados de pedra e faziam a coivara =

queimada. Logo, a terra capinada era aquela invadida pelo mato após uma dada

colheita. Observa o autor que os homens indígenas preparavam o solo; todavia, eram

as mulheres que se ocupavam em preservar as sementes para cada nova plantação,

cabendo a elas o próprio plantio, bem como a colheita e o cozimento dos alimentos.

Segundo Vilas Boas (2000), tal fato se deve em razão de o mundo primitivo ser

estruturado pelos quatro elementos naturais: a água, o ar, a terra e o fogo. Se os

homens eram representantes da água e do ar, cabia a eles caçar e pescar; às

mulheres, em razão de ser elas aquelas que simbolizam a fertilidade, associavam-se à

terra e ao fogo, visto também em ser as responsáveis pela transformação e criação do

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homem – cabia-lhes, portanto, plantar, colher e cozer. Assim, o mandubi ou membudi, o

aipim ou macaxeira, o jerimum ou jerimu, (pi’poc) pipoca ou poporoca – grão de milho

que explode, o fumo, etc.;

b) ao português provençal que desloca para o Brasil o vocabulário:

b1) “carpir”, do latim carpo = arrancar, desprender, repreender, atormentar;

b2) “carpir” do latim carpere = arrancar a erva que afogava o trigo no campo

para poder colhê-lo.

Nesse sentido, a base lexical dos dois termos latino-portugueses, “carpir”,

pela origem de carpo, categoriza a “carpideira” como mulher mercenária que tem a

função de prantear os mortos durante os funerais. A carpideira, por conseguinte, é paga

para arrancar do peito lamentos de modo a produzir lágrimas por um defunto que não é

um dos seus, de maneira a representar o lamento da perda. Sabe-se que o número de

carpideiras em um velório no século XVI, e subseqüentes, sinalizava a importância

social do morto. Tal costume povoa, ainda hoje, os sertões nordestinos, configurando o

campo discursivo da morte, avaliado como tempo de tormento que, uma intersecção

com o campo do capital material, fez-se profissão da qual sobrevivem as carpideiras:

na categoria de mulher.

O “carpir”, pela origem do carpere, assemelha-se ao caá pyr ou aicaápi e,

no campo discursivo da agricultura, categoriza o processo de preparar o solo para um

plantio – indígena - ou arrancar o mato que cobre a lavoura – portugueses. Assim,

“carpir” recobre, hoje, as duas dimensões significativas desse campo, de modo que,

para Beaurepaire-Rohan (1881), houve uma permuta entre os fonemas da língua tupi e

da portuguesa, seguindo de uma síncope e uma acomodação entre os três vocábulos.

Dessa acomodação, o verbo “carpir” passa a recobrir os dois sentidos: limpar o terreno,

arrancando o mato baixo.

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3.3.2 A organização dos conhecimentos lexicais por redes

O modelo por redes tem caráter composicional e está fundamentado na

concepção segundo a qual um campo semântico se organiza por um conjunto

vocabular que compreende uma combinação de características ou traços invariantes.

Trabalhados pela semântica da língua, os campos semânticos não se confundem com

os campos discursivos, pois na língua o vocabulário não está apreendido como espaço

de interlocução, razão pela qual um campo semântico organizado em língua não

apresenta variação. Já no discurso haverá variação, visto que ao significado do

vocabulário em uso são indexados sentidos inerentes ao modelo de contexto

situacional e, conseqüentemente, mudança de categorização, implicando mudança de

campo conceptual: “O seringueiro caminhava pela manga da floresta” = caminho ou

ramal de uma estrada num seringal que tem o formato curvado, ou a expressão

“arregaçar as mangas” para fazer uma tarefa com empenho. Nesses casos, a relação

com o fruto da mangueira ou com a vestimenta é mais fraca, já que tais expressões ou

lexias foram criadas por analogia, implicando deslocamento entre conceitos de campos

diferentes.

A facilitação semântica de acesso a um conceito decorre do fato de ele em geral

abarcar diversos conceitos específicos, de modo que esse efeito facilitador depende da

subcategoria considerada: a aprendizagem do conceito de pássaro facilita o tratamento

daquele de pardal, muito mais facilmente do que o de avestruz. Do mesmo modo, o

conceito de roupa facilitará a aquisição daquele de blusa, por exemplo, e este, facilitará

a aquisição do de manga comprida, curta, japonesa, raglã, etc. Se pedirmos a grupos

de pessoas que citem exemplos de frutas constata-se que as espécies citadas são

bastante desiguais e mais desiguais, ainda, serão as respostas ao pedirmos que citem

tipos de mangas.

O uso de um conceito implica a sua ativação, de modo que quando a designação

ativa o nó mais genérico, ele se estende por proximidade com os nós específicos. Logo,

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a ativação vai se estendendo por proximidade e, à medida que um atributo é

designado, o conhecimento desse atributo por outros ou em relação a outros, vai

levando a uma propagação dos significados. Definidos quanto sua extensão, os

conceitos são tão amplos quanto mais genéricos forem; definidos em torno de atributos,

ou seja, da sua compreensão, os conceitos são complexos quanto mais específicos

forem tais atributos. Todavia, eles formam uma malha de leitura e tornam possível o

reconhecimento dos objetos no mundo.

Nessa acepção, os conceitos se organizam por campos semânticos na memória

humana e tais campos têm por nó central um protótipo, ou seja, suas características

mais representativas, codificadas como categorias mais gerais. Por conseguinte, os

conceitos pertencem a campos semânticos não porque possuem todos os atributos do

conceito ordenador que define um dado campo, mas por apresentar atributos comuns a

outros elementos do campo e poucos atributos comuns com elementos de outros

campos.

É nesse sentido que os campos semânticos se organizam em torno de um

conceito prototípico, de modo que os processos de categorização não exigem que o

sujeito possua uma definição exaustiva de categorias mais gerais. Assim, o campo

semântico de ave está organizado em torno de um protótipo – pardal, rolinha, etc., de

modo que para construir o de avestruz não será necessário compará-lo àquele de

pássaro, mas sim, ao de pardal e de rolinha para decidir em que medida avestruz

possui qualidades similares as desses dois pássaros.

Dessa forma, afirma Trier (1934 apud Geckeler, 1984) que os campos

semânticos não são estruturas parciais de uma estrutura maior, mas lugares

estruturados somente no pensamento ainda não formalizado em língua. Para esse

autor, as palavras concebidas na sua individualidade determinam mutuamente os seus

significados pelo número e situações que ocupam na totalidade do campo. Desse

modo, a exaustividade da compreensão de uma palavra isolada, depende da presença

psíquica de todo o campo e da estruturação particular de seu conteúdo. Assim sendo, a

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compreensão de uma palavra isolada implica a projeção do número de situações em

que ela funciona como signo lingüístico de um campo conceptual, pois é por meio de

relações de contrariedade, e não de contradição, que se organiza um campo

conceitual, visto que, se a palavra não participar de um campo conceitual, ela será

desprovida de sentidos.

Geckeler (1984) resgata os estudos de Trier (1934) e considera que o

vocabulário de uma língua é estruturado por relações hierárquicas, de modo a ser

concebido como um conjunto articulado em que cada elemento ou vocábulo está em

relação com a totalidade de um campo de conhecimento, mas não de maneira

imediata. Logo, existe um escalonamento para se considerar um vocabulário como

meio que faz referência a um campo de totalidade articulado conceptualmente. Para o

autor o campo é a divisão conceptual de uma determinada esfera do conhecimento, de

modo que a cada campo corresponde um conjunto do vocabulário.

Apresentam-se, abaixo, os campos semânticos do vocábulo “manga” — item

lexical selecionado para demonstrar a expansão da base do vocabulário da língua

portuguesa no século XVI — a partir de definições do Dicionário de Vocábulos

Brasileiros de Beaurepaire-Rohan (1881). Algumas extensões de sentidos foram

completadas por meio da leitura do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001).

Analisando-se as remissões que esse dicionário faz aos significados descritos como

sendo já do século XVI.

Relacionando por campo lexical:

1. campo da vestimenta: todos os tipos de mangas (vestidos, casacos, blusas,

camisas etc); fato histórico século XIII;

2. campo da espacialidade: pastos (1596), cercados, curral (forma afunilada);

RS fileira de pessoas postadas a pé ou a cavalo, que dirige o gado a uma

mangueira ou a outro lugar qualquer; ramal de estrada num seringal;

3. campo da Botânica: mangueira e seus frutos; fato histórico (1554);

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4. campo da meteorologia: chuva-de-manga, chuva-de-vento, chuva torrencial,

chuva moderada, chuva de granizo, ou chuva de pedra, chuva congelante,

chuvas equinociais – estação das chuvas próximas do equador; chuvas

zenitais – nas regiões tropicais e subtropicais. Acrescenta-se, ainda: chuva

de poeira, chuva de meteoros, chuva ácida, chuva de lama, chuva artificial,

chuva glacial, chuva de cinzas vulcânicas, chuva de convenção, oriunda do

movimento ascendente das massas de ar; chuva de pedra-pomes, chuva

pirotécnica, entre outras.

5. expressões idiomáticas:

a) arregaçar as mangas - entregar-se inteiramente a um

trabalho, a uma tarefa; pôr-se a fazer algo com empenho

e resolutamente.

b) botar as mangas de fora; atrever-se; exceder-se; tomar

atitudes censuráveis. Aquele que parecia incapaz de

fazê-lo; pôr as mangas de fora; botar as manguinhas de

fora; dar mangas. Oferecer condições para ou permitir

que algo se realize.

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A) Representação geral dos campos:

Expressões idiomáticas:

1) Arregaçar as mangas (século XVI).

2) Botar as mangas de fora (s/data).

B) Representação específica dos campos:

b1) campo da vestimenta

b1.1) representação por relações hierárquicas, segundo Trier (1934).

● Base lexical: manga

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133

● Origem: século XIII

● tipo de designação:

a) metonímica (blusa, camisa, casaco, vestido, paletó).

b) designações específicas = parassinônimos = manga curta, manga comprida,

manga ¾, manga japonesa, manga com punho, manga sem punho, manga

raglã.

Hipônimos { com manga, sem manga, comprida, curta, ¾, raglã, japonesa}

Nesse caso, o sentido de “manga”, por um lado, é extensivo a todos os tipos de

hipônimos e, por outro, a compreensão de cada um deles é garantida pelo domínio

conceptual do hiperônimo.

b1.2) representação por redes:

Obs.: com manga, pois o “sem manga” = destituído de manga = nega a rede.

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134

b2) campo da espacialidade = lugar ocupado

b2.1) representação por relações hierárquicas

● base lexical: manga

● deriva:mangueira.

● origem: s/data.

● parassinônimo: lugar ocupado por gado; proteger; lugar cercado; lugar para contar,

prender o gado; cercado, curral, mangueira.

● designação metonímica = parte ocupado de um espaço menor = fazenda de criação

de bovinos

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135

b2.2) representação do campo por redes:

b2.2.1)

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136

b2.2.2)

b3) campo das frutas

b3.1) representação por relações hierárquicas

● base lexical: manga

● deriva: mangueira; mangueiral.

● origem: malaio, 1554.

Tipo de designação:

● designação genérica = tipos de fruta, dentre várias.

● designação específica = processo de composição; manga coquinho, manga rosa,

manga espada, manga bourbon, manga manteiga.

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b3.2) representação por rede:

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b4) campo de clima = chuva

b4.1) representação do campo semântico de chuva, por um critério hierárquico para

situar as diferentes modalidades de chuva. Observa-se que “chuva-de-manga” é um

dos tipos de chuva.

● base lexical: manga

● tipos de ocorrência

Campo de clima = chuva: chuva-de-manga, chuva-de-vento, chuva torrencial, chuva

moderada, chuva de granizo, ou chuva de pedra, chuva congelante, chuvas equinociais

– estação das chuvas próximas do equador; chuvas zenitais – nas regiões tropicais e

subtropicais. Acrescenta-se, ainda: chuva de poeira, chuva de meteoros, chuva ácida,

chuva de lama, chuva artificial, chuva glacial, chuva de cinzas vulcânicas, chuva de

convenção, oriunda do movimento ascendente das massas de ar; chuva de pedra-

pomes, chuva pirotécnica, entre outras.

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139

B4.2) representação do campo por rede

No fluxo desse procedimento analítico, a título de exemplo, cabe, ainda,

observar que o modelo de organização por relações hierárquicas, que facultou a

sistematização dos campos semânticos apresentados nos anexos, aponta que a

designação do tipo “fandango”, empregada para nomear a dança campestre em

Portugal, torna-se um hiperônimo, ao ser transposto para o Brasil. De origem

espanhola, a palavra sinaliza um tipo de dança em que o som produzido pela guitarra é

conjugado àquele produzido por castanholas e pelo sapateado que acompanham a

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melodia do canto. Mas em Portugal, o som fica circunscrito apenas ao som da viola,

além de não se ter o centro e estar circunscrito apenas às comunidades rurais.

Na conjunção do som da viola e do movimento do corpo e dos pés para dançar

o fandango, e substituindo a batida das castanholas por aquele sapateado e das

palmas das mãos, próprias das danças ameríndias, surge a catira. Incorporando a

esse batuque movimentos rítmicos africanos, tem-se o cateretê. Se em vez, de o olhar

incidir sobre o som ritmado da viola e daquele produzido pelos pés e mãos, ele se fixar

sobre o modo como as pessoas, dos pares, bailam:

a) alternando a posição dos pares e girando em sentido horário = chico-puxado;

b) cantando e intensificando a batida dos pés = pega-fogo;

c) cantando e dançando em compasso binário = quero-mana;

d) variando a coreografia e/ou requebrando os quadris = “recortada” e/ou

“retorcida”; mas:

d1) “sarambá”, quando o requebrado é dos negros e se incorpora ao som da

viola o chocalho (de sarambaqué);

d2) “sarababulho”, no sul do país (fronteira com países rioplatenses, de

colonização espanhola) pelo uso de castanholas + palmas + sapateado.

e) revezamento na roda entre homens e mulheres, mas só os homens

sapateiam no centro do círculo, formadas pelas mulheres = anu.

f) homens e mulheres dançam em torno de um par de solistas que culmina sua

execução com uma umbigada – o fandango já dançado pelos negros – bambaquerê ou

bamba (no Rio Grande do Sul);

g) formado na roda e, ao dançar, aproximam os umbigos uns dos outros –

umbigada (dunga, punga, tungada - africanismos) etc.

Assim, no Brasil, a palavra “fandango” vai se tornando um hiperônimo, ao

conjugar som e ritmo das danças ameríndias e africanas à portuguesa. Os outros

instrumentos musicais como o chocalho e o tambor. Mantém-se a roda formada pelos

pares, mas à coreografia portuguesa agregam-se os indígenas e africanos. Dessa feita,

já no século XVI, surgem novas designações para nomear essa variação: os

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141

hipônimos, conforme apontado acima. Logo, essa variação de comportamento musical,

de ritmos, de sons aponta para relações entre homens diferentes que são capazes de

reunirem entre si aspectos de uma vida, cuja organização diferenciada resultará em

novos/outros momentos constituídos a partir das matrizes com que representam o

modo de proceder no mundo da dança e da música.

3.4 O funcionamento sígnico e simbólico no século XVI

Turazza (2005) considera ser necessário observar que a língua se qualifica por

um funcionamento sígnico e outro simbólico. No primeiro, as unidades lexicais de que

fez uso o produtor de discursos é selecionado para funcionar de modo a fazerem

remissões a campos semânticos de discursos institucionalizados. Desse modo, no

século XVI, o vocábulo “cavalhada” já era empregado para remeter-se a qualquer

“porção ou conjunto de cavalos”; quando tal conjunto era formado por porção de éguas,

usava-se “eguada”; se de mulas, “mulada”. Já o funcionamento simbólico, segundo a

autora, não se define apenas por predicações lingüísticas, visto que eles arrastam

consigo sentidos historiográficos que incorporam outros de caráter cultural; por

exemplo, o vocábulo “cavalhadas”.

O morfema “s” não equivale ao plural de cavalhada, pois se trata de um outro

vocábulo que fez referência a torneios praticados como exercício militar por nobres e

guerreiros que, no período entre guerras, dedicavam-se à prática da galanteria. Na

Idade Média, esse vocábulo designava uma empresa arriscada, um feito heróico

qualificado pela proeza de um herói, ou seja, suas façanhas. Em Portugal, o termo

passa a designar festas cívico-religiosas da qual participam cavaleiros para representar

episódios que tematizavam a reconquista do território cristão, controlado pelos árabes

de religião mulçumana, ou seja, a vitória do Cristianismo.

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142

O termo, deslocado para o Brasil, passa a designar um tipo de folguedo que se

estende por três dias para relembrar as “cavalhadas” medievais. A perda dos sentidos

da “Reconquista” se estende ao longo dos séculos, de modo que os cavaleiros

brasileiros que participam, ainda hoje, desse tipo de “folguedo” exibem trajes coloridos

e reproduzem, por meio da dança movimentos semelhantes às lutas entre cavalheiros

dos torneios medievais. Esses movimentos se organizam na seqüência que se qualifica

pela galhardia da conquista da mulher amada.

É nessa acepção que Turazza (2005) considera o fato de o léxico estar muito

mais circunscrito a um funcionamento sígnico nos discursos de especificidades; já nos

discursos da literatura predomina o funcionamento simbólico. Por conseguinte, esses

tipos de funcionamentos das unidades lingüísticas não são opositivos; mas, numa

gradação, são complementares, o que possibilita considerar que o grau de

funcionamento simbólico nos discursos de especificidades são menos usuais. Afirma a

autora que as palavras jamais são vazias para um texto, pois elas arrastam consigo os

seus significados institucionalizados sejam eles de caráter sígnico ou simbólico.

No exemplo tratado acima, observa-se que a perda, manutenção e mudança do

significado estruturam a base do vocábulo “cavalhadas”. A perda decorre da construção

de um outro episódio da história portuguesa no novo território, ou seja, de memória

histórica, pois a guerra da Reconquista habitava a memória do colono português do

século XVI, mas não a memória do indígena. Assim, a reconquista vai se

consubstanciando com a conquista da mulher, razão pela qual, os sentidos

sedimentados são os da galhardia da Idade Média: luta entre cavalheiros, agora sob a

forma de encenação por meio da dança: uma dança de conquista não de território, mas

da mulher. É nesse sentido que o léxico não é estável, mas tem estabilidade nas

mudanças. Para Turazza (2005) nele se depositam conceitos de modo, arquivados na

memória social de longo prazo. O resgate desse depósito de conhecimentos implica

assumir uma posição historiográfica, como se busca registrar nessa Dissertação.

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143

Faz-se necessário ressaltar que, para Guiraud (1983), o funcionamento sígnico se

qualifica pelo uso convencional, arbitrário, objetivo, racional e social, do signo não

motivado; já o funcionamento simbólico se tipificaria pelo uso do signo motivado,

analógico, subjetivo, afetivo do vocabulário de língua. O simbólico, ao contrário do

signo, não pode ser definido, assim como não se define “consciência”.

(...) nós próprios podemos saber que é a consciência, mas não podemos, sem confusões, comunicam aos outros uma definição do que em nós mesmos apreendemos claramente (...)>> << O que nós somos cada vez menos quando gradualmente mergulhamos num sono pesado ... o que somos cada vez mais quando o ruído nos acorda aos poucos, é o que se chama consciência>>. (GUIRAUD, 1983, p. 20).

Observa-se que o símbolo está fundado sobre uma relação convencional inscrita

nas matrizes das histórias vividas, das quais se tem consciência quando se busca

resgatar seus sentidos, de modo a defini-los pela enciclopédia e não pelo dicionário. A

incorporação do conhecimento dessas histórias cria uma relação natural entre do o

significante e o significado, por meio da analogia e não da definição:

A analogia (...) possui graus; ela é mais ou menos – sólida ou imediatamente evidente. Sob a sua forma mais completa, a analogia é uma representação: a fotografia, o retrato, a representação dramática (...) o valor econômico da representação toma em geral na forma mais esquemática ou mesmo abstrata um plano, um mapa, um guia de estudos. (GUIRAUD, 1983, p.40).

Por conseguinte, o colono português do século XVI trazia em sua memória o

mapa do território reconquistado, mas esse mapa não coincidia com aquele do novo

território que agora habitava. O drama era outro, a guerra não era com os mouros e o

entre guerras exigia outros movimentos, outras danças e entre mouros e índios, as

cavalhadas passam a ter outro ritmo, outros sentidos, mas são dançadas em território

do Brasil.

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144

3.5 Considerações finais As análises realizadas apontam que o léxico do português provençal arcaico,

embora tenha seus registros nas matrizes de uma memória sociocultural construída no

longo do tempo da história desse povo, transforma-se, ao ser deslocado para terras do

Brasil, em decorrência da necessidade de se designar outras/novas referências que,

necessariamente, implicam a construção de outros campos semânticos e discursivos.

Assim, até o século XVI, o vocábulo “manga” não se integra ao campo discursivo

dos conhecimentos botânicos designados pelo português provençal, na medida em que

ele desconhecia esse tipo de fruta comestível. Mas tal conhecimento não só estendeu o

campo semântico da alimentação desse povo-colono, como também passa a ser

incorporado às suas práticas discursivas cotidianas e, conforme apontado nos

apêndices, passam a incorporar um vasto vocabulário uma vez que o número de frutas

se faz bastante significativo.

Desse modo, as designações hiperonímicas desse campo, ou de outros, (ver

danças e bailes, por exemplo) exigem a construção de novos vocábulos para se poder

falar de modo compreensivo sobre as novas formas ou modalidades de alimentação.

Se, a princípio, essas designações são indígenas, posteriormente, a elas são

acrescidas aquelas de origem africana.

Essa incorporação implicando a extensividade dos campos semânticos e,

conseqüentemente, discursivos apontam não só para o aportuguesamento desses

vocábulos estrangeiros, mas também para o desdobramento de formas vocabulares

materializados: a) por uma única palavra manga = parte do vestuário, fruta, curral,

mangueira, pasto; b) pela transmudação de formas vocabulares simples em compostas

para designar um tipo de chuva, por exemplo, em que o segundo elemento da

composição tem caráter classificatório e faz remissão não só à “água que cai do céu”,

como também a outros elementos que despencam sobre a terra: mangas, por exemplo.

Há de ressaltar que, nem sempre, a designação recorta o que “cai do céu”, mas

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145

também o que “cai do alto” como é o caso de “chuva vulcânica” — aquela expelida por

um vulcão — e “chuva de lama” — aquela que transforma o solo em lama em razão de

sua longa duração.

Trata-se de outros olhares, de outras redes de significações; contudo, o que não

se pode negar é o fato de o “velho vocabulário arcaico-provençal” entrar em novas

composições de que resultam novas designações que, segundo Turazza (2002),

formam lexias compostas: manga-rosa, manteiga, Bourbon, espada... São construções

que têm a analogia do suporte para a produção de novo/outro vocabulário.

Por conseguinte, o mapa lexical dos arquivos da velha memória é redesenhado

de modo a construir a memória de um outro território. Nesse redesenho, a língua

portuguesa colonial ganha flexibilidade e, conforme demonstrado, o morfema de plural

“-s” perde, por vezes, esse seu caráter gramatical para fazer remissão a um campo de

significâncias vividas (ver cavalhadas), de sorte a rememorar pelo folguedo lembranças

do que está para além do Atlântico: aquelas do mar salgado. Contudo, essa carga

simbólica das reminiscências da memória de longo prazo são pode ser recuperada por

investigações de caráter historiográfico.

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146

CONCLUSÃO

Ao final desta Dissertação, faz-se uso da habilidade de síntese para discutir os

resultados obtidos por esta investigação desencadeada pelo propósito de compreender

como se deu a constituição do vocabulário da comunidade lingüística brasileira, bem

como a criação de seu idioma, cujas bases estão ancoradas no sistema lingüístico do

português.

Adotou-se, para tanto, a distinção proposta por Elia (1987) para quem é preciso

diferenciar a concepção de língua histórica daquela proposta por Ferdinand Saussure

como estrutura focalizada por um ponto de vista sincrônico e, portanto, atemporal e a-

histórico. Nesse sentido, pôde se estabelecer uma distinção entre língua e idioma, qual

seja: as estruturas são projeções de sistemas imanentes, explicitados por elementos e

regras combinatórias finitas que facultam infinitos usos. Por conseguinte, o sistema

lingüístico do português é uma estrutura que subjaz a todos os seus possíveis usos

existentes em todas as comunidades que dele fazem uso. Esse sistema formal de

relações opositivas é configurado por falares psico-sociolingüísticos e sócio-históricos-

culturais próprios de cada comunidade de usuários, de sorte a se apresentarem por

diferentes modelos arquitetônicos, ou seja, fazem uso de uma mesma estrutura para

organizar novos espaços de representação de velhos conhecimentos de mundo,

criando modelos que são dissociados dos velhos, mas que os recontextualizam. Assim

sendo, cada idioma se apresenta como um modelo arquitetônico de uma mesma

estrutura lingüística. (cf. Introdução, p. 12).

Tal procedimento possibilitou conceber o idioma não só como língua de uma

nação ou povo, mas também como uma construção arquitetônica que, edificada no

fluxo de uma história de longo tempo, vai facultando a construção da sua própria

identidade. Observa-se que a identidade está concebida como o que é semelhante,

mas não igual e que ela – a semelhança – se inscreve em diferenças. Logo, o

português brasileiro é semelhante àquele de Portugal – tem a mesma estrutura – mas a

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sua singularidade se explica pela pluralidade de arquiteturas que qualificam seus usos

idiomáticos por diferentes povos, habitantes de diferentes territórios, hoje, convertidos

em nação que buscou assegurar a consciência da diferença do modelo arquitetônico

de uma mesma estrutura ao eleger uma norma escrita como língua oficial e a torná-la

padrão de prestígio. Ressalta-se que essa diferença decorre do processo de

idiomatização, cuja construção só se explica por um tempo histórico de convívio entre

línguas diferentes.

Postulou-se que a idiomatização do português brasileiro se inscreve no léxico e

data do século XVI: quando o português arcaico-provençal entra em contato com as

línguas indígenas e africanas e o território americano se faz bilíngüe. Nesse contexto, o

idioma brasileiro se explica como produto de contato entre tais línguas, da mesma

forma que o português arcaico-provençal é produto de contato entre línguas e povos

ibéricos, celtas, latinos, árabes, germanos... (cf. Capítulo 2).

Na conjunção de outras histórias, outros modelos de formações socioculturais,

outras psicologias emerge a necessidade de reconstruir velhos modelos de

representação de conhecimentos de mundo, para assegurar a interação entre homens

diferentes que precisavam se igualar para se compreenderem e sobreviverem numa

mesma terra por eles partilhada. (cf. Capítulo 1).

Nesse contexto, retoma-se o objetivo geral — conhecer o processo de

idiomatização da língua portuguesa, por meio da explicitação das permanências e dos

deslocamentos de seus modelos de estruturação e organização — para compreender

como o português arcaico-provençal, transplantado para a América Portuguesa, foi

reinterpretado ou reconstruído para se adaptar a novos/outros povos habitantes desse

território, de sorte a se constituir em um outro idioma, cuja semelhança se inscreve nas

diferenças entre a cultura indígena e a africana.

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148

A construção desse caminho implicou a produção de inúmeras informações

de caráter teórico e historiográfico que, se por um lado, possibilitaram ao pesquisador

compreender a extensão do problema que investigava — a constituição do sistema

lexical do português no Brasil — por outro lado, exigiram dele empenho para

estabelecer objetivos específicos que pudessem se remeter ao geral, apontando se

poderia ou não tomá-lo como realizado. Nesse sentido, optou-se por considerar esse

conjunto de informações por duas focalizações: uma primeira que configurasse o

caráter historiográfico da constituição do idioma na terra dos papagaios. Uma segunda

focalização referente aos quadros dos estudos lingüísticos que privilegiam o léxico

como instância capaz de apontar semelhanças nas diferenças entre modelos de

organização e representação de conhecimentos de mundo formalizados por um mesmo

sistema lingüístico. Traçaram-se, assim, os objetivos que orientaram a produção

textual-discursiva impressa nos capítulos 1 e 2, visando delinear procedimentos

capazes facultar uma análise do vocabulário que constituiu o léxico do século XVI em

Terras do Brasil.

O objetivo proposto para o desenvolvimento do tema do capítulo 1 configurou-se

pela necessidade de “compreender as matrizes histórico-sociais fundadoras de um

novo território que, habitado pelo português a partir do século XVI, se faz espaço de

ocupação no qual são negociadas suas diferenças e semelhanças, implicando o uso de

estratégias, de onde emergirão novos matizes culturais, registrados nos significados de

base do vocabulário do Português Brasileiro”. Isto posto, tomou-se como ponto de

partida a elaboração do projeto de expansão do recente reino português de autoria do

conde D. Henrique, no século XI, planificado por seus predecessores, do qual resultou

as construção do Império Mercantil Salvacionista, sistematizado no século XVI.

Apontaram-se as estratégias empregadas pelo Infante D. Henrique para mudar o

modelo de representação dos conhecimentos que navegantes portugueses tinham do

“mar salgado”, fundados em crenças de que se originavam várias lendas. Tais lendas

não só povoavam o imaginário do novo reino, mas também impediam que os

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149

navegantes se lançassem ao mar para descobrir outros espaços reais, situados além

da linha do horizonte das águas salgadas. Esse abismo povoado por monstros

marinhos fazia do Atlântico um mar Tenebroso.

A criação da Escola de Sagres, de que resultou o aprimoramento da cartografia,

da bússola e das próprias embarcações, viria a garantir a extensão da navegação

costeira do continente africano e, por ela, assegurava-se o domínio desse outro

território e dos povos que nele habitavam. São esses mesmos conhecimentos que vão

dar garantias aos navegantes ibéricos para transporem o Cabo das Tormentas, ao Sul

do Continente Africano. Essa transposição implicou o reconhecimento de uma

geografia marítima formada por picos de montanhas que as águas do Pacífico

encobriam quando era tempo de maré alta. Nesse tempo, o encontro entre as águas do

Pacífico e do Atlântico – dois oceanos com diferentes correntes marítimas, com

temperaturas diferentes, velocidade diferente dos ventos – quebrava, nas pedras

costeiras, e naufragava as embarcações. Assim, na maré baixa, foi possível desviar as

embarcações dos picos dessas montanhas e fazer a travessia entre as águas do

Atlântico e do Pacífico. E o Cabo das Tomentas se fez o “Cabo da Boa Esperança”, do

mesmo modo que o mar Tenebroso vai se fazendo Salgado, tal qual as lágrimas das

famílias que perdiam pais e filhos.

É nesse mesmo contexto de descobertas de novos conhecimentos que o mar

Tenebroso se torna o Atlântico, quando navegantes vão transpondo as linhas do

horizonte e comprovam a não existência de abismos para além de suas costas, pois o

que havia eram ilhas – Cabo Verde, Açores, madeira – e terras como as do Brasil. E,

assim o conhecimento transforma o imaginário lendário em imaginário aventureiro:

sabedoria de um rei que, cavaleiro da Ordem dos Templários, acreditou que a

produção de novos conhecimentos destrói mitos fundadores de falsas crenças.

Descobriu-se que a mudança de nomes atribuídos às “coisas no mundo” implica

a aquisição de novos conhecimentos que alteram o ponto de vista humano. Também

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150

se compreendeu que uma língua não morre, a não ser quando aqueles que a usam

desaparecem da face da terra, como foi/é o caso de várias tribos indígenas que

habitavam/habitam o Continente Americano. Nesse sentido, o colono português trouxe

consigo, para a terra dos papagaios, a sua língua que, aqui, foi submetida a outros

processos de gramaticalização e de lexicalização.

Observou-se que, para domesticar as novas descobertas, se fazia necessário

escolher matrizes da cultura já implantada em solo americano para suprir aquelas que

a cultura portuguesa trazia consigo. Assim, dormir em redes, caçar animais

desconhecidos, aprender a comer suas carnes, pescar peixes de outros rios, colher

frutos desconhecidos para saciar a fome, transpor a floresta desconhecida e construir

nela caminhos, foi um aprendizado que exigiu interação com o indígena. Dessa

interação, o colono português se aculturou na mesma proporção em que o indígena foi

aculturado. Para tanto incorporou termos indígenas e africanos, aportuguesou-os e

ocupou o território fazendo uso de reais estratégias e, assim procedendo, fez do índio

escravo e artesão e de si mesmo proprietário de terras.

O capítulo 1 apontou que a força agregadora da colonização não está na língua

portuguesa, pois o território era bilíngüe, o que contribuía para impedir a desagregação

entre aqueles humanos. Por conseguinte, a agregação estava nas estratégias

encontradas para sobreviver e se imporem em terras descobertas, para fazer uso dos

conhecimentos indígenas que eram negociados por meio de mercadorias: facas,

machados de ferro, miçangas, espelhos... Contudo, no fluxo dessas negociações,

emergia uma modalidade de língua de contato, rude e incompreensível para os

portugueses que aqui chegavam, como demonstrado no capítulo 2, por documentos

históricos de Nóbrega.

O objetivo do capítulo 2 — “diferenciar sistema lingüístico de idioma, com vistas a

verificar o processo de idiomatização da língua portuguesa em terras do Brasil, bem

como compreender o movimento circunscrito entre as línguas nativas e da metrópole,

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151

cujo marco é o século XVI” — foi configurado pela necessidade de se explicitar a força

agregadora que assegurou uma ocupação realizada às custas da língua indígena.

Assim, buscou-se resgatar a formação do português arcaico-provençal, o processo da

sua formação, mais especificamente, aquela referente ao seu vocabulário.

Descobriu-se que esse idioma: a) é produto de línguas e povos em contato que

habitaram, ocuparam ou deixaram resquícios culturais quando passaram pela

Península Ibérica; b) teve sua matriz latina enriquecida por vários adstratos e

substratos, tal qual se daria com o idioma brasileiro; c) no tempo da descoberta, já

dispunha de literatura e já fora oficializado como língua no reino português para

garantir a sua unidade e diferenciá-lo do reino de Castela.

Nesse contexto de formação e oficialização, em terras do Brasil, fazia-se

necessário construir uma unidade lingüística para superar a diversidade das línguas

indígenas e de suas respectivas variações. Esse trabalho foi desenvolvido pelos

jesuítas que, no século XVI, perceberam a necessidade de compreender a língua dos

indígenas habitantes da costa do Atlântico brasileiro, já alteradas pelo contato com os

portugueses, antes de impor a língua portuguesa como modelo de representação e de

comunicação. Dedica-se a esse trabalho de compilação e descrição José de Anchieta e

dele resulta a produção de uma gramática e de um dicionário: duas tecnologias que

têm da função de sistematizar os meios capazes de assegurar a aprendizagem de uma

língua.

Delimitado ao estudo do dicionário anchietano, o capítulo 2 apontou que essa

obra anchietana foi organizada pelo critério da equivalência: fazer equivaler frases do

português a palavras ou expressões nominais indígenas. Ressalta-se que, quando o

vocábulo indígena designava espécies da flora ou da fauna totalmente desconhecidas

dos portugueses, Anchieta opta por procedimentos descritivos de modo a mesclar o

modela descritivo de equivalência com o do saber enciclopédico (cf.p. 81-83).

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Elaborado para a aprendizagem da língua indígena pelos missionários que aqui

chegavam, para convertê-los à fé cristã, esse dicionário traz comentários gramaticais

ou lingüísticos sobre a estrutura e uso da língua “mais falada na costa brasileira”.

Observa-se que os comentários lingüístico-gramaticais asseguram compreender o

vocalismo, o consonantismo, a nasalização e a morfologia e sintaxe dos nomes e dos

verbos dessa modalidade da língua indígena. (cf. p. 85-93).

Compreendeu-se que os jesuítas também se ocuparam com a produção de

material didático — cartilhas, textos para serem representados, registros de músicas e

jogos infantis — para poderem socializar a doutrina cristã e ensinar a língua portuguesa

aos indígenas, ao mesmo tempo em que aprendiam as faladas por eles. Esse material

didático asseguraria o ensino do português e da doutrina cristã nas escolas de ler e

escrever por um procedimento didático intercultural.

O objetivo proposto para o desenvolvimento do capítulo 3 – “verificar a

organização dos conhecimentos de mundo por campos semânticos e, assim, precisar

as diferenças, inscritas nas designações, entre o uso da língua portuguesa na colônia e

na metrópole” – configurou-se pela necessidade de compreender, por meio de

procedimentos analíticos, mudanças e transformações no vocabulário da língua

portuguesa para designar outras/novas referências. Essas transformações, conforme

demonstram as análises realizadas, decorreram da criação de um outro, novo sistema

de relação por meio das quais aspectos da vida sócio-cultural dos indígenas e dos

africanos foram se mesclando àquelas que o colono português trouxera consigo.

Refletido no léxico, esse processo de mesclamento implicou a extensionalidade de

redes semânticas do português-provençal, conseqüentemente, de novas designações,

ampliando o campo conceptual das categorias “frutos”, “árvores”, “arbustos” e

“animais”, bem como a reconfiguração do campo da música”, no baile ou de danças e

da alimentação, entre outros. Assim, de acordo com o apresentado (cf. p. 139-141), o

vocábulo “fandango”, que designava tipo de dança campestre portuguesa, é deslocado

da sua condição de hipônimo e se torna um hiperônimo, em terras do Brasil. As

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designações hiponímicas de “fandango” deslocam-se do vocabulário tupi ou africano e

são aportuguesados, de modo a serem reconfigurados pelo sistema morfológico do

português: catira, cateretê, puracê, punga, anu, bambaquerê, bamba, umbigada, tunga.

No caso de “meia-canha”, “chamarrita”, por exemplo, o fandango do Rio Grande do Sul,

o aportuguesamento é da língua espanhola, por ser região de fronteira.

No caso de anu, por exemplo, esse vocábulo também se torna designativo de

um tipo de pássaro, designado por anu-guassú em língua tupi, cujas penas são negras

ou brancas. O fato de predominarem aqueles que tinham penas pretas fez com que se

nomeie apenas “anu branco” para marcar a diferença com o de penas pretas chamado

apenas de “anu”.

Os frutos desconhecidos têm como base designativa, as palavras do tupi,

submetidos às regras da morfologia do sistema lingüístico do português no campo da

alimentação, quer sólida ou bebível, como manipuera, paiauarí, tarubá, tiquira, garapa

(indígenas) ou aluá, quimbebé (africana). Observa-se que, no caso de aluá, esse

vocábulo também designa o doce feito de leite, açúcar e amêndoas pisadas, ao qual se

acrescenta manteiga. Mas a amêndoa é substituída pelo coco, castanha-de-cajú ou

gergelim, no Brasil. Para alguns lexicógrafos a origem do termo não é africana, mas

hindu, para outros ele é vocábulo de origem chinesa, para outros, do árabe. Todavia,

no caso de alimentos sólidos, como acarajé, abará, bobó, já empregados no século

XVI, são africanos.

Nesses casos, tem-se a extensão dos campos semânticos de alimentação,

subdivididos em alimentos sólidos e líquidos, ampliando a tipologia do português

provençal. O mesmo ocorre com os tubérculos, com os grãos (jeruva – tipo de feijão),

de modo que, ainda hoje, se usa em regiões brasileiras o termo tupi jerimum para

designar “abóbora” (provençal), o que comprova a coexistência de nomes para

designar um mesmo produto; contudo, para alguns lexicógrafos o jerimum é a abóbora-

moranga e não qualquer abóbora.

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No caso de “manga”, o termo e o fruto são de origem malaia, mas introduzida no

Brasil, aqui se descobriram outras espécies e a elas a importação de mudas foi

acrescentando outras, de forma a se dar a extensão da sua tipologia. Essa tipologia,

deslocada para o campo meteorológico passou a designar um tipo de chuva: a de

manga. (cf. p. 138-139).

Em síntese, os campos lexicais do português provençal ganham uma

extensionalidade bastante significativa, já no século XVI, a ele incorporando

designações cuja matriz é a do vocabulário tupi. As matrizes do vocabulário das

línguas africanas parecem se fazer mais extensivas com a sistematização da

escravidão e da mão-de-obra escrava, mais acentuada nos séculos subseqüentes ao

estudado. Ainda que o território fosse bilíngüe, a necessidade de conhecê-lo e designar

alimentos, bebidas, sementes, instrumentos agrícolas, necessários para a

sobrevivência e o cultivo da terra, garantia certo grau de comunicação entre brancos e

índios. À semelhança das crianças que aprendem a se comunicar por palavras – fase

holofrástica – esse vocabulário assegurava certo grau de interação. Nesse sentido, o

aportuguesamento das formas vocabulares indígenas e não a tupinização ou

guaranização do vocabulário português parece apontar não a supremacia do branco

sobre o indígena, mas a necessidade de o português se garantir e se sustentar para

sobrevier em território desconhecido, num primeiro momento. Por conseguinte, dessa

transformação decorre a ressignificação do vocabulário do português provençal

“fandango” e, ao mesmo tempo, a sua extensionalidade e reclassificação de velhos

conhecimentos pelos novos, por exemplo. Esse movimento de reclassificação tem por

ancoragem o vocabulário do tupi; contudo, as categorias mais genéricas são aquelas

da língua portuguesa.

A leximização – reconhecimento de novos conceitos pelas matrizes dos velhos –

e a lexicalização — seleção e uso das formas vocabulares do português provençal,

para inserir a cultura, conhecimentos dominados pelos indígenas, nas matrizes do

sistema lexical do português — tornam a língua tupi-guarani substrato do português.

Tais movimentos transformadores configuram a idiomatização do português-brasileiro,

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já no século XVI. A idiomatização, nesse caso, antes de se tornar extensiva às

regularidades da gramática do português, na dimensão da sua sintaxe, inscreve-se no

léxico, formalizado pela morfologia e é uma das forças agregadora de línguas em

contato, de que resultam línguas de contato. As línguas de contato são idiomatizações,

novas arquiteturas de sistemas genéricos destituídos de história, de cultura e dos

marcos de uma sociologia em que os homens estão uns com os outros, buscando se

compreenderem.

As análises apontaram que, embora o léxico do português arcaico-provençal

tivesse seus registros na memória de longo prazo, ao ser transplantado para o Brasil,

ele foi adaptado e expandido, conforme foi demonstrado, conforme foi demonstrado

pela teoria dos campos. Os resultados obtidos apontam que os vários campos de

designação lexical estão em intersecção, ou seja, eles são comuns em algum aspecto

e se diferem em outros, segundo as especificações de cada um. Os campos em

comum são frutos da adaptação dos colonizadores ao novo mundo e das designações

já cristalizadas de cada vocábulo enriquecidas por meio de procedimentos

metonímicos, metafóricos, onomatopaicos, entre outros, seguindo um padrão por

analogia de acordo com o contexto situacional.

Por conseguinte, tem-se que o português arcaico-provençal, implantado em

território brasileiro, idiomatiza-se e, nesse processo de longa duração, faz-se língua

oficial de uma colônia transmudada em Estado Nacional no século XIX. Se se pode

dizer que as línguas morrem, apenas quando aqueles que as falam desaparecem —

como foi o caso de várias tribos indígenas que habitaram o território brasileiro — pode-

se dizer também que elas se gramaticalizam e se lexicalizam no fluxo do tempo de uso

para funcionarem como meio de representação e de comunicação entre os homens.

Logo, não é possível afirmar que existam rupturas entre o português brasileiro e

aquele que era falado em Portugal, antes e depois do descobrimento da América

Portuguesa; contudo, a idomatização ou dialetação traça diferenças que, se no âmbito

gramatical, são pouco significativas e não permitem considerar a existência de línguas

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diferentes; no âmbito lexical esse processo de idiomatização, implicando a construção

de pontos de vista diferenciados pelos quais os conhecimentos de mundo são

organizados, estruturados e formalizados por categorias de línguas, vai diferenciando

vários idiomas e um mesmo sistema lingüístico, como é o caso da língua portuguesa.

Sua riqueza explicita-se pela sua genealogia, cujo marco é o latim de que o português

herdou a riqueza das flexões; mas a essa riqueza acrescentam-se aquelas resultantes

dos contatos entre os povos distintos e diferentes, inscritas no seu léxico que estrutura

a base do sistema vocabular do português.

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ANEXO 1

Organização do Dicionário de Vocábulos Brasileiros de Beaurepaire-Rohan (1881), selecionados por campos semânticos: Ordem Temática

CAMPO SEMÂNTICO DE FRUTOS

A Tipos 1 de Árvores ABACATE, s.m. fruta do abacateiro, árvore do gênero Persea (P. gratissima) da família das Lauraceas, oriunda do México e de outras partes da América, geralmente cultivada, não só no Brasil, como em todos os países compreendidos na zona intertropical. Etim. Corruptela do mexicano Aguacáte. Obs.: Originária da língua náuatle (língua dos Astecas, já extinta) ‘awwa’kati, provavelmente por influência do espanhol “aguacate” (1560), fato histórico, 1776 ibacate (HOUAISS, 2001) ACAÍA, s. m. (Mato Grosso) o mesmo que Cajá. AMEIXA, s.f. nome que, acompanhado sempre de algum epíteto, se dá a diversas frutas, embora não tenham a menor afinidade com as plantas do gênero Prumus, que nos vieram da Europa; tais são: a Ameixa de Madagascar (Flacourtia Ramontchi) da fam. Das Bixineas; Ameixa da terra (Ximenía americana) da fam. das Olacineas; Ameixa do Japão a que também chamam Ameixa amarela e Ameixa do Canadá (Eriobotrya japonica) da fam. Das Rosaceas; Ameixa de Porto-Natal (Carissa Carandas) da fam. das Apocineas; Ameixa do Pará, do gen. Eugenia, fam. das Myrtaceas; e outras mais. ARAÇÁ, V. Arassá. Obs.: Etim. Tupi ara’sa (HOUAISS, 2001). ARASSÁ, s. m. Fruta do Araçazeiro, nome comum a diversas espécies de plantas do gênero Psidium, da família das Myrtaceas. || Etim. é voc. Tupí. || Geralmente se

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escreve Araçá; mas eu prefiro a ortografia que adotei, a qual fica ao abrigo dos êrros a que a outra tem dado lugar. ARATICÚ, s. m. Fruta do Aaraticuzeiro, de que há diversas espécies pertencentes ao gênero Anona e Rollinia, da família das Anonaceas. || Etim. É voc. Tupi. ATA, s. f. (Ceará, Maranhão, Pará) fruta da Ateira, planta do gênero Anona (A. Squamosa) da familía das Anonaceas. Nas colonias francêsas chamam-se Atte; no Rio de Janeiro Fruta de conde; na Bahia e Pernambuco Pinha. 1.1 Medicinais ABÍORANA, s.m. (Vale do Amazonas) fruta de uma árvore do mesmo nome (Lucuma lasiocarpa), da família das Sapotaceas. || Etim. É vocábulo tupi, significando semelhante ao Abío. Obs.: árvore de até 15m; da família das sapotáceas, nativa da Amazônia, de madeira de grande durabilidade, casca latescente com propriedades adstringentes, e bagas amarelas, comestíveis; m.q. Acá; m.q. maçarandubarana; Etim. tupi *awiu’rana < * da’wiu ‘abup’ + rana ‘parecido, semelhante’ (HOUAISS, 2001). 2 de Arbustos ABÍO, s. m.. fruta do Abieiro (Lucima Caimito), arvoreta da família das Sapotaceas, natural da América equatorial, e cultivada no Brasil, desde o Pará até o Rio de Janeiro Obs.: Etim. Tupi *a’wiu ‘fruto de polpa adocicada de uma planta cultivada da família das sapotáceas; as primeiras averbações grafaram o vocábulo com –iu, talvez por fidelidade à pronúncia dialetal, e a retificação consta do “Vocabulário ortográfico da língua Portuguesa. Rio de Janeiro (HOUAISS, 2001). 2.1 Bromélias ABACAXI, s.m. primorosa variedade do Ananás, da qual se contam diversas qualidades, geralmente cultivadas no Brasil. Dantes essa cultura limitava-se ao Pará e Maranhão; mas nos primeiros anos dêste século o naturalista Arruda, em suas excursões botânicas, trouxe do Maranhão para Pernambuco mudas desta planta, e daí se propagou a outras províncias. Etim. Em relação a êste assunto, farei apenas observar que há um afluente do Amazonas chamado rio Abacaxis. Não sei se desta circunstância deveremos inferir que as margens daquêle rio são a pátria desta fruta. ANANAZ, s. m. Fruta do Ananazeiro (Ananassa sativa) da família das Bromeliaceas, indígena do Brasil e em geral da América intertropical, e não da Ásia, como

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erroneamente o dizem Moraes, Aulete e outros. || Etim. Do tupí Naná (Voc. Bras. Thevet.). Os Guaranís lhe chamavam Nãnã (Montoya). Léry escreveu Ananas. 3 de Palmeiras ASSAHÍ, s. m. (Vale do Amaz.) Palmeira do gen. Euterpe (E. oleracea) de que ha mais quatro espécies determinadas (Flor. Bras.). Também lhe chamam, em algumas regiões do Brasil, Jissára, Jussára e Palmito. Com a polpa da fruta macerada em água, fazem uma espécie de alimento, a que chamam também Assahí, ao qual ajuntam açúcar e farinha de tapióca ou de mandióca, e passa por ser nutriente e é agradável á generalidade dos paladares, apesar de um certo posto herbaceo, que repugna aos novatos. || Etim. Do tupí Uassahi, nome ainda mui usado, tanto no Vale do Amazonas, como na província de Mato-Grosso. Obs.: Etim. tupi ïwasa’i ‘fruto que chora, isto é, que deita água; fruta ácida’; segundo A.G. Cunha (DHPT), ‘espécie de palmeira da subfamília das ceroxilíneas, cujo fruto é comestível e fornece uma bebida fermentada muito apreciada; açaizeiro’ (HOUAISS, 2001). 3.1 Oleosos ANDIRÓBA, s. f. (Pará) fruta oleosa da Andirobeira (Carapa gujanensis) da fam. das Meliaceas. || Etim. é corruptela de Jandiróba, que, em língua tupí, significa óleo amargo. || Na Bahia e outras províncias do norte há outra planta chamada indiferentemente Andiróba, Jandíroba, e Nhandiróba, pertencente ao gênero Fevillea da família das Cucurbitaceas, e cuja fruta tem as mesmas propriedades que a antecedente. Obs.: Etim. tupi ña’ndi ‘óleo, azeite’ + rowa ‘amargo’; tb. Adaptado ao português como jandiroba, jendiroba (HOUAISS, 2001). AZEITE-DE-CHEIRO, s. m. (Bahia) azeite de dendê fabricado no país, por um processo diferente do da África. AZEITE-DE-DENDÊ, s. m. óleo extraído da fruta de Dendenzeiro (Elaeis guineensis). E’ aquilo a que os Portuguesês chamam óleo de palma. 4 de Ervas 4.1 Leguminosas 4.1.1 Sementes AMENDOIM, s. m. o mesmo que Mandubi.

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Obs.: Etim. tupi mandu’wi ‘nome comum a diversas plantas da fam. das leguminosas. Grafado em Nascentes mãdu’bi, menduí, mãdu’i; adaptado ao português mandubi, mendubi, mendubim, menduí, mimdubi; as formas amendoim e amendoí sofreram interferência de amêndoa. O ovário da flor após fecundado se curva para dentro do solo e mamadurece, dando origem a uma vagem reticulada que contém de uma a três sementes comestíveis (HOUAISS, 2001 e MELHORAMENTOS, 1965). 5 de Tubérculos AIPIM, s. m. (Províncias Meridionais) planta brasileira da família das euforbiaceas (Manihot aypi), cuja raiz assada ou cozida é excelente alimento. Em Pernambuco e daí até o Pará lhe chamam Macaxeira. || Etim. Do tupi Aipi, que Montoya e Léry escreveram Aypi. Obs.: macaxeira, macaxera, mandioca, mandioca-doce, mandioca-mansa [Nativo do Brasil, é muito semelhante à mandioca (Manihot esculenta) e tb. Cultivado, com inúmeras variedades, pelas raízes tuberosas, de elevado teor alimentício e geralmente menos venenosas.] Etim. tupi ‘o que nasce ou brota do fundo’ (HOUAISS, 2001).

B Tipos 1 de Árvores BATATÁ, s. m. (S. Paulo) nome vulgar da fruta de uma árvore do gen. Lucuma (L. Beaurepairei Raunkjar et Glaz.) da família das Sapotáceas. || Etim. é evidentemente de origem tupí; mas vacilo muito quanto á sua significação primitiva. Póde acontecer que seja a corruptela de igbá-tatá, fruta-fôgo, por causa de sua côr rubra, ou a de igbá-atan, fruta dura, fruta empedernida. (não foi possível identificar a que fruto se refere). BIRIBÁ, s. m., fruta do Biribazeiro, planta do gênero Rollinia (R. Cuspiadata?) da família das Anonaceas. Obs.: sin. De aberêmoa, ameiju, ameju, cortiça, corticeira, em beu, meiju, perovana, pindabuna, pindaíba, pindaíba-branca, pindaíba-de-folha-grande, pindaibuna, pindaíva, pindaubuna, pindaúva, pindauvuna, pindavuna, pinhão. m. q. Araticum-pitaiá. Etim. tupi ïmbïra formado de ï’mbïra ‘fibra, embira’ + ï’wa ‘fruta’; var. decorrentes de queda e flutuações no port. das sílabas e das vogais pretônicas, de alt. –mb->-b-/-v-/-m-/-p-, de tratamento da assilábica –w->-b-/-v- ou –u-/-i- ou supressão etc (HOUAISS, 2001). 2 de Palmeiras BACABÁDA s. f. (Pará) espécie de alimento feito com a fruta da palmeira Bacaba, preparada pelo mesmo processo do Assahí.

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Obs.: Refresco preparado com a polpa do fruto da bacaba. Etim. bacaba + -ada (HOUAISS, 2001). BACURÍ, s. m. Nome vulgar da Platonia insignis, árvore da família das Guttíferas, notável pela beleza do seu porte, pela sua utilidade como madeira de construção, e pela excelência de sua fruta. Obs.: Etim. ver guacuri [Etim. segundo registro de DHPT, do tupi ‘ïwaku’ri’ espécie de palmeira; der. De ‘ïwa” fruta, árvore] Obs.: com polpa amarelada, de que se fazem refrescos e doces, e sementes cujo sabor lembra a da amêndoa; bacurizeiro, landirana. [Br. Informal bebê do sexo masculino; menino pequeno. Etim. orig. Obscura; não se exclui ligação com bacorinho/bacorim] (HOUIASS, 2001). BURITI, s. m. Palmeira do gênero Mauritia, de que ha duas espécies (M. Vinifera e M. armata). Além dêste nome, que é o mais geral, chamam-lhe tambem, no Vale do Amazonas, Muriti e Muruti e no Maranhão Muritim. Obs.: Etim. Tupi mbïrïtï ‘espécie de palmeira’; var. Com mb>b- ou m- (HOUAISS, 2001) BUTIÁ, s. m. Palmeira do gênero Cocos, de que ha duas espécies (C. capitata e C. eriospatha) Produzem uma fruta, cujo mesocarpo acidulo é mui estimado. || Etim. É provavelmente voc. Tupi.

C Tipos 1 de Árvores CAJÁ, s. m. Fruta de Cajazeira, árvore do gênero Spondias, família das Terebinthaceas, de que há várias espécies. A esta fruta chamam no Pará Taperebá, e em Mat. Gros. Acayá. Além das espécies indigenas, temos mais o Spondias dulcis da Índia, a que dão vulgarmente no R. de Jan. o nome de Cajá-manga. Há outra espécie indigena de Spondias, que tem o nome particular de Imbú. Obs.: Etim. tupi aka’ya que, segundo Teodoro Sampaio, significa ‘fruto de caroço cheio, fruto que é todo caroço’ (cf. HOUAISS, 2001).

CAJÚ, s. m. Fruta de diversas especies do Cajueiro, árvores, arvoretas e até plantas rasteiras do gênero Anacardium (A. occidentale, A. curatellifolium, A. humilde, etc) da família das Terebinthaceas. O Cajú se compõe de duas partes bem distintas: da castanha, que é verdadeiramente a fruta e se come assada ou confeitada, e do seu receptaculo polposo e sumarento de que se usa crú, guisado, em doce, em xarope ou em vinho.|| Etim. do tupí Acajú.

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Obs.: Etim. tupi aka’yu; a acepção de ‘ano de idade ou de existência’origina-se prov. Da contagem indígena do ano, relacionada à frutificação do caju (cf. HOUAISS, 2001). CAMBUCÍ, s. m. (S. Paulo) fruta de uma árvore do mesmo nome, pertencente ao gênero Eugenia (E. cambuci) da família das Myrtaceas. || Etim. é vocábulo tupi. Obs.: fruto dessa árvore. Etim. tupi kau’si ‘vaso, pote; urna funerária dos tupis e aruacos’;o nome proviria do fato de ter a ´lanta o mesmo formato dessa urna (HOUAISS, 2001). CAPINÂN, s. f. (Bahia) espécie de Myrtacea, que produz uma fruta comestível. Foi introduzida no Rio de Janeiro pelo Conselheiro Magalhães Castro, e é cultivada na sua chácara do Engenho-Novo. [palavra encontrada apenas no LELLO UNIVERSAL, MELHORAMENTOS, 1965 e LAUDELINO FREIRE, 1957]

CASTANHA, s. f. nome vulgar de diversas frutas indigenas, embora nenhuma relação tenham com a Castanea vulgaris proveniente da Europa; tais são, entre outras, a Castanha de Cajú, fruta do Cajueiro; a Castanha do Maranhão, semente da Bertholletia excelsa, que se deveria antes chamar Castanha do Amazonas; a Castanha do Pará, semente da Pachira insignis etc. Obs.: (1269) Angios fruto capsular espinescente do castanheiro-da-europa. Etim. Latim castanea ‘castanha, castanheiro’ (HOUAISS, 2001). 2 de Arbustos CAMBUCÁ, s. m. (R. de Jan.) fruta do Cambucazeiro, planta de que ha duas espécies pertencentes aos generos Myrciaria e Rubachia, da família das Myrtaceas (Fl. Bras.) Obs.: Etim. tupi kamu’ka; o fruto desta planta (HOUAISS, 2001). CAMBUÍ, s. m. Fruta do cambuzeiro, planta de diversas espécies, pertencentes geralmente ao gênero Eugenia, da família das Myrtaceas. || Etim. É voc. Tupi. Obs.: bagas vermelhas, diminutas e também numerosas, muito apreciadas pelos pássaros; cambui-preto, cambuizeiro, cambuizinho, murta-do-campo. m. q. Aroeira-vermelha; do tupi kã’mbui (HOUAISS, 2001). CUMARIM, s. m. Pimenta do genero Capsicum (C. frutescens) da família das Solaneas). || Etim. É vocábulo do tupí (G. Soares)

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3 de Palmeiras CATOLÉ, s. m. (Provs. do N.) nome comum a Palmeiras de gêneros diversos. O catolé do Piauí pertence ao gen. Cocos (Comosa); o de outras províncias ao gen. Attalea (A. humilis). A esta última espécie também chamam indiferentemente Catolé e Pindóba no Rio de Janeiro (Glaziou). Obs.: [Dic. melhoramentos: palmeira silvestre do Brasil, de cuja amêndoa se extrai óleo. Fruto dessa árvore.] Etim. tupi katu’re; segundo Teodoro Sampaio ‘não parece de procedência tupi; é voc. Do sertão com que se denomina palmeira. m.q. guariroba, andaía. Além do óleo, é comestivel e doce. ] (HOUAISS, 2001). COCO (1°), s. m., nome com que se designa geralmente a fruta de qualquer espécie de Palmeira, quer indígena, quer exótica, acompanhando-o sempre de um epiteto especifico: Côco da Bahia (Côco nucifera); Côco de dendê (Elaeis guineensis); Côco de catarro (Acrocomia sp.), etc. || Etim. É vocábulo estrangeiro, talvez africano ou asiático. [CÔCO (2°), s. m. Espécie de vasilha feita do endocarpo do Côco.] 3.1 Medicinais CÔCO-DE-CATARRO, s. m. (R. de Jan.) o mesmo que macahuba. Obs.: palmeira de aspecto muito variável, geralmente tronco ereto, robusto, revestido de espinhos finos, e drupas globosas, de um tom amarelo-pardacento, bocaiúva-de-são-lourenço, bocaiúva-dos-pantanais, macaibeira, macajubeira, macauveira, mucajá-mirim, micajá-pequeno, micajazeiro, mucajeiro. A polpa do fruto é doce, dela se extrai gordura com propriedades medicinais e, da amêndoa, óleo de qualidade superior (HOUAISS, 2001). 4 de Tubérculos CARÁ (1°), s. m. Nome comum a diversas espécies de Dioscoreas indigenas produzindo tuberculos comestiveis: Cará mimoso, Cará roxo; Cará do ar, etc. 5 de Ervas CAMAPÚ, s. m. (Pará) fruta de uma planta herbacea do gênero Phisalis, família das Solanaceas, da qual há várias espécies no Brasil, todas comestíveis. Obs.: também conhecida como: bate-testa, camambu, camaru, físalis, juá, bucho-de-rã, juá-de-capote, mata-fome, mata-peixe, juapoca. Etim. tupi kama’pu ‘planta da família das solanáceas (HOUAIS, 2001 e MELHORAMENTOS, 1965).

F Tipos 1 de Arbustos

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FRUTA-DE-CONDE, s. f. (Rio de Jan.) o mesmo que Ata. Obs.: fruta – frutos sincarpícos, com polpa doce e macia, adstringentes e laxativos quando verde, anona, anoneira, ata, ateira, fruita-de-condessa, fruta-de-conde, fruteira-de-conde, nona, pinha, pinha=ata, pinha-da-baia. m.q. araticum-pitaiá.

G Tipos 1 de Árvores GUAIÁBA, s. f. Fruta da Guaiabeira, de que ha varias espécies indigenas, pertencentes ao gênero Psidium, da família das Myrtaceas, e se compõe de arbustos, arvoretas e árvores. || Etim. Não sei se êste vocábulo, geralmente usado no Brasil, é indigena ou exótico. O certo é que os mais antigos escritores das coisas do Brasil, como G. Soares, Gandavo e outros, não o mencionam e só falam do Araçá, nome ainda vulgar entre nós, designando a fruta de outras espécies de Psidium. Obs.: m.q. goiabeira, m.q. goiaba (fruto). Etim. o fruto da goiabeira, araçá-guaçu, araçá-mirim, araçauaçi, guaiaba, guaiava, guava, guiaba, mepera. Orig. contrv., prov. Do espanhol guayaba (1550) fruto da goibeira de orig. atribuída ao taino da ilha de S. Domingos, ou ao aruaque, há ainda autores que apresentam outras hip. Cândido de Figueiredo deriva do guarani cuiapa; Teodoro Sampaio considera alt. Do tupi ‘acoyã’ ou acayaba, a-coyaba, o ajuntamente de caroços; agregado de caroço, pinha de grãos’, com a variação guayaba; Sulveira Bueno também parte do mesmo étimo tupi ‘acoyaba’, o agregado de caroços, alusão ao grande número de sementes que se encontra no interior desta fruta (HOUAISS, 2001). 1.1 Leitosos GUACÁ, s. m. (S. Paulo, Rio de Jan.) nome vulgar de duas espécies de Sapotaceas frutíferas. || Etim. É voc. Tupí. Obs.: m.q. mata-olho (pachystroma longifolium), m.q. fruta-de-manteifa (Poutena ramiflora), também conhecida como árvore-de-Sta-Luzia. [fruta-de-manteiga = figo-de-veado, guacá, joão, joão-de-leite, leitosa (cf. HOUAISS, 2001). 1.2 Felpudos GUABIRÁBA, s. f. Fruta da Guabirabeira, nome comum a duas espécies de Myrtaceas, pertencentes ao gênero Abbevilia e Eugenia, sendo esta natural do Ceará, e a outra da Bahia e Pernambuco. || Etim. É voc. Tupi. Obs.: m.q. guabiroba. Ewtim. Segundo JM tupi wa’bi ou gwabi’ ‘comida’ + rab ‘felpuda, peluda’; gwabi’rab (HOUAISS, 2001).

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2 de Arbustos GRUMIXAMA, s. f. Fruta da Grumixameira, arvoreta do gênero Eugenia (E. brasiliensis) da família das Myrtaceas. || Etim. do tupí Igbámixâna (Voc. Braz.) GUABIJÚ, s.m. (R. Gr. Do S.) fruta do Guabijueiro, arvoreta do gênero Eugenia (E> Guabijú”, da família das Myrtaceas. || Etim. É voc. Tupi. GUAJERÚ, s m. Arbusto frutifero do gênero Chysobalanus (C. Icaco) da família das Rosaceas. Também lhe chamam Guarujú, e no Pará Uajurú. E’ o abajerú de Gab. Soares. Vegeta nos areais do litoral. || Etim. E’ voc. De origem tupi. Obs.: Br. m.q. guajuru (cf. HOUAISS, 2001). GUAJURÚ, s.m. o mesmo que Guajerú. GUAPURUNGA, s. f. (S. Paulo, Paraná) fruta da guapurungueira, arbusto do gênero Marliera (M. Tomentosa) da família da Myrtaceas. || No Paraguai e em Bolivia é êsse o nome que dão à jabuticaba, outra Myrtacea do gênero Myrciaria. || Etim. É voc. de origem tupí. GUAQUICA, s. f. (Rio de Jan.) planta frutífera pertencente ao gênero Eugenia da família das Myrtaceas. || Etim. É provável que êste vocábulo seja de origem tupí. 2.1 Medicinais GUABIJÚ, s. m. (R. Gr. do S.) fruta do Guabijueiro, arvoreta do gênero Eugenia (E. Guabijú), da família das Myrtaceas. || Etim. É voc. Tupí. Obs.: árvore de até 12m, da família das mirtáceas, nativa da Argentina, Brasil (RS) e uruguai, de madeira fina, cpmpacta e de grande durabilidade, casca ramúsculos e folhas taníferas, flores brrancas e gabas comestíveis; Etim. DHPT, tupi de ïwa ‘fruta, árvore’; para JM e Nascentes gwa’bi ‘comestível, comida’ + -yu (de) ‘yuwa’ ‘amarelo’, por ser essa a coloração do fruto (HOUAISS, 2001). 2.2 Trepadeiras GUARANÁ, s. m. Espécie de massa durissima feita com a fruta de uma planta do Amazonas chamada guaraná (Paullinia sorbilis). É invenção dos índios Maués, os quais faziam disso um mistério. Hoje, porém, está no domínio de todos. Usa-se desta preparação como bebida refrigerante. Para isso rala-se de cada vez uma colherada da massa, a qual se deita em um copo com água e açúcar, mexe-se e toma-se. As propriedades medicinais do Guaraná são notáveis.

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Obs.: Etim. tupi wara’ná (cf. HOUAISS, 2001). 2.3 Leguminosas GUANDO, s. m. (Rio de Jan.) fruta do Guandeiro (Cytisus cajanus), arbusto da família das Leguminosas. Em Pernambuco lhe chamam Guandú, e na Bahia Andú. É planta exótica e provavelmente introduzida da Àfrica. Obs.: Etim. quicongo uandu ‘ervilha’; sin/var em todas as acp. andu, tb. Ervilha-de-angola, ervilha-de-árvore, ervilha-de-sete-anos, ervilha-do-congo, feijão-de-árvore, feijão-do-congo, feijão-figueira (Cabo Verde), feijão-guando, quinsonje (Angola), tantaraga. GUANDÚ, s. m. (Pern.) o mesmo que Guando. 3 de Palmeiras GUABIRÓBA, s. f. Fruta da Guabirobeira, nome comum a diversas espécies de Myrtaceas pertencentes aos gêneros Psidium e Eugenia. || Etim. é voc. Tupí. Obs.: palmeira de até 20m, com cerca de 15 a 20 folhas, dispostas em espiral, nativa do Paraguai e do Brasil (BA ao PR, MS, GO) e muito cultivada como ornamental, pelos frutos verde-amarelados comestíveis, e pelo palmito amargo, com propriedades medicinais e muito usado em culinária; catolê, catulé, coco-babão, coco-catulê, coco-da-quaresma, coco-da-quarta, coqueiro-amargoso; m.q. jerivá; m.q. palmito-amargoso. Etim. Tupi gwari´rowa (sendo rowa ‘amargo’); variedade de palmeira (HOUAISS, 2001).

I Tipos 1 de Árvores IMBÚ, s. m. (Provs. Do N.) fruta do Imbuzeiro (Spondias tuberosa), árvore da família das Terebinthaceas. Também dizem Umbú. 1.1 Leguminosas INGÁ, s. m. Fruta da Ingazeira, árvore do gênero Inga da família das Legumisosas, de que há várias espécies. || Etim. É nome tupi G. Soares lhe cama Engá. Obs.: São 350 spp., polpa doce dos frutos. Etim. Lat científico gênero Inga; este calcado no tupi ïnga ‘nome comum a diversas plantas da família das legumisoas”. Lit. Fruto úmido, prov. Ligado ao tupi ï’´agua e tupi üwa “fruta, fruto”, com alteração da sílaba final –wa>-gwa>-ga (HOUAISS, 2001).

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2 de Palmeiras INAJÁ s. m. (Pará, Maranhão) palmeira do gen. Maximiliana (M. regia). || Etim. É voc. tupí, identico a Indaiá, bem que se apliquem às vêzes a palmeiras de gêneros diversos. || Os tupinambás davam também o nome de Indajá a fruta da palmeira Pindóba. Obs.: de estirpe anelado, com ótimo palmito, folhas dispostas em cinco direções, inflorescências interfoliares, frutos com polpa suculenta, comestível e amêndoa de que se extrai óleo amarelo, tb. Comestível; anaiá, anajá, aritá, inajazeiro, maripá, najá. Etim. tupi ina’ya ‘palmeira; o fruto desta planta’ (HOUAISS, 2001). INDAIÁ, s. m., palmeira do gênero Attalea (A. Indayá). || Etim. é voc. Tupí. Obs.: palmeira nativa do Brasil, de folhas penada, eretas e crespas, inflorescências interfoliares, e frutos de cor amarela, com polpa comestível, assim como as amêndoas oleosas; camaribga, coco-de-indauá, coco-indaiá, inaiá, naiá, palmito-do-chão. m.q. catulé. Etim tupi inda’ya (forma paralela de ina’ya) (HOUAISS, 2001). INDAIÁ-RASTEIRO, s. m. (Goias) palmeira do gênero Attalea (A. Exigua). Obs.: o caule ou estipe curto, nativa do Brasil, com frutos vermelho-alaranjados e sementes oleosas e comestíveis, usado no fabrico de doces caseiros; catolé, catulé, idaiá-do-campo, indaiá-mirim, pindoba; m.q. acumã-rasteiro (HOUAISS, 2001).

J Tipos 1 de Árvores JUÁ, s. m. (Bahia e outras provs. do N.) fruta do Juazeiro, Árvore do gênero Zizyphus (Z. Juazeiro) da família das Rhamnaceas. || Tem o mesmo nome nas provs. do Sul diversas frutas da família das Solaneas. Obs.: m.q. camapu, juciri; Etim tupi yu’a , segundo Teodoro Sampaio ‘fruta do espinho”; (HOUAISS, 2001). JURUTÊ, s. m. (S.Paulo) nome de uma planta frutífera da família das Cordiaceas. 1.1 Medicinais JARACATIÁ, s. m. Nome comum a duas ou mais espécies de árvores do gênero Caryca, da família das Papayaceas, e cuja fruta é comestível. Obs.: m.q. Jacaratia (Jacaratia spinosa) [Jacaratiá, frutos amarelos comestíveis e látex com propriedades vermífugas. Etim tupi yarakati’a ‘planta da família das caricáreas’ ;

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cp. Jaracatiá. Sin/var barriguda, jaracatiá, mamaurana, mamoeirinho, mamoeiro-bravo, mamoeiro-de-espinho, mamoeiro-do-mato (HOUAISS, 2001)]. 1.2 Farináceos JATOBÁ, s. m. O mesmo que Jatahi (2°). Obs.: Jatobá árvore do gênero Hymenaea da fam. das leguminosas de frutos comestíveis e de que se extrai resina conhecida como copal; jataí, jataicica, jati, jatubá, jetaí, jetaicica, jitaí, jutaí,jutaicica. Árvore de aré 40m (Hymenaea courbaril), principal fonte para a produção de copal, nativa do México ao Brasil e comum na Amazônia Seus frutos quase negros, cilíndricos, duros, com polpa farinácea, amarelo-clara, doce, nutritiva e laxante, consumida por animais silvestres e pelo homem. Árvore de até 20m (Hymenaea courbaril var. stilbocarpa) nativa do Piauí ao Norte do Paraná, muito semelhante à sp. Anterior, com os mesmos usos e tb. Em arborização e reflorestamento; jatobá-da-catinga, jatobá—morom, jatobazinho, jetaí-do-piauí, jutaí-mirim, quebra-facão. Etim. tupi yeti’wa < yeta’i ‘jataí’ + ïwa ‘fruta (HOUAISS, 2001). 1.3 Bebíveis ou Licorosos JABUTICÁBA, s. f. Fruta da Jabuticabeira, de que há várias especies, árvores, arvoretas e arbustos pertencentes ao gênero Myrciaria, da família das Myrtaceas. || No Paraguai e em Bolivia lhe chamam Guapurunga, nome que no Brasil pertence a outra espécie de Myrtacea. || Etim. É voc. De origem tupí. Obs.: segundo Nascentes , de yawoti’kawa ‘fruto da jabuticabeira’; ainda segundo Nascentes, de ïapoti’kaba ‘frutas em botão’ (HOUAISS, 2001). JENIPÁPO, s. m. Fruta do Jenipapeiro, árvore do gênero Genipa, da família das Rubiaceas, de que ha varias espécies. || Etim. E vocábulo de origem tupi. || No Pará lhe chamam Janipápo (Baena), e assim se encontra em alguns cronistas antigos. Também se tem escrito Janipába e Genipápo. Obs.: fruto do jenipapeiro, uma baga subglobosa, geralmente amarelo-pardacenta, com polpa aromática, comestível, de que se fazem compotas, doces, xaropes, bebida refrigerante, bebida vinosa e licor, e de que se extrai tinta preta, usada pelos indígenas, há milênios, em petróglifos, cerâmica, cestaria, tatuagens, pintura corporal. Etim tupi yandi’’óleo de madeiras, de frutos’ pawa] ; pode acorrer alt. Da vogal tônica fechada central -ï-, -u- ou –a-; a assilábica –w- às vezes se mantém como semivogal –u- formando ditongo como o –a- final, mas geralmente a assilábica –w- desenvolve-se como consoante, quer oclusiva bilabial sonora –b- quer fricativa labiodental sonora –v-; há ainda, casos de simples supressão da vogal –ï- e outros, em que também o –w- se reduz a –o-, donde as formas adp. Ao português janipaba, janipapo, jenipá e der. Janipabeiro, jenipaparana (HOUAISS, 2001). 2 de Arbustos

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JILÓ, s. m. Fruta do Jiloeiro, planta hortense do gênero Solanum (S. Gilo), da família das Solaneas. || Etim. É de origem africana tanto o produto como o respectivo nome. || Também se tem escrito Giló. Obs.: Nascentes deriva do quibundo njimbu; já Nei Lopes, do quioco julo ‘beringela de fruto oval’, citando o quimbundo luó ‘muito amargo’ (HOUAISS, 2001). 2.1 Leguminosas JEVURA, s. m. (S. Paulo) nome que dão ao feijão plantado em fevereiro ou março, que é a estação da seca (S. Villalva).[ apenas no Lello e Melhoramentos, Houaiss não apresenta essa lexia]. 3 de Palmeiras JATAÍ (2°), s. m. Nome comum a diversas espécies de árvores do gênero Hymenaea, da família das leguminosas. Há espécies congeneres, a que chamam Jatobá. Obs.: palmeira nativa das planícies arenosas, com estipe de que se extraí fécula (a farinha de jataí), inflorescência com duas espatas e drupas ovóides, usado para a produção de álcool, com sementes vermífugas e de que se extrai óleo alimentar; butiá, butiaxeiro, coqueiro-jataí, iataí, iatí. M.q. jataí-guaçu, m.q. jatobá (designação comum), m.q. muirajuba. Etim. segundo A. G. Cunha (DHPT), tupi yeta’i ‘planta que fornece madeira’; Teodoro Sampaio e Silveira bueno registram o voc. Tupi ya-atã-yba contrato em ya-atã-y ‘a árovre de fruto duro’ (HOUAISS, 2001). JERIVÁ, s. m. (R. Gr. do S.) Palmeira do gen. Cocos (C. Martiana, Drude, Glaziou). Etim, Origina-se do tupi Jaraigbá nome que também lhe davam, ou a alguma espécie congenere os Guaranis do Paraguai. Entre nós há quem lhe chame Jarivá. No Rio de Jan. é mais conhecido por Baba-de-boi. Na prov. de mato-Grosso lhe chamam indiferentemente Jerivá ou Juruvá. JISSÁRA, s. f. O mesmo que Assaí. Obs.: m.q. juçara. Etim. tupi yi’sara (yei’sara) ; também adaptado jiçara. Brasil informal aguardente de cana, cachaça (HOUAISS, 2001). JURUVÁ, s. m. (Mato-Grosso) o mesmo que Jerivá. JUSSÁRA, s. f. o mesmo que Assaí. || No Pará dão o nome de Jussára á fasquia do caule da palmeira Assaí de que se fazem ripas. 4 de Ervas

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4.1 Trepadeiras JACATUPÉ, s. m. planta trepadeira do gênero Pachirrhisus (P. Angulatus) da família das Papilionaceas, e cuja raiz tuberosa é comestível. || Etim. é provavelmente de origem tupí. Obs.: segundo Nascentes do tupi yakatu’pe; das túberas subterrâneas se faz amido finíssimo. Das vagens achatadas, com sementes vermelhas, tóxicas é usado como inseticida; feijão-batata, jacutupé, jocotupé; m.q. folha-de-bol (HOUAISS, 2001). JIRIMÚ, s. m. Nome que, sobretudo nas províncias do Norte, dão á abobora amarela, espécie de cucurbitacea de que existem muitas variedades. || Etim. é voc. De origem tupi, que se pronuncia diversamente segundo as localidades: Jirimú, Jirimum, Jurumú, Jurumum. Gabriel Soares, tratando das variedades indigenas desta planta, a chama Gerumú. É essa sem duvida a origem do iromon dos Francêses, embora Larousse a vá procurar no Japão. Obs.: m.q. abóbora-moranga (fruto). Etim. ver em jurimum (HOUAISS, 2001). JIRIMUM, s. m. (Pern. Alagôas) o mesmo que Jirimú. Obs.: m.q. abóbora (fruto), abóbora-moranga. Etim. tupi yuru’mü ‘fruto do jerimuzeiro; abóbora (HOUAISS, 2001).

M Tipos 1 de Árvores MANGA (1°), s. f. Fruta de Mangueira (1°). [MANGA (2°), s. f. (Bahia) pequeno pasto cercado, onde se guardam cavalos e bois. || (Piaui) extenso cercado com pasto, onde se põe o gado em certas ocasiões (Meira). Obs.: Etim. malai manga, este do tâmul mãnkãy ‘fruto da mangueira’ (HOUAISS, 2001). MANAPUSSA, s. m. (Ceará) arvore frutífera, talvez do gênero Mouriria, da família das Melastomaceas. Obs.: m.q. Mandapuça. [Nativa do Brasil, de madeira muito dura, folhas elípticas, coriáceas, flores alvas, em fascúculos axilares e bagas globosas, escuras, comestíveis; cafezinho, xiputa. Etim.. segundo Nascentes, tupi nanapu’sa, também doc. Manapuça, manipuçá (HOUAISS, 2001).] MARIA-MOLE, s. f. (Paraná) o mesmo que Umbú (2º).

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MARIMARI, s. m. (Pará) nome vulgar de uma árvore frutífera do gênero Cassia (C. Brasiliana). || Etim. Pertence ao dialeto tupi do Amazonas. Obs.: m.q. castanha-de-anta. Etim. segunfo Nascentes, do tupi ma’ri ma’ri [ma’ri= árvore espinhosa] (HOUAISS, 2001). MASSARANDÚBA, s. f. Nome comum a diversas árvores pertencentes á família das Sapotaceas, e cujas frutas são comestíveis. || Etim. É vocábulo tupi. MATURÍ, s. m. (Piauí, e Pernambuco até o Ceará) castanha ainda verde do cajú, de que se fazem diversas iguarias e confeitos. Na Bahia lhe chamam Muturi. || Etim. é provavelmente de origem tupí. Obs.: matu’ri ‘o que está por vir’ (HOUAISS, 2001). 2 de Palmeiras MACAÍBA, s. f. (Pern.) o mesmo que Macaúba. Obs.: m.q. coco-de-catarro (fruto), m.q. pameira-barriguda. Etim. tupi maka’ïwa ‘nome de palmeira’, também macaúba (HOUAISS, 2001). MACAÚBA, s.f. (Minas-Gerais) palmeira do gênero Acrocomia, de que se contam três espécies em todo o Brasil intertropical, variando, porém, de nome vulgar conforme as províncias: No Pará e Maranhão, Mucajá; em Pernambuco, Macaíba; em Mato-Grosso, Bacaiuba e Bocaiuba; e finalmente no Rio de Jan. Coco de catarro. || Etim. Afóra êste último nome, são os mais de origem tupi. O de Côco de catarro, vem, segundo dizem, de se empregar a polpa mucilaginosa dessa fruta no tratamento do catarro. MARIA-ROSA, s. f. (Minas-Gerais) palmeira do gen. Cocos (C. Procopiana, Glaz.). || O nome especifico desta palmeira lhe foi dado pelo ilustre classificador, em memória de Mariano Procopio Ferreira Lage, em cujas terras a encontrou. Obs.: sin. Baba-de-boi-grande, guariroba, jururá, mariroba; fato histórico 1899 (HOUAISS, 2001). MARAJÁ, s. m. (Pará) nome comum a duas palmeiras, sendo uma do gênero Astrocaryum (A. Aculeatum) e outra do gênero Bactris (B. Marajá), e cujas frutas são comestíveis. || Etim. É vocábulo tupi. Obs.: As drupas ovóides são roxas quase pretas, comestíveis, de que se faz refresco e se extraí óleo (HOUAISS, 2001).

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3 de Arbustos 3.1 Bebíveis ou licorosos MANGÁBA, s. f. Fruta de Mangabeira, arbusto do gênero Hancornia (H. Speciosa), família das Apocyneas. || Etim. É termo tupi. Obs.: Etim tupi ma’ngawa planta da fam. dasapocináceas. [us. No fabrico de bebida viscosa; cachaça (HOUAISS, 2001)]. 4 de Tubérculos MANDIÓCA, s. f. Planta do gênero Manihot (M. utilíssima) da família das Euforbiáceas, da qual ha muitas espécies. || Etim. E’ voc. De origem tupi, hoje universalmente adotado, ainda que variando de fórma de uma para outra língua européia; em francês e inglês manioc, em italiano manioca; Os espanhóis lhe chamam, porém, yuca, nome que não se deve confundir com o gênero yucca, da família das Liliáceas. MACAXEIRA, s. f. (provs. do N.) o mesmo que Aipim. Obs.: m.q. mandioca. Etim. tupi maka’xera ‘mandioca mansa, aipim’, cp. Macaxera (HOUAISS, 2001). MANGARITO, s. f. Planta do gênero Caladium (C. Sagittaefolium) da família das Aroídeas, cujos tuberculos são comestiveis. || Etim. É vocábulo de origem tupi. Seu nome primitivo era Mangará-mirim. MANGARÁ (1°), s. m. Nome que davam os Tupinambás aos tuberculos comestíveis de diversas espécies de plantas do gênero Caladium, família das Aroideas. [Obs.: de acordo com Silveira Bueno Voc. Tupi-guarani – mangará é uma espécie de cará (HOUAISS, 2001)]. 5 de Ervas 5.1 Trepadeiras MARACUJÁ, s. m. Fruta do Maracujeiro, planta do gênero Passoflora, da família das Passifloraceas, de que ha inumeras espécies, umas sarmentosas e outras arboreas. || Etim. Alteração do tupi Murucujá. Obs.: Segundo Silveira Bueno (Voc.Tupi-guarani) o vocábulo maracujá é alteração do guarani mbaracay’a, propriamente, gato. A flor cujas tintas lembram a cara de um gato. (cf. HOUAISS, 2001).

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MURUCUJÁ, s. m. Nome antigo do Maracujá. || Etim. é vocábulo tupi. || Os guaranis do Paraguai lhe chamam Mburucuyâ (Montoya). 5.2 Leguminosas 5.2.1 Sementes MANDUBÍ, nome tupi do Arachis hypagoea, planta da tribu das Papilonaceas, família das Leguminosas. Hoje dizem geralmente Mendubi e também amendoí, como já no seu tempo o fez G. Soares. || No Ceará lhe chamam Mudubim (P. Nogueira). MENDUBI, s. m. O mesmo que Mandubi. MUDUBIM, s. m. (Ceará) o mesmo que Mandubi. 5.3 Caule Rasteiro MAXIXE (1°), s.m. fruta hortense de gênero Cucumis (C. Anguria) da família das Cucurbitaceas. Obs.: planta anual (Cucumis anguria) da família das curcurbitaceas, nativa da América Central, de caule rasteiro, folhas com cinco lobos, flores pequenas, bagas ovóides apresentam numerosos apêndices, semelhantes a espinhos flexíveis, e pequenas sementes brancas. É cultivada desde a Antigüidade pelos frutos comestíveis, ainda verdes, crus, em saladas, ou refogados, com um cultivar prov. Derivado da subespécie longipes, nativa da África. Etim quimbundo maxixer; segundo Renato Mendonça, pl. De rixixe; sin/var cornichão-das-antilhas, maxixe-bravo, maxixe-do-mato, maxixo, pepino-castanha, pepino-da-américa, pepino-das-antilhas, pepino-de-burro, pepino-espinhoso (HOUAISS, 2001).

N Tipos 1 de Arbustos 1.1 Bromélia NANÁ, s. m. Nome tupí do Ananaz (Ananassa sativa).

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P Tipos 1 de Árvores PITOMBA, s. f. Fruta da Pitombeira, árvore do gênero Sapindus (S. edulis, Saint-Hilaire), da família das Sapíndaceas. PITOMBO, s. m. (Bahia) fruta do pitombeiro, árvore do gênero Eugenia, da família das Myrtaceas. Em Pern. lhe chamam Ubáia. PINHA (1°), s. f. (Bahia, Pern.) o mesmo que Ata. PUSSÁ (2°), s. m. (Piauí, Ceará) fruta do Pussazeiro, planta do gênero Mouriria (M. Puça), da família das Melastomaceas. [Pussá (1°), s. m. como instrumento de pescar camarões.] Obs.: m.q.q mandapuçá. Bagas globosas comestíveis; cafezinho, xiputa; jabuticaba-do-campo, jabuticaba-do-cerrado, manapuçá, manipuçá, puçá, minduru, mumdururu, moroso-cigano (HOUAISS, 2001). 1.1 Bebíveis ou licorosos PIQUÍ, s. m. Fruta de diversas espécies de plantas do gênero Caryocar, representado por árvores e arbustos. No Pará lhe chamam Piquiá (2°). PIQUIÁ(2°), s. m. (Pará) o mesmo que Piquí. PIQUIÁ (3°), s. m. (Bahia) nome da fruta de uma árvore, cuja classificação não me é conhecida. 2 de Arbustos PITANGA (2°), s. f. Fruta da Pitangueira, planta de várias espécies e dimensões, pertencentes ao gênero Stenocalyx, da família das Myrtaceas. || Etim. É contração de igbápitanga, vocábulo tupi significando fruta vermelha. 2.1 Sementes PIMENTA-DA-COSTA, s. f. (Bahia) espécie de fruta africana, cujas sementes são empregadas como condimento e têm o ardor da pimenta. Obs.: m.q. malagueta; m.q. pimenta-da-África (HOUAISS, 2001).

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3 de Palmeiras PALMITO, s. m. rebento central das palmeiras, de que se usa como legume, tanto nos guisados, como nas empadas, e até crú em salada. Bem que todas as plantas desta família produzam palmitos comestíveis, todavia algumas espécies há a que se dá a preferência, e a estas dão por excelência o nome Palmito; tais são o Palmito-mole (Euterpe edulis), o Palmito-amargoso (Cocos Miksnisns), aos quais também chamam, o primeiro, Assaí, Jissára ou Jussára, e o segundo Guáriróva. || O voc. Palmito é bem antigo na língua portuguêsa, e ha perto de quatrocentos anos que dêle se serviu Vaz de Caminha, na carta que, de Porto-Seguro, em 1° de Maio de 1500, dirigiu a el-rei D. Manuel, relatando-lhe a descoberta do Brasil. Obs.: Etim. palma + -ito; do lat. palma ‘palma da mão; tronco da palmeira, palmeira; der. E comp. Latinos palmus ‘palmo, medida de comprimento; Botánica seg. AG Cunha, diz-se de qualquer órgão foliáceo subdividido até o eixo, estando os segmentos no ápice; palmito (1500) (HOUAISS, 2001). PUPUNHA, s. f. Palmeira do gênero Guilielma (G. speciosa) cuja fruta cozida é mui apreciada, e é cultivada em todo o vale do Amaz., e em princípio de cultura no Rio de Janeiro. 4 de Ervas 4.1 Gramínea PIPÓCA, s. f. Grão de milho arrebentado ao calor do fogo, e que se come á guisa de biscoutos. No Pará dão a isso o nome de Póróróca (2°). || Milho de pipóca é uma espécie ou variedade desta graminea mais apropriada à feitura da Pipóca. Também chamam pipócas ás pistulas cutaneas: Estou com o corpo coberto de Popócas. || Etim. do verbo tupí Apoc ou Poc, arrebentar, estourar, estalar. Obs.: erva anual de até 3m (Zea mays), da família das gramíneas, com folhas lanceoladas, espiguetas famininas axilares, gerando espigas com grãos brancos, amarelos, avermelhados ou azulados [Nativa da América do Sul com inúmeras variedades e hídridos (cf. HOUAISS, 2001). PÓRÓRÓCA (2°), s . f. (Pará) mesmo que pipóca. 4.2 Arborescene PACÓBA, s. f. Nome que davam os povos da raça tupí, ás espécies de Bananas naturais do Brasil e do Paraguai. Êste nome, sob a fórma Pacóva, ainda é usual no Piauí, Maranhão e Pará. Nesta última província, só dão o nome de Banana ás espécies exoticas. No Rio de Janeiro se aplica exclusivamente o nome de Pacóba a uma espécie notável pelo grande desenvolvimento da fruta. No Paraguai dizem Pacová, e

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bem que Montoya tivesse escrito Pacobá, cumpre atender a que o b espanhol é igual ao v português. PACÓVA, s. f. O mesmo que Pacóba.

Q Tipos 1 de ERVA QUIÁBO, s. m. Fruta do Quiabeiro, planta hortense do gênero Hibiscus (H. esculenus) da família das Malvaceas, de que ha diversas variedades. || Etim. Sendo êste produto de origem africana, é provavel que seu nome tenha também vindo de alguma região daquêle continente. || Também lhe chamam Quingombô, nome que tem sua origem na língua bunda. QUINGOMBÔ, s. m. (Rio de Jan.) o mesmo que Quiabo.

S Tipos 1 de Árvores SAPUTÁ, s. m. (S. Paulo) fruta do Saputazeiro, planta do gênero Tontelea, da família das Hippocrateaceas, e da qual ha várias espécies (Martius). Obs.: m.q. bacupari-do-campo, m.q. boca-de-velha. Etim talvez tupi sapu’ta, segundo Nascentes (HOUAISS, 2001). SAPUTÍ, s. m. Fruta do Saputizeiro, árvore do gênero Sapota (S. Acras) da família das Sapotaceas, geralmente cultivada no Brasil, desde o Pará até o Rio de Janeiro, além de ser comum a todos os países da América situados na zona intertropical. || Etim. É vocábulo de qualquer das línguas indigenas da América, donde é natural êste produto.

T Tipos 1 de Árvores TAPEREBÁ, s. m. (Pará) o mesmo que cajá. Obs.: m.q. cajá (fruto); m.q. cajazeira (Spondias mombin); m.q. Umbuzeiro (Spondias purpurea); m.q.Umbu (fruto de Spondias purpurea). Etim. ver em taperibá. [taperibá

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etim. tupi *taperï’wa ‘fruto’, adaptação também ao português taperebá (HOUAISS, 2001).

U Tipos 1 de Árvore UBAIA, s. f. (Pern.) o mesmo que Pitombo. || Eti. E’ voc. De origem composto de igbá, fruta, e aya, azeda. UMBÚ (2º), s. m. (Paraná, S. Catarina e R. Gr. do S.) grande árvore do gênero Pircunia (P. Dioica, Moq.) da família das Phytollacceas (Glaziou). Esta árvore também vive também no Paraguai e na República Argentina; e, imprópria para qualquer obra, dá, todavia, cinza mui carregada de potassa. No Paraná, lhe chamam também Maria-mole.

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ANEXO 2

CAMPO SEMÂNTICO DE BAILE Origem Indígena PURACÊ, s. m. (Vale do amaz.) espécie de baile em que folgam os índios, depois da festa que celebram, por ocasião da admissão dos mancebos às filas dos guerreiros, festa que consiste em se açoutarem alternadamente com duros azorragues, por espaço de oito dias, durante os quais as mulheres preparam os licôres e comidas (L. Amazonas). || Etim. É voc. De origem tupi. No dialeto amazoniense puraçai significa dansa.. Obs.: encontrado apenas no LELLO UNIVERSAL s/d e LAUDELINO FREIRE (1957). Origem Portuguesa com suas Adaptações Regionais FANDANGO, s. m. (provs. merid.) nome de certos bailes ruidosos, de que usa a gente do campo, cantando, dançando e sapeteando ao som da viola. São muitas as variações destes bailes, e se distinguem pelos nomes de Anú, Bambáquerê, Bemzinho-amôr, Cará, Candieiro, Chamarrita, Chará, Chico-puxado, Chico-da-ronda, Feliz-meu-bem, João-Fernandes, Meia-canha, Pagará, pega-fogo, Recortada, Retorcida, Sarrabalho, Serrana, Tatú, Tirana e outras, cujos nomes se resentem da origem castelhana (Coruja). Obs.: dança, música, dança e canto espanhóis de origem árabe, em compasso ternário, acompanhado de guitarra ibérica e castanholas. MG SP S Brasil, baile popular; festa animada, com danças. Etn. Brasil N. E. Auto ou representação de Natal em que os personagens aparecem vestidos de marinheiros e oficiais e cantam e dançam ao som de instrumentos de corda, barca, chegança, marujada, marujos. Brasil confusão barulhenta. Etim. espanhol fandango séc. XVIII baile introduzido pelos que estiveram nos reinos das Índias; de orig. controv. Talvez derivado do português fado na acp. música que acompanha o baile popular, cuja letra comenta o destino (fado) das pessoas. [FADO etim. latim fãtum ‘predição, profecia, oráculo’ (HOUAISS, 2001).] BEMZINHO-AMÔR, s. m. (R. Gr. do S.) nome de uma das variedades desses bailes campestres, a que chamam geralmente Fandango (Coruja) Obs.: festa em que se bailam danças regionais ao som de cantigas populares (HOUAISS, 2001).

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CANDIEIRO (1°), s.m. (R. Gr. do S.) nome de uma das variedades dêsses bailes campestres, a que chamam geralmente Fandango. [LELLO UNIVERSAL s/d – CANDEEIRO Ant. archote em assaltos nocturnos às fortalezas. Prov. do Minho e Angola. Bailarico, espécie de fandango.] CHAMARRITA s. f. (r. Gr. do S.) nome de uma das variedades desses bailes campestres, a que chamam geralmente Fandango. Obs.: m.q. Chama-Rita, m.q. chimarrita. [Chama-rita dança tradicional dos Açores introduzida no Sul do Brasil, como uma modalidade de fandango; chamarrita. Açores informal: composição de má qualidade (HOUAISS, 2001). CHICO-DA- RONDA, s. m. (R. Gr. do S.) nome de uma das variedades desses bailes campestres a que chamamos geralmente Fandango. CHICO-PUXADO, s.m. (R. Gr. do S.) nome de uma das variedades desses bailes campestres a que chamam geralmente Fandango. Obs.: dança de roda; uma das modalidades de execução do chico também se diz apenas ‘puxado’. [CHICO: modalidade de fandango brasileiro, em que os pares, girando em sentido horário, alternam de posição. Etim. espanhol (séc. XII) ‘pequeno’, de criação expressiva, vocábulo que, segundo Corominas só indiretamente estaria relacionado ao latim ciccus, ‘membrama que separa os grãos da romã; pouca coisa, coisa de pouco valor (HOUAISS, 2001).] FELIZ-MEU-BEM, s. m. (R. Gr. do S.) nome de uma das variedades desses bailes bailes campestres a que chamam geralmente Fandango. Obs.: [FELIZ – elemento de composição antepositivo, do latim felix, ‘feliz, ditoso, venturoso, rico, abastado, opulento, próspero, fecundo, fértil; ocorre em cultismos e vulgarismos do séc. XIV em diante (HOUAISS, 2001).] JOÃO-FERNANDES, s. m. (R. Gr. do S.) nome de uma das variedades desses bailes campestres a que chamam geralmente Fandango. MEIA-CANHA, s. f. (R. Gr. do S.) nome de uma das variedades desses bailes campestres a que chamam geralmente Fandango. No Paraguai há também uma dança a que chamam Media-caña. Obs.: Dança de roda do fandango brasileiro na qual em determinado momento, a música é interrompida e o cavalheiro, ao centro, recita uma quadra para sua dama; meia-cana. Etim. Segundo Nascentes, do platense mediacanã (HOUAISS, 2001).

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PAGARÁ, s. m. (R. Gr. do S.) nome de uma das variedades desses bailes campestres, a que chamam geralmene Fandango. PÉGA-FÓGO, s. m. (R. Gr. do S.) nome de uma das variedades desses bailes campestres, a que chamam geralmente Fandango. Obs.: espécie de dança de roda . Dança rural gaúcha, cantada e de intenso bate-pé. Etim. A datação é para a acepção de dança, música (HOUAISS, 2001).

QUERO-MÂNA, s. m. (R. Gr. do S.) uma das variedades dêsses bailes campestres, a que chamam geralmente Fandango (Cesimbra). Obs.: QUERO-MANA - variedade de fandango em compasso binário com canto, palmas e sapateado (HOUAISS, 2001). RECORTÁDA, s. f. (R. Gr. do S.) uma das variedades dêsses bailes campestres, a que chamam geralmente Fandango. Obs.: Etim. fem. De recortado. [Recortado (4) dança, mús. Tipo de dança cantada e sapateada, independente ou ligada ao cateretê, com muitas variantes coreográficas, dependendo da região; contradança; m.q. recorte. Em Goiás canto popular, complemento da moda, porém de andamento vivo e de assunto humorístico (HOUAISS, 2001)]. RETORCIDA, s. f. (R. Gr. do S.) nome de uma das variedades dêsses bailes campestres a que chamam geralmente Fandango. Obs.: dança sapateada do fandango brasileiro, desenvolvida no campo [similar à Chula, esp. no que se refere aos requebros do dançarino solista.] Etim. fem. Substv. de retorcido (HOUAISS, 2001). SARRABÁLHO, s. m. (R. Gr. do S.) nome de uma das variedades desses bailes campestres a que chamam geralmente Fandango. Obs.: Dança, música SP, RS, dança do fandango (dança de roda) com palmas, sapateado e castanholar dos dedos; sarrabaio. Etim. origem obscura (HOUAISS, 2001). SERRÁNA, s. f. (R. Gr. do Sul) nome de uma das variedades desses bailes campestres a que chamam geralmente Fandango. Obs.: (1) aquela que nasceu ou vive nas serras. (2)Lit. Portugal m.q. serranilha. (3), música RS dança do fandango brasileiro. Etim. fato histórico séc. XIV serrana, 1615 serrana (HOUAISS, 2001).

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TIRANA, s. f. (R. Gr. do S.) variedade desses bailes campestres a que chamam geralmente de Fandango (Coruja). Obs.: na península Ibérica, originalmente dança com canto em compasso binário composto e andamento moderado, posteriormente limitado ao canto (HOUAISS, 2001). Origem Indígena ANÚ (2°), s. m. (R. G. do S.) nome de uma das variedades desses bailes campestres a que chamam geralmente Fandango (Coruja) Obs.: Br SP, S. dança ou baile rural, marcados por coreografias; modalidade de fandango. Primeira marca do fandango, em que mulheres e homens se revezavam na roda (se bem que só estes sapateiem), as palmas substituem (nos intervalos) o sapateado e o passo principal (o oito) é realizado pelos homens, tendo as damas por centro dos dois círculos. || Etim. tupi a’nu. [Segundo Dic. da Academia de Letras – a palavra a’nu significa em tupi ‘parecido’ (HOUAISS, 2001)] CARÁ(3º), s. m. (R. Gr. do S.) nome de uma das variedades desses bailes campestres a que chamam geralmente Fandango. Obs.: encontrado no LELLO e DIC. MELHORAMENTOS. TATÚ (3°), s. m. (R. Gr. do S.) nome de uma das variedades desses bailes campestres, a que chamam geralmente Fandango (Coruja). Obs.: No RS espécie de fandango (brasileiro), em que os pares entoam trovas populares sobre o tatu, com sapateado e bater de esporas dos cavalheiros. Brasil Sergipe e Centro-Oeste do Brasil dança de roda, virtuosista e de caráter satírico em que um dos participantes narra, cantando, uma caçada ao tatu. MG m. q. pau-marfim (Agonandra brasiliensis. RS m. q. carijo. Etim. tupi ta’tu. Designação de mamíferos desdentados. fato Hist. 1560 tatú, 1576 tatús, 1586 tactus, 1592 tatu (HOUAISS, 2001). Baile de Origem Africana BAMBÁQUERÊ, s. m. (R. Gr. do S.) nome de uma das variedades desses bailes campestres a que chamam geralmente Fandango (Coruja). Obs.:Br. m.q. Bambá (dança de negros, conflito, confusão). RS dança do fandango em que homens e mulheres dançam em torno de um par solista, que culmina sua execução com uma umbigada. Etim. segundo Nei Lopes, quimbundo mbamba ‘variedade de dança ou jogo’, com term. Ligada ao último elemento do refrão ‘bambá, sinhá, querê’(HOUAISS, 2001).

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[BAMBÁ, s. m. (Bahia) sedimento que fica no fundo do vaso em que fabricam essa variedade de azeite de dendê a que chamam azeite-de-cheiro.] SARAMBA, s. f. (R. Gr. do S.) espécie de fandango. || Etim. Virá de Sarambéque, dança alegre e buliçosa usada pelos pretos? Obs.: dança de roda. Etim. provavelmente de origem africana; de acordo com Nei Lopes, há duas hipóteses: uma segundo a qual o voc. procederia do nhungue ntsaramba ‘guizo, chocalho’; segundo a outra, seria redução de sarambequé; alude ainda o citado africanologista à hipótese de John T. Schneider, para quem o étimo poderia ser salamba, do ajava (HOUAISS, 2001). FÓRRÓBÓDÓ, s. m. (Rio de Jan.) baile, sarau chinfrim. O baile dado pelos carnavalescos não passou de um fórróbódó. Obs.: Etim. segundo Evanildo Bechara, variação atual do galego forbodó, termo privativo da região, mas comum a todo o Portugal, associando-o Joseph Piel a farbodão, do fr. faux-bourdon, figuradamente ‘sensaboria, desentoação’; a ligação semântica entre fabordão e forrobodó decorre de que, na região pesquisada, segundo registra Bouza-Brey, a gente ‘danza con absoluta seriedad a golpe de bombo, los puntos monorrítmicos monótonos de eses baile que se llama forbodo’. Sin. Confusão e forró (cf. HOUAISS, 2001). SÃO-GONÇALO, s. m. (Piauí) espécie de baile no qual os festeiros dançam, cantam e se embriagam, e tudo isso á noite, ao lar livre e em frente de um altar com a efige de S. Gonçalo. Êste baile tem muitas vezes por objeto o cumprimento de uma promessa feita áquêle santo pelo curativo de algum enfermo, ou por outro qualquer motivo de regosijo. CAMPO SEMÂNTICO DE DANÇA Origem Européia BAHIANO (3°), s. m. (Ceará) o mesmo que Baião. [BAIÃO, s. m. (Ceará) espécie de divertimento popular, a que também chamam Bahiano (3°), e consiste em danças e cantos ao som da música instrumental. (j> Galeno). || Etim. Talvez seja êste vocábulo a corruptela de Bailão, termo português que significa bailador, ou a alteração de Bahiano, e nêste caso deveriamos escrever Bahião. ] Obs.: Br. N. E. dança popular originada do ‘baiano, ou o canto popular que a acompanha, geralmente entoado ao som de viola e de outros instrumentos (sanfona, acordeão etc); baiano, lundu-chorado, choradinho; m.q. rojão (HOUAISS, 2001).

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[BAHIANO, A (2°), s. m. (Piauí) o mesmo que Caipira.] Dança de Origem Africana CANDOMBE (2°), s. m. (provs. merid.) espécie de batuque com que se entretêm os negros em seus folguedos. || É analogo ao quimbête, ao caxambú, ao jongo, ao maracatú de Pernambuco. Talvez seja semelhante ao Candomblé da Bahia, mas sem exercícios de feitiçaria. [CANDOMBE 1° espécie de rêde de pescar camarões, manejada ordináriamente por um só homem.] Obs.: Olga Cacciatore propõe o híbrido quimbundo ka ‘costume’ + ndombe ‘negro’ (no sentido de costume de negros): Nei Lopes, o quimbundo Kiandombe ‘negro’ (HOUAISS, 2001). CATÊRÊTÊ, s. m. (Provs. merid.) espécie de batuque, que consite em danças lascivas ao som da viola. Obs.: dança rural muito difundida em que os participantes formam duas filas, uma de homens e outra de mulheres e, ao som de música sapateiam e batem palmas; caatira. Etim. orig. controv. Segundo A. Geraldo da cunha de prov. Orig. africana, mas de étimo indeterminado; segundo JM, origem onomatopáico (HOUAISS, 2001). CAXAMBÚ, s. m. (Minas Gerais) espécie de batuque de negros ao som do tambor. É semelhante ao Quimbête, com a diferença de que êste se exerce nas povoações, e aquêle nas fazendas. Obs.: Geo GO morro em forma de tambor. Miner. Brasil C. –O. acumulação em monte do cascalho extraído do gorgulho, nas faldas das montanhas. Lud. Inform. Situação em que uma ou mais cartas, ao serem embaralhadas, ficam erradamente dispostas em relação às outras, face ou costas. Dança afro-brasileira, semelhante ao batuque e com canto responsorial, ao som do caxambu (tambor) e de cuícas, cacumbu. Etim. prov. De origem africana; segundo Nei Lopes, de orig. banta; AGC afirma ‘de provável orig. aficana mas de étimo indeterminado’; Luiz Caldas Tibiriça, s.v. Caxambu (top.) registra ‘de caxambu’, esp. De tambor, que os escravos usavam em suas danças (HOUAISS, 2001). CÔCO-INCHADO, s. m. (Ceará) nome de uma certa dança popular. [CÔCO: Br. N. Br. N.E., tipo de dança de roda, em compasso binário ou quaternário, cantada em coro que corresponde ao coqueiro (cantor) e acompanhada por percussão; pagode. Música cantiga independente que às vezes, acompanha a dança.] [CÔCO agalopado tipo de coco que não tem estrutura poética fixa.] [COCO, s. m. cantiga popular, ao som da viola e que, as vezes, serve para dança; ‘um côco ou um choradinho tinha seu lugar’ (Afrânio Peixoto in LAUDELINO FREIRE, 1957)].

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COCUMBÍ, s. m. (provs. Merid.) espécie de dança festival própria dos Africanos. || Também sae diz Cucumbi. CUCUMBI, s. m. (Provs. Merids.) o mesmo que cocumbi. [CUCUMBÍ (1762) tipo de dança dramática com cortejo e coreografias guerreiras de que não restou documenntação musical. Etim. segundo Nei Lopes do quimbundo kikumbi ‘puberdade, festa da puberdade, rito de passagem para a adolescência” (HOUAISS, 2001).] [CUCUMBI, ou CUCUMBY, sm. Festa popular, de origem africana, que consta de bailados e músicas acompanhadas de cantaria: “o auto do “Congado”, que na Baía toma o nome de cucumbi” (Afonso Arinos in LAUDELINO FREIRE, 1957).] CURURÚ (2°), s.m. (Mato-Grosso) espécie de batuque usado pela gente da plebe, no qual os homens e às vezes as mulheres formam uma roda e volteando burlescamente cantam à porfia, ao som de insipida música, versos improvisados, e tudo animado pela cachaça (Ferreira Moutinho). [CURURÚ (1°) nome generico do sapo na língua tupí. Hoje só o aplicam a certas espécies destes Batráquios.] FARINHA=QUEIMADA, s.f. (Ceará) espécie de bailado popular (Araripe Junior). FURRUNDÚ (2°) s. ml (S. Paulo) espécie de dança de que usam os camponeses. [Furrundú (1°) s. m. (S. Paulo) espécie de doce feito de cidra ralada, gengibre e açúcar marcavo.] Obs.:Etim. segundo Nei Lopes, prov. Orig. banta, cf. Quicongo mfulu ‘reunião’ e ndungu ‘panela’ (cf. HOUAISS, 2001). FURRUNDUM, s. m. (S. Paulo) o mesmo que Furrundú (1°) JONGO, s. m. (Rio de Jan., Minas Gerais, S. Paulo) espécie de dança de que em seus folguedos usam os negros nas fazendas. É acompanhado por seus rudes instrumentos musicais, como a puita, o tambor, etc. (B. Homem de Mello). || É análogo ao candumbe, que se pratica nas mesmas provincias, e ao Maracatú de Pernambuco. Obs.: dança de roda de origem africana do tipo batuque ou samba, com acompanhamento de tambores, solista no centro e eventual presença da umbigada, e cujo canto é do tipo estrofe e refrão; caxambu, corimá, tambu Etim. origem controv.; Nascentes deriva do quimbundo jihungu ‘nome de um instrumento musical dos negros’, assim como Angenot et alii; Nei lopes dá como étimo o umbundo onjongo ‘nome da dança de um povo banto da região de Angola’ (HOUAISS, 2001).

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LUNDÚ (1°), s. f. Nome de uma dança popular que se executa ao som de música mui atraente. Entre gente grosseira é dança mais ou menos indecente; mas, entre pessoas moralistas, é sempre praticada de modo conveniente. O mesmo nome tem a música que a acompanha. || Etim. Segundo Moraes, é voc. da língua congueza e bunda. Póde ser que assim seja; mas Capello e Ivens não a mencionam em parte alguma da sua obra. Obs.: designação de várias canções populares inspiradas em ritmos africanos que foram introduzidas em Portugal e no Brasil a partir do século XVI. Dança de par separado, em compasso binário com primeiro tempo sincopado; mulundu. Etim. origem controversa; Nei Lopes aventa o top. Quicongo Lundu ‘nome de um país perto de Kingoyi’ (segundo o Dictionnaire Kikongo-Français de K. E. Lamn, Bruxelas, 1936), a região de origem dos quiocos, e também um top. Lundu em Moçambique (HOUAISS, 2001). MARACATÚ, s. m. (Pern.) especie de dança, com que se entretêm os negros boçaes (Abreu e Lima). || É analogo ao candombe e ao jongo das províncias meridionais. || Etim. Deve talvez seu nome ao uso que fazem do maracá, como instrumento musical. Obs.: dança em que um bloco fantasiado, bailando ao som de tambores, chocalhos e gonguê, segue uma mulher, que leva na mão um bastão em cuja extremidade tem uma boneca ricamente enfeitada (acalunga) e executa evoluções coreográficas. Etim. origem africana provavelmente banta (HOUAISS, 2001). QUIMBÊTE , S. M. (Minas Gerais), o mesmo que Candombe (2°), espécie de batuque de escravos, ao qual chamam também Caxambú, quando é exercido nas fazendas. || Etim. È Provavelmente de origem africana. Obs.: a dança é acompanhada por instrumentos de percussão, batuque (HOUAISS, 2001). REVIRA, s. m. (provs. do N.) espécie de bailado de negros de gente da plebe. Obs.: Etim. Regressão de revirar (HOUAISS, 2001). SAMBA, s. m. Espécie de bailado popular. Obs.: dança de roda semelhante ao batuque, com dançarinos solistas e eventual presença da umbigada, difundida em todo o Brasil com variantes coreográficas e de acompanhamento instrumental. Etim. banto, mas de étimo controversa (HOAUISS, 2001). SARANDEAR, v. intr. (r. Gr. do S.) saracotear, menear o corpo na dança (Cesimbra). || Etim. É vocábulo mexicano.

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Obs.: Saracotear-se, menear o corpo (na dança); executar um sarandejo. Brasil Sul, dançar a sarabanda; Etim. saranda + -ear. [saranda mo Brasil aquele que não tem ocupação e não gosta de fazer coisa alguma; vadio, vagabundo. Etim. orig. obsc.; Figueiredo, no entanto, assevera ser alteração de ciranda. [Sarandejo- movimento de dança em que a dama segura a saia enquanto o cavalheiro executa o sapateado. Etim. regressão de sarandear (HOAUISS, 2001).]

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ANEXO 3

CAMPO SEMÂNTICO DE BEBIDAS BEBIDAS FERMENTADAS

Origem européia BEBÍDA, s. f. (Pern. e outras Provs. do N.) nome que dão a certos e determinados mananciais ou depositos de água pluvial, onde costumam beber os animais, quer domésticos, quer silvestres. Na estação da sêca, quando é geral a falta d’água, são as Bebidas lugares idôneos para as caçadas, pela multidão de aves e outros animais que ali se reunem. || Etim. Em linguagem portuguêsa chamam a isso Bebedouro. Obs.: (s. XIII) qualquer líquido bebível. M.q. Tisana (medicamento) P. Inform. mistura de café e vinho com açúcar. P. Cr. Murro, soco, bofetada violenta (HOAUISS, 2001).

AGÜAPÉ, s.m. nome que dão ás diversas espécies de vegetações que se criam à superficie dos lagos e outras águas mortas. || Etim. É vocábulo comum a todos os dialetos da língua tupi. || Morais não o menciona. No seu artigo Agua, encontra-se Agua pé significando uma espécie de vinho mui aguado e fraco, produzido pela mistura da água com o suco da uva já expremida. Aulete escreve Agua-pé, tanto no sentido português, como no sentido brasileiro da palavra, a nêste último caso é erro manifesto. Obs.: Água-pé em Portugal bebida de baixo teor alcoólico, que se obtém adicionando água ao pé (bagaço) das uvas da primeira espremedura, e fermentada. Por extensão no Brasil informal aguardente de cana; cachaça; fato histórico 1440 agua pee (HOAUISS, 2001). BICHA, s. f. (Pern. E outras Provs. do N.) o mesmo que Manduréba. CACHAÇA, s. f. Aguardente feita com o mel ou borras do melaço, diferente da que fabricam com o caldo da cana, á qual chamam aguardente de cana ou caninha. || Etim. Aulete atribui a êste vocábulo uma origem exclusivamente brasileira, entretanto que Moraes, citando a autoridde de Sá de Miranda, o dá como português, significando vinho de borras. Diz mais Aulete que também lhe chamam tafiá, o que não é exato, quanto ao Brasil, onde êsse têrmo, puramente francês, é completamente desconhecido do vulgo. || Obs. Na Bahia, e outras províncias do Norte, são também o nome de cachaça á escuma grossa, que, na primeira fervura, se tira do suco da cana na caldeira, onde se alimpa, para passar ás tachas, depois de bem depurado, e ajudado com decoada de cal ou cinza (Moraes). Esta espécie de cachaça é distribuída ao gado,

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e muito concorre para engorda-lo || Fig. Paixão dominante: A cultura das flôres é a minha cachaça. Obs.: Do vocábulo no séc. XIII como cachaça ‘parte do pescoço dos (HOAUISS, 2001).

CANINHA, s. f. Aguardente de cana de açúcar. LARANJINHA (1°), s. f. Aguardente de cana aromatizada com casca de laranja. Obs.: m.q. limão-de-cheiro (cf. HOAUISS, 2001). MADÚRO, s. m. (R. de Jan.) espécie de bebida fermentada feira com mel de tanque misturado com água. Constitui uma espécie de cerveja que dizem ser pouco sadia. || Etim. Em Portugal dão nome de vinho maduro, ao que é feito em geral de uva bem madura; mas isto não me parece poder ser a origem do nosso vocábulo. Quero antes crer que seja o metaplasmo de Maluvo, que na língua bunda significa vinho, tanto mais que o Maluvo dos Africanos é feito com mel fermentado. Obs.: [Maluvo bebida obtida da fermentação da seiva de uma palmeira conhecida como bordão, muito apreciada em alguns países africanos; lutombo. Por ext. Bebida fermentada em geral. Etim. Bundo maluvu; as diversas formas cariantes são dialetais ou provêm de equívoco no registro (HOAUISS, 2001).] Origem Indígena CATIMPUÊRA, s. f. (Alagôas) espécie de bebida fermentada feita com a mandioca mansa ou aipim cozido, reduzido a pasta passada pela peneira e posta dentro de um vaso novo de barro ou pote, de mistura com uma quantidade suficiente de água, à qual se ajunta mel de abelhas. Deita-se o vaso em lugar aquecido, ordináriamente junto ao fogão e não mui longe do fôgo. Depois de alguns dias, manifesta-se a fermentação, e, terminada ela torna-se potável a bebida. Usam da catimpuêra como regalo e como remédio (B. de Maceió). Esta bebida é, mais ou menos, a mesma que o Cauim. || No Pará dão o nome de Guariba ou Beijú-assú a uma espécie de Catimpuéra. CAUIM, s. m. Espécie de bebida preparada com a mandióca cozida, pisada e posta com certa quantidade de água, dentro de um vaso, onde a deixam fermentar. Corresponde ao que em Alagôas chamam Catimpuéra e no Pará Guariba ou Beijú-assú. Era o cauim a bebida predileta dos selvagens do Brasil, no tempo da descoberta, e ainda hoje é usada na província do Esp. Santo e em outras. Os selvagens preparavam a massa de mandióca por meio da mastigação. Também o faziam com milho cozido e igualmente mastigado. Segundo Saint-Hilaire, no Esp. Santo, chamavam-no igualmente cauába; mas cauába ou caguába é mais propriamente o vaso que contém o cauim. O voc. cauim se encontra no Dic. Port. Bras. O Voc. Bras.

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Escreve caõy, e Montoya Cagui. No Pará dão os índios à aguardente o nome de cauim (B. De Jary) ou cauen (Seixas). O cauim preparado com o milho é justamente o que chamam Chicha em Bolivia. Obs.: Etim. tupi ka’wï ‘vinho qualquer’; denominação genérica das bebidas fermentadas preparadas pelos indígenas com a mandioca, o milho e com diferentes frutas (HOAUISS, 2001). CAXIXÍ, adj. (Alag., Pern., Par. do N., r. Gr. do N. Ceará) diz-se da aguardente de qualidade inferior: N’aquela taverna não se vende senão aguardente caxixi. CHICHA, s. f. O mesmo que Cauim. Obs.: Etim. espanhol chicha ‘espécie de cerveja da américa do Sul e da América Central feita principalmente de milho fermemntado’, em muitos países da América Latina; no México, ‘aguardente de cana’, prov. De chicahh (co-pah), lit. ‘bebida de milho’, na língua dos índios cunas (Colômbia e Panamá (HOUAISS, 2001). COTRÉA, s. f. (Serg.) o mesmo que Manduréba. Obs.: aguardente de cana; cachaça. Etim. orig. obscura; para Nascentes, voc. Expressivo (HOUAISS, 2001). GUARÍBA (2°), s. f. (Pará) o mesmo que Catimpuêra. [GUARÍBA (1º), s. m. Nome comum duas espécies de Quadrumanos.] JEREBITA, s. f. O mesmo que Manduréba. || Moraes e Aulete escrevem Gerebita. MANDURÉBA, s. f. (Ceará) nome chulo de cachaça (Araripe Junior). Também lhe chamam em diversas províncias do norte Branca, Branquinha, Bicha, Jerebita, Poloia, Teimosa, Cotréa, etc. PARATÍ (2°) s. m. Aguardente de cana de primorosa qualidade, fabricada no município dêste nome. [PARATÍ (1º), s. m. Nome vulgar de uma espécie de peixe.] PILÓIA, s. f. (Ceará) o mesmo que manduréba. TARUBÁ, s. m. (Pará) espécie de bebida mui usada entre os Tapuios, os quais a preparam do modo seguinte: ralam a mandioca, expremem-lhe o suco, côam a massa, com a qual fazem uma espécie do beijú grande, a que por isso chamam beijú-assú. Ao

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depois reduzem a pó folhas da árvore Curumim, e com ela polvilham o beijú-assú, e em seguida abafam com folhas e guardam por espaço de oito dias, no fim dos quais dissolvem-o em água, côam e bebem (F. Bernardino). TEIMOSA, s. f. (Ceará) o mesmo que Manduréba. TIQUÍRA, s. m. (Maranhão) aguardente de mandioca (B. de Mattoso). || No Pará esta espécie de aguardente é produzida pela fermentação do Beiju-assú (J. Verissimo). BEBIDA REFRIGERANTE

Origem européia MÁTE, s. m. Folha de Congonha, que, convenientemente preparada e posta de infusão, constitui uma bebida usual em grande parte da América Meridional. || Máte chimarrão é aquêle que se toma sem açúcar. || Obs. No Paraguai, onde me achei anteriormente á guerra dão ao Máte o nome de yerba, e chamam Máte a vasilha em que o tomam, e a que damos no Brasil o nome de Cuia. Segundo o sr. Zorob. Rodrigues, o vocábulo Mate ou Mati pertence á língua quichua e significa cabaça. Obs.: Etim. do espanhol mate – 1570 ‘cabaça vazia para vários usos domésticos, particularmente, para tomar erva-mate’, ‘infusão da erva mate’, derivado do quichua ‘mati’ ‘cabacinha’ (HOUAISS, 2001).

Origem Indígena BACABÁDA s. f. (Pará) espécie de alimento feito com a fruta da palmeira Bacaba, preparada pelo mesmo processo do Assahí. Obs.: Refresco preparado com a polpa do fruto da bacaba. Etim. bacaba + -ada (HOAUISS, 2001). CAJUÁDA, s. f. Bebida refrigerante feita do sumo do cajú, água e açúcar. CALDO, s. m. Nome que dão ao sumo da cana de açúcar: Caldo de cana. Em S. Paulo e Pará o chamam Garápa; mas êste termo tem outra significação em algumas províncias do norte.

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CUNCA, s. f. (Ceará) espécie de tuberculos sumarentos com cerca de 0,m20 de diametro, que se desenvolvem nas raizes horizontais do Imbuzeiro. Na estação calmosa, quando mais se faz sentir a falta de água, são as Cuncas o refrigerio dos vaqueiros e caçadores, que com elas matam a sêde. Chupam-na como se faz com a cana de açúcar (P. Nogueira). GARÁPA, s. f. Nome comum a diversas bebidas refrigerantes. Em S. Paulo, Goiás e mato-Groso dão esse nome ao caldo da cana, e também lhe chamam Guarápa. Em algumas províncias do norte Gárapa picada é o caldo da cana fermentado, e o nome de Garápa se aplica também a qualquer bebida adoçada com melaço. Segundo Simão de Vasconcelos, Garápa é o termo com que os Tupinambás esignavam uma certa bebida feita com mel de abelhas. Em Angola, no dizer de Capello e Ivens, entende-se por Garápa uma espécie de cerveja feita de milho e outras gramíneas, à qual dão também os nomes de Ualúa e quimbombo, conforme as terras. GUARÁPA, s. f. (S. Paulo) p mesmo que Garápa. MÓCÓRÓRÓ(1º), s. m. (provs. do N.) nome comum a siversas bebidas refrigerantes. A de que usam no Ceará é feita com o sumo de cajú (Santos Souza). No Maranhão é preparada com arroz contudo de que se fazem papas grossas pouco cozidas, as quais deitam em uma vasilha de barro com água e algum açúcar e fica a fermentar durante dois dias: corresponde ao Aluá das outras províncias (D. Braz). No Pará é feita de mandioca e dela usavam os aborigenes (Thes. do Amazonas). [MOCORÓRÓ (2º) nome do limonito concrecionado.] PAIAUARÚ, S. M. (Pará) espécie de bebida feita do sumo de frutas, de mistura com beijú, e da qual usam os selvagens (Baena). TIQUÁRA, s. f. (Pará) o mesmo que jacúba. || (Maranhão). Nome de qualquer bebida refrigerante. Nêste sentido é o mesmo que a garapa de outras províncias. || Etim. Tanto em tupi, como em guarani, ticú signiica líquido (Dicc. Port. Braz. Montoya). || É êsse certamente o radical de tiquára. Obs.: Pará Maranhão m.q. jacuba (papa e bebida) Brasil informal ‘aguardente de cana; cachaça’. Etim. Tupi *ti’kwara ‘mistura de farinha de mandioca, água e açúcar ou mel’, usado como bebida ou cozida como mingau (HOUAISS, 2001). De origem Africana

ALUÁ, s.m. bebida refrigerante feita de arroz cozido, açúcar e sumo de limão. Também a fazem de fubá de milho. || No Ceará preparam o Aluá com a farinha do

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milho torrado e açucar J. Galeno). || No Maranhão dão a uma bebida semelhante o nome de Mócóróró; em S.Paulo o de Caramburú; e em Pernambuco o de Quimbembé. || Etim. de ualuá, vocábulo da língua bunda que se aplica a uma espécie de cerveja feita de milho e outros ingredientes (Capello e Ivens), também lhe chamam quimbombo e garápa, conforme ao terras. || Moraes e outros lexicógrafos escrevem Aloá. Lacerda consagra um artigo a Aloa e outro a Aluá. São da maior extravagância as etimologias com que enfeitam os artigos respectivos. Aulete não menciona êste vocábulo. Obs.: Etim. quimbundo walu’a. Var. Aruá; fato histórico 1578 oalo (HOUAISS, 2001).

QUIMBEMBÉ, s. m. (Pern.) nome que dão os Africanos a certa bebida preparada com milho (J. A. De Freitas). É congenere do Aluá. || Etim. é certamente de origem africana, e tanto mais o creio que Capello e Ivens mencionam Quimbombo como o nome de uma bebida analoga usada na província de Angóla. Quimbembé e Quimbombo, variando na forma, pertecem evidentemente ao mesmo radical.

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ANEXO 4

CAMPO SEMÂNTICO DE ALIMENTO

Origem Africana ACARAJÉ, s. m. (Bahia, R. de Jan.) espécie de comida feita de massa de feijão cozido, tendo a forma de bolas, e fritas em azeite de dendê com pimenta malagueta (Capsicum sp.) Também lhe chamam Acará. Distingue-se do Abará em ser mais apimentado e não ser envolto em folhas de bananeira (Alberto). || Etim. E’ voc. da língua yorúba (Neves Leão). ABARÁ, s. m. (Bahia, R. de Jan.) comida feita da massa de feijão cozida em azeite de dendê e temperado com Pimenta da Costa e Pijerecum. Dão-lhe a fórma de bolas e são envoltas em folhas de bananeira, do mesmo modo e com a consistência do Acaçá, mas em ponto menor (Alberto). || Etim. E’ vocábulo da língua yorúba (Neves Leão). ACAÇÁ, s. m. (Bahia, R. de Jan.) espécie de bolo de arroz ou de milho moído e pedra, fermentado ou não, cozido em ponto de gelatina consistente e envolto, enquanto quente, em folhas verdes de bananeira dobradas em forma retangular, de modo a ficar o bolo protuberante no centro e achatado para as bordas. Esta comida, oriunda da África, acha-se de todo vulgarizadas entre as famílias baianas, as quais dela se servem á guiza de pirão para comer o Vatapá e Caruru, ou dissolvida ligeiramente em água e açúcar, como bebida refrigerante e substancial, a que chamam Garapa de Acaçá, mui aconselhada ás mulheres que amamentam. Ha também o Acaçá de leite, que é um ponto menor, sòmente de fubá de arroz com açúcar e leite de côco, cosido em ponto menos consistente como uma gelatina trêmula e mui grata ao paladar (Alberto). || Em Pernambuco dão ao Acaçá o nome de Pamonha de garápa. || Nas colônias francesas da América dão a certo preparado de mandioca o nome de Cassave, que parece pertencer ao mesmo radical. ACARÁ (1º), s. m. (Bahia, R. de Jan.) o mesmo que Acarajé. [ACARÁ (2º), nome vulgar de diversas espécies de peixes.] ANGÚ, s.m. espécie de massa feita de farinha de mandioca cozida em panela ao lume, e serve, á guisa de pão, para se comer com carne, peixe e mariscos. Também lhe chamam Pirão. Angú de milho ou de arroz é a massa identicamente feita do fubá destas gramíneas. Angú de madioca puba é aquêle que se faz com a mandioca fermentada, depois de sovada em gral. Angú de quitandeira, no R. de Jan., é o nome

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de uma comida, que consiste em Angú, a que se ajunta qualquer iguaria bem apimentada, temperada com azeite de dendê, e muito do gosto dos gulosos. | | Em Pernambuco dão o nome de bolão de angú á porção dêle arredondado, que se vende com guisado de carurú, que é o conduto (Moraes). Obs.: além da citada Cul. Banana cozida, formando massa compacta. Inform. Falta de ordem; angu-de-caroço, confusão, complicação, rolo. Inform. Briga que envolve muitas pessoas; angu-de-caroço, banzé, rolo, sururu. Inform. Inconfidência maldosa; angu-de-caroço , intriga, mexerico. Etim. orig. Africana, mas de étimo obscuro. Sinônimo de confusão e mexerico (HOAUISS, 2001).

ANGUZÔ, s. m. (Pern.) espécie de esparregado de ervas, semelhante ao carurú, que se come de mistura com o angú. Obs.: Etim. ioruba angu + -z- + -o; fato histórico 1858 anguzòu; ver anguzô (HOUAISS, 2001). BÓBÓ, s. m. (Bahia) espécie de comida africana, mui usada na Bahia, a qual é feita de feujão-mendubi, ali chamado feijão-mulatinho, bem cozido em pouca água, com algum sal, e um pouco de banana da terra quasi madura. Reduzido o feijão a massa pouco consistente, juntam-lhe por fim azeite de dendê, em boa quantidade, para o comerem só, ou incorporado com farinha de mandióca. Ha também o Bóbó de inhame, em que o feijãoé substituído pelo tubérculo dêste nome (Alberto). || No Pará, Bóbó é o nome vulgar do pulmão do gado talhado, e vendido com os demais miudos nos açougues (J. Verissimo). Obs.: Etim. jeje bo’bo ‘comida de origem africana feita com feijão. BOLÃO, s. m. (Pern.) Bolão de Angú é a porção dêle arredondado, que se vende com guizado de carurú, que é conduto (Moraes). FAROFA, s. f. Espécie de comida feita de farinha de mandioca ou de milho, que, depois de humedecida com água, é frita ou antes cozida em toucinho ou manteiga. Come-se a farófa, à guisa de pão, com a carne, peixe e mariscos. || Etim. Não encontro êste vocábulo em dicionário algum da língua portuguêsa. Aulete menciona farofia como vocábulo português designando uma espécie de doce feito de claras de ovos batidos com açúcar e canela, igualmente chamado basofias, globos de neve e espumas. Também diz que no Brasil a farófia é uma espécie de comida feita de farinha de pau bem misturada com qualquer môlho. Aceitando a definição, porque, afinal de contas, pode haver muitos modos de preparar essa comida, devo, entretanto, fazer obsevar que a isso chamam no Brasil farófa e não farófia. Capello e Ivens também falam da farófia como de uma comida usual na parte da África portuguêsa que visitaram, e dizem que é a simples mistura da farinha com vinagre, azeite ou água, a que se ajunta pimenta do Chile ou d’jindungo. Como se vê, é isso apenas uma variedade da farófa do Brasil. Segundo Aulete, o termo farófia em Portugal tem, no

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sentido figurado, a significação de cousa ligeira, de pouca importância, insignificância. No Brasil, farófa não tem êsse alcance. Obs.: Brasil açúcar granulado de categoria inferior. Qualidade jactancioso; bazófia, pretensão; farófia. Fig. Inform. Conversa superficial ou sem relevância; conversa que não leva a nada; conversa fiada; farófia, lero-lero, papo furado. Coisa sem valor; insignificância. Etim. farofa é do quimbundo;1899; (HOAUISS, 2001). VATAPÁ,s. m. (Bahia) espécie de iguaria, que consiste em uma papa rala de farinha de mandióca, adubada com azeite de dendê e pimenta, e tudo isso misturado com carne ou peixe. || Etim. E’ vocábulo da língua ioruba (Colonia). Origem Indígena APÁRAS, s. f. Plur. (Provs. Do N.) o mesmo que Raspas. BEIJÚ, s. m. Espécie de filhó feita de tapióca e também da massa da mandióca e, cozido ao forno da farinha. Ha portanto o Beijú de tapióca e o Beijú de massa, e a êste dão no Pará o nome de Beijú-xica. No R. de Jan. Chamam-lhe comumente Bijú. Variam de forma, e os ha quadrados, circulares, enrolados como cartuxos, etc. Servem á guisa de biscoutos com o chá, café, caldo ou outra qualquer bebida. Aquecidos ao fogo e temperados com manteiga, adquirem um sabor mui agradável. Segundo G. Soares e Baena, é o Beijú invenção das mulheres portuguêsas, e serviram-lhes de modêlo aos filhós feitas de farinha de trigo. Ha outras variedades de Beijú, a que chamam no R. de Jan. Sóla e Malampansa ou Manampansa; em Pern. E Alagôas Tapióca, Beijú de côco e Beijú-pagão; e em Serg. E Alagoas Malcassá ou Malcasado. Ao Beijú de côco chamam em serg. Sarapó. || Erra Aulete em tudo quanto diz a respeito do Beijú. Não é um bolo, nem tampouco lhe chamam também Miapiata, nome completamente desconhecido na linguagem vulgar do Brasil, e que é visivelmente o estropeamento do vocabulo tupí Miapé-antan, cuja tradução literal é pão duro, ou biscouto. || Etim. É vocabulo comumaos dialetos tupó e guaraní. Os Tupinambás do Brasildavam o nome de Beijú a uns certos pães de milho posado que êles guardavam de muitos dias nos juráus, e de que se serviam para a fabricação de uma espécie de cauhí, a que chamavam *Beiuting-ig (Voc. Bras.) Em guaraní o termo Mbeiu, além de outras significações, tem em castelhano o de torta (bolo) de mandióca (Nontoya). Obs.: Etim. tupi mbe’yu ‘bolo de farinha de mandioca’; var devidas as flutuações na língua geral de –mb>-m-/-b-, evolução consonância –j- ou vocálica –i- da assilábica y, timbre da vogal pretônica etc; fato histórico 1576 beijús, 1596 beiius, 1618 bejús, 1705 beyjú. Sin./var. (e afins) Beijuaçu, bneijucica, beijucuruba, beijuguaçu, beijumembeca, beiju-moqueca, beijupoqueca, beijuteica, beijuticanga, beijuxica, biju, biroró, malcasado, miapiata, sarapó, sola, tapioca (HOAUISS, 2001). BEIJÚ-ASSÚ, s. m. (Pará) o mesmo que Catimpuera.

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BIJÚ, s. m. (R. de Jan.) o mesmo que beijú. CAISSUMA, s. f. (Valle do Amazonas) é o tucupí engrossado com farinha, cará ou outro qualquer tubérculo (J. Verissimo). CARIMAN, s. m. Massa de mandioca puba, reduzida a pequenos bolos secos ao sol. Com o Cariman se fazem essas papas a que chamam mingáu, e ao qual se pode ajuntar gema de ovo e leite. Serve também para toda a sorte de bolos doces. || Etim. É vocábulo tupí (Dic. Port. bras.). Gabriel Soares fala de Cariman como espécie de farinha feita da mandioca puba, e a que êle atribue grandes vantagens, já como materia alimentícia, já como contra-peçonha. Segundo Agostinho Joaquim do Cabo, no vale do Amaz., também lhe chamvam cayarinãa. Os guaranis davam o nome de cañarimã à mandioca seca ao fumo, e o de cañarimãcuí à farinha feita da mandioca assim preparada (Montoya). Obs.: Etim do tupi kari’mã ‘farinha de mandioca’; fato histórico 1554 carimã, 1587 carimá, 1594 carima (HOAUISS, 2001). CAXIRÍ (1°), s. m. Espécie de alimento preparado com o beijú diluido em água (Baena). || Obs. Agostinho Joaquim do Cabo, na Memória sôbre a mandioca ou páo do Brasil (ms. Da biblioteca Nacional), dá o Caxiri ou Cachiri do Amazonas, como sin. De Mócóróró. CRUEIRA (1°), s. f. Fragmentos da mandioca ralada, que não passam pelas malhas da peneira onde se apura a massa, para ir cozer no forno e converte-la em farinha (V. de Souza Fontes). || Em S. Paulo lhe chamam Quiréra. || Em algumas fazendas do Rio de Janeiro, dizem também Caruéra, Cruéra, Cruêra (Macedo Soares). || No Pará dão-lhe o nome de Crueira (B. de Jary), e mais os de Curuéra, Curueira e Curéra, sendo esta última forma a mais geralmente usada (J. Verissimo). || Etim. Não obstante a sua feição portuguêsa, Crueira não é mais do que a corruptela de Curuéra da língua tupí, significando alimpaduras do joeirado; e se decompõe em Curuba = curu; pedaço, e uéra, forma do preterito, que neste caso, significa abandonado, desprezado, sem serventia para aquilo a que se destina a mandióca ralada; em uma palavra, refugo. Quando, porém, os Tupinambás se referiam ao farelo e tudo o que fica da farinha peneirada, davam-lhe o nome de Mindócuruéra (Voc. Braz.) e os Guaranis o de Myndocuré (Montoya). A Curéra do Pará é uma ligeira alteração do Coréra do dialeto do Norte significando farelagem, farelo, aparas (Dic. Port. Braz.). || Obs. A Crueira serve ordinariamente de pasto às criações. No Pará fazem-na também secar ao sol, e com ela preparam um mingáu grosseiro (B. de Jary). CUXÁ, s. m. (Maranhão) espécie de comida feita com as folhas da vinagreira (Hibiscus sabdariffa) e quiabo (Hibiscus esculentus) a que se ajunta gergelim (Sesamum

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orientale) torrado e reduzido a pó, de mistura com farinha fina de mandioca. Depois de bem cozido deitam-no sobre o arroz, e a isso chamam Arroz de cuxá (D. Braz.). Obs.: Etim. é tupi ku’xai, seg. Nascentes ku ‘o que conserva’ + xai ‘azedo’ (HOUAISS, 2001). GOMA, s. f. (Bahia e outras prov. Do N.) o mesmo que Tapióca. Obs.: Br. Polvilho dfe mandioca (farinha amilácea) utilizado na feitura de tapiocas, mingaus, papas, bolos, grudes. IMBUZÁDA, s. f. (sertão do Norte) nome de um alimento feito de leite misturado com o sumo da fruta Imbú. Também dizem Umbuzada. JACÚBA, s. f. espécie de alimento ralo feito de farinha de mandioca, que se deita em água fria. No Pará e Maranhão, também lhe chamam tiquára e xibé. Usam dela os viajantes do interior para aplocar a fome, enquanto não ha outro meio de a satisfazer. Quando as circunstâncias o permitem, adicionam-lhe açúcar e sumo de limão, o que a torna um refresco mui agradável. Etim. Jecuacúba, em tupi, e Jecoacú, em guarani, significam jejum. Não duvido que dai provenha o vocábulo jacúba, atendendo a que, em falta de pão de trigo, é provável que os jesuitas sujeitassem seus penitentes, em dias de jejum, ao uso da farinha de mandioca molhada em água fria. J. Verissimo pensa, porém, que é voc. De origem africana. MANIPUEIRA, s. f. (Pern. e outras provs. do N.) líquido que, por meio da pressão, se extrai da mandioca ralada. Nêste líquido se contém todo o veneno da raiz da mandioca, veneno analogo ou semelhante ao ácido cianidrico, o qual, sendo exposto à ação do sol ou do fogo, evapora-se; e então torna-se a Manipueira, convenientemente temperada com pimenta e outros condimentos, um excelente molho, ao qual no Pará chamam Tucupí. || Etim. Fórma vulgar do tupi Manipuéra. MANISSÓBA, s. f. (Pern. E outras provs. do N.) a folha da mandioca. || Etim. é vocábulo tupi composto de Mani e sóba. Em guarani Mandii hoba tem a mesma significação. || Naquelas províncias chamam também Manissóba a um esparregado preparado com a folha da mandióca, e a que se ajunta carne e peixe. || Manissóba é também o nome de uma planta semelhante pela folha á mandóca e de cuja raiz se faz farinha em tempos de penúria. Ha também com êste nome uma espécie de Jatropha de que se extrai goma elastica. MANÍVA, s. f. (provs. do N.) caule da mandioca. || A maniva, dividida em pedaços de uns vinte centímetros de comprimento, e plantada de estaca, reproduz o arbusto, cuja raiz é a matéria prima para a fabricação da farinha.|| No Rio de Janeiro e outras províncias do Sul dão á maniva o nome de rama de mandióca. || Etim. Êste voc. de

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origem tupi decompõe-se em mani, cuja significação é duvidosa, e igba, árvore; e portanto quer dizer árvore do maní. Os guaranis lhe chamavam madiigigba. A diferença que se observa entre mandiig e maní é méra questão de pronuncia. MASSA, s. f. Mandióca ralada, a qual, depois de espremida do tipiti, é peneirada antes de ir ao forno, onde pelo cozimento se completa a fabricação da farinha e das diversas espécies de beijús. A parte mais grossa da massa, que não passa pelas malhas da peneira, dão, conforme as províncias, o nome de crueira e outros mais, todos derivados do tupi. || V. Crueira. MOJICA, s. f. (Vale do Amaz.) processo de engrossar um caldo com uma fécula qualquer (J. Verissimo). || Também se pode engrossar o caldo com peixe moqueado e esfarelado (B. De Jary). || Etim. Do tupi moajigca, significando engrossar o líquido (Dic. Port. Braz.). PAMONÁN, s. m. (S. Paulo, Mato-Grosso) espécie de comida que consiste na mistura de farinha de mandioca ou de milho com feijão, carne ou peixe, e constitue uma excelente matolotagem para aqueles que viajam em lugares ermos e falsos de recursos, por isso que dura em bom estado muitos dias. || Etim. É voc. De origem tupí e guarani. No guarani Apamonân e no tupí Aipamonân significam misturar. || Ao Pamonân também chamam Virádo e Revirádo. No R. de Jan. Ao Pamonân de feijão chamam Tutú. PAMONHA, s. f. Espécie de bolo feito de fubá de milho ou de arroz, e também de tapióca ou de mandïóca puba, a que se ajunta açúcar e leite de vaca ou de côco, e é envolto em folhas de bananeira. || A’ Pamonha de mandióca puba dão particularmente, tanto no R. de Jan. Como na Bahia e outras províncias, o nome de Manauê; e em Pernambuco e Alagôas e de Pé-de-moleque. || Em Pernambuco e Alagôas chamam Pamonha de garápa ao Acaçá. || Fig. s. m. e f. , pessoa inerte, desmazelada: Meu criado é um pamonha, e sua mulher a maior pamonha que conheço. PASSÔCA, s. f. Espécie de comida feita de carne, que, depois de assada, é pisada de mistura com a farinha de mandioca ou de milho, constituindo assim um alimento mui usual e precioso para o viajante que caminha por lugares ermos, por isso que dura em bom estado durante quarenta e mais dias e dela póde servir-se ou fria como está ou aquecida. O falecido Marquês do Herval considerava a passóca como um grande recurso para um exercito em marcha. || no Pará dão o nome de passóca a um alimento feito de castanha do Maranhão torrada e pisada com farinha de mandioca e açúcar. || Etim. é voc. De origem tupi e guarani. Obs.: (pa’soka’) ‘esmigalhar com a mão’ (HOUAISS, 2001).

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PIRÃO, s. m. Espécie de massa feita de farinha de mandioca cozida em panela ao lume, e serve á guisa de pão, para se comer a carne, peixe e mariscos. Também lhe chamam Angú. O Pirão d’água é feito com água fria, do qual mais se usa com a carne ou peixe salgado. Pirão escaldado, ou simplesmente Escaldado, é aquêle que se faz lançando-se água ou caldo ferventes sôbre a farinha contida em uma vasilha. || Etim. Metaplasmo de Mindypirõ, nome que em tupi se dava ás papas grossas, em contraposição a Mingáu, que significa papas ralas (Figueira). Vasconcelos escreve Mindipiró, e Anchieta Mindipirô no mesmo sentido. O dic. Port. Braz. menciona Marapirão como termo português, e traduz em tupi por Motapirón, sem contudo lhe dar a significação. Não sendo, porém, Marapirão vocábulo da língua portuguêsa, parece-me antes corruptela de Mbaipirõ, usual entre os guaranis. || Na África ocidental é usual o termo Pirão (Capello e Ivens); e sem a menor dúvida o houveram do Brasil. PÚBA, adj. mole. É voc. tupi de que nos servimos geralmente para designar a mandioca que se pôs a cortir na lama ou na água, durante alguns dias, perdendo, desta sorte, suas qualidades venenosas. A mandioca púba torna-se comestível, já assada nas brazas, já convertida em bolos doces, quais o manaué e a pamonha, e já desfeita em carimân, depois de seca ao sol ou ao lume. Com ela se fabrica também a espécie de farinha a que no Maranhão e Pará, chamam farinha d’água, a uï-puba dos Tupinambás. || No presídio do Morro de S. Paulo, ouviu o Sr. Valle Cabral aplicar o vco. Púba á pessoa que sente grande abatimento de forças: De doente e de cançado fiquei puba. || Em S. Paulo dizem da pessoa vestida com primor, que está na púba. Não sei qual possa ser nêste caso a origem desta significação. RASPAS, s. f. Plur. (R. de Janeiro) lascas finas de mandioca, que depois de secas ao sol, se pisam em gral até ficarem reduzidas a pó, com o qual se fazem bolos, pudins, etc. A esta espécie de farinha, chamavam os Tupinambás e Guaranis Tugpigratig, nome hoje desconhecido no Brasil. || Nas provs. do N. dão ás Raspas de mandioca o nome de Apáras (Meira). SÓLA, s. f. (R. de Jan.) espécie de beijú espesso feito de tapióca ainda humida, que se coloca entre folhas de bananeira e se faz tostar no forno da farinha de mandióca (V. de Souza fontes). A êste beijú dão o nome de Tapioca em Pernambuco. Alagôas e Paraíba do Norte, com a diferença de lhe misturarem côco ralado (B. De Maceió), pelo que lhe chamam na Bahia Beijú de côco. || Etim. Talvez lhe provenha o nome de uma comparação burlesca com o couro de boi cortido. TAPIÓCA, s. f. fecula da mandioca. É esta a acepção a mais geral do vocábulo. No Rio de Janeiro lhe chamam polvilho, e na Bahia e outras províncias do Norte goma. Verdadeiramente, a tapioca do R. de Jan. É a farinha de tapioca da Bahia, do Pará e de outras províncias, a qual não é sinão a fécula que, ainda úmida, se lança no forno especial, e se mexe com um mólho de penas grandes até tomar a fôrma granilosa; e nêste estado serve para fazer papas, sopas e pudins. || Em Pern. e Alagôas chamam

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tapióca a espécie de beijú a que no R. de Jan. dão o nome de sola; e nêste sentido que a meciona G. Soares. || Etim. É voc. de origem tupí. o Dicc. Port. Braz. traduz polme ou sedimento da farinha por tipióca; o Voc. Braz. Coisa coalhada por tipiaca, tipióca, e ainda mais por apiçamga; Montoya, coisa coalhada por tipiaca; Seixas, goma da mandióca, por têpeáca. São vocábulos nascidos do mesmo radical. ALIMENTO DOCE BIRORÔ, s. m. (R. de Jan.) espécie de Beijú feito de massa de mandióca, temperada com açúcar e e herva doce, e torrado no fôrno da farinha. Obs.: Etim. sua origem é tida como tupi. BURITIZÁDA, s. f. (Ceará) dôce feito com a polpa da fruta do Buriti. CAMBÍCA, s. f. (Ceará, Maranhão) espécie de alimento feito com a polpa do Murici, de mistura com água, leite e açúcar. || Etim. na língua tupí, Cambig significa leite. Talvez seja esta a origem do nosso vocábulo. Obs.: Tanto no dic. Melhoramentos como no Houaiss coloca que: cambica é um manjar feito de polpa macerada de murici (ou de outras frutas), com açúcar e, por vezes, farinha de mandioca. Também é feito refresco com esses ingredientes. Etim. segundo Nascentes, prov. do tupi kã’bi ‘leite’ (HOAUISS, 20010. CANJICA (1º), s. m. (R. de Jan., s. Paulo, Paraná, Sta-Catarina, R. GR. do S., Minas-Gerais, Goiás, Mat. Gros.) espécie de frangolho feito de milho branco contudo, que geralmente se toma sem tempero algum, mas ao qual se póde adicionar açúcar, leite e canela. Assim temperado chamam-lhe Mungunzá na Bahia, Pern. e outras provs. do N. também dizem Mungunsá e Muncunzá. || Obs. Os lexicógrafos sem excetuar Aulete, escrevem Cangica e não Canjica. Não vejo razão para isto. Se este voc. não tem, nem póde ter, outra origem senão a de Canja, não ha motivo para escrevermos Cangica, quando em Laranjinha, diminutivo de laranja, não fazemos semelhante alteração. CANJICA (2ª), S. F. (Bahia e as demais provs. do N.) espécie de papas feitas de milho verde. A isso chamam Curáu, em S. Paulo e Mat. Gros., Corá em Minas-Gerais e R. de Jan., e nesta última província também a conhecem por Papas de milho. CURÁU (1°), s. m. (Mato-Grosso, S. Paulo) o mesmo que canjica. [CURÁU (2º), s . m. (Sérg.) o mesmo que Caipira.]

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FRITA, s. f. (provs. do N.) espécie de bolo feito de farinha de mandioca, açúcar e pimenta da índia. Também lhe chamam doce de pimenta (João Ribeiro) MALCASADO, s. m. (Serg.) espécie de Beijú, a que também chamam Malcassá. Fazem-no de tapioca, a que se ajunta leite de côco, e assam-no a fogo brando, envolto em folhas de bananeira (João Ribeiro) MALAMPANSA, s. f. (R. de Janeiro) o mesmo que Mananpansa. MALCASSÁ, s. m. (Serg.) o mesmo que Malcasado. MINGÁU, s. m. Nome comum ás papas feitas de qualquer espécie de farinha, de amido, de fecula ou da polpa de certas frutas, simplesmente temperadas com açúcar e a que se pode ajuntar também leite e gema de ovo: Mingáu de tapióca, de carimán, de sagú, etc. || No Pará, onde é, aliás, usual o termo Mingáu, dão, contudo, o nome português de papas ás que são feitas de farinha de trigo. || Em Pernambuco chamam Mingáu-petinga o que é feito com a mandioca púba e temperado com pimenta e hortelã (Moraes). || No Pará dão o nome de Tacacá a uma espécie de Mingáu de tapióca que se tempera com o molho de tucupi. || Etim. é vocábulo de origem tupi e guarani. A primitiva pronunciação era Mingaú. Origem Africana FURRUNDÚ (1°) s. m. (S. Paulo) espécie de doce feito de cidra ralada, gengibre e açúcar marcavo. MANAMPANSA s. f. (R. de Jan.) espécie de beijú espesso feito da massa da mandioca, temperado com açúcar e erva doce, o qual se coloca entre folhas de bananeira e se põe a tostar no forno da farinha de madioca. Também se diz Malampansa. É isto o que, em Pernambuco, Alagôas, Pará e talvez em outras provínvias do norte, se chamam Beijú, com a única diferença de ser a massa simplesmente temperada com sal e se chama Beijú pagão, e as vezes misturada com côco ralado, sem nenhum outro tempero, e é isto o Beijú de côco. Obs.: Etim. segundo Nei Lopes, o elemento inicial é quicongo da raiz mpa ‘pão’, o elemento final, provavelmente do quicongo mpanza ‘disco’, talvez pela forma; cp. Malampança; fato histórico 1899 manampansa (HOUAISS, 2001).

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MANAUÉ, s. m. Espécie de bolo feito de fubá de milho, mel e outros ingredientes. Dão o mesmo nome á Pamonha de mandioca-puba. Em Pernambuco e Alagôas lhe chamam Pé de moleque. MUCUNZÁ, s. m. o mesmo que Canjica (1º). PÉ-DE-MOLÉQUE (2°), s. m. (Pern., Alagôas) o mesmo que Manaué, ou Pamonha de mandioca puba. [PÉ-DE MOLÉQUE (1°) (R. de Jan., S. Paulo) espécie de doce seco e achatado feito de rapadura e mendubi torrado.] (Pés dos moleques marcados no barro batido das senzalas) SARAPÓ, s. m. (Serg.) o Mesmo que Beijú de côco (João Ribeiro). V. Beijú.

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ANEXO 5 CAMPO SEMÂNTICO DE HABITANTE DO CAMPO Origem européia BAHIANO, A (2°), s. m. (Piauí) o mesmo que Caipira. || Etim. É provável que se dê êsse nome aos habitantes do campo, por serem considerados descendentes daquêles naturais da Bahia, que, depois da descoberta do território do Piauí, primeiro se estabeleceram nêle, e alí fundaram fazendas de criação. CAIPÍRA, s. m. (S. Paulo) nome com que se designa o habitante do campo. Equivale a Labrego, Aldeão, e Camponês em Portugal; Roceiro no R. de Jan., Mat. Gros. e Pará; Tapiocâno, Babaquára e Muxuango em Campos dos Goytacazes; Matuto em Minas-Gerais, Pern., Par. de N., R. Gr. do N. e Alagoas; Casaca e Bahiano no Piauí; Guasca no R. Gr. do S., Curau em Sergipe; e finalmente Tabaréu na Bahia, Sergipe, Maranhão e Pará. || Etim. Tem-se atribuido diversas origens ao vocábulo Caipira; duas ha, porém, que têm merecido mais particular atenção da parte daquêles que se dão a êsses estudos, e são Caápora e Curupira. Ambos vocábulos da língua tupí: Caapóra, cuja tradução literal é habitador do mato (Dic. Port. Braz.), diz bem com a idéia que temos da gente rústica; mas cumpre atender a que o termo Caipóra, tão usual no Brasil, já como substantivo e já como adjetivo, conserva melhor a fórma do vocábulo tupí, bem que tenha significação diferente, como o discutirei no respectivo artigo. Curupira designa um ente fantástico, espécie de demônio, que vaguêa pelo mato, e só como alcunha injuriosa poderia ser aplicado aos camponêses. || Em Ponte-do-Lima, reino de Portugal, é vulgar o vocábulo Caipira não mais com a significação de rústico, se não com a de sovino, mesquinho (J. Leite de Vasconcellos) Não obstante esta diferença de acepção, não podemos duvidar de que aquêle homônimo seja de origem brasileira, e é êsse um fenômeno lingüístico, de fácil explicação. Em verdade, do Minho vem muita gente ao Brasil, e dela não poucos indivíduos, depois de ter adquirido pelo trabalho uma tal ou qual fortuna, regressam para sua província. Durante os longos tempos que habitaram entre nós, familiarizaram-se com certos vocábulos, e é natural que, já restituidos à pátria, usem dêles maquinalmente em suas conversações, e desta sorte os naturalizem no seu país, ainda que alterados em sua significação primitiva, como aliás acontece no Brasil a respeito de muitas palavras portuguêsas, que têm aqui um sentido mui diferente do que lhes dão em Portugal. CASÁCA, s. m. (Puauí) o mesmo que Caipira. || Etim. Tem sua origem no uso que fazem os camponezes da casaqa de couro ou antes gibão de que se vestem, para percorrerem as brenhas em procura do gado.

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MATUTO, s. m. O mesmo que caipira. ROCEIRO, A, s. m. O mesmo que Caipira. TABARÉO, s. m. (Bahia e outras prov.) o mesmo que caipira. || Etim. E’ voc. português, significando, d’antes, soldado de ordenança mal exercitado.

Origem Indígena

BABAQUARA, s. m. E f. O mesmo que Caipira. CURÁU (2°), s. m. (Serg.) o mesmo que Caipira. [CURÁU (1°) canjica espécie de papas feitas de milho verde, a isso chamam Curáu em S. Paulo e Mato Grosso.] GUASCA (2º), s. m. (R. Gr. do S.) o mesmo que Caipira. || Obs. E’ de notável injustiça a alcunha de Guasca aplicada aos habitantes do campo naquela província. Guasca, com a significação de tira de couro cru, é o instrumento o mais grosseiro que se pode imaginar; entretanto que o camponês dali, ainda mesmo o da classe mais humilde, é notável pela polidez de que usa para com todos. Não só nas repúblicas platinas como no Chile e outras partes da América Meridional dão ao homem do campo o nome de Guaso, cuja origem é huasca da língua quichua, segundo Zorob. Rodrigues. Devemos pensar que Guasca, no caso de que se trata, não é mais do que a corruptela de Guaso. [GUASCA (1º), s. f. (R. Gr. do S.) tira ou correia de couro cru (Coruja). || Etim. do quichúa huasca significando soga, cordel (Zorob. Rodrigues).] TAPIOCANO, s. m. (R. de Jan.) o mesmo que caipira. || Etim. Alusão á fabricação da tapioca, de que se ocupam os pequenos lavradores.

Origem Africana MUXUANGO, s. m. (Campos) o mesmo que Caipira. Obs.: Etim. quimbundo maxi-uângu ‘habitante do mato’, ocorre também a forma mixuango (HOUAISS, 2001).

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ANEXO 6 CAMPO SEMÂNTICO DE MORADA Origem européia Moradia CHOÇA-DE-CAITITÚ, s. f. (Ceará) casinhola onde os lavradores pobres manipulam a farinha de mandioca (Araripe Junior). Habitação ENGENHO, s. m. Estabelecimento agrícola destinado à cultura da cana e à fabricação do açúcar. Na provincia do Paraná, onde não há por ora engenhos de açucar, dão êsse nome aos estabelecimentos dotados de máquinas e aparêlhos próprios para moer a congonha com que se fabrica o mate. ESTANCIA, s. f. (R. Gr. do S.) fazenda destinada à criação do gado vacum e cavalar. Nesta acepção é vocábulo da América Meridional espanhola (Valdez). Em Cuba dão o mesmo nome a uma casa de campo com horta, próxima das povoações (Valdez). No Rio de Janeiro, chamam Estancia ao mercado de lenha. ESTANCIOLA, s. f. (R. Gr. do S.) pequena estância, chacara (Cesimbra). FAZENDA, s. f. Herdade com destino à grande cultura. Ha Fazendas de criação e Fazendas de lavoura. Nas primeiras se cuida de gados, sobretudo do bovino e cavalar, e são particularmente conhecidas no R. Gr. do S. pela denominação de Estâncias. Nas segundas, se cultiva café, cana de açúcar, algodão, cereais, etc. As de cana são geralmente chamadas Engenhos. FAZENDÓLA, s. f. Pequena fazenda, herdade menor que uma fazenda, dando porém lugar à grande cultura. FOGO-MORTO, Dizem que um engenho de açúcar está de fogo-morto, quando, por qualquer circunstância, deixa de funcionar.

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RANCHO, s.m. espécie de edifício mui simples construido ao lado das estradas, para dar abrigo aos viajantes que percorrem o interior do Brasil. Ora é o rancho uma palhoça assentada sobre esteios, ora um telheiro sem muros, ou com muros que o põe ao abrigo dos ventos. Nesses ranchos não tem o viajante de pagar o lugar que ocupa; mas ha sempre na proximidade uma venda em que compra o milho, necessário para seus animais, o que indenisa amplamente o proprietário da despeza que fez com aquela construção (Saint-Hilaire). || Fig. Choupana, choça, habitação humilde. RÓÇA (3°), s. f. (Bahia) o mesmo que Chácara.[RÓÇA(1°), s. f. O campo em contraposição á cidade.] RÓÇA (2°), s f. Granja onde se cultiva indiferentemente milho, feijão, mandioca e outros gêneros alimentícios. SÍTIO, s. m. (Pern.) o mesmo que chácara. Também dizem situação. Habitação rustica com uma pequena granja. (CALDAS AULETE). SITUAÇÃO, s. f. (1) O mesmo que sítio: Na minha situação só cultivo cereais. Em uma situação que comprei em Maricá, ocupo-me principalmente da cultura das frutas. Origem Africana Moradia MOCAMBO (3°), s. m. (Pern. E Alagôas) cabana ou chóça, quer sirva de habitação, quer apenas de abrigo aos que vigiam as lavouras. Ao mocambo de duas águas também chamam Tijupá, na Bahia e outras províncias. [MOCAMBO (2º), s. m. (Ceará e mato-Grosso) grandes moitas no sertão.] QUIMBEMBE, s. m. (Pern. e outras provs. do N.) habitaculo rustico de família pobre; chóça, cabana. || Etim. Parece ser de origem africana. || No pl. Quimbembes significa cacaréos, badulaques, trastes de pouco valor (F. Távora). Habitação CAFUNDÓ, s. m. Lugar ermo e longinquo, de dificil acesso, ordináriamente entre montanhas; Logo que, pela perda de minha fortuna, reconheci a impossibilidade de viver na cidade, retirei-me para êste Cafundó, onde habito tranquilamente há muitos anos.

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QUILOMBO, s. m. Habitação clandestina nas matas e desertos, que servia de refúgio a escravos fugidos. Também lhe chamam Mocambo. || Etim. é vocábulo da língua bunda, significando acampamento (Capello e Ivens). || Na Bolivia, República Argentina e Estado-Oriental do Uruguai, tem o vocábulo Quilombo a significação de bordel (Velarde, Moreno, Sagastume). Origem Indígena Moradia CAPUÁBA, s. f. (Par. do N., R. Gr. do N.) cabana, chóça. || Por extensão, casa mal construida e arruinada: Tua casa é uma capuába velha (Meira). || Etim. É vocábulo pertencente tanto ao dialeto tupí como ao guaraní. Em guaraní significa cabana (Montoya); em tupí quinta ou herdade onde ha casa (Voc. Bras.) || Em S. Paulo e Paraná pronunciam capuava, e êsse o nome que dão a qualquer estabelecimento agrícola com destino à cultura de cereais, feijões, mandioca e outros mantimentos (Paula Souza). || Fig., qualquer indúsria que sirva de meio de vida: A clinica é a capuava do médico. || No Esp. Santo dão à capuava o nome capixaba. Habitação CAPIXÁBA, s. f. (Esp. Santo) pequeno estabelecimento agricola. || Etim. Êste vocábulo de origem tupí é corruptela de Copixaba, mencionado no Dic. Port. Bras., como tradução de Quinta e de Roça. || Os habitantes da cidade da Vitoria têm o apelido de Capixabas, por causa de uma fonte que ali existe, e d’onde bebem. || No Vale do Amaz. Dizem os índios Cupixaua (Seixas). || Em S. Paulo e Paraná dão a êsses estabelecimentos agrícolas o nome de Capuáva. CHÁCARA, s. f. (R. de Jan. E provs. merid) espécie de quinta nas vizinhança das cidades e vilas. Na Bahia lhe chamam Roça, no Pará Rocinha e em Pern. Sitio. No R. Gr. do s. estendem a denominação de chácara às pequenas herdades destinadas à criação de gados. || Etim. Do quichua Chhacra, significando herdade de cultura, granja (Zorob. Rodrigues). || Valdez escreve Chacra e é essa realmente a pronuncia mais usual. TAPÉRA, s. f. estabelecimento rural completamente abandonado e em ruinas. || Fig. Povoação em decadência. || Etim. É contração de taba-puêra, que, em língua tupi, significa aldeia abandonada. || Êste voc. É não só usual no Brasil, como também no

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Paraguai, Bolivia, República Argentina e Estado oriental do Uruguai (Moreno, Velarde, Sagastume).

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ANEXO 7

CAMPO SEMÂNTICO DE TIPOS DE FORMAÇÕES GEOLÓGICAS NATURAIS Origem Européia BAHIA. s. f. (Mat.–Gros.) nome que dão a qualquer lagôa que se comunica com um rio, por meio de um canal maís ou menos espaçoso: Bahia Negra. Bahia de Mandioré, etc. || Nas demais províncias do Brasil, lhe dão o nome português de lagôa, quer tenham, quer não, comunicação com os rios ou com o mar. BANHÁDO, s. m. Charco encoberto pela ervagem. BAIXÁDA, s. f. vale, planície pequena entre duas montanhas. No Rio Grande do Sul também lhe chamam Canhada. || Etim. É clara a origem portuguêsa dêste vocábulo. Aulete o menciona como termo brasileiro. CACHOEIRA, s. f. (Maranhão) o mesmo que Corredeira. || Em geral, tanto em Portugal como no Brasil, a palavra Cachoeira se aplica ao salto mais ou menos elevado de um rio. CAMALEÕES, s. m. Plur. (Pern. e Alagôas) o mesmo que Caldeirões. || Etim. é evidente corruptela de Camalhões, que são em Portugal não só a fórma da lavra em que a terra fica disposta em taboleiros abaulados e paralelos, como também nas estradas a terra que fica entre dois sulcos abertos pelas rodas dos carros (CALDAS AULETE). CANHÁDA, s. f. (R. Gr. do S.) vale planície estreita entre suas montanhas. || Etim. do castelhano Cañada. CASCÁLHO, s. m. (Minas-Gerais, Goiás, Mato-Grosso) aluviões auriferas ou diamantiferas. Contêm em geral muitos seixos roliços (Castelnau). || Os depósitos de cascálho distinguem-se em três camadas, que os mineiros chamam: cascalho virgem, o mais antigo; pururúca, o mais recente e de formação contemporanea; e corrido, o depósito intermediário entre a pururúca e o virgem (Couto de Magalhães). || Etim. É vocábulo de origem portuguêsa.

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CHAPEIRÕES, s. m. Pl. Nome que têm os recifes à flor d’água que guarnecem a costa ao Oéste dos Abrolhos, deixando entre estes um canal de fácil navegação. A formação destes recifes é sumamente frágil e semelhante a grandes chapéus, de que deriva o nome (Dic. Mar. Bras.) FACHINAL, s. m. (s. Paulo, Paraná, Santa-Cat., r. Gr. do S.) campo de pastagem entremeado de arvoredo esguio. || Também lhe chamam em alguns lugares Fachina. || Etim. é vocábulo de origem portuguêsa. Além de sua significação brasileira, o termo Fachina é entre nós usado em todas as acepções que lhe dão em Portugal. GORGULHO, s. m. (Minas-Gerais) fragmentos das rochas ainda angilosas, no meio das quais encontra o ouro nas lavras chamadas de gupíára (St. Hilaire) || Pequenos seixos de grês, de quartzo e de silex roliços, ora soltos e ora ligados entre si, por meio de uma argila amarela e vermelha da natureza da ganga (Castelnau). || Na mais geral acepção, gorgulho é, tanto no Brasil como em Portugal, o nome vulgar de um pequeno Coleoptero que ataca os celeiros.

GROTA, s. f. Terreno em plano inclinado na intersecção de duas montanhas. É mui apropriado à cultura das bananeiras, por te-las ao abrigo das ventanias. || Etim. Parece ser uma modificação de gruta. || Aulete, referindo-se, sem dúvida, a Portugal, define gróta: “Abertura na margem do rio, que fazem as águas das enchentes, por onde se lançam para dentro dos campos e se despejam na descida. RINCÃO, s. m. (R. Gr. do S.) campo cercado de matos ou outros acidentes naturais, e onde se poem a pastar os animais com a certeza de não poderem fugir. || Etim. Do castelhano Rincon, correspondente ao português Recanto. Em outras acepções Rinção é termo português (Aulete). SANGA (1°), s. f. (R. Gr. do S.) escavação funda produzida no terreno pelas chuvas ou por correntes subterraneas de água, que, depois de terem minado as terras, fazem-nas esborrondar. O leito da Sanga é sempre humido e nêle se produzem certos lamaçais a que chamam Caldeirões. || Etim. É evidentemente a alteração do castelhano Zanja, que tem seu equivalente no português Sanja, significando em ambas as línguas abertura entre valado e valado para dar escoamento á água. Ha, portanto, toda a analogia entre a Zanja castelhana, a sanja portuguêsa e a sanga rio-grandense, porque, afinal de contas, tudo isso se refere a uma obra quer natural, quer artificial que dá saida ás águas. Os habitantes daquela província, adotando o vocábulo castelhano, substituiram pelo g o gutural j dos espanhois. TABOLEIRO, s. m. (da Bahia até o Ceará) extensa planície geralmente arenosa e de vegetação acanhada. || (Minas Gerais) planalto de montículos pouco elevados e

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separados entre si por meio de vales estreitos (Saint-Hilaire) . || Etim. é voc. português, e em tudo mais tem entre nós as mesmas acepções que lhe dão em Portugal. TÊSO, s. m. Porção de terreno que fazendo parte das vastas planicies sujeitas ás inundações do inverno, fica entretanto acima do nível das águas e oferece abrigo ao gado. || Em Portugal, tem a significação de monte ou serro alcantilado (Aulete). TORROÁDA, s. f. (Maranhão) nome que dão ás fendas que aparecem nos terrenos argilosos e alagadiços depois de secos, e que tornam difíceis e perigosos os caminhos. || Em português, Torroáda significa multidão de torrões, pancada com torrões. (CALDAS AULETE). Origem Indígena APICUM, s. m. Nome que dão aos alagadiços que se formam no litoral com os transbordamentos do mar, nas ocasiões da enchente da maré. || Obs. Na língua tupí, Apêcú significa língua (órgão principal da fala). Montoya o menciona com a mesma significação e também com a de guelra de peixe, pirá-apêcú. Não descubro nisto a etimologia do nosso vocábulo. || Também dizem Apicú. ARAXÁ, s. m. Alto chapadão plateau (Couto de Magalhães). Eis o que a respeito dêste vocábulo nos diz o ilustre autor do Selvagem: “A palavra Araxá é tupi e guaraní, vem das duas raizes ara, dia, e xá ver: dão o nome de Araxá á região mais alta de um sistema qualquer, como sendo a primeira e última ferida pelos ráios do sol, ou a que por excelência vê o dia; essa palavra no português, como nome de lugar, é nome do mais alto pico da Tijuca, e de uma cidade de Minas; eu o aceito em falta de vocábulo português, que exprima a idéia com a mesma precisão”. O ilustre autor não nos indica a região do Brasil em que é usual êste vocábulo, nem eu o tenho podido descobrir, apesar das diligências a que tenho procedido, interrogando neste sentido a naturais de nossas diversas províncias. O que sei e o que todos sabem é que ha em Minas Gerais a cidade de Araxá, cuja etimologia interessou muito o sábio Saint-Hilaire, sem resultado satisfatório. Quanto ao pico mais alto da Tijuca, se lhe dão realmente o nome de Araxá, o que aliás nunca me contou, não lhe pode de modo algum caber, por causa de sua forma cônica, a definição do chapadão do Brasileiros, do plateau dos Francêses, nem tampouco do planalto dos Portuguêses. Esta questão interessa tanto a etimologia, como a geografia, e eu desejaria ve-la bem elucidada. Entretanto direi que um nosso distinto viajante, o Dr. Severiano da Fonseca, serviu-se amplamente do vocábulo Araxá na sua Viagem ao redor do Brasil.

BIBÓCA, s. f. , barranco, excavação formada ordináriamente por enxurradas ou movimento de águas subterrâneas, de sorte a tornar o trânsito, não só incomodo, como

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até perigoso, sobretudo ás escuras: Depois das últimas chuvas ficou a estrada cheia de bibócas. || Em Pernambuco e outras províncias do norte também dizem Bobóca. || Etim. alteração do tupí Igbigbóca, significando Igbig terra e Bóca, abertura ou fenda. No Guarani igbigbog (Montoya). || Também dão o nome de Bibóca a qualquer terreno brenhoso de difícil transito. || Fig., casinha de palha (B. Homem de Mello). BOCAINA, s. f. (s. Paulo) nome que dão á depressão de uma serra ou cordilheira, quando a escarpa desta parece abrir-se, como formando uma grande bôca, que facilita o acesso ao plano superior ou chapada (B. Homem de Mello). || (R. de Jan.) bôca de um rio menos considerável que a barra principal (V. de Souza Fontes). || (Pará) entrada de um canal ou de um rio (B. De Jary). || Obs. Boccaina e Boqueirão, originando-se do mesmo radical boca, têm a maior parte das vezes a mesma significação. CAHATINGA, s. f. (Amaz.) terra alagadiça ou meio alagadiça, na qual cresce a palmeira Piassabeira (Frz. De Souza). || Êste vocábulo já pelo modo por que se acha ortografado, e já pela sua definição, não póde ter a mesma etimologia que a Caatinga dos sertões entre Minas-Gerais e Maranhão. CALDEIRÃO, s. m. (Provs. do N.) tanque natural nos lagedos, onde costuma ajuntar-se água das chuvas (Meira). || No R. Gr do S. , é um buraco grande no meio do campo ou estrada, feito por chuvas ou pisada de animais (Coruja). || NO Amazonas é o redomoinho nos rios, formado por correntes circulares que se tornam muitas vezes perigosas aos navegantes (Castelnau). A êstes acidentes fluviais davam os aborígenes o nome de Jupiá. CALDEIRÕES, s. m. Plur. Covas atoladiças que se formam transversal e paralelamente nas estradas frequentadas por tropas de animais no tempo das chuvas. As vêzes chegam a impedir o trânsito, e pelo menos o dificultam muito. Em Pernambuco e Alagoas chamam a isso camaleões. CAPÃO, s. m. Bosque isolado no meio de um descampado. Podemo-lo quase comparar a um oásis, e assim o faz Saint-Hilaire na descrição que nos dá dêsse acidente florestal. Todavia, cumpre não esquecer que os oásis estão separados entre si por áreais estereis, enquanto que os capões existem cercados de magnificas pastagens. || Etim. Êste vocábulo no sentido brasileiro, não tem de português senão a fórma. É apenas a alteração de Caápaún, que, tanto em tupí como em guaraní, significa mata isolada. O Voc. Bras. O traduz por ilha de mato em campina. || Obs. Quasi sempre, para evitar equivocos, se diz Capão de mato e não simplesmente Capão. Aulete e Moraes nos dão dêsse voc. uma má definição, quando, confundindo-o certamente com Capueira (outra espécie de aciente florestal) dizem que é uma “mata roçada que se corta para lenha, em oposição a mata virgem”. O Capão pertence á

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classe das matas virgens; compõe-se de arvoredos de todas as dimensões, e nêle se ostentam árvores colossais. CAPONGA, s. f. (Ceará) nome que na parte meridional desta província dão aos lagoeiros d’água doce que se formam naturalmente nos areais do litoral. Ao norte da cidade da Fortaleza dão-lhe o nome de Lago (Marinho Falcão). É o mesmo que nas províncias de Pern., Par. do N., r. Gr. do N. chamam Maceió, ou antes Maçaió.

CHAPÁDA, s. f. planície no alto de uma montanha. || No Maranhão é qualquer planicie de vegetação rasa, sem arvoredo. || Em Portugal é também qualquer extensa planicie, sem relação nenhuma com as montanhas. Aulete cita a êsse respeito a autoridade de Satiro Coelho, quando se refere provavelmente aos desertos do Saara. || A Chapáda dos Brazileiros é um caso particular de topografia, que nunca se deve confundir com o Planalto dos Portuguêses. Si tivessemos, por exemplo, de descrever a cidade de Petrópolis, diriamos acertadamente que ela está situada no Planalto central do Brasil; mas erraríamos, sem dúvida, se dissessemos que a edificaram em uma Chapada. No Planalto de uma região podem-se observar montanhas e serras; a Chapada é, pelo contrário, uma perfeita planície, ainda que de extensão limitada. CHAPADÃO, s. m. Chapada mui extensa. IGAPÓ, s. m. (Pará) pantano, charco, brejo coberto de matos. || Etim. É vocábulo de origem tupí e mui usado naquela província. Em guarani, Yapó tem também a significação de pantano. Na província do Paraná, temos o rio Yapó. || O nome de Oyapoc, dado ao rio que nos serve de limite ao norte com a Guiana-Francêsa, tem a mesma origem, tanto mais que há cartas em que, em lugar daquêle nome, se usa de Iapoc e Yapoc (J. C. Da Silva). IGARAPÉ, s. m. (Pará) rio pequeno ou riacho navegavel. || Longo e estreito canal compreendido entre duas ilhas ou entre uma ilha e a terra firme. || No litoral do Maranhão e Piauí, dão êste nome áqueles pequenos esteiros a que em outras províncias chamam Gambôa ou Cambôa, e cuja navegabilidade depende do estado da maré. || Etim. É vocábulo do dialeto tupi do norte do Brasil, significando Caminho de Canôa, isto é, Rio; e assim o traduz o Dic. Port. Braz.

ITÁ, s. m. voc. tupi significando pedra, rochedo. Não usamos dêle senão em nomes compostos, aplicados sobretudo a localidades: Itaúna, Itáporanga, itápuân, itápéva, Itápuca, etc. Ha, entretanto, muitos nomes que se acham estropiados pela errõnea anteposição do I; tais são Tapémirim, Tapétininga, Tapipussú, tapirapuan; hoje convertidos em Ttapémirim, itapétininga, etc. O que lhes transtorna completamente a

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significação, e põe em embaraços os etimologistas menos adestrados na interpretação dos vocábulos de origem tupi. ITACUAN, s. m. (Pará) nome de certa pedra amarela, que serve para alisar as panelas feitas à mão (Baena). || Etim. Em guarani, é êsse o nome que dão á pedra que serve de prumo ao anzól; e se decompõe em Itá, pedra, e cuân, cascalho, e assim dizem Pindá itacuân, que se traduz literalmente por cascalho de pedra do anzol (Montoya). ITAIMBÉ, s. m. (R. Gr. do S. Paraná) despenhadeiro, precipício: O monte Corcovado do lado do mar termina por um Itaimbé. || Em Mato-Grosso lhe chamam Itambé ou Tromba (J. S. da fonseca). Em várias provincias do Brasil ha lugares denominados Itambé, visivel corruptela de Itaimbé, || Etim. É voc. tupi, composto de Itá, pedra, rochedo; e aimbé, afiado, e também áspero como pedra pomes para raspar (Montoya). Também dizem Taimbé. ITAIPÁVA, s. f. recife que, atravessando o rio de margem a margem, o torna vadeavel nêsse lugar. Como expressão tipografica, é termo útil e digno de ser adotado. || Etim. é voc. tupi. Em guarani dizem Itaipá (Montoya). || Em Goias dão-lhe o nome de Intaipava e Intaipaba (Couto de Magalhães), o que não é mais do que uma corruptela. Leite de Moraes escreve Itaipava, quando se refere à navegação do Araguaia, e diz que é sinonimo de travessão. Nos rios do Maranhão, o Travessão é formado de areia. || No Amazonas dizem Entaipava (Castelnau). ITAPEVA, s. f. (Maranhão) especie de recife paralelo á margem do rio. || Etim. É voc. tupi, significando pedra chata, pedra larga. || É nome de varias localidades do Brasil e entre elas a de uma vila em S. Paulo. ITUPÁVA, s. f . (S. Paulo) corredeira, encachoiramento nos rios (B. Homem de Melo). JUPIÁ, s. m. Remoinho nas águas de um rio, espécie de voragem, que o navegador deve evitar para se não expôr a grande perigo. MACEIÓ, s. m. (Pern. e R. Gr. do N.) lagoeiro das águas do mar nas grandes marés e também das águas da chuva. || Ordináriamente pronunciam Massaió. || Maceió é também o nome da capital da província de Alagôas. || A essa espécie de lagoeiros chamam Caponga no Ceará ao sul da cidade da Fortaleza.

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Palavras Finais

A pesquisa realizada buscava descobrir como nasceu a língua portuguesa no seu berço e saber como ela chegou ao novo mundo. Foi um mergulho maravilhoso.

A principal força motivadora das grandes transformações que o homem conseguiu realizar está no fato da sua inquietude, no querer chegar mais além da fronteira que o resguardava num mundo aparentemente organizado. Essa força é tão grande que lança esse ser na busca de algo a ser realizado e nem ele é capaz de saber onde, como, por que. É essa força que gerou e continua a gerar no mundo as grandes transformações políticas, geográficas e científicas. Assim, temos um monarca impetuoso e audaz Dom Henrique “O Navegador”, entre as muitas histórias algumas o deixam fascinado e busca saber se acaso é real. Envia seu irmão à busca na Europa, livros, mapas, instrumentos. A solução, enfrentar o mar tenebroso. Em seguida temos a Escola de Sagres. Colocar Portugal entre as nações seria através do comércio. Navegar o mar tenebroso seria uma grande aventura, mas realizável.

Portugal como nação descobriu a duras penas que, o que produzia não era suficiente, incentivar o campo a produzir mais foi à solução. A competição, como colocar Portugal entre as nações? Não há terra de boa qualidade em todo o território, somente em pequenas áreas. A solução, enfrentar o mar tenebroso. Um monarca impetuoso e audaz, Dom Henrique, entre as muitas histórias algumas o deixam fascinado e busca saber se acaso é real. Envia seu irmão à busca na Europa, livros, mapas, instrumentos. Em seguida temos a Escola de Sagres. Colocar Portugal entre as nações seria através do comércio. Navegar o mar tenebroso seria uma grande aventura, mas realizável. Nesse período o primeiro a cumprir tal façanha foi Portugal, seguido da Espanha e da Holanda.

Dessa forma Portugal aos poucos foi descobrindo ilhas mais próximas, os contornos da África e as correntes que trariam suas naus e caravelas a costa do novo mundo, isso depois de um século. Infelizmente há poucos registros sobre a viagem e as demais viagens. A cobiça imediata não satisfeita fez com que esta terra ficasse quase abandonada por trinta anos. Devido à ameaça de perder as terras designadas pelo Tratado de Tordesilhas, resolveram que era o momento. Para cá todos aqueles considerados desagravo à corte foram enviados para cumprir as suas penitências. Os pobres, os miseráveis, doentes, enfim, pessoas que não tinham o que fazer em Portugal a não ser incomodar. Esses foram os primeiros colonos dessa terra. Adaptaram-se a nova realidade, aprenderam a comunicar-se com os nativos e conviviam entre eles sem problemas. Já havia os degredados, alguns ajudaram a construir essa nação. As famílias que aqui se instalaram nas capitanias e seus sesmeiros lutaram muito para conquistar o seu espaço entre os nativos, muitos pagaram com a própria vida. Nessa fase nasceu a Companhia de Jesus, monges-guerreiros a disposição da Igreja para trabalhar em qualquer parte do mundo. Esses

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monges-guerreiros conquistaram a confiança dos nativos em todas as colônias de Portugal. E graças à interferência desses homens houve muitas batalhas ora contra a Coroa e colonos, ora contra os invasores.

O trabalho de evangelização trouxe como conseqüência a aculturação de todos os envolvidos. Foi um trabalho a favor da Coroa, do mercantilismo, do controle das mentes e controle pela pedagogia implantada nessa terra. Os instrumentos utilizados para esse controle foram à aprendizagem por parte dos jesuítas das línguas nativas, principalmente na costa, com isso organizar listas de vocábulos e seus significados, depois Padre Anchieta com a sua Gramática e, a própria catequese. Três instrumentos disponíveis para organizar, domesticar, treinar, os nativos para servir aos interesses da Coroa e da própria Igreja, que neste período já lutava contra a Reforma, ou surgimento do protestantismo. A educação imposta no molde da Idade Média, a qual ainda hoje constatamos os mesmos rituais, as mesmas designações sociais e econômicas, em nossos dias.

No século XVI o berço da língua portuguesa à moda brasileira, ou seja, com suas peculiaridades no falar, a musicalidade própria da linguagem da terra, enriquecida por todos os falares que aqui havia e chegaram, dando o formato da língua nacional. Uma língua que apesar da obrigatoriedade do ensino e da fala da língua portuguesa, oficializada pelo Marques de Pombal, demorou muito a se fortalecer. Era a língua brasílica ou geral que imperou até meados do século XVIII dentro das casas. Ainda carregamos muito daquele falar familiar no nosso dia-a-dia. A língua portuguesa é a mesma em todos os países que foram ou adotaram essa língua. Entretanto a linguagem em cada país é diferente carregada de regionalismos, traços distintos de línguas locais, mesclada às línguas que de alguma maneira contribuíram para a construção do país e de seu idioma, com suas peculiaridades.

O que foi registrado nesse trabalho é apenas uma pequena parte do grande

universo encontrado, não só nos dicionários antigos, ricos em lexias que não são mais usadas, espelho da evolução da língua, espelho da evolução do homem e da sociedade. Há um universo que permanece atual e vivo este esta na boca do povo onde encontramos a somatória dessas influências, quinhentos anos depois ainda ouço: “Os pé frio, as mãos frias ou minha fiya, muyé, mais grande”. Talvez daqui a quinhentos anos não encontremos tão vivas essas influências, desejo que a língua portuguesa torne-se ainda mais bela e que a linguagem seja ainda mais rica do que foi no século XVI. O homem por natureza é relacional e busca a comunicação com outros povos, apesar da barreira da língua, comunica-se por gestos, mímica. Assim, o comércio foi o grande aliado na expansão territorial. Esse ser relacional foi e é capaz de fazer-se compreender, isso porque há uma mônada que os auxilia nesta comunicação, é por isso que a palavra não está no homem, mas entre os homens. Durante o estudo

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realizado foi possível verificar a evolução da comunicação entre os antepassados desta terra. Eles ajudaram a construir uma língua de contato, a língua geral e a partir dela ensinar a língua do outro. Apesar das diferenças sociais, todos se comunicavam. A língua portuguesa foi construída tijolo por tijolo graças a essa interação, cada um partilhando o que sabia para o bem comum, é claro que havia as razões políticas e econômicas, o partilhar fazia parte da cultura do nativo, alguns ainda sabem que a melhor forma de aprender e apreender algo é através do partilhar e quando isso ocorre todos ganham. Esses bravos homens que chegaram aqui desafiaram não só o oceano, o nativo, mas a sua própria criatividade, nossa herança. Tal herança é cantada nos hinos da terra, exaltando o nativo que evoluiu, a terra e suas riquezas, carregamos em nossa educação os preceitos ensinados pelos jesuítas e os nossos estandartes por esse país afora carregam o símbolo da Ordem de Cristo, a cruz copta que tremulava nas velas enfunadas das caravelas e naus, hoje ela tremula fincada na terra como a cruz construída em 1500. Somos uma nação mesclada e construída por muitos imigrantes como fora Portugal, isso nos diferencia no mundo, o ser brasileiro é ser criativo reconhecido mundialmente. A ginga do povo está no pé, na fala, no trabalho. Essa nação foi e é o berço de um povo que construirá sempre sem perder a fé tão exaltada pela Companhia de Jesus, apesar do sincretismo religioso, todos se unem para orar por uma mesma causa, comungam da mesma moral, apesar daqueles que negam tal herança. É um povo conservador, e tem a herança dos mamelucos, uma força interior enorme para conquistar o seu espaço e defender a sua terra.

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