o legado paulista ao esporte paralÍmpico

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O L e g a d o P a u l i s t a a o E s p o r t e P a r a l í m p i c o

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O Legado Paulista ao Esporte Paralímpico é um livro que foi feito para valorizar o papel de pessoas e entidades do estado de São Paulo na construção de gerações de atletas que se tornaram destaque nacional e internacional em suas modalidades. O livro traz também muitas informações para que os leitores conheçam mais detalhadamente os esportes paralímpicos com suas especificidades e adaptações para a prática por atletas com deficiência.

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Page 1: O LEGADO PAULISTA AO ESPORTE PARALÍMPICO

O Legado Paulista aoEsporte

Paralímpico

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Edição nº1

2016

O Legado Paulista ao Esporte Paralímpico

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Trabalho há muitos anos com esporte para pes-soas com deficiência e vivenciei de perto o poder de transformação que o esporte tem. Ele é uma fonte extraordinária de motivação, qualidade de vida e superação. Se por um lado havia a barrei-ra da falta de conhecimento, equipamentos e acessibilidade da cidade, também havia muita vontade de se movimentar, conviver com outras pessoas e curtir o momento. Assim eles trans-formaram suas próprias vidas e as de quem es-tava ao redor. Porque não há coisa melhor no mundo do que estar vivo, poder acordar de ma-nhã e ter a consciência de que realmente esta-mos vivos, poder olhar para as pessoas, tocar as pessoas, sentir as pessoas, ouvir música, sentir o gosto da comida, sentir aromas ma-ravilhosos, sentir amor, compaixão, felicidade e até tristeza e medos. Afinal, se a vida fosse muito fácil, sem problemas e desafios, seria muito chata de se viver.

Steven Dubner é palestrante e fundador da ADD - Associação

Desportiva para Deficientes

O esporte superandoa deficiência

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Page 6: O LEGADO PAULISTA AO ESPORTE PARALÍMPICO

Editor responsável: Dirceu Pereira Junior

Planejamento e Supervisão Geral: Dirceu Pereira Junior

Redação: Dirceu Pereira Junior, Paulo Kehdi e Karina Mosmann

Revisão: Silvia Bellintani

Revisão Técnica: Sileno Santos

Fotos: Arthur Calasans

Direção de Arte: Marcos Veras

Diagramação: Bruno Matos

Controle e Administração: Rosana Gutierrez e Carla Meire Ferreira

Pesquisa de Campo: Gabriela Barbosa

Produção e Logística: Carlos Alberto Souza Bento

Webdesign: Marcos Veras

Programação Web: Hnet Soluções de Internet

Expediente

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

O Legado paulista ao esporte paralímpico / [editor responsável Dirceu Pereira Junior ; redação Dirceu Pereira Junior, Paulo Kehdi e Karina Mossmann]. -- 1. ed. -- São Paulo : Áurea Editora, 2016.

Vários colaboradores. Realização: ADD-Associação Desportiva para Deficientes. ISBN 978-85-88678-20-0

1. Centro Paralímpico Brasileiro - São Paulo (SP) 2. Esportes para deficientes físicos 3. Esportes - Brasil - História 4. Esportes - São Paulo (SP) - História 5. Inclusão social 6. Jogos paralímpicos I. Pereira Junior, Dirceu. II. Kehdi, Paulo. III. Mossmann, Karina.

16-01957 CDD-796.087

Índices para catálogo sistemático:

1. Esporte paralímpico : História 796.087

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Page 7: O LEGADO PAULISTA AO ESPORTE PARALÍMPICO

ApresentaçãoIncentivo e visibilidade ao paraesporte - Eliane Miada

PrefácioDa competição à inclusão Linamara Rizzo Battistella

IntroduçãoAtividade física e esportiva para pessoas com deficiência Sileno Santos

Parte 1 - História do movimento paralímpico no Brasil e em São PauloParte 2 - As modalidades paralímpicas e seus personagens Parte 3 - São Paulo Protagonismo e fomento ao esporte paralímpico

Agradecimentos

Sumário

Nota: Versão digital e acessível da publicação disponível no site www.add.org.br

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O Brasil vai realizar em 2016 um dos maiores eventos esporti-vos do mundo e a sede será o Rio de Janeiro. Os Jogos Olímpi-cos e Paralímpicos, que acontecem no segundo semestre, vão reunir, de uma só vez, os melhores e mais preparados atletas do planeta que vêm à cidade maravilhosa para conquistar me-dalhas, bater recordes, superar seus próprios limites e encher o público de emoção com disputas inesquecíveis. A visibilida-de que estes eventos alcançam ultrapassa a casa do bilhão de espectadores, perdendo apenas, neste quesito, para a Copa do Mundo de Futebol, também realizada de 4 em 4 anos. Toda essa exposição ajuda significativamente no incentivo da prática es-portiva de crianças, jovens e adultos, não importando sua cor, etnia, preferência religiosa e condição socioeconômica. E tudo isso não é diferente para as pessoas que têm alguma de-ficiência, que são atraídas com o mesmo magnetismo ao verem para-atletas superando suas deficiências e alcançando feitos inacreditáveis. Os Jogos Paralímpicos são disputados logo após o término dos Jogos Olímpicos e acontecem nas mesmas are-nas e estádios. Realizado pela primeira vez em 1960 em Roma, Itália, este evento tem sua origem em Stoke Mandeville, na In-glaterra, onde ocorreram as primeiras competições esportivas para pessoas com lesão medular e como tratamento clínico de militares que sofreram lesões durante a Segunda Guerra Mun-dial. O sucesso das primeiras competições proporcionou um rápido crescimento ao movimento paralímpico, que em 1976 já contava com quarenta países. Vinte e oito modalidades compõem o programa dos Jogos Pa-ralímpicos de Verão, sendo que 25 já foram disputadas. Além de modalidades do esporte convencional adaptadas para atletas

com deficiência, como atletismo, natação, basquete-

Incentivo e visibilidade ao paraesporte

Por Eliane Miada*

Apresentação

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bol e tênis de mesa, há esportes disputados exclusivamente nas Paralimpíadas, como bocha, goalball, futebol de cinco e futebol de sete. O atual momento do paradesporto no Brasil não tem precedentes. Nos últimos anos temos observado, com grande orgulho, as conquistas de nossos atletas pa-ralímpicos e podemos ficar muito otimistas sobre a possibilidade de melhorar o excelente 7º lugar no quadro de medalhas, obtido em Londres 2012. Esse indicador, que aponta para resultados bastante promissores, foi construído ao longo desses últimos anos com o surgimento de iniciativas que incentivaram a prática esportiva para pessoas com deficiência e atletas que conquistaram o reconhecimento e res-peito dentro da comunidade esportiva mundial, como Clodoaldo Silva, Daniel Dias, Terezinha Guilhermina e Alan Fontelles, dentre tantos outros. Diante deste momento único e histórico que vai acontecer em nosso país, a Asso-ciação Desportiva para Deficientes, a ADD, desenvolveu um projeto que tem por objetivo dar ainda mais visibilidade ao esporte paralímpico brasileiro, trazer um pouco da história do desenvolvimento do paradesporto no estado de São Paulo e mostrar alguns dos personagens que contribuíram para que chegássemos neste patamar que nos permite sonhar com uma classificação entre as 5 melhores na-ções nos Jogos Paralímpicos em 2016. O Legado Paulista ao Esporte Paralímpico é uma publicação desenvolvida para valorizar o papel de pessoas e entidades do estado de São Paulo na construção de gerações de atletas que se tornaram des-taque nacional e internacional em suas modalidades. O livro traz também muitas informações para que os leitores conheçam mais detalhadamente os esportes pa-ralímpicos, com suas especificidades e adaptações. Além da versão impressa, a publicação traz uma versão digital com os recursos de acessibilidade para o leitor com deficiência visual, disponível em nosso site – www.add.org.br. Produzido pela Áurea Editora, empresa reconhecida por sua expertise no segmento, e com o incentivo do PROAC - Programa de Ação Cultural do estado de São Paulo, o Legado Paulista ao Esporte Paralímpico contou com o patrocínio da NETSHOES e PAPI-RUS, duas parceiras da ADD que acreditaram no projeto e viabilizaram sua realização.

Uma ótima leitura a todos.

*Fundadora da ADD.

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Mais de meio século se passou desde que foram realizados os primeiros jogos paralímpicos da história do esporte mundial, em 1960. Meio século nos separa do conceito que inspirou as primei-ras competições: o de tratamento clínico para traumas medulares. Hoje, indiscutivelmente, o esporte é instrumento de inclusão so-cial, sem, no entanto, deixar de contribuir de forma substancial na recuperação e reabilitação de pessoas com deficiência.Reabilitação, lazer, competição ou brincadeira, é certo que o es-porte faz a diferença na vida de todas as pessoas, com e sem deficiência. A ciência comprova por meio de dados e estatísticas que o esporte promove benefícios físicos e emocionais, impac-tando diretamente no bem-estar e autoestima de quem o prati-ca; bem-estar advindo de ganhos físicos reais, como flexibilida-de e fortalecimento muscular.E é instrumento concreto de inclusão social e este fator foi pre-ponderante para o governo do estado de São Paulo, por meio da Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência, investir munição pesada na área do esporte, do paradesporto, mais especificamente.O maior legado paulista ao esporte paralímpico brasileiro é, sem dúvida, o Centro Paralímpico Brasileiro, construído desde de-zembro de 2013. Localizado no Parque Estadual Fontes do Ipi-ranga, em área do governo do estado de São Paulo, conta com a parceria do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) e do governo federal, com previsão de entrega em 2016, ano das Olimpíadas e Paralimpíadas no Brasil.Configurado para ser o principal centro de excelência do Brasil e da América Latina para o esporte paralímpico, abriga 15 mo-dalidades: atletismo, basquetebol em cadeira de rodas, bocha, esgrima em cadeira de rodas, futebol de 5, futebol de 7, goalball, halterofilismo, judô, natação, rugby em cadeira de rodas, tênis de mesa, tênis em cadeira de rodas, triatlo e voleibol paralímpico.Com instalações esportivas indoor e outdoor e alojamentos para cerca de 300 pessoas, além de refeitório, lavanderia, academia, salas de apoio e vestiários, também conta com Centro de Medici-na e Ciências do Esporte, fundamental para que a estrutura seja, depois, utilizada para treinamentos, competições e intercâmbios entre seleções, além de formação de novos profissionais e o

Da competiçãoà inclusão

Por Linamara Rizzo Battistella*

Prefácio

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avanço da ciência do esporte.O governo do estado de São Paulo também deixa outro legado para o espor-te paralímpico brasileiro: o Time São Paulo Pa-ralímpico, seleção composta por 44 atletas de elite de modalidades paralímpicas como atletismo, bocha, tênis em cadeira de rodas, tênis de mesa, judô, natação, ca-noagem, remo e vela. A equipe é constituída por meio de convê-nio assinado em 2011 entre a Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência e o Comitê Paralímpico Brasileiro.Os atletas foram escolhidos entre a elite do paradesporto e, jun-tos, foram responsáveis por 60% das medalhas conquistadas pelo Brasil nos Jogos de Pequim 2008 e Paralimpíadas de Lon-dres, de 2012, onde o país conquistou a sétima colocação no qua-dro geral, somando 43 medalhas, sendo 21 de ouro, 14 de prata e 8 de bronze. Desse total, 25 vitórias foram de integrantes do Time São Paulo Paralímpico, sendo 16 de ouro, 6 de prata e 3 de bronze, nas modalidades atletismo, natação, bocha e judô.O apoio do estado de São Paulo foi decisivo para a melhoria das marcas pessoais dos atletas do Time São Paulo. E o legado está, principalmente, nas vitórias que inspiram outras crianças e jovens com deficiência, que encontram no esporte, mais que lazer e competição, uma oportunidade de inclusão.

* Secretária de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Paulo

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A prática de atividades físicas e esportivas para pessoas com deficiência tem, atu-almente, grande importância em nossa sociedade. Mas isso não é recente. Desde a Antiguidade encontramos relatos da prática de atividade física para pessoas com de-ficiência voltadas à terapia, mostrando sua importância na melhoria da qualidade de vida destes indivíduos (Adams et al. 1985). Neste sentido, considero a atividade física e esportiva para pessoas com deficiência um importante aspecto a ser abordado. Com base na experiência profissional dos últimos 10 anos, adquirida na ADD Associação Desportiva para Deficientes, trago algumas considerações a respeito dos benefícios da prática esportiva para pessoas com deficiência.O universo de pessoas com algum tipo de deficiência é muito amplo. Independente-mente do tipo de deficiência que podemos caracterizar como física, visual, auditiva, intelectual e múltipla (Lei 7.853), podemos considerar que toda a adesão destes indi-víduos a um programa supervisionado de atividades físicas e esportivas, gera ganho. No esporte, de uma maneira geral, diversos são os benefícios de sua prática de for-ma sistematizada: melhoria da condição cardiorrespiratória, ganho de força, agilidade, equilíbrio, controle de peso, entre outros (Steadward & Walsh, 1985). Considerando a prática esportiva de pessoas com deficiência, não há porque esperar que os benefícios não sejam os mesmos. Mas o que difere os benefícios da prática esportiva entre pes-soas com e sem deficiência?Para responder a essa pergunta, nunca devemos desassociar os benefícios mencio-nados da prática esportiva entre qualquer indivíduo, independentemente de sua con-dição. O esporte é uma atividade presente em muitos segmentos de nossa sociedade. Ele pode ser praticado, por exemplo, em escolas, centros comunitários, empresas, uni-versidades. Uma vez que o esporte está presente em muitos segmentos da sociedade, a prática esportiva bem orientada contribui para a inclusão social da pessoa com defi-ciência. Com a participação de pessoas com deficiência em atividades esportivas, nos citados locais, elas experimentam situações inerentes à prática esportiva, que muitas vezes poderiam acreditar não ser possível. Elas ganham os benefícios da prática es-portiva sistematizada de forma generalizada e, ainda, um incalculável incentivo mo-tivacional ao desenvolvimento de suas potencialidades físicas, sociais e psicológicas. Com a prática esportiva a pessoa com deficiência rompe barreiras. Ela vence medos, preconceitos e exige seus direitos, brigando por garantias de locomoção, para que pos-sa sair de sua casa e frequentar uma atividade que irá fazer a diferença em sua vida. Quando uma pessoa com deficiência adere a um programa esportivo ela amplia seu universo de possibilidades. Uma pessoa que recém adquiriu uma deficiência, guarda consigo um sentimento de frustração. Antes capaz de andar sozinha, por exemplo, hoje necessita de uma cadeira de rodas para locomoção. Ao ingressar num progra-

Atividade física e esportiva para pessoas com deficiência

Por Sileno Santos*

Introdução

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ma de atividades físicas e esportivas ela entenderá que irá se locomover utilizando sua cadeira de rodas com destreza. Ganhará agilidade e força para sua locomoção, tornando-se mais independente. A cadeira, que primeiramente a aprisionava, hoje lhe dá liberdade e possibilidades de praticar um esporte. Podemos ainda citar um indi-víduo que nasceu com alguma deficiência. Muitas vezes, a acomodação de si ou da própria família o faz crescer com um sentimento de incapacidade. Recluso em casa, vê na televisão ou no isolamento, sua forma de vida. Uma orientação esportiva dada por um profissional habilitado pode auxiliá-lo, mostrando a ele e sua família um novo caminho a ser trilhado. Com sua inserção no esporte ele descobre, por exemplo, que pode se tornar um atleta paralímpico. Neste sentido, pode enxergar uma carreira pro-missora como atleta profissional. Em seu programa de iniciação ao esporte adaptado, em funcionamento há mais de dez anos, a ADD ajudou crianças, jovens e adultos com deficiência a trilharem o caminho do esporte. A inclusão de pessoas com deficiência em um programa de treinamento para formação esportiva ou treinamento atlético requer, além do gosto por sua prática, o desenvolvimento de capacidades e habilidades que as tornarão pessoas diferenciadas das demais. Neste caso não mais enxergamos a pessoa com deficiência, mas sim um atleta ou futuro atleta. Estes, para adquirir a ha-bilidade necessária para o desempenho de rendimento, devem se submeter a cargas de treinamento apropriadas. Esses treinamentos são para o desenvolvimento físico, técnico, tático e psicológico que formarão a base para o desempenho esportivo (Fleck & Kraemer, 1999). Com esta formação esportiva, o praticante terá condições, se convo-cado, de participar de Jogos Paralímpicos, Mundiais de modalidades e Jogos Parapana-mericanos, representando seu país.Independentemente da pessoa com deficiência querer ou não se tornar um atleta pro-fissional ou, ainda, realizar uma atividade física para a aquisição ou manutenção de sua saúde, é importante que ela enxergue as possibilidades que o esporte lhe oferece. O esporte é vida, movimento, alegria, superação de dificuldades e, além de tudo, trans-mite alto senso de realização e possibilidades. Isso faz com que as pessoas com defi-ciência enxerguem as mesmas chances e possibilidades de qualquer outro indivíduo. Este é, sem dúvidas, um dos maiores benefícios que o esporte traz a qualquer pessoa e, mais ainda, à pessoa com algum tipo de deficiência.

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*Coordenador de Programas Esportivos Adaptados da ADD

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Parte 1

História do movimento paralímpico no Brasil e em São Paulo

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A história do paradesporto no Brasil começa a partir de dois nomes: Robson Sampaio de Almeida e Sérgio Seraphin Del Grande. Antes deles as pessoas com deficiência não contavam com o esporte

como ferramenta de inclusão social. Foi com esse objetivo que Almeida fundou o Clube do Otimismo, em abril de 1958, no Rio de Janeiro, e Del Grande o Clube dos Paraplégicos de São Paulo (CPSP), em julho do mesmo ano. Existem historiadores que discordam dessas datas e consideram o regis-tro da ata da primeira reunião de cada clube como as datas oficiais do início de suas atividades. Nesse cenário, ambos teriam nascido no início de 1959, com uma diferença de três dias “a favor” do clube carioca. Mas a prática mostra o contrário, tanto para o CPSP como para o Clube do Otimismo, já que existem relatos de atividades sendo realizadas ainda em 1958. Só para se ter uma ideia da importância de Sérgio Del Grande e do recém-fundado CPSP, quem comandou o evento de fundação da entidade foi Paulo Machado de Carvalho, que havia acabado de chefiar a delegação brasileira dona do primeiro título mundial do futebol brasileiro conquistado meses antes, na Suécia. O próprio CPSP considera sua data de fundação como sendo 28 de julho de 1958, e a data não teria sido escolhida por acaso, já que nesse mesmo dia, em 1948, era fundada a Federação Internacional de Esportes de Stoke Mandeville, na Inglaterra, pioneira no esporte em cadeira de rodas. Controvérsias à parte, o importante é que ambos plantaram uma semente que germinou, cresceu e se solidificou. Milhares de pessoas com deficiên-cia pelo Brasil encontram hoje no esporte uma possibilidade, seja de lazer, seja para reabilitação, ou até mesmo como profissão.Atletas de ponta são revelados continuamente, tornando o Brasil uma potên-cia paralímpica, como mostra a campanha realizada na paralimpíada de Lon-dres, em 2012, em que o país terminou em 7° lugar no ranking entre 165 nações competidoras, com 21 medalhas de ouro, 14 de prata e 8 de bronze. A história do CPSP está intimamente ligada a Del Grande e ao basquetebol em cadeira de rodas (ver capítulo Basquetebol), pois foi essa a primeira modalidade esportiva adaptada que o Brasil começou a praticar. Nesses 58 anos de história, o CPSP ainda desenvolveu as modalidades de atletis-mo, basquetebol, bocha, esgrima, halterofilismo, natação e voleibol para-límpico, cada qual à sua época e com desenvolvimentos diferentes. Quem vivenciou grande parte dessa história foi o atual presidente da en-tidade, João Bentim, que ficou paraplégico em 1984, após um acidente de

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carro. Em 1994, dez anos depois do acidente, Bentim começou a frequentar o CPSP. “A verdade é que os primeiros passos do paradesporto nacional e paulista foram feitos por abnegados, vo-luntários, simplesmente porque não havia dinheiro. A mentalida-de dos anos 1950, e pelas décadas seguintes era de preconceito, e não apenas de pessoas. Empresas também tinham receio de ver seu nome ligado a gente “estranha”, sem braço, sem perna, cegas, surdas ou em uma cadeira de rodas. Para se ter uma ideia, no início das minhas atividades no CPSP, em 1994, os técnicos eram voluntários, e para organizar uma competição nossos atletas se uniformizavam e iam pedir dinheiro em semáforos. Não dá para imaginar isso nos dias de hoje”, conta Bentim. No final dos anos 1970 e 1980, outras entidades foram sendo criadas, mostrando que o caminho trilhado até então por verdadeiros heróis ga-nhava corpo e forma. Uma delas foi a Associação Brasileira de Despor-tos para Cegos (ABDC), presidida por Mario Sérgio Fontes; a Associação Brasileira de Desporto em Cadeira de Rodas (ABRADECAR), presidida por José Gomes Blanco; a Associação Nacional de Desporto para Deficientes (ANDE), sob a presidência de Aldo Miccolis, apenas citando as principais

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(ver história do Comitê Paralímpico Brasileiro). Porém, a grande virada desse cenário veio com a criação

do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), em 1995. “A criação do CPB não apenas trouxe organização e planejamento como, e principal-

mente, motivou a entrada de recursos financeiros. A primeira grande ini-ciativa nesse sentido foi a Lei dos Bingos, que obrigava essas instituições a destinarem parte de sua arrecadação ao esporte convencional e também ao paralímpico”, diz Bentim. Mas foi com o advento da Lei Piva, sancionada em 16 de julho de 2001, que tudo mudou definitivamente. Ela representou um marco para o esporte na-cional, ao proporcionar um avanço na captação de recursos destinados ao desenvolvimento desportivo brasileiro. Essa lei prevê que 2% da arrecadação bruta das loterias federais em operação no país, descontadas as premiações, sejam destinados em favor do Comitê Olímpico do Brasil (COB) e do CPB, na seguinte proporção: 85% para o COB e os 15% restantes para o CPB. A Lei Agnelo/Piva determina ainda que, do total arrecadado por essas ins-tituições, 10% deverão ser investidos no desporto escolar e 5% no des-porto universitário. Após a Lei Agnelo/Piva, as diversas confederações olímpicas e paralímpicas passaram a contar com uma renda perene para investir em projetos visando a preparação dos atletas e a participação nas mais diversas competições nacionais e internacionais, além da aquisição de equipamentos e da contratação de pessoal especializado, como treina-dores e profissionais de alto gabarito, entre outras ações. Mesmo nesse cenário altamente positivo, o paradesporto viveu suas crises, uma das principais em 2003, entre o CPB e a ABRADECAR. As rusgas foram tantas que a ABRADECAR deixou de existir anos depois. Foi nesse cenário que o CPSP passou a realizar um campeonato que englobaria as principais entida-des esportivas voltadas aos atletas com deficiência no Brasil. Nascia, então, o Troféu Sérgio Del Grande, com a primeira edição realizada entre os dias 26 e 28 de setembro de 2003, contando com provas de atle-tismo e natação. “Na verdade, houve uma grave crise financeira que en-volveu as entidades voltadas aos atletas com deficiência física, muito por conta da briga política entre o CPB e a ABRADECAR. Nenhuma competição para esses atletas havia sido realizada até então, naquele ano, em territó-rio nacional. Foi a iniciativa do CPSP que proporcionou essa oportunidade única”, conta Bentim. As provas aconteceram na pista de atletismo e na piscina do Complexo Desportivo Constancio Vaz de Guimarães, no Ibirapuera, em São Paulo. Nessas duas modalidades os participantes, atletas com deficiência física, intelectual e visual puderam, pela primeira vez naquele ano, aferir suas marcas num evento com locais e arbitragens oficiais. A primeira edição do Troféu Sérgio Del Grande de Atletismo e Natação foi

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um sucesso e contou com a participação de mais de 300 atletas de norte a sul do Brasil. Os resultados do campeonato foram reconhecidos pelo CPB e serviram de parâmetro para convocação dos atletas que disputariam um campeonato que seria organizado pelo próprio CPB um mês depois, no mesmo local. Com o grande sucesso ocorrido na edição de 2003, muitos clubes e atletas de vários pontos do Brasil passaram a solicitar ao CPSP, organizador do evento, que fossem ampliadas as modalidades oferecidas no campeonato. E assim, no período de 3 a 7 de setembro de 2004, foi realizado o II Troféu Sérgio Del Grande, em que foram disputados, além de natação e atletismo, halterofilismo, tiro paralímpico, tênis, bocha, polybat, tênis de mesa, vo-leibol paralímpico, tiro com arco e basquetebol em cadeira de rodas (esta última somente com jogos amistosos). O evento ocorreu novamente no Complexo Desportivo Constancio Vaz Gui-marães (Ginásio do Ibirapuera) e no Clube da Cidade Ibirapuera. Com o pas-sar dos anos, a competição foi se consolidando cada vez mais e, em 2015, foi realizada a sua décima primeira edição, com a participação de quase 800 atletas. A importância do CPSP no paradesporto nacional e, consequentemente, no movimento paralímpico é de uma grandeza única. Foi a partir de sua fun-dação, e com o passar dos anos, que centenas de entidades foram funda-das e se desenvolveram no estado de São Paulo, proporcionando a pesso-as com deficiência a prática do esporte. Muitas delas, como a Associação para Integração Esportiva do Deficiente Físico (CIEDEF), o Centro de Apoio ao Deficiente Visual (CADEVI), e o Centro de Emancipação Social e Esportiva

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de Cegos (CESEC), entre outras, estão mencionadas com mais detalhes nos capítulos desta publicação destinados às modalidades. O CPSP também firmou convênios com importantes entidades paulistas e brasileiras, como o Hospital das Clínicas (HC), a AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente) e as APAEs. Resultados que certamente encheriam de orgulho seu fundador, Sérgio Del Grande, falecido em 11 de maio de 2005.

COMITÊ PARALÍMPICO BRASILEIRO

Era o ano de 1975, no Rio de Janeiro, quando o professor Aldo Miccolis criou a Associação Nacional de Desporto para Deficientes - ANDE. O intuito da entidade era agregar os esportes praticados por atletas com todos os tipos de deficiência. Com o passar dos anos, essa tendência sofreu ajustes e as deficiências e modalidades passaram a ser categorizadas. Assim, foram fundadas a Associação Brasileira de Desporto em Cadeira de Rodas – ABRADECAR (1982), a Associação Brasileira de Desporto para Cegos - ABDC (1984), a Associação Brasileira de Desporto de Deficientes Mentais - ABDEM (1986) e a Associação Brasileira de Desporto para Amputados - ABDA (1990). Em 1988, pouco antes da paralimpíada de Seul, já existia uma tendência mundial para que cada país criasse o seu Comitê Paralímpico Nacional. Nesse cenário, as entidades supracitadas, com exceção da ABDA, que ain-da não existia, instituíram o National Paralympic Committee - Brazil (NPC - Brasil). Faziam parte da entidade representantes da ABDC, ABRADECAR e ANDE, além de um membro da Secretaria de Educação Física e Desportos do Ministério da Educação (Seed-MEC) e outro da Coordenação Nacional para Integração da Pessoa Deficiente (CORDE), essa última representada

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pelo professor Vanilton Senatore, outra figura importante ligada ao para-desporto nacional, desde 1974, quando saiu de São Paulo e passou a atuar em Brasília, Distrito Federal. Com a fundação do Comitê Paralímpico Internacional (IPC), em 1989, essa tendência só se reforçou, mas o Brasil já tinha se adiantado nesse sentido, como descrito. A formação dos NPCs se tornava urgente, pois o IPC preci-sava ter como filiadas entidades com representatividade em nível nacional e que agregassem modalidades para pessoas com todos os tipos de de-ficiência. A partir de 1993, a ideia de criar um Comitê Paralímpico no Brasil começou a tomar corpo. Essa nova entidade substituiria o NPC – Brasil, estabelecido em 1988. Diante dessa tendência, representantes das entidades já mencionadas, e ainda a ABDA, se reuniram e fundaram o Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), em 9 de fevereiro de 1995, com sede na cidade de Niterói, Rio de Ja-neiro. João Batista de Carvalho e Silva foi o primeiro indicado à presidência da entidade. João Batista, cuja esposa, Tânia Rodrigues, contraiu poliomie-lite aos 3 anos de idade, tornando-se cadeirante foi um dos fundadores da ABDA e quem introduziu o futebol para amputados no país. “Foi um período bem difícil enquanto estava na presidência do CPB, faltava dinheiro para tudo. O jeito era bater na porta de empresas, estatais e privadas, na busca por recursos”, conta João Batista. Uma alternativa era tentar a aprovação de projetos via governo federal, por meio do Ministério do Esporte. “Nesse caso, conseguíamos verba para custeio de torneios nacionais e ainda para viagens internacionais, tentando incrementar o intercâmbio com países de ponta no paradesporto. Mas não havia dinheiro para treinamentos, por exemplo, esses ficavam a cargo das entidades espalhadas pelo país”, relata João Batista. Eventos públicos com participação de artistas, celebridades e formadores de opinião também ajudaram a divulgar a causa paralímpica. “Organiza-mos eventos em locais como a praia de Copacabana, convidando perso-nalidades da época, como Dedé Santana e Angélica. Além disso, em 1996, em Atlanta, o então ministro Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, acom-panhou a delegação durante os jogos, emprestando seu nome e prestígio à causa. Levamos também uma delegação de jornalistas, para que divulgas-sem os jogos e a causa paralímpica aos brasileiros. Foi um período difícil, mas gratificante. Com a Lei Piva tudo ficou mais fácil, mas aí eu não estava mais lá”, conta João Batista. Mesmo enfrentando uma série de dificuldades e com pouco tempo de existência, o CPB começou a colocar em prática uma de suas principais funções: a organização de eventos paralímpicos nacionais para o desen-volvimento do esporte no país. Ainda em 1995, no ano de sua fundação, organizou os I Jogos Brasileiros Paradesportivos, em Goiânia. A segunda edição da competição foi realizada no Rio de Janeiro, no ano seguinte, já com foco na proximidade da paralimpíada de Atlanta 1996. Com o passar dos anos, o CPB passou a contribuir progressivamente para o fomento ao esporte de alto rendimento para pessoas com deficiência. Dentre as iniciativas estavam desde a divulgação e organização de compe-tições, até o envio de atletas para eventos no exterior, com o intuito de pro-porcionar a experiência esportiva. Essas ações surtiram o efeito esperado

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durante a paralimpíada de Sidney 2000, quando o Brasil ficou em 24º lugar no quadro de medalhas, após a conquista de 6 ouros, 10 pratas e 6 bron-zes. Na Austrália, a delegação nacional era composta por 64 competidores. Em 2001, ocorreram novas eleições do CPB. Foi eleito presidente Vital Severino Neto, cujo mandato após a reeleição durou até fevereiro de 2009. Graduado em Direito, ex-atleta paralímpico e secretário-executi-vo da primeira gestão do CPB, Vital, cego desde a infância, foi a primeira pessoa com deficiência a assumir o comando da entidade. No dia 19 de junho de 2002, a sede do CPB foi transferida de Niterói, no Rio de Janeiro, para Brasília, no Distrito Federal. A medida foi tomada com o intuito de colocar a entidade máxima do esporte paralímpico nacional na cidade que é o centro das decisões políticas do Brasil, além de estar mais próxima do Ministério do Esporte. Nesse mesmo ano, o CPB passou a seguir o modelo internacional, prio-rizando as modalidades e não as deficiências. Ou seja, não importava se o atleta era cego ou cadeirante, mas sim qual a modalidade que pra-ticava. A destinação dos recursos por modalidade acabou com a so-breposição de papéis e houve um ganho em escala, as confederações passaram a receber mais investimentos e puderam organizar melhor sua gestão e distribuição. Sob o comando de Vital, o Brasil fez ótima campanha nas paralimpíadas de Atenas, em 2004. O evento representou uma nova fase do país na competição. Até então, a melhor campanha havia sido o 24º lugar em

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1984, nos Jogos de Nova York e Stoke Mandeville, quando o país con-quistou 7 ouros, 17 pratas e 4 bronzes (28 medalhas), posição repetida em Sidney, apesar do número menor de medalhas (26 medalhas). Na Grécia, o país terminou em 14º, com 14 ouros, 12 pratas e 7 bronzes (33 medalhas). O aproveitamento midiático da paralimpíada de 2004 merece ser men-cionado, já que também é um marco no paradesporto. Foram 168 horas de transmissão pelo canal Sportv (canal a cabo ligado à Rede Globo de Comunicação) e a cobertura de mais 13 canais, divulgação que possibi-litou ao povo brasileiro um contato maior com esse universo, o enten-dimento do esporte paralímpico e, principalmente, a percepção de sua importância, tanto social, quanto esportiva. Mas talvez a maior contribuição de Vital para o paradesporto tenha sido a criação das Paralimpíadas Escolares, em 2006. O evento une escolas de todo o país, fazendo com que o trabalho de base se desenvolva. Mais do que isso, a competição ajuda na multiplicação do conhecimento, fa-cilitando a capacitação de profissionais para trabalhar com crianças com deficiência. Em Pequim, na China, o Brasil já dava mostras de que se tornaria uma potência paralímpica, conquistando 47 medalhas, sen-do 16 de ouro, 14 de prata e 17 de bronze, e terminando pela primeira vez entre os dez primeiros colocados, mais precisamente na 9ª colocação. Atualmente o CPB é presidido por Andrew Parsons, eleito em assem-bleia geral por aclamação em fevereiro de 2009, e reeleito em 2013, com mandato até 2017. Foi na gestão dele que o Brasil conquistou o 7° lugar em Londres, em 2012. Andrew começou cedo a vivenciar a realida-de do esporte paralímpico no Brasil. Em 1997, recém-formado em jor-nalismo, ingressou no CPB como estagiário na área e, desde então, foi crescendo na instituição. Tornou-se responsável pelo Departamento de Comunicação e, depois, convidado pelo ex-presidente Vital, foi secretá-rio-geral por 8 anos, entre 2001 e 2009, ano em que foi eleito presidente do CPB para seu primeiro mandato. Sob seu comando, as Paralimpíadas Escolares tornaram-se o maior evento para crianças com deficiência no mundo. Foi implantada tam-bém a Academia Paralímpica Brasileira, voltada ao conhecimento, ciên-cia e tecnologia, e criado o Conselho de Atletas, com poder de voto na eleição para a presidência do CPB. Se considerarmos todo o ciclo paralímpico, desde 2012 até as paralim-píadas do Rio, Andrew teve à sua disposição cerca de R$ 400 milhões, provenientes não apenas da Lei Agnelo/Piva, responsável por 30% desse montante, como ainda do patrocínio da Caixa Econômica Federal (mais 30%), além de outros 30% em convênios firmados junto ao Mi-nistério do Esporte, 8% da parceria com o governo do Estado de São Paulo e ainda 2% da parceria com a prefei-tura do Rio de Janeiro.

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ASSOCIAÇÃO DESPORTIVA PARA DEFICIENTES (ADD)

A história da Associação Desportiva para Deficientes, a ADD, na verdade co-meçou bem antes de sua fundação em 1996, na cidade de São Paulo. Tudo teve início em 1993, quando Steven Dubner, professor de Educação Física, retornou de um período após 7 anos trabalhando com esporte adaptado nos Estados Unidos. O Brasil ainda estava restrito a algumas modalidades e poucos profissionais especializados, e Steven chegou trazendo a expe-riência de novas técnicas para a prática dos esportes adaptados, algumas modalidades ainda inéditas no país, como o Goalball, e muitas inovações que contribuíram para o desenvolvimento do paradesporto e que são utili-zadas até hoje. Ele tinha o objetivo de disseminar sua experiência e conhe-cimentos adquiridos no exterior e, para isso, sentiu que seria necessário criar uma entidade que pudesse potencializar, profissionalizar e promover a cultura desses esportes.Steven já tinha a ideia de trabalhar nessa área, quando, por intermédio de seu pai, Martin Dubner (in memoriam), ele conheceu Eliane Miada, então gerente administrativa de uma empresa da área de segurança, de que seu pai era cliente. Na ocasião, Steven queria muito viabilizar os projetos que já tinha em mente e estava pensando até em voltar aos Estados Unidos, pois tinha muita dificuldade para encontrar clubes que topassem trabalhar com esse público. Foi nesse momento que o papel de Eliane se tornou fun-damental para viabilizar os ideais de Steven, criando uma instituição que tivesse essa especialização. E assim surgia a ADD, com a missão de profissionalizar o esporte adaptado

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no Brasil, captar recursos e desenvolver parcerias para a sus-tentabilidade dos clubes que trabalhassem no segmento, a fim de oferecer condições para o desenvolvimento dos atletas com deficiência, inicialmente na modalidade de basquetebol em cadeira de rodas. Depois do período inicial em que a ADD atuou no segmento fazendo parcerias para ganhar experiência, surgiu a oportunidade, já no ano seguinte, em 1997, de incentivar a fundação do Clube de Desporto Ma-gic Hands, garantindo um suporte financeiro para a equipe. Nos anos seguintes, a ADD trabalhou fortemente na captação de recursos para manter a rotina de treinamento do time e também incentivar seus par-ticipantes à prática de outras modalidades, como a natação, o atletismo e o halterofilismo. Vale destacar aqui uma ação que ajudou significativamente a dar visibi-lidade ao tema, conseguida pela insistência de Steven junto à rádio CBN. Foi aberto um espaço para que Steven falasse diariamente sobre espor-tes adaptados para o público em geral e também empresários potencial-mente interessados em apoiar essa causa. Depois dessa experiência bas-tante enriquecedora, a ADD decide criar, em 2001, um projeto próprio para a iniciação de 10 crianças no esporte adaptado, o Projeto Crianças. Com essa iniciativa surgiu a primeira equipe infantil de basquetebol em cadeira de rodas do Brasil, um dos marcos mais importantes da ADD em toda a sua história e que revelou talentos paralímpicos na modalidade de basquete em cadeira de rodas, como Paola Klokler e Geisa Vieira (Londres 2012). Foi também nessa época que a instituição fez uma parceria com o Pueri Domus, em São Paulo, para utilizar o espaço da escola para o treinamento de sua equipe de basquetebol infantil. A aceitação desta iniciativa foi ta-manha que, em pouco tempo, os alunos sem deficiência da escola foram incluídos aos treinamentos e passaram a jogar com as crianças da ADD, passando a vivenciar toda a experiência de conviver com a diversidade. “O projeto era maravilhoso. Passamos cerca de 3 meses preparando a dinâ-mica de integração das crianças com e sem deficiência, fazendo palestras e reuniões com professores, pais e alunos. Depois desse período a empol-gação era tanta que tivemos de comprar mais cadeiras de rodas para que todos pudessem jogar”, lembra Steven, ainda muito orgulhoso desta época marcante para a ADD. Além disso, foi durante o desenvolvimento desse projeto que foi criada a primeira cadeira de rodas infantil para a prática do basquetebol. “Os alunos do Colégio Pueri Domus e ADD desenharam um protótipo da cadeira que foi levado à Jaguaribe, fabricante de cadeira de rodas. Eles compraram a nossa ideia e produziram um modelo que ainda era inédito no Brasil”, complementa Steven. Em 2002, a ADD decide ampliar o escopo de sua atuação e cria o Progra-ma ADD Training, que oferecia cursos gratuitos profissionalizantes, para que pessoas com deficiência pudessem ingressar no mercado de trabalho. “Nosso foco inicial era oferecer esses cursos de capacitação aos atletas com deficiência que já treinavam com a ADD. Mas nós não paramos por aí. Fomos pioneiros ao abrir essa possibilidade para pessoas com deficiência que trabalhavam nas ruas, vendendo balas” conta Steven. Com o patrocínio de diversas empresas, a instituição passou a ampliar

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essa iniciativa para que essas pesso-as pudessem estudar e posteriormente in-

gressassem no mercado de trabalho formal. “Nosso trabalho também consistia em conscientizar os emprega-

dores sobre a importância de contratar pessoas com deficiência. Nós inclusive criamos uma campanha, feita pela DM9, em que fazíamos

uma alusão aos mais influentes empresários do mundo, que trabalham horas e horas sentados. Então, por que não contratar um cadeirante?” lembra Eliane. Essa campanha, inclusive, ganhou um Leão de Ouro em Cannes pela abordagem criativa e muito contundente. A principal vocação da ADD, no entanto, continuava sendo o esporte. Com o amadurecimento e profissionalização da entidade foi possível, então, im-plantar um modelo profissional da gestão dos projetos que proporcionas-se o incentivo à prática de outras modalidades, tais como voleibol paralím-pico, ciclismo e bocha, além da natação, atletismo e o próprio basquetebol em cadeira de rodas. A ADD também incentivou uma outra modalidade esportiva, ainda nova no país. O ciclismo para cegos chamado Tandem, no qual o atleta com deficiência visual compete em uma bicicleta dupla, acompanhado por um guia no banco da frente, que vai dando a direção. Mas foi por meio da modalidade basquetebol em cadeira de rodas, especi-ficamente com a equipe Magic Hands, que o trabalho da ADD ganhou força e visibilidade. O Magic Hands foi a primeira equipe profissional da modali-dade, graças à iniciativa de profissionalização promovida pela ADD, a partir de recursos recebidos de patrocinadores como VR Alimentação, Cassio, Ipiranga e a agência de publicidade DM9. Houve um salto qualitativo na apresentação da equipe, tanto em competições e equipamentos, quanto na formação de equipes multiprofissionais e recursos para viagens, ali-mentação e hospedagem para os atletas. Esse modelo influenciou outras equipes do Brasil a seguirem o mesmo caminho. Ao trabalho iniciado pelos fundadores, no sentido da profissionalização da modalidade, foi agregada a visão de uma nova metodologia para o desen-volvimento de atletas. A intenção era torná-los melhores tática e tecni-camente, para que passassem a integrar as seleções brasileiras, explica Sileno Santos, técnico da equipe desde 2003. Com a participação de diver-sos profissionais foram incluídos novos métodos de treinamento, como musculação periodizada e análise de vídeo, além de intercâmbios profis-sionais nos Estados Unidos e Europa. Vale ressaltar também que a equipe Magic Hands foi a primeira equipe brasileira a jogar com equipes da NBA em cadeira de rodas, o Magic Orlando, Miami Heat e o New York Knicks. Todo esse avanço implicou na adoção de novos meios pedagógicos de en-sino, bem como à cobrança de postura profissional dos atletas, que até então estavam mais habituados à prática voltada ao lazer e à inclusão, do que para os requisitos necessários ao alto rendimento. Devido à ne-

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cessidade de reformulação da equipe e implantação da nova filosofia de profissionalismo e treinamento de rendimento, fo-

ram investidos recursos nas categorias de base e formação de atletas. Crianças, jovens e adolescentes passaram a ser treinados nas turmas da modalidade na Escola de Esporte. No entanto, devido à falta de equipes na cidade de São Paulo, nem todos os jovens formados eram absorvidos, fazendo com que a ADD formasse uma segunda equipe de basquetebol, o Magic Wheels, em 2008.O trabalho realizado no Magic Hands o levou a ser uma das principais equi-pes da modalidade no país, com a conquista de três campeonatos bra-sileiros (2010, 2011 e 2014) e dois campeonatos paulistas (2009 e 2014), além de honrosa participação no Sul-americano de Clubes em 2012, onde conquistou o 3° lugar. Atletas importantes foram base para a formação do Magic Hands, como Fábio Souza, Valdir Moreira, Fabio Ricci (in memorian) e José Vicente, entre outros.Em 2016, a expectativa da ADD é ver jovens atletas que treinam nas equi-pes defendendo a seleção. Em abril, cinco atletas do Magic Hands, entre eles Daniel Ribeiro e Pedro Vieira, vindos da equipe infantil da ADD, foram convocados e pré-selecionados para representar o Brasil nos jogos Rio 2016. Isso representa o esforço de todo um sistema que se iniciou na ges-tão da ADD, passando pela filosofia de treinamento e formação de atle-tas até chegar ao alto desenvolvimento esportivo de novos valores para o basquetebol em cadeira de rodas.A atuação da ADD dentro do cenário paradesportivo brasileiro pode ser ob-servada em diversas modalidades e também no desenvolvimento de pro-jetos que têm como objetivo principal, o fomento ao esporte para crianças e jovens com deficiência. Desde a sua fundação, Steven e Eliane sempre acreditaram no sonho de potencializar, profissionalizar e promover a cul-tura do esporte para as pessoas com deficiência. “Acreditávamos, e hoje

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com mais força ainda, que o esporte é uma fonte de motivação para o de-senvolvimento de competências, melhora a autoconfiança e proporciona a oportunidade de sociabilização” conta Steven. Em inglês, a palavra “ADD” significa somar e é exatamente isso que a associação está fazendo com os projetos que facilitam o processo de integração e inclusão da pessoa com deficiência na sociedade, por meio de práticas esportivas adaptadas e cursos de capacitação.Além de oferecer modalidades competitivas, a ADD incentiva um trabalho de iniciação esportiva que é pioneiro no Brasil: o Programa de Iniciação ao Esporte Adaptado. Ele consiste em descobrir talentos e formar atletas, e assim contribui com o desenvolvimento integral de crianças e adolescen-tes com deficiência, estimulando a independência e fortalecendo a autoes-tima nessa fase importante do desenvolvimento. Essa iniciativa, pioneira no Brasil, teve início no ano de 2001 e destinava-se essencialmente à prática do basquetebol em cadeira de rodas. Aos pou-cos, outras modalidades foram incluídas, como a natação e o atletismo. Na natação o projeto proporcionou a descoberta de um dos melhores atletas do Brasil, o nadador paralímpico Daniel Dias, que iniciou no projeto e que segue representando a ADD nessa temporada 2015/2016. A experiência adquirida durante nove anos de trabalho no Projeto Crianças ampliou o conhecimento dos aspectos fundamentais sobre o desenvol-vimento integral de crianças e adolescentes, motivando assim a criação do Projeto ADD Escola de Esporte Adaptado. Foi uma iniciativa decisiva na forma de olhar para o paradesporto infantil e juvenil.

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Além do trabalho específico vinculado ao esporte, os participantes tam-bém tinham acesso a atividades pedagógicas para auxílio no processo de desenvolvimento. O sucesso obtido nos dois anos da ADD Escola de Esporte Adaptado atraiu a atenção de empresas e instituições que atuam neste segmento e trouxe mais visibilidade e credibilidade para a iniciativa. Em 2012, o projeto foi contemplado na Seleção Pública de Projetos Espor-tivos Educacionais para patrocínio da Petrobras, através do Programa Pe-trobras Esporte & Cidadania. O Programa da Petrobras visava promover o desenvolvimento do esporte e sua democratização no acesso à popu-lação, como ferramenta de desenvolvimento humano, inclusão social e construção de cidadania. “O patrocínio da Petrobras foi fundamental para darmos continuidade ao projeto de forma sustentável, beneficiando dire-tamente a crianças e adolescentes com deficiência e outras, indiretamen-te”, diz a presidente da ADD, Eliane Miada. Foi também graças ao patrocínio da Petrobras que, a partir de 2014, o projeto para crianças transformou-se em um programa de iniciação ao esporte adaptado. O programa, que aten-de crianças, adolescentes e jovens, conta com metodologia própria e está pronto para ser replicado onde se fizer necessário, explica Sileno Santos, coordenador do programa.Dentre tantas pessoas, entre colaboradores e atletas com deficiência que passaram pela ADD durante todos esses anos, Eliane faz questão de fa-zer uma menção especial a um deles, nesse breve resumo da história da entidade. “Paulo de Almeida é uma figura que representa muito bem todo esse espírito e missão da ADD. Ele está conosco desde o início da institui-ção, onde começou como atleta, e agora atua como conselheiro esportivo”, conta Eliane. Hoje com 48 anos, Paulo teve seu pé direito esmagado no dia 31 de dezembro de 1997, enquanto trabalhava em uma empilhadeira que caiu sobre o membro, causando a amputação imediata. Já no ano seguin-te, em 1998, passou a frequentar e defender a ADD, onde encontrou total apoio financeiro e esportivo para desenvolver sua fantástica carreira den-tro do esporte, especialmente em provas de longa distância. Apesar de ter iniciado suas atividades na natação e em corridas de velo-cidade (100 e 200 metros rasos, tendo sido pré-selecionado para a Para-limpíada de Sidney 2000), foi nas provas de longa distância que ganhou fama internacional. Participou da maratona de Nova York (EUA) de 1999 a 2013, tendo vencido a prova na sua categoria por 5 vezes. Também acumu-la vitórias nas maratonas de Chicago (EUA), São Paulo e Blumenau (SC), entre outras. Mas foi na ultramaratona Comrades, prova de 89,6 quilô-metros, realizada na África do Sul, que Almeida superou a si próprio, ten-do sido um dos três amputados a completar a prova, no mundo. Almeida correu a prova em 2001 e 2007, quando conseguiu finalizar o percurso em 10h56min. Em 2014, disputou sua última maratona, em Copenhague (DIN). Depois dessa competição, aposentou-se e passou a trabalhar no conselho desportivo da ADD, onde é responsável pela descoberta e iniciação de de-zenas de atletas na modalidade de atletismo, como Alan Fonteles e o mais recente atleta em formação paradesportiva, Vinícius Rodrigues.

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Parte 2

As modalidades paralímpicas e seus personagens

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Um paradoxo. Não há como definir de outra maneira a história do atletismo paralímpico, seja no Brasil, seja em São Paulo. A razão é simples. Modalidade presente desde os primeiros Jogos Paralímpi-cos (Roma, 1960), foi responsável pelas primeiras medalhas paralímpicas de ouro do Brasil, seja com homens, seja com mulheres. Do lado feminino, o feito coube a Márcia Malsar, carioca, classe C6, em Nova York 1984, na prova dos 200 metros rasos. Na verdade, essa foi a primeira medalha de ouro paralím-pica da história de nosso país. Do lado masculino, o responsável foi o também carioca Luiz Cláudio Pereira, que no total conquistou 6 ouros paralímpicos. Fo-ram dois em Stoke Mandeville 1984, no arremesso de peso e lançamento de dardo, esses os primeiros entre os homens, três em Seul 1988, no arremesso de peso, lançamento de dardo e lançamento de disco, e mais um em Barcelo-na 1992, no arremesso de peso. Não bastasse essa relevância histórica, o atletismo é disparadamente a modalidade paralímpica em que o Brasil conquistou o maior número de medalhas. Segundo o site do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), o atle-tismo tem 112 medalhas, sendo 32 de ouro, 50 de prata e 30 de bronze, considerando-se todas as edições dos Jogos. O paradoxo então se explica, infelizmente, pela falta de registros históricos do atletismo paralímpico no Brasil, mesmo com toda essa importância. Os dados dos anos 1980 até meados dos anos 1990 resumem-se, de forma precária, aos Jogos Paralímpicos. Um dos motivos para esse inexplicável esquecimento histórico foi o fim da Associação Brasileira de Desporto em Cadeira de Rodas (ABRADECAR), em meados dos anos 2000. Apesar de ainda existir um núcleo de memória da instituição, que foi responsável pela modalidade desde seu início, pra-ticamente todas as informações históricas se perderam, como súmulas e registros de campeonatos nacionais. Mesmo com essa lacuna de dados é possível fazer um resgate, ainda que parcial, da importância paulista na modalidade, por meio de alguns relatos de pessoas que viveram ou pes-quisaram os anos 1970 e 1980. Antes disso, porém, cabe um pequeno relato sobre o desenvolvimento da modalidade em paralimpíadas. “Nas primeiras paralimpíadas de Roma eram apenas duas provas, os 100 metros rasos e o slalon, prova em que o atleta mostra suas habilidades com a cadeira de rodas, subindo e des-

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cendo rampas, degraus, indo de frente e de ré, enfim, uma prova meio que ligada ao que um cadeirante faz no seu dia a dia. E apenas atletas com de-ficiência física participavam das competições”, afirma Ciro Winckler, atual coordenador do atletismo junto ao CPB e um estudioso do assunto. Em paralelo, nos anos 1960 e 1970, é que existem os primeiros registros de provas disputadas por cadeirantes no país, concentradas no eixo Rio-São Paulo. Mas eram provas de rua, e de meia distância. Em 1976, nas paralimpía-das de Toronto, Canadá, foram introduzidas mais provas e outras deficiências, como a visual, por exemplo. Os anos 1980 foram de crescimento, tanto fora como por aqui. Mais uma vez o Clube dos Paraplégicos de São Paulo (CPSP, ver capítulo História) e o Centro de Apoio ao Deficiente Visual (CADEVI, ver capítulo Judô) foram os protagonistas em terras paulistas.Os registros de resultados do CADEVI apontam para participações em competições a partir de 1985, quando disputou os Jogos Sul-Brasileiros para Deficientes Visuais, realizado em Curitiba (PR), conquistando o vice--campeonato por equipes. Destaque para o tetracampeonato brasileiro conquistado em 1995, 1996, 1998 e 1999. O ano de 2000 foi o da última par-ticipação oficial da entidade em campeonatos nacionais, ainda contando com resultados expressivos na competição. Infelizmente, a partir de 2001 o atletismo deixou de fazer parte de suas atividades permanentes. Já no CPSP os dados são imprecisos, mostrando mais as conquistas no sé-culo 21, com destaque para Ozivam dos Santos Bonfim, medalha de bronze em Atenas 2004, na prova dos 5 mil metros, classe T46. Antes disso há re-gistros de uma atleta, Maria de Lourdes da Silva Nascimento, a Malu, hoje com 53 anos, que viveu os anos 1980 e início dos anos 1990 no CPSP. Com sequelas da poliomielite, Malu teve a perna direita atrofiada, chegando a ter 15 centímetros de encurtamento com relação à perna esquerda. Nascida na zona rural de Congonhinhas (PR), ela só teve acesso a trata-mento quando veio com a família para São Paulo (é a mais velha de oito irmãos), em 1974. Depois de seis cirurgias, passou a fazer fisioterapia na Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), onde acabou redu-zindo seu encurtamento para seis centímetros. Foi lá que ela ouviu falar do CPSP e de sua equipe de atletismo. “Era um universo completamente diferente do que temos hoje, faltava dinheiro para tudo. Só para se ter uma ideia, eu morava em São Bernardo do Campo (Grande São Paulo) e bancava a minha passagem e alimentação. Tínhamos no CPSP o local para treinamento e um equipamento precário. Cheguei a competir com a cadeira de rodas que utilizava no meu dia a dia. E não pen-se que era uma maravilha, não; para competição, então, era totalmente inviável”, conta Malu. Mesmo enfrentando adversidades, foi finalista nos 100 metros rasos em Seul, ficando na 5ª colocação. Depois disso, nos anos 1990, Malu passou a competir mais em provas de rua, sendo a primeira mulher a correr a São Silvestre numa cadeira de rodas, fato registrado em reportagem no pro-grama Esporte Espetacular, da Rede Globo. A história de Malu serve de exemplo prático do que era o paradesporto nacional, e do que se tornou, principalmente a partir da criação do CPB, em 1995. Mais do que isso, ela marca a entrada de recursos financeiros. O próprio site do CPSP destaca: “A partir do ano 2000, o Clube passou a

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ter uma atuação mais profissional, devido ao fato de ter feito um acordo junto à ABRADECAR, se beneficiando da Lei 9.615, “Lei Pelé”, em parceria com bingos. O Clube conseguiu dois bingos para a ABRADECAR na cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais, com parte da renda revertida ao CPSP. Com esta verba, a instituição começou a remunerar técnicos e atletas, tornando os treinamentos mais eficientes e profissionais”. O primeiro grande nome do atletismo paralímpico, no entanto, apareceu um pouco antes, mais precisamente em 1992. A mineira Adria dos San-tos, que é cega, ajudou muito no desenvolvimento da modalidade. Adria é um expoente, um dos primeiros nomes “midiáticos” do movimento para-límpico, conhecida nacionalmente por suas conquistas excepcionais, com destaque para seus quatro ouros, em Barcelona 1992 (100 metros rasos), Sidney 2000 (100 e 200 metros rasos) e Atenas 2004 (100 metros rasos). No total, conquistou 13 medalhas paralímpicas. Outro nome é o de Terezinha Guilhermina, cega e mineira como Adria, que faz parte do Time São Paulo e da equipe da Associação Desportiva para Deficien-tes (ADD), conta com o apoio do governo paulista e da ADD para seu desen-volvimento. Terezinha é fruto do sucesso de Adria e veio na esteira de suas conquistas, tendo obtido três ouros paralímpicos, um em Pequim 2008 (200 metros rasos) e dois em Londres 2012 (100 e 200 metros rasos). Do lado masculino, destaque para Lucas Prado, cego, com três ouros na paralimpíada de Pequim, em 2008, nos 100, 200 e 400 metros rasos. Além dele, Alan Fonteles, que derrotou a lenda Oscar Pistorius em Londres 2012, na prova dos 200 metros rasos e se tornou, no ano seguinte, recordista mundial da prova (classe T44). Outro atleta de ponta da atual geração do atletismo, e que faz parte do Time São Paulo, é Yohansson Nascimento, 28 anos. Natural de Maceió, Ala-goas, nasceu com malformação congênita. Suas mãos não se formaram. Mesmo assim, teve uma infância completa, incluindo estudos – completou o ensino médio e só parou por conta do esporte – e muitas brincadeiras e atividades, algumas delas, como basquetebol, voleibol e bicicleta, em que se usam as mãos. Perguntado sobre como fazia isso, Yohansson costuma responder de for-ma bem humorada. “Só não dou nó em pingo d’água”, brinca. Yohansson começou no atletismo praticando na escola, de forma despretensiosa. E foi assim que participou de sua primeira competição, em 2005, um campe-onato estudantil em Recife, Pernambuco. Das três provas de velocidade de que participou, ganhou todas. A técnica da equipe de atletismo paralímpico de Maceió, Valquíria Cam-pelo, ouviu falar do garoto sem mãos que corria como uma flecha. Dias depois, a coincidência. Encontraram-se em um ônibus, um não sabia quem era o outro. “Mas a Valquíria desconfiou de que o menino de quem haviam falado para ela estava na sua frente. Não é todo dia que você cruza com um adolescente sem as duas mãos”, conta Yohansson. Da parceria, resul-tados fantásticos começaram a aparecer. Em 2007, no Parapan do Rio, a explosão, com três ouros nos 100, 200 e 400 metros rasos, batendo o ídolo e bicampeão paralímpico Antonio Delfino. Em Pequim 2008, foi prata no revezamento 4 x 100 e bronze nos 100 metros rasos. Seus resultados expressivos valeram um convite para participar do Time

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São Paulo, em setembro de 2011. E a mudança definitiva veio em janeiro do ano seguinte. “Vim a São Paulo (treina em São Caetano do Sul) determina-do, encontrei condições de treinamento que jamais tive na vida. Em Maceió eu virei atleta de ponta com a Valquíria, praticando em pista de barro, nada mais. Em São Paulo tenho apoio de equipe multidisciplinar, treino em pista oficial, recebo bolsa-atleta do CPB desde 2008 e agora também conto com a ajuda financeira do governo paulista”, explica Yohansson, que treina de segunda a sábado, em dois períodos, manhã e tarde. Meses após a chegada a São Paulo viria a conquista maior, o ouro para-límpico em Londres 2012 nos 200 metros rasos e a prata nos 400 metros. Yohansson machucou-se na semifinal dos 100 metros e até tentou correr a final, mas desistiu no meio, com o músculo da coxa rompido. “Emoção indescritível quando vi que tinha ganho os 200 metros rasos. Queria me teletransportar para Maceió, abraçar meus pais (Claudio e Fran-cisca), minha mulher (Thalita, que foi pedida em casamento justamente após a conquista do ouro), meus irmãos e amigos”, diz Yohansson, que co-leciona oito medalhas (3 ouros, 3 pratas e 2 bronzes), nos Mundiais de Atletismo que disputou entre 2006 e 2015. Suas expectativas são as melhores possíveis. “Estou concentrado em me-lhorar minhas marcas pessoais, a medalha será consequência. Eu tenho muita experiência nesse universo da competição, sei que meu melhor pode não ser suficiente, mas estou confiante”. Yohansson faz parte de uma época diferente, em que existe planejamento e dinheiro. Difícil comparar as condições que ele tem à disposição com as de Malu, pioneira no atletismo do CPSP. Mas o tempo passou, o Brasil virou potência paralímpica e São Paulo é um de seus baluartes. Atualmente, as principais forças do atletismo paralímpico paulista são o próprio CPSP, o Sesi, que começou com o atletismo paralímpico em 2011, e a ADD, cujo pro-grama iniciou-se em 2003. Paulo de Almeida, amputado e um dos grandes nomes do Brasil em pro-vas de longa distância, é o atual diretor de esportes da ADD e explica que a instituição trabalha em duas frentes. “Desde 2009 temos o Programa Escola de Esporte Adaptado, projeto voltado a crianças com deficiência, a partir dos 6 anos de idade. Atendemos crianças com deficiência física, visual e intelectual. Damos todo apoio a elas, com local de treinamento,

O BRASIL NOS JOGOSResultados nas Paralimpíadas: O atletismo conquistou 7 medalhas de ouro, 8 de prata e 3 de bronze nas Paralimpíadas de Londres.

Recordes: O atletismo brasileiro quebrou 4 recordes mundiais nas Paralimpíadas de Londres.

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no Clube Esperia, além dos professores e alimentação. Oferecemos toda a infraestrutura de que elas necessitam. Atualmente são cerca de 270 crianças, jovens e adolescentes sob nossa supervisão, e temos certeza de que estamos dando a elas a oportunidade de praticar esportes, ter mais qualidade de vida e, quem sabe, tornarem-se atletas de alto rendimento. Os recursos para os projetos advêm de empresas, por meio de incentivos fiscais”, explica Paulo. Já a equipe adulta possui dez atletas que contam com infraestrutura téc-nica e financeira. Uma delas já está convocada para o Rio, a consagrada Terezinha Guilhermina. Os outros atletas pré-convocados para a seleção brasileira que vai representar o Brasil no Rio são Ariosvaldo e Vinicius Ro-drigues, sendo que Vinicius foi formado na base da ADD, mostrando que o caminho percorrido na instituição deve servir de modelo a ser replicado pelo país. A ADD também tem tradição em formar atletas para provas de rua, de longa distância.

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FICHA TÉCNICADescrição: Atletas com deficiência física, visual e intelectual, de ambos os sexos, podem praticar a modalidade, sendo que os que possuem defici-ência visual podem ser acompanhados de um guia, dependendo da prova. O atletismo paralímpico possui 17 provas entre pista e campo: corridas de velocidade, como os 100 e 200 metros rasos, corridas de média distância, como os 400 e 800 metros rasos, corridas de resistência, como os 1.500, 5.000 e 10.000 metros rasos. Também temos as provas de revezamento, como os 4x100 e 4x400. Já nas provas de campo, temos salto em altura, salto em distância, salto triplo, lançamento de peso, lançamento de disco, lançamento de dardo e de martelo. E, por fim, o pentatlo. As competições seguem as regras da Federação Internacional de Atletismo (IAAF), com adaptações para o uso de próteses, cadeira de rodas ou guia, mas sem oferecer vantagem em relação aos seus adversários.

Classificação funcional: O sistema de classificação funcional utiliza a le-tra T (track) precedida do número da classe do atleta para indicar eventos de pista e a Letra F (field), também precedida do número da classe, para indicar os eventos de campo (Exemplo: T46 e F46).

Para provas de campo – arremesso, lançamentos e saltos:• F – Field (campo)• F11 a F13 – Atletas com deficiência visual • F20 – Atletas com deficiência intelectual• F31 a F38 – Atletas com paralisia cerebral (31 a 34 para cadeirantes e 35

a 38 para andantes)• F40 – Anões• F41 a F46 – Amputados e outros• F51 a F58 – Competem em cadeiras (atletas com sequelas de poliomie-

lite, lesão medular e amputados)

Para provas de pista – corridas de velocidade e resistência• T – Track (pista)• T11 a T13 – Atletas com deficiência visual• T20 – Atletas com deficiência intelectual• T31 a T38 – Atletas com paralisia cerebral (31 a 34 para cadeirantes e

35 a 38 para andantes)• T41 a T46 – Amputados e outros• T51 a T54 – Competem em cadeiras (atletas com sequelas de poliomie-

lite, lesão medular e amputados)

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A importância do basquetebol em cadeira de rodas no Brasil é gigantesca, pois a origem da prática do esporte adaptado no país deu-se justamente por meio da prática da modalidade, em inicia-tivas de Sérgio Seraphin Del Grande, na cidade de São Paulo e de Robson Sampaio de Almeida, residente no Rio de Janeiro. Ambos, após sofrerem acidentes que resultaram em uma lesão permanente, procuraram os ser-viços de reabilitação nos Estados Unidos, nos anos 1950. Robson fundou o Clube do Otimismo, no Rio de Janeiro, em 1958. Sérgio, porém, fundou o Clube dos Paraplégicos de São Paulo, um pouco antes. Existem controvér-sias jurídicas sobre qual instituição foi legalizada primeiro, mas o impor-tante é o fato de que ambas deram impulso à prática do esporte adaptado no Brasil, por meio do basquetebol em cadeira de rodas.O paulistano Del Grande ficou paraplégico em 1951, aos 15 anos, ao sofrer uma queda durante treino de futebol, realizado no Colégio Arquidiocesano, frequentado por ele e localizado na zona sul de São Paulo. Ao buscar aten-dimento, foi orientado, dentro de suas possibilidades financeiras, a procu-rar um serviço mais adequado nos Estados Unidos. Foi quando descobriu o Institute for Rehabilitation Kesle, em New Jersey. Dentro do programa de reabilitação, existia a obrigação de optar por uma das atividades es-portivas oferecidas. Entre elas, estava o basquetebol em cadeira de rodas, escolhido por Sérgio.Ao retornar ao Brasil, entusiasmado com a boa experiência que lhe pro-porcionou integração social e a oportunidade de viajar e jogar com outros institutos de reabilitação, Del Grande organiza jogos de exibição da equipe “Pan Jets” - equipe de basquetebol em cadeira de rodas, formada por fun-cionários com deficiência da empresa de aviação americana Pan Am - nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, em 1957. O grupo fez demonstrações do basquetebol em cadeira de rodas, tênis de mesa e tiro com arco. Mo-tivado por um dos atletas do Pan Jets, Jean Quellong, Sérgio Del Grande passa a movimentar-se para a fundação do Clube dos Paraplégicos de São Paulo e tem como pretensão a organização de uma equipe de basquetebol em cadeira de rodas, conforme o próprio relata, em depoimento retirado do livro de Paulo Ferreira de Araújo, “Desporto Adaptado no Brasil: origem, institucionalização e atualidade”, em sua tese de doutorado que fez na UNICAMP, em 1997:

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“Iniciamos este movimento logo após o jogo de exibição dos “Pan Jets”, no final de 1957. A partir daí a minha preocupação passou a ser arrumar pessoas com deficiência para iniciar a equipe e logo que eu vi um homem saltando do bonde de muleta, eu pensei: é esse o primeiro que tenho que pegar. Seu nome é João Lourenço e foi um dos que me deram muito apoio. Fui depois ao Lar Escola São Francisco e arrumei mais uns quatro, no Hospital das Clínicas e na AACD. Nós reunimos dez pessoas e formamos a primeira equipe de basquetebol em cadeira de rodas no Brasil. Em feve-reiro de 1958 iniciamos os treinamentos de basquetebol no Hospital das Clínicas em São Paulo”.E assim continua Del Grande. “No início deste movimento tive muito apoio da Federação Paulista de Futebol, principalmente do Doutor Paulo Macha-do de Carvalho. Em 28 de julho de 1958 nós demos personalidade jurídica para o Clube dos Paraplégicos de São Paulo (CPSP), que contou com os seguintes sócios fundadores: Paulo Machado de Carvalho, Júlio Fantauzzi Filho, Wilson da Costa Florin, Sérgio Seraphin Del Grande, Fernando Boco-lini, Vicente Feola, Murilo Antunes Alves e toda a delegação de campeões de futebol em 1958, na Suécia. A data de fundação do CPSP foi escolhida para homenagear o dia 28 de julho de 1948, data esta em que o Dr. Lu-dwig Guttmman começou o esporte para o atleta com deficiência em Stoke Mandeville, na Inglaterra”. Em novembro de 1958 ocorre o primeiro confronto, entre o CPSP e a equipe de basquetebol em cadeira de rodas, também recém-formada, do Clube do Otimismo, fundado por Robson Almeida. Há registros citados no livro de Araújo de que a partida ocorreu no Ginásio de Esportes do Maracanãzinho, sendo os paulistas os vencedores com o placar de 22x16. Em 1960 e 1961 outros dois confrontos aconteceram, ambos vencidos pelos cariocas por 37x17 e 48x8, respectivamente. Com isso estava selada a sistematização competitiva do basquetebol em cadeira de rodas no Brasil.Del Grande ainda relata que em 6 de dezembro de 1959 o Clube dos Para-plégicos de São Paulo embarcava para Buenos Aires, ocasionando assim, um movimento internacional envolvendo o Brasil no campo esportivo para pessoas com deficiência. A equipe de basquetebol em cadeira de rodas do CPSP jogou com os clubes Marcelo Joca Fitte, Luna Park e Mar Del Plata. Já em 1960, o Clube dos Paraplégicos de São Paulo participa do 1º Campeo-nato Mundial realizado em Roma.Em função da determinação de dois homens, Sérgio Seraphin Del Gran-de e Robson Sampaio de Almeida, o esporte para pessoas com deficiência passou a ser visto como uma possibilidade aqui no Brasil. Tal movimento se fortalece e passa a se relacionar em um cenário internacional a partir de 1969, quando a primeira Seleção participa do 2º Jogos Panamericanos realizados em Buenos Aires. A participação do Brasil neste evento foi de suma importância, pois permitiu que profissionais conhecessem outras possibilidades esportivas para pessoas com deficiência.A partir de então, este movimento no Brasil tem procurado trilhar os ca-minhos estabelecidos pelos órgãos internacionais, seja incorporando as orientações ou buscando acompanhar as evoluções nos mais diferentes campos de conhecimento que esta área estabeleceu, buscando assim uma participação cada vez mais efetiva. O desenvolvimento e difusão do bas-

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quetebol em cadeira de rodas no Brasil levou à fundação da Confederação Brasileira de Basquetebol em Cadeira de Rodas – CBBC, em dezembro de 1997. Atualmente o CBBC é o órgão responsável pelo desenvolvimento téc-nico da modalidade no país. Nesse mesmo cenário, ocorreu a fundação da Federação Paulista de Bas-quete Sobre Rodas, que aconteceu devido à necessidade da existência de um órgão estadual oficial para filiar e orientar as equipes paulistas desta prática esportiva. Dessa forma, em 12 de abril de 1997, foi fundada a FPBSR (Federação Paulista de Basquete Sobre Rodas), na cidade de Campinas, in-terior de São Paulo.Em 1998, a FPBSR organizou seu primeiro Campeonato Paulista apenas com recursos vindos dos seus clubes filiados e ainda hoje a Federação Paulista se mantém como o estado em que mais se pratica basquetebol em cadeira de rodas. Atualmente, fruto do trabalho iniciado nos anos 1950 por Del Grande, temos 15 clubes paulistas filiados à FPBSR, aqui listados: Associação dos Amigos e Paradesportistas de Piracicaba (AAPP); Associa-ção dos Amigos Paratletas de Ribeirão Preto (ADAD); Associação de Des-porto Adaptado de Presidente Prudente (ADAPP); Associação Desportiva de Pessoas com Deficiência Física (ADESP); ADR de São José do Rio Preto; AEDREHC CAY; Athlon Ases de São José dos Campos; Clube Amigo dos De-ficientes (CAD); Clube Amigo dos Deficientes de São Paulo (CAD-SP); Clube dos Paraplégicos de São Paulo (CPSP); GAADIN; GADECAMP de Campinas; Clube de Desporto Magic Hands; Associação Desportiva para Deficientes (ADD); Deficientes Olimpienses Associados (DOA).O Campeonato Paulista está em sua décima nona edição, mostrando a força do basquetebol em cadeira de rodas no estado de São Paulo. Como não poderia deixar de ser, vários atletas paulistas foram formados, muitos deles servindo a Seleção Brasileira da modalidade. Entre eles, destaque para Leandro de Miranda, hoje com 33 anos. Leandro, que é natural de Guarulhos (SP), começou a praticar aos 13 anos. “Tinha uma cesta de bas-quetebol na esquina da minha casa, nas horas de lazer eu ia lá bater uma bola com meus amigos”, conta. Aos 18 anos, um acidente de moto levou à amputação de sua perna esquerda, abaixo do joelho.Logo depois do ocorrido, foi convidado a participar do time de basquetebol da Associação pelos Direitos da Pessoa Deficiente de Guarulhos (ADPD). “Nem sabia da existência do basquetebol em cadeira de rodas. Fui e me apaixonei. Só que o time durou apenas um ano. Depois disso fiquei apenas trabalhando”. Em 2002, por intermédio do próprio trabalho que desenvol-via na ADPD, acabou sendo convidado a defender o CPSP que, na época, disputava a segunda divisão do Campeonato Paulista da modalidade. Le-andro foi campeão com o CPSP e suas atuações chamaram a atenção do time da capital paulista, localizado no bairro da Barra Funda, o Águias da Cadeira de Rodas, em 2003.“O Águias fez parte da elite do basquetebol em cadeira de rodas, passei a disputar a primeira divisão do paulista, aparecer mais”, fala Leandro. Pela equipe, foi pentacampeão paulista e tricampeão brasileiro. Suas atuações logo no primeiro ano o levaram a ser convocado para a seleção brasileira pela primeira vez. Desde então, nunca mais deixou de ser chamado. “Pela seleção destaco as conquistas de dois bronzes em Parapans (Mar Del Pla-

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O BRASIL NOS JOGOS PARALÍMPICOSApesar da popularidade no país, o Brasil ainda não conquis-tou medalhas na modalidade em Jogos Paralímpicos. A es-treia da Seleção masculina foi nos Jogos de Heidelberg, em 1972, e, da feminina, em Atlanta 1996. A melhor colocação brasileira na modalidade foi o oitavo lugar em Atlanta 1996 e Pequim 2008, com a Seleção feminina.

ta, 2003 e Rio de Janeiro, 2007), além da participação na paralimpíada de Pequim, em 2008, onde o Brasil terminou em 8° lugar”, diz Leandro, que joga na posição de pivô.Sobre a paralimpíada do Rio, ele diz que os treinamentos estão sendo mui-to intensos, revezando-se entre clube e seleção. “Não paro para descansar um dia sequer, ou treino pela seleção, ou pelo clube, existe um reveza-mento e planejamento nesse sentido. Apesar de nunca termos conquis-tado nada em paralimpíadas, tenho fé que podemos surpreender, acredito na chance de uma medalha”, finaliza Leandro, que elege Estados Unidos, Grã-Bretanha, Austrália e o atual campeão paralímpico, Canadá, como os adversários mais fortes. Companheiro de seleção brasileira de Leandro, Gelson da Silva Junior, 36 anos, só foi conhecer o esporte adaptado quando tinha 22 anos. “O en-graçado é que sou de uma cidade, Porto Alegre (RS), com história no pa-radesporto, mas só fui descobrir isso muitos anos depois”, conta Júnior. Tendo contraído poliomielite aos 6 meses de idade, teve como conse-quência o encurtamento de sua perna direita. “Mas isso nunca foi empe-cilho para mim, joguei bola, vôlei, basquete, andei de bicicleta, sempre fui muito ativo. Permaneci em Porto Alegre até os 22 anos, quando minha família se mudou para Anápolis (GO). Foi quando caminhava na rua e fui abordado por uma mulher, Ana Cardoso, perguntando se eu gostaria de praticar basquete em cadeira de rodas. Ela se impressionou com meu físico de atleta, vislumbrou a possibilidade de eu defender a Associação dos Deficientes Físicos de Goiás (ADFEGO), equipe da qual ela era treina-dora. Quando me lembro dessa situação, fico negativamente impressio-nado com o descaso das instituições de ensino que frequentei em Porto Alegre, todas privadas. Sabendo da minha paixão por esportes, nunca um professor veio me dizer sobre o esporte adaptado, um absurdo”, diz Jú-nior, que atua na posição de ala. Na ADFEGO demonstrou sua total aptidão à modalidade, e logo se desta-cou, conquistando o campeonato goiano e o campeonato regional centro--oeste, em 2003. Em 2004, foi para a seletiva regional, mas acabou fora da convocação final que foi para Atenas. Suas atuações chamaram a atenção

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da ADD, que o contratou em 2005, para jogar na equipe Magic Hands. “Tive todo o suporte da ADD, residência, bolsa de estudos (Júnior é formado em Gestão Empresarial pela Universidade de Mogi das Cruzes) e ainda ajuda financeira. Devo todo o meu desenvolvimento à ADD. Não bastasse tudo isso, eu estava no maior centro nacional do basquetebol em cadeira de rodas, que é São Paulo”.Pela ADD conquistou três campeonatos brasileiros (2010, 2011 e 2014) e ainda dois campeonatos paulistas (2009 e 2014). Mas mesmo antes des-sas conquistas já tinha conquistado seu espaço na seleção brasileira, tendo sido convocado pela primeira vez em 2007, para nunca mais deixar de ser chamado. “Em 2008 (Pequim) tivemos a campanha prejudicada pela derrota para a Austrália, na estreia, por apenas um ponto. Eles eram os campeões paralímpicos, estudamos demais o adversário, mas perdemos depois de abrir vinte pontos de vantagem. Essa derrota desestruturou a equipe, dali em diante foram mais três derrotas, só ganhamos da China”, fala Júnior.O Brasil não se classificou para a paralimpíada de Londres em 2012. So-mado ao fracasso de Pequim, o espírito da equipe é tentar a todo o custo um pódio no Rio, se possível no lugar mais alto. “Nosso time é muito bom, estamos unidos, com uma grande carga de treinamentos. O foco na para-limpíada é total”, finaliza Júnior, que sempre contou com o apoio dos pais e de sua esposa, Joyce, com quem está casado há 8 anos e tem uma filha, Isabella, de 5.

BASQUETEBOL EM CADEIRA DE RODAS NO MUNDO

Nos anos 1940 o esporte adaptado ganhava força como ferramenta de reabilitação e de inclusão, pelo mundo. Nessa época desenvolveram-se duas correntes, uma delas por Sir Ludwig Guttmann, pioneiro no uso do esporte adaptado como ferramenta de reabilitação e inclusão de pessoas com deficiência. No mesmo período, nos Estados Unidos, também utiliza--se da adaptação dos esportes, inicialmente com o basquetebol, com um enfoque esportivo e competitivo, como forma de inserção social. Foi Mr. Benjamin H. Lipton, diretor do Joseph Bulova School of Watchmaking, quem deu início, em 1946, ao programa de esporte para pessoas com deficiência na América do Norte. Após unir-se ao professor Timothy Nugent, diretor do Student Rehabili-tation da Universidade de Illinois, iniciam um processo de divulgação do basquetebol em cadeira de rodas com uma equipe formada por ex-com-batentes, chamada “Fight Wheels”. Como consequência, o interesse pelo esporte aumentou de tal maneira que incluiu não só veteranos de guerra, mas civis com deficiência física. Apesar de registros indicarem a promoção de atividades esportivas para pessoas com deficiência, principalmente na Inglaterra, nos Estados Unidos e na Alemanha, foi em 1948 que este con-ceito ganhou caráter oficial, com a realização dos Jogos de Stoke Mande-ville, na Inglaterra.Desde então o basquetebol em cadeira de rodas não parou mais de crescer, sendo disputado já na primeira paralimpíada, de 1960, em Roma, na Itália. Atualmente são mais de cem países associados à International Wheelchair Basketball Association (IWBA), que organiza os torneios pelo mundo.

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FICHA TÉCNICACondução: O jogador deve quicar, arremessar ou passar a bola a cada dois toques dados no aro de impulsão da cadeira. Essa é a única particu-laridade do basquetebol em cadeira de rodas. As dimensões da quadra e a altura da cesta seguem o padrão do basquetebol olímpico, assim como as regras que o regulam e que elencamos a seguir:

Tempo: Cada partida tem duração de 40 minutos sendo dividida em qua-tro tempos (períodos) de 10 minutos. Em caso de empates ao final do jogo, são permitidas prorrogações de 5 minutos até que se defina um vencedor. Não existe empate no basquetebol.

Pontuação: A cesta é feita quando a bola atravessa o cesto adversário. Cada cesta de campo vale 2 pontos. Quando é feita antes da linha dos 3 pontos (6,75 metros a contar da linha de fundo), vale, obviamente, 3 pon-tos. Por fim, uma cesta de lance livre (o jogador posiciona-se em local pré-determinado, a 4,80 metros da linha de fundo) tem o valor de 1 ponto.

Posições: As posições do basquetebol em cadeira de rodas são as mes-mas do basquetebol convencional:• Armador: É responsável pela execução tática de jogo.• Ala: Normalmente tem bom índice de acertos em arremessos e auxilia

o armador nas jogadas.• Pivô: É um jogador que possui bom controle de tronco para jogar em

cadeiras mais altas e, por isso, joga mais próximo à tabela.

Classificação funcional: A classificação do basquetebol em cadeira de rodas leva em consideração a capacidade que o atleta tem de controlar seu corpo na cadeira de rodas, com e sem bola. Cada atleta recebe uma classificação que varia de 1,0 a 4,5. Os atletas da classe 1,0 são aqueles que possuem maior grau de comprometimento físico e atletas da classe 4,5 são atletas que possuem menor grau de comprometimento físico. A soma das classificações dos atletas em quadra não pode exceder 14 pon-tos nas competições oficiais da Federação Internacional de Basquetebol em Cadeira de Rodas.

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BOCHA

Um ano depois de a bocha se tornar conhecida no Brasil, em 1995, com a vitória de dois atletas brasileiros nos Jogos Parapaname-ricanos de Mar Del Plata, na Argentina, o estado de São Paulo era repre-sentado por uma entidade no lançamento do projeto “Boccia Para Por-tadores de Paralisia Cerebral Severa” – iniciativa da Associação Nacional de Desporto para Deficientes (ANDE), que fazia parte do Programa de Fomento Esportivo e reuniu ainda duas instituições do Paraná, cinco do Rio de Janeiro, uma do Mato Grosso do Sul e uma de Minas Gerais, em junho de 1996, em Curitiba (PR).A participação dos dois atletas foi por acaso. Inscritos para o atletismo, aceitaram participar de improviso da competição de bocha, com o objeti-vo de aprendizagem para posterior implantação da modalidade. De forma surpreendente, conquistaram o primeiro lugar em duas categorias. Iniciada no Clube dos Paraplégicos de São Paulo (CPSP) na década de 1990, a bocha foi implantada com sucesso em diversas cidades do es-tado. Segundo a professora de Educação Física e técnica de bocha do Tradef e Time São Paulo, Ana Carolina Lemos Alves, a modalidade vem se desenvolvendo por meio de iniciativas e projetos apoiados muitas vezes pelas prefeituras, como São José dos Campos, Caraguatatuba, Ferraz de Vasconcelos, Barueri e Itaquaquecetuba; e também por insti-tuições como o próprio CPSP e AACD (São Paulo), Advisa (Santos), APBS (Guarujá), Casas André Luiz (Guarulhos), APTS (Taboão da Serra), Sesi SP Suzano, Tradef e Ismel (Mogi das Cruzes).Do período inicial da modalidade, Ana Carolina lembra que os profissionais precisaram fazer algumas adaptações. “No começo a bolinha era de meia ou utilizávamos aquela de fisioterapia, uma vez que o material era muito caro. Na realidade, ele ainda tem um custo elevado, mas os incentivos ao esporte oferecidos pelo governo federal, como o bolsa-atleta, permitiram ao atleta adquirir os equipamentos e materiais necessários para a prática da modalidade”, avalia a técnica.Natural de Francisco Morato (SP), foi em Mogi das Cruzes, onde mora, que o bicampeão paralímpico, Dirceu Pinto, conheceu a bocha paralím-pica. “Foi paixão à primeira vista. Depois de cinco anos praticando a na-tação e sem a expectativa de atingir o alto rendimento, a bocha fez com

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que meu sonho de representar o Brasil numa paralimpíada revivesse”, conta o atleta do Tradef. Com uma doença degenerativa muscular, que começou a se manifestar quando tinha 12 anos, Dirceu iniciou na natação, mas a fraqueza muscular o impediu de treinar em alto rendimento. Em 2002, com 22 anos, foi convi-dado pelo professor Ronaldo Gonçalves de Oliveira a conhecer o esporte. “Ele estava implantando a bocha em Mogi das Cruzes e disse que eu tinha perfil. Experimentei e minha vida mudou. Com dois meses de treinamen-to, voltei de um torneio regional que aconteceu no Maracanãzinho (Rio de Janeiro) - com duas medalhas de ouro na minha categoria BC4. Foi uma grande felicidade, pois minha vida estava mudando. Depois de três anos preso em casa, agora tinha uma profissão – atleta”.Depois do primeiro título, as conquistas não pararam e as duas medalhas de ouro em sua estreia em Jogos Paralímpicos, em Pequim 2008, nas dis-putas individual e duplas (com Eliseu dos Santos) – feito repetido em Lon-dres 2012 - foram um marco não só para a carreira de Dirceu como para a bocha paralímpica brasileira. “Depois das medalhas, mudou bastante a percepção do esporte. A modalidade passou a ser vista com o respeito que não tinha antes”, avalia Ana Carolina.E, mesmo dono do bicampeonato paralímpico, a maior emoção de Dirceu ainda está por vir: participar de uma paralimpíada em seu país e com a sua torcida. “Estou fazendo uma preparação especial para os jogos do Rio. Ela começou no final de 2013 e envolve a parte física, tática e psicológica. Meu dia a dia é só de treinos e estou praticamente morando no Centro de Para-desporto de Mogi das Cruzes”. Para cumprir sua meta de conquistar mais dois ouros para o Brasil, uma equipe multidisciplinar com cerca de sete pro-fissionais o tem acompanhado bem de perto. “Ninguém faz nada sozinho e sou agradecido por todos que me apoiaram para chegar até aqui”, reforça. Para garantir essa infraestrutura, o atleta faz parte do Time São Paulo Para-límpico, parceria entre o governo estadual e o Comitê Paralímpico Brasileiro, e possui a bolsa-pódio (uma categoria do programa bolsa-atleta, do gover-no federal), além de patrocínios de empresas e órgãos públicos.

CURIOSIDADE PARALÍMPICAO “lawn bowls”, espécie de bocha sobre grama, foi o precursor do esporte nos Jogos Paralímpicos. Foi justamente no lawn bowls que o Brasil conquistou sua primeira medalha paralímpica: uma prata, com Robson Sampaio de Almeida e Luiz Carlos “Curtinho” nos Jogos de Heidelberg, na Alemanha, em 1972.

A bocha é um dos poucos esportes em que homens e mulheres jogam juntos, entre si, seja como adversários ou companheiros. E, ao lado do goalball, é um dos dois únicos esportes paralímpicos que não conta com um similar nos Jogos Olímpicos.

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Hoje, segundo a coordenadora técnica da seleção brasileira de bocha pa-ralímpica, Márcia Campeão, mais de 800 atletas estão na modalidade no país. No estado de São Paulo, o crescimento da bocha fez dele o único es-porte a ter um campeonato estadual. O evento, que é classificatório para o campeonato regional organizado pela ANDE, deverá reunir em 2016 quase 200 atletas – o que o torna a maior competição do mundo em número de participantes. Do campeonato paulista, são classificados 20 atletas de cada classe para o regional. Já para as competições nacionais, qualificam--se os cinco melhores do regional de cada classe; enquanto que para a Copa Brasil de Pares e Equipes, os atletas que ficam em até 4º lugar no regional ganham o direito de formar uma dupla ou equipe.

A BOCHA NO MUNDO

Existem muitas versões quanto à origem do jogo tradicional. A maior refe-rência é que seja uma adaptação para quadra fechada do jogo italiano de boliche em grama. Também praticado na Grécia Clássica, no início apenas como passatempo, e que a aristocracia italiana introduziu na corte floren-tina no século 16. Mas foi só na década de 1970 que o esporte foi adaptado por países nórdicos a pessoas com deficiência.A bocha estreou no programa paralímpico oficial em 1984, na cidade de Nova York, com disputas individuais no feminino e masculino. Até 1992, nas Paralimpíadas de Barcelona, era disputada em duas classes: C1 e C2, as duas somente para atletas com paralisia cerebral. Nos Jogos de Sidney 2000, as classes passaram a ter a denominação de BC, sendo que as dis-putas incluíram atletas até a classe BC3. Em Atenas 2004, estreou a classe BC4, voltada a atletas sem paralisia cerebral.

O BRASIL EM PARALIMPÍADASA primeira participação do Brasil em Jogos Paralím-picos com a bocha foi em Pequim 2008, quando con-quistou duas medalhas de ouro e uma de bronze com os atletas Dirceu Pinto e Eliseu dos Santos. Em Lon-dres 2012, foram três ouros e um bronze, com repeteco de Dirceu e Eliseu. A outra medalha de ouro foi do atle-ta Maciel Santos.

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FICHA TÉCNICA Descritivo: O jogo de bocha pode ser praticado individualmente, em du-plas ou em equipes, por pessoas com maior grau de comprometimento físico de ambos os sexos. Inicialmente era voltado apenas a pessoas com paralisia cerebral, com alto grau de comprometimento motor (os quatro membros afetados e uso de cadeira de rodas). Atualmente pessoas com outras deficiências também podem competir, desde que inseridas em classes específicas e que apresentem também o mesmo grau de defici-ência exigida e comprovada, por exemplo, distrofia muscular progressiva ou acidente vascular cerebral. É permitido usar as mãos, os pés, instru-mentos de auxílio e até ajudantes no caso dos atletas com maior compro-metimento dos membros.A partida é realizada com um conjunto de bolas de bocha (de tamanho menor que o da bocha convencional) que consiste em seis bolas azuis, seis bolas vermelhas e uma bola branca, em uma quadra, de tamanho 12,5m x 6m, especialmente marcada e de superfície plana e lisa. A sua finalidade principal é a mesma da bocha convencional, ou seja, encos-tar o maior número de bolas na bola-alvo. O jogo se inicia com o atleta arremessando, com o intuito de se conseguir que as suas bolas se apro-ximem o máximo possível da bola branca. Quando não houver mais bo-las a serem arremessadas, o árbitro determina a quantidade de pontos alcançados, pelo atleta ou equipe, baseado na medida da distância das bolas mais próximas da bola-alvo - quem acumular mais bolas próximas ao alvo, vence a partida. As regras do jogo de bocha são determinadas pela Associação Internacional de Esportes e Recreação para Paralisados Cerebrais (CP-ISRA) e revisadas a cada quatro anos, normalmente logo após as Paralimpíadas.A habilidade e a inteligência tornam-se fundamentais no desenvolvimen-to das jogadas, assistindo-se muitas vezes a um verdadeiro espetáculo de alternância da vantagem, pela aplicação de técnicas e táticas adequa-das e desenvolvidas a cada circunstância.

Classificação: os atletas são classificados em quatro classes distintas:• BC1: Atletas podem competir com o auxílio de ajudantes, que devem

permanecer fora da área de jogo do atleta. O assistente pode apenas estabilizar ou ajustar a cadeira do jogador e é permitida a função de entregar a bola ao jogador.

• BC2: Os jogadores não podem receber assistência.• BC3: Para jogadores com deficiências muito severas. Eles utilizam um

dispositivo auxiliar (calha) e podem ser ajudados por uma pessoa (cha-mada de “calheiro”), que deve permanecer na área de jogo do atleta, mas se manter de costas para os juízes e evitar olhar para o jogo.

• BC4: Para jogadores com outras deficiências severas, mas que não po-dem receber assistência.

*O termo BC significa Boccia Classification (classificação da bocha) e a numeração se refere ao grau de comprometimento motor do atleta.

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CICLISMO

Para entender como surgiu o ciclismo paralímpico no Brasil é preciso conhecer a trajetória de vida do paulista Rivaldo Gonçalves Martins, 56 anos, pioneiro da modalidade no nosso país. Era o ano de 1986 e Rivaldo, natural de Santos, sofreu um acidente de ônibus, quando acompanhava seus alunos de um colégio de Brasília (DF), onde trabalhava. Na época, Rivaldo já tinha se formado em Educação Física (for-mou-se pela Universidade de Brasília, a UnB), e a competição juvenil seria em Salvador (BA). O acidente, choque entre o ônibus e um caminhão, ocor-reu no interior da Bahia e o resgate levou praticamente 12 horas. “Demorou muito, estávamos meio distantes de tudo. Minha perna esquerda estava com uma hemorragia muito forte, não deu para salvá-la. Autorizei a am-putação abaixo do joelho, que ficou preservado graças a outras interven-ções cirúrgicas a que fui submetido”, conta Rivaldo, que nessa época já era atleta profissional de triatlo. Desde os 8 anos de idade praticava natação no Clube de Regatas Saldanha da Gama, na sua cidade natal.Com essa mesma idade, começou a participar de travessias em mar aber-to, foi o atleta mais jovem a completar uma travessia de 2 quilômetros. Dez anos depois, incorporou o polo aquático às suas atividades. E a bicicleta? “Sempre andei de bicicleta, era meio de locomoção e lazer. Meu pai, Anto-nio, foi um grande ciclista, participou de campeonatos paulistas e brasilei-ros. O engraçado é que ele não foi um incentivador da modalidade, achava perigoso, tinha tido uns acidentes, não queria o mesmo para os filhos”. No ano de 1984, Rivaldo conheceu o triatlo, então engatinhando em terras brasileiras. Em 1985, começou a competir e logo se tornou atleta de ponta, conquistando o campeonato brasiliense. Em 1986, vinha numa crescente. Em setembro, viu um filme do Ironman do Havaí (prova composta por 3,8 quilômetros de natação, 180 de ciclismo e 42 de corrida), e se impressio-nou com tudo, mas especialmente com um atleta, o primeiro a completar a prova com uma perna mecânica. Decidiu que iria fazer o Ironman, planejar seus treinos para que, em 1987, estivesse lá em condições de vitória. Po-rém, em outubro, o acidente com o ônibus e a consequente amputação. “Não esmoreci, muito pelo contrário. Em janeiro de 1987 já estava usando prótese e mantendo a ideia de participar do Ironman. A imagem daquele rapaz com a perna mecânica não saía da minha cabeça, se ele tinha con-seguido, eu conseguiria também”. Em 1990, foi para o Havaí, mas um tombo

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no percurso com a bicicleta acabou rachando sua prótese. Tentou continuar, mas no meio da maratona seu joelho começou a inchar, não encaixava mais na prótese, teve que abandonar a competição. Em 1991, procurou o Ministério do Esporte para saber sobre o triatlo paralímpico, mas foi informado que nada existia nesse senti-do. “Mas me esclareceram que as paralimpíadas tinham, além das provas de na-tação, provas de ciclismo”. Rivaldo ficou então entusiasmado com a ideia e acabou se tornando o primeiro atleta brasileiro de ciclismo paralímpico. Foi para Barcelona em 1992, fez duas finais na natação (6º lugar nos 400 metros livres e 8° lugar nos 100 metros livres, na sua categoria, a S10, de menor comprometimento físico). E no ciclismo, na prova de estrada, outra grande frustração em sua vida. Estava em primeiro lugar quando o pneu estourou e ele sofreu uma queda. “Tive que esperar a chegada do carro de apoio, perdi muito tempo, não consegui mais alcançar o pe-lotão da frente”. Em 1994, tornou-se campeão mundial no Mundial de Ciclismo pa-ralímpico, na prova do contra-relógio, em evento na Bélgica, levando a bandeira do Brasil para o lugar mais alto do pódio, de forma inédita. E em 1996, um pouco antes da paralimpíada de Atlanta (EUA), conheceu Romolo Lazzaretti, italiano radicado no Brasil, com carreira no ciclismo, e o convidou para ser seu técnico. “Terminei a prova de estrada em 8° lugar, é uma prova difícil, a estratégia das equipes vale muito, eu corria sozinho, era mais complicado”.Nesse mesmo ano, voltou a participar do Ironman do Havaí, onde finalmente com-pletou a prova, realizando então um sonho antigo. Rivaldo acabou, posteriormente, por participar e finalizar 22 provas de Ironman, sendo o recordista mundial entre amputados, com o tempo de 9 horas e 57 minutos, conseguido na Alemanha, em 2003. De volta ao ciclismo paralímpico, Rivaldo não participou da paralimpíadas em Sidney 2000, voltando aos jogos em 2004 em Atenas. Já com 44 anos, foi 6° na prova do contra-relógio e 9° na de estrada. Em 2006, assumiu cargo no CPB, sob a presidência de Vital Severino Neto, e passou a incrementar ainda mais a modalida-de, além de ter ajudado o professor Vanilton Senatore a criar os Jogos Paradespor-tivos Escolares, que se tornariam grandes celeiros de revelação de atletas. Basta dizer que Alan Fonteles, recordista mundial e campeão paralímpico dos 200 metros rasos surgiu para o mundo por conta dessa competição.Hoje, Rivaldo diz que o ciclismo paralímpico está muito forte no Brasil, opinião cor-roborada por Lazzaretti, atualmente diretor da equipe brasileira de ciclismo para-límpico. Romolo também foi responsável pelo crescimento do ciclismo paralímpico brasileiro, como Rivaldo. Atleta de ponta, tendo defendido a Itália na olimpíada de 1972 (Munique, Alemanha), técnico e empresário bem-sucedido no ramo de ciclis-mo, Lazzaretti admite que no início não conhecia quase nada do ciclismo paralím-pico. “Quando o Rivaldo me procurou pouco antes da paralimpíada de Atlanta 1996, fiquei um pouco receoso, era um campo que não conhecia direito, toda a minha carreira foi desenvolvida no ciclismo convencional”, afirma ele, que disputou pro-vas de ciclismo por 22 anos, entre 1964 e 1986. “Só para dar uma ideia do pionei-rismo do Rivaldo, os primeiros ciclistas paralímpicos depois dele só apareceram em 1997, cinco anos depois de Barcelona. Surgiram ciclistas em Minas Gerais, Goi-ás e Rio de Janeiro. A modalidade foi crescendo aos poucos, se expandindo para outros centros. Acredito que o ano da virada foi em 2004, quando começamos a organizar, com a ajuda do CPB, campeonatos nacionais pelo país. Envolvemos en-tidades como a ANDE (Associação Nacional de Desporto para Deficientes) e outras mais, especialmente de amputados, outras deficiências físicas, visuais e, até pouco tempo atrás, atletas com paralisia cerebral”, explica. O principal fator de desenvol-

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vimento do ciclismo paralímpico no Brasil foi a evolução mercadológica, segundo Lazzaretti. Passou-se a usar as paralimpíadas como uma marca, para ajudar a “vender” o ciclismo paralímpico. Recursos vieram do CPB (por meio do convênio com as loterias da CAIXA) e de empresas que abraçaram a causa. “Em 2004 fizemos um mapeamento pelo país e descobrimos que existiam 47 atletas praticando a modalidade, mas de forma precária.Hoje, 12 anos depois, temos 250 atletas, sendo que desses, 100 são atle-tas de alto rendimento e 10 fazem parte da elite do esporte. Muitos deles recebem bolsa-atleta, seja do Ministério do Esporte, seja do município que defendem. Existem torneios pelo ano, o principal deles é a Copa do Brasil. E, para ajudar na divulgação, provas de ciclismo paralímpico são realizadas junto com provas do ciclismo tradicional, como a 9 de julho, por exemplo. Isso ajuda demais na visibilidade”. Romolo elenca os estados de São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina como os principais centros do país. E cita quais são os principais desafios daqui para frente. ”O primeiro é divulgar pelo país todo, acabar com o preconceito. Muitas famílias de am-putados tratam seus filhos como em uma redoma, eles têm vergonha de tudo. Queremos acabar com isso, mostrar que a prática só traz benefícios. Outro ponto importante é a construção de mais velódromos. Hoje temos apenas três, em Indaiatuba (interior de SP), Caieiras (na Grande São Paulo) e na Universidade de São Paulo (USP). Mas eles estão longe do ideal, são de concreto, os velódromos pelo mundo são de madeira. Está sendo cons-truído um no Rio, para os eventos olímpicos e paralímpicos, mas é pouco. Basta ver o exemplo da Inglaterra, que construiu seis novos velódromos e hoje é uma potência na modalidade. A espetacular maioria dos atletas

O BRASIL NOS JOGOS PARALÍMPICOSA estreia brasileira na modalidade ocorreu em Barcelona 1992, com a participação de Rivaldo Martins. O atleta foi também o primeiro do país a ser campeão mundial, em 1994, na Bélgica. Apesar disso, o Brasil ainda não conquistou medalhas no ciclis-mo em Jogos Paralímpicos. Destaque para dois quartos lugares, um conseguido por Soelito Gohr, na prova de estrada, em Pequim 2008, e outro por João Schwindt (já falecido), na mesma prova, em Londres 2012. Apesar da falta de medalhas paralímpicas, são muitos os pódios em mundiais e parapans, tornando o Brasil uma das forças da modalidade.

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brasileiros treina em estradas, existe um déficit enorme para treinarmos em pista também”.Apesar de alguns problemas apontados, o cenário é promissor e são mui-tos os novos talentos. Romolo cita três em especial: Jade Malavazzi, do Pa-raná, paraplégica e que vai defender o Brasil na categoria “handcycling” (bi-cicleta de mão) no Rio, e os paulistas Rafael Silva, de Cordeirópolis e Lauro Chaman, de Araraquara, ambas cidades no interior do estado e que tam-bém estarão na Cidade Maravilhosa. Lauro Chaman, 28 anos, nasceu com o pé esquerdo virado para trás, além de apresentar atrofia e mobilidade reduzida nessa mesma perna. “Sofri quatro intervenções cirúrgicas para corrigir o pé. Mas minha infância foi normal, meus pais não me proibiam de nada. Jogava bola, brincava com outras crianças. De bicicleta, lembro de ter começado a andar com 4 anos de idade”, diz Lauro. Aos 11 anos começou a levar o ciclismo mais a sério, com 12 participou de sua primeira prova de mountain bike e, aos 14 anos, foi campeão paulista e brasileiro em sua categoria, competindo com garotos sem deficiência.Lauro passou a defender a equipe de Araraquara, a Fundação de Amparo ao Esporte do Município de Araraquara (FUNDESPORTE), até 2009, quan-do passou a integrar a equipe do Memorial de Santos, uma referência na modalidade. Lauro tem resultados impressionantes, tanto no ciclismo pa-ralímpico, onde compete na categoria C5, como no convencional. No ciclis-mo paralímpico, foi bicampeão mundial (2010 no Canadá e em 2014, nos EUA) em provas de estrada, conseguiu dois ouros (estrada e contra-re-lógio) e uma prata (pista, perseguição individual) no Parapan de Toronto, em 2015. E conquistou admiráveis 14 campeonatos brasileiros. No ciclismo convencional, foi campeão paulista em 2015. Ele está otimista para o Rio, tem treinado todos os dias, seguindo orientação de seu técnico, Claudio Diegues. “Ele fica em Santos e eu mais em Araraquara, conheço melhor as estradas daqui. Ele me passa uma planilha, com todo o planejamento. Trei-no todos os dias da semana, jornada dupla, manhã e tarde. Mas isso tudo vale a pena, vou competir nas provas de fundo e contra-relógio (estrada) e

CURIOSIDADE PARALÍMPICAO ciclismo paralímpico faz parte da prova de triatlo pa-ralímpico, que será incluída pela primeira vez nos jogos, na edição do Rio, em 2016. As provas terão exatamente a metade das distâncias percorridas no chamado triatlo olímpico. Serão 750 metros de natação, 20 quilômetros de ciclismo e 5 quilômetros de corrida. Rivaldo Martins é quem está na coordenação da modalidade, junto à Confe-deração Brasileira de Triatlo. “Será muito legal termos essa prova daqui em diante. Mas como tudo que é novo, precisa evoluir, especialmente no aspecto da classificação funcio-nal, que precisa ser mais bem elaborada, para evitar injus-tiças entre os competidores”, diz Martins.

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perseguição individual e prova contra-relógio (pista). Conquistar uma me-dalha no meu país teria um significado ainda maior”, afima Lauro Chaman, que agradece aos avós Antonio e Elvira e a mãe, Neuza, por todo o apoio que sempre lhe deram, desde o início. E, claro, também a Rivaldo Martins, o paulista que plantou a semente do ciclismo paralímpico no país, semente essa que cresceu e deu frutos fantásticos.

O CICLISMO PARALÍMPICO NO MUNDO

Praticado desde a década de 1980, o ciclismo paralímpico era destinado apenas aos atletas com deficiência visual. Nas paralimpíadas de Nova York 1984, foi estendido aos atletas com paralisia cerebral e aos amputados, mas apenas na edição de Atlanta 1996 as deficiências passaram a ser se-torizadas em categorias. O velódromo entrou para a programação naquele ano e, em Sidney 2000, foi exibido pela primeira vez o handcycling.

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FICHA TÉCNICA Descrição: Competem no ciclismo atletas de ambos os sexos, com paralisia cerebral, deficiência visual, amputados e com lesão medular. Esta modalidade pode ser praticada individualmente ou em equipe. As regras seguem, basicamente, as mesmas da União Internacional de Ciclismo (UCI), mas com pequenas alterações relativas à segurança e classificação dos atletas. As bicicletas podem ser de modelos con-vencionais ou triciclos para atletas com paralisia cerebral, segundo o grau de lesão. O ciclista cego compete em uma bicicleta dupla – conhecida como “tandem” – com um guia no banco da frente dando a direção. Para os cadeirantes, a bicicleta é chamada de handcycling, pois a mesma é “pedalada” com as mãos.

Classificação funcional:• C: Ciclismo (Cycling)• C1 a C5: Atletas com grau avançado a leve de defi-

ciência física.• LC: Locomotor Cycling (atletas com dificuldade de

locomoção)• LC1: Atletas com pequeno prejuízo em função da

deficiência, normalmente nos membros superio-res.

• LC2: Atletas com prejuízo físico em uma das per-nas, permitindo o uso de prótese para competição.

• LC3: Atletas que pedalam com apenas uma perna e não podem utilizar próteses.

• LC4: Atletas com maior grau de deficiência, nor-malmente amputação em um membro superior e um inferior.

• Tandem: Para ciclistas com deficiência visual (B1, B2 e B3). A bicicleta tem dois assentos e ambos ocupantes pedalam em sintonia. Na frente, vai um atleta sem deficiência e no banco de trás o atleta com deficiência visual.

• T: triciclo (tricycling). T1 e T2 – Atletas que usam bicicleta com três rodas (uma à frente e as demais nas laterais do assento) e se deslocam impulsio-nando as rodas com o toque das mãos.

• H: pedal nas mãos (handbike). H1 a H4 - Para atle-tas paraplégicos que utilizam bicicleta especial impulsionada com as mãos.

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Se existem modalidades paralímpicas que devem grande parte do seu sucesso a iniciativas realizadas em terras paulis-tas, algumas delas praticamente nasceram aqui. É o caso da esgrima em cadeira de rodas, que teve o brasiliense Valber Nazareth, 49 anos, como grande incentivador da modalidade no final dos anos 1990, quando apenas uma atleta, a carioca Andrea de Mello, defendia o Brasil em competições internacionais. Mas você pode estar se perguntando, qual o legado paulis-ta, uma vez que Valber é natural do Distrito Federal. A resposta é simples, pois ele veio muito pequeno para cá, com a família. “Sou de origem humil-de, meu pai era funcionário no Esporte Clube Banespa.Comecei a trabalhar na instituição como pegador de bola no tênis, e logo fiz amizades com meninos da minha idade”, diz Valber, nessa época com 12 anos. Pois foram esses colegas que falaram para ele da esgrima olímpica, modalidade que era praticada no clube. Na época, o treinador era o mestre Hugo Mattos, que percebeu nele um talento incomum. Valber acabou se tornando militante do Banespa e passou a defender o clube, primeiro na categoria infantil, depois na juvenil, até chegar à seleção brasileira adulta. Em 1997, porém, desligou-se do clube e passou a priorizar a vida acadêmi-ca, em detrimento da de atleta. Formou-se em Educação Física pela Facul-dades Metropolitanas Unidas (FMU) e posteriormente acabou trabalhando na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Foi lá, em 1998, que passou a trabalhar, de forma voluntária, no departamento de atividades motoras adaptadas.O contato mais constante com o universo das pessoas com deficiência o levou a pensar na possibilidade de utilizar o esporte que praticou durante anos, para ajudar na reabilitação e formação delas. Apesar de trabalhar em Campinas, morava em Pirassununga, também no interior do Estado. “Ia e vinha, era uma rotina intensa, mas que não me impediu de começar a prática da esgrima com surdos da APAE de Pirassununga. Depois passei a lecionar no Centro Universitário Hermínio Ometto (UNIARARAS) e comecei a traba-lhar com pessoas com deficiência física no Centro de Fisioterapia da insti-tuição, também de forma voluntária. Foi aí que comecei a pesquisar sobre a modalidade da esgrima em cadeira de rodas”. Depois de fazer contatos na Federação Brasileira de Esgrima, soube que a modalidade era regulada pela International Wheelchair and Amputee Sports Federation (IWAS) e que

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sua representante no Brasil, naquela época, era a Associação Brasileira de Desporto em Cadeira de Rodas, a ABRADECAR. Foi quando descobriu que a esgrima em cadeira de rodas no Brasil resumia-se a um único nome, de An-drea de Mello, carioca que defendeu o Brasil nas paralimpíadas de Atlanta 1996, Sidney 2000 e Atenas 2004. “Andrea morou nos Estados Unidos, ela tinha paralisia no hemisfério direito do corpo, conheceu o esporte lá.Quando fiz o contato com a ABRADECAR, acabaram me convidando para ser coordenador da modalidade, em nível nacional. Aceitei, mas eu já tinha um grupo de cinco atletas treinando comigo em Araras. Comecei então os dois trabalhos em paralelo”. A primeira experiência internacional desses atletas era para ser em 2002, durante uma etapa da Copa do Mundo. Mas a ABRADECAR alegou falta de recursos e Valber acabou indo sozinho, ape-nas para acompanhar Andrea. “Foi um começo difícil, a ABRADECAR tinha problemas com o Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), mas a viagem foi muito produtiva, porque lá tive o real conhecimento do nível da esgrima em cadeira de rodas no mundo. E posso falar que era um abismo que nos separava, tanto técnica, como financeiramente.Os equipamentos que usávamos em Araras eram adaptados, nem mesmo um fixador, elemento necessário para a prática da modalidade, tínhamos. Era algo bem improvisado mesmo”. Porém, ao invés de esmorecer, Valber fez o contrário. Conheceu técnicos estrangeiros, especialmente franceses. Começou a organizar os primeiros torneios nacionais, em 2002 e 2003, por meio de contatos que tinha no universo da esgrima olímpica. Em 2004, Valber passou a se preocupar com a disseminação de conhecimento para outros técnicos paulistas e mais alguns estados do Brasil. Foi aí que convi-dou o grande mestre francês, Jean Deleplanque, para ministrar uma clínica sobre a modalidade no país. A partir da clínica, algumas salas de esgrima passaram, não só em São Paulo, mas em outros estados também, a se interessar pela esgrima em cadeira de rodas. “Minha principal intenção era atrair técnicos envolvidos com a esgrima tradicional, para o universo da esgrima em cadeira de rodas, e isso nós fomos conseguindo aos poucos”.

O BRASIL NOS JOGOS PARALÍMPICOSAndrea de Mello defendeu o Brasil em três paralimpíadas, Atlanta 1996, Sidney 2000 e Atenas 2004, sem conquistar medalhas. Em 2004, deci-diu-se pela cidadania norte-americana e passou a defender os Estados Unidos. Não tivemos representantes em Pequim 2008, mas a grata sur-presa veio em Londres 2012. O Brasil faturou pela primeira vez uma me-dalha na modalidade, ouro com o gaúcho Jovane Guissone, que derro-tou os franceses Marc Cratere e Alim Latreche nas quartas de final e na semifinal, respectivamente. Na decisão, superou a disputa acirrada com Chik Sum Tam, de Hong Kong, por 15 a 14.

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Em 2004 e 2005 foram realizados os primeiros campeonatos brasileiros, mas com poucos atletas. Em 2005 foram sete atletas, sendo que dois de-les eram provenientes do grupo original de Araras, treinado por Valber. Ele, entretanto, chama a atenção para outro fator que viria a ser determinante para o progresso da modalidade no Brasil. “Em 2006, o CPB assumiu as modalidades ligadas a IWAS. Com isso, passamos a ter um novo plano de trabalho e mais recursos financeiros para desenvolvimento”. Isso se tradu-ziu em mais viagens e mais torneios internacionais.O esforço de Valber em disseminar conhecimento começou a surtir efeito e novos talentos surgiram em outros estados. Em 2007, finalmente o Brasil teve uma equipe representante em uma Copa do Mundo, com quatro atletas que foram para a Polônia, entre eles Eduardo Oliveira, aluno de Valber desde o iní-cio, em Araras. Em 2008, Valber organizou um segundo curso de capacitação, em Curitiba (PR), novamente com a presença de Deleplanque, além de outros profissionais renomados da modalidade, mas não tivemos participantes na paralimpíada de Pequim, nesse mesmo ano. Em 2009 iniciou-se um novo ci-clo paralímpico, com participação brasileira nos Jogos Mundiais organizados pela IWAS, na Índia. Novos talentos começaram a aparecer, como a gaúcha Daiane Peron. Foi em 2011, porém, que o Brasil conquistou sua primeira meda-lha em Copas do Mundo, em uma etapa no Canadá.O também gaúcho Jovane Guissone conquistou o bronze na espada, e pra-ta em outra etapa, na Alemanha, na sua classe, a “B1”. Em 2012, um mo-mento mágico para o esporte brasileiro. Guissone surpreende o mundo e conquista a medalha de ouro nas paralimpíadas de Londres. Essa é a única medalha da esgrima brasileira, seja ela olímpica ou paralímpica. O sucesso de Jovane deu mais impulso ainda à modalidade e o Brasil, desde então, se faz presente em todas as provas internacionais pelo ano. São cerca de 5 provas por ano e o Brasil chega a competir com 12 atletas, algo inimagi-nável até o início dos anos 2000. Na primeira edição da Copa do Brasil, em 2015, cinco estados enviaram representantes: São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais e Rio de Janeiro, num total de 45 atletas. Valber mostra-se esperançoso para o Rio 2016, mas sabe que o desafio é grande.

“É a elite do esporte que

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estará presente, mas de-pois do Jovane, podemos acreditar em

tudo”. Para ele, todavia, o desafio maior é difundir a esgrima em cadeira de rodas para outros estados da Federação. “O caminho é levar o conhe-cimento para associações de pessoas com deficiência em outros centros. É preciso investir na formação de novos treinadores, pelo país”. Em São Paulo, destaque também para o trabalho desenvolvido na UNICAMP, que formou mais um atleta paralímpico, Lenilson de Oliveira.O Esporte Clube Pinheiros, celeiro de grandes talentos, também investiu na modalidade. Um de seus atletas é Alex Souza, 40 anos. Alex nasceu com malformação, sua perna direita não se desenvolveu abaixo do joelho e ele não possui as extremidades (falanges), nos dedos do pé esquerdo. “Isso nunca foi problema para mim, sempre fui tratado como igual pela minha fa-mília, não havia distinção entre meus irmãos e eu. Minha infância foi normal, jogava bola, subia em muros, árvores, não cresci dentro de uma redoma, muito pelo contrário, fui preparado para enfrentar o mundo”, diz Alex que usa prótese desde os 3 anos de idade. Frequentou escolas regulares nor-malmente, até formar-se em Educação Física pela Universidade do Grande ABC (UniABC). O esporte adaptado entrou em sua vida aos 20 anos de idade. Primeiro praticou basquetebol em cadeira de rodas e voleibol paralímpico, mas foram experiências curtas. Logo depois começou a praticar atletismo, filiando-se ao Clube dos Paraplégicos de São Paulo, o CPSP.No início de sua trajetória, ainda competindo pelo atletismo, especializou--se em provas de velocidade, mas logo achou seu verdadeiro lugar nas provas de média e longa distância, as chamadas provas de rua. Em 1999, conquistou o primeiro lugar nos 10 quilômetros da Tribuna, em Santos (SP) e venceu a maratona de Nova York, no mesmo ano. Repetiu o sucesso, ga-nhando por quatro vezes a maratona de Lisboa (entre 2008 e 2011) e duas vezes a meia-maratona de Buenos Aires (2008 e 2011). Foi em 2010, quan-do participava do Projeto Próximo Passo, idealizado pela hoje deputada federal Mara Gabrilli, que conheceu a esgrima. “Apesar de ter conquistado grandes resultados nas provas de rua, sabia que seria muito difícil defen-der o Brasil numa paralimpíada, no atletismo. Esse foi um dos motivos que me fizeram tentar a esgrima em cadeira de rodas”. Depois do início duro no

CURIOSIDADESLíder dos duelos: O topo do ranking dos medalhistas na esgrima em cadeira de rodas pertence ao francês Christian Lachaud. O atleta subiu ao pódio nas edições de 1976, 1980, 1992, 1996 e 2000. Apesar de não ter o maior número de pódios nos Jogos Paralímpicos (13), atrás do compatriota Andre Hennaert (14) e do italiano Roberto Mar-

son (15), Lachaud ainda figura em primeiro lugar por ter uma medalha de prata a mais que Hennaert.

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Pinheiros, onde a cadeira era adaptada e os equipamentos ainda não eram os ideais, Alex começou a colher resultados. “Na minha primeira competi-ção, uma Copa do Brasil em Curitiba (PR), dei um toque apenas no meu ad-versário e logo fui eliminado. Fiquei muito frustrado com aquilo. Mas meu técnico, Marcos Cardoso, me estimulou, disse que no começo seria assim mesmo”. Alex perseverou e em 2011 mostrou todo seu talento, tornando--se campeão paulista e brasileiro no sabre. Em 2012 não foi a Londres, o próprio Alex considerava-se muito cru para uma competição de nível tão elevado como é uma paralimpíada. Mas ele só vem evoluindo e colhendo bons resultados. Sua vaga no Rio não está garantida, pois ele não possui um bom ranking internacional. ”Apesar da esgrima em cadeira de rodas estar se desenvolvendo cada vez mais, ainda faltam recursos para que eu possa disputar torneios internacionais, tenho competido mais pelo Brasil mesmo”. Mas a chance vai vir na seletiva que ocorrerá em maio de 2016, no Círculo Militar, em São Paulo. “Tenho me saído muito bem, se repetir as atuações que venho tendo em treinos e torneios nacionais, tenho certeza que meu sonho de defender o Brasil numa paralimpíada se tornará reali-dade”. Sobre medalha, acha difícil um pódio. “Mas nunca se sabe, vou dar meu sangue, tudo o que tenho. Hoje tenho boas condições de treinamento no Pinheiros e um ótimo técnico me acompanhando”.

A ESGRIMA EM CADEIRA DE RODAS NO MUNDO

Destinada a atletas com deficiência física, usuários de cadeira de rodas, a esgrima adaptada surgiu em 1953 e foi aplicada originalmente pelo médi-co alemão Ludwig Guttmann, o pai do movimento paralímpico. O primeiro torneio internacional de que se tem conhecimento são os Jogos de Stoke Mandeville, em 1954. A modalidade, uma das mais tradicionais, é dispu-tada desde a primeira edição dos Jogos Paralímpicos, em Roma (1960). A disputa segue as regras da Federação Internacional de Esgrima (FIE), mas é administrada pelo Comitê Executivo de Esgrima do Comitê Paralímpico Internacional (IPC), e regulada pela International Wheelchair and Amputee Sports Federation (IWAS).

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FICHA TÉCNICARegras: Em competição, as pistas medem 4 metros de comprimento por 1,5 metro de largura, e as cadeiras de rodas ficam fixas ao chão. Se um dos es-grimistas mover a cadeira, o combate é interrompido. Para cada prova, há uma proteção específica para o competidor e para as cadeiras, além de re-gras para a pontuação ser validada. Além disso, máscara, jaquetas e luvas de proteção são equipamentos obrigatórios. Existem três provas na esgrima: florete, espada e sabre. Em cada uma delas, as armas têm aproximadamente 87 cm. Nos combates com a espada e o florete, os pontos só são computados se a ponta da arma tocar o tronco do adversário. Já no sabre, tanto a ponta quanto a lâmina da arma quando tocadas no oponente garantem pontuação. Com relação à duração dos combates, em competições nacionais e interna-cionais, existe uma divisão por rodada, sendo os confrontos eliminatórios. Na primeira rodada, máximo de quatro minutos, vence quem marcar cinco pontos (toques). Nas etapas seguintes, cada enfrentamento tem três tempos de três minutos, com intervalo de um minuto entre cada tempo. Vence quem marcar 15 pontos ou tiver a maior pontuação ao fim do combate. Em caso de empate, temos uma prorrogação, com o chamado “golden score”, ou seja, vence quem conseguir dar o primeiro toque durante a prorrogação. Em com-petições por equipes, vence quem marcar 45 pontos ao fim dos combates.

Classificação: Os atletas são avaliados a partir de testes de extensão do tronco, da avaliação do equilíbrio lateral com membros superiores abdu-zidos com e sem a arma, da extensão do tronco com as mãos atrás do pescoço, entre outros.• Classe 1A – Atletas sem equilíbrio sentados, que têm limitações no bra-

ço armado, não possuem extensão eficiente do cotovelo em relação à gravidade e não possuem função residual da mão, fazendo com que seja necessário fixar a arma com uma atadura. É comparável à antiga ISMGF 1A, ou tetraplégicos com lesões medulares em níveis C5 e C6.

• Classe 1B – Atletas sem equilíbrio sentados e com limitações no braço ar-mado. Há extensão funcional do cotovelo, mas não há flexão dos dedos. A arma precisa ser fixada com uma bandagem. É comparável ao nível com-pleto de tetraplegia em nível C7.

• Classe 2 – Atletas com total equilíbrio sentados e braço armado nor-mal, com paraplegia do tipo T1/T9 ou tetraplegia incompleta com se-quelas mínimas no braço armado e bom equilíbrio sentados.

• Classe 3 – Atletas com bom equilíbrio sentados, sem suporte de pernas e braço armado normal, como paraplégicos da T10 à L2. Atletas tanto com amputação abaixo do joelho, lesões incompletas abaixo da D10 ou deficiências semelhantes podem ser incluídos nesta classe, desde que as pernas ajudem na manutenção do equilíbrio.

• Classe 4 – Atletas com um bom equilíbrio sentados e com suporte das extremidades superiores e braço armado normal, como lesões medu-lares abaixo da C4 ou deficiências semelhantes.

• Limitações mínimas – Deficiência dos membros inferiores semelhan-tes a amputações abaixo do joelho.

• No caso de lesões cerebrais ou mesmo em caso de dúvida, é necessário completar a avaliação observando o atleta durante o confronto.

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FUTEBOL

FUTEBOL DE 5

O Futebol de 5 é destinado exclusivamente a pessoas com deficiência visu-al, parcial ou total. Sendo assim, a história da modalidade no Brasil se con-funde com os primeiros institutos voltados para cegos no país. Nos anos 1950, três instituições se destacavam nesse cenário. No Rio de Janeiro, o Instituto Benjamin Constant. Em Minas Gerais, o Instituto São Rafael, este o primeiro a ser fundado no Brasil, em 1926. E em São Paulo, o Instituto Pa-dre Chico. Seu ano de fundação foi 1928, em maio, mais precisamente. Em 1929 chegaram as primeiras Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo, freiras, para a direção interna do Instituto, dando início às primeiras ativi-dades com trabalhos manuais e ensino do Sistema Braille. E em 1930 teve início a escola, no sistema de internato.Como qualquer instituição, a Padre Chico foi se transformando durante as décadas que se sucederam. Do caráter eminentemente assistencialista do início, passou a evoluir juntamente com a sociedade. Porém, nos anos 1950, a prática esportiva para cegos era muito pouco difundida, a mentalidade naquela época ainda era de preconceito, vendo a pessoa com deficiência como alguém com limitações, esquecendo-se de suas potencialidades. Portanto, relatos históricos afirmam que as primeiras atividades espor-tivas para cegos partiram deles mesmos. “Muitos cegos ouviam futebol pelo rádio, eram apaixonados pela modalidade, mas não existia ninguém para ensinar. Os primeiros relatos de jogos de futsal (na época chamado de futebol de salão) entre cegos atestam que as partidas eram disputadas com tampas de lata. O barulho da tampa era o direcionamento de que ne-cessitavam para sua diversão.Essa prática era comum no Instituto Padre Chico. E sua importância his-tórica é tremenda, já que foram essas iniciativas que acabaram levando o Brasil a ser potência mundial em modalidades voltadas para cegos dé-cadas depois”, explica o professor Mario Sérgio Fontes, primeiro brasilei-ro cego a se formar em Educação Física no Brasil (Fontes é formado pela Universidade Federal do Paraná) e com profunda ligação com o parades-porto para pessoas com deficiência visual no país desde os anos 1980. Um aspecto importantíssimo, que ajudou na consolidação do Futebol de 5 no país, foi a evolução da bola. Em 1960, apareceu a primeira bola adaptada.

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Era uma bola de couro, de capotão, que, quando esvaziada, permitia a realização de dois furos, entre o couro da bola e sua câmara interna. Nesses furos, era trans-passado um arame, repleto de tampinhas de refrigerantes, como um varal. Lon-ge do ideal, também produzia sons que orientavam os jogadores. Em 1978, outra evolução, agora com rebites sendo colados nos gomos das bolas. Somente nos anos 1980 é que começou a fabricação de bolas com guizos internos, como as que vemos atualmente.Um pouco antes disso, em 1974, foi realizada a primeira competição de futsal para pessoas com deficiência visual, com equipes de São Paulo, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul. Em 1979, o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Social or-ganiza suas primeiras olimpíadas e inclui o futsal para cegos entre as modalidades. Em 1980, de forma inédita, a modalidade foi incluída nas olimpíadas das APAEs, sendo nessa oportunidade as primeiras partidas jogadas com o guizo interno nas bolas. Nesse mesmo ano começa a aparecer um movimento nacional para organi-zar o desporto para cegos no Brasil. “Em 1981 foi fundada a Associação Brasileira de Desporto para Cegos (ABDC), que em 2010 tornou-se a Confederação Brasileira de Desporto de Deficientes Visuais (CBDV), que regula as modalidades voltadas às pessoas com deficiência visual pelo Brasil. A criação da ABDC foi um marco, passa-mos a ter campeonatos mais bem organizados, expansão para outros estados da Federação. Em 1990, foi implantado o projeto “Pintando a Liberdade”, no Paraná, em que presidiários começaram a fabricar bolas com guizos.O programa chegou a exportar bolas para 110 países do mundo. Quanta diferença das latas dos anos 1950”, explica Fontes. Na evolução da modalidade no estado de São Paulo, duas entidades se destacam. O Centro de Apoio ao Deficiente Visual (CA-DEVI), fundado em 1984, e ainda o Centro de Emancipação Social e Esportiva de Ce-gos (CESEC), fundado em 1985, ambos na capital. O CESEC foi fundado por um grupo de pessoas com deficiência visual, que buscava a integração por meio do esporte. A primeira modalidade introduzida foi o Futebol de 5, organizado no mesmo ano da fundação. Estabeleceu-se uma relação com o Instituto Padre Chico, crianças que es-tudavam na instituição passaram a frequentar o CESEC. Naquela época foi firmado um convênio com o Clube Democrático, localizado no bairro do Ipiranga (zona sul da capital paulista), que cedeu a quadra para os primeiros treinamentos. “Fizemos um

O BRASIL NOS JOGOSSimplesmente 100% de aproveitamento! Três paralimpíadas, três ouros! Na estreia em 2004, a decisão foi contra os rivais argentinos. A Seleção ficou com o topo do pódio ao bater os sul-americanos por 3 a 2. Na edição seguinte, em Pequim, a briga pela láurea dourada se deu contra os donos da casa. Em partida disputada, o Brasil fi-cou com o bicampeonato ao batê-los por 2 a 1. A hegemonia verde e amarela seria consolidada quatro anos mais tarde, nos Jogos Para-límpicos de Londres. A terceira conquista consecutiva ocorreu após o triunfo por 2 a 0 sobre os franceses, em jogo na capital britânica.

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acordo, a quadra era cedida de graça. Montamos dois times e começamos os treinamentos”, diz Irineu Itiro, fundador do CESEC e seu atual presidente. Logo o time deslanchou e em 1986 e 1987, foi vice-campeão brasileiro da modalidade. Em 1991 e 1996, dois campeonatos nacionais, pondo o CESEC definitivamente em destaque no paradesporto nacional. Desde a funda-ção, mais de cem atletas passaram pelo clube, além de originar outras en-tidades, formadas por fundadores dissidentes. Existe um trabalho de base com crianças entre 6 e 12 anos, além da formação dos times adultos. Toda a estrutura é fornecida às crianças, com médico, treinadores, equipamento, alimentação e transporte. Atualmente os treinamentos são no Centro Edu-cacional da Mooca (zona leste de São Paulo), em outro convênio firmado pelo CESEC. O CADEVI também possui ótima estrutura até os dias de hoje, porém parou com as atividades relacionadas às modalidades paralímpicas (ver capítulo Judô). Mesmo assim, é inegável sua colaboração histórica para a modalidade, basta ver que já em 1985 participou dos Jogos Sul-Brasileiros para atletas com deficiência visual e ainda dos Jogos Regionais Leste, onde se tornou vice-campeão da competição.O CADEVI participou de campeonatos de Futebol de 5 até 2000, com des-taque para cinco vice-campeonatos nacionais (1986, 1987, 1992, 1996 e 1998). No ano de 1998, inclusive, participou do Mundial de Clubes da cate-goria, que aconteceu em Paulínia (interior de São Paulo). O trabalho reali-zado na capital rendeu frutos e hoje cidades como Campinas, São José dos Campos, Sorocaba e Santos passaram a ter times de Futebol de 5 também. No Brasil, os campeonatos regionais e nacionais organizados pela ABDC proliferaram a modalidade pelos quatro cantos do país. Destaque para os estados do Paraná, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Minas Gerais e Espírito Santo. Em 1988, aconteceu nossa primeira participação em um torneio internacional, na Espanha. Na década de 1990 e no início do século 21, um boom fez com que o Futebol de 5 viesse a se tornar, nos

FICHA TÉCNICAComo é disputado: O futebol de 5 é exclusivo para cegos ou pessoas com deficiência visual. As partidas normalmente são em uma quadra de futsal adaptada, mas desde os Jogos Paralímpicos de Atenas também têm sido praticadas em campos de grama sintética. O goleiro tem visão total e não pode ter participado de competições oficiais da Fifa nos últimos cinco anos. Junto às linhas laterais, são colocadas bandas que impedem que a bola saia do campo. Cada time é formado por cinco jogadores – um goleiro e quatro na linha. Diferentemente de um estádio convencional de futebol, as partidas de futebol de 5 são silenciosas, em locais sem eco. A bola tem guizos internos para que os atletas consigam localizá-la. A torcida só pode se manifestar na hora do gol. Cada jogador usa uma venda nos olhos e, se tocá-la, cometerá uma falta. Com cinco infrações, o atleta é expulso de campo e pode ser subs-tituído por outro jogador. Há ainda um guia, o chamador, que fica atrás do gol, para orientar os jogadores, e que diz onde devem se posicionar em campo e para onde devem chutar. O jogo tem dois tempos de 25 minutos e intervalo de 10 minutos. No Brasil, a modalidade é administrada pela CBDV.

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Classificação: Em Jogos Paralímpicos, esta modalidade é exclusivamen-te praticada por atletas da classe B1 (cegos totais) que não têm nenhuma percepção luminosa em ambos os olhos; ou têm percepção de luz, mas com incapacidade de reconhecer o formato de uma mão a qualquer distância ou direção.Os atletas são divididos em três classes que começam sempre com a letra B (blind, cego em inglês).• B1: Cego total: de nenhuma percepção luminosa em ambos os olhos até a

percepção de luz, mas com incapacidade de reconhecer o formato de uma mão a qualquer distância ou direção.

• B2: Jogadores já têm a percepção de vultos. Da capacidade em reconhecer a forma de uma mão até a acuidade visual de 2/60 e/ou campo visual in-ferior a 5 graus.

• B3: Os jogadores já conseguem definir imagens. Da acuidade visual de 2/60 a acuidade visual de 6/60 e/ou campo visual de mais de 5 graus e menos de 20 graus.

anos seguintes, a mais bem-sucedida modalidade paralímpica no país, com três ouros em paralimpíadas, além de um tetracampeonato mundial, sendo que o primeiro desses títulos veio em 1998, quando o Mundial foi disputado no Brasil. Esse sucesso também se deve à maior exposição da modalida-de na mídia, tornando-a cada vez mais conhecida.

O FUTEBOL DE 5 NO MUNDO

Não se tem ideia exata de quando o Futebol de 5 começou a ser praticado pelo mundo, mas o que se sabe é que ele nasceu em escolas, num modelo muito parecido com o do Brasil, sendo praticado por crianças com deficiên-cia visual, como uma alternativa para o lazer e a socialização. Somente em 1996 ele foi incorporado pela Interna-tional Blind Sports Federation (IBSF) e em 1997, foi disputado o primeiro campeonato europeu da modalidade. No ano seguinte, em 1998, o primeiro mundial, no Brasil, onde começamos a mostrar nossa total hegemonia. O Futebol de 5 estreou em paralimpía-das em 2004, Atenas.

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FUTEBOL DE 7

Apesar de o Futebol de 7, destinado a homens com paralisia cerebral, ter nascido na Escócia em 1978, foi somente 10 anos depois, em 1988, logo após a paralimpíada de Seul, que ele começou a ser praticado no Brasil. O pioneiro nessa iniciativa foi Ivaldo Brandão Vieira, carioca envolvido com o paradesporto desde 1982 e com forte ligação com a Associação Nacional de Desporto para Deficientes (ANDE), instituição na qual trabalha desde os anos 1980 e da qual foi presidente entre 2001 e 2013. Atualmente, Ivaldo é o vice-presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB). “Fomos para a pa-ralimpíada de Seul com a ideia de trazer novas modalidades paralímpicas para o país. Havia uma demanda muito forte relacionada com o futebol. No evento, tive mais contato com a modalidade e resolvemos introduzi-la por aqui”, explica Brandão.Começou praticamente do zero, envolvendo a própria ANDE, além da As-sociação Niteroiense dos Deficientes Físicos (Andef) e o próprio Clube do Otimismo, uma das instituições pioneiras no paradesporto no Brasil, tam-bém situada no Rio de Janeiro. “Não havia praticantes, simplesmente. Co-meçamos a buscar pessoas com paralisia cerebral que pudessem exercer a modalidade, fosse por puro lazer e para ajudar na reabilitação, fosse para formar atletas de alto rendimento. Nós sempre tivemos a ideia de que era possível montar uma seleção forte, apoiada em uma boa estrutura. Sendo assim, procuramos primeiro entidades do Rio de Janeiro. Depois, passa-mos a procurar outras entidades pelo país”. Foi dentro desse contexto que Brandão conheceu o professor e doutor João Gilberto Carazzato, em um seminário esportivo no início dos anos 1990. O paulistano Carazzato era, à época, chefe do Departamento de Paralisia Cerebral do Hospital das Clíni-cas (HC), localizado na capital paulista. “Brandão soube por intermédio de outras pessoas do trabalho que desenvolvíamos no HC, para crianças com paralisia cerebral. Nós conversamos e passamos a interagir, mesmo que à distância. Foi dessa forma que o HC, e posteriormente outras entidades paulistas, começaram a colaborar com o Futebol de 7”, fala Carazzato. A

CURIOSIDADE PARALÍMPICAA semifinal paralímpica de 2004 pôs frente a frente os dois maiores rivais do futebol mundial, Brasil e Argentina. O resultado foi fantástico para nós, uma goleada por 4 a 1. Porém, como já ocorreu muitas vezes em jogos entre os dois países, uma briga generalizada aconteceu. O zagueiro Leandro Marinho, o meio-campista Flávio Dino e o atacante Luciano Rocha participaram do conflito e foram expulsos aos 28 mi-nutos do segundo tempo, quando o placar apontava 4 a 0 para o Brasil. O jogo continuou, o Brasil com 4 jogadores e a Argentina com seis, só Mario Sosa foi expulso do lado dos “hermanos”. Mesmo em desvan-tagem numérica, o Brasil soube segurar a vantagem, sofrendo um gol apenas. Porém, os desfalques foram sentidos na final, especial-mente de Luciano Rocha, considerado na época o principal jogador de Futebol de 7 do mundo. Na decisão do ouro fomos goleados pela Ucrânia pelo mesmo placar do jogo contra a Argentina, 4 a 1.

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importância do trabalho de Carazzato é tão grande, que transpõe o uni-verso do paradesporto, tema principal desta publicação. Foi em 1978 que ele introduziu, de forma pioneira no país, a terapia esportiva para pessoas com paralisia cerebral, especialmente para crianças. É dele também a ini-ciativa da criação da cadeira de Medicina Esportiva, na Faculdade de Me-dicina de São Paulo (USP). “Recebíamos muitas crianças no HC, a maioria delas com comprometimentos sérios. E não falo apenas das deformidades físicas que porventura pudessem existir, mas também do aspecto psico-lógico. Meninos e meninas chegavam agarrados à mãe, não tinham auto-nomia quase que nenhuma. O procedimento era sempre o mesmo. Fazía-mos uma avaliação do quadro e, quando necessário, intervenções cirúrgicas eram realizadas. Depois disso, começava-se o período de recuperação. Foi nessa etapa que decidimos incluir modalidades esportivas como elemento primordial no tratamento dessas crianças. E ainda fizemos um intercâmbio profícuo com a AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente) nesse sentido”, explica Carazzato. Corridas, arremesso de peso, basquetebol, han-debol, queimada e futsal eram as atividades praticadas pelas crianças, mui-tas delas morando na periferia de São Paulo, e que chegavam ao HC por vol-ta das 7 da manhã. “Era um grande sacrifício, tanto para a mãe, como para o filho. Imagine a que horas tem que acordar alguém que mora a mais de trinta quilômetros de distância de um lugar, para chegar logo pela manhã ao local pretendido”, diz Carazzato. Ao final do ano, uma olimpíada é realizada. Esse modelo apresentado permanece até hoje, são 38 edições das olimpíadas para atletas com paralisia cerebral no HC. Os benefícios são inúmeros, como explica o doutor Carazzato. “Temos a melhora no aspecto psicológico, pro-gressos na condição cardiovascular como um todo, do sistema respiratório também, evolução significativa da coordenação motora, diminuição dos dé-

O BRASIL NOS JOGOS PARALÍMPICOSEm Barcelona 1992, o Brasil estreou nos Jogos Paralímpicos e ficou em sex-to lugar. Na Paralimpíada de Atlanta 1996, a seleção brasileira ficou em pe-núltimo lugar na classificação geral. Quatro anos depois, em Sidney, virou o jogo e conquistou o terceiro lugar geral. Nos Jogos Paralímpicos de Atenas 2004, o Brasil se superou mais uma vez e conquistou a medalha de prata, deixando para trás potências como a Rússia, Estados Unidos e Argentina. Nas duas últimas paralimpíadas o Brasil terminou na quarta colocação.

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ficits funcionais dos membros afetados, reflexos mais rápidos e prevenção de fraturas. Além da socialização, da introdução ao conceito de competição, disciplina e companheirismo, tudo vem junto”. Seus trabalhos de mestrado e doutorado são intimamente ligados ao tema, o primeiro estabelecendo um teste de avaliação do quadro do atleta com paralisia cerebral e o segundo, uma revolução cirúrgica. “Fomos os primeiros no mundo a fazer operações simultâneas de joelho, quadril e pé, em ambos os lados do corpo. Antiga-mente eram seis intervenções separadas e dois anos de recuperação. Hoje temos uma única intervenção e um ano de recuperação”, explica Carazzato. Milhares de crianças foram atendidas nesses 38 anos, muitas delas alcan-çaram a faculdade, o mercado de trabalho, têm uma vida com qualidade. E muitas delas mostraram talentos para esportes, especialmente o futsal. Da relação entre Carazzato e Brandão, formou-se um time de futsal do HC e, posteriormente, um time de Futebol de 7, que se deslocou ao Rio em meados dos anos 1990, para participar de um dos primeiros campeonatos brasileiros da categoria. Nessa época, o cenário nacional já era bem diferente, graças aos esforços de Brandão e outros abnegados.O Brasil já havia participado de uma paralimpíada na modalidade, em Bar-celona 1992 e o Futebol de 7 se expandia. No estado de São Paulo, além da capital, Santos (litoral sul paulista), Suzano e Mogi das Cruzes (ambas no interior) começaram a vivenciar a experiência de formar times. Outros estados também adotaram a prática, destaque hoje para o pioneirismo do Rio de Janeiro, e o desenvolvimento posterior em São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e Paraná. Porém, atualmente, a mo-dalidade está presente em quase todos os estados da Federação, muito pela sua inclusão nos Jogos Paradesportivos Escolares, em que participam milhares de escolas por todo o país, evento esse organizado pelo CPB.Hoje existem campeonatos estaduais e nacionais, sendo que esse possui duas divisões, com 8 clubes na primeira e 6 na segunda. “Outro fator deter-minante para o crescimento do Futebol de 7 foi a Lei Piva e o repasse de ver-bas para a Confederação Brasileira de Clubes (CBC). Parte dessa verba preci-sa, necessariamente, ser usada em alguma modalidade paralímpica. Times como Corinthians e Santos, em São Paulo, e Botafogo e Vasco da Gama, no Rio, montaram times de Futebol de 7, dando ainda mais visibilidade ao es-porte”, explica Brandão, que considera grandes as chances de medalha do Brasil, em 2016. Um dos membros da seleção brasileira foi beneficiado com a entrada de grandes clubes na modalidade. Evandro de Oliveira, 25 anos, nasceu em Santo André (SP) com paralisia cerebral. Suas sequelas eram mais aparentes no braço direito, mas isso não o impediu de jogar futebol desde moleque. “Sempre joguei bola, tive uma infância sem muitas restri-ções”, afirma Evandro. Depois, mudou-se para Poá (interior de São Paulo), onde começou a disputar campeonatos de várzea. Um observador viu sua qualidade técnica como jogador e quando soube que tinha paralisia cerebral, imediatamente convidou Evandro para um teste na equipe de Futebol de 7 do SESI/Suzano. Fez o teste e foi aceito, isso no ano de 2012. Pelo time, con-quistou o campeonato brasileiro da série B e foi o artilheiro da competição. Nesse mesmo ano de 2012, veio a primeira convocação para a Seleção Bra-sileira, onde atua até hoje, como ala e atacante. Suas atuações chamaram a atenção do Vasco da Gama (RJ) e Evandro acabou se transferindo para lá

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FICHA TÉCNICADescrição: O futebol de 7 é praticado por atletas do sexo masculino, com paralisia cerebral, decorrente de sequelas de traumatismo cranioencefálico ou acidentes vasculares cerebrais. As regras são da FIFA, mas com algumas adaptações feitas pela Associação Internacional de Esporte e Recreação para Paralisados Cerebrais (CP-ISRA). O campo tem no máximo 75m x 55m, com balizas de 5m x 2m e a marca do pênalti fica a 9,20m do centro da linha de gol. Cada time tem sete jogadores (incluindo o goleiro) e cinco reservas. A partida dura 60 minutos, divididos em dois tempos de 30, com um intervalo de 15 minutos. Não existe regra para impedimento e a cobrança lateral pode ser feita com apenas uma das mãos, rolando a bola no chão. Os jogadores pertencem às classes menos afetadas pela paralisia cerebral e não usam cadeira de rodas. No Brasil, a modalidade é administrada pela Associação Nacional de Desporto para Deficientes (ANDE).

Classificação: Os jogadores são distribuídos em classes de 5 a 8, de acor-do com o grau de comprometimento físico. Quanto maior a classe, menor o comprometimento do atleta. Durante a partida, o time deve ter em campo no máximo dois atletas da classe 8 (menos comprometidos) e, no mínimo, um da classe 5 ou 6 (mais comprometidos). Os jogadores da classe 5 são os que têm o maior comprometimento motor e, em muitos casos, não conseguem correr. Assim, para estes atletas, a posição mais comum é a de goleiro. Vale lembrar que a paralisia cerebral compromete de variadas formas a capaci-dade motora dos atletas, mas, em cerca de 45% dos indivíduos, a capacidade intelectual não é comprometida.

no final de 2013. “Para mim foi uma grande alegria poder vestir a camisa de um grande clube do futebol nacional. Graças a Deus tudo vem dando certo, fui bicampeão brasileiro com a equipe do Vasco da Gama, em 2014 e 2015, e campeão do Rio-São Paulo em 2016”, fala o atleta. Na seleção também conquistou muitos títulos, com destaque para o terceiro lugar no Mundial na Inglaterra em 2015, e a conquista que considera a mais importante até agora, dos jogos Parapanamericanos em Toronto (Canadá) em que foram campeões invictos, trazendo a medalha de ouro para o Brasil. Sobre os trei-nos para o Rio 2016, Evandro diz que todos os meses uma etapa é realizada, cada qual em cidades diferentes pelo país. “Os treinos são muito fortes, mas cada segundo vale a pena. Meu pensamento e o dos meus companheiros é trazer a inédita medalha de ouro”.

O FUTEBOL DE 7 NO MUNDO

Em 1978 surgiu o futebol de 7 para atletas com paralisia cerebral. Foi na cidade de Edimburgo, na Escócia, que aconteceram as primeiras partidas. A primeira paralimpíada em que a modalidade esteve presente foi em Nova York, em 1984. Naquela ocasião, a Bélgica ficou com a medalha de ouro, batendo a Irlanda na final por 1 a 0. Seis times participaram da primeira edi-ção. Em Londres 2012, foram oito times, com as principais forças ocupando o pódio: Rússia, Ucrânia e Irã.

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O goalball foi criado em 1946 pelo austríaco Hanz Lorezen e o alemão Sepp Reindle, com o objetivo de reabilitar veteranos da Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945) que perderam a visão durante esse terrível confronto. Porém, foi somente em 1985, quando Steven Du-bner, americano radicado no Brasil, trouxe a primeira bola de goalball que a modalidade começou a se desenvolver por aqui. A história de Dubner na verdade transcende o goalball e se confunde com a evolução do parades-porto no Brasil, especialmente em São Paulo. Formado em Educação Físi-ca pela Faculdades Integradas de Santo André (FEFISA), Dubner começou dando aulas de basquetebol em um clube da capital paulista. Foi quando, no início dos anos 1980, foi procurado por um cadeirante e questionado se era possível para ele praticar o basquetebol em cadeira de rodas.Apesar da modalidade já ter adeptos no Brasil desde os anos 1950, Steven nada sabia sobre paradesporto. Mas só até aquele dia. Curioso, com gran-de espírito empreendedor e aventureiro, começou a se envolver com esse universo. Em 1984, passou a treinar o time de basquetebol em cadeira de rodas do Clube dos Paraplégicos de São Paulo (CPSP), além de se envolver com atletismo e natação, que engatinhavam no país, naquela época. Nesse mesmo ano, foi como um dos técnicos da delegação brasileira nas para-limpíadas, que aconteceram em Nova York (EUA) e Stoke Mandeville (In-glaterra). Na Inglaterra competiram os atletas em cadeira de rodas e nos EUA os com outras deficiências. ”Tudo era muito precário no Brasil nessa época, trouxe 12 cadeiras de rodas de basquetebol para competições, mas banquei do meu bolso. Arrumar patrocínio para atletas com deficiência era tarefa quase impossível”, conta ele.Nesse mesmo ano, Steven ajudou a fundar o Centro de Apoio ao Deficiente Visual (CADEVI), passando a interagir diretamente com a deficiência. “Pro-curei o Instituto Padre Chico e falei do CADEVI, para divulgarmos entre os alunos de lá. Primeiro apareceram uns dez, depois vinte, depois cinquenta, o negócio foi tomando corpo”, fala Dubner com satisfação. Foi nesse contexto, no ano de 1985, que Steven foi aos Jogos Mundiais de Cegos e conheceu o goalball. “Achei muito interessante e, de imediato, tive como objetivo iniciar a divulgação da modalidade pelo país”, diz Dubner, que é palestrante e fun-dou, em 1996, a Associação Desportiva para Deficientes (ADD), em conjunto com Eliane Miada. Miada até hoje está no comando da ADD, com destaque

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para o time de basquetebol em cadeira de rodas, o Magic Hands, além de outras inúmeras atividades oferecidas pela instituição (ver capítulo História). Voltando ao ano de 1985, uma das primeiras pessoas que Steven procurou foi o professor Mario Sérgio Fontes (ver capítulo do Futebol de 5), talvez a principal figura histórica do paradesporto para atletas com deficiência visual no Brasil, pelo seu pioneirismo. “Mario é de Curitiba (PR), e já estava na pre-sidência da Associação Brasileira de Desporto para Cegos (ABDC). Ninguém melhor que ele para ajudar na expansão da modalidade”, conta Steven. Fon-tes, à época, travava embate com o Conselho Nacional do Desporto (CND), que havia determinado, de forma autoritária, que todas as modalidades vol-tadas a cegos no país fossem coordenadas pelo Instituto Benjamin Cons-tant, do Rio de Janeiro. “Tínhamos fundado a ABDC em 1981, mas era como se ignorassem sua existência. O Instituto Benjamin Constant, apesar de voltado a pessoas com deficiência visual, é dirigido por videntes. Entidades de cegos pelo Brasil se rebelaram e a ABDC voltou a ter a autonomia que sempre quis ter”, afirma Mario Sérgio. Com essa mesma determinação, passou a ajudar Dubner na divulgação da modalidade.Foi em 1986, quando Mario Sérgio foi ao Mundial de Goalball, que o jogo re-almente ficou conhecido, nos seus detalhes, com regras, técnicas, táticas e tudo o mais. “Steven tem participação decisiva no aparecimento do goal-ball por aqui, mas ele desconhecia os pormenores do jogo. Só fomos ficar sabendo desses detalhes durante o Mundial, que foi na Holanda”, explica Mario Sérgio. Em 1987, já ocorreu o primeiro Campeonato Brasileiro da ca-tegoria. O CADEVI já estava nesse campeonato (aliás, o CADEVI começou a participar de campeonatos desde 1985, evidenciando seu pioneirismo na modalidade), em que conquistou a 3ª colocação. A instituição ainda par-ticiparia de campeonatos até 1997. Destaque para os vice-campeonatos nacionais de 1992 e 1993. A modalidade é de fácil execução e entendimen-to, o que facilitou sua expansão. Mas o boom pelo país começou mesmo quando o Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) foi criado, em 1995. A funda-ção do CPB trouxe recursos financeiros e a possibilidade de orçamentos específicos para cada modalidade paralímpica.Com isso, as entidades de atletas com deficiência visual pelo país foram se fortalecendo, campeonatos estaduais, regionais e nacionais foram sendo montados e hoje a modalidade está presente em todos os estados da Fe-deração, sendo que São Paulo é a grande força. São disputados pelo Brasil campeonatos organizados pela Confederação Brasileira de Desporto de Deficientes Visuais (CBDV), que substituiu a antiga ABDC em 2010. Temos vários regionais, entre eles o Regional Sul, Regional Centro-Norte, Regio-nal Nordeste, Regional Sudeste I e Regional Sudeste II, sendo esse último destinado exclusivamente a instituições paulistas, tamanho o número de equipes no Estado que praticam o goalball. Esses regionais classificam para a Copa Caixa Loterias de Goalball, o campeonato nacional da cate-goria que, na edição de 2015, contou com 14 equipes. Existe uma federa-ção paulista da modalidade, a Federação Paulista de Desporto para Cegos (FPDC), que também engloba as modalidades de atletismo, futebol de 5, judô, natação e xadrez. Para se ter uma ideia, o Campeonato Paulista mas-culino de goalball foi disputado por 8 equipes em 2015, apenas contando a fase final. Participaram da competição: Sesi de Mogi das Cruzes; ADVVALE,

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de Taubaté; Santos Futebol Clube, de Santos; CESEC, de São Paulo; Instituto Athlon, de São José dos Campos; CIADEVA, de Taboão da Serra; APADV, de São Bernardo do Campo e o Lar das Moças Ce-gas, de Santos. Na categoria feminina, mais quatro equipes: Sesi de Mogi das Cruzes; Instituto Athlon, de São José dos Campos; APADV, de São Bernardo do Campo e o Lar das Moças Cegas, de Santos. A semente, ou a bola, que Dubner trouxe em 1985 germi-nou e vem gerando frutos. Uma das atletas da seleção brasileira, a paulistana Simone Camargo, 39 anos, experimentou muito da evolução da modalidade. Simone nasceu com glaucoma e tinha apenas 10% de visão nos olhos quando levou uma bolada em brincadeira com amigos, aos 12 anos, e ficou cega.Seis anos depois, conheceu um amigo que lhe falou do Centro de Emancipação Social e Esportiva de Cegos (CESEC). “Eu frequentei na minha infância o Instituto Padre Chico, mas depois só estudei em escolas regulares. Foi na época em que cursava o Ensino Mé-dio que me falaram do CESEC”. Lá conheceu várias modalidades esportivas, mas foi o goalball e o atletismo que conquistaram seu coração. No atletismo, Simone disputou duas paralimpíadas, em Atenas 2004 e Londres 2012, em que fez duas finais paralímpicas nos 200 metros rasos, alcançando o 5° lugar em 2004. No goalball, ela defendeu primeiro o time do CESEC, para depois se mudar para Maringá (PR), e jogar pelo time da ADEVIMAR, onde permaneceu en-tre 1996 e 1999. Depois voltou para o CESEC onde ficou até 2006. En-tre 2007 e 2012, foi atleta da APADV, de São Bernardo do Campo. Em 2013, foi para o Sesi, onde permanece até hoje. Nessa peregrinação, conquistou nada menos do que dez campeonatos brasileiros, sendo um com o Sesi, três com a APADV, dois com a ADEVIMAR e quatro com o CESEC. “Minhas atuações acabaram me levando à Seleção Brasileira muito cedo, minha primeira convocação foi em 1995. Mas, nessa épo-ca, minha vida estava uma loucura, eu me dividia entre o goalball e o atletismo. Comecei a trabalhar, depois me casei (tem um filho de 7 anos, Thiago), era tudo muito intenso, bem corrido. Apesar de sempre ter jogado

goalball, não fui convocada para a seleção por um bom tempo. Só voltei em 2001, quando se iniciava o ciclo de Atenas. Nesse ano fomos bronze no Parapan dos EUA (Carolina do Sul), foi a primeira medalha internacional do goalball feminino”, conta Simone, que é formada em Psicologia pela Facul-dade São Marcos, em mais uma prova de que os obstáculos existem para todos, mas basta procurar seu próprio caminho para conseguir qualidade de vida e o sucesso. Em 2002, participou do Mundial da categoria, pro-movido pela International Blind Sports Association (IBSA) que aconteceu no Rio de Janeiro, em que o Brasil ficou com o 6° lugar, mostrando já uma evolução técnica e tática incrível. Em 2003, novamente no Mundial da IBSA, a conquista da prata e a consequente vaga para Atenas. “Acho que nunca ficamos tão felizes, parecia que era o ouro. Ficamos contentes por perce-ber que estávamos no mesmo nível das grandes potências, além da vaga para a paralimpíada, é claro. Era a primeira vez que o Brasil conseguia esse

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feito”, diz Simone, que joga na posição de central (fixo). Em Atenas, aca-bamos em sétimo entre oito seleções, mas a experiência renderia frutos para a modalidade. Em 2007, quando ainda se dividia entre o atletismo e o goalball, fraturou o tornozelo direito na prova do salto em distância, nos Jogos Mundiais para Cegos. “Aquilo foi um divisor para mim, praticamente parei com o atletismo, fiquei só com o goalball. Voltei apenas em 2012, por seis meses, para conseguir vaga para Londres, porque no goalball não fui convocada”. Porém, antes disso, em 2008 (Pequim) estava novamente com a seleção, onde ficaram em 6° lugar. Depois da decepção de 2012, voltou a ser chamada em 2013, permanecendo no time até hoje. Em 2015, outra ale-gria sem tamanho. A conquista da medalha de ouro no Parapan de Toron-to (Canadá), derrotando na final os Estados Unidos, simplesmente o país campeão mundial atual. “Isso foi incrível também, nos dá muita confiança para o Rio. Estamos em fase de treinamento intensivo, são várias etapas, em cidades diferentes. Mas estamos confiantes no pódio, mesmo saben-do que as maiores forças estarão aqui. Porém, hoje, temos consciência da nossa força no goalball mundial”.

O BRASIL NOS JOGOS PARALÍMPICOSA Seleção Brasileira masculina conquistou uma medalha de prata no Parapan de Buenos Aires, em 1995, estreando a modalidade em pódios de competições internacionais. Na Carolina do Sul (EUA), em 2001, as mulheres conquistaram o bronze no Parapan, en-quanto a seleção masculina ficou com o quarto lugar. Em 2003, as atletas brasileiras foram vice-campeãs no Mundial da IBSA, dispu-tado em Quebec, no Canadá. Com isso, o Brasil se classificou para uma edição dos Jogos Paralímpicos pela primeira vez. Em Pequim 2008, foi a estreia da seleção masculina em uma edição dos Jogos Paralímpicos. No Parapan de Guadalajara 2011, a seleção femini-na conquistou a medalha de prata e, a masculina, o ouro, o que resultou na classificação de ambas para Londres 2012. Nos Jogos Paralímpicos de Londres, a seleção masculina realizou o maior feito do goalball brasileiro, ao conquistar a medalha de prata. No Mundial disputado em 2014, na Finlândia, a seleção masculina sagrou-se campeã mundial pela primeira vez. Hoje o Brasil é uma das principais forças do goalball mundial, tanto no feminino, como no masculino.

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FICHA TÉCNICADescrição e regras: O goalball é um esporte de equipe, disputado por dois times de três jogadores com, no máximo, três atletas reservas. Podem com-petir na mesma equipe atletas das classes B1, B2 e B3, segundo as normas de classificação da Federação Internacional de Esportes para Cegos (IBSA). O goalball é disputado nas categorias masculina e feminina. O jogo é disputado num espaço com as mesmas dimensões da quadra de voleibol, ou seja, 9 metros de largura e 18 de comprimento. No fundo de cada uma localizam--se duas balizas, que abrangem todo o comprimento da quadra, 9 metros de largura e 1,3 metros de altura. Os três atletas de cada equipe ficam restri-tos a uma área de 6 metros à frente da baliza que defendem, de modo que não há qualquer contato com os oponentes. Os atletas arremessam a bola para o outro lado, tendo como objetivo fazer com que ela ultrapasse o fundo da quadra adversária, entrando assim nas balizas. Em sua trajetória, a bola precisa obrigatoriamente tocar linhas predeterminadas, de modo que ela chegue ao gol adversário junto ao chão. A bola de goalball é especialmente desenvolvida para esse esporte e em seu interior possuí um guizo que ba-lança durante seu deslocamento, permitindo que os atletas a localizem por meio da audição. A bola tem 76 cm de diâmetro e pesa 1,25 kg. Sua cor é azul. As partidas são disputadas em dois tempos de 12 minutos cada. Todo jogador deve, obrigatoriamente, utilizar venda oftalmológica durante as partidas, de modo que um atleta com visão parcial não obtenha qualquer vantagem. São duas as posições de jogadores: os alas, mais preocupados com o ataque, e o central, ou fixo, com maiores preocupações defensivas. Porém, todos os jogadores podem atacar ou defender. O goalball é um esporte baseado nas percepções tátil e auditiva, por isso não pode haver barulho no ginásio du-rante a partida, exceto no momento entre o gol e o reinício do jogo e nas paradas oficiais. Hoje, o goalball é praticado em 112 países dos cinco conti-nentes. No Brasil, a modalidade é administrada pela Confederação Brasileira de Desporto de Deficientes Visuais (CBDV).

Classificação: Nesta modalidade, os atletas com deficiência visual das clas-ses B1, B2 e B3, competem juntos, ou seja, do atleta completamente cego até os que possuem resíduo visual. Todas as classificações são realizadas por meio da mensuração do melhor olho e da possibilidade máxima de correção do problema. Todos os atletas, independentemente do nível de perda visual, utilizam uma venda durante as competições, para que todos possam com-petir em condições de igualdade.• B1: Cego total: de nenhuma percepção luminosa em ambos os olhos até a

percepção de luz, mas com incapacidade de reconhecer o formato de uma mão a qualquer distância ou direção.

• B2: Atletas que têm a percepção de vultos. Da capacidade em reconhecer a forma de uma mão até a acuidade visual de 2/60 ou campo visual inferior a 5 graus.

• B3: Os atletas conseguem definir imagens. Acuidade visual de 2/60 a 6/60 ou campo visual entre 5 e 20 graus.

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O ano era 1994 e o paulistano Alexsander Whitaker disputaria as provas de natação do Campeonato Regional que era realizado em Porto Alegre (RS). Até então nadador do Clube dos Paraplé-gicos de São Paulo (CPSP), foi convidado para participar de uma prova de levantamento de peso e saiu da competição como vice-campeão. “Antes do acidente eu era judoca e naquela época a maioria dos atletas começava na natação. Por meu porte físico, me convidaram para a prova de levanta-mento e fui, sem muita expectativa. Depois do resultado, deixei a natação e passei a me dedicar ao halterofilismo”, recorda o atleta que perdeu os movimentos da perna em 1993 ao ser baleado durante um assalto.Primeiro atleta do estado de São Paulo a se destacar na modalidade, Alex-sander conta que no início o halterofilismo era praticado por pouquíssimos atletas e muito mais por gosto pela musculação, sem profissionalização ou foco em rendimento. “Por meu passado de esportista e minha forma-ção em nutrição esportiva, acionei conhecidos que já trabalhavam com o esporte e os levei ao paradesporto. Desta forma, começamos a profissio-nalizar o halterofilismo no estado”. A falta de estrutura e recursos financeiros iniciais exigia dos profissionais da área e atletas que fizessem pedágios nos faróis da cidade de São Pau-lo para conseguir verba para as viagens e participação em campeonatos. Mesmo com esses desafios, Alexsander garantiu vaga para os Jogos Para-límpicos de Sidney 2000, junto com os potiguares João Euzébio e Terezinha Mulato, e desde então tem participado de todas as edições. Antes, somen-te o carioca Marcelo Motta havia representado o Brasil na competição, nas Paralimpíadas de Atlanta 1996.Se a medalha paralímpica não veio (por muito pouco, pois em Atenas 2004 ficou na quarta colocação levantando 180kg), no currículo do halterofilista estão os títulos de bicampeão mundial nos Jogos Mundiais de Cadeira de Rodas 2003, na Nova Zelândia, e 2005 no Rio de Janeiro, e medalha de ouro no Parapanamericano do Rio 2007, além de campeão brasileiro por 15 anos consecutivos. Na época, a entidade responsável pela modalidade era a ABRADECAR – Associação Brasileira de Desporte em Cadeira de Ro-das. Atualmente, o halterofilismo é administrado pelo Comitê Paralímpico Brasileiro.

HALTEROFILISMO

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O cenário atual do halterofilismo é muito diferente. E, pela avaliação de Alexsander, os incentivos do governo federal, como bolsa-atleta e bolsa-pódio, foram grandes motivadores para a difusão da modalidade. “Muitos atletas migraram de modali-dade ao perceber que tinham mais chances de receber o benefício, uma vez que o número de halterofilistas era menor”. Para receber o bolsa-atleta, os atletas preci-sam atender requisitos como estar entre as primeiras colocações de competições internacionais ou integrar a seleção brasileira de sua modalidade.Em relação ao número de praticantes do Estado, na última edição do Troféu Sérgio Del Grande, tradicional festival do estado de São Paulo, participaram 30 atletas, en-tre homens e mulheres, das provas de halterofilismo. E já despontam outros atle-tas paulistas com destaque internacional, como Evanio Rodrigues, da cidade de Indaiatuba, que foi ouro no Parapanamericano de Toronto 2015 ao levantar 190kg na categoria até 88kg, e classificado para os Jogos Paralímpicos Rio 2016; e Bruno Carra, da categoria até 54kg e natural de Salto, também com vaga garantida para as paralimpíadas.“Eu competia com atletas sem deficiência até conhecer, através de um amigo, a modalidade paralímpica. Quando eu soube da possibilidade de participar de uma paralimpíada, me motivei ainda mais e passei a competir com atletas com defici-ência. Com a vaga para o Rio 2016, estou treinando para melhorar minhas marcas e garantir uma boa colocação”, afirma Evanio.

O BRASIL EM PARALIMPÍADASO Brasil estreou na modalidade nos Jogos de Atlanta 1996. Desde então o país possui representantes no halterofilismo. Mas, até hoje nenhum atleta brasileiro conquistou medalhas em Jogos Paralímpicos.

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CURIOSIDADE PARALÍMPICANos Jogos de Londres 2012, o iraniano Siamand Rahman quebrou o re-corde da história das paralimpíadas ao levantar um peso de 280 kg. Entre as mulheres, a chinesa Ruifang Li conquistou o ouro em Pequim 2008

ao levantar o maior peso registrado da competição: 165 kg.

O HALTEROFILISMO NO MUNDO

O halterofilismo estreou nos Jogos Paralímpicos de Tóquio 1964, com ape-nas quatro categorias, e podiam disputar a competição somente atletas com lesão medular. O interesse pelo esporte cresceu rapidamente. Nos Jogos de Barcelona 1992, 25 países participaram das competições de hal-terofilismo. Já em Atlanta 1996, o número mais que dobrou, com repre-sentantes de 58 países. A participação das mulheres aconteceu somente a partir de 2000, nas Paralimpíadas de Sidney, tendo a maioria das campeãs vindas da África e Ásia. A modalidade, uma das nove administradas pelo Comitê Paralímpico Internacional (IPC), é praticada atualmente em mais de 100 países, nos cinco continentes.

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FICHA TÉCNICADescritivo: Competem atletas amputados, e outros com limitações míni-mas, atletas das classes de paralisia cerebral e atletas das classes de lesões na medula espinhal. Eles permanecem deitados em um banco e executam o movimento conhecido como supino. A prova começa no momento em que a barra de apoio é retirada (com ou sem ajuda do auxiliar central), deixando o braço totalmente estendido. O atleta flexiona o braço descendo a barra até a altura do peito. Em seguida, elevam-na até a posição inicial, finalizando o movimento. O atleta pode realizar o movimento três vezes, sendo o maior peso validado.

Classificação: Única modalidade em que os atletas são categorizados por peso corporal, da mesma forma que no halterofilismo olímpico. Os com-petidores precisam ter a habilidade de estender completamente os braços com não mais de 20 graus de perda nos dois cotovelos para realizar um mo-vimento válido, de acordo com as regras. São 10 categorias femininas e 10 masculinas.

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JUDÔ

O judô é uma das modalidades paralímpicas, exclusivamente disputadas por atletas com deficiência visual, com história relativamente recente, não apenas no Brasil, mas também no mundo, com início dos anos 1970. Por ser uma atividade nascida na Ásia, são de lá os primeiros relatos de atletas com deficiência pratican-do o judô. No Brasil, o início é impreciso, mas tudo indica que as escolas especiais voltadas para cegos foram o embrião da modalidade, assim como aconte-ceu com o futebol de 5, por exemplo. No entanto, ao contrário do futebol, apenas o Instituto Benjamin Constant, no Rio de Janeiro, praticava o judô com frequência e tinha efetivamente uma modalidade desenvolvida por lá. Seu “irmão” paulista, o Instituto Padre Chico, não contribuiu com a modali-dade. Segundo Mizael Conrado, atual vice-presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) e um dos ícones do paradesporto nacional, eleito o melhor jogador do mundo de futebol de 5 em 1998, não houve o desenvolvimento da modalidade na instituição. “Eu estudava no Padre Chico na época em que o judô começou a ser praticado em terras paulistas, mas, ao contrário do futsal, não tínhamos nada na instituição. Os pioneiros na modalidade foram o Centro de Apoio ao Deficiente Visual (CADEVI), fundado em 1984, e o Centro de Emancipação Social e Esportiva de Cegos (CESEC), fundado no ano se-guinte, quando o judô praticamente começava no Brasil”, diz Mizael. O CADEVI é a maior força nacional dessa modalidade, tendo conquistado diversos campeonatos brasileiros, por equipe e individualmente. Ainda dentro das atividades esportivas são oferecidas aulas de pilates e con-dicionamento físico. Além delas, cursos de inglês, espanhol, informática, orientação e mobilidade, artesanato, entre outras. O CADEVI dispõe de convênio com a Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) e a Universidade de São Paulo (USP), o que proporciona atendimento psicológico aos seus associados. A história da instituição na modalidade inclui participações em competi-ções estaduais e nacionais de 1992 a 2000. Em todos os campeonatos na-cionais, tanto no Campeonato Nacional de Judô como nos Jogos Brasileiros para Deficientes Visuais, o CADEVI sempre esteve no lugar mais alto do pódio, por equipes ou por meio de dezenas de atletas que formou durante todos esses anos.

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Um pouco antes, em meados dos anos 1980, o judô começou a ser pratica-do de forma pontual no Brasil. Data de 1987 a primeira participação inter-nacional brasileira na modalidade, com 4 atletas, todos de Curitiba, Paraná. Em 1988 o Brasil foi disputar as paralimpíadas de Seul com uma delegação maior e com mais representatividade de outros estados. Já nessa primeira participação conquistou três bronzes. Em Barcelona 1992, nenhuma me-dalha foi conquistada. Mas a história do judô paralímpico seria escrita de forma brilhante a partir de 1996, com o paulista Antonio Tenório, que defendeu o CESEC durante muitos anos. Tenório é um dos grandes nomes do paradesporto nacional, e não seria exagero afirmar que foi o maior de todos, pois foi tetracampeão paralímpico em um espaço de 12 anos, entre 1996 e 2008, além de ter ga-nho a medalha de bronze em Londres 2012. Nascido em São Bernardo do Campo e incentivado pelo pai, Graciliano Te-nório da Silva, aos 7 anos de idade Tenório já estava em cima dos tatames. Nem mesmo a perda da visão do olho esquerdo, aos 13 anos, o fez desistir da modalidade. Muito pelo contrário. Tenório sempre encarou a prática es-portiva como ferramenta de inserção na sociedade para qualquer pessoa, com ou sem deficiência. Aos 19 anos, já casado e com um filho, perdeu a visão do olho direito, fruto de uma infecção alérgica que sofreu quando trabalhava em um shopping na capital paulista. Ele seguiu em frente, alternando a prática esportiva com atividades pro-fissionais que lhe davam a condição financeira para manter sua família. Construiu uma trajetória de sucesso, ultrapassando os obstáculos que se apresentaram. Hoje, pai de quatro filhos e consagrado no paradesporto, está se preparando para participar de sua última paralimpíada, no Rio. Além das cinco medalhas paralímpicas ele ainda foi ouro no Parapaname-ricano do Rio de Janeiro 2007, prata no Parapanamericano de Guadalajara 2011 e bronze no Campeonato Internacional na Alemanha, em 2012. Todas as medalhas foram conquistadas na categoria B1, destinada a cegos.

O BRASIL NOS JOGOSO Brasil teve cinco judocas na edição dos Jogos Paralímpicos de Seul 1988, primeira em que o esporte foi disputado. A delegação verde-ama-rela da modalidade voltou para casa com três bronzes, conquistados por Jaime de Oliveira (categoria até 60 quilos), Júlio Silva (até 65 quilos) e Leonel Cunha (acima de 95 quilos). Desde então, o judô brasileiro só não conquistou medalhas nos Jogos de Barcelona, em 1992. Em Atlanta 1996 veio o primeiro ouro, com Antônio Tenório da Silva, na categoria até 86 quilos. As primeiras medalhas femininas vieram em Atenas 2004, com Karla Cardoso, prata na categoria até 48 quilos, e Daniele Silva, bronze na categoria até 57 quilos. No total, a modalidade já rendeu ao Brasil 18 medalhas na história dos Jogos, sendo quatro ouros (todos conquista-dos por Antônio Tenório), cinco pratas e nove bronzes.

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Outro nome de peso é o da judoca paulistana Lúcia Araújo, que também começou no CESEC e é promessa de ouro em 2016. Lúcia, de 34 anos, nas-ceu com baixa visão por conta de complicações da mãe durante a gravidez. Ela relata uma infância normal, apenas com a ressalva de que não podia ir sozinha a lugar algum, sendo sempre necessário que estivesse acompa-nhada. A atleta estudou em escolas regulares e chegou a fazer Direito, mas teve de parar por conta dos treinamentos do judô, ao virar atleta de ponta. Para entender como isso aconteceu é preciso voltar no tempo, quando Lúcia tinha 15 anos. “Morávamos no Butantã (bairro da zona sul de São Paulo), perto de um clube-escola, mantido pela prefeitura. Passei a ir ao local na companhia dos meus irmãos mais novos. Eles treinavam judô, e comecei a fazer o mesmo. Treinava e lutava com videntes mesmo”, fala Lú-cia, que se adaptou muito rápido à modalidade, enfatizando que a prática só lhe trouxe benefícios, como maior autonomia e segurança. Porém, mudou de bairro com a família e tudo ficou mais longe, então o judô foi esquecido por um tempo. Somente aos 26 anos, quando procurava uma ocupação profissional, é que ela voltou ao tatame. “Fui fazer um curso de massoterapia e lá acabei fazendo amizade muito forte com uma amiga, cega. Ela me falou do CESEC e fui conhecê-lo. Quando eles ficaram sabendo que eu praticava judô, me convidaram na hora para treinar. E foi o que fiz”. No entanto, a família de Lúcia não recebeu bem a notícia e pediu a ela que parasse de treinar e competir. “Tive de mentir, fazer tudo às escondidas. Eu ia para a casa dessa minha amiga e minha mãe e meu padrasto achavam que eu ficava por lá até a hora do curso de massoterapia. Só que, na verda-de, a gente ia para o CESEC, onde continuei treinando. Conheci um mundo novo na instituição, inovações tecnológicas inclusive”, conta Lúcia. Em outubro de 2006 foi ao Rio de Janeiro e tornou-se campeã brasileira na categoria até 63 quilos (sua classificação funcional é B3). “Quando voltei a São Paulo não dava mais para esconder. Pedi desculpas a todos pela men-tira, mas mostrei a medalha. Mais do que isso, meu potencial. Daí em dian-te, meus familiares passaram a me apoiar, não existiam mais argumentos que sustentassem a teoria deles. Na verdade, o que desejavam era aquela coisa de superproteção, mas isso não ajuda”. A partir de então teve início a construção de uma bela carreira. Em janeiro de 2007 a judoca foi convocada para a Seleção Brasileira pela primeira vez. Nesse mesmo ano, foi ouro por equipes no Mundial da International Blind Sports Federation (IBSA) e bronze no Parapan do Rio. Porém, uma grande surpresa a esperava. Ao fazer exames de rotina, após o Parapan, descobriu que estava grávida de Ana Clara, hoje com 8 anos. “Lutei grávida, sem saber. Só de lembrar já me dá um frio na barriga, mas a Ana nasceu bem, graças a Deus. Tive de parar com os treinos, e só voltei em 2008, numa outra categoria, até 57 quilos”, explica a atleta. Em Pequim Lúcia não conquistou medalhas, mas considerou a experiência única. Em 2011, foi ouro no Parapan de Guadalajara, México, e em 2012, conquis-tou a prata nas paralimpíadas de Londres. “O engraçado é que quando ter-minou a luta final (perdeu para Afag Sultanova, do Azerbaijão) eu estava muito triste. Mas enquanto esperava a cerimônia de premiação me passou um filme na cabeça, de tudo o que tinha passado até ali. Foi quando meu sentimento virou por completo, e a alegria foi contagiante”.

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Parte do Time São Paulo desde 2011, a atleta ainda treina no Clube Espor-tivo da Mooca, junto com outros atletas do CESEC, fazendo do lugar uma referência nacional do judô paralímpico. “Tenho apoio financeiro, técnico, psicológico, nutricional. Enfim, estou servida por uma ótima estrutura, es-tamos treinando de segunda a sábado, tarde e noite. Treino com meu téc-nico, Alexandre Garcia, e com o coordenador da seleção, Jaime Bragança. Tenho uma expectativa muito forte para o Rio, não me vejo sem uma me-dalha que, se Deus quiser, será de ouro”.

O JUDÔ PARALÍMPICO NO MUNDO

Praticado por atletas com deficiência visual desde a década de 1970, o judô foi a primeira modalidade de origem asiática a integrar o programa pa-ralímpico, estreando nos Jogos de Seul 1988, apenas com disputas entre homens. Os Jogos de Atenas 2004 marcaram a entrada das mulheres nos tatames. A entidade responsável pelo judô é a Federação Internacional de Esportes para Cegos (IBSA), fundada em Paris, em 1981. No Brasil, a Confe-deração Brasileira de Desportos de Deficientes Visuais (CBDV) administra a modalidade.

FICHA TÉCNICAHá poucas adaptações no judô paralímpico em relação ao convencional. Os atletas começam a luta já segurando o quimono do adversário, posicionados assim pelo árbitro central, que conduz a luta para que o contato seja perma-nente. Ao aplicar uma punição, o árbitro também avisa a qual judoca está se referindo. Os atletas não são punidos por sair da área de luta.

Classificação: Além das categorias por peso, os judocas são divididos em três classes, de acordo com o grau da deficiência visual. Todas começam com a letra B (blind, cego, em inglês): B1, B2 e B3. Homens e mulheres têm o mesmo parâmetro de classificação. Em algumas competições, atletas de diferentes classes podem competir juntos.• B1: Cego total: de nenhuma percepção em ambos os olhos até a percepção

de luz com incapacidade de reconhecer o formato de uma mão a qualquer distância ou direção.

• B2: Lutadores que têm a percepção de vultos, com capacidade de reco-nhecer a forma de uma mão até a acuidade visual de 2/60 ou campo visual inferior a cinco graus.

• B3: Lutadores conseguem definir imagens. Acuidade visual de 2/60 a 6/60 ou campo visual entre cinco e 20 graus.

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NATAÇÃO

Segunda modalidade com maior número de medalhas conquistadas pelo Brasil em paralimpíadas, a natação mundial tem no paulista, natural de Campinas e morador de Bragança Paulista, Daniel Dias, seu maior representante. Responsável por 15 medalhas paralímpicas, sendo 10 de ouro, e vencedor por três vezes do Prêmio Laureus – o “Oscar do Esporte” – na categoria atleta com deficiência (2009, 2013 e 2016); o nadador descobriu o paradesporto ao assistir pela TV o nadador potiguar Clodoaldo Silva nas Paralimpíadas de Atenas 2004. Na época, Clodoaldo tornou-se o grande nome do esporte paralímpico bra-sileiro pela conquista de seis medalhas de ouro e quebra de quatro recordes. Ainda em 2004, o pai, Paulo Dias, conheceu a Associação Desportiva para Deficientes (ADD) por meio da palestra do professor Steven Dubner, um dos fundadores da instituição. No projeto de iniciação esportiva da ADD, Daniel teve seu potencial esportivo descoberto. “Lembro-me com carinho do pri-meiro dia, quando a professora Márcia Greguol me perguntou se eu sabia nadar, eu respondi que não me afogaria, mas não sabia nada de natação”. Foram poucas aulas até a coordenadora da natação da época, a profes-sora Márcia Greguol, identificar que se tratava de um nadador nato e o indicasse para um clube de alto rendimento na modalidade – o Centro para Integração Esportiva do Deficiente Físico (CIEDEF), atualmente Associação para Integração Esportiva do Deficiente Físico. Ao lado de nadadores revelados pelo CIEDEF, como Joon Sok Seo (me-dalhista nos Jogos de Sidney 2000, Atenas 2004 e Pequim 2008), Daniel trilhou rapidamente o caminho da vitória. “Descobri que poderia ir mais longe numa competição oficial do Comitê Paralímpico Brasileiro, em Belo Horizonte, quando conquistei medalhas de prata e bronze”. Já em seu pri-meiro Mundial de Natação, em 2006, trouxe de Durban, na África do Sul, três medalhas de ouro e quatro de prata. Desde então, não parou de brilhar nas piscinas, com um currículo esporti-vo que tem entre tantos títulos, 10 recordes mundiais em piscina olímpica e 10 medalhas de ouro, 4 de prata e 1 de bronze em duas participações em Jogos Paralímpicos (2008 e 2012). Também está envolvido fora das pisci-nas com a natação paralímpica. Daniel acaba de fundar o Instituto Daniel Dias, em Bragança Paulista, que junto com a ADD desenvolve o projeto ADD Nadando com Daniel Dias.

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Mas se hoje a natação paralímpica brasileira tem ídolos como Daniel Dias, duas professoras de Educação Física são referências para uma geração de nadadores paulistas: Edna Garcez e Elisabeth de Mattos.“Fui ser técnica de natação do Clube dos Paraplégicos de São Paulo (CPSP) por incentivo de uma paciente da AACD. Pretinha, como era conhecida, foi um exemplo de garra e nadava no CPSP. Ela iria participar de uma competição e queria se preparar. Insistiu tanto que aceitei treiná-la”, lembra Edna, supervi-sora de esporte adaptado da AACD, instituição em que trabalha há 32 anos. O ano era 1984 e ela foi a primeira instrutora de natação do clube. Até então, os atletas utilizavam a piscina do Centro Olímpico para sua preparação, mas sem muito suporte ou rotina esportiva, de forma muito improvisada.No período em que foi técnica do CPSP, até por volta de 1987, Edna acom-panhou os atletas em competições pelo Brasil. “Não vou me recordar do nome da competição, mas era 1986, e fomos com dois ônibus de atletas cadeirantes da natação e atletismo para um campeonato regional em Vi-tória (ES). Também chegamos a ir para o Mato Grosso de ônibus. Horas e horas de viagem. De São Paulo, éramos praticamente os únicos”.Depois de sua saída do CPSP, Edna, juntamente com Lia Likier Steinberg, Flavia Likier Steinberg, Aguinaldo Silva Garcez, Eduardo Impero Grillo, Jacob Steinberg e Sergio Hagop Boudakian fundam o CIEDEF em 1991, embora as atividades tenham iniciado a partir de 1988, com o apoio da Escola Takeda, que cedia a piscina às sextas-feiras para os encontros.Nos anos 1990 e 2000, o CIEDEF foi o grande nome na natação paralímpi-ca no estado de São Paulo, chegando a ter o maior número de nadadores – algo em torno de 80 atletas. “Foi um nome muito forte e fizemos um trabalho de base muito significativo com crianças e adultos. Além da atu-ação com atletas para competições oficiais, também atendíamos pesso-as com paralisia cerebral grave que não encontravam espaço em outros

O BRASIL EM PARALIMPÍADASA natação é a segunda modalidade que mais trouxe medalhas em Jogos Paralímpicos, atrás somente do atletismo (109 medalhas). Ao todo, são 104 medalhas, sendo 31 de ouro, 39 de prata e 34 de bronze. Foi em Stoke Mandeville, 1984, que a natação brasileira fez sua estreia no pódio, com um ouro, cinco pratas e um bronze. Anos mais tarde, em Atenas 2004, Clodoaldo Silva conquistou seis das sete medalhas de ouro da modalidade. Nas duas últimas edições, Pequim 2008 e Londres 2012, o paulista Daniel Dias foi o grande destaque, sendo responsável por 15 medalhas: 10 de ouro, 4 de prata e 1 de bronze.

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projetos do esporte. Eles não tinham perspectivas para atuação no alto rendimento, mas fazíamos questão de atender”, conta Edna. O ano de 2007 foi uma época de destaque, com a participação de quatro atletas no Parapan Americano do Rio de Janeiro – Joon Sok Seo, Vagner Pires, Daniel Dias e Isidoro Mazotini.Já Beth Mattos, como é mais conhecida no movimento paralímpico, foi a responsável pelo caráter competitivo de alto rendimento da natação. A pe-dido de um ex-paciente da terapia ocupacional, Fábio Ricci (in memoriam), ela foi responsável por sua preparação para os Jogos de Seul 1988. “Co-nhecia o Fábio da época em que ele foi meu paciente em terapia ocupacio-nal, em decorrência de um acidente que o deixara tetraplégico. Anos depois, como atleta do CPSP, ele estava se preparando para as Paralim-píadas de Seul e me pediu que o ajudasse com seu treinamento. Seu objetivo era trazer uma medalha na natação para o Brasil. Desenvolvi um treino espe-cífico para ele, voltado para o alto rendimento”, lembra a professora doutora da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo, que também atuou como técnica de natação do CPSP. Fábio trouxe mais que uma medalha. Foram três bronzes: 100m livre, 25m costa e 25m peito.Tanto o envolvimento de Edna Garcez como o de Elisabeth de Mattos no movimento paralímpico foram além do período em que atuaram direta-mente com os atletas da natação. Ambas assumiram diretorias na extinta Associação Brasileira de Desporte em Cadeira de Rodas (ABRADECAR) – Edna foi tesoureira em 1988 e Beth diretora de natação da entidade nos anos 1990. Beth também foi a primeira diretora de classificação funcional do CPB, de 1995 a 2001.

A NATAÇÃO NO MUNDO

A modalidade faz parte do programa oficial desde os primeiros Jogos Para-límpicos, em Roma 1960, quando apenas atletas com lesão medular compe-tiam. Com o passar dos tempos, o esporte foi se estendendo a outras cate-gorias de deficiências, tanto físicas quanto visuais e intelectuais. Atualmente é um dos esportes paralímpicos com maior número de participantes.A entidade que controla a natação paralímpica é o Comitê Paralímpico In-ternacional (IPC), com atribuições semelhantes à Federação Internacional de Natação (FINA). Coordena as principais entidades esportivas internacio-nais que estabelecem as adaptações específicas para seus atletas: CP-ISRA (atletas com paralisia cerebral), IBSA (atletas com deficiência visual), INAS--FID (atletas com deficiência intelectual), IWAS (cadeirantes e amputados).

CURIOSIDADEA classificação do revezamento é feita de acordo com a deficiência de cada atleta da equipe. Cada classe tem uma pontuação, e, somadas, não po-dem ultrapassar o estipulado para a prova.

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FICHA TÉCNICADescritivo: Na natação, competem atletas com diversos tipos de deficiência (física, visual e intelectual) nos quatro estilos: livre, costas, medley e peito. As provas são divididas na categoria masculino e feminino, seguindo as regras do IPC Swimming, órgão responsável pela natação no Comitê Paralímpico Internacional (IPC). Há algumas adaptações nas regras da Federação Inter-nacional de Natação (FINA) para as disputas paralímpicas. Elas são feitas nas largadas, viradas e chegadas. Na largada, por exemplo, dependendo da deficiência, os atletas podem lar-gar de dentro da água, sentados, ou ao lado do bloco de partida. Os nadado-res com deficiência visual recebem o aviso do tapper – pessoa que usa um bastão com ponta de espuma – quando estão se aproximando das bordas para o momento da virada e da chegada, e usam óculos opacos, para asse-gurar a igualdade de condições na prova. Para atletas amputados, não são permitidos recursos como órteses e próteses. O atleta deve utilizar apenas o seu próprio corpo para a competição.

Classificação: O atleta é submetido à equipe de classificação, que procede-rá a análise de resíduos musculares por meio de testes de força muscular, mobilidade articular e testes motores (realizados dentro da água). Como em outras modalidades, segue a regra de que, quanto maior a deficiência, menor o número da classe – todas começando pela letra S (swimming). O nadador pode ter classificações diferentes para nado peito (SB) e o medley (SM). • S1 a S10 / SB1 a SB9 / SM1 a SM10: Atletas com limitações físico-motoras• S11, SB11, SM11, S12, SB12, SM12, S13, SB13, SM13: Atletas com deficiência

visual (classificação segue como a do judô e do futebol de 5)• S14, SB14, SM14: Atletas com deficiência intelectual

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PARACANOAGEM

A modalidade que ganhou visibilidade nacional com o ouro do paulistano Fernando Fernandes no Campeonato Mundial de Ca-noagem, em Poznan (Polônia), em agosto de 2010 – feito realizado apenas um ano após o acidente que o deixou paraplégico – já era desenvolvida no Brasil desde o final dos anos 1990.O primeiro marco histórico da modalidade no Brasil foi a participação da Associação Ecológica de Canoagem e Vela, de Belém (Pará), no XV Cam-peonato Brasileiro de Canoagem, realizado em outubro de 1999. Os pro-fessores Evaldo Malato e Carlos Alberto Gonçalves foram os responsá-veis pela primeira equipe de pessoas com deficiência a participar de um evento de canoagem. Porém, antes, em 26 de março de 1995, a Confede-ração Brasileira de Canoagem (CBCa) já havia criado o Comitê Nacional de Paracanoagem.Em maio de 2000, em Caxias do Sul (RS), o Centro Integrado do Portador de Deficiência Física (CIDeF) formou uma equipe de paracanoagem aprovei-tando os atletas que participavam dos treinos de basquetebol em cadeira de rodas. Formou-se, assim, o primeiro grupo organizado da modalidade que recebia atendimento específico.Em São Vicente (SP), alguns anos depois, por volta de 2002/2003, Carlos Roberto Tavares da Conceição, o “Bebeto”, era convidado pelo técnico de canoagem Pedro Sena a conhecer a modalidade. Aceito o convite, Bebeto, que 10 anos antes sofreu amputação bilateral acima do joelho após um acidente de trem, tornava-se o primeiro atleta paulista a praticar a para-canoagem. “Na época éramos eu e mais dois atletas de outros estados que participávamos no Campeonato Brasileiro de Canoagem, não havia cate-gorias para atletas com deficiência e fazíamos as adaptações necessárias”.Desde então não parou mais, chegando a participar do evento-teste orga-nizado pela Federação Internacional de Canoagem, durante o Mundial do Canadá, em 2009. “Foi o primeiro evento da paracanoagem e nele foram feitas as primeiras classificações dos atletas”, recorda-se. Até hoje partici-pa de competições e já atuou, inclusive, como monitor voluntário de atletas sem deficiência num projeto que havia em São Vicente.Anos depois, o esporte ganhou mais participantes e surgiram novas ini-ciativas e projetos voltados para paracanoagem no estado de São Paulo, como os desenvolvidos na Raia da Universidade de São Paulo (USP) e nas

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cidades de Cubatão, Piraju, São Bernardo do Campo e São Vicente. Com a inauguração, em abril de 2014, do Centro de Treinamento de Paracanoagem, localizado no Centro de Práticas Esportivas da Universidade de São Paulo (CEPEUSP), o estado tornou-se um polo de desenvolvimento do esporte. O projeto, realizado com investimento via Lei de Incentivo ao Esporte, tem foco no alto rendimento e oferece a até 12 atletas infraestrutura de ponta e acompanhamento de uma equipe multidisciplinar, além de outros bene-fícios como hospedagem e apoio para estudos e participação em compe-tições oficiais. “Com este centro de treinamento, São Paulo posiciona-se como uma referência na paracanoagem. E todo este conhecimento gerado é disseminado a atletas, técnicos e gestores de todo o país por meio das clínicas que realizamos”, destaca o supervisor do Centro de Treinamento de Paracanoagem, professor Carlos Bezerra de Albuquerque.Na avaliação do professor, a modalidade tem um grande potencial de cres-cimento. “A paracanoagem proporciona uma sensação de liberdade muito grande. O atleta rema de forma igualitária a quem não tem deficiência e as adaptações são mínimas e feitas em função do tipo de lesões, como um banco diferente para dar mais estabilidade ou um velcro para o tronco”. A repercussão midiática dos títulos de Fernando Fernandes contribui para este movimento crescente de praticantes. Atualmente ele é tetracampeão mundial na paracanoagem. Atletas de outros estados, como a baiana Mar-ta Ferreira – ouro e prata no mundial de 2010 – também atraem a atenção para o esporte.Outro atleta que vem ganhando destaque é Luis Carlos Cardoso, primeiro do ranking mundial ao conquistar em 2015 o ouro no Mundial realizado em Milão. Ele conheceu a modalidade ainda no período de reabilitação por intermédio do ex-atleta de canoagem, Sebastian Cuattrin, atualmen-te gerente geral da canoagem Olímpica e Paralímpica dos Jogos Rio 2016. “Comecei na paracanoagem sem pensar em competição e fui pegando o gosto. Mas no meu primeiro Campeonato Brasileiro, em 2011, senti o clima de uma competição e dei o meu melhor. Saí de lá com o bronze no caiaque 200m, a prata na canoa V1 200m e a classificação para o Panamericano”, conta o atleta.Luis, que teve os movimentos comprometidos devido à instalação de um parasita em sua medula, em 2009, é uma das promessas para os Jogos Paralímpicos do Rio 2016. Para participar dos jogos precisou se reinven-tar, uma vez que sua prova (canoa) não estaria na programação, e fez isto muito bem ao conquistar o título no último mundial. Além de Fernando

O BRASIL EM PARALIMPÍADASA paracanoagem estreará nos Jogos Paralímpicos do Rio 2016. Em mundiais, o Brasil conquistou ouro no primeiro evento da modalidade – o Mundial de Poznan, em 2010, com Fernando Fernandes e Marta Ferreira. Marta ainda levou uma prata no mesmo evento. No histó-rico dos mundiais, destaque para o paulista Fernando Fernandes, tetracampeão mundial.

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Fernandes e Luis Carlos Cardoso, Silvana Santos Ferreira é outra atleta do estado de São Paulo a integrar a seleção permanente de paracanoagem.

A PARACANOAGEM NO MUNDO

Com estreia nos Jogos Paralímpicos Rio 2016, a paracanoagem é um es-porte novo, que se desenvolveu graças a esforços de entidades que pres-sionaram para que a modalidade fizesse parte de eventos da canoagem convencional.Em 2009, a Federação Internacional de Canoagem organizou o primeiro evento de exibição da paracanoagem, que foi um grande sucesso. Um ano depois, em Poznan, na Polônia, foi disputado o primeiro mundial da moda-lidade. No mesmo ano, em reunião do Comitê Paralímpico Internacional em Guangzhou, na China, foi decidida a inclusão da paracanoagem à progra-mação dos Jogos Paralímpicos.Ainda novidade em alguns países, a paracanoagem tem seu grande de-senvolvimento no Canadá, onde ocorre a realização de eventos para para-canoístas a partir dos 15 anos de idade.

CURIOSIDADE PARALÍMPICAEmbora a modalidade seja praticada em dois tipos principais de barcos – os caiaques (K) e as canoas (V), apenas a prova masculina e femi-nina de caiaques estará nos Jogos Paralímpicos do Rio 2016. A Con-federação Internacional de Canoagem está atualmente trabalhando

numa proposta que será apresentada ao Comitê Paralímpico Inter-nacional para incluir os eventos com canoas ao programa das Pa-

ralimpíadas de Tóquio 2020.

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FICHA TÉCNICADescritivo: O esporte é exatamente como a canoagem olímpica, permitindo que as pessoas com deficiências físicas possam praticar a partir de adap-tações para segurança ou melhora do rendimento. A bordo de caiaques, os atletas devem completar, no menor tempo possível, um trajeto de 200m em linha reta e em águas calmas. Os dois principais tipos de barcos da paraca-noagem são os caiaques (K), impulsionados por um remo com duas pás nas extremidades, e as canoas (Va’as), movidas por uma pá de lâmina única.

Classificação: O atleta soma pontos no sistema de classificação de acor-do com o seu potencial de movimentação de pernas e de tronco, e a partir de uma avaliação na água durante a remada. Quanto maior for a pontuação, menor será a limitação dos atletas, que são divididos em três classes:- KL1 (soma de 3 pontos): Atletas com nenhuma ou muito limitada função de

tronco e nenhuma função de perna. Geralmente precisam de um assento especial com encosto alto no caiaque.

- KL2 (de 4 a 7 pontos): Atletas com controle parcial dos movimentos do tronco e função de perna, sendo capazes de se sentar eretos no caiaque. Podem precisar de um encosto especial, o movimento das pernas é limi-tado durante o remar.

- KL3 (8 a 9 pontos): Atletas com controle parcial dos movimentos do tron-co e perna parcial, capazes de se sentar com o tronco na posição para a frente, flexionados no caiaque, e capazes de usar pelo menos uma perna ou prótese.

*em eventos não paralímpicos, os atletas que participam de provas com canoas (Va’as), são divididos nas classes VL1, VL2 e VL3, seguindo o mesmo sistema de classificação.

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REMO

A história do remo paralímpico no Brasil tem início na década de 1980, no Rio de Janeiro. A Superintendência de Despor-tos do Rio de Janeiro (SUDERJ), sob a direção dos profissionais Celby Rodri-gues Vieira dos Santos e Dalva Alves dos Santos Filha, implanta o “Projeto Remo Paralímpico – uma nova perspectiva para a pessoa com deficiência física”, no Estádio de Remo da Lagoa. Entre os objetivos estavam, além da reabilitação e o lazer, a melhoria da qualidade de vida e o desenvolvimento desportivo buscando a descoberta de talentos para a modalidade. Inicialmente voltado a pessoas com lesão medular, pólio e paralisia, mais tarde também teve adeptos com deficiên-cia auditiva e intelectual.Um marco importante foi a apresentação do atleta carioca Claudionor Francisco dos Santos numa regata oficial na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. Já na década de 1990, no XV Campeonato Brasileiro de Ca-noagem, a Associação Ecológica de Canoagem e Vela de Belém e os técni-cos Evaldo Malato e Carlos Alberto Gonçalves promovem a primeira parti-cipação de pessoas com deficiência em competições no país.José Paulo Sabadini de Lima, responsável pelo Departamento de Remo e Canoagem do Esporte Clube Pinheiros, na cidade de São Paulo, e um dos coordenadores do Remo Paralímpico nas Paralimpíadas de Londres 2012, conta que uma das primeiras iniciativas voltadas à modalidade foi o pro-jeto do Centro de Práticas Esportivas da Universidade de São Paulo (CE-PEUSP), que proporcionava a vivência de esportes adaptados a jovens com síndrome de down, entre os anos de 1999 e 2003.Diante do panorama mundial do remo paralímpico – a modalidade foi acei-ta no programa dos Jogos Paralímpicos em 2005 – o esporte ganhou força no Brasil. A Confederação Brasileira de Remo reativou o Departamento de Remo Paralímpico. A aula inaugural acontece no Estádio de Remo da La-goa, no Rio de Janeiro, e reúne cerca de 40 jovens com paralisia cerebral, deficiência física e síndrome de down.Em São Paulo, um ano depois, o Esporte Clube Pinheiros (ECP) iniciou um pro-jeto de remo paralímpico por incentivo de José Paulo. “Falei para o diretor do clube que a primeira medalha do remo paralímpico numa competição inter-nacional seria do Pinheiros. Ele topou e começamos os trabalhos em 2006”. Formado em Educação Física e ex-atleta amador de remo, Lima já havia se

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envolvido com o remo paralímpico anteriormente, em 2004, por interme-diar a inclusão de um jovem com síndrome de down – irmão de um amigo que havia participado do projeto do CEPEUSP – e auxiliá-lo numa turma de adolescentes sem deficiência que treinava na Raia da USP.A promessa da conquista da medalha foi cumprida. Em 2007, a paulistana Cláudia Cícero, atleta do ECP, conquistou a primeira medalha brasileira do remo paralímpico em uma competição internacional. Ela ganhou o ouro no Campeonato Mundial da modalidade, realizado na Alemanha. Antes, em 2004, a participação brasileira no Mundial do Remo na Espanha alcançou o 5º lugar, conquistado pelo atleta Moacir Rauber, de Santa Catarina, na categoria Skiff Masculino.Foi por insistência de Sabadini que Cláudia começou a praticar o remo pa-ralímpico. “Hoje falo que não vivo sem o remo, mas ainda me lembro do primeiro convite do José Paulo: eu agradeci, fiz o teste no barco, mas não gostei muito de início”, conta. Atropelada em 2000, Cláudia Cícero precisou amputar a perna direita por completo e foi no período de reabilitação que conheceu o esporte paralímpico. Cinco anos depois já competia nas provas de natação, e foi em um dos campeonatos que o atual técnico fez o convite para o remo, explicando que estava começando a implantar a modalidade e que ela tinha o perfil para a prática desse esporte.Foi preciso, no entanto, um segundo convite. Era comecinho de 2007 e José Paulo ligou para Cláudia dizendo que haveria um Campeonato Mundial de Remo, em Munique, na Alemanha, e seria uma grande oportunidade, uma vez que ela já era atleta. “O sonho de todo atleta é entrar na seleção, e na natação seria difícil, em razão da alta competitividade da modalidade. Tive oito meses para me preparar, tirei meu passaporte e fui com a cara e co-ragem para minha primeira regata. Não sabia o idioma e segui a recomen-dação do técnico: prestei muita atenção na largada. Alinhei e remei muito. Só soube que tinha feito o melhor tempo quando vi meu rosto no telão”. Na volta ao Brasil, a paulistana trazia na bagagem a medalha de ouro na modalidade Skiff Feminino. Muitos outros títulos foram conquistados pela atleta e a medalha paralím-pica em Londres 2012 não veio “por um bico de barco”, conta Cláudia. Por menos de um segundo, Cláudia ficou em 4º lugar. No último mundial, em 2015 na França, mais um 4º lugar, mas ela ainda está na disputa de uma vaga para os Jogos Paralímpicos Rio 2016.

O BRASIL EM PARALIMPÍADASLogo na primeira edição, em Pequim 2008, o Brasil conquistou a me-dalha de bronze, com Josiane Lima e Elton Santana, na modalidade Double Skiff Misto, classe TA.

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Na avaliação da atleta ainda falta divulgação ao remo paralímpico, embora a modalidade tenha conquistado novos adeptos. O número de remadores aumentou, mas no feminino é mais difícil. No Brasil, só eu estou na minha categoria”. Nas Paralimpíadas de Londres 2012, além de Cláudia, três atletas de São Paulo foram convocados – Jairo Klug, Luciano Luno e Regiane Nunes.Além do ECP, que atualmente possui 16 remadores treinando por meio do projeto Atletas do Futuro, desde 2008 o Clube de Regatas Bandeirantes oferece a modalidade gratuitamente por meio da Equipe “Eu Vivo Reman-do” e “Programa Clube Escolar Paralímpico”. No começo, como em outras modalidades em fase de implantação, o início foi na base do improviso. Sa-badini conta que os barcos eram mais pesados, a cadeira foi adaptada para garantir mais estabilidade e um cano de PVC chegou a cumprir o papel do flutuador. Hoje os atletas brasileiros da seleção permanente de remo têm à disposição os melhores equipamentos e uma infraestrutura que permite que sejam referência na América Latina.

O REMO NO MUNDO

Na década de 1970, o remo paralímpico foi praticado em vários países, como Austrália, Alemanha, Grã-Bretanha e Estados Unidos. Mas o primeiro evento de exibição aconteceu em 1993, durante o Campeonato Mundial de Remo, organizado pela Federação Internacional de Remo (FISA). Em 2002 a Espanha realizou o primeiro campeonato mundial da modalidade, com a participação de sete países. Dois anos depois, no segundo mundial, 24 nações já eram representadas. A adesão foi resultado da assinatura do Protocolo de Remo Paralímpico por 36 federações nacionais (Brasil inclu-sive), que se comprometeram a desenvolver projetos para remadores com deficiência. Cumpriam-se, assim, as exigências para a entrada da modali-dade nos Jogos Paralímpicos. O pedido de inclusão da modalidade feito em 2001, pela FISA, foi aceito em 2005, e o Remo Paralímpico fez sua estreia nos Jogos de Pequim 2008.

CURIOSIDADE PARALÍMPICA Assim como acontece no atletismo, o timoneiro, que também desem-penha a função de guia, não precisa ser uma pessoa com deficiência.

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FICHA TÉCNICADescritivo: No remo paralímpico, o esporte continua o mesmo: o atleta tem a função de impulsionar o barco e apenas o equipamento é adaptado para assegurar maior segurança, conforme o tipo de deficiência do praticante. O barco possui assentos fixos ou com encosto e pode haver apoios laterais para garantir maior estabilidade às embarcações. Os atletas, divididos em três classes, devem remar 1000 metros em um percurso pré-determinado, em linha reta. As disputas são realizadas no single skiff (um atleta), double skiff (dois atletas) ou four skiff com timoneiro (quatro atletas). Vence quem cruzar primeiro a linha de chegada.

Classificação: A divisão dos atletas em três classes é realizada de acordo com o tipo de deficiência e com o membro utilizado para a propulsão.• Classe A1+ (somente braços) utiliza banco fixo e com encosto. O barco é o

single skiff com tripulação masculina ou feminina. Participam atletas com paralisia cerebral (CP4), com prejuízo neurológico (equivalente a uma le-são completa na medula, no nível T 10), perda de função motora no tronco e pernas, e, caso apresente perda motora nos membros superiores, pode-rá utilizar equipamentos para adaptações à prática da modalidade.

• Classe TA 2x (tronco e braços), os bancos são fixos e oferecem suporte complementar. O barco utilizado é o double skiff, com tripulação mista: um homem e uma mulher. Participam atletas com amputações nos membros inferiores que impossibilitem a utilização do acento deslizante, paralisia cerebral (CP5) com prejuízo neurológico (equivalente a uma lesão comple-ta na medula, no nível L4).

• Classe LTA (pernas, tronco e braços) usa acento deslizante no barco four skiff, com timoneiro e tripulação mista: dois homens e duas mulheres. Participam atletas com 10% da visão (B1, B2 e B3), sendo obrigatório o uso de venda e não podendo compor a mesma tripulação dois atletas B3; praticantes com amputação (um único pé ou três dedos da mão que per-mitam ao atleta a utilização de acento deslizante); atletas com paralisia cerebral (CP8); com prejuízo neurológico (mínima perda motora, como fle-xão e extensão do tornozelo, punho ou ombro); e com prejuízo intelectual (no caso de eventos não qualificatórios para jogos paralímpicos)

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RUGBY

Considerada atualmente uma das modalidades paralímpi-cas que mais vem crescendo no país em razão do dinamismo do jogo, o Rugby em Cadeira de Rodas começou no Brasil em 2008, sendo que 90% dos praticantes são atletas com tetraplegia. De acordo com a Federação Internacional de Rugby em Cadeira de Rodas (IWRF) e a Asso-ciação Brasileira de Rugby em Cadeira de Rodas (ABRC), a modalidade vem crescendo de forma significativa, seja em países filiados ou espectadores. É do estado de São Paulo a equipe campeã da última edição, em 2015, do Campeonato Brasileiro da modalidade. A Associação de Esportes e Cultura Superação Gigantes (SP), os Gigantes de Campinas, sagrou-se campeã da 1ª Divisão, vencendo a equipe Gladiadores Curitiba Quad Rugby (PR). Na ocasião, participaram 110 atletas de seis estados brasileiros – Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo e Distrito Federal – de nove clubes diferentes. São Paulo ainda conta com mais duas equipes – ADEACAMP, também de Campinas, e MSB Quad Rugby, de Bebedouro. “O rugby em cadeira de rodas tem crescido no Brasil, mas infelizmente está longe do ideal. E acredito que o mais complicado seja a aquisição de cadeiras de rodas específicas para a prática do esporte. O valor de uma cadeira de rugby fabricada no Brasil começa em cerca de 6 mil reais, e uma importada custa cerca de 15 mil reais. Como um time é formado por oito jogadores, o investimento inicial é muito alto”, avalia o jogador da ADEACAMP e da seleção brasileira, Lucas França Couto Junqueira.Natural da cidade de São Paulo, considera-se um fanático por esportes e praticava “desde futebol de botão até boxe”, até que um acidente durante um mergulho lesionasse a medula de Lucas, tornando-o tetraplégico, em janeiro de 2009. “Fiz a reabilitação no hospital Sarah Kubitscheck, em Bra-sília, e lá fui apresentado a dezenas de esportes adaptados para pessoas com deficiência. Cheguei a praticar natação, tênis de mesa, bocha e bas-quetebol em cadeira de rodas, mas o rugby em cadeira de rodas foi paixão à primeira vista! Força, estratégia e contato. Com 9 meses de lesão come-cei em um time de rugby de São Bernardo do Campo (SP), e desde então o esporte só me trouxe alegrias”.Em relação à participação nas Paralimpíadas Rio 2016, a ABCR espera que

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o país esteja entre os dez melhores, avaliando como atingível a meta de ficar à frente das demais seleções sul-americanas. “Tive a oportunidade de participar do evento-teste dos Jogos Paralímpicos e senti na pele a emo-ção de jogar em casa. Iremos jogar contra as melhores equipes do mundo e estamos trabalhando forte para fazer bons jogos e orgulhar o povo bra-sileiro”, promete Lucas. Mas antes do principal evento esportivo do ano o Brasil tem mais um com-promisso internacional. A seleção brasileira participará de uma competi-ção internacional em Varsóvia, Polônia, de 12 a 17 de junho. O torneio reu-nirá seleções da Europa e convidados que ainda não foram definidos pela competição.

CURIOSIDADE PARALÍMPICAIdealizador do rugby em cadeira de rodas, o Canadá nunca conquistou a medalha de ouro paralímpica. Nas cinco edições dos Jogos que contaram com a modalidade — quatro delas valendo medalha e uma de demonstração —, os canadenses conseguiram duas pratas e um bronze.

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O BRASIL EM PARALIMPÍADASO país nunca participou com a modalidade em Jogos Paralímpicos, pela falta de tradição no esporte.

O RUGBY EM CADEIRA DE RODAS NO MUNDO

O rugby em cadeira de rodas nasceu na década de 1970, em Winnipeg, no Canadá, como opção esportiva para pessoas com tetraplegia, devido à dificuldade em obter o mesmo desempenho dos atletas que possuíam menor comprometimento para realizar prática no basquetebol em cadei-ra de rodas. Inicialmente chamado de “murderball”, o novo esporte foi desenvolvido a partir de elementos do basquetebol, hockey no gelo, handebol e rugby, permitindo aos tetraplégicos a prática de uma atividade física adequada às limitações desse tipo de deficiência.No entanto, somente nos Jogos Paralímpicos de Atlanta 1996, apareceu como esporte de demonstração. A estreia oficial ocorreu quatro anos de-pois, nas Paralimpíadas de Sidney 2000.

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FICHA TÉCNICADescritivo: Assim como no rugby convencional, a modalidade para cadei-rantes tem muito contato físico. Participam atletas tetraplégicos, divididos em sete classes. São quatro jogadores em cada equipe, que contam ainda com oito reservas cada, com no máximo 8 pontos (soma da classificação funcional) em quadra. Os jogos ocorrem em quadras de 15m de largura por 28m de comprimento e têm quatro períodos de 8 minutos, sendo utilizada uma bola semelhante à bola do voleibol. Se a partida terminar empatada é realizada uma prorrogação de 3 minutos. O objetivo é ultrapassar o gol adversário – localizado na linha de fundo ofen-siva e de dimensão de 8 metros –, com as duas rodas da cadeira e a bola nas mãos. Homens e mulheres jogam juntos em categoria mista. O árbitro paralisa a partida quando dois jogadores seguram a bola ao mesmo tempo ou quando ela fica presa sob a cadeira de um dos atletas. No recomeço da partida, após uma paralisação ou um gol, o atleta tem até 10 segundos para repor a bola em jogo, passando para um companheiro. A modalidade possui ações como bloqueios, passes, dribles e fintas, que são similares às modalidades coletivas convencionais do rugby de campo, bas-quetebol e handebol, e que são realizados de forma constante e intensa.

Existem dois tipos de cadeiras: as de ataque, que possuem um para-cho-que frontal – “asas” – para dificultar que fiquem presas, e as de defesa, com acessório na parte frontal para ajudar a travar e impedir a progressão dos adversários.

Classificação: Os jogadores são classificados em sete classes numéricas, de 0.5 (menos funcional, maior comprometimento), a 3.5 (mais funcional, menos comprometimento). Cada time pode somar, no máximo, oito pontos. Para cada mulher escalada, o time aumenta seu limite em 0.5. A classificação é baseada em: teste de banco (teste muscular realizado em toda a extremidade da musculatura superior, além do exame do alcance do movimento, tônus e sensação), teste funcional do tronco (avaliação do tronco e das extremidades inferiores em todos os planos e situações, que podem incluir um teste manual da musculatura do tronco) e teste de movi-mentação funcional.

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TÊNISEM CADEIRA DE RODAS

Sérgio Gatto, paulistano, já era professor de tênis quando ficou paraplégico em 1990, vítima de um tiro. Apesar do histórico de tenista, Gatto, migrou para o basquetebol em cadeira de rodas, que prati-cou entre 1990 e 1993. Nesse ano, retornou ao tênis, mais especificamente ao tênis em cadeira de rodas, e começou não só a jogar, como a organizar os primeiros passos da modalidade em terras paulistas. Nesses primór-dios, teve a companhia de outro desbravador, Cesar Gabech, seu parceiro nas quadras. “Éramos só nós dois, eu treinava durante a semana em uma academia e o Cesar em outra. Jogávamos com andantes mesmo, essa é uma grande vantagem da modalidade, é possível praticar jogando com pessoas sem deficiência alguma. Eu combinava de encontrar o Gabech nos fins de semana e aí jogávamos um contra o outro”, conta Gatto.Os dois também eram figuras constantes nos torneios organizados por José Carlos Morais, precursor do tênis em cadeira de rodas no Brasil, mais especificamente no Rio de Janeiro. Mas foi em 1998, quando a CBTênis criou o departamento exclusivo para o tênis em cadeira de rodas que Gat-to entrou com tudo nesse universo, tendo ficado à frente do departamento entre 1998 e 2004. “Foi nesse período, com uma estrutura mais organizada e a entrada de dinheiro, por meio de projetos, patrocínios e da Lei Agnelo/Piva que o circuito nacional começou a crescer e a gente pôde vivenciar um boom na modalidade”.Quem começou a vivenciar essa realidade a partir de 1999, foi Maurí-cio Pommê. Hoje com 45 anos, Pommê começou a praticar tênis com 10 anos de idade, incentivado pelo pai. Aos 16 já era primeira classe e dava aulas para reforçar o orçamento familiar. Logo depois conheceu Eduardo Eche, então técnico de vários juvenis promissores, como Ricardo Hocevar e Sumara Passos e, juntos, formaram a Academia Eche Pommê de Tênis. E foi justamente para tentar consertar o telhado de uma quadra coberta na academia que Pommê ficou paraplégico, em 1997. “Subi para ajudar o rapaz a consertar uma telha e ela cedeu, caí de uma altura de 13 metros, não sei como sobrevivi”, conta. Depois de passar mais de dois meses no hospital, Pommê retomou suas atividades como empresário. O tênis em cadeira de rodas, porém, viria a fazer parte da sua vida somente no final de 1999. “Não conhecia, nunca tinha ouvido falar. Foram dois amigos, o Sérgio Gatto e o Cesar Gabech, que trouxeram a novidade para mim”. Em dezem-

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bro daquele ano, Pommê participou de seu primeiro campeonato, no Clube Pinheiros, em São Paulo. “Mas vou ser sincero, não me empolguei muito não”, diz. No ano seguinte, em maio, outro torneio, agora no Rio. Alcançou as semifinais, depois de derrotar o segundo cabeça de chave na segunda rodada. O resultado levou a um convite, representar o Brasil no Mundial da categoria, em julho daquele ano, em Paris. “Ali, convivendo com os melho-res atletas do mundo é que pude perceber a dimensão do jogo.Desde então não parei mais de competir”. Pommê foi o primeiro brasileiro a representar o país numa paralimpíada, Atenas 2004, tendo conseguido seu lugar por critérios técnicos. “Tem que ter uma boa colocação no ranking mundial para entrar na chave principal de uma paralimpíada, os outros ficam na expectativa de um convite”, explica. O convite foi dado a Carlos Santos, o Jordan, outro ícone da modalidade. Apesar de não terem conseguido bons resultados nas paralimpíadas, foram campeões mundiais em 2006 (chave B) e juntos conquistaram o ouro no Parapan do Rio 2007 e bronze em Gua-dalajara 2011, em duplas. “Além desses títulos, fui cinco vezes campeão bra-sileiro, participei das paralimpíadas de Atenas 2004, Pequim 2008 e Londres 2012, e consegui entrada na chave principal por critérios técnicos em todas elas. Defendo o Brasil no mundial da categoria desde 2000, fiquei três anos sem perder uma partida, viajei, conheci o mundo.Representar o Brasil nas paralimpíadas e nos mundiais foi algo inesque-cível, fantástico. Ou seja, Deus fecha uma porta, mas abre outras. É como se ele falasse, “olha, estou te dando uma segunda chance, vamos ver do que você é capaz”. Hoje o tênis em cadeira de rodas é parte da minha vida”, completa Pommê. Ele é atualmente o 66° colocado no ranking mundial da modalidade e vem participando de torneios pela América do Sul, para ga-rantir sua vaga no Rio por critérios técnicos mais uma vez. São os primeiros setenta classificados do ranking que entram direto na chave da paralimpí-ada, mas com um número máximo de quatro atletas por país, o que prati-camente garante Pommê no Rio. “Sou o quarto brasileiro melhor colocado no momento, mas não quero perder a vaga de jeito algum, por isso tenho viajado bastante, disputando torneios da ITF. Quero estar lá, para mim, estar no Rio já será uma vitória. Acredito serem pequenas as chances de medalha, talvez nas duplas, dependendo da chave da competição”. Pommê

BRASILEIROS MAIS BEM COLOCADOS NO RANKING DA ITF

FEMININO – Natalia Mayara; Rejane Candida; Meirycoll Duval; Aline Cabral

MASCULINO – Daniel Rodrigues; Carlos Santos; Rafael Medeiros; Maurício Pommê

O BRASIL EM PARALIMPÍADASQuartas-de-final em Londres 2012, nas duplas com Maurício Pommê e Carlos Jordan

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também desenvolve projetos para quem está começando na modalidade, ligado à sua ONG, a VAMOAÊ. “Procuramos dar condições de desenvolvi-mento para quem se interessa pelo tênis em cadeira de rodas, oferecendo equipamento e quadras para a prática”. Outros projetos dessa natureza es-tão sendo desenvolvidos no Estado, especialmente na capital, grande ABC e na Baixada Santista. Destaque para o projeto que está acontecendo no Clube Espéria, com verba destinada à Confederação Brasileira de Clubes (CBC) e que conta com Sérgio Gatto como um de seus instrutores. “Existem mecanismos sendo criados por intermédio de lei e que ajudam a desenvol-ver o paradesporto no Brasil e em São Paulo”, explica Gatto. No Espéria, são 25 atletas, desde crianças até adultos, que jogam às quartas, sextas e sá-bados. Com certeza novos talentos surgirão dessa e de outras iniciativas. “Hoje em dia o tênis em cadeira de rodas se desenvolveu muito, é um jogo dinâmico, rápido mesmo, com batidas fortes dos dois lados, cada vez se aproxima mais do tênis convencional. Já vi gente sacando a 175 Km/hora, sentado em uma cadeira. É um caminho muito interessante para quem quer se desenvolver em diversos aspectos”, finaliza Gatto.

HISTÓRIA DA MODALIDADE NO MUNDO

O tênis em cadeira de rodas foi criado em 1976, nos Estados Unidos, por Jeff Minnenbraker e Brad Parks. Eles construíram as primeiras cadeiras de rodas adaptadas para o jogo e o difundiram em seu país. Em 1977, foi reali-zado o primeiro torneio pioneiro, em Griffith Park, na Califórnia. O primeiro campeonato nacional nos EUA aconteceu em 1980. Oito anos depois, foi fundada a Federação Internacional de Tênis em Cadeira de Rodas (IWTF). Em 1988, a modalidade foi exibida nos Jogos Paralímpicos de Seul. Em 1991, a entidade foi incorporada à Federação Internacional de Tênis (ITF), que hoje é a responsável pela administração, regras e desenvolvimento do es-porte pelo mundo. Barcelona 1992 foi um marco para o tênis em cadeira de rodas. Desde então, homens e mulheres disputam medalhas nas quadras, em disputas em duplas ou individuais.

HISTÓRIA DA MODALIDADE NO BRASIL

Quando José Carlos Morais – médico, carioca, então jogador da seleção brasileira de basquetebol em cadeira de rodas –, foi para os Jogos Inter-nacionais de Stoke Mandeville, na Inglaterra, em 1985, o tênis em cadeira de rodas simplesmente inexistia no Brasil, era totalmente desconhecido. Mas isso estava para mudar. Durante o evento, o tenista norte-americano Randy Snow fez uma clínica da modalidade. Morais, que era tenista an-tes de ficar paraplégico em 1972, vítima de um assalto, se interessou tanto pelo esporte, que resolveu trazê-lo e difundi-lo no país. Começava assim a história do tênis em cadeira de rodas no Brasil. Junto com Francisco Reis Junior, representou pela primeira vez nossa nação nas paralimpíadas de Atlanta em 1996, ambos como convidados. A Lei Agnelo/Piva, sancionada em 2001, também trouxe benefícios para o tênis em cadeira de rodas. Na esteira da lei, projetos desenvolvidos em Goiânia (GO), Vitória (ES), Belo Ho-rizonte (MG), Niterói (RJ) e em Brasília (DF), fizeram com que o número de praticantes crescesse em progressão geométrica. Crianças e adultos com

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FICHA TÉCNICA Classificação: O único requisito para que uma pessoa possa competir no tê-nis em cadeira de rodas é ter sido diagnosticada com uma deficiência rela-cionada à locomoção, em outras palavras, deve ter total ou substancial per-da funcional de uma ou mais partes extremas do corpo. Se como resultado dessa limitação funcional a pessoa for incapaz de participar de competições de tênis convencionais (para pessoas sem deficiência física), deslocando-se na quadra com velocidade adequada, estará credenciada para participar dos torneios de tênis para cadeirantes. Existe ainda a categoria QUAD, quando o tenista apresenta, no mínimo, três membros afetados. Com relação à regra, a única diferença para o tênis convencional é que no tênis em cadeira de rodas é permitido dois quiques da bola antes da rebatida.

Dimensões da quadra: Uma quadra oficial de tênis deve medir 23,77 metros de comprimento por 10,97 metros de largura paras as partidas de duplas e de 8,23 metros de largura para o jogo de simples (linhas internas). A rede deve ter altura de 1,06 metros e a área de saque onde a bola deve pingar na execução de um saque é de 6,40 metros de comprimento por 4,11 metros de largura.

Regras: O objetivo do tênis é fazer com que a bolinha passa por cima da rede e quique dentro da quadra adversária. No tênis em cadeira de rodas é permi-tido que a bolinha dê dois quiques antes da rebatida para o adversário.

deficiência passaram a ter acesso à modalidade. Atualmente o tênis em cadeira de rodas vive um momento muito bom, com novos projetos sendo consolidados e um calendário de torneios de dar inveja ao tênis conven-cional. Para 2016 estão previstos 10 torneios da ITF em terras brasileiras, propiciando oportunidades para que nossos tenistas alcancem melhores colocações no ranking mundial. Outro dado impressionante é o número de participantes do Brasil nos rankings da ITF. São 40 homens e 12 mulhe-res com pontuação, com destaque para Daniel Rodrigues, de Minas Gerais, no masculino, e Natalia Mayara, de Brasília, no feminino. Ambos estão no chamado Top 20, ou seja, entre os 20 melhores tenistas do planeta. Vale reforçar que tanto Rodrigues, como Mayara, nasceram e cresceram como atletas de alto rendimento, fruto dos projetos desenvolvidos pelo país, es-pecialmente depois de 2000.

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TÊNISDE MESA

Aconteceram na década de 1970 as primeiras competições regionais e nacionais de tênis de mesa para pessoas com defici-ência, promovidas na época pela Associação Nacional do Desporto para Deficientes (ANDE). A instituição foi responsável pela realização dos Jo-gos Parapanamericanos no Rio de Janeiro, em 2007, tendo o tênis de mesa como umas das modalidades participantes da competição. Com o desenvolvimento do esporte adaptado no Brasil, surgiram novas associações, como Associação Brasileira de Desporto em Cadeira de Ro-das (ABRADECAR), que começaram a organizar seus campeonatos. E des-sas competições eram selecionados os atletas que formariam a seleção brasileira de tênis de mesa. Na estreia do Brasil em Jogos Paralímpicos, em Seul 1988, o paulista Keike Shimomaebara foi um dos três atletas que participaram da competição; repetindo a convocação em Barcelona 1992, mas desta vez sendo o único jogador brasileiro no tênis de mesa.A criação do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), em 1995, possibilitou uma nova fase do esporte, com a participação dos atletas do tênis de mesa em competições internacionais, sob a responsabilidade do Comitê. Em 2000 foi fundada a Confederação Brasileira de Tênis de Mesa Adaptado (CBT-MA), mas oito anos depois, a Confederação Brasileira de Tênis de Mesa (CBTM) tornou-se a entidade máxima do desporto após o CPB acolher a decisão da Federação Internacional de Tênis de Mesa (ITTF), indicando que a CBTM deveria ser a única e exclusiva entidade no Brasil. A fusão das modalidades olímpica e paralímpica em uma única entidade administrativa trouxe uma mudança radical que, na avaliação da CBTM, proporcionou melhor estrutura nos eventos e contribuiu para o aumento de adeptos, com o surgimento de vários atletas de bom nível e, conse-quentemente, resultados importantes. Para a atleta e grande incentivadora da modalidade, Soraia Alvarenga a união das categorias foi um passo importante, e trouxe responsabilida-des e obrigações. “Em um mundo cheio de preconceitos e estigmas para enfrentarmos, achei um grande passo para a modalidade e admiro a co-ragem, pois não foram fáceis as adaptações”, avalia. Usuária de aparelho ortopédico desde 1976, Soraia andava quilômetros quando sabia que havia uma mesa para brincar de pingue-pongue. Mais tarde, em 2004, conheceu

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o tênis de mesa na reabilitação desportiva.O envolvimento dela com a modalidade foi além da rotina como esportista. De forma voluntária, foi a responsável por organizar por dois anos conse-cutivos o Campeonato Paulista Paralímpico, que teve sua primeira edição em 2010. “A competição tinha quatro eventos anuais realizados em varia-das cidades dentro do estado de São Paulo”, explica Soraia. Ela também percebeu que, como atleta, tinha algumas limitações de atu-ação. Assim, em 2009, Soraia decidiu fundar a Associação em Defesa da Inclusão e Paradesporto dos Portadores de Necessidades Especiais (ADI-PPNE), para contribuir também com o incentivo à modalidade. Atualmente como gestora de Esporte Nacional e Internacional – EACH/USP-Leste, é responsável por garimpar novos talentos, ministrar palestras em âmbito escolar e universitário e realizar oficinas em centros comunitários. Foi em um desses eventos realizados para divulgar a modalidade que a jogadora Cátia Cristina da Silva Oliveira, de Cerqueira César, experimen-tou o tênis de mesa. Por meio da ajuda de Soraia ela passou a praticar o esporte, e em menos de três anos conquistou duas medalhas nos Jogos Parapanamericanos de Toronto 2015 – ouro no individual e prata em dupla, garantindo vaga para as Paralimpíadas Rio 2016. Além de Cátia, mais seis atletas paulistas representarão o país no evento – Joyce Oliveira (Jundiaí), Paulo Salmim Filho (Jaú), Israel Stroh (Santos), Luis Filipe Guarnieri Manara (Itapetininga), Carlos Carbinatti (Rio Claro) e Jennyfer Parinos (Santos), de um total de 17 jogadores. A expectativa da CBTM para os Jogos Rio 2016 é conquistar três medalhas. A meta ambiciosa tem uma razão: o desempenho do esporte nos Jogos Parapanamericanos de Toronto 2015, quando o tênis de mesa paralímpico brasileiro fez sua melhor campanha na competição, ao subir ao pódio 31 vezes com 15 medalhas de ouro, 10 de prata e 6 de bronze. Uma das atletas cotadas para subir ao pódio é Bruna Costa Alexandre, que compete pelo Time São Paulo Paralímpico, parceria entre o governo de São Paulo e Comitê Paralímpico Brasileiro. Terceira melhor do ranking mundial na classe 10, a jogadora competiu em torneios para atletas sem deficiência até 2009, quando recebeu o convite para mudar de categoria. Aos 6 meses de vida, Bruna teve de amputar o braço direito por conse-quência de uma trombose provocada por uma injeção mal aplicada.Influenciada pelo irmão, começou no tênis de mesa aos 7 anos e aos 12 já integrava a seleção olímpica infantil. “Jogar em casa traz muita pressão, mas por outro lado estou treinando bastante para trazer uma medalha para o Brasil”.

O BRASIL EM PARALIMPÍADASDesde os Jogos de Atlanta 1996 o país é representado na modalidade. A única medalha brasileira veio nos Jogos de Pequim 2008, com a pra-ta conquistada pela dupla Welder Knaf e Luiz Algacir.

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O desenvolvimento do tênis de mesa no estado de São Paulo tem sido ava-liado de maneira muito positiva. Na avaliação da CBTM, além da consolida-ção da cidade de Piracicaba como sede da seleção paralímpica andante, o estado vem sendo um dos principais na briga por títulos paralímpicos nas etapas do Circuito Nacional e nos Campeonatos Brasileiros. No último Campeonato Brasileiro, realizado em 2015, em Lauro de Freitas (BA), dos 134 atletas inscritos, 57 eram do estado de São Paulo. Destaque para o Centro Social Chinês/Superar/Butterfly, de Indaiatuba, que estava representado por 17 jogadores; seguido pela AACD São Paulo e ADIPPNE, ambas com 8 atletas.Para difundir e fomentar a modalidade no estado, uma das iniciativas da CBTM foi a parceria com a AACD, em 2015, que já utilizava o tênis de mesa como um dos esportes para a reabilitação de crianças e jovens com defi-ciência física. Professores foram capacitados com cursos específicos de tênis de mesa e também foi cedido material de ponta, tendo como objetivo auxiliar não só na recuperação física, mas também socializar, descobrir e formar novos atletas para o tênis de mesa paralímpico.Pensando no futuro pós-Jogos Rio 2016, a modalidade parece estar bem en-caminhada no estado. Como apontam os números dos Jogos Escolares do Estado de São Paulo (Jeesp), maior competição esportiva escolar do país, o tênis de mesa aparece como a terceira modalidade – dentre 10 oferecidas – com maior número de inscritos, atrás apenas do atletismo e da natação.

O TÊNIS DE MESA NO MUNDO

A modalidade, regida pela Federação Internacional de Tênis de Mesa (ITTF), está presente nos Jogos desde a primeira edição, em Roma 1960, quando atletas competiram em jogos de simples e duplas, no masculino e femini-no. Mas até chegar ao formato atual de disputa, com medalhas nas cate-gorias individual e por equipes no masculino e feminino, o tênis de mesa teve diversas experiências.Nos Jogos de Heidelberg 1972, foram incluídas as competições por equipe. Já em Arnhem 1980, os atletas só disputaram partidas no individual e por equipes. Em 1984 e 1988, o open entrou no programa. Em Barcelona 1992, as disputas retornaram para individual e equipes, e em Atenas 2004, retor-nou a competição em duplas.

CURIOSIDADE PARALÍMPICAUm dos esportes mais tradicionais dos Jogos Paralímpicos, o tênis de mesa esteve presente em todas as edições, sendo disputado desde os Jogos de Roma 1960 – 28 anos antes de a modalidade estrear no programa dos Jogos Olímpicos. O tênis de mesa é tam-bém um dos esportes que mais distribuem medalhas. Em Londres

2012, por exemplo, 87 medalhas foram conquistadas nessa modalidade.

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FICHA TÉCNICADescritivo: No tênis de mesa participam atletas do sexo masculino e femini-no com paralisia cerebral, amputados, cadeirantes e pessoas com deficiên-cia intelectual. As competições são divididas entre mesatenistas andantes e cadeirantes, com jogos individuais, em duplas ou por equipes. A modalidade segue praticamente os mesmos princípios do torneio olímpico. O atleta deve lançar a bola com a raquete, por cima da rede, na área da mesa do adversá-rio, somando pontos quando o oponente não conseguir devolvê-la. As par-tidas consistem em uma melhor de cinco sets, sendo que cada um deles é disputado até que um dos jogadores atinja 11 pontos. Em caso de empate em 10 a 10, vence quem abrir dois pontos de vantagem. Existem poucas di-ferenças nas regras, como na hora do saque para a categoria cadeirante. Os atletas cadeirantes devem fazer com que a bola ultrapasse a linha de fundo do adversário. Se a bola sair pela lateral, o saque deve ser repetido. É permi-tido jogar com órteses, próteses e muletas, e até usar um tênis mais alto que o outro, para compensar a diferença de comprimento das pernas. Pode-se também usar uma faixa ou bandagem para fixar a raquete na mão.

Classificação: Os atletas são divididos em onze classes, com base em seu alcance de movimentos, força muscular, restrições locomotoras, equilíbrio na cadeira de rodas e habilidade para segurar a raquete. Quanto maior o nú-mero da classe, menor é o comprometimento físico-motor do atleta.• TT1, TT2, TT3, TT4 e TT5: Atletas cadeirantes• TT6, TT7, TT8, TT9 e TT10: Atletas andantes• TT11: Atletas andantes com deficiência intelectual

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TIRO ESPORTIVOPARALÍMPICO

Em 1997, 21 anos após a entrada no programa dos Jogos Paralímpicos, em Toronto 1976, o tiro paralímpico teve início no Brasil, mais precisamente no Centro de Reabilitação da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Segundo a professora doutora Elisabeth de Mattos, que acom-panhou o movimento paralímpico até 2001 – sendo a primeira diretora de Classificação Funcional do Comitê Paralímpico Brasileiro –, a modalidade sofreu uma certa resistência por parte dos atletas com deficiência. “Muitos não se sentiam confortáveis na prática deste esporte, uma vez que haviam adquirido uma deficiência em razão de tiros e violência”, conta.Em 2002, o CPB investiu na modalidade para aumentar o número de prati-cantes no Brasil, realizando, para isso, clínicas de tiro paralímpico. O resul-tado veio no ano seguinte. O trio brasileiro, formado por Carlos Strub, Cillas Viana e Walter Calixto, conquistou uma medalha de bronze na disputa por equipes no Aberto de Apeldoorn, na Holanda. Em Paralimpíadas, o Brasil participou em Pequim 2008 e Londres 2012, com o paulista natural de São Caetano do Sul, Carlos Garletti. Nos Jogos Paralímpicos do Rio, o estado de São Paulo estará repre-sentado pelo paulista Alexandre Galgani, natural de Americana. O atleta iniciou os treinamentos de tiro paralímpico em 2013, quando conheceu o então treinador da seleção brasileira, James Neto, e foi até Curitiba (PR) para receber orientações sobre o esporte, embora já conhecesse o tiro desde criança. Alexandre, que perdeu o movimento das pernas e parcialmente o dos braços aos 18 anos, após mergulhar em uma piscina e sofrer uma lesão na coluna, é líder no ranking mundial na prova R9 (Carabina.22 – 50m – deitado – SH2).“Sempre pratiquei esportes antes do acidente. Fui mesatenista profissional e jogador de basquetebol também. Aprendi a atirar com meu pai quando era criança, e depois do acidente praticava em um clube, mas sem pre-tensões. Um dia um atirador me viu atirar e me perguntou por que eu não começava a treinar para disputar campeonatos“, conta o atleta da ADDG/SP que, desde então, passou a levar a modalidade “a sério”, como ele diz, e vem se aperfeiçoando nela ano após ano.O primeiro título veio logo na segunda prova de que participou, com a con-quista do 1º lugar na I Copa Brasil de Tiro paralímpico, realizada em Curitiba

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(PR). Depois, somaram-se o tricampeonato brasileiro e a obtenção de to-dos os recordes brasileiros em sua categoria.Garantido nas provas R4 (Carabina de Ar – em pé – SH1) e R5 (Carabina de ar – deitado – SH2) na maior competição do paradesporto, Alexandre tem feito um forte trabalho de preparação, com treinos de tiro de segunda a sábado, terças e quintas neurofeedback (técnica utilizada com eletrodos para teste de concentração) com a psicóloga, e treino físico em academia, em dias alternados. “Estou trabalhando para chegar aos Jogos em minha melhor fase e ficar entre os três melhores”, revela o atleta que prometeu ao pai, um grande incentivador e já falecido, que seria campeão mundial. “Vou cumprir esta promessa, pode demorar o tempo que for, mas vou conseguir”.

O TIRO ESPORTIVO PARALÍMPICO NO MUNDO

Administrado pelo Comitê Paralímpico Internacional - IPC e coordenado pelo Comitê Técnico de Tiro do IPC, a modalidade estreou nos Jogos Para-límpicos de Toronto 1976, com modificações no formato de disputa durante os ciclos. Mas há registros de início da modalidade paralímpica na década de 1970, na Escócia.

O BRASIL EM PARALIMPÍADASO Brasil foi representado no tiro esportivo paralímpico nos Jogos de Pe-quim 2008 e Londres 2012, com o atleta Carlos Garletti, de Ponta Grossa (Paraná), competindo nas provas de carabina. Mas a modalidade ainda não trouxe medalha para o país.

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Em Toronto, apenas os homens competiram. Quatro anos depois, em Ar-nhem, Holanda, as mulheres participaram pela primeira vez, inclusive em provas mistas. Em 1984 (Stoke Mandeville e Nova York) e 1988 (Seul), as provas mistas foram retiradas do programa, retornando apenas nos Jogos de Barcelona 1992, para substituir a prova feminina. Desde Atlanta 1996, os três tipos de disputas foram novamente fixados aos Jogos: masculina, feminina e mista.

CURIOSIDADE PARALÍMPICAEmbora o tiro esportivo paralímpico tenha três classes de atle-tas, nas competições paralímpicas competem apenas as clas-ses SH1 e SH2.

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FICHA TÉCNICADescritivo: Os atletas competem em eventos de rifles e de pistola em dis-tâncias de 10 metros, 25 metros e de 50 metros, em competições mistas ou somente entre homens ou entre mulheres. O objetivo é acertar os alvos ele-trônicos com armas e somar mais pontos que seus adversários. O alvo é divi-dido em dez circunferências que valem de um a dez pontos. As regras foram adaptadas pela Federação Internacional do Tiro Paralímpico (ISSF), sendo observado o tipo de deficiência, de prova e de distância. Para evitar doping tecnológico, o uso de próteses e órteses durante a competição é estritamen-te regulamentado.

Provas: Rifles e pistolas de ar, com cartuchos de 4.5mm, são utilizados nas provas de 10 metros de distância. Já nos 25 metros, uma pistola de perfura-ção é utilizada com projéteis de 5.6mm. Rifles de perfuração e pistolas são as armas das provas de 50 metros, também com balas de 5.6mm de diâmetro.

Classificação: O tiro esportivo utiliza um sistema de classificação funcional que permite que atletas com diferentes tipos de deficiência possam compe-tir juntos, tanto no individual como por equipes. Dependendo das limitações existentes – grau de funcionalidade do tronco, equilíbrio sentado, força mus-cular, mobilidade de membros superiores e inferiores, e das habilidades que são requeridas no tiro, os atletas são divididos em três classes.• SH1: Atiradores de pistola e rifle que não requerem suporte para a arma.• SH2: Atiradores de rifle que não possuem habilidade para suportar o peso

da arma com seus braços e precisam de um suporte para a arma, que deve obedecer às especificações do Comitê Paralímpico Internacional.

• SH3: Atiradores de rifle com deficiência visual.

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VELAPARALÍMPICA

Era fim da década de 1990, mais precisamente 1999. Berenice Chiarello, fisioterapeuta com mestrado pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), trabalhava no Clube Paradesportivo Superação, locali-zado na zona sul da capital paulista. Desde os anos 1980, Berenice ministra aulas de natação para pessoas com deficiência física e no Superação o perfil de seus alunos era o mesmo. Foi quando um deles, de forma espontânea, mostrou interesse em velejar, querendo saber se era possível para uma pes-soas com deficiência física praticar a modalidade. O marido de Berenice, Renato Valentim, empresário, tinha na vela sua grande paixão, tendo, inclusive, ganho campeonatos paulistas. Tentando solucionar a questão levantada pelo aluno de sua esposa, Valentim procu-rou a então Federação Brasileira de Vela e Motor (FBVM) para saber o que o Brasil oferecia em termos de vela paralímpica. Foi quando descobriu que nada era feito nesse sentido no país. Renato passou então a pesquisar so-bre a modalidade e decidiu usar barcos da classe Day Sailer, uma categoria da vela convencional, com a intenção de propiciar a prática da vela a quem se interessasse. “Eram os mais parecidos com os barcos oficiais da vela paralímpica, que eram muito caros. Mas estavam longe do ideal, já que esses barcos não têm quilha, diferentemente dos barcos oficiais da vela paralímpica. A quilha ajuda demais a não virar o barco, dá uma estabilidade maior”, explica Valentim. Em 3 de julho daquele ano, o Clube Municipal de Iatismo, na represa de Guarapiranga, em São Paulo, recebeu 15 atletas com vários tipos de deficiência física para o primeiro dia de treinos, coordena-dos pelo casal Renato e Berenice.O grande sucesso desse primeiro trabalho resultou em um convite feito aos atletas paralímpicos para um programa batizado pelos próprios velejadores de Projeto Água-Viva, que consistia em treinamentos realizados em barcos Day Sailer. A participação dos atletas foi crescendo, e em dezembro de 2000 foi realizada, na própria represa de Guarapiranga, a primeira regata para pessoas com deficiência física do Brasil: o Prêmio Grascon-Superação. Em 2001, Valentim, ainda totalmente restrito pela falta de verba, decidiu adap-tar os barcos Day Sailer a pessoas com deficiência. “Fizemos adaptações simples, com travessas e pegadores de mão, para ajudar na locomoção interna pela embarcação e também auxiliando no equilíbrio”. Os primeiros veleiros Day Sailer adaptados a vários tipos de deficiências foram monta-

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dos, os memoráveis Romeu e Saracura, que assim foram batizados. Os atle-tas paralímpicos passaram a competir nesta classe junto aos atletas sem deficiência. As equipes paralímpicas participaram, nos anos posteriores, de campeonatos regionais e nacionais realizados em importantes centros de vela, nas represas de Guarapiranga, Billings, Porto Primavera e no mar, em Ilhabela, Santos, Bertioga e Rio de Janeiro. Em 2002, a assinatura de um con-vênio entre FBVM (Federação Brasileira de Vela e Motor) e o Comitê Para-límpico Brasileiro (CPB) resultou na aquisição dos primeiros barcos da classe 2.4mR (categoria paralímpica) para o Brasil. Com esses veleiros foi possível realizar os Primeiros Jogos Paralímpicos do Brasil, em maio de 2004.Uma importante consequência desse campeonato foi o surgimento do se-gundo núcleo de vela brasileiro, no Rio de Janeiro. Em dezembro de 2004, foi realizado na represa de Guarapiranga o primeiro campeonato Brasileiro de 2.4mR, com 10 atletas de São Paulo, Rio de Janeiro e ainda da Argentina. Mas, mesmo com a compra dos barcos 2.4mR, as embarcações adaptadas da Day Sailer foram utilizadas até 2008, quando foram substituídas por modelos mais avançados, da classe POLI 19. “Em 2005, vislumbramos a possibilidade de construir um barco muito parecido com o da classe Sonar, outra categoria da vela paralímpica. Mas ele seria um pouco menor e muito mais barato, esse seria o grande diferencial. Procuramos o departamen-to de engenharia naval da Escola Politécnica (Poli-USP). Nosso projeto foi contemplado, recebemos cerca de R$ 100 mil e foi fundado o laboratório de vela na Poli, que não existia.A embarcação demorou três anos para ficar pronta”, fala Valentim, que atu-almente coordena a vela paralímpica junto à Federação Paulista de Vela. A FBVM foi filiada ao CPB em abril de 2005. Nesse ano foi contratado o pri-meiro técnico de vela para o núcleo de São Paulo: Vitor Hugo Marcelino. Em 2006, mais dois técnicos foram contratados para os núcleos do Rio de Janei-ro e para o recém-criado de Minas Gerais. Em 2007, seguindo uma orienta-ção do próprio Comitê Olímpico Brasileiro (COB), foi fundada a Confederação Brasileira de Vela paralímpica (CBVA), diretamente ligada ao CPB, e que teve no carioca Walcles Osório seu primeiro presidente. Em fevereiro desse mes-mo ano, foi realizado na represa de Guarapiranga o primeiro Campeonato Brasileiro de Vela Paralímpica de Equipes, que selecionou dois times para representar o Brasil no Mundial da The International Association for Disa-bled Sailing (IFDS). O Mundial da IFDS aconteceu em setembro de 2007, em Rochester (EUA), e era a última classificatória para os Jogos Paralímpicos de Pequim. O resultado dos times brasileiros foi um ótimo 12° lugar, suficiente para garantir uma das 14 vagas reservadas para os Jogos. Sendo assim, a vela brasileira estreou nas paralimpíadas em 2008. Os re-sultados foram discretos, mas a participação em si foi uma grande vitória, especialmente para o casal Renato e Berenice, que viu a semente plantada dez anos atrás, crescer e se fortalecer. O próprio Renato faz questão de mencionar os primeiros atletas de alto rendimento que nasceram e cres-ceram no Projeto Água-Viva: Honório Rocha, Ademir Pereira, Ricardo Mes-sias e Luiz Gouveia, o Luizão. No mesmo ano das paralimpíadas de Pequim, o POLI 19 finalmente ficou pronto e passou a ser utilizado em treinamentos na cidade de São Paulo. Em abril de 2009 a CBVA organizou seu primeiro campeonato brasileiro, com participação de um novo núcleo, criado em

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Santa Catarina. Um ano depois, em abril, mais dois núcleos estiveram re-presentados no campeonato brasileiro de 2010: Brasília e Rio Grande do Sul. Brasília, inclusive, foi a primeira a criar uma federação estadual de vela paralímpica, caminho que deve ser seguido pelos outros núcleos.Nas paralimpíadas de Londres, em 2012, tivemos representantes na clas-se Skud 18. Atualmente, centenas de velejadores treinam e competem nos seis núcleos brasileiros de vela (São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Distrito Federal, Rio de Janeiro e Minas Gerais), nas três categorias pa-ralímpicas: individual (2.4mR) e equipes de 2 (Skud 18) ou 3 atletas (Sonar). Osório, que atualmente é o coordenador técnico da CBVA, cita que o desafio maior, para o futuro, é a divulgação da modalidade pelo país, buscando tra-zer especialmente jovens com deficiência física para a prática. E acredita que teremos bom desempenho no Rio, com boas chances nas três classes. “Pela primeira vez teremos representantes em todas as classes da vela paralím-pica, por sermos o país sede. As equipes estão treinando no Rio de Janeiro, conhecendo a raia que será usada, acostumando-se aos ventos, marés, tem muita coisa a nosso favor”, diz ele. Uma de nossas principais esperanças é Marinalva de Almeida, na classe Skud 18, e que começou na vela paralímpica com Renato e Berenice, treinando já com o POLI 19.Porém, Marinalva, hoje com 38 anos, começou há pouco tempo na vela. Na-tural de Santa Isabel do Ivaí, no interior do Paraná, mudou-se com a família aos 5 anos para Campo Grande (MS). Foi lá, quando tinha 15 anos, que sofreu um acidente de moto e teve a perna esquerda amputada acima do joelho. “No início foi complicado, sabe como é, sou mulher, tinha apenas 15 anos, tem toda a coisa da vaidade também. Mas consegui entender o que estava acontecendo e rapidamente me adaptei à nova realidade”, conta. Começou a frequentar o Clube Paradesportivo Cendef e lá teve contato com outras pessoas com defi-ciência, percebendo que era possível ter qualidade de vida, olhando exemplos

CURIOSIDADE PARALÍMPICAInfelizmente a vela paralímpica não fará mais parte dos Jogos Para-límpicos, depois do Rio. A alegação do International Paralympic Com-mittee (IPC) é que a modalidade não tem apelo mercadológico, por ser disputada em grande parte longe do público, além de não ter o di-namismo pretendido pela televisão. Renato Valentim, porém, diz que existem pressões contrárias, na tentativa de que o IPC volte atrás. Dessa forma, cabe a nós torcer para que Tóquio 2020 tenha a vela no seu programa oficial de competições.

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alheios. Praticou lançamento de dardo, arremesso de peso e halterofilismo, chegando a ganhar medalhas nessa última modalidade. Mas aos 17 anos, ca-sou-se, engravidou (ela tem três filhos) e a rotina familiar, somada ao trabalho (Marinalva era atendente em uma empresa de telecomunicações), a impediu de continuar praticando esportes. Seu retorno às atividades esportivas ocor-reu somente em 2010, quando já morava em Salto, interior de São Paulo. “Fiz um curso profissionalizante no SENAI de Itu. Lá, um amigo com deficiência me falou de corridas de rua. Pensei comigo mesma, esse cara deve ser louco. Como vou participar de uma corrida de rua se uso muletas?”, fala Marinalva, que só foi usar uma prótese três anos depois.Como o amigo insistia e ela tinha bom preparo físico justamente por usar muletas no seu dia a dia, resolveu participar de uma prova com dez quilô-metros de distância. “Estava me sentindo bem. No quinto quilômetro duas meninas juntaram-se a mim, dizendo que iríamos terminar a prova juntas. No nono quilômetro estava exausta, mas as meninas e o público que as-sistia me incentivavam demais. Aquilo virou questão de honra para mim e terminei a prova”. Dali em diante se apaixonou pela prática e passou a cor-rer diversas provas, entre elas uma meia maratona em Foz do Iguaçu (PR). Mas foi a participação na São Silvestre de 2012 que iria mudar a vida de Marinalva. “Fui a primeira mulher a completar a prova de muletas. Aquilo trouxe uma repercussão grande na mídia. Foi quando, em janeiro de 2013, fui procurada pela doutora Linamara Rizzo Battistella, da Secretaria de Es-tado dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Governo do Estado de São Paulo. Ela me fez um convite para participar do Time São Paulo, formado

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por atletas paralímpicos de ponta. Só que a equipe de atletismo já estava completa. Foi quando me ofereceram a vela, eu que nunca tinha velejado na vida!”, lembra Marinalva, que ganhou sua primeira prótese contando justa-mente com o apoio de Linamara. Fez testes e logo foi aprovada, mostrando grande talento na condução de um barco. Passou a treinar com Renato e Berenice e a participar de competições estaduais e nacionais. Ela chegou a ficar em 3° lugar geral em 2014 no Circuito Guarapiranga, competindo com mais de 150 barcos, a maioria deles pertencente à vela tradicional.Em abril de 2015, em acordo firmado entre o Time São Paulo e a CBDV, Marinalva mudou-se para o Rio, a fim de se preparar melhor para a para-limpíada que se aproxima. “As condições de treinamento são muito boas, treino com barco oficial, estou me acostumando com a Baía de Guanabara, local das competições. Além disso, equipes de fora estão vindo treinar aqui, o intercâmbio é fantástico. A equipe inglesa, por exemplo, é receptiva, fico observando como velejam, os ajustes que fazem nos barcos. É impressio-nante como a modalidade evolui, se desenvolve. É preciso estar atualizada o tempo todo”. Sobre a chance de medalhas, ela acredita na possibilidade. “Será difícil, a nata da vela paralímpica estará aqui, mas com muita garra e dedicação vou procurar alcançar um pódio”.

A VELA PARALÍMPICA NO MUNDO

A vela paralímpica no mundo é bastante recente. A modalidade nasceu no iní-cio dos anos 1980, simultaneamente em diversos países e classes de veleja-dores. Um dos marcos da vela paralímpica foi a criação do barco 2.4mR em 1983, na Suécia. Esse pequeno veleiro, para apenas um atleta, rapidamente passou a ser utilizado por atletas com deficiência física em competições ofi-ciais da classe. O primeiro campeonato internacional para pessoas com defi-ciência física foi realizado na Suíça (International Handicap Trophy Regatta). O sucesso foi tão grande que inspirou campeonatos similares na Alemanha, Ho-landa e França. Em 1988, foi fundado o International Handicap Sailing Commit-tee (IHSC). Essa instituição organizava regatas, promovia a vela para pessoas com deficiência física e servia como uma fonte internacional de informações técnicas, viabilizando encontros e fóruns sobre iatismo adaptado.O contínuo interesse da comunidade paralímpica internacional nesse novo esporte culminou com a decisão do Comitê Paralímpico Internacional (IPC), em 1990, de aceitar a vela como esporte de demonstração nos Jogos Mun-diais para Pessoas com Deficiência Física (World Games for People with a Disability). O IHSC foi reconhecido em 1991 pela Federação Internacional de Vela IYRU (posteriormente ISAF) e renomeado International Foundation for Disabled Sailing (IFDS). Em 1992, o Campeonato Mundial de Vela para “Deficientes Físicos” foi realizado na Espanha paralelamente às Paralim-píadas de Barcelona, como forma de divulgar o esporte, entretanto ainda não fazia parte da estrutura dos Jogos. A primeira participação da vela em Jogos Paralímpicos foi em Atlanta, 1996. A modalidade foi apresentada pela primeira vez como esporte de exibição, sem direito a medalhas, e foi um grande sucesso. O IPC rapidamente promoveu a inclusão da vela nos jogos paralímpicos, definindo sua participação nos jogos Paralímpicos de Sidney, em 2000. Atualmente as grandes potências na vela paralímpica são Esta-dos Unidos, Inglaterra, França, Alemanha e Holanda.

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O BRASIL EM PARALIMPÍADAS

Os velejadores brasileiros ti-veram sua primeira participa-ção em uma edição dos Jogos em Pequim 2008. O país foi representado pelo trio Luiz Faria, Darke de Matos e Ros-sano Leitão na classe Sonar, e terminou a disputa na 14ª colocação. Em Londres 2012, o Brasil voltou a ter velejadores na disputa por medalhas, desta vez, na classe Skud 18. A dupla formada por Bruno Landgraf e Elaine Cunha conduziu a em-barcação brasileira nas regatas e terminou a competição em 11º lugar.

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FICHA TÉCNICARegras: A vela paralímpica segue as regras da ISAF (International Sailing Federation) com adaptações feitas pela Federação Internacional do Iatismo para “Deficientes” (IFDS) e pelas Confederações Nacionais, como a CBVA no Brasil. Existem vários tipos de regras, como as fundamentais, que assegu-ram boas práticas esportivas; regras de direito de passagem, que evitam colisões dos barcos e acidentes e regras de condução da competição, que estabelecem os critérios para uma regata justa e imparcial. A IFDS realiza mundiais anuais para as três classes oficiais paralímpicas. Obrigatoriamen-te, os dois mundiais antes dos jogos são classificatórios para estes, e em cada um deles são preenchidas metade das vagas para as paralimpíadas. A classificação obtida nesses mundiais é atribuída ao país e não ao atleta. Cabe a cada comitê nacional estabelecer o critério de seleção dos velejadores que irão representá-los, o que, normalmente, é feito por seletivas nacionais pou-co antes dos jogos.

Veleiros: Na vela olímpica os veleiros são classificados em barcos de quilha e barcos sem quilha. A quilha é uma peça pesada, semelhante a uma bar-batana, que fica sob o casco do barco e lhe confere equilíbrio, estabilidade e segurança. Na vela paralímpica são utilizados apenas veleiros de quilha. Existem 3 classes de vela oficiais das paralimpíadas: a 2.4mR, a Sonar e a Skud 18.• 2.4mR: Os barcos da classe 2.4mR são tripulados por um único atleta.

Essa embarcação possui 2 velas (mestra e buja), mede cerca de 4,1 metros de comprimento e possui 260 quilos. Possui uma quilha que é um prolon-gamento do casco e onde se encaixam peças de chumbo que somam 176 quilos de lastro. O 2.4mR é um veleiro muito técnico, que exige um forte conhecimento de vela, embora não seja necessária uma grande capa-cidade física. Essa embarcação pode ser adaptada para todo tipo de deficiência, podendo, inclusive ser conduzida com os pés. Entretanto, pessoas com deficiências severas possuem mais dificuldade de con-trolá-la, o que diminui suas chances de sucesso nas competições. Por esse motivo, com o surgimento do Skud 18, vários atletas nessa situa-ção adotaram a nova classe.

• Sonar: Os barcos da classe Sonar são tripulados por equipes de três pessoas. São veleiros relativamente grandes, com cerca de 7 metros e pesam aproximadamente 900 quilos. É um barco moderno e rápido, que veleja com 3 velas: mestra, buja e balão; essa última não é utiliza-da em regatas paralímpicas. A tripulação é composta por um timonei-ro, um proeiro e um ajustador de mestra. Cada velejador recebe uma pontuação de 1 a 7 em função de sua deficiência. Como o somatório desses pontos deve ser igual ou menor que 14, várias combinações de deficiências físicas são possíveis, inclusive viabilizando a participa-ção de atletas com deficiência visual. Foi na classe Sonar que o Brasil estreou nos jogos paralímpicos, participando das competições em Pequim, 2008.

• Skud 18: Desde o início da vela paralímpica, velejadores com defici-ências severas, em especial os tetraplégicos, pediam à Federação In-ternacional uma classe específica à sua condição física. Logo após às

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paralimpíadas de Atenas, o barco Skud 18 foi selecionado para esse fim. Trata-se de um veleiro para equipe mista (homem e mulher). Os dois tripulantes são obrigatoriamente um timoneiro com deficiência severa (classificado como 1 ou 2) e um proeiro com uma deficiência física mínima. Esse veleiro possui uma concepção moderna, uma longa quilha com bulbo de chumbo lhe confere grande estabilidade, suas 3 velas são grandes, um balão assimétrico é utilizado quando o barco se desloca nas pernas de popa, e confere ao barco grande velocidade. Foi concebido para ser timo-neado por velejadores com grande restrição de movimentos e para tanto possui flexibilidade de adaptação.

Classificação: O sistema de pontuação baseado no nível de habilidade per-mite que atletas com diferentes tipos de deficiência possam competir juntos. Após a avaliação dos atletas pelo comitê classificador, são concedidos pon-tos, baseados nas habilidades funcionais, que vão de 1 a 7, indo do mais baixo ao mais alto nível de funcionalidade, respectivamente. Atletas com deficiên-cia visual são situados em uma das três classes de competição, baseadas em sua acuidade visual e campo de visão. Para assegurar a participação de atletas com todas as contagens de pontos e todas as classes de deficiências, a pontuação agregada não pode ser maior do que 14, o que permite aos ve-lejadores com deficiência mais severa participar das competições. Na clas-se de barcos Skud 18, os velejadores são classificados como TPA ou TPB. Os velejadores são classificados como TPA quando são adjudicados em 1 ponto pela classificação funcional, ou, quando completando mais de 1 ponto, têm a pontuação funcional do membro superior em 80 pontos ou menos na combi-nação de ambos os braços, juntamente com uma perda de 30 pontos no me-lhor braço. Os velejadores são classificados como TPB quando têm ao menos uma deficiência mínima que os torna elegíveis para velejar. Pelo menos um dos velejadores precisa ser mulher. Para a classe de barcos 2.4mR, os veleja-dores precisam possuir apenas uma deficiência mínima.

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Desde os anos 1990, o voleibol paralímpico recebia atenção dos profissionais que trabalhavam com o esporte adap-tado no Brasil. De acordo com a professora doutora Elisabeth de Mattos, que posteriormente auxiliou na tradução das regras e normas do voleibol paralímpico, eram ministradas palestras e apresentação de vídeos sobre a modalidade, mas nunca houve efetivamente sua iniciação. Mas, em 2002, por um descuido, um apaixonado pelo voleibol convencio-nal descobriu o voleibol paralímpico. “Na época eu trabalhava na institui-ção TRADEF – Trabalho de Apoio ao Deficiente, em Mogi das Cruzes, com o esporte adaptado. Estava há um tempo afastado do voleibol convencional e fui procurar um site sobre o assunto. Por um erro de digitação, acabei encontrando o site da entidade internacional de voleibol para atletas com deficiência. Foi uma novidade para mim e naquele momento decidi que iria desenvolver aquela modalidade”, conta Ronaldo Gonçalves de Olivei-ra, precursor do voleibol paralímpico no Brasil e atualmente orientador de esporte de rendimento paralímpico do Sesi SP, além de técnico do time fe-minino de voleibol paralímpico do Sesi Suzano.Mesmo sem dominar o inglês, o professor encarou o desafio e percebeu, pelas fotos de partidas e da modalidade, que poderia implantar o voleibol paralímpico. “Como se tratava de uma modalidade em que a pessoa com deficiência devia retirar sua prótese para jogar, no início houve certa difi-culdade e resistência por parte dos atletas. Mas, por outro lado, o fato de necessitar de poucos implementos garantia maior possibilidade de suces-so”, avalia Ronaldo. Ele lembra que no começo estavam envolvidos apenas ele e o professor Alexandre Medeiros, de São Gonçalo, Rio de Janeiro.Em 15 de novembro de 2002 foi realizado o primeiro torneio de voleibol pa-ralímpico, em Mogi das Cruzes, com a participação de três equipes – TRA-DEF, Clube dos Paraplégicos de São Paulo (CPSP) e Associação Brasileira de Desporto para Amputados (ABDA), de Niterói.Com o sucesso do torneio, Ronaldo procurou o Comitê Paralímpico Bra-sileiro, que por sua vez apoiou financeiramente a realização, em maio de 2003, do primeiro Campeonato Brasileiro de Voleibol Paralímpico. Partici-param sete equipes masculinas: TRADEF (Mogi das Cruzes/SP), CPSP (São Paulo/SP), ADDESOVI (São Vicente/SP), ANDEF (Niterói/RJ), APARU (Uber-lândia/MG), CEMDEF (São Paulo), AMDEFUVE (União da Vitória/PR), tendo

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como resultado: 1º ANDEF, 2º ADDESOVI e 3º CPSP. As jogadoras tiveram seu primeiro campeonato em 2004.Na ocasião, a convite dos organizadores do campeonato, o representan-te da Organização Mundial de Voleibol para Deficientes (WOVD) para as Américas, Mike Migdesian, veio ao Brasil e observou os atletas brasileiros. E, desta competição, foram convocados os jogadores da primeira Seleção Brasileira de Voleibol Paralímpico, que teve no Parapanamericano de Mar del Plata, na Argentina, em dezembro de 2003, sua estreia internacional já como vice-campeã da modalidade. Pouco mais de um mês antes do campeonato, a modalidade ganhava sua entidade nacional. João Batista Carvalho e Silva, fundador do Comitê Para-límpico Brasileiro e dirigente do paradesporto, criou a Confederação Bra-sileira de Voleibol para Deficientes (na época batizada de Associação Bra-sileira de Voleibol Paraolímpico) em 7 de abril de 2003, ocorrendo a filiação internacional a WOVD e ao CPB.Passados 14 anos, os números comprovam a gigante evolução do voleibol paralímpico no Brasil. Hoje são 35 entidades filiadas de 14 estados, cerca de 544 atletas em 27 equipes masculinas e 8 femininas. Quando o assunto são títulos conquistados, a lista também é grande. A seleção masculina é tricampeã em Parapanamericanos (2007, 2011 e 2015).Em Paralimpíadas a medalha ainda não veio, mas os treinamentos estão sendo realizados mensalmente e um calendário de competições inter-nacionais será cumprido até agosto. “Conseguimos um resultado muito significativo no Torneio Intercontinental na China, considerando que en-frentamos equipes que estarão nos Jogos do Rio. Trouxemos de lá a prata no masculino e o bronze com a seleção feminina. Estamos treinando para subir ao pódio no Brasil”, afirma o presidente da CBVD, Amauri Ribeiro.Ex-jogador e medalhista da Seleção Brasileira de Voleibol, Amauri conhe-ceu a modalidade em 2004, num evento realizado no Centro Olímpico, em São Paulo. Desde então, vem contribuindo para a profissionalização e de-senvolvimento do voleibol paralímpico. Foi técnico voluntário do Projeto Próximos Passos, do Instituto Mara Gabrilli, e técnico da seleção brasileira de 2004 a 2009, quando assumiu a presidência da entidade.No cenário nacional, o estado de São Paulo é protagonista. Das 13 edições do Campeonato Brasileiro, apenas em três ocasiões os vencedores não fo-

O BRASIL EM PARALIMPÍADASO Brasil estreou na disputa nos Jogos em Pequim 2008 apenas com a seleção masculina, que terminou o torneio em 6º lugar. Em Londres 2012 o Brasil teve representantes nos dois gêneros, e em ambos ficou em 5º lugar.

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ram instituições paulistanas. O fortalecimento do esporte ganhou reforço com a criação da Federação Paulista de Voleibol Paralímpico, em 2014. “É uma evolução natural do esporte e a tendência é que sejam criadas no-vas federações à medida que o número de equipes por estados ou regiões cresça e se faça necessária uma gestão melhor”, avalia Amauri. O Campeonato Paulista da modalidade reúne cerca de 10 equipes, sendo disputado em etapas ao longo do ano. Um dos fundadores e atual vice--presidente da entidade estadual, Renato Leite é um dos jogadores que estiveram em quadra no primeiro torneio da modalidade. Com a camisa da seleção brasileira ele é o atleta com maior número de jogos – mais de 500 partidas. Atleta do Clube Paineiras, o jogador praticava atletismo antes de conhecer o voleibol paralímpico. “Não me destacava no atletismo porque não tinha uma boa prótese. No voleibol não preciso de equipamento, somente da mi-nha condição técnica, física e tática”, conta Renato. Sobre a expectativa para os Jogos no Rio 2016, o jogador eleito o melhor líbero do mundo não esconde a emoção. “Será fantástico. Tive a oportuni-dade de jogar o Panamericano Rio 2007 e é muito diferente e emocionante jogar perto dos familiares e da torcida”.

O VOLEIBOL PARALÍMPICO NO MUNDO

A modalidade surgiu em 1956, na Holanda, a partir da combinação entre o voleibol convencional e o Sitzbal (esporte alemão que não tem a rede, praticado por pessoas com mobilidade limitada e que jogam sentadas). A partir de 1967, o voleibol paralímpico passou a ter torneios internacio-nais, sendo aceito como uma modalidade paralímpica em 1978. Em 1980, a modalidade foi incluída no programa de competições dos Jogos Paralím-picos em Arnhem, Holanda, com a participação de sete seleções. Desde 1993 ocorrem campeonatos mundiais da modalidade (masculino, feminino e sub-21), regidos pela Organização Mundial de Voleibol para Deficientes (WOVD). Atualmente, o voleibol paralímpico é praticado por mais de 10 mil atletas em mais de 55 países em todo o mundo, de acordo com a WOVD. Nos últimos Jogos Paralímpicos, em Londres 2012, 198 atletas competiram na modalidade.

CURIOSIDADE PARALÍMPICAAté as paralimpíadas de Sidney 2000, o esporte consistiu em duas disciplinas: voleibol em pé e sentado. No entanto, a partir dos Jo-gos em Atenas 2004, passou a ser disputado apenas com atletas sentados. Foi também em 2004 que as mulheres passaram a dis-putar a modalidade nos Jogos Paralímpicos.

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FICHA TÉCNICADescritivo: No voleibol paralímpico podem competir amputados, prin-cipalmente dos membros inferiores; atletas com paralisia cerebral; le-sionados na coluna vertebral; e pessoas com outros tipos de deficiência locomotora (sequelas de poliomielite, por exemplo). As regras seguem às da modalidade convencional, regidas pela Federação Internacional de Voleibol (FIVB), com algumas adaptações aplicadas pela Organização Mundial de Voleibol para Deficientes (WOVD): os atletas jogam senta-dos e o contato com o chão deve ser mantido em toda e qualquer ação, sendo permitido perdê-lo somente nos deslocamentos. Outra adapta-ção é a permissão para bloquear e atacar o saque.Já a disputa é muito semelhante à do voleibol convencional. Seis joga-dores de cada equipe ficam em quadra e o jogo é dividido em cinco sets (quatro de 25 pontos e um tie-break de 15 pontos). O vencedor do set é a equipe que atingir a pontuação máxima (25 ou 15 pontos) com pelo menos uma vantagem de 2 pontos sobre o adversário. Ganha a partida a equipe vencedora de três sets.

Adaptações: O tamanho da quadra e altura da rede do voleibol paralím-pico são inferiores à modalidade convencional. A quadra mede 10m x 6m contra 18 x 9m, e a altura da rede tem cerca de 1.15m do solo no masculi-no e 1.05m no feminino. A quadra se divide em zonas de ataque e defesa, sendo permitido o contato das pernas de jogadores de um time com os do outro, porém não podem obstruir as condições de jogo do oponente.

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Parte 3

São PauloProtagonismo e fomento ao esporte paralímpico

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Independentemente do estado de São Paulo ser ou não o berço do esporte paralímpico no Brasil, fato inegável é sua significa-tiva relevância no desenvolvimento do paradesporto brasilei-

ro. São Paulo destaca-se pelo pioneirismo em diversas modalida-des e por ser também um polo de fomento e descoberta de talentos paradesportivos.

Foi na cidade de Mogi das Cruzes que teve início o voleibol para-límpico, modalidade que cresceu mais de 1000% em número de

equipes ao longo dos últimos 14 anos. Também foi no Estado que a bocha difundiu-se com tamanha força que hoje é necessária uma seletiva exclusiva para atletas paulistanos antes da realização do re-gional. Sem contar o ciclismo e a vela, que também tiveram início da cidade de São Paulo.São paulistas os atletas reconhecidos internacionalmente, Dirceu Pinto e Daniel Dias, respectivamente, da bocha e natação. Com suas marcas e resultados históricos, levaram o Brasil ao topo do ranking de suas moda-lidades. Daniel Dias já recebeu o troféu Laureus, considerado o “Oscar do Esporte”, três vezes (2009, 2013 e 2016).Em parceria inédita, o Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) e o Governo do Estado de São Paulo, por meio da Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência, assinaram um convênio em novembro de 2001 e criaram o Time São Paulo Paralímpico. Ao longo de cinco anos 41 atletas de 11 modalidades paralímpicas foram beneficiados com ajuda de custo para atletas e treinadores, suporte para aquisição de materiais esportivos e cobertura de gastos com viagens em competições. O valor investido no período ultrapassou os R$ 21 milhões.

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O resultado do investimento chegou em forma de medalhas e melhora constante das marcas pessoais dos atletas. No Parapan de Toronto, em 2015, das 257 medalhas conquistadas pelo Brasil, o Time São Paulo contri-buiu com 65 medalhas, sendo 43 de ouro, 10 de prata e 12 de bronze, com destaque na natação para Daniel Dias e André Brasil, que faturaram 14 ou-ros juntos. Outras modalidades também foram destaque entre os atletas do Time São Paulo, como atletismo, bocha, tênis e tênis de mesa. Antes, nas Paralimpíadas de Londres 2012, eles foram responsáveis por 25 das 43 medalhas brasileiras.Atual campeã mundial no salto em distância para pessoas com deficiência visual, Silvania Costa de Oliveira é um exemplo da estratégia de sucesso do Time São Paulo. “Se hoje eu sou a primeira do ranking mundial é porque tenho o melhor do meu lado – técnico, auxiliar técnico, massoterapeuta, fisioterapeuta, nutricionista e psicóloga. Tudo o que um atleta de alto ren-dimento precisa, eu tenho”, destaca. Quando passou a integrar o Time São Paulo, em 2013, Silvania era a 13ª do ranking e tinha a marca de 4,98m. Em menos de um ano, já pulava para a 6ª colocação no Mundial de Atletismo da França. Hoje ela detém o recorde das américas, com a marca de 5,20m, e está a um centímetro do recorde mundial, cravado em 1997.Para a secretária de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Paulo, Linamara Rizzo Battistella, o legado do Time São Paulo vai além das medalhas já conquistadas e dos resultados que os atletas alcançarão nos Jogos Paralímpicos Rio 2016. “O legado está, principalmente, nas vitórias que inspiram outras crianças e jovens com deficiência, que encontram no esporte, mais que lazer e competição, uma oportunidade de inclusão”.Com este olhar para o futuro, crianças e jovens com deficiência têm nos Jogos Paralímpicos Escolares do Estado de São Paulo a possibilidade da

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descoberta do seu talento esportivo. Na edição de 2015, 687 alunos com algum tipo de deficiência, de 114 municípios do estado, participaram das competições em 10 modalidades. Além de possibilitar a prática esportiva e promover a integração e o inter-câmbio entre os alunos das Unidades Escolares da rede de ensino funda-mental e médio em todo o Estado, os jogos definem os atletas estudantes com deficiência física, intelectual e/ou visual que irão compor a equipe re-presentativa do estado de São Paulo nas Paralimpíadas Escolares.O evento, organizado pelo Comitê Paralímpico Brasileiro para fortalecer o esporte paralímpico desde a base, tem o estado de São Paulo como maior campeão. Foram quatro vitórias - 2009, 2011, 2013 e 2015, nas sete edições realizadas. E as novas gerações de “Dirceus e Daniéis” desfrutarão de um complexo de ponta para a prática do paradesporto – o Centro Paralímpico Brasileiro. Maior legado em infraestrutura dos Jogos Paralímpicos Rio 2016, recebeu investimento de mais de R$ 290 milhões, entre construção e aquisição de equipamentos, e é parte importante do Plano Brasil Medalhas 2016 que tem como meta classificar o país entre os cinco primeiros no quadro para-límpico de medalhas.Localizado no Parque Estadual Fontes do Ipiranga, em área do Governo do Estado de São Paulo, sob administração da Secretaria de Estado dos Direi-tos da Pessoa com Deficiência, o Centro Paralímpico Brasileiro foi financia-do pelo Governo Federal e pelo Governo do Estado de São Paulo e contou com a parceria do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB).

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“O Centro Paralímpico Brasileiro é extraordinário. Tem capacidade para rece-ber até quinze modalidades e foi erguido a partir de uma parceria com dois níveis de governo - estadual e federal. Quando você se atenta à grandiosidade da obra e ao cuidado com o detalhe em cada pedaço, você começa a compa-rá-lo às melhores instalações do mundo. Tenho certeza de que o CT será do mesmo nível, se não melhor, do que os melhores centros do planeta”, afirma o presidente do CPB, Andrew Parsons.Seguindo o conceito de grandes potências do esporte adaptado, como China, Coréia do Sul e Ucrânia, que concentram modalidades em um só local, o Centro de Treinamento Paralímpico pode receber até 282 atletas simultaneamente, das modalidades - atletismo, basquetebol em cadeira de rodas, bocha, esgrima em cadeira de rodas, futebol de 5, futebol de 7, goalball, halterofilismo, judô, natação, rugby em cadeira de rodas, tênis de mesa, tênis em cadeira de rodas, triatlo e voleibol paralímpico.Em uma área projetada com 94 mil metros quadrados, serão construídas instalações esportivas indoor e outdoor, como arena poliesportiva, qua-dras de voleibol e rugby, quadras de futebol e tênis, centro aquático com piscina olímpica e semi-olímpica e pista de atletismo. A área residencial será composta por alojamentos, que contarão com 85 apartamentos; refeitório, lanchonete, lavanderia, academia e vestiários, além de outros espaços de apoio e para setores administrativos. Para os cuidados com a saúde, um Centro de Medicina e Ciências do Esporte, com consultórios para as diversas especialidades, incluindo nutri-ção, com capacidade para 120 consultas por dia.

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AgradecimentoA elaboração deste livro contou com a valiosa colaboração de várias pessoas que, por meio de seu conhecimento, experiência, lembran-ças e muita informação, nos ajudaram a resgatar a história do esporte paralímpico no Brasil e especialmente em São Paulo. Agradecemos pela participação de todos e dividimos a nossa alegria em realizar este projeto que fortalece ainda mais o desenvolvimento do esporte para pessoas com deficiência. Colaboradores: Ciro Winckler (Atletismo), Elisabeth de Mattos, Elisa-beth Fernandes, Gustavo Carvalho (História do CPB), Ivaldo Brandão Vieira (Futebol de 7), João Bentim (CP), Marcelo Camargo (CIEDEF), Mario Sérgio Fontes (Futebol de 5, Goalball e Judô), Paulo de Almeida (ADD e Atletismo), Patricia Moreno Grangeiro (Remo), Renato Valen-tim (Vela), Ricardo Marcondes Macéa (Remo) Rivaldo Gonçalves Mar-tins (Ciclismo Paralímpico), Romolo Lazzaretti (Ciclismo Paralímpico), Sérgio Gatto (Tênis em Cadeira de Rodas), Soraia Alvarenga (Tênis de Mesa), Steven Dubner (ADD e Goalball), Tiago Frank (Basquetebol em Cadeira de Rodas), Valber Nazareth (Esgrima), Vanilton Senatore e Walcles Osório (Vela).

Nossos agradecimentos também aos fotógrafos que cederam ima-gens para este livro: Fred Hoffmann (Vela), Saulo Cruz (Paracanoa-gem), Wander Roberto (Judô / CBDV), Warney Carvalho (Esgrima). Agradecimento especial à MPIX Produções e ao Comitê Paralímpico Brasileiro pela cessão de imagens de grande parte do material foto-gráfico usado neste livro e pelo apoio institucional da Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Governo do Estado de São Paulo.

Finalmente deixamos nosso agradecimento aos colaborado-res, voluntários e parceiros da ADD que sempre estiveram ao nosso lado em nossa trajetória.

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