o lado escuro2 · 2015-12-09 · 2& & oprocesso"de"medicalização"...

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O LADO ESCURO DA DISLEXIA E DO TDAH Profª Drª Maria Aparecida Affonso Moysés 1 Profª Drª Cecília Azevedo Lima Collares 2 O corpo é uma realidade biopolítica; a medicina é uma estratégia biopolítica. Michel Foucault, 1977 Inicialmente, queremos enfatizar que existem pessoas com doenças reais, que levam a deficiências que podem comprometer seu desenvolvimento cognitivo. Não é delas que falamos neste texto. Ao contrário, tratamos de pessoas normais, saudáveis, que apenas apresentam comportamentos e modos de aprender distintos do padrão uniforme e homogêneo que se convencionou como normal. Quem convencionou? Este nosso primeiro questionamento destinase a ativar o pensamento crítico, tão em desuso atualmente. Não negamos a existência de pessoas que lidam com a linguagem escrita de diferentes maneiras, mais do que possamos imaginar; algumas com mais dificuldades, outras com incrível facilidade, a maioria em um continuum entre esses extremos. O que questionamos é a transformação disso em uma pretensa doença neurológica, que jamais foi comprovada e é intensamente criticada no interior do próprio campo médico, muitas vezes tratada somente com intervenção pedagógica. Por que a necessidade de transformar em doença? A quem e a quê interessa? Nesse processo de busca da uniformização de todas as pessoas, os que não se submetem têm sido submetidos a processos desgastantes, humilhantes mesmo, destinados a mostrarlhes – e aos que os circundam – que é mais tranquilo conformarse e deixarse levar... Pessoas absolutamente normais, até serem diagnosticados/rotulados, ocupam os espaços de discursos e de ações que deveriam ser destinados ao acolhimento e atendimento daqueles que realmente têm problemas. A esses, sob a máscara da inclusão, restam cada vez menos corações e mentes efetivamente sintonizados com eles... Até mesmo os parcos recursos públicos a eles destinados têm sido objeto de cobiça dos que inventam e reinventam as doenças do nãoaprender e do comportamento. 1 Professora Titular de Pediatria, Faculdade de Ciências Médicas/ Unicamp. 2 Professora Associada da Faculdade de Educação/ Unicamp (aposentada). LivreDocente em Psicologia Educacional FE/Unicamp. As autoras declaram não ter nenhum conflito de interesse; declaram explicitamente não ter qualquer tipo de vínculo com indústrias farmacêuticas. Por outro lado, declaram seus compromissos com a ética, a ciência e a vida de crianças, adolescentes, homens e mulheres.

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O  LADO  ESCURO  DA  DISLEXIA  E  DO  TDAH    

Profª  Drª  Maria  Aparecida  Affonso  Moysés  1  Profª  Drª  Cecília  Azevedo  Lima  Collares  2    

 

 

O  corpo  é  uma  realidade  biopolítica;  a  medicina  é  uma  estratégia  biopolítica.  Michel  Foucault,  1977  

 

  Inicialmente,  queremos  enfatizar  que  existem  pessoas  com  doenças  reais,  que  levam  a  

deficiências   que   podem   comprometer   seu   desenvolvimento   cognitivo.   Não   é   delas   que  

falamos  neste  texto.    

Ao   contrário,   tratamos   de   pessoas   normais,   saudáveis,   que   apenas   apresentam  

comportamentos   e  modos   de   aprender   distintos   do   padrão   uniforme   e   homogêneo   que   se  

convencionou   como   normal.   Quem   convencionou?   Este   nosso   primeiro   questionamento  

destina-­‐se  a  ativar  o  pensamento  crítico,  tão  em  desuso  atualmente.    

Não  negamos  a  existência  de  pessoas  que  lidam  com  a  linguagem  escrita  de  diferentes  

maneiras,  mais  do  que  possamos  imaginar;  algumas  com  mais  dificuldades,  outras  com  incrível  

facilidade,   a   maioria   em   um   continuum   entre   esses   extremos.   O   que   questionamos   é   a  

transformação   disso   em   uma   pretensa   doença   neurológica,   que   jamais   foi   comprovada   e   é  

intensamente   criticada  no   interior   do  próprio   campo  médico,  muitas   vezes   tratada   somente  

com  intervenção  pedagógica.  Por  que  a  necessidade  de  transformar  em  doença?  A  quem  e  a  

quê  interessa?  

Nesse   processo   de   busca   da   uniformização   de   todas   as   pessoas,   os   que   não   se  

submetem  têm  sido  submetidos  a  processos  desgastantes,  humilhantes  mesmo,  destinados  a  

mostrar-­‐lhes  –  e  aos  que  os  circundam  –  que  é  mais  tranquilo  conformar-­‐se  e  deixar-­‐se  levar...  

Pessoas   absolutamente   normais,   até   serem   diagnosticados/rotulados,   ocupam   os  

espaços  de  discursos  e  de  ações  que  deveriam  ser  destinados  ao  acolhimento  e  atendimento  

daqueles  que  realmente  têm  problemas.  A  esses,  sob  a  máscara  da  inclusão,  restam  cada  vez  

menos   corações   e   mentes   efetivamente   sintonizados   com   eles...   Até   mesmo   os   parcos  

recursos  públicos  a  eles  destinados  têm  sido  objeto  de  cobiça  dos  que  inventam  e  reinventam  

as  doenças  do  não-­‐aprender  e  do  comportamento.  

 

                                                                                                                         1  Professora  Titular  de  Pediatria,  Faculdade  de  Ciências  Médicas/  Unicamp.  2  Professora  Associada  da  Faculdade  de  Educação/  Unicamp  (aposentada).  Livre-­‐Docente  em  Psicologia  Educacional  FE/Unicamp.  As  autoras  declaram  não  ter  nenhum  conflito  de  interesse;  declaram  explicitamente  não  ter  qualquer  tipo  de  vínculo  com  indústrias  farmacêuticas.  Por  outro  lado,  declaram  seus  compromissos  com  a  ética,  a  ciência  e  a  vida  de  crianças,  adolescentes,  homens  e  mulheres.      

2    

O  processo  de  medicalização  

Eu  vejo  o  futuro  repetir  o  passado,  eu  vejo  um  museu  de  grandes  novidades3      

Nas   sociedades   ocidentais,   é   crescente   a   translocação   para   o   campo   médico   de  

problemas   inerentes   à   vida,   com   a   transformação   de   questões   coletivas,   de   ordem   social   e  

política,  em  questões  individuais,  biológicas.  Tratar  questões  sociais  como  se  biológicas  iguala  

o  mundo  da  vida  ao  mundo  da  natureza.  Isentam-­‐se  de  responsabilidades  todas  as  instâncias  

de  poder,  em  cujas  entranhas  são  gerados  e  perpetuados  tais  problemas.    

  No   mundo   da   natureza,   os   processos   e   fenômenos   obedecem   a   leis   naturais.   A  

medicalização  naturaliza  a  vida,  todos  os  processos  e  relações  socialmente  constituídos  e,  em  

decorrência,   desconstrói   direitos   humanos,   uma   construção   histórica   do   mundo   da   vida.  

(Moysés  e  Collares,  2007)  

Não   se   deve   esquecer   que   a   medicina   constitui   seu   estatuto   de   ciência   moderna  

atribuindo-­‐se   a   competência   para   legislar   e   normatizar   o   que   seja   saúde   ou   doença   e,  

honrando   suas   raízes   positivistas,   biologiza   a   vida.   Também   não   se   pode   omitir   que   esse  

processo  se  inicia  com  a  medicina  e  se  mantém  inalterado  em  todos  os  campos  científicos  dela  

derivados,   como   psicologia,   fonoaudiologia,   enfermagem,   fisioterapia.   Apenas   centramos  

nossa  análise  na  medicina  por  seu  carater  epistemologicamente  fundante  de  todos  os  campos  

da  saúde.  

  Esse   processo   de   medicalização   constitui   um   ideário   em   que   questões   sociais   são  

apresentadas   como   decorrentes   de   problemas   de   origem   e   solução   no   campo   médico,   foi  

difundido  por  Ivan  Illich  (1982)  ao  alertar  que  a  ampliação  e  extensão  do  poder  médico  minava  

as  possibilidades  das  pessoas  de  lidarem  com  os  sofrimentos  e  perdas  decorrentes  da  própria  

vida   e   com   a  morte,   transformando   as   dores   da   vida   em   doenças.   Segundo   o   autor,   a   vida  

estaria  sendo  medicalizada  pelo  sistema  médico,  com  sua  pretensão  de  ter  autoridade  sobre  

pessoas   que   ainda   não   estão   doentes,   sobre   pessoas   de   quem   não   se   pode   racionalmente  

esperar  a  cura,   sobre  pessoas  para  quem  remédios   receitados  pelos  médicos  se   revelam  tão  

eficazes  quanto  os  oferecidos  por  familiares  mais  velhos.  

Posteriormente,   esse   processo   foi   bastante   discutido   por   Michel   Foucault   (1977,  

1980),  para  quem  um  dos  elementos  de  sua  sustentação  é  a  dupla  promessa  da  medicina,  ao  

se  afirmar  capaz  de  curar  e  prevenir  as  doenças,  a  ponto  de  poder  construir  um  futuro  em  que  

sua   própria   existência   será   dispensável,   pois   terá   eliminado   todas   as   doenças.   Embora   sua  

impossibilidade   de   realizá-­‐las   esteja   se   evidenciando   mais   e   mais,   a   medicina   mantém   tais  

promessas  em  seu  discurso.    

                                                                                                                         3  O  tempo  não  pára,  de  Cazuza  e  Arnaldo  Brandão  

3    

A   partir   do   final   do   século   20,   será   caracterizada   como   a   medicina   do   poder   e   da  

perplexidade;  poder  por  um  lado,  pois  seu  desenvolvimento  científico  e  tecnológico  lhe  atribui  

maior  poder  de  controle  e  intervenção  sobre  a  vida  e  a  morte;  perplexidade  por  outro,  pois  se  

vê   constantemente   confrontada   por   novos   problemas   e   obstáculos,   que   desafiam   e  

desmentem  suas  promessas  de  salvação  e  de  um  futuro  sem  medicina.  (Entralgo,  1982)  

A  crítica  à  medicalização  da  vida  tem  sido  objeto  de  pesquisa  de  vários  autores;  aqui,  

destacamos  três  –  Peter  Conrad,  Peter  Breggin  e  Thomaz  Szasz  –  por  sua  incansável  luta  contra  

a  medicalização  da  vida  e  o  uso  crescente  de  drogas  psicotrópicas,  com  relevantes  pesquisas  e  

reflexões   teóricas   sobre   o   processo   de   medicalização   em   geral   e   em   particular   do   campo  

educacional  e  comportamental.    

 A  medicalização  da  vida  de  crianças  e  adolescentes  articula-­‐se  com  a  medicalização  da  

educação   na   invenção   das   doenças   do   não-­‐aprender.   A   medicina   afirma   que   os   graves   –   e  

crônicos   –   problemas   do   sistema   educacional   seriam   decorrentes   de   doenças   que   ela,  

medicina,   seria   capaz   de   resolver;   cria,   assim,   a   demanda   por   seus   serviços,   ampliando   a  

medicalização.    

No   Brasil,   a   medicalização   aprendizagem   foi   elemento   fundamental   na   sustentação  

cientificista   do   racismo   e   de   preconceitos   a   classe   trabalhadora,   apresentada   como  

intelectualmente   inferior,   como   já   apresentado   no   capítulo   1   deste   livro.4   A   partir   dos   anos  

1980,  ocorre  a  progressiva  ocupação  desse  espaço  pelas  pretensas  disfunções  neurológicas,  a  

tal   ponto   que   hoje   a   quase   totalidade   dos   discursos   medicalizantes   acerca   de   crianças   e  

adolescentes  referem-­‐se  à  dislexia  e  ao  TDAH.  

 

Da  cegueira  verbal  congênita  à  disfunção  cerebral  mínima  

Eu  prefiro  ser  essa  metamorfose  ambulante...5  

 

A   busca   por   raízes   científicas   das   disfunções   neurológicas   –   quando   e   como   quem  

comprovou   o   quê   –   leva   a   uma   interessante   viagem   pelo   terreno   das   transmutações,   com  

omissões   e   distorções   de   fatos,   criações   de  mitos   etc...   Uma   viagem   que   passa   ao   largo   de  

evidências  científicas,  rigor  metodológico,  ética;  em  síntese,  ao  largo  da  ciência.    

  Para   os   propósitos   deste   texto,   aqui   apresentaremos   uma   breve   história   dessa  

invenção,  com  os  principais  marcos   temporais6.  Como  sinopse,  podemos  adiantar  que  desde  

                                                                                                                         4  Para  maior  aprofundamento,  recomendamos  a  leitura  de  alguns  textos:  Moysés  e  Lima,  1982;  Patto,  1990;  Collares  e  Moysés,  1996;  Moysés  e  Collares,  1997  5  Metamorfose  ambulante,  de  Raul  Seixas  6  Para  uma  revisão  mais  profunda,  remetemos  aos  textos  de  Coles  (1987),  Moysés  e  Collares  (1992),  Conrad  (2006;  2007),  Szasz  (2007)  

4    

1896  sucedem-­‐se  hipóteses  de  doenças  neurológicas  que  comprometeriam  exclusivamente  a  

aprendizagem   e/ou   o   comportamento;   hipóteses   jamais   comprovadas   e   sempre   criticadas  

dentro   da   própria   medicina.   Nessa   trajetória,   sempre   que   o   questionamento   atingiu   o   que  

poderíamos   chamar   de   nível   crítico,   ocorreu   a   transmutação   da   hipótese   vigente   em   uma  

nova,   diferente   e   absolutamente   igual.   Mudanças   apenas   cosméticas,   sem   nunca   atingir   o  

essencial.  

  Iniciemos   essa   breve   história   analisando   o   significado   da   expressão   “distúrbio   de  

aprendizagem”.  

A   palavra   distúrbio   compõe-­‐se   do   radical   turbare   e   do   prefixo  dis.   O   radical   turbare  

significa   “alteração  violenta  na  ordem  natural”  e  pode  ser   identificado   também  nas  palavras  

turvo,   turbilhão,   perturbar,   conturbar.   O   prefixo   dis   por   seu   significado   -­‐   “alteração   com  

sentido  anormal,  patológico”  -­‐  possui,  intrinsecamente,  valor  negativo.  É  exatamente  por  esse  

significado  que  é  um  prefixo  muito  usado  na  terminologia  médica.  Assim,  retomando  a  palavra  

distúrbio,   podemos   traduzi-­‐la   por   “alteração   violenta   na   ordem   natural   por   anormalidade  

patológica”.  

E   a   expressão   distúrbios   de   aprendizagem?   É   bastante   clara.   Refere-­‐se   a   uma  

“alteração  violenta  na  ordem  natural  da  aprendizagem  por  anormalidade  patológica”,  ou  seja,  

uma   doença,   obviamente   localizada   em   quem   aprende.   É   implícito   que,   ao   se   fazer   tal  

diagnóstico,   estão   (ou   foram)  devidamente   excluídos   todos  os   fatores   que  possam   interferir  

negativamente  no  processo  ensino-­‐aprendizagem  (que  não  são  objeto  de  estudo  neste  texto),  

uma  vez  que  não  se  fala  em  “distúrbios  do  processo  ensino-­‐aprendizagem”.  

Portanto,   distúrbio   de   aprendizagem   remete,   obrigatoriamente,   a   um   problema,   ou,  

mais   claramente,   a   uma   doença   que   acomete   o   aluno   -­‐   o   portador   -­‐   em   nível   individual,  

orgânico.   Para   um   problema   individual,   só   podem   surgir   soluções   individuais.   Para   um  

problema  médico,  soluções  médicas.  

A  dislexia  sempre  foi  e  continua  sendo  o  distúrbio  de  aprendizagem  mais  falado  e  mais  

diagnosticado.    

No   final   do   século   19,   já   se   sabia   que   algumas   doenças   neurológicas,   especialmente  

traumatismos   cranianos   e   acidentes   vasculares   cerebrais,   podiam   provocar   ao   lado   de  

sequelas  motoras   importantes  e  facilmente  perceptíveis,  comprometimentos  cognitivos,  com  

perda   da   linguagem   oral   ou   escrita   já   estabelecida,   e   de   comportamento.   A   perda   da  

linguagem   oral   já   era   chamada   afasia;   a   perda   da   linguagem   escrita,   menos   comum,   era  

conhecida  como  “cegueira  verbal”.  

5    

Em   1896,   James   Hinshelwood,   oftalmologista   em   Glasgow,   a   partir   do   contato   com  

alguns   casos   de   cegueira   verbal,   postulou   a   existência   de   “cegueira   verbal   congênita”,  

distúrbio  de  leitura  que  seria  provocado  por  defeito  genético.    

A   concepção   de   que   alterações   orgânicas   e/ou   genéticas   poderiam   comprometer  

exclusivamente   a   aprendizagem  da   leitura   não   teve   repercussão   no   campo  da   educação,   da  

psicologia,   da   linguística,   e   da   própria   medicina.   Os   trabalhos   de   Hinshelwood   não   foram  

citados  por  outros  autores  e  nenhum  outro  autor  publicou  algum  texto  compartilhando  dessa  

linha  teórica7.  Reação  previsível,  pois  a  especulação  era  feita  sem  qualquer  evidência  empírica  

ou   estudo   sistemático.   Posteriormente,   o   próprio   Hinshelwood   publicou   alguns   casos   que,  

segundo   ele,   seriam   patognomônicos   da   doença   descrita;   todos   os   relatos,   porém   eram    

típicos  de  problemas  pedagógicos.  

Apenas  como  exemplo,  citamos  a  menina  que  se  sentia  humilhada  em  sala  de  aula  e  

não  conseguia  ler,  pois  sofria  com  as  gozações  dos  colegas  e  nessa  condição  sua  leitura  piorava  

muito;  o  “tratamento”  prescrito  foi  uma  orientação  à  professora  para  que  não  a  fizesse  ler  em  

voz   alta,   com   grande   melhora   em   seu   aprendizado.   Esse   caso   foi   descrito   como   típico   por  

Hinshelwood,   que   interpretou   o   progresso   da   garota   como   evidência   da   validade   de   seu  

diagnóstico.  (Coles,  1987)  

Apesar   da   falta   de   qualquer   critério   de   cientificidade,   textos   recentes   citam    

Hinshelwood   como   o   primeiro   grande   autor   no   campo   teórico   que   então   se   iniciava,   o   dos  

distúrbios  de  aprendizagem.  Talvez  por  erro,  costumam  apresentá-­‐lo  como  neurologista.    

Em  1918,  Strauss,  neurologista  americano,  especulou  sobre  a  existência  de  uma  lesão  

cerebral   pequena   demais   para   acometer   outras   funções   neurológicas,   mas   suficiente   para  

comprometer   exclusivamente   o   comportamento   e/ou   a   aprendizagem.   Daí,   o   nome   Lesão  

Cerebral  Mínima.    

Também  essa  hipótese  é  publicada  sem  qualquer  evidência  empírica.  A  observação  de  

que   algumas   pessoas   que   sobreviviam   a   doenças   neurológicas   bem   estabelecidas,  

principalmente   infecções   e   traumas,   passavam   a   apresentar,   como   uma   das   sequelas,  

alterações  de  comportamento  (em  relação  a  seu  próprio  padrão  anterior  à  doença),  suscita  a  

ideia  de  que  indivíduos  com  “comportamento  anormal”  poderiam  ter,  como  causa  básica,  uma  

                                                                                                                         7  Em  1925,  William  S.  Gray,  diretor  do  Research  Committee  of  the  Commonwealth  Fund,  iniciou  a  publicação  de  levantamentos  bibliográficos  sobre  o  estado-­‐da-­‐arte  referentes  à  leitura.  No  primeiro  número,  o  comitê  registra,  entre  as  436  referências  listadas,  apenas  uma  que  seguia  essa  linha;  não  por  coincidência,  é  um  trabalho  do  próprio  Hinshelwood.  Segundo  Coles  (I987),  posteriormente  Gray  continuou  dando  pouco  crédito  a  essa  teoria.  

6    

lesão  cerebral.  Lesão  suficiente  para  alterar  o  comportamento,  porém  mínima  o  bastante  para  

não  provocar  outras  manifestações  neurológicas8.  (Schechter,  1982)  

Todas   essas   hipóteses   devem   ser   lidas   no   contexto   da   tendência   constante   da  

sociedade  em  discriminar,  extirpar  o  “perigo”  de  comportamentos  diferentes  dos  socialmente  

estabelecidos   como   “normais”.   As   formas   como   foram   tratados   os   comportamentos  

“desviantes”   ao   longo  da  história   do  homem  é  um  eixo   central   para   se   apreender  porque   a  

medicalização   é   tão   facilmente   aceita   e   disseminada,   uma   vez   que   respondem   a   anseios   da  

própria  sociedade.  A  não-­‐aceitação  das  normas  sociais,  seja  pelo  questionamento  ou  por  sua  

transgressão,   incomoda   a  maioria   das   pessoas   porque   recoloca   tais   normas   em   seu   espaço  

correto,   não-­‐naturais,   portanto   não   obrigatoriamente   corretas9.   Ao   longo   dessa   história   de  

discriminação,  ocorre,   com  o  nascimento  da  ciência  moderna,  a   substituição  da   religião  pela  

ciência  como  legitimadora  dos  critérios  de  normalidade/anormalidade.  Os  bruxos,  os  hereges  

são  transformados  em  loucos,  criminosos,  doentes.  E  a  partir  da  segunda  metade  do  século  20,  

a  medicina,  mais  tarde  acompanhada  pela  psicologia,  estabelece-­‐se  como  uma  das  principais  

fontes  desses  critérios,  emprestando  um  caráter  científico  a  questões  ideológicas.  

Retornando  a  Strauss,  sua  hipótese  não  teve  acolhida  significativa  no  meio  científico  e  

para   a   sociedade   nem   chegou   a   existir.   Embora   já   possa   ser   identificado,   o   processo   de  

biologização  do  comportamento  ainda  está  no  início,  pouco  sofisticado  e,  por  que  não,  pouco  

competente.  Até  então,  a  teoria  não  consegue  se  infiltrar  no  cotidiano,  não  se  concretizando  

de  fato.  

Em  1925,  Orton,  neurologista  americano,  publica  um  relato  de  caso  de  cegueira  verbal  

congênita.   Era   a   primeira   citação   dessa   entidade   após   Hinshelwood.   Publica   o   primeiro,   o  

segundo,   uma   enormidade   de   casos   (talvez   todos   aqueles   que   ninguém   tinha   visto);   daí,  

consegue  vultoso  grant    de  pesquisa  da  Fundação  Rockfeller  e  logo  depois  afirma  que  não  se  

tratava   de   cegueira   verbal   congênita,   mas   sim   de   outra   doença,   descoberta   por   ele,   a  

strephosymbolia.   Segundo   suas   próprias   palavras,   apenas   “observando   crianças   lendo”,  

percebeu  que  as  palavras  formariam  “engramas”  nos  dois  hemisférios,  “idênticos,  simétricos  e  

opostos,  como  as  palmas  das  duas  mãos”;  ao  ler,  por  exemplo,  a  palavra  AMOR,  formar-­‐se-­‐iam  

dois   engramas:   AMOR   em   um   hemisfério   e   ROMA   no   outro.   Daí,   para   evitar   a   confusão   de  

símbolos,   o   cérebro   anularia   o   engrama   ROMA,   de   modo   que   restasse   apenas   AMOR;   se   o                                                                                                                            8  O  nome  que  Strauss  atribui  à  pretensa  patologia  é  essencial  para  o  entendimento  dessa  história.  Até  então,  as  alterações  comportamentais  e/ou  intelectuais  decorrentes  de  uma  doença  neurológica  comprovada  eram  uma  das  muitas  manifestações  de  comprometimento  neurológico,  destacando-­‐se  as  motoras  e  sensoriais.  Ao  se  pretender  a  existência  de  uma  lesão  caprichosa  a  ponto  de  só  interferir  com  o  comportamento  e  a  aprendizagem,  a  ressalva  “mínima”  é  fundamental.  9  Esse  tema  tem  sido  bastante  estudado  por  vários  autores,  podendo  ser  destacados  Foucault,  Ariès,  Basaglia,  aos  quais  remetemos  os  leitores.    

7    

cérebro  não   fosse   capaz  de   fazer   isso,   aconteceria   a   leitura   especular   em  decorrência  dessa  

confusão  de  simbolos  (em  grego:  strephosymbolia).    

Interessante   que,   mesmo   sem   qualquer   comprovação   científica,   por   Orton   ou   por  

qualquer  outro  autor,  a  leitura  especular  é  apresentada  até  hoje  como  um  dos  principais  sinais  

—  e  critérios  diagnósticos  —  de  dislexia.    

Na   literatura,   em   contrapartida,   abundam   pesquisas   mostrando   que   todos   fazemos  

leitura   especular,   em   determinadas   situações,   especialmente   quando   cansados   ou  

estressados;   no   processo   de   alfabetização,   isto   se   torna   ainda  mais   frequente.   Black   (1973)  

comparou  a  ocorrência  de   leitura/escrita  especular  em  pessoas  consideradas  normais  e  com  

diagnóstico   anterior   de   dislexia,   não   encontrando  diferenças:   os  normais   apresentaram  20%  

de   erros   reversos   para   letras   e   7%   para   palavras;   os   disléxicos   apresentaram   22%   e   5%,  

respectivamente.     A   propósito,   também   as   omissões   de   letras   e   palavras,   outro   pretenso  

sinal/critério   de   dislexia,   são   feitas   por   todos,   mais   frequentemente   na   alfabetização;   aliás,  

incoerente  falar  em  omissões  em  alguém  que  está  adquirindo  palavras  e  letras...    

A   importância   atribuída   à   leitura   especular   pelos   que   defendem   a   existência   de  

doenças   neurológicas   que   comprometeriam   exclusivamente   a   aprendizagem   pode   ser  

apreendida  pela  própria  logomarca  da  Associação  Brasileira  de  Dislexia10.  Também  nos  Estados  

Unidos  da  América  se  atribui  grande   importância  a  Orton:  uma  das  mais  antigas  e   influentes  

associações  da  área  chama-­‐se  Orton  Dyslexia  Society,  sendo  inclusive  uma  das  fundadoras  da  

International  Dyslexia  Association,  à  qual  a  associação  brasileira  é  filiada.  Pouco  importa  que  a  

hipótese   de   Orton   jamais   tenha   sido   comprovada;   esse   pequeno   detalhe   será   omitido   da  

versão  oficial.  Mesmo  assim,  é  estranho  que  nunca  nenhum  adepto  dessa  corrente   tenha  se  

interessado  em  conhecer  o  embasamento  de  seu  discurso  e  prática.  Realmente,  essa  história  

passa  muito  longe  da  racionalidade  científica,  situando-­‐se  mais  adequadamente  no  terreno  da  

crença  e  da  fé.  (Heller,  1989)    

Em  1937,  surge  um  novo  personagem  nessa  trajetória.  Sua  façanha  será  fundamental  

para   alavancar   a   construção   em   curso,   porém   seu   nome  –   Bradley   –   será   pouco   citado,   até  

mesmo  relegado  ao  ostracismo,  provavelmente  para  não  manchar  a  biografia  da  entidade  que  

se   construía.   Neurologista   americano,   realizou   experiências   em   crianças   e   adolescentes  

abrigados  em  asilos  e  orfanatos,  dando-­‐lhes  drogas  psicotrópicas  –   calmantes  e  anfetaminas  

(Bradley,   1937).   Seus   efeitos   colaterais,   em   especial   a   dependência   química,   já   eram  

conhecidos  em  adultos  e  por  isso  não  eram  usados  em  crianças.  A  partir  de  experiências  mal  

                                                                                                                         10  O  logo  é  um  quadrado  composto  de  3x3  blocos;  a  sigla  ABD  se  repete  em  cada  linha,  com  uma  letra  em   cada   bloco;   cada   letra   gira   constantemente   sobre   si   mesma,   nos   eixos   vertical   e   horizontal,   em  imagens  especulares  de  si  própria.    

8    

explicadas,   sem   o   mínimo   rigor   metodológico   –   nem   falemos   em   ética   –,   assim   podemos  

resumir   suas   conclusões:   usando   anfetaminas,   todas   as   crianças   com   problemas   de  

comportamento  ou  aprendizagem  apresentaram  melhora  significativa  e  persistente  de  todos  

os   sintomas.   Realizava-­‐se   o   sonho   prometido   pela   indústria   farmacêutica:   um   remédio   que  

melhoraria  todos,  de  tudo  e  para  sempre!  Resultado  jamais  atingido  por  seus  seguidores  e  que  

deve   ser   olhado   com   a   devida   cautela,   para   não   dizer   descrédito.   Quem   desrespeita   seres  

humanos  respeita  dados?  Respeita  seus  pares?  

Podendo   ser   incluído   entre   os   responsáveis   pelos   experimentos   mais   antiéticos   na  

história   da   medicina,   não   estranha   que   Bradley   não   esteja   no   mesmo   panteão   erguido   a  

Orton...   Porém,   abstraído   seu  nome,   sua  hipótese   ganhará   vida   autônoma,   transmutada  em  

teoria  não  questionável,  a  justificar  que  crianças  e  adolescente  normais  sejam  introduzidos  no  

terreno  da  dependência  química,  pela  prescrição  médica  de  psicotrópicos.    

Em   1962,   novo   marco.   Realiza-­‐se   em   Oxford   um   workshop   internacional,   reunindo  

equipes   de   pesquisa   que   se   dedicavam,   desde   1918,   a   encontrar   a   lesão   preconizada   por  

Strauss.   Resultado   unânime:   usando   todos   os   recursos   disponíveis,   nenhuma   equipe  

conseguira  encontrar  a  lesão  nas  inúmeras  pessoas  a  quem  atribuíram  o  diagnóstico  de  LCM.  

Saliente-­‐se  que,  mesmo  não  dispondo  de  toda  a  tecnologia  atual,  dispunham  de  algo  bastante  

preciso:  o  estudo  anatomopatológico,  pois  haviam  acompanhado  várias  pessoas  até  sua  morte  

e  estudado  seu  cérebro  diretamente  ao  microscópio.  

Conclusão   óbvia:   não   havia   lesão   mínima!   O   erro   de   Strauss,   porém,   era   apenas  

conceitual:  se  não  havia   lesão,  só  podia  ser  uma  disfunção!  Assim  nascia  a  famosa  Disfunção  

Cerebral   Mínima   (DCM).   Suas   características:   a)   acometer   apenas   comportamento   e  

aprendizagem,   justamente  as  áreas  mais  complexas  e  de  maior  complexidade  à  avaliação  no  

ser   humano;   b)   critérios   subjetivos,   vagos,   sem   definição   (por   exemplo:   hiperatividade,  

agressividade,  baixa  tolerância  a  frustrações,  entre  inúmeros  outros)  e  sem  número  mínimo  de  

sinais,  de  modo  que  preencher  um  critério  apenas  já  era  suficiente  para  fazer  o  diagnóstico;  c)  

ausência   de   sinais   ao   exame   físico   e   neurológico;   d)   ausência   de   alterações   em   qualquer  

exame   laboratorial,   incluídos   radiografia   e   eletroencefalograma.   Porém,   já   nascia   com   um  

construto  de   fisiopatologia11,  baseado  nas  experiências  de  Bradley  e,  muito   importante,  com  

um  remédio  à  disposição  da  indústria  farmacêutica.    

                                                                                                                         11  A  hipótese  então  aventada  sustenta,  até  hoje,  o  paradoxal:  dar  psicoestimulantes,  como  anfetamina  e  derivados,  para  crianças  e  adolescentes  de  quem  se  diz  serem  hiperativos,  agitados,  agressivos...  Torna  simples  o  complexo:  o  problema  de  base  estaria  na  área  cerebral  responsável  por  filtrar  a  infinitude  de  estímulos  que   chegam  ao  SNC  a   cada  milésimo  de   segundo,  de  modo  que  apenas  os  mais   relevantes  naquela  fração  de  tempo  atinjam  a  cortical  e  se  tornem  conscientes.  Essa  área,  que  realmente  existe,  é  conhecida  pela  sigla  SRAA  (Substância  Reticular  Ativadora  Ascendente)  e  é  elemento  fundamental  para  que   a   atenção   seja   focada   em   alguma   coisa   por   um   tempo.   Eureka!   O   defeito   seria   a   falta   de  

9    

Nesse   momento,   duas   trajetórias   distintas,   iniciadas   uma   com   a   cegueira   verbal  

congênita  e  a  outra   com  a   lesão  cerebral  mínima  confluem  e   se   fundem;  a  primeira  passa  a  

integrar  a  segunda,  sendo  uma  de  suas  manifestações:  entre  os  “critérios”  para  o  diagnóstico  

da  DCM  constavam  os  distúrbios  de  aprendizagem,  sendo  que  o  mais  frequente  seria  a  dislexia  

específica  de  evolução,  novo  nome  da  cegueira  verbal  congênita12.  Mais  uma  vez,  sem  dar  um  

conceito  claro,  muito  menos  dizer  como  fazer  tal  diagnóstico13.  Assim,  ao  diagnosticar  dislexia  

específica  de  evolução  o  diagnóstico  de  DCM  estaria  automaticamente  feito.  

A   partir   desse   ponto,   a   trajetória   de   tais   entidades   nosológicas   sofre   uma   inflexão.  

Antes   restritas   a   poucos   grupos   de   pesquisa,   passam   progressivamente   a   circular   cada   vez  

mais  nas   formas  de  pensar  a  vida  cotidiana;   inicialmente,  vão  ocupando  espaços  maiores  no  

discurso  médico,  difundindo-­‐se  para  o  discurso  psicológico  e  o  pedagógico,  e  daí   invadindo  o  

imaginário  de  quase  todas  as  pessoas14.  A  espiral  passa  a  girar  cada  vez  mais  rápido...  

 

E  surge  o  TDAH!  

Tem  que  ser  selado,  registrado,  carimbado,  avaliado  e  rotulado  se  quiser  voar...15  

 

Em   1984,   a   Academia   Americana   de   Psiquiatria,   considerando   que   os   critérios  

diagnósticos  da  DCM  eram  vagos,  subjetivos  e  confusos  e,  também,  que  o  defeito  localizar-­‐se-­‐

ia  na  área  da  atenção,  propõe  nova  mudança,   lançando  no  mercado  a  mais  nova  sensação:  a  

Attention  Deficit  Disorders  (ADD),  cujos  critérios  eram  ainda  mais  vagos,  todos   iniciados  com  

frequentemente,   acrescido   de   ações   como   parece   não   ouvir,   age   sem   pensar   (!),   falha   em  

terminar   tarefas,   tem   dificuldades   de   aprendizagem.   Pretender   que   tais   critérios   sejam  

objetivos,  quantificáveis,  de  fácil  avaliação,  e  que  uma  criança  só  se  encaixaria  neles  se  tivesse  

algum  problema  neurológico  foge  de  qualquer  racionalidade  científica!  

Menos  de  dois  anos  depois,  nova  mudança  cosmética:  a  ADD  foi  subdividida  em  dois  

subgrupos:   ADD   e,   quando   também   houvesse   hiperatividade   relevante,   ADD-­‐H.   Embora  

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     funcionamento   da   área,   então   um   estimulante   a   faria   funcionar   e   a   atenção   melhoraria   e   o  comportamento   e   a   aprendizagem   também!   Brilhante!   Só   falta   comprovar,   dentro   dos   cânones  científicos,  transcorridos  exatos  51  anos!  12  A  cegueira  verbal  virou  dislexia;  a  cegueira  verbal  congênita  virou  dislexia  específica  de  evolução.  Explicação  para  o  pomposo  nome:  específica  porque  só  comprometeria  a  linguagem  escrita  e  de  evolução  pois  tenderia  a  melhorar  com  o  tempo.    13  Lembre-­‐se  que  se  estava  falando  de  uma  doença  neurológica,  não  de  um  simples  resfriado  ou  de  desobediência,  o  que  nos  autoriza  a  exigir  critérios  precisos,  dentro  da  racionalidade  médica.  Aliás,  a  bem  da  verdade,  o  diagnóstico  correto  de  um  simples  resfriado  obedece  a  critérios  bastante  claros.  14  Inúmeros  fatores  compõem  o  contexto  para  esse  fenômeno;  aqui  destacamos  o  fato  de  já  haver  uma  medicação  à  disposição  e  o  constante  papel  subliminar  das  indústrias  farmacêuticas.  Para  uma  revisão  mais  detalhada,  sugerimos  os  textos  de  Coles  (1987),  Moysés  e  Collares  (1992),  Conrad  (2006;  2007),  Szasz  (2007)  15  Carimbador  maluco,  de  Raul  Seixas  

10    

mantendo   o   déficit   de   atenção   como   problema   central,   a   hiperatividade   recuperava   sua  

importância,  retornando  ao  palco.  Pouco  depois,  nova  alteração:  ADD  se  mantém  e  ADD-­‐H  vira  

ADHD   (Attention  Deficit   and  Hyperativity  Disorders).  No  Brasil,   talvez   pelas   críticas,   o   termo  

distúrbio  –  equivalente  a  disorder  na  língua  inglesa  –  foi  trocado  por  transtorno.    

Surgia  enfim  o  glamoroso  TDAH:  Transtornos  por  Déficit  de  Atenção  e  Hiperatividade.  

Mudam  as  aparências,  mas  a  carcaça  continua  a  mesma...  Nascida  sob  o  discurso  da  

cientificidade   e   da   objetividade   –   para   avaliar   comportamento   e   aprendizagem,   nunca   é  

demais  lembrar  –,  como  é  diagnosticada  a  mais  nova  versão,  os  TDAH?  Basta  visitar  a  página16  

da  associação  que  organiza,  rege  e  controla  os  discursos  sobre  ela.  Lá  se  encontram  os  critérios  

diagnósticos,   que   não   apresentam   alterações   importantes,   nem   mesmo   cosméticas,   em  

relação   aos   da   DCM,   atestando   e   autenticando   seu   caráter   metamorfoseado.   Após  

aprendermos   que   o   diagnóstico   de   TDAH   é   feito   com   base   nos   sintomas   relatados   pelo  

paciente   ou   seus   familiares   e   devidamente   interpretados   por   um   especialista,   somos  

informados   que   não   há   nenhum   exame   que   dê   o   diagnóstico.   Embora   baseado   em   um  

questionário  disponível  na  página  para  ser  impresso  e  respondido  por  familiares,  professores  e  

quem  mais  quiser,  a  ênfase  é  grande  e  compreensível:  o  diagnóstico  só  pode  ser  feito  por  um  

especialista.  Palavra  mágica:  transmite  rigor  e  confiança  e  defende  o  mercado  de  trabalho!    

O  critério  A  (Snap  IV),  por  sua  vez,  é  composto  de  18  perguntas;  as  nove  primeiras  se  

referem   a   desatenção   e   as   seguintes   a   hiperatividade   e   impulsividade.   Respondendo  

afirmativamente  a   seis   itens  em  um  subgrupo,  está   feito,   respectivamente,  o  diagnóstico   de  

predominância  de  déficit  de  atenção  ou  de  hiperatividade  no  TDAH  que,  na  verdade,   já   fora  

definido  quando  os  pais  foram  convencidos  de  que  a  criança  tinha  problemas.  Bem,  quais  são  

as  18  perguntas,  afinal?    

   1.  Não  consegue  prestar  muita  atenção  a  detalhes  ou  comete  erros  por  descuido   nos  

trabalhos  da  escola  ou  tarefas.    2.  Tem  dificuldade  de  manter  a  atenção  em  tarefas  ou  atividades  de  lazer    3.  Parece  não  estar  ouvindo  quando  se  fala  diretamente  com  ele    4.  Não  segue  instruções  até  o  fim  e  não  termina  deveres  de  escola,  tarefas  ou  

  obrigações.    5.  Tem  dificuldade  para  organizar  tarefas  e  atividades    6.  Evita,  não  gosta  ou  se  envolve  contra  a  vontade  em  tarefas  que  exigem  esforço   mental  

prolongado.    7.  Perde  coisas  necessárias  para  atividades  (p.  ex:  brinquedos,  deveres  da  escola,   lápis   ou  

livros).    8.  Distrai-­‐se  com  estímulos  externos    

                                                                                                                         16  www.tdah.org.br;  acesso  em  23/02/2009  

11    

9.  É  esquecido  em  atividades  do  dia-­‐a-­‐dia    10.  Mexe  com  as  mãos  ou  os  pés  ou  se  remexe  na  cadeira    11.  Sai  do  lugar  na  sala  de  aula  ou  em  outras  situações  em  que  se  espera  que  

  fique  sentado    12.  Corre  de  um  lado  para  outro  ou  sobe  demais  nas  coisas  em  situações  em  

  que  isto  é  inapropriado    13.  Tem  dificuldade  em  brincar  ou  envolver-­‐se  em  atividades  de  lazer  de  forma  calma    14.  Não  pára  ou  freqüentemente  está  a  “mil  por  hora”.    15.  Fala  em  excesso.    16.  Responde  as  perguntas  de  forma  precipitada  antes  delas  terem  sido    

  terminadas    17.  Tem  dificuldade  de  esperar  sua  vez    18.  Interrompe  os  outros  ou  se  intromete  (p.ex.  mete-­‐se  nas  conversas  /  jogos).    

 

Porém,  deve-­‐se  destacar  que  é  enfatizado  que  o  questionário  (conhecido  por  SNAP  IV)  

constitui  o  critério  A  e  deve  ser  avaliado  em  conjunto  com  os  demais  critérios17:    

B)  Alguns  desses  sintomas  devem  estar  presentes  antes  dos  7  anos  de  idade;    C)   Existem   problemas   causados   pelos   sintomas   acima   em   pelo   menos   2   contextos  

diferentes  (por  ex.,  na  escola,  no  trabalho,  na  vida  social  e  em  casa);    D)  Há  problemas  evidentes  na  vida  escolar,  social  ou  familiar  por  conta  dos  sintomas;    E)  Se  existe  um  outro  problema  (tal  como  depressão,  deficiência  mental,  psicose,  etc.),  os  

sintomas  não  podem  ser  atribuídos  exclusivamente  a  ele.    

     

Se  alguém  não  se  sentir  incluído...    

Em   síntese,   podemos   afirmar   que   sob   o   cientificista   algoritmo   de   criança   que   não  

aprende   e/ou   criança   com   problema   de   comportamento   +   exame   físico   normal   +   exames  

laboratoriais  normais  esconde-­‐se,  de  fato,  a  criança  que  incomoda.  

A  cada  metamorfose,  sob  a  desculpa  de  dar  maior  objetividade  –  o  que  seria  isso,  em  

se   tratando   de   comportamento   humano?   –,   os   critérios   foram   ficando   mais   e   mais   vagos,  

plenos  de  preconceitos,  prenhes  de  fé  e  ideologia...    

Recentemente,   talvez   porque   quem   traz   em   sua   índole   a   constante   mutação,   a  

metamorfose  das  aparências  servindo  para  que  tudo  continue  como  antes,  também  a  Dislexia  

Específica   de   Evolução   foi   transformada   em   Dislexia   de   Desenvolvimento,   para   deixar   claro  

                                                                                                                         17  Critérios  estranhos  para  que  se  pretenda  objetivos,  suficientes  para  diagnosticar  uma  doença  neurológica:  no  critério  B,  quantos  comportamentos  devem  estar  presentes,  no  mínimo?  E  modos  de  ser,  viver,  se  comportar  e  se  descomportar  já  não  tendem  a  se  iniciar  na  infância?  Os  critérios  C  e  o  D  são  exatamente  iguais,  além  de  que  chama  a  atenção  que  uma  doença  neurológica  possa  não  se  manifestar  em  todo  e  qualquer  contexto,  mas  só  em  dois.  Como  os  pais  de  uma  criança  que  procuram  essa  saída  podem  não  se  influenciar  por  questões  como  essas?  Afinal,  se  procuraram  ajuda  (provavelmente  porque  induzidos  a  isso)  é  lógico  que  acham  que  seu  filho  tem  problemas  de  relacionamento.  Em  relação  ao  critério  E,  além  de  evidenciar  a  busca  de  ampliar  o  alcance  dos  tentáculos  dessa  entidade,  como  afirmar  isso  categoricamente?    

12    

que  se   trata  de  uma  entidade  que  surge  no  decorrer  do  desenvolvimento  da  pessoa18  e  não  

secundariamente  a  alguma  doença  neurológica  que  interrompa,  ou  mesmo  reverta,  o  domínio  

já  estabelecido  da  linguagem  escrita.    

 

A  definição  mais  recente  de  dislexia,  oficialmente  aceita  pelos  autores  que  defendem  

sua  existência  e  pelas  associações  que  se  congregam  em  torno  dela  é  de  2003  e  foi  publicada  

em  revista  da  International  Dyslexia  Association19:    

Dislexia   é   uma   dificuldade   de   aprendizagem   de   origem   neurológica.   É  

caracterizada  pela  dificuldade  com  a  fluência  correta  na  leitura  e  por  dificuldade  

na   habilidade   de   decodificação   e   soletração.   Essas   dificuldades   resultam  

tipicamente  do  déficit  no  componente  fonológico  da  linguagem  que  é  inesperado  

em   relação   a   outras   habilidades   cognitivas   consideradas   na   faixa   etária.   (Lyon,  

Shaywitz  e  Shaywitz,  2003)    

Impossível   não   estranhar   que   uma   doença   neurológica   que   comprometeria   a  

aprendizagem  se  caracterize  por  expressões  que  só  se  desenvolvem  quando  se  domina  bem  a  

leitura,  isto  é,  aquilo  que  ela  comprometeria!  Mais:  suas  características  seriam  resultantes  de  

outras  expressões  que,  do  mesmo  modo,  só  aparecem  quando  já  se  lê  bem!    

Ora,  nenhuma  das  características  apresentadas  é  inata!    

Mas  há  mais:  as  dificuldades  são  inesperadas  para  a  faixa  etária!  Como  se  estivessem  

falando   de   estatura   e   peso,   melhor   ainda,   de   níveis   séricos   de   hemoglobina,   e   não   de  

aquisições  que  somente  acontecem  pela  imersão  da  pessoa  em  seu  contexto  social  e  cultural.  

Omite-­‐se   nossa   condição   de   sujeitos   históricos   e   culturais,   datados   e   situados,   para  

pretenderem  nos  reduzir  a  uma  biologia  de  corpos  sem  vida!    

Por   fim,   fica   patente   a   descontextualização   da   leitura   e   escrita   e   sua   tecnificação;  

abole-­‐se  o   sentido  das  palavras  para  entronizar   fonemas,   sons.  Como  veremos  adiante,  essa  

concepção  se  concretiza  de  vez  ao  proporem  como  tarefas  a  leitura  e  rima  de  pseudopalavras.    

E   como   se   diagnosticaria   essa   estranha   entidade   nosológica?   Parece   não   haver  

dúvidas:  

A  dislexia  é  diagnosticada  dos  seguintes  modos:  a)  por  processo  de  exclusão;  b)  

indiretamente,   à   base   de   elementos   neurológicos;   c)   diretamente,   à   base   da  

freqüência   e   persistência   de   certos   erros   na   escrita   e   na   leitura.     Em   todos   os  

diagnósticos  o  fato  da  criança  não  ter  sido  alfabetizada  pelos  processos  comuns,  

                                                                                                                         18  Impossível  resistir  à  tentação:  no  decorrer  do  desenvolvimento  normal  da  pessoa  normal.  19  O  texto  com  a  definição  oficial  está  disponível  na  página  da  ABD  (www.dislexia.org.br)  e  também  na  da  IDA  (www.interdys.org).  Acesso  em  15/09/2009)  

13    

ou   um   histórico   familiar   com   distúrbios   de   aprendizagem,   são   importantes.  

(Nico,  2009)  

 

O   estranhamento   recomenda   reler,   para   constatar   que   não   nos   enganamos.   Em  

primeiro  lugar,  o  diagnóstico  é  feito  pelos  três  modos  em  conjunto  ou  basta  um?  A  autora  não  

explicita  algo   tão  simples  e   tão   fundamental  em  qualquer   raciocínio  diagnóstico.  Além  disso,  

uma   doença   neurológica   diagnosticada   por   processo   de   exclusão?  Acende-­‐se   a   luz   amarela!  

Isso   é   radicalmente   diferente   de   usar   critérios   de   exclusão   durante   o   raciocínio   clínico   que  

conduz  o  ato  diagnóstico.  Por  exclusão  significa  simplesmente  que,  ao  excluir  todas  as  outras  

causas  por  mim  conhecidas  e  valorizadas,  concluo  que  então  só  pode  ser  essa!!  Esse  tipo  de  

raciocínio  não  se  sustenta  nem  mesmo  no  diagnóstico  de  uma  simples  virose,  de  um  resfriado  

comum,   que   possui   critérios   bem   claros   para   que   possa   ser   aventado.   Depois,   uma   doença  

neurológica   diagnosticada   por   elementos   indiretos??   O   que   seria   isso?   Acende-­‐se   a   luz  

vermelha!!  Por  fim,  um  elemento  direto;  porém,  erros  na  leitura  e  escrita?  Acendam-­‐se  todas  

as  luzes  roxas  e  liguem-­‐se  as  sirenes!!!  

Além  disto,  tudo  que  se  refira  a  aprendizagem  e  comportamento,  tudo  que  se  refira  a  

vida  em  sociedade,   a   relações  e  a   afetos,   tem  “histórico   familiar”!!  Preferências   alimentares  

também  seriam  genéticas,  por  essa  lógica  primária.    

Diagnóstico  de  doença  neurológica  ou  rótulo??  

Cria-­‐se   uma   engrenagem   da   qual   não   há   como   escapar:   afirma-­‐se   que   uma   doença  

neurológica   somente   comprometeria   a   leitura   e   essa   doença   seria   diagnosticada  

exclusivamente  pela  leitura!    

Realmente,  a  racionalidade  médica  não  é  assim!  Essa  lógica  passa  ao  largo  da  ciência,  

passa  longe  da  medicina!  

 

No  decorrer  desses  117  anos,   essas   entidades  nosológicas   vieram   se   conformando  e  

moldando   ao   sabor   de  modismos   e   até  mesmo   da   ciência.   Isso   é   bem  nítido   em   relação   às  

pretensas  causas,  que  transitaram  pelo  trauma  de  parto,  pela  herança  genética,  pelas  alergias  

alimentares,  pelos  corantes  e  conservantes  de  alimentos,  pelos  agrotóxicos...    

Do  mesmo  modo,   elas20   se   alimentam   dos   avanços   tecnológicos   no   campo  médico.  

Avanços   inegáveis,   que  muito   têm   colaborado  para   o   diagnóstico   precoce   de   doenças   reais,  

mas   que   têm   sido   usados   para   dar   um   tom   cientificista   aos   discursos   e   aumentar   sua  

                                                                                                                         20  Sejamos  diretos:  não  são  as  entidades  que  se  moldam,  se  alimentam,  que  fazem  nada,  pois  elas  nem  mesmo  existem;  quem  as  reconstrói  e  molda,  quem  as  alimenta  são  indústrias  e  profissionais  que  se  nutrem    às  custas  delas...    

14    

credibilidade.  Afinal,  a   tecnologia  não  tem  dono  nem  ideologia  e  pode  ser  usada   tanto  pelos  

jedis  como  pelo  lado  escuro  da  força.  

 

A  tecnologia  recicla  e  sofistica  as  justificativas  

Procurando  bem,  todo  mundo  tem  pereba,  marca  de  bexiga  ou  vacina,  

e  tem  piriri,  tem  lombriga,  tem  ameba,  só  a  bailarina  que  não  tem...21  

 

Em   síntese,   até   aqui,   essa   história   fala   de   um   construto   ideológico,   sem   qualquer  

embasamento  científico,  que  muda  constantemente  de  nome  e  aparência,  sem  que  se  altere  

nada  em  sua  essência,  isto  é,  a  biologização  de  seres  culturais,  datados  e  situados  nas  palavras  

de  Paulo  Freire,  na  busca  de  homogeneidade  da  humanidade,  com  rotulação  e  estigmatização  

dos  que  não  se  submetam.    

Não   deve   ser   desprezado   o   fato   de   que   quando   há   um   excesso   de   nomes,   de  

conceitos,  de  causas  para  o  mesmo  fenômeno,  com  grande  chance  nenhum  deles  é  confiável.  

Em  se  tratando  de  doenças,  isso  é  ainda  mais  válido;  para  uma  doença  neurológica,  então...    

Interessante   que   a   cada   volta   da   espiral   de   metamorfoses,   a   cada   novo   nome   que  

surge,   se   afirma,   categoricamente,   que,   agora   sim,   se   tem   a   prova   de   que   aquilo   é   aquilo  

mesmo.   Recentemente,   tivemos   mais   uma   confirmação   da   ausência   de   embasamento  

científico.   Em   setembro  de  2008,   foi   realizado  em  São  Paulo  o  8º   Simpósio   Internacional   de  

Dislexia,  promovido  pela  ABD.  Essa  associação  divulgou   intensamente  o  evento,   inclusive  em  

sua  página,  onde  destacou:    

A  boa  noticia,  veio  com  a  Dra.  Ana  Beatriz  Barbosa  e  Silva,  médica  psiquiatra  e  escritora   que   apresentou   a   palestra   magna   do   Simpósio   –   DDA   e   Dislexia:  Sintomas   Clínicos   e   Neuroimagens.   Segundo   ela,   “mais   do   que   ajudar   no  diagnóstico,  a  neuroimagem  trouxe  a  certeza  que  o  TDAH  (transtorno  de  déficit  de  atenção/hiperatividade)  e  a  dislexia  existem”.22    

   

Se  a  neuroimagem  trouxe  a  certeza  de  algo,  só  se  pode  entender  que  antes  não  havia  

tal  certeza...  

Vejamos,  então,  o  que  as  novas  tecnologias  propiciaram.  Uma  enxurrada  de  pretensas  

provas   do   defeito,   do   que   não   funciona,   e   de   suas   pretensas   causas,   chegando   mesmo   a  

retornar  a  explicações  já  abandonadas.    

Para   maior   clareza,   podemos   dividir   tais   pretensas   comprovações   em   três   grupos,  

segundo  as  técnicas  de  investigação  usadas,  a  refletir  o  tipo  de  defeito  que  se  busca  encontrar:  

anatômicas,  funcionais  e  genéticas.  

                                                                                                                         21  Ciranda  da  Bailarina,  de  Edu  Lobo  e  Chico  Buarque  22  Disponível  em  www.abd.org.br,  acesso  em  23/02/2009  

15    

Aqui,  é  necessário  um  parêntese.    

No   campo  médico,   a  maioria   das   pesquisas   que   buscam   relações   causais   entre   uma  

doença   e   quaisquer   outros   fenômenos   enquadra-­‐se   no  método   epidemiológico,   um   tipo   de  

pesquisa   quantitativa   que   se   distingue   do   experimental   por   não   realizar   diretamente  

experimentos,   limitando-­‐se   a   observar,   acompanhar   e   comparar   determinados   fatos   e  

manifestações   que   ocorrem   ao   longo   do   tempo   em   grandes   populações.   Simplificando,  

podemos   dizer   que   é   como   se   o   pesquisador   estudasse   os   efeitos   de   um   experimento  

realizado  pela  natureza,  ou  por  um  grupo  humano  externo  à  pesquisa,  como  as  consequências  

de  uma  explosão  vulcânica  ou  das  bombas  atômicas   lançadas  em  solo   japonês.  É  um  tipo  de  

pesquisa   muito   usado,   especialmente   quando   seria   antiético   realizar   o   experimento,  

inviabilizando  um  desenho  experimental.  

Obviamente,  por  não   se   realizar  no   interior  protegido  dos   laboratórios,  exige  grande  

rigor  metodológico  e  cautela  nas  conclusões.  Algumas  características  merecem  ser  destacadas.  

Em  primeiro  lugar,  do  mesmo  modo  que  na  pesquisa  experimental,  todos  os  procedimentos  de  

amostragem  (grupo  controle  e  grupo  experimental),  devem  ser  estatisticamente  definidos,  de  

modo   a   garantir   a   seleção   casual   de   sujeitos   e   o   tamanho   mínimo   das   amostras;  

posteriormente,   os   dados   devem   ser   estatisticamente   tratados,   por   programas   de   análise  

adequados  ao  objeto  de  estudo.  Em  segundo,  as  conclusões  têm  um  limite  bem  definido,  pois  

por   mais   sofisticado   que   tenha   sido   o   desenho   da   pesquisa,   o   mais   complexo   tratamento  

estatístico   não   será   capaz   de   fornecer   relações   causais,   somente   correlações   estatísticas;   as  

relações   causais   são,   sempre,   construtos   teóricos   do   pesquisador.   Por   fim,  mas   não  menos  

importante,  a  definição  clara  de  critérios  precisos  para  inclusão  e  exclusão  nos  grupos  controle  

e   experimental;   dito   de   outro  modo,   como   diagnosticar   a   doença   em   estudo?   Isto   significa,  

para  este  texto,  responder  claramente  à  questão:  como  identificar  uma  pessoa  disléxica  entre  

100   mal   alfabetizadas?   Obviamente,   tal   diagnóstico   não   pode   se   basear   no   domínio   da  

linguagem  escrita!  Ora,  mas  é  exatamente  isso  que  é  feito!    

Apenas  como  mais  um  exemplo  da  fluidez  de  tais  critérios,  podemos  citar  o  trabalho  

de  Vellutino   (1979),  que  atingiu  ponto  nodal:  o  círculo  vicioso  e  viciado  de  usar  a   linguagem  

escrita   para   diagnosticar   quem   teria   dislexia.   Em   um   desenho   de   pesquisa   simples   e   bem  

delineado,   o   autor   comparou   adultos   que   haviam   sido   diagnosticados   como   portadores   de  

dislexia   específica   de   evolução   com   adultos   considerados   normais23,   retirando   a   óbvia  

vantagem  que  o  grupo  controle  tinha  em  tarefas  que  envolvessem  a   linguagem  escrita:  usou  

letras  e  palavras  da  língua  hebraica,  desconhecida  de  todos.  Resultado:  os  dois  grupos  tiveram  

                                                                                                                         23  Assumindo  que  a  linguagem  não  é  neutra,  autores  que  questionam  esses  diagnósticos  costumam  chamar  os  pretensos  disléxicos  de  leitores  precários  e  as  pessoas  ditas  normais  de  bons  leitores.  

16    

exatamente   o   mesmo   desempenho,   que   foi   bem   menor   do   que   o   de   um   terceiro   grupo,  

composto   por   adultos   considerados   normais,   de   origem   judaica,   que   conheciam   a   língua  

hebraica.  Para  Vellutino,  o  que  se  chama  de  dislexia  é  apenas  intrusão  lingüística.  

Sem  dúvida,  a  questão  de  como  diagnosticar  quem  será  incluído  na  pesquisa  torna-­‐se  

ainda  mais  relevante  quando  se  trata  de  uma  entidade  nosológica  com  critérios  diagnósticos  

vagos   e   imprecisos   como   vimos.   Dislexia   diagnosticada   pela   leitura;   TDAH   pelos   critérios  

mostrados  acima...  Não  é  assim  que  a  ciência  médica  costuma  ser.  

Pontuadas  essas  características  fundamentais  da  pesquisa  epidemiológica,  analisemos  

o  método  e  o  rigor  científico  que  embasam  o  que  vem  sendo  alardeado  como  últimos  avanços.  

 

De  volta  ao  começo:  o  retorno  da  lesão  anatômica  

Todo  mundo  tem  um  primeiro  namorado,  só  a  bailarina  que  não  tem.  

Sujo  atrás  da  orelha,  bigode  de  groselha,  calcinha  um  pouco  velha,  ela  não  tem24  

 

Na   literatura,   encontram-­‐se   relatos  de   alterações   anatômicas  no   cérebro  de  pessoas  

ditas  disléxicas.   Já  de   inicio,   impressiona  a  existência  de  alterações  em  tantas   regiões:   corpo  

caloso,  cerebelo,  áreas  occipitais,  parietais  e  temporais.  Aprofundando  um  pouco,  percebe-­‐se  

que  cada  localização  é  descrita  por  grupos  diferentes  de  pesquisa,  o  que  já  sinaliza  que  talvez  

nenhum   tenha   achado   algo   concreto.   Continuando,   vemos   que   o   número   de   sujeitos  

estudados  é  sempre  muito  pequeno,  contrariando  uma  das  máximas  nesse  tipo  de  pesquisa:  

quanto  menos  se  conhece  um  assunto,  maior  a  amostragem  necessária.  Aí,  o  espanto:  não  há  

uma   amostragem   bem   definida,   segundo   os   rigores   estatísticos,   nem  mesmo   há   um   grupo  

controle  e  menos  ainda  a  preocupação  em  relatar  como  foi  feito  o  diagnóstico.  Em  síntese,  um  

pequeno  número  de  pessoas  de  quem  os  autores  dizem  que  eram  disléxicos  ou  portadores  de  

TDAH  e  cujo  cérebro  é  perscrutado  ao  microscópio  eletrônico,  em  busca  de  algo  diferente  do  

conhecido.  

Para  maior  clareza,  tome-­‐se  como  modelo  de  entendimento  algo  prosaico.  Imagine-­‐se  

uma  pesquisa  sobre  cefaleia  em  mulheres  acima  dos  40  anos  de  idade.  Se  encontrarmos  uma  

correlação   com  o   uso   de   tintura   de   cabelos,   por   exemplo,   antes   de   tudo   será   preciso   saber  

qual  a  prevalência25  de  uso  de  tinta  nos  cabelos  entre  mulheres  com  mais  de  40  anos  que  não  

têm   cefaleia.   Em   outras   palavras,   sempre   será   necessário   saber   a   prevalência   do   fenômeno  

estudado  tanto  na  população  geral  como  nos  estratos  de  quem  tem  a  doença  e  quem  não  tem.  

Não   observar   esse   raciocínio   científico   básico,   pode   levar   a   afirmar   que   “ter   duas   orelhas   é                                                                                                                            24  Ciranda  da  Bailarina,  de  Edu  Lobo  e  Chico  Buarque.  25  Simplificando,  prevalência  consiste  na  frequência  de  X  em  um  segmento  populacional,  em  um  corte  transversal  de  tempo,  aleatoriamente  definido,  como:  quantos  têm  X  em  um  dia,  uma  semana,  um  ano.  

17    

causa   de   otite   de   repetição,   pois   quase   todas   as   crianças   com   esse   problema   têm   duas  

orelhas”.  

Um   dos   autores   mais   citados   pelos   que   defendem   a   existência   dessas   entidades,  

quando  tentam  justificar  a  pretensa  doença  por  um  defeito  na  anatomia  do  sistema  nervoso  

central   (SNC)   é   Galaburda,   que   possui   grande   número   de   artigos   em   periódicos   e   livros,  

sempre  afirmando  categoricamente  a  existência  de  alterações  anatômicas  em  disléxicos,  com  

destaque   para   a   existência   de   ectopias   neuronais   em   córtex,   tálamo   e   cerebelo,   além   de  

simetria  neuronal  no  plano  temporal  .  Eis  o  relato  do  próprio  autor  de  como  surge  sua  linha  de  

pesquisa:  

“Finalmente,  no  final  dos  anos  70  do  século  passado,  se  encontrou  a  evidência,  quando   Galaburda   e   colaboradores   (1985)   publicaram   os   resultados   de   vários  estudos   em   cérebros   disléxicos   que   indicavam  a   presença   de   sutis   anomalias   do  processo   de   migração   celular   ao   neocórtex.   Estas   consistiam   em   ninhos   de  neurônios  mal  localizados  na  capa  1  do  córtex  cerebral,  chamadas  ‘ectopias’,  e  em  focos  infrequentes  de  microgiria,  especialmente  localizados  no  córtex  perisilviano,  que  contém  as  zonas  da  linguagem.  Achados  subsequentes  implicaram  também  o  tálamo   e   o   cerebelo.   A   localização   destas   anomalias   no   desenvolvimento   do  encéfalo   foram   relacionadas   tanto   com   problemas   fonológicos   e   déficit   de  processamento  auditivo,  como  também  com  transtornos  motores  com  frequência  presentes  em  disléxicos;  para  melhor   compreender  as   relações  de   causa  e  efeito  entre  as  características  do  cérebro  e  as   funções  de  conduta   foram  desenvolvidos  modelos  animais”  (Galaburda  e  cols,  2006)  

 

Acenda-­‐se   a   luz   amarela:  modelo   animal   para   dislexia??   Permaneça   acesa:   como   foi  

feito  o  estudo:  quantos  disléxicos,  diagnosticados  de  que  jeito?  As  alterações  encontradas  têm  

real   significado   patológico?   Isto   é,   quantos   de   nós,   que   tivemos   a   sorte   de   não   cair   nesse  

diagnóstico/rótulo,  temos  ectopias  neuronais?  E  simetrias,  quantos  temos?  Nenhuma  resposta  

à  pergunta  que  os  autores  nem  se  preocupam  em  fazer...  

Não  foi  fácil  encontrar  a  resposta  nos  textos  do  autor  ou  de  seus  seguidores.  No  texto  

de  1985,  Galaburda  estudou  os  cérebros  de  quatro   (!)  disléxicos.  Posteriormente,  publicou  o  

relato  de  mais  um  disléxico  com  alteração  anatômica  cerebral.  Ao  todo,  o  autor  mais  citado  e  

que  mais   pesquisou   a   anatomia   do   SNC   em  pretensos   disléxicos   estudou   cinco   (!!)   pessoas,  

com  idades  de  12  a  30  anos,  sem  jamais  explicitar  como  foi  feito  o  diagnóstico.    

Em  contraste,  o  mesmo  autor  publicou  em  1987,  estudo  sobre  o  plano   temporal  em  

100   cérebros   obtidos   pós-­‐morte,   todos   sem   qualquer   alteração   patológica,   de   pessoas   das  

quais   não   se   conhecia   nenhum   dado   relativo   a   sexo   e   dominância   lateral;   também   não   há  

qualquer  referência  a  patologias,  aí  incluídas  dislexia  e  TDAH26.  Os  resultados  mostraram  que  a  

                                                                                                                         26  Embora  a  pesquisa  tenha  sido  financiada  pelo  Dyslexia  Research  Grant  e  pelo  Orton  Dyslexia  Grant  (mais  uma  vez,  o  reconhecimento  e  a  exaltação  a  Orton,  pela  transformação  de  leitura  especular  em  sinal  de  doença),  no  texto  a  palavra  dislexia  aparece  apenas  duas  vezes,  em  uma  mesma  frase,  quando  

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relação  de  tamanho  dos  dois  lobos  temporais  percorre  um  continuum  entre  dois  os  extremos;  

16%   dos   cérebros   normais   eram   simétricos   no   plano   temporal;   o   restante   era   assimétrico,  

sendo  63%  com  lobo  esquerdo  maior  e  21%  com  lobo  direito  maior.  Os  autores  afirmam  não  

ser  possível  qualquer  inferência  sobre  as  causas  e  consequências  funcionais  dessas  diferenças,  

nem  mesmo  aventando  a  hipótese  de  que  a  simetria  poderia  ser  patológica.  (Galaburda  e  cols,  

1987)    

Enfim,  é  com  base  em  extrapolações  a  partir  de  cinco  pessoas  e  de  modelos  animais  

que  se  afirma,   tão  categórica  e   tão   tranquilamente,  que  a  dislexia  e  o  TDAH  são  provocados  

por  alterações  do  desenvolvimento  anatômico  cerebral.  Mesmo  que  mostrem  um  padrão  que  

se  encontra  em  16%  da  população  normal!  

Com  essa   disposição   em   transformar   processos   e   fenômenos   normais   em  provas   de  

doença,  só  mesmo  a  bailarina  pode  não  ter  problemas...  

 

Mudar  para  manter:  agora  a  lesão  anatômica  seria  genética  

Futucando  bem,  todo  mundo  tem  piolho,  ou  tem  cheiro  de  creolina,  

todo  mundo  tem  um  irmão  meio  zarolho,  só  a  bailarina  que  não  tem27  

 

Já   nos   anos   1960,   com   o   surgimento   da   DCM,   surgiam   as   primeiras   tentativas   de  

explicar   sua   origem   genética.   Os   argumentos   eram   primários   demais,   tratando  

comportamento   como   se   fosse   cor   de   olhos   ou   tamanho   de   ervilhas,   de   um   modo   tão  

simplista  que   fariam  Mendel   se  arrepiar...  A  partir  de  uma  maior  prevalência  entre  meninos  

(3:1  em  comparação  com  meninas),  de  ser  mais  comum  em  filhos  de  pais  com  o  diagnóstico  e  

do   fato   de   que,   embora   menos   frequente,   era   mais   grave   em   meninas,   chegou-­‐se   não  

simplesmente  à  conclusão  de  que  seria  uma  doença  genética,  mas  de  que  sua  herança  era  do  

padrão  recessivo,  ligado  ao  sexo.  Simples:  haveria  de  ser  um  gene  do  cromossomo  X;  bastaria  

um  gene  alterado  para  desencadear  a  doença  em  meninos  (pois  eles  têm  um  cromossoma  X  e  

um  Y);  como  na  menina  seriam  necessários  dois  (genótipo  XX),  seria  mais  grave.    

Simples  demais,  para  não  dizer  simplório,  ignorando  que  se  trata  de  comportamento  e  

aprendizagem,  as  áreas  mais  complexas  dos  seres  humanos;  plenos  de  subjetividade,  sujeitos  

constituídos   pela   linguagem   e   pelos   saberes,   pela   imersão   na   cultura   e   na   história,  

transformados   em   corpos   biológicos;   pior,   reduzidos   a   genes...   Com   freqüência,   os   que   nos  

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     os  autores  tentam,  a  partir  de  seus  resultados  sobre  o  continuum  da  relação  de  tamanho,  especular  sobre  a  divergência  de  resultados  na  literatura  sobre  dominância  lateral  e  linguagem.  Para  reforçar  sua  especulação,  citam  estudo  sobre  a  associação  entre  distúrbio  de  aprendizagem,  dominância  lateral  e  cor  de  cabelo!!    27  Ciranda  da  Bailarina,  de  Edu  Lobo  e  Chico  Buarque.  

19    

pretendem  reduzir  a  um  determinismo  genético   ignoram  que  aprendemos  modos  de  pensar,  

de   ser,   de   agir   com   as   pessoas   em   nosso   entorno.   Assim,   é   simplista   e   biologizante   demais  

ignorar  que  uma  criança  cujos  pais  tiveram  dificuldades  para  controlar  o  esfíncter  vesical  terá  

grande  chance  de  repetir  a  história,  apresentando  enurese,  pois  será  educada  por  pessoas  que  

lidam   mal   com   o   fato;   inconsciente,   ou   mesmo   explicitamente,   será   informada   de   que   se  

espera  e   se  aceita  que   faça  xixi  na  cama  até   tal   idade.  Se  quisermos   falar  em  herança  nessa  

situação,  melhor  agregar  o  adjetivo  fundamental:  herança  cultural.  Também  as  relações  com  a  

aprendizagem,   a   leitura,   a   escola   são   apreendidas   e   aprendidas   no   interior   da   família   e   do  

grupo  social  a  que  se  pertence.  Analfabetismo  não  é  genético,  mas  a  falta  de  acesso  aos  bens  

culturais  costuma  ser  herdada  em  sociedades  marcadas  pela  desigualdade...  

Essa   onda   da   causa   genética   submergiu   com   o   tempo,   substituída   por   outros  

modismos   do   momento,   inspirados   na   ecologia   e   preocupações   com   a   natureza,   isto   é,   os  

agrotóxicos  e  produtos  químicos  empregados  na  industrialização  de  alimentos.  Porém,  com  os  

avanços  da  genética,  essa  pretensa  causa  dessa  pretensa  doença  retornou  em  sua  plenitude.  

Somos  bombardeados  o   tempo   todo  pela  descoberta  de  quatro  alterações   cromossômicas  e  

de  quatro  genes  causadores  da  dislexia.    

Um  momento!  Retorne-­‐se  ao  parágrafo  anterior!  Quatro  alterações  cromossômicas  e  

ainda  mais  quatro  genes  causando  uma  só  doença?  Algo  estranho...  Quando  há  muitas  causas  

envolvidas  é  grande  a  chance  de  não  se   ter  ainda  acertado  o  alvo;  mais  ainda  quando  todas  

são  de  mesma  ordem  e  mesma  grandeza...  

Descrevem-­‐se   alterações   nos   cromossomas   1,   6,   12   e   15.   Também   se   afirma  que   os  

genes  DYX1C1,   KIAA0319,  DCDC2   e   ROBO1,   entre   outros  menos   cotados,   seriam   a   causa   da  

dislexia  de  desenvolvimento.  Aprofundando  só  um  pouco  a  pesquisa,  começa  a  ficar  claro  que  

cada   grupo   de   autores   defende   que   a   sua   descoberta,   de   um   cromossoma   ou   de   um   gene,  

causaria   tal   doença.   Ah,   bom!   Assim   fica   mais   claro.   Não   há   concordância   entre   os   que  

defendem   uma   causa   genética   para   uma   pretensa   doença.   Continuando   a   busca,   outra  

surpresa:   alguns   autores   citam   todas   as   oito   possibilidades,   sem   hierarquia   entre   elas,  

deixando  escapar  no  não-­‐dito  que  se  trata  de  oito  hipóteses,  ainda  a  comprovar.  Mais:  vários  

textos   referem-­‐se   a   esses   quatro   genes   com   a   sigla  GCPD,   que   significa  genes   candidatos   a  

predispor   a   dislexia.   Ou   seja,   genes   que   estão   disputando   o   troféu   de   serem   considerados  

predisponentes  –  e  não  causadores  –  mas  que,  mesmo  para  só  isso,  ainda  precisam  provar  que  

merecem  tal  troféu!!    

Alguns   autores   são   reiteradamente   citados   pelos   que   defendem   a   existência   da  

dislexia  e  do  TDAH,  quando  pretendem  convencer  que  são  doenças  genéticas.  Apenas  como  

exemplo,  analisemos  alguns.  Em  todos,  busquemos  o  rigor  metodológico  que  se  exige  de  uma  

20    

pesquisa  desse   tipo,   com  ênfase  na  questão:   como   foi   feito  o  diagnóstico  e   como   foi   feita  a  

seleção  de  sujeitos?  O  ponto  central,  lembrando  que  se  trataria  de  uma  doença  neurológica,  é:  

admitindo  que  exista,  como  identificar  uma  pessoa  com  dislexia  de  desenvolvimento  entre  100  

mal   alfabetizadas?   No   campo   médico,   inclusive   na   neurologia,   exigem-­‐se   critérios   claros,  

precisos,  rigorosos  e  objetivos...  

Um   trabalho   muito   citado   é   o   de   Smith   e   cols   (1983),   relatando   que   o   padrão   de  

herança   em   famílias   com   distúrbio   de   leitura   seria   aparentemente   autossômico   dominante,  

sugerindo   que   um   gene   com   papel   etiológico   estaria   no   cromossomo   15.   Nenhuma   palavra  

sobre   o   diagnóstico,   apenas   se   afirma   que   tinham   distúrbio   de   leitura;   os   sujeitos   foram  

intencionalmente  escolhidos,  sem  referência  a  grupo  controle.    

Também   buscando   o   padrão   de   herança   da   dislexia,   Pennington   e   cols.   (1991)  

estudaram  1698   pessoas,   pertencentes   a   204   famílias,   escolhidas   a   partir   do   diagnóstico   de  

disléxicos   entre   seus   membros.   Diagnosticados   como?   Escolhidos   como,   entre   quantos?  

Comparados  com  qual  grupo?  Ausência  total  de   informações.  A  conclusão  foi  que  proporção  

significante  de  famílias  disléxicas  apresenta  diferentes  padrões  de  herança:  ligada  ao  sexo,  ou    

aditiva,   ou   autossômica   dominante;   nesse   último   grupo,   ainda   haveria   heterogeneidade  

genética.   Segundo   os   autores,   as   evidências   são   de   que   a   dislexia   seria   etiologicamente  

heterogênea.  Ou  seja,  seria  uma  única  doença,  porém  com  muitas  causas  e  múltiplos  padrões  

de  herança!  Estranho,  ao  menos  nos  ares  médicos...  

A   heterogeneidade   constantemente   lembrada   decorre   de   algo   bastante   prosaico:   a  

ausência   de   critérios   diagnósticos   precisos   para   uma   doença   que   ainda   ninguém   provou  

existir!   Um   diagnóstico   de   doença   neurológica   baseado   exclusivamente   em   domínio   mal  

estabelecido  da  linguagem  escrita  é  realmente  muito  estranho.  Mais  estranho  ainda  que  não  

provoque  estranhamento  após  mais  de  um  século!  Ao  gosto   -­‐   e,  para  não   sermos   ingênuos,  

segundo   as   necessidades   -­‐   de   cada   equipe,   pessoas   que   lêem   e   escrevem   mal   serão  

enquadradas  nesse  pseudo-­‐diagnóstico  –  melhor   falar  em  rótulo  –  e   submetidas  a  exames  e  

mais  exames,  de  última  geração,   sempre  em  busca  de  algo  diferente,  que   rapidamente   será  

transformado  em  sinal  patognomônico  de  doença  e  logo  em  comprovação  alardeada  de  que  a  

doença  em  questão  existe...  Raciocínio  viciado,  sem  dúvida,  bem  distante  da  lógica  da  ciência.  

O   trabalho   de  Marino   e   cols.   (2005)   é   bastante   interessante,   como  modelo   de   que,  

nessa  área,  mesmo  quando  os  dados  dizem  não,  o  pesquisador  pode  continuar  dizendo  sim...  

Os   autores   estudaram   especificamente   o   gene   DYX1C1,   localizado   no   cromossoma   15,  

buscando,  através  de  técnicas  bastante  avançadas  de  sequenciamento  genético  e  isolamento  

de  fragmentos  com  poucos  nucleotídeos  (as  moléculas  que  compõem  a  dupla  hélice  do  DNA),  

relação   com   dislexia   de   desenvolvimento   em   158   famílias   com   pelo   menos   uma   criança  

21    

disléxica.  Ressaltando  o  alto  poder  de  seu  método  para  detectar  tais  associações,  concluíram  

que  seus  dados  não  suportam  o  envolvimento  desse  gene  na  amostra  estudada,  para  enfim,  

afirmar  que  seus  resultados  talvez  se  devam  a  heterogeneidade  genética,  pois  tal  gene  é  um  

bom  candidato  para  a  dislexia  de  desenvolvimento!    

O  trabalho  de  Cope  e  cols  (2005)  apresentaria  desenho  metodológico  mais  adequado,  

se   não   incorresse   no   mesmo   velho   vício,   ao   considerar   disléxica   a   pessoa   que   apresente  

distúrbio  extremo  de  leitura,  sem  conceituar  claramente  o  que  seja  nem  como  se  diagnostica  

tal  distúrbio,  ainda  mais  quando  adjetivado  de  extremo.  Defendendo  que  o  defeito  genético  

estaria  localizado  no  cromossoma  6,  afirmam  terem  sido  feitas  várias  tentativas  recentes  para  

associar  a  dislexia  de  desenvolvimento  com  vários  genes  desse  cromossoma,  com  resultados  

inconsistentes;  propõem-­‐se,  então,  a  estudar  especificamente  a  associação  do  gene  KIAA0319  

com  tal  distúrbio  extremo  de  leitura.    Concluíram  que  seus  dados  implicariam  fortemente  esse  

gene  com  a  suscetibilidade  para  dislexia  de  desenvolvimento.  Entretanto,  os  próprios  autores  

reconhecem  que  a  função  específica  desse  gene  ainda  é  desconhecida.  

Pouco,  ainda  muito  pouco  para  afirmar  que  essa  entidade  seria  genética  e,  portanto,  

estaria  comprovada  sua  existência.  Sem  contar  que  a  associação  com  um  padrão  genético  não  

constitui  certidão  de  nascimento  para  nenhuma  doença...  

Aqui   é   necessário   um   parêntese.   Admitamos   que   se   comprove   a   associação   de  

determinado   gene   (genótipo)   com   uma   determinada   expressão   no   fenótipo.   Isso   somente  

evidenciaria  a  associação,  assim  como  acontece  com  cor  de  olhos,  ou  de  cabelos,  ou  formato  

de   olhos,   sem   significar   que   tal   manifestação   seja   patológica.   A   comprovação   de   que   um  

conjunto  de   sinais,   sintomas,  alterações  no  exame   físico  e  em  exames   laboratoriais   constitui  

uma   doença   passa   por   outros   caminhos,   dentro   da   racionalidade   médica.   É   este   um   dos  

grandes   equívocos   nessa   área.   Não   tem   sentido   buscar   a   causa   genética   de   algo   tão   mal  

conceituado,  mal  definido,  mal  diagnosticado/rotulado...  Talvez  seja  o  caso  de  perguntarmos  a  

quê   servem   tantos   pesquisadores   de   renome,   mantendo   e   amplificando   no   ideário   da   vida  

cotidiana   que   os   seres   humanos   são   homogêneos,   obedecendo   a   um   único   padrão   de  

comportamento  e  de  pensamento,  e  que  a  pluralidade  e  a  diversidade  são  doenças.    

Mesmo   que   se   comprovasse   definitivamente   a   associação   com   um   único   gene,  

somente   se   poderia   afirmar   que   determinado   modo   de   aprender   e   lidar   com   a   linguagem  

escrita  seria  geneticamente  determinado;  mas,  quem  disse  que  apenas  um  modo  de  aprender  

é  normal  e  todos  os  outros  são  patológicos?  Mesmo  isso,  tão  pouco,  só  poderia  ser  pensado  se  

fosse  possível  retirar  desta  equação  os  outros  lados:  o  ensino,  a  escola,  os  valores,  a  cultura,  os  

preconceitos,  a  falta  de  acesso...  

22    

Pode-­‐se   encontrar   um   ponto   positivo   no   trabalho   de   revisão   sobre   os   4   genes  mais  

frequentemente   citados   feito   por   Fisher   e   Francks   (2006):   explicita   que   se   trata   de   genes  

candidatos,   embora   em   meio   a   frases   que   afirmem,   categoricamente,   que   já   está   bem  

estabelecido  que  fatores  hereditários  contribuem  para  a  suscetibilidade  à  dislexia.  Outro  ponto  

interessante  é  também  explicitado:  admite-­‐se  que  interfiram  com  a  migração  de  neurônios  e  

estabelecimento   de   sinapses,   em   hipótese   intrigante,   segundo   os   autores,   já   que   nenhum  

deles  é   vinculado  aos   circuitos  neuronais   relacionados  à   leitura,  nem  mesmo  com  o   cérebro  

humano.   Não   estão   relacionados   ao   cérebro,   mas   podem   interferir   com   a   migração   de  

neurônios?  

Um  último   trabalho  merece   ser   revisto,  para  mostrar   as  divergências  de  opiniões  na  

literatura  na  área.  Tratando  dos  mesmos  quatro  genes  (DYX1C1,  KIAA0319,  DCDC2  e  ROBO1)  

estudados  por  Fisher  e  Francks  (2006),  Galaburda  e  cols  (2006)  afirmam  que  eles  participam  do  

desenvolvimento   cerebral   e   enfatizam   que   variações   desse   desenvolvimento   constituem   o  

substrato   biológico   (leia-­‐se   anatômico)   da   dislexia   de   desenvolvimento,   definida   como  

transtorno   caracterizado   por   dificuldades   na   aprendizagem   da   leitura.   Destaque-­‐se   que   os  

autores  falam  em  variações  do  desenvolvimento  anatômico,  confirmando  que  não  podem  ser  

consideradas  patológicas.  Ora,  então  uma  doença  neurológica  seria  causada  por  variações  que  

não  chegam  a  ser  patológicas?    

Como  caracterizar,  com  precisão,  tais  dificuldades,  excluindo  todos  os  fatores  externos  

ao  desenvolvimento  anatômico  do  cérebro,  como  se  pressupõe  que  deva  ser  feito  no  campo  

científico?   Sim,   porque   para   afirmar   que   uma   pessoa   tem   dificuldades   na   aprendizagem,   o  

fator   ensinagem   teria   que   estar   funcionando   harmonicamente,   para   usarmos   terminologia  

adequada  a  uma   lógica   funcionalista.  Mais,  subentende-­‐se  que  dentre  os  que  não  aprendem  

bem,  só  se  esteja  trabalhando  com  os  que  não  aprendem  por  um  problema  neurológico,  isto  é,  

que   tenham   sido   excluídos   aspectos   emocionais,   culturais,   de   submissão,   de   resistência   etc.  

Pensando   no   interior   da   racionalidade  médica,   deve-­‐se   exigir   os   critérios   que   embasam   tal  

diagnóstico;  deve-­‐se  não  aceitar  essa  tranquilidade  que  acalma  consciências...  

A  partir  de  estudos  de  processamento  auditivo28  em  estudos  com  animais,  Galaburda  

e  cols  (2006)  extrapolaram  seus  dados  para  seres  humanos,  sistematizando  uma  hipótese  que  

                                                                                                                         28  Processamento  auditivo  é  um  dos  modismos  mais  recentes  e  polêmicos  nesse  campo.    Será  que  com  perguntas  e  respostas,  ordens  e  ações  é  possível  avaliar  como  o  cérebro  processa  um  som?  Pois  é  isto  que  o  nome  promete  e  é  assim  que  se  divulga  que  seja.  Algo  assim  como  pretender  acesso  privilegiado  ao  potencial  de  inteligência,  o  malfadado  QI,  que  tanto  serviu  para  rotular,  estigmatizar  e  excluir  e  que  agora  parece  já  estar  se  esgotando,  cedendo  espaço  a  seus  sucessores.  Fica  ainda  mais  esquisito  pretender  fazer  isso  em  animais,  pois  pressupõe  que  se  domine  sua  linguagem.  A  pretensão  de  acesso  direto  e  privilegiado  à  inteligência,  à  aprendizagem,  aos  pensamentos,  ao  modo  como  o  cérebro  processa  informações  e  sensações,  está  alicerçada  no  método  clínico,  raiz  epistemológica  da  medicina  e  todas  as  ciências  da  saúde  no  paradigma  positivista.  Para  aprofundamento,  remetemos  ao  texto  

23    

já   permeava   subliminarmente   outros   textos:   a   tentativa   de   vincular   quatro   genes   com  

variações   no   desenvolvimento   anatômico   cerebral   e   transtornos   de   conduta   e   cognitivos  

associados  à  dislexia  de  desenvolvimento  e  ao  TDAH.  

Pesquisas   em   animais,   daí   extrapoladas   para   o   ser   humano.   Mas   extrapolar  

comportamento   e   cognição?   Leitura   e   dificuldade   de   leitura   em   animais?   Dificuldade   de  

aprendizagem  de  leitura  em  animais??  Não  será  extrapolação  demais?    

 

Com  a  neuroimagem,  não  livra  ninguém...        

Não  livra  ninguém,  todo  mundo  tem  remela,  quando  acorda  às  seis  da  

matina,  teve  escarlatina,  ou  tem  febre  amarela,  só  a  bailarina  que  não  tem29  

 

Com  o  desenvolvimento  tecnológico,  existem  alguns  exames  que  conseguem  avaliar  a  

intensidade   do  metabolismo   de   células   de   determinado   órgão,   o   que   refletiria   seu   grau   de  

funcionamento.  Nos  três  exames  mais  importantes  —  RMN  funcional,  SPECT  e  PET  30—  esses  

resultados   são   processados   e   apresentados   em   imagens   digitais,   enriquecendo   as  

possibilidades  de   investigação  e  diagnóstico  médico.  Quando  aplicados  à  área  da  neurologia,  

são  chamados  de  neuroimagem  e,  também  aí,  têm  facilitado  a  detecção  precoce  de  alterações  

como  tumores,  sequelas  de  acidentes  vasculares  etc.    

Essa  breve  introdução  tem  por  propósito  deixar  claro  que  são  técnicas  que  possibilitam  

atendimento  médico  de  melhor  qualidade.  O  problema  não  reside  nos  exames,  na  tecnologia  

em  si,  mas  no  uso  que   se   faz  dela.   E  uma  das   conseqüências  mais  evidentes  e  perniciosas  é  

exatamente  a  amplificação  da  medicalização  de  toda  a  vida.  

A  avançada  tecnologia  permite  que  os  médicos  olhem  profundamente  para  as  coisas   que   estão   erradas.   Nós   podemos   detectar   marcadores   no   sangue.   Nós  podemos   direcionar   aparelhos   de   fibra   ótica   dentro   de   qualquer   orifício.   Além  disso,   tomografias   computadorizadas,   ultra-­‐sonografia,   ressonâncias  magnéticas  e  tomografias  por  emissão  de  pósitrons  permitem  que  os  médicos  exponham,  com  precisão,   tênues   defeitos   estruturais   do   organismo.   Essas   tecnologias   tornam  possíveis   quaisquer   diagnósticos   em   qualquer   pessoa:   artrite   em   pessoas   sem  dores  nas  juntas,  úlcera  em  pessoas  sem  dores  no  estômago  e  câncer  de  próstata  em  milhões  de  pessoas  que,  não  fosse  pelos  exames,  viveriam  da  mesma  forma  e  sem  serem  consideradas  pacientes  com  câncer.  (Welch  e  cols,  2008)  

 

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     “Inteligência  abstraída,  crianças  silenciadas:  as  avaliações  de  inteligência”,  de  nossa  autoria,  publicado  em  Psicologia  (USP)  8  (1):  63,  1997  29  Ciranda  da  Bailarina,  de  Edu  Lobo  e  Chico  Buarque.  30  Respectivamente:  Ressonância  Magnética  Nuclear  funcional;  Tomografia  Computadorizada  por  Emissão  de  Fóton  Único  (da  sigla  em  inglês,  Single  Photon  Emission  Computed  Tomography)  e  Tomografia  por  Emissão  de  Pósitron  (da  sigla  em  inglês,  Positron  Emission  Tomography)  

24    

É   o   que   tem   acontecido   também  no   campo   do   comportamento   e   da   aprendizagem,  

aqui   agregado   à   exigência   crescente   de   modos   de   ser   e   de   levar   a   vida   mais   e   mais  

padronizados;   as   pessoas   devem   se   ajustar   ao   padrão,   ao   invés   de   a   sociedade   dever   se  

organizar  e  reger  pelo  principio  de  acolher  a  todos  em  suas  diversidades,  propiciando-­‐lhes  as  

condições  necessárias  a  sua  realização  como  ser  humano.  

Os   exames   que   se   propõem   a   avaliar   as   funções   de   determinado   órgão   ou   sistema  

apresentam  uma  peculiaridade:  é   fundamental  que  o  órgão  ou   sistema  em  questão  estejam  

em   funcionamento,   isto   é,   devem   ser   ativados   por   estímulos   adequados   de   modo   a  

desencadear  a  função  que  se  pretende  estudar  no  exato  momento  em  que  ocorre  o  exame.  

Tal   fato,  um  tanto  óbvio,   cria  um  obstáculo   intransponível  para  nosso  assunto:   se   se  

pretende  avaliar  as  áreas  e  funções  cerebrais  envolvidas  no  domínio  da  linguagem  escrita,  tais  

áreas  e   funções  devem  ser  ativadas  exatamente  pela   linguagem  escrita!  Ora,  mas  então   seu  

resultado  estará  comprometido  em  todos  os  que  não  souberem  ler,  independente  da  causa  ou  

motivo.  Até  mesmo  em  quem  não  souber   ler  o   texto  apresentado  no  exame  apenas  porque  

está  escrito  em  uma  língua  que  desconhece!  Como  então  o  exame  pode  avaliar  a  presença  de  

uma  pretensa  doença  neurológica  que  comprometeria  esse  domínio?  

Voltemos  a  nosso  desafio,  que  vem  sendo  reiterado  neste  texto:  admitindo  que  essa  

doença  exista  –  logicamente  em  taxas  que  seriam  muito  inferiores  aos  10  a  12%  apregoados  –  

como  diferenciar  uma  pessoa  com  tal  problema  de  uma  mal  alfabetizada?    

Afirma-­‐se   que   em   pessoas   com   diagnóstico   de   dislexia   de   desenvolvimento   e/ou    

TDAH,  os  exames  de  neuroimagem  mostram  pouca  função  nas  áreas  cerebrais  envolvidas  com  

a   atenção   (e   também   com   a   linguagem   escrita   no   caso   da   dislexia),   o   que   viria   confirmar   a  

existência   das   doenças   pretendidas31.   Porém,   em   funções   cerebrais   nada   é   tão   simples   e  

linear:   frente   a   um   texto   em   língua   desconhecida,   saudavelmente   desligamos   e   nosso  

pensamento  voa  por  outras  paisagens;  nesse  momento,  um  exame  de  neuroimagem  mostrará  

que  as  áreas  de  atenção  e  da  leitura  estão  funcionando  pouco.  Mas  isso  também  não  é  o  que  

acontece  em  quem  não  sabe  ler?  E  não  dizem  que  a  dislexia  de  desenvolvimento  se  caracteriza  

por   distúrbios   extremos   na   aprendizagem   da   leitura?   Então,   tais   resultados   não   seriam  

absolutamente   previsíveis,   porque   óbvios?   Coles   (1987)   relata   que   em   americanos   bons  

leitores   o   resultado   do   PET   foi   normal,   quando   solicitados   a   ler   texto   em   inglês;   quando  

receberam  um  texto  em  espanhol  (que  desconheciam),  o  resultado  foi  exatamente  aquele  que  

se  diz  típico  de  dislexia.  Simplesmente  porque  ler  não  é  apenas  enxergar;  ao  contrário,  além  de  

pressupor  que  se  enxergue  e  se  saiba  ler,  envolve,  em  número  infinito  de  reações  em  cadeia,  

memória,  afetos,  emoções,  perdas,  alegrias,  a  própria  história  de  vida  da  pessoa  que  lê.    

                                                                                                                         31  Lembre-­‐se,  a  propósito,  da  conferência  magna  do  8º  Simpósio  Internacional  de  Dislexia.    

25    

É  bastante  divulgado  pelos  que  defendem  a  existência  dessa  entidade  que  o  resultado  

do   exame   se   modifica   com   o   tratamento,   como   se   isso   provasse   a   doença   (Lozano   e   cols,  

2003);   ora,   trata-­‐se   exatamente   do   contrário:   se   o   resultado   muda   depois   que   a   pessoa  

aprende  a  ler,  após  terapia  que  se  resume  a  intervenções  pedagógicas,  pode-­‐se  questionar  se  

o  desempenho  no  exame  se   relaciona  com  as  causas  ou  com  as  consequências  de  saber   ler.  

Dito  de  outro  modo,  aprender  a  ler  faz  com  que  os  exames  de  neuroimagem  mostrem  ativação  

das  áreas  ligadas  à  leitura?!  Aprender  normaliza  o  exame  e  cura  a  doença!?!  

Porém,   os   pesquisadores   que   pretendem   comprovar   a   existência   da   dislexia   de  

desenvolvimento  com  exames  de  neuroimagem  não  pedem  que  o  doente  em  potencial  apenas  

leia  um  texto;  dele  é  exigido  muito  mais,  tarefas  complexas  mesmo  para  quem  domina  bem  a  

linguagem  escrita.  Apenas  como  exemplo:  

As  diferenças  se  apresentaram  nas  tarefas  de   juízo  de  letras,  rima  de  letras  e  rima   de   pseudopalavras   e   em   tarefas   que   exigiam   conversão   de   ortográfico   a  fonológico,   onde   os   disléxicos   apresentaram   menor   ativação   das   áreas.   Os  achados   de   Shaywitz   e   cols   (1998)   apoiam   a   hipótese   de   alteração   no  processamento  fonológico  e  existência  de  áreas  estreitamente  relacionadas  com  a  dislexia  de  desenvolvimento.   (Lozano  e   cols,   2003   -­‐   tradução  pessoal,   destaques  nossos)  

   

Rimar   pseudopalavras   exige   construir   rimas   com   palavras   que   não   existem   e   cuja  

leitura  por  si  só  já  é  mais  difícil,  pois  escapa  de  processo  frequente  na  vida  cotidiana,  a  quase  

adivinhação  da  palavra  pela  combinação  de  sua  gestalt  com  o  sentido  na  frase.  Para  responder  

se  as  letras  T  e  V  rimam  (exemplo  de  rima  de  letras,  segundo  os  autores)  deve-­‐se  obedecer  a  

qual  lógica,  a  qual  consenso  generalizado,  não  exclusivo  de  linguistas  e  fonoaudiólogos?  O  que  

é   rima   de   letras?   Mais,   a   conversão   de   ortográfico   a   fonológico   pressupõe   domínio   bem  

estabelecido   da   leitura   e   escrita,   além   de   conhecimentos   específicos   da   área   da   linguística;  

além  disso,  o  ortográfico  não  existe  apenas  na  escrita,  sendo  ausente  na  fala?    

Quantos  de  nós,  pretensamente  normais,  passaríamos  nessas  provas?  

E   mesmo   assim,   ainda   se   está   apenas   no   terreno   das   hipóteses.   Muito   longe   da  

certeza,   exibida   até   com   arrogância,   pelos   profissionais   que   tentam   defender/vender   sua  

atuação.  

Além   disso,   a   interpretação   dos   exames   de   neuroimagem   exige   cautela,   pois   o  

resultado  consiste  na   subtração  da   imagem  de  ativação  em  situação  controle  da   imagem  de  

ativação  em  situação  de  teste;  Kristensen  e  cols  (2001)  alertam  que  processo  equivalente  deve  

ser  feito  no  comportamento/função  testado,  pois  a  interpretação  pode  ser  comprometida  pela  

ausência  de  tarefas  e  de  modelo  cognitivo  adequados.    

Existem  também   limitações   inerentes  às  próprias   técnicas  que  não  devem  ser  minimizadas.   A   resolução   temporal   no   uso   de   PET,   por   exemplo,   ainda   é  muito  

26    

incipiente   (maior   do   que   dez   segundos)   para   avaliar   processos   cognitivos   cuja  escala   de   tempo   não   ultrapassa   um   segundo   (Démonet,   1998).   Outras   variáveis  intervenientes   podem   contribuir   para   diminuir   a   possibilidade   de   generalização  dos   resultados.   (...)   Como   decorrência,   identifica-­‐se   na   literatura   certa  inconsistência   entre   resultados   descritos   por   pesquisadores   de   forma  independente.  (Kristensen  e  cols,  2001:  268)  

 

O   uso   da   neuroimagem   para   diagnóstico   de   TDAH   é   útil   para   apreendermos   que  

vivemos   tempos   em  que   a   biologização  e  homogeneização  de   comportamentos   se   amplifica  

em  escala  logarítmica.  Para  tentar  explicar  as  divergências  de  literatura  e,  principalmente,  de  

falhas  do  tratamento  medicamentoso,  alguns  autores  presumem  que  o  TDAH  não  se  resume  a  

uma  doença  uniforme,  mas  tem  vários  padrões,  tanto  em  termos  de  comportamento,  como  de  

exames   de   neuroimagem   e   de   resultado   a   medicamentos.   Para   muitos,   os   exames   de  

neuroimagem  seriam  fundamentais  em  casos  complicados  para  que  se  atingisse  o  diagnóstico  

correto   e,   consequentemente,   fosse   ministrada   a   droga   adequada.   Amen32   preconiza   que  

existiriam   seis   subtipos:   1)   TDAH   combinado,   com   sintomas   de   desatenção   e  

hiperatividade/impulsividade   combinados;   2)   TDAH   tipo   primariamente   desatento;   3)   TDA  

‘superfocado’:   desvio   preocupante   de   atenção,   inflexibilidade   cognitiva,   preocupação  

excessiva,   comportamento   argumentativo   e   de   oposição;   4)   TDA   de   lobo   temporal;   5)   TDA  

límbico;  6)   TDA  “anel  de   fogo”:  comportamento  de  oposição   severo,  distração,   irritabilidade,  

mudanças  de  humor.    

Conhecendo   a   história,   apreende-­‐se   que   essa   entidade   vem   sendo   construída   por  

propositais  omissões,  distorções,  mitificação  de  pessoas  e  fatos,  culminando  na  criação  de  um  

mundo  artificial,  onde  qualquer  desvio  do  homogêneo  pretendido  é  transformado  em  doença.  

Para  esse  mundo,  a  amnésia  social  e  científica  é  fundamental.  

Elabora-­‐se   uma   hipótese   sem   qualquer   evidência   empírica   que   a   suporte;  convencidos  de  sua  perfeição,  cientistas  passam  a  olhar  a  realidade  sob  o  viés  de  sua  crença;  na  busca  de  elementos  que  confirmem  sua  hipótese  inicial,  deformam  a   própria   realidade   e   essa   realidade   deformada   é,   por   sua   vez,   a   comprovação  empírica   da   hipótese,   conferindo-­‐lhe   o   estatuto   de   ciência.   Transformada   em  verdade,  atua  ainda  mais  sobre  a  realidade,  deformando-­‐a  mais  e  mais.  As  novas  observações  da   realidade  assim  artificializada  permitem  modificações,   evoluções  na  teoria,  com  explicações  fisiopatológicas  cada  vez  mais  sofisticadas,  complexas,  

                                                                                                                         32  www.amenclinics.com;  acesso  em  14/06/2008.  Daniel  Amen  é  proprietário  da  “Amen  Clinics”,  rede  de  clínicas   de   neurologia/neuroimagem   espalhadas   pelos   Estados   Unidos   da   América;   em   sua   página   na  internet,  a  neuroimagem  é  reificada,  com  imagens  sedutoras  pela  tecnologia  e  casos  cuja  vida  mudou  radicalmente   depois   que,   atendidos   na   clínica,   chegou-­‐se   ao   diagnóstico   (sempre   biológico)   e  tratamento  correto;  na  página,  pode-­‐se   tirar  dúvidas  e  agendar  a   consulta  na  clínica  mais  próxima  da  residência.   Em  muitos   casos   apresentados,   busca   desqualificar   o   campo   da   psicologia,   suas   teorias   e  práticas;  para  apresentar   as   relações   conjugais   como  campo  possível  de   sua  própria  atuação,   cita  um  casal  que  procurou  sua  clínica  após  gastar  US$  25.000,00  em  terapia  conjugal  e  ouvir  da  terapeuta  que  devia  se  separar;  após  diagnóstico  e   tratamento  corretos,  possível  pela  neuroimagem,  viveriam  felizes  até  hoje.    

27    

atraentes.  Cria-­‐se  uma  espiral  viciada,  com  novas  máscaras  para  a  mesma  velha  idéia,  que  nunca  se  comprovou.  (Moysés  e  Collares,  1992:  40)  

 Um   trabalho   de   autores   brasileiros   ilustra   bem   como   esse   processo   não   apenas  

persiste,  mas  se  amplificou;  lidamos  aqui  com  um  campo  enraizado  no  chão  dos  dogmas  e  da  

fé,  ao  largo  da  ciência.  

Sauer   e   cols   (2006)   avaliaram   36   crianças,   divididas   em   dois   grupos:   18   com  

diagnóstico  de  dislexia  (apenas  isso,  diagnosticadas  e  ponto  final!)  e  18  normais;  todas  foram  

submetidas  ao  teste  de  processamento  auditivo,  porém  o  exame  de  neuroimagem  (SPECT)  foi  

feito  apenas  no  grupo  das  disléxicas;   o   resultado  do  SPECT   foi   comparado   com  o  padrão  do  

exame  e  não  com  as  crianças  do  grupo  controle,  o  que  já  escapa  do  rigor  exigido  nos  estudos  

epidemiológicos33.    

Entre  as  18  crianças  disléxicas,  o  SPECT  foi  normal  em  nove  (50%),  com  alterações  nos  

outros   50%;   desses,   três   mostravam   hipoperfusão   em   região   mesial   de   lobo   temporal  

esquerdo;  dois,   em  outras   áreas  do   lobo   temporal   esquerdo;  um,  em   lobo   temporal   direito;  

um,   nos   dois   lobos   temporais   e   em   outros   lobos;   dois,   em   outros   lobos.   O   tratamento  

estatístico   não   mostrou   significância   para   correlações   entre   os   resultados   do   SPECT   e   o  

diagnóstico   de  dislexia   e   nem   com   o   processamento   auditivo,   como   se   poderia   prever   com  

essa  distribuição  do  SPECT.    

Além  de  um  número  pequeno  de   sujeitos,   sem  cálculo  amostral  nem  seleção  casual,  

esse  pequeno  número  foi  comparado  com  um  “padrão”  do  exame;  esse  “padrão”,  por  sua  vez,  

com   certeza   não   incluiu   entre   sua   própria   amostragem   pessoas   que   apenas   não   sabem   ler,  

sem   serem   doentes.   Dito   de   outro   modo,   qual   o   padrão   normal   do   exame   para   pessoas  

analfabetas   ou   mal   alfabetizadas?   Então,   apenas   para   complicar   um   pouco   mais,   quantas  

pessoas   absolutamente   normais,   bons   leitores,   apresentam   alterações   nesse   exame?  

Lembremos   os   dados   de   Coles   (1987),   já   citados,   sobre   a   mudança   no   padrão   do   exame  

quando   se   apresenta   textos   em   línguas   conhecidas   ou   desconhecidas;   acrescente-­‐se   que   o  

exame  tem  sido  feito  exigindo  tarefas  muito  mais  complexas  do  que  apenas  ler  um  texto,  para  

concluir  que,  como  para  qualquer  ação  intelectual  e  qualquer  modo  de  avaliação  intelectual,  o  

resultado   pode   variar   segundo   o   horário,   a   motivação,   a   ansiedade,   a   artificialidade   e  

inúmeros   outros   fatores.   Assim,   a   resposta   para   a   pergunta   acima   será   que   provavelmente  

muitos   bons   leitores,   senão   a   maioria,   poderão   eventualmente   receber   um   laudo   de  

anormalidade  em  um  exame  de  neuroimagem  voltado  a  avaliar  suas  funções  cognitivas.    

                                                                                                                         33  No  mínimo,  dever-­‐se-­‐ia  comparar  os  resultados  dos  exames  do  GE  com  os  do  GC.  Qualquer  procedimento  deve  ser  feito  sempre  em  ambos  os  grupos,  a  menos  que  comprovadamente  beneficiem  o  grupo  de  doentes  e  tragam  risco  potencial  para  os  controles,  o  que  não  é  o  caso.  

28    

Entretanto,   não   apenas   desconsiderando   seus   próprios   dados,   já   enviesados,   mas  

afrontando-­‐os,  os  autores  afirmam:  

Observou-­‐se  que  50%  dos  exames  mostraram-­‐se  alterados,  sendo  a  maior  parte  (7  de  9  exames  alterados)  com  hipoperfusão  em  áreas  do  lobo  temporal  esquerdo.  (...)  Concluímos  que   crianças   com   dislexia   apresentam   alterações   do   processamento   neurológico   central  que  podem  ser  detectadas  tanto  em  testes  específicos  de  processamento  auditivo,  quanto  em  exames  funcionais  de  imagem  como  SPECT.  (Sauer,  2006:109-­‐110)  

 

Assim,  não  livra  ninguém  mesmo.  Nem  a  bailarina…    

 

A  indústria  farmacêutica  e  suas  relações  nada  delicadas…  

Transformam  o  país  inteiro  num  puteiro,  pois  assim  se  ganha  mais  dinheiro  34  

 

Essa  espiral  viciosa  em  que  o  presente  repete  o  passado  e  ameaça  o  futuro  lança  uma  

teia   sobre   todos  nós.  Apropria-­‐se  de  profissionais  de  diferentes   áreas:   alguns,   reféns  de   sua  

formação  inadequada;  outros  muitos,  voluntários  em  sua  cela  de  luxo,  da  qual  detém  a  chave  

e  os  códigos;  a  maioria,  em  uma  espécie  de  servidão  voluntária,  em  que  se  permitem  um  único  

horizonte,   ocupado   pelas   planilhas   de   atendimentos   e   cifrões...   Apropriados,   passam   a  

constituir   e   serem   constituídos   pela   própria   teia,   pronta   a   aprisionar   qualquer   um  de   quem  

outro  alguém  afirme  não  se  enquadrar  nas  normas  esperadas...    

O   atendimento   preconizado   para   as   pessoas   que   caem   nessa   teia   será   sempre  

multidisciplinar.  Afinal,  é  preciso  manter  todos  os  profissionais  da  teia  satisfeitos,  sem  muitas  

disputas   entre   si.   Neurologista,   psicólogo,   psicopedagogo,   fonoaudiólogo,   terapeuta  

ocupacional,  psicomotricista  e,  às  vezes  até  pedagogo...  Não  importa  em  que  área  a  pessoa  a  

se   submeter   ao   –   e   sofrer   o   –   tratamento   apresente   problemas   ou   dificuldades,   o  

“tratamento”  será  sempre  em  equipe,  longo  e,  principalmente,  muito  caro.  

Por   trás   da   equipe,   menos   visível,   a   estrutura   que   mantém   a   teia:   a   indústria  

farmacêutica,  interessada  em  ampliar  o  número  de  pessoas  aprisionadas  e  apropriadas.  

Moynihan   e   Cassels,   jornalistas   que   têm   se   dedicado   a   desvelar   as   estratégias   da  

indústria  de  criar  e  vender  doenças  para  aumentar  seus  lucros,  ajudam  a  entender  seus  modos  

de  agir  e  a  amplificação  da  medicalização  em  ritmo  atordoante  por  interesses  financeiros:    

As   estratégias   de   marketing   das   maiores   empresas   farmacêuticas   almejam  agora,   e   de  maneira   agressiva,   as   pessoas   saudáveis.   Os   altos   e   baixos   da   vida  diária   tornaram-­‐se   problemas   mentais.   Queixas   totalmente   comuns   são  transformadas   em   síndromes   de   pânico.   Pessoas   normais   são,   cada   vez   mais,  pessoas   transformadas   em   doentes.   Em   meio   a   campanhas   de   promoção,   a  indústria   farmacêutica,   que   movimenta   cerca   de   500   bilhões   dólares   por   ano,  

                                                                                                                         34  O  tempo  não  pára,  de  Cazuza  e  Arnaldo  Brandão  

29    

explora   os   nossos   mais   profundos   medos   da   morte,   da   decadência   física   e   da    doença   -­‐   mudando   assim   literalmente   o   que   significa   ser   humano.  Recompensados   com   toda   razão   quando   salvam   vidas   humanas   e   reduzem   os  sofrimentos,   os   gigantes   farmacêuticos   não   se   contentam  mais   em   vender   para  aqueles  que  precisam.  Pela  pura  e  simples  razão  que,  como  bem  sabe  Wall  Street,  dá   muito   lucro   dizer   às   pessoas   saudáveis   que   estão   doentes.   (...)    Sob  a  liderança  de  marqueteiros  da  indústria  farmacêutica,  médicos  especialistas  e  gurus  sentam-­‐se  em  volta  de  uma  mesa  para  ‘criar  novas  idéias  sobre  doenças  e  estados   de   saúde’.   O   objetivo   é   fazer   com   que   os   clientes   das   empresas  disponham,  no  mundo  inteiro,  ‘de  uma  nova  maneira  de  pensar  nessas  coisas’.  O  objetivo   é,   sempre,   estabelecer   uma   ligação   entre   o   estado   de   saúde   e   o  medicamento,  de  maneira  a  otimizar  as  vendas.(Moynihan  e  Cassels,  2007:  151)  

 

Em  outubro  de  1995,  o  órgão  governamental  encarregado  de  supervisionar  e  controlar  

medicamentos   nos   Estados   Unidos   da   América   –   Drug   Enforcement   Administration   (DEA),  

vinculado  ao  U.S.  Departament  of  Justice  –  alertou:  

Grupos   de   apoio   e   consultoria   têm   um   papel   importante   na   circulação   de  informações  sobre  TDAH  e  seu  tratamento.  Nos  anos  recentes  tem  havido  grande  aumento  na   filiação  a   essas   organizações   e   na  participação   em   suas  atividades.  Children   and   Adults   with   Attention   Deficit   Disorder   (CHADD)   é   a   maior  organização   de   suporte   do   país.   CHADD   tem   um   corpo   de   mais   de   28.000  membros  e  tem  600  capítulos  ao  longo  do  país.    (...)    

Recentemente  tem  chamado  a  atenção  do  DEA  que  a  Ciba-­‐Geigy  (fabricante  do  produto  à  base  de  metilfenidato  sob  o  nome  comercial  Ritalina®)  contribuiu  com  US$   748.000,00   para   a   CHADD,   no   período   de   1991   a   1994.   O   DEA   sabe   que   a  profundidade   da   relação   financeira   com  a   empresa   não   é   conhecida   do   público,  incluindo   membros   da   CHADD   que   nela   têm   se   apoiado   como   guia   para   o  diagnostico  e  tratamento  de  suas  crianças.    

Uma   comunicação   recente   do  United  Nations   International   Narcotics   Control  Board   (INCB)   expressava   preocupação   com   organizações   não-­‐governamentais   e  associações  de  pais  que  estão  fazendo  um  ‘lobbying’  ativo  para  o  uso  médico  de  metilfenidato   em   crianças   com   TDAH.   (...)  Um   porta-­‐voz   da   Ciba-­‐Geigy   afirmou  que   “a   CHADD   é   essencialmente   um   canal   para   fornecer   informações   para   a  população  de  pacientes.”  A  relação  entre  a  Ciba-­‐Geigy  e  a  CHADD  levanta  sérias  dúvidas  sobre  os  motivos  da  CHADD  para  seu  proselitismo  para  o  uso  de  Ritalina.    (U.S.  Department  of  Justice,  DEA,  1995;  tradução  pessoal)  

   

O   modelo   se   reproduz   em   vários   países,   inclusive   no   Brasil.   Organizações   não-­‐

governamentais   se   constituem   agregando   pais   de   crianças   e   adolescentes   rotulados,  

portadores   do   pretenso   distúrbio   e   profissionais   interessados   em   ajudá-­‐los;   geralmente   as  

associações   são   presididas   pela   sua   porção   leiga;   os   profissionais   compõem   o   quadro   da  

diretoria  e  assessorias  científicas,  sempre  em  trabalho  voluntário.    

O   mesmo   texto   publicado   pelo   DEA   constatou   “dramático   aumento   do   uso   de  

metilfenidato”   nos   Estados   Unidos   da   América.   Entre   1990   e   1995,   houve   um   aumento   de  

600%  na  produção  e  consumo  da  droga;  segundo  estatísticas  da  ONU  de  1993  sobre  o  uso  de  

30    

psicotrópicos,  a  produção  e  o  consumo  americanos  eram  cinco  vezes  maiores  do  que  em  todo  

o   resto  do  mundo.  Por   incrível   não   coincidência,   a  CHADD  encaminhou,   em  conjunto   com  a  

Academia   Americana   de   Neurologia,   petição   ao   DEA   para   que   o   metilfenidato   fosse  

reclassificado  dentro  do  CSA  (Controlled  Substances  Act  –  Lei  de  Substâncias  Controladas),  do  

nível   II   (junto   com   as   anfetaminas   e   metanfetamina,   por   sua   semelhança   química   e  

farmacológica)   para   o   nível   III,   em  que  o   controle   é  menor.   Também  não   surpreende  que   a  

CHADD   negue   qualquer   relação   de   sua   iniciativa   com   as   contribuições   financeiras   da   Ciba-­‐

Geigy  (atualmente  Janssen-­‐Cilag).  A  solicitação  não  foi  atendida.  

No   Brasil,   a   história   se   repete.   Publicações   e   teses,   em   especial   no   campo   da  

neurologia   e   psiquiatria,   insistem   em  divulgar   o   prejuízo   causado   aos   pretensos   pacientes   e  

seus   familiares   pela   exigência   de   prescrição   da   droga   em   receituários   controlados.   Alguns  

autores   chegam   a   ser   incisivos   em   suas   conclusões:   “O perfil de efeitos colaterais do

metilfenidato é seguro, não parecendo justificar o seu uso constrito no Brasil, ante

os benefícios robustos amplamente demonstrados na literatura.” (Pastura e Mattos,

2004: 100)

O   acesso   a   informações   sobre   produção   e   consumo   de   medicamentos   no   Brasil   é  

muito   mais   difícil;   que   dirá   de   dados   sobre   relações,   contribuições   e   congêneres   entre  

indústria   farmacêutica  e  organizações  vinculadas  aos   rótulos  de  dislexia  e  TDAH.  Em  2008,  a  

rede  de  televisão  Bandeirantes  iniciou  uma  série  de  reportagens,  intitulada  “Receita  Marcada”.  

O  faturamento  anual  da  indústria  farmacêutica  no  Brasil  chegou  a  R$  28  bilhões,  30%  dos  quais  

são   destinados   ao   “marketing”,   que   inclui   brindes,   jantares,   passagens   para   congressos,  

sempre   gratuitos,   para   médicos   selecionados.   Como   é   feita   a   seleção?   Aqueles   que   mais  

prescrevem   os   medicamentos   da   indústria   em   questão.   E   como   a   indústria   sabe?   Simples:  

“negocia  cópias  das  receitas  médicas  com  as  farmácias”  (Jornal  da  Band,  2/7/2008)  

Outra  evidência  da  promiscuidade  entre  indústrias  farmacêuticas  e  ONGs  voltadas  ao  

“atendimento”  dessa  grande  e  lucrativa  parcela  da  população  de  jovens  e  adolescentes  está  na  

própria  página  eletrônica35  da  Associação  Brasileira  do  Déficit  de  Atenção  (ABDA),  que  destaca  

o   que   chama   de   “empresas   parceiras”:   Novartis   e   Janssen-­‐Cilag,   indústrias   farmacêuticas  

fabricante  de  produtos  comerciais  à  base  de  metilfenidato.  

Alguns  dados  ilustram  o  sucesso  das  estratégias  dos  “vendedores  de  doenças”,  usando  

a  expressão  cunhada  por  Moynihan  e  Cassels  (2007):    

1. A   produção   mundial   de   metilfenidato   (MPH),   a   droga   mais   usada   para   pessoas  

rotuladas  como  portadoras  de  TDAH,  cresceu  400%  entre  1993  e  2003.    

2. Nos  Estados  Unidos  da  América:    

                                                                                                                         35  Disponível  em  www.tdah.org.br,  acesso  em  08/04/2009.  

31    

a. A  produção  de  MPH   cresceu  mais   de  800%  entre  1990  e   2000;   a   produção  de  

anfetamina   cresceu  mais   de   2.000%   no  mesmo   período.   ((U.S.   Department   of  

Justice,  DEA,  2000)  

b. o  consumo  de  MPH  cresceu  600%  entre  1990  e  1995;  em  1995,  correspondia  a  

mais  de  80%  do  consumo  mundial.  (U.S.  Department  of  Justice,  DEA,  1995)  

c. em  1995,  10  a  12%  dos  meninos  entre  6  e  14  anos  tinham  o  diagnóstico  de  TDAH  

e  recebiam  MPH.  (Breggin,  1999)  

d. o  número  de  pessoas  com  diagnóstico  de  TDAH  subiu  de  500.000  em  1985  para  

7.000.000  em  1999.  (Breggin,  1999)  

e. o  número  de  pessoas  medicadas  com  Adderall®  (dextro-­‐anfetamina)  cresceu  de  

1,3  milhão  em  1996  para  6  milhões  em  2000.  (U.S.  Department  of  Justice,  DEA,  

1995)  

3. o  número  de  pessoas  medicadas  com  Ritalina®  em  2007  era  6.000.000;  4.750.000  

eram  crianças,  sendo    3.800.000  meninos.36    

4. Entre   1992   e   2001,   o   consumo  na   Espanha   cresceu   8%   ao   ano.   (Criado-­‐Álvarez   e  

Romo-­‐Barrientos,  2003)  

5. Em  Portugal,   400   crianças   tomavam  MPH  em  2003;   eram  3.000  em  2004  e   entre  

6.000  e  8.000  em  2006.  (Campos,  2007)  

6. No   Brasil,   as   vendas   de   MPH   crescem   em   ritmo   assombroso:   71.000   caixas   de  

Ritalina®   em   2000   e   739.000   em   2004   (aumento   de   940%);   entre   2003   e   2004,  

aumentou  51%.  Em  2008,  foram  vendidas  1.147.000  caixas,  sob  os  nomes  Ritalina®  

e   o   sugestivo   Concerta®;   aumento   de   1.616%   desde   2000.   Em   2010,   as   vendas  

ultrapassaram  2  milhões  de  caixas.  Nesse  ano,  ao  preço  no  varejo,  gastou-­‐se  cerca  

de  88  milhões  de  reais  com  a  compra  de  metilfenidato.37  

Com  esses  poucos  indicadores,  talvez  os  estudos  de  Moynihan  e  Cassels  (2007)  passem  

a   merecer   credibilidade.   Segundo   os   autores,   pode   parecer   estranho   que   indústrias  

farmacêuticas   busquem  criar   novas  doenças,  mas   isto   é  moeda   corrente  no  meio,   traduzida  

em  bilhões  de  dólares  anualmente.  A  estratégia,  que  consta  em  relatório  do  Business  Insight,  

                                                                                                                         36  Disponível  em  http://learn.genetics.utah.edu/content/addiction/issues/ritalin.html,  acesso  em  28/02/2009.  37  Dados  gentilmente  fornecidos  pelo  IDUM  (Instituto  de  Defesa  dos  Usuários  de  Medicamentos),  em  comunicação  pessoal,  à  época  em  que  este  texto  foi  redigido.  Atualmente,  os  dados  estão  disponíveis  em  www.idum.org.br.  O  IDUM  extrai  esses  dados  do  IMS-­‐PMB  –Pharmaceutical  Market  –  publicação  de  instituto  suíço  que  levanta  e  atualiza  todos  os  dados  do  mercado  farmacêutico  brasileiro.      

32    

consiste  em  mudar  o  modo  das  pessoas   lidarem  com  seus  problemas   reais,   até  então  vistos  

como  simples  indisposições,  convencendo-­‐as  de  que  são  dignos  de    intervenção  médica.  

Comemorando  o  sucesso  do  desenvolvimento  de  mercados  lucrativos  ligados  a  novos   problemas   da   saúde,   o   relatório   revelou   grande   otimismo   em   relação   ao  futuro   financeiro   da   indústria   farmacêutica:   "Os   próximos   anos   evidenciarão,   de  maneira   privilegiada,   a   criação   de   doenças   patrocinadas   pela   empresa".  (Moynihan  e  Cassels,  2007:  153)  

 

Podemos  agora  entrar  na  discussão  sobre  consequências  dessas  drogas  para  a  vida  das  

pessoas  que  sofrem  esses  tratamentos.  

 

Controlar  é  preciso,  viver  não  é  preciso…  

Este  mundo  não  é  seguro.  Qualquer  dia  pode  ser  justo  seu  último  dia,  como  um  ‘cowboy’  da  cocaína.38  

 O   tratamento   preconizado   para   o   TDAH   —   que,   lembre-­‐se,   incluiria   a   dislexia   de  

desenvolvimento   —   consiste   em   psicotrópicos   estimulantes   do   sistema   nervoso   central,  

destacando-­‐se  duas  drogas:  metilfenidato  (MPH)  e  dextro-­‐anfetamina  (D-­‐anfetamina)39.  

O  MPH  é  a  droga  mais  usada,  comercializada  no  Brasil  com  os  nomes  Ritalina®  e,  mais  

recentemente,  Concerta®.  As  demais  ainda  não   foram   liberadas  no  Brasil.  A    D-­‐anfetamina  é  

bastante  usada  nos  EUA,  como  Adderall®.    

O  mecanismo  de  ação  do  MPH  e  das  anfetaminas  é  exatamente  o  mesmo  da  cocaína:  

poderosos  estimulantes  que  aumentam  a  atenção  e  a  produtividade.  Com  estrutura  química  

semelhante,  essas  substâncias  aumentam  os  níveis  de  dopamina  no  cérebro,  pelo  bloqueio  de  

sua   recaptação   nas   sinapses.   Lembre-­‐se   que   a   dopamina   é   o   neurotransmissor   responsável  

pela   sensação   de   prazer.   Como   consequência   desse   aumento   artificial,   o   cérebro   torna-­‐se  

dessensibilizado  a  situações  comuns  da  vida  que  provocam  prazer,  como  alimentos,  emoções,  

interações   sociais,   afetos,   o   que   leva   à   busca   contínua   do   prazer   artificial   provocado   pela  

droga,   culminando   na   drogadição.   Além   disso,   especula-­‐se   se   aumentos   desnecessários   da  

dopamina   durante   a   infância   poderiam   alterar   o   desenvolvimento   do   cérebro.   Como   a  

medicação  costuma  ser  retirada  em  torno  dos  18  anos,  esses  jovens  podem  se  tornar  aditos  a  

cocaína  na  vida  adulta,  como  modo  de  substituir  a  droga  legal  que  tomaram  por  anos.40    

                                                                                                                         38  Cocaine,  de  DJ  Khaled  Ft.  Akon    39   A   pergunta   óbvia   é:   qual   a   lógica   de   usar   estimulantes   do   SNC   em   jovens   de   quem   se   diz   serem  hiperativos?   Remetemos   à   nota   explicativa   do   construto   de   fisiopatologia   construído   para   justificar   a  invenção  da  DCM  e  o  uso  de  psicoestimulante.  (Nota  rodapé  11,  na  pagina  8  desse  texto)  40  Disponível  em  http://learn.genetics.utah.edu/content/addiction/issues/ritalin.html,  acesso  em  28/02/2009  

33    

As   reações   adversas   do  MPH   são   inúmeras   e   bastante   graves,   ao   contrário   do   que  

costumam   afirmar   os   que   defendem   seu   uso.   Afetam   praticamente   todos   os   aparelhos   e  

sistemas  do  corpo  humano.  

Reações  Adversas  do  Metilfenidato  (MPH)  

Sistema  Nervoso  Central  Sistema  Cardio-­‐  Vascular  

Aparelho  Gastro-­‐  intestinal  

Sistema  Endócrino-­‐  Metabólico  

Outras     À  retirada  e  Rebote  

Psicose  

Alucinações  

Depressão  

Choro  fácil  

Ansiedade  

Irritabilidade  

Agitação  

Hostilidade  

Suicídio  

Zumbi-­‐like  

Facies    anfetamina  

Convulsão  

Isolamento  

Insônia  

Confusão  

Sonolência  

Estereotipia  

Compulsão  

<  interesse  

Tics  

Discinesias  

Sínd.  Tourette  

Alt.  Cognição    

Arritmia  

Taquicardia  

Palpitações  

Hipertensão  

Dor  torácica  

Parada  cardíaca  

Anorexia  

Náuseas  

Vômitos  

Câimbras  

Dor  estômago  

Obstipação  

Diarréia  

Boca  seca  

Gosto  ruim  

Alt.  Funções  hepáticas  

Alt.  Hipofisárias  

(GH  e    Prolactina)  

Retardo  crescimento  

<  estatura  final  

Perda  de  peso  

Alt.  funções  sexuais  

 

Visão  borrada  

Cefaléia  

Tontura  

Rash  cutâneo  

Anemia  

Leucopenia  

Perda  cabelo  

Dermatite  

Enurese  

Febre  inexplicada  

Artralgia  

>  Sudorese    

Insônia    

Depressão  

Exaustão  vespertina  

Hiperatividade  

Irritabilidade  

Piora  dos  sintomas  iniciais  

 

(Breggin,  1999:  5;  tradução  pessoal)  

 

Revisão   da   literatura   recente,   em   especial   em   periódicos   conceituados   no   campo  

científico,  confirmam  esses  dados.  

Advokat   (2007)   fez  uma   revisão  de  artigos  de  pesquisa  em  várias  bases  de  dados  da  

literatura   médica   sobre   os   efeitos   da   anfetamina   no   cérebro   de   animais   de   laboratório   e  

pessoas   com  diagnóstico  de  TDAH;  o  objetivo   foi   obter   informações   sobre  as   conseqüências  

neurológicas  em  longo  prazo  desse  tratamento.  Destaque-­‐se  que  o  autor  em  momento  algum  

questiona   o   diagnóstico,   nem   informa   os   procedimentos   e   critérios   em   que   se   baseou.   Nos  

estudos   iniciais,  usando  altas  doses  da  droga,  as  vias  dopaminérgicas  cerebrais  eram  lesadas.  

Estudos   mais   recentes,   usando   doses   menores,   comparáveis   às   terapêuticas   atuais,   os  

resultados   foram   contraditórios:   um   grupo   de   trabalhos   mostrou   quedas   significantes   na  

dopamina   em   corpo   estriado   após   a   ingestão   oral   da   droga;   outro   grupo  mostrou   sinais   de  

crescimento  dendrítico  no  cérebro  de  primatas  após  injeções  mimetizando  uso  terapêutico.  A  

conclusão  do  autor  é  clara:  é  necessário  aprofundar  estudos  sobre  as  conseqüências  cerebrais  

de  tratamento  crônico  com  anfetamina.    

Para   elucidar   se   a   droga   MPH   interfere   realmente   com   o   crescimento   pôndero-­‐

estatural,  Faraone  e  cols  (2008)  realizaram  análise  quantitativa  de  estudos  longitudinais  sobre  

34    

déficits  no   crescimento  esperado  entre   crianças   com  TDAH,   tratadas   com  psicoestimulantes.  

Mais   uma   vez,   destaque-­‐se   que   os   autores   iniciam   o   texto   afirmando   que   estimulantes   são  

efetivos  no  tratamento  de  TDAH,  mas  existem  preocupações  sobre  efeitos  no  crescimento.  A  

partir  de  critérios  bem  definidos  para   inclusão  de  artigos  em  seu  estudo,  os  autores   relatam  

que   a   análise   revelou   que   o   tratamento   com   psicoestimulantes   provoca   retardos  

estatisticamente   significantes   em   altura   e   peso,   com   tendência   a   atenuação   desses   déficits  

com   o   passar   do   tempo.   Os   dados   mostraram   também   que   não   há   diferença   entre  

metilfenidato   e   anfetaminas   e   que   o   déficit   tende   a   ser   dose-­‐dependente.   Após   chegar   a  

especular   se  o  TDAH  em  si  não  poderia   ser  associado  a   crescimento  desregulado  –  hipótese  

comumente   levantada   pelos   que   insistem   em   tratar   crianças   e   adolescentes   com  

psicoestimulantes   –   os   autores   concluem   que   estimulantes   na   infância   reduzem  

“modestamente”  o   crescimento  em  estatura  e  peso  e  que  é  necessário  pesquisar  mais  para  

elucidar  os  efeitos  de  tratamento  em  longo  prazo.  

Roelands  e  cols  (2008)  estudaram  os  efeitos  do  MPH  em  atletas,  em  função  de  seu  uso  

crescente  na  busca  de  melhor  desempenho  e  maior  competitividade,  uma  vez  que  a   inibição  

da   recaptação   de   dopamina/noradrenalina   nas   sinapses   melhora   significantemente   o  

desempenho  e  aumenta  a  temperatura  corporal  no  calor.  Foram  estudados  18  ciclistas  adultos  

saudáveis  e  bem  treinados,  recebendo  placebo  ou  metitilfenidato,  uma  hora  antes  do  exercício  

em   temperatura   ambiente   a   18   e   a   30°C.   Os   resultados  mostraram   que   o  MPH   tem   efeito  

ergogênico  claro  a  30°C,  não  aparecendo  a  18°C.  Para  os  autores,  a  combinação  da  inibição  da  

recaptação  de   dopamina   e   exercício   em   temperatura   alta  melhora   o   desempenho  e  eleva   a  

temperatura   corpórea,   sem   que   o   indivíduo   perceba   o   esforço   ou   o   stress   térmico,   o   que  

aumenta  o  risco  de  hipertermia  durante  exercício  em  pessoas  que  tomem  drogas  desse  tipo.    

A  propósito,  lembre-­‐se  o  grande  número  de  mortes  súbitas  em  crianças  e  adolescentes  

em  tratamento  com  MPH  ou  D-­‐anfetamina  por  uma  pretensa  doença  neurológica41.    Esse  fato  

pode  ser  encontrado  facilmente  em  revisões  de  literatura,  mesmo  em  autores  que  preconizam  

seu  uso.    

“O   tratamento   padrão   para   TDAH   em   crianças   e   adultos   consiste   em  estimulantes,  como  metilfenidato  ou  dextro-­‐anfetamina.  Estes  medicamentos  são  úteis   para  muitas   pessoas,  mas   podem   fazer   outras   com   TDAH   típica   piorarem.  Algumas   reações   negativas   a   estes   medicamentos   podem   ser   extremas,   como  alucinações,   descontroles   violentos,   temperamento   volátil,   psicose   e  comportamento  suicida.”  42  

 

                                                                                                                         41  Disponível  em  www.ritalindeath.com,  acesso  em  05/12/2012.  Esse  é  o  endereço  eletrônico  de  uma  ONG  americana  (Death  from  Ritalin.  The  truth  behind  ADHA),  criada  por  pais  de  jovens  que  morreram  pelo  uso  de  MPH.  Recomendamos  também  o  vídeo  http://es.youtube.com/watch?v=SzdGrUcc_bQ    42  Disponível  em  www.amenclinics.com,  acesso  em  26/08/08  

35    

Ao   contrário   do   que   possa   parecer,   essa   fala   é   de   autor   que   defende  

intransigentemente  o  uso  de  psicotrópicos  para  pessoas  que  não  se  adaptam  ás  normas.  É  de  

autoria  de  Daniel  Amen,  neurologista  americano  dono  de  uma  rede  de  clínicas  especializada  

em   neuroimagem,   tendo   o   diagnóstico   e   tratamento   de   TDAH   como   uma   de   suas  

especialidades.   A   partir   daí,   ele   especula   que   as   reações   negativas   seriam   devidas   ao  

diagnóstico   inadequado,   uma   vez   que   defende   que   existam   seis   subtipos   de   TDAH,   que   só  

poderiam   ser   diagnosticados   pela   neuroimagem.   Partindo   de   alguém   com   conflito   de  

interesses   tão  evidente,   sem  comentários...  Porém,  ele  não  pára  aí,  aderindo  à  corrente  que  

não   se   contenta   sem   prescrever   MPH   e   D-­‐anfetamina   para   crianças;   seria   necessário   o  

diagnóstico  correto  para  o  tratamento  correto,  que  seria  diferente  segundo  o  subtipo:    

 

Subtipo   Tratamento  

1  -­‐  TDAH  combinado  (desatenção  +  hiperatividade)    

Estimulantes:  metilfenidato  ou  D-­‐anfetamina  2  -­‐  TDAH  desatento  

3  -­‐  TDA  superfocado  

4  -­‐  TDA  de  lobo  temporal   Estimulantes  +  Anticonvulsivantes  

5  -­‐  TDA  límbico   Estimulantes  +  Antidepressivos  

6  -­‐  TDA  “anel  de  fogo”   a) Antidepressivo  +  Anti-­‐convulsivante    b) Antipsicótico    

 

Sandler  e  Bodfish  (2008)  realizaram  estudo  piloto  comparando  eficácia  em  curto  prazo,  

efeitos  adversos  e  aceitabilidade  de  dois   tratamentos  de  crianças  e  adolescentes  com  TDAH:  

com   psicoestimulante   na   dose   usual   e   com   placebo   em   desenho   para   reduzir   a   dose   de  

psicoestimulante   a   50%.   O   desenho   do   estudo   foi   adequado,   prospectivo;   foi   realizado   em  

jovens   acompanhados   em   uma   clínica   para   tratamento   de   TDAH,   estáveis,   sem   qualquer  

questionamento  sobre  a  pretensa  doença,  o  diagnóstico  e  necessidade  de  tratamento.  A  cada  

semana,   os   jovens   recebiam  um  de   três   esquemas   terapêuticos   diferentes   (dose   total,   dose  

50%  +  placebo  ou  apenas  placebo);  pais  e  médicos  sabiam  o  esquema,  porém  os  professores  

não  (duplo  cego);  avaliações  eram  feitas  semanalmente.  Os  resultados  mostraram  que  para  os  

pais,   que   sabiam   o   que   o   filho   tomava   a   cada   momento,   o   comportamento   manteve-­‐se  

quando  a  dose  de  estimulante  foi  reduzida  a  50%  e  associada  a  placebo,  piorando  quando  foi  

dado   apenas   placebo.   Para   os   professores,   que   ignoravam   totalmente   o   que   seus   alunos  

estavam  recebendo  no  momento  das  avaliações  semanais,  não  houve  diferenças  significantes  

entre   os   três   esquemas   terapêuticos.   Os   dados   sobre   efeitos   adversos   foram   coletados  

semanalmente   pela   Escala   Pittsburgh   de   Efeitos   Colaterais   (PSERS)   e   eram   estatisticamente  

36    

mais   intensos   e   frequentes   no   esquema   de   dose   total   do   que   com  dose   50%   +   placebo.  Os  

autores   concluíram   que,   mesmo   quando   o   paciente   e   seus   pais   sabem   o   que   está   sendo  

tomado,  o  uso  de  doses  menores  acompanhadas  de  placebo  é  eficaz  e  tem  boa  aceitação.  A  

relevância   desse   trabalho   é   mostrar   que   mesmo   profissionais   e   pesquisadores   que   não  

questionam   diagnóstico   e   necessidade   de   tratamento   estão   preocupados   com   as   reações  

adversas  do  metilfenidato  e  da  anfetamina  e  que,  quando  se  usa  o  método  adequado  –  duplo  

cego  –  os  propalados  efeitos  benéficos  são  iguais  aos  de  placebo;  a  diferença  está  nas  reações  

adversas.  

Pelz  e  cols  (2008)  publicaram  artigo  de  revisão  da  literatura,  comentando  as  vantagens  

da   apresentação   comercial   do  MPH   de   ação   retardada,   vendida   no   Brasil   pela   Janssen-­‐Cilag  

com   o   sugestivo   nome   Concerta®.     Entre   os   benefícios   apresentados   pelos   autores,   a  

possibilidade  de  dose  única  diária  e  maior  tempo  de  efetividade  da  droga.  Entretanto,  fazem  

pequena  advertência,  alertando  que  os  efeitos  colaterais  causados  por  um  período  prolongado  

de   nível   sanguíneo   da   droga   e   de   ação   sobre   o   cérebro   ainda   precisam   ser   estudados.   Em  

outras   palavras,   uma   nova   formulação   de   um   psicotrópico   do   qual   já   se   conhece   graves  

reações  adversas  é  lançada  no  mercado,  é  saudada  e  ainda  não  se  estudou  os  reais  prejuízos  

que  pode  provocar  no  cérebro  e  na  vida  de  milhões  de  crianças  e  adolescentes.    

Na   mesma   linha   de   inconsequência,   Stopper   e   cols   (2008),   após   afirmarem   que  

pesquisadores   do   Texas   encontraram   maior   risco   de   dano   genômico   e   de   potencial  

carcinogênico   após   três   meses   de   uso   de   MPH,   relatam   que   em   estudo   semelhante   não  

encontraram  tal  efeito;  sua  conclusão  é  digna  de  registro:  não  parecem  justificadas  mudanças  

no   tratamento   atual,   especialmente   porque   mais   estudos   estão   em   andamento   e   há  

esperanças   de   que   eliminarão   qualquer   resquício   de   dúvida   acerca   das   consequências  

potenciais  genotóxicas  ou  carcinogênicas  do  metilfenidato.    

Enquanto   isso,  nossos   jovens  deverão  continuar   tomando  a  droga  que  ainda  merece  

mais  estudos??    

O  metilfenidato  é  responsável  por  um  outro  problema,  extremamente  sério:  30  a  50%  

dos  jovens  em  tratamento  em  clínicas  para  drogaditos  relatam  o  uso  abusivo  de  Ritalina®,  que  

tem  se  tornado  droga  de  escolha  para  adolescentes,  por  ser  relativamente  barata,  acessível  e,  

principalmente,   por   ser   percebida   como   segura,   uma   vez   que   é   prescrita   por   médicos.  

Confrontados   com   esses   dados,   os   autores   que   defendem   a   existência   dessa   entidade   e  

necessidade   de   tratamento,   pretendem   que   a   tendência   a   drogadição   e   comportamento  

delinqüente  seriam  sinais  de  TDAH.  A  Ritalina®,  em  altas  doses,  ou  se  injetada  ou  inalada,  é  tão  

aditiva  quanto  a  cocaína.  Conforme  o  cérebro  se  adapta  à  presença  contínua  da  droga,  afeta  

áreas   cerebrais   responsável   por   memória,   aprendizagem   e   julgamentos;   essas   regiões  

37    

começam   a   se   alterar   fisicamente.   A   procura   por   droga   torna-­‐se   quase   reflexa,   mecanismo  

pelo  qual  um  usuário  de  droga  torna-­‐se  drogadito.  43  

Anosognosia   é   um   termo  médico   definido   como   falta   de   percepção   ou   negação   de  

déficit   neurológico.   Breggin   (2006)   usa   esse   conceito   de   capacidade   do   cérebro   lesado   de  

negar  a  perda  da  função  para  explicar  a  incapacitação  do  cérebro  pelas  drogas  psiquiátricas  e,  

a   partir   daí,   cria   o   conceito   de   “anosognosia   por   intoxicação”   ou   “encantamento   pela  

medicação”   para   explicar   a   falência   em   reconhecer   os   perigosos   efeitos   mentais   de   drogas  

psicoativas   e   a   tendência   a   superestimar   seus   efeitos   benéficos.   Discute   os   passos   dessa  

trajetória:  a)  falha  em  perceber  que  está  agindo  de  modo  irracional,  perigoso,  que  foge  a  seus  

padrões;   b)   falha   em   identificar   a   medicação   como   interferindo   com   seus   processos   e  

atividades  mentais  drasticamente  alterados;  c)  pensar  que  a  droga  é  benigna,  mesmo  que  às  

vezes    acreditem  que  é  ineficaz,  continuando  a  tomá-­‐la  enquanto  deterioram  mentalmente;  d)  

no   extremo,   tornar-­‐se   compulsivamente   violentos   contra   si  mesmo   ou   outras   pessoas.   Para  

Breggin,  esse  é  um  dos  corolários  do  “princípio  incapacitante  do  cérebro”,  segundo  o  qual  todo  

tratamento  psiquiátrico  causa  uma  disfunção  cerebral,  como  seu  “efeito  terapêutico  primário”;  

o  “sucesso”  do  tratamento  ocorreria  quando  esse  prejuízo  fosse  percebido  como  melhora.  

Isso  é  o  que  acontece  com  o  uso  de  MPH  ou  D-­‐anfetamina  em  pessoas  rotuladas  como  

portadoras   de   TDAH.   Os   efeitos   terapêuticos   tão   divulgados,   sempre   apresentados   como  

benéficos,  constituem  na  verdade  sinais  de  toxicidade  das  drogas.    

É  preciso  ressalvar,  no  entanto,  que,  segundo  experiência  pessoal  das  autoras,  muitas  

crianças   e   adolescentes   suspendem  por   conta   própria,   às   escondidas,   a   ingestão   das   drogas  

por   sentirem   que   lhes   faz   mal,   destacando   sempre   a   taquicardia,   a   sensação   de   estarem  

eletrificados,   de   estarem   amarrados,   contidos   em   si   mesmo,   sem   poderem   expressar   seus  

desejos,  emoções,  angústias,  medos.  Sentem-­‐se  zumbis,  ou  zumbi-­‐like.  

Porém,  há  ainda  mais  elementos  contundentes  nessa  história.  Em  setembro  de  2009,  o  

periódico   American   Journal   of   Psychiatry   publicou   artigo   de   Madelyn   Gould   (professora   de  

psiquiatria   infantil   e   epidemiologia   na   Columbia University) e   colaboradores   em   que  

relatam  pesquisa  desenvolvida  por  demanda  do  National   Institute  of  Mental  Health   (NIMH),  

para   investigar   a   associação   entre   morte   súbita   em   crianças   e   adolescentes   e   o   uso   de  

antidepressivos   tricíclicos,    metilfenidato   e   clonidina.   A   demanda   decorreu   de   alguns   dados  

relevantes:   o   número   crescente   de   publicações   sobre   casos   de  morte   súbita   em   crianças   e  

adolescentes   recebendo   psicoestimulantes   como   tratamento   de   TDAH;   11   casos   de   morte  

                                                                                                                         43  Disponível  em  http://learn.genetics.utah.edu/content/addiction/issues/ritalin.html,  acesso  em  03/04/2009.  

38    

súbita  em  pacientes  pediátricos  recebendo  metilfenidato  registrados  por  médicos44  no  período  

de  janeiro  de  1992  a  fevereiro  de  2005;  na  Flórida,  a  análise  dos  dados  referentes  a  dez  anos  

revelou,   nos   jovens   em   uso   de   estimulantes   por   diagnóstico   de   TDAH,   aumento   de   20%   na  

procura   de   serviços   de   saúde   de   urgência   por   problemas   cardíacos;   em   2008,   a   Associação  

Americana   de   Cardiologia   recomendou   a   rotina   de   eletrocardiograma   antes   de   prescrever  

estimulantes  ou  outros  psicotrópicos  como  tratamento  de  TDAH  em  crianças.    

A   raridade  de  morte   súbita  e  de  morte  por  problema  cardíaco  na   idade  pediátrica  é  

muito  rara  –  estimada  em  0,8  a  8,5  casos  por  100.000  paciente-­‐anos  –  exigiria  o  estudo  de  2  

milhões  de  pessoa-­‐anos  para  a  detecção  de  diferenças  significantes  entre  o  grupos  com  e  sem  

uso   de   estimulantes.   Para   contornar   esse   obstáculo,   a   equipe   desenhou   um   método   de  

pesquisa  rigoroso,  controlando  inúmeros  viezes.  Após  ética  e  cientificamente  apontarem  uma  

séria  limitação  do  estudo,    pelo  fato  de  que  o  método  epidemiológico  é  ferramenta  poderosa  

para  detectar  associação  mas  não  pode  estabelecer  causalidade,  concluem:  

“Este  estudo  relata  uma  significante  associação,  ou  ‘sinal’,  entre  morte  súbita  

inexplicada   e   o   uso   de   medicação   estimulante,   especificamente   metilfenidato.  

Embora   os   dados   tenham   limitações   que   impedem   uma   conclusão   definitiva,  

nossos   achados   dirigem   atenção   para   os   riscos   potenciais   de   medicações  

estimulantes,   que   exigem   atenção   clínica   e  mais   estudos.”   (Gould   e   cols,   2009:  

1000)  

 

Mas  os  remédios  não  funcionam?  E  as  pesquisas  que  provam  que  ajudam?    

Nada  ficou  no  lugar.  Eu  quero  entregar  suas  mentiras.  [...]  Eu  vou  publicar  seus  segredos.  Eu  vou  derramar  nos  seus  planos  o  resto  da  minha  alegria  45  

 

Analisemos   a   questão   por   um   outro   ângulo,   deixando   de   lado   a   ausência   de  

comprovação   de   ser   uma   doença   neuropsiquiátrica,   a   fragilidade   do   diagnóstico,   as   reações  

adversas  das  drogas  psicoativas.  E  se  essas  drogas  funcionam  mesmo,  ajudando  a  maioria  das  

pessoas  que  recebem  esse  diagnóstico,  independente  de  qual  seja  o  problema  real,  quais  suas  

causas?    

Frequentemente,   somos   confrontadas   com   essa   questão,   surgindo   a   pergunta  

inevitável:  “está  bem,  os   remédios  não   são   seguros,  mas  nenhuma  droga  é   isenta  de  efeitos  

colaterais;  mas  todas  as  pesquisas  provam  que  funcionam,  que  ajudam  crianças  e  jovens  a  se  

concentrarem  e  a  aprenderem”.    

                                                                                                                         44  Registrados  no  Sistema  de  Relatos  Espontâneos  de  Reações  Adversas,  do  Food  and  Drug  Administration  (FDA).  45  Mentiras,  de  Adriana  Calcanhoto  

39    

O  que  há  de  verdade  nas  afirmações  categóricas  de  profissionais  quando  dizem  que  os  

efeitos  benéficos  são  comprovados  por  milhares  de  pesquisas  (geralmente,  fala-­‐se  em  5.000,    

10.000  pesquisas)  e  os  efeitos  negativos  são  raros  e  passageiros?    

O  que  mostram  as  pesquisas?    

Os   pretensos   efeitos   benéficos   do   uso   dessas   drogas   em   crianças   e   jovens   têm   sido  

amplamente  alardeados.  Sulzbacher  (1973)  reviu  os  trabalhos  publicados  entre  1937  e  1971  a  

respeito   do   uso   clínico   de   psicotrópicos   em   crianças,   com   o   objetivo   de   mudança   de  

comportamento,   avaliando   o   desenho   da   pesquisa   e   a   forma   de   medir   a   mudança   de  

comportamento.   Dos   756   estudos   publicados,   548   (72,5%)   eram   trabalhos   não   controlados  

segundo   o   método   experimental:   faziam   uso   de   apenas   uma   droga,   sem   comparação   com  

grupo   controle   (placebo)   e/ou  não  utilizavam  o  modelo   “duplo-­‐cego”   (em  que  observador  e  

paciente   não   sabem   qual   droga   está   sendo   administrada).   Portanto,   sem   qualquer  

contribuição  cientifica  real.  Os  123  trabalhos  restantes  foram  analisados  relacionando  a  forma  

de  medir  o  comportamento  e  os  resultados  apresentados.  Encontrou-­‐se  uma  relação  inversa,  

altamente   significante,   entre   o   grau   de   rigor   na   medida   de   resposta   e   a   porcentagem   de  

estudos   relatando   uma   diferença   com   o   uso   de   drogas.   Enquanto   88%   dos   trabalhos   que  

empregaram   “impressão   clínica”   como   avaliação   relataram   efeitos   benéficos   das   drogas,  

apenas   17%   reportaram   esses   efeitos   quando   foram  usados   testes   psicológicos,   com   toda   a  

ressalva  às  avaliações  psicológicas  padronizadas.  Esses  dados  são  muito  diferentes  do  que  se  

divulga.  

Desde   então,   nada   mudou.   Pelo   menos,   não   para   melhor...   Revisão   recente   de  

literatura  encontrou  que  a  postura  anticientífica  não  apenas  se  mantém,  mas  se  amplifica.    

Thomson  e  cols  (2009)  publicaram  uma  revisão  sobre  o  uso  de  anfetamina  para  TDAH  

no   Cochrane   Database   System   Rev.46.   Os   autores   partem   do   dado   de   que   o   diagnóstico   de  

TDAH   é   crescente   também   em   pessoas   com   deficiência   intelectual,   embora   o   tratamento  

ainda  não  tenha  sido  amplamente  testado  nesse  grupo  de  pessoas47.  Esse  fato  apenas  sinaliza  

mais   um   dos   movimentos   de   ampliação   da   abrangência   dessa   pretensa   doença   e,  

principalmente,   dos   produtos   vendidos   pelas   indústrias   farmacêuticas.   Para   realizar   a  meta-­‐

análise,   foi   definido   como   critério   de   inclusão   ser   um   estudo   controlado   e   randomizado,  

publicado  ou  não,  em  qualquer  idioma,  em  crianças  ou  adultos,  em  que  pessoas  com  TDAH  e  

                                                                                                                         46  A  Cochrane  Library  consiste  em  uma  das  mais  amplas  coleções  de  banco  de  dados;  uma  de  suas  faces  é  a  coleção  de  Cochrane  Database  of  Systematic  Reviews,  uma  base  de  dados  de  revisões  sistemáticas  e  meta-­‐análises,  que  condensam  e  interpretam  resultados  de  pesquisa  médica  de  alta  qualidade,  constituindo  fonte  de  pesquisa  fundamental  para  a  medicina  baseada  em  evidências.  47  A  propósito,  como  já  apresentado  anteriormente,  lembre-­‐se  que  o  critério  E  para  o  diagnóstico  de  TDAH,  segundo  a  ABDA,  é:  “se  existe  um  outro  problema  (tal  como  depressão,  deficiência  mental,  psicose,  etc.),  os  sintomas  não  podem  ser  atribuídos  exclusivamente  a  ele.”  

40    

deficiência   intelectual   foram   tratadas   com   anfetamina.   Os   dados48   foram   levantados  

independentemente   por   dois   revisores,   com   supervisão   para   risco   de   vieses   por   dois   dos  

autores.   Como   resultado,   a   meta-­‐análise   não   pôde   ser   feita   porque   somente   um   estudo  

preenchia  os  critérios  de  inclusão.  Dito  de  outro  modo,  com  exceção  de  uma  pesquisa,  todas  

não   eram   controladas,   nem   os   grupos   eram   selecionados   de  modo   aleatório,   randomizado;  

critérios   elementares   em   pesquisas   epidemiológicas,   como   já   vimos.   A   única   publicação  

considerada  científica  estudou  15  crianças,  tratadas  com  anfetamina  por  apenas  uma  semana;  

não  houve  nenhuma  diferença  estatisticamente  significante  entre  anfetamina  e  placebo  para  

qualquer   das  medidas   de   TDAH,   porém   ocorreram   significantemente  mais   reações   adversas  

com   a   anfetamina,   como   irritabilidade   e   instabilidade   de   humor.   Os   autores   do   texto   da  

Cochrane  concluem  que  há  muito  pouca  evidência  que  sustente  a  efetividade  de  anfetamina  

em  pessoas  com  deficiência  intelectual  e  TDAH,  sendo  necessárias  mais  pesquisas.    

Em   outubro   de   2011,   o   golpe   final:   a   Agency   for   Healthcare   Research   and   Quality  

(AHRQ),   do   Department   of   Health   and   Human   Services   do   governo   dos   Estados   Unidos   da  

América,   publicou   a   mais   extensa   metanálise   (pesquisa   sobre   as   pesquisas   publicadas   49)  

acerca   dos   resultados   dos   diferentes   tratamentos   de   crianças   e   adultos   com   diagnóstico   de  

TDAH  50.  Esta   investigação  foi  realizada  em  um  dos  mais  renomados  centros  de  pesquisas  de  

metanálise  no  mundo,  o  McMaster  University  Evidence-­‐based  Practice  Center.  (Charach  et  ali,  

2011)  

A  investigação  levantou  tudo  que  foi  publicado  sobre  efetividade  de  tratamento  para  

TDAH   no   período   de   1980   a   maio   de   2010   51;   cada   paper   foi   analisado   por   dois   revisores  

independentes,   a   partir   de   critérios   pré-­‐definidos   bastante   claros;   discordâncias   eram  

resolvidas  por  um  terceiro  revisor.      

                                                                                                                         48  Os  trabalhos  foram  buscados  nas  seguintes  bases  de  dados:  MEDLINE,  PsycINFO,  EMBASE,  AMED,  ISI  Web  of  Science,  ISI  Web  of  Knowledge,  Dissertações,  CENTRAL,  Current  Controlled  Trials  meta-­‐register  (mRCT),  CenterWatch,  NHS,  National  Research  Register  e  clinicaltrials.gov.  Além  disto,  foram  contatados  industrias  farmacêuticas  e  especialistas  na  área.  49  As  pesquisas  de  metanálise  constituem  a  base  da  Medicina  Baseada  em  Evidências  e  têm  por  objetivo  a  comparação  sistematizada  de  resultados  de  pesquisa  sobre  a  eficácia  de  diferentes  tratamentos,  de  modo  a  possibilitar  uma  prática  médica  embasada  em  dados  científicos  comprovados,  em  evidências  científicas.  A  primeira  fase  da  pesquisa,  após  o  levantamento  de  todas  as  publicações  sobre  o  tema,  é  identificar  as  pesquisas  que  preenchem  critérios  de  rigor  metodológico,  de  cientificidade,  descartando  as  demais.          50    “Comparative  Effectiveness  Review”  número  44,  intitulado:  “Attention  Deficit  Hyperactivity  Disorder:  Effectiveness  of  Treatment  in  At-­‐Risk  Preschoolers;  Long-­‐Term  Effectiveness  in  All  Ages;  and  Variability  in  Prevalence,  Diagnosis  and  Treatment”  51  O  levantamento  partiu  das  bases  de  dados  mais  relevantes  em  medicina,  psicologia  e  educação:  MEDLINE,  Cochrane  CENTRAL,  EMBASE,  PsycInfo,  ERIC  (Education  Resources  Information  Center);  posteriormente,  foram  levantados  todas  as  citações  encontradas  nesses  papers  que  já  não  estivessem  identificadas.  

41    

Pois   bem,   das   sempre   citadas   5   mil,   10   mil   pesquisas,   apenas   doze   –   repetimos,  

APENAS   DOZE   PESQUISAS   puderam   ser   analisadas.   Todas   as   demais   foram   descartadas   por  

ausência  de  cientificidade!!  

A  metanálise  foi  feita  em  dois  subgrupos,  pré-­‐escolares  e  todas  as  idades:  

1.   em   pré-­‐escolares:   nove   pesquisas   puderam   ser   analisadas   quanto   à   SOE   (do   inglês:  

“strenght  of  evidence”  –  força  de  evidência)  e  quanto  a  efeitos  adversos.    

a)  alta  “SOE”  de  efeitos  benéficos  da  orientação  familiar  e  ausência  de  efeitos  adversos;  

b)  baixa  “SOE”  de  efeitos  benéficos  do  metilfenidato  e  presença  de  efeitos  adversos.    

2.  em  todas  as  idades:  três  pesquisas  puderam  ser  analisadas:  

a)  metilfenidato:  baixa  SOE  de  redução  de  sintomas;  

b)  atomoxetina:  baixa  SOE  de  redução  de  sintomas;  

c)   medicação   associada   a   intervenção   psicossocial   ou   comportamental:   baixa   SOE   de  

redução  de  sintomas  

3.  rendimento  escolar:  dados  inconclusivos;  

4.  evolução  a  longo  prazo  com  uso  de  psicoestimulantes:  dados  inconclusivos  

 

O   único   efeito   comprovado   dos   psicoestimulantes   foi   a   “melhora”   isolada   do  

comportamento,  especialmente  em  meninos.    

Mas  é  esse  o  objetivo?  Que  parem  de  ser  descomportados  e  se  enquadrem  em  normas  

rígidas,  que  negam  a  vida?  

Então,  as  drogas  psicoativas  não  funcionam!    

A   doença   não   tem   comprovação,   o   diagnóstico   não   se   sustenta,   o   remédio   não  

melhora!    

E   por   que   essa   onda   só   aumenta?   Ignorando   pesquisas   feitas   pelos   próprios  

divulgadores  dos  transtornos,  pelos   laboratórios  farmacêuticos,  por  pesquisadores   ligados  ao  

NIMH  (National  Institute  of  Mental  Health)  e  ao  FDA  (Food  and  Drug  Administration)!    

Vejamos  alguns  dos  muitos  dados  que  não  se  costuma  divulgar.    

 

 

 

 

Até   quando   crianças   e   jovens   continuarão   sendo   quimicamente   contidos,  

iatrogenicamente  drogaditos?  Até  quando  suas  vidas  serão  o  combustível  para  as  fornalhas  de  

fazer  dinheiro  dos  vendedores  de  doenças?  

 

42    

Eureka!  Vender  remédios  para  pessoas  saudáveis    

Não  tem  nada  errado  comigo.  Tem  alguma  coisa  errada  com  você.    Errada  com  você  e  eu,  quando  nós  estamos  chorando  por  nossa  próxima  dose52  

 

A   discussão   de   Breggin   (2006)   sobre   a   anosognosia   é   fundamental   para   ajudar   a  

apreender   a   dimensão   da   influencia   dos   vendedores   de   doenças   a   nos   convencerem   que  

determinadas   drogas   psiquiátricas   são   seguras,   sem   qualquer   risco,   tendo   efeitos   apenas  

benéficos.  De  outro  modo,  como  entender  a  polêmica  que  vem  sendo  travada  nas  páginas  da  

revista  Nature,  uma  das  mais  conceituadas  no  campo  científico?  

Em   dezembro   de   2007,   Sahakian   e   Morein-­‐Zamir   publicaram   texto   que   diziam   ser  

intencionalmente   provocativo,   colocando   questões   a   serem   enfrentadas   pela   comunidade  

científica:   o   uso   de   drogas   que   eufemisticamente   chamaram   de   “cognitive-­‐enhancing”,   algo  

próximo   de   “ampliadores   cognitivos”.   É   importante   destacar   que   em   momento   algum   os  

autores   questionaram   a   existência   de   doenças   psiquiátricas   ou   o   tratamento   com  

psicotrópicos.  O  cerne  das  perguntas  era  o  uso  de  drogas  que  presumidamente  aumentam  a  

atenção,   diminuem  percepção   de   cansaço,   por   pessoas   que   não   são   portadoras   de   doenças  

psiquiátricas.  Dois  exemplos:  “você  turbinaria  sua  energia  cerebral?”  ou   “Como  você  reagiria  

se  soubesse  que  seus  colegas,  ou  seus  estudantes,  estão  usando  essas  drogas?”  Continuavam  

provocando,   ao   afirmar   que   é   sabido   que  muitos   pesquisadores   nos   EUA   e   no   Reino  Unido  

usam  esses  remédios  para  amenizar  efeitos  do  jet-­‐lag,  para  aumentar  a  produtividade  mental,  

ou   para   lidar   com   desafios   intelectuais   urgentes   e   importantes.   Citando   o   uso   crescente   do  

metilfenidato  por  professores  e  estudantes  universitários,  afirmam  ser   reconhecido  que  essa  

droga,   em   pessoas   saudáveis,   pode   ampliar   apenas   uma   fração   das   habilidades   cognitivas,  

como   a   atenção,  mas   prejudicando   outras,   como   tarefas   espaciais   já   aprendidas.   Alertando  

sobre  a  responsabilidade  de  profissionais,  universidades,  autoridades  sanitárias  na  divulgação  

dos   efeitos   reais   e   prejuízos   para   a   saúde   individual,   perguntam   se   um   jovem   usuário   de  

psicoestimulante   continuaria   a   usá-­‐lo   se   soubesse   de   seus   efeitos   potenciais   sobre   o  

crescimento.  (Sahakian  e  Morein-­‐Zamir,  2007)  

Os   comentários   publicados   na   Nature   foram   inúmeros,   com   opiniões   de   todo   tipo  

sobre  o  que  passaria  a  Sr  chamado  de  doping  intelectual.  

Na  seqüência,  Greely  e  cols   (2008)  publicaram  outro  texto,  em  que  afirmam  que  nos  

campi   universitários   de   todo   o   mundo   estudantes   usam   de   todos   os   meios   possíveis   para  

vender   e   comprar   Adderall®   e   Ritalina®,   para   aumentar   sua   capacidade   de   aprendizagem   e  

obter  alguma  vantagem  sobre  seus  colegas.  Os  autores  trataram  essa  questão  com,  digamos,  

                                                                                                                         52  This  cocaine  makes  me  feel  like  I’m  on  this  song,  de  Daron  Malakian  

43    

uma  certa  naturalidade,  o  que  motivou  mais  comentários  questionando  essa  naturalização  do  

uso  de  psicotrópicos.  

Wiiliams  e  Martin  (2009)  levantaram  algumas  questões  importantes:  os  benefícios  são  

frequentemente   exagerados,   mostrando-­‐se,   em   estudos   controlados,   pouco   diferentes   dos  

percebidos   com  placebo;  pouquíssimas  drogas   são   realmente   seguras,   sem  efeitos  adversos,  

especialmente   em   longo   prazo.   Terminam   lembrando   a   necessidade   imperiosa   de   posições  

baseadas   em   evidências   científicas,   de   modo   a   não   criar   expectativas   não   realistas   sobre  

benefícios  e  riscos  dessas  drogas.  

Chatterjee  (2009)  questiona  o  fato  de  que  os  autores  não  considerem  que  o  FDA  (US  

Food  and  Drug  Administration)  exige  que  as  caixas  desses  remédios  exibam  alertas  sobre  riscos  

de   abuso,   dependência,   morte   súbita   e   danos   cardiovasculares,   mencionando   ainda   várias  

outras  complicações  graves,  como  arritmias,  que  seriam  potencialmente  mais  prevalentes  em  

pessoas  mais  velhas,  como  costumam  ser  os  usuários  saudáveis.    

Admitamos   que   os   psicoestimulantes,   como   o   metilfenidato   e   as   anfetaminas,  

aumentem   a   concentração   e   atenção,   potencialmente   focando   melhor   o   raciocínio   e  

aumentando  a  cognição.    

A  questão  é:  a  que  preço?  Por  quanto  tempo?  

 

 Resistir  é  preciso,  pois  viver  é  preciso.  

Sou  viramundo  virado  pelo  mundo  do  sertão,  mas  inda  viro  este  mundo  em  festa,  trabalho  e  pão.53  

 

Existem   pessoas   com   déficits   intelectuais,  motores   ou   sensoriais   reais.   Não   são   elas  

que  estão  em  discussão.  

Existem   infinitos   modos   de   pensar,   agir,   reagir,   sentir,   expressar   emoções   e  

sentimentos,   se   comportar,   aprender,   lidar   com   saberes   já   constituídos.   Esses   modos  

constituem  um  continuum,  todos  eles  caracterizando  a  diversidade  entre  seres  humanos,  que  

nos  constitui  indivíduos,  sujeitos.  Também  não  é  isto  que  está  em  discussão.  

O  que  está  em  debate  é  se  um  dos  extremos  dessa  multiplicidade  é  patognomônico  de  

doença,  mais  especificamente  de  uma  doença  neurológica.  

 

Esta  resistência  é  científica.  

Em   novembro   de   1998,   foi   realizado   uma   reunião   científica   convocada   pelo   US   NIH  

(National  Institutes  of  Health),  para  a  qual  foram  convidados  os  mais  renomados  especialistas  

                                                                                                                         53  Viramundo,  de  Gilberto  Gil  e  Capinan  

44    

no   campo,   representativos   das   duas   correntes   que   se   embatem   desde   1896,   desde  

Hinshelwood.   A   maioria   defende   a   existência   de   TDAH   e   dislexia   e   a   necessidade   de  

tratamento  medicamentoso.  

O   objetivo   da   “Consensus   Development   Conference   on   the   Attention   Deficit  

Hyperactivity  Disorder   (ADHAD)   era   estabelecer   um   consenso   científico   para  o   diagnóstico   e  

tratamento  de  TDAH,  em  função  da  enorme  controvérsia  que  persiste  sobre  o  assunto.    

Apesar   da   vantagem   numérica,   em   termos   de   representação,   o   documento   final  

reconheceu  a  inexistência  de  evidências  científicas  que  sustentem  que  essas  condições  sejam  

manifestações   de   doença.   Além   disto,   reconheceu   os   riscos   de   tratamento   com  

psicoestimulantes  por  períodos  longos.    

Esse  relatório  jamais  foi  divulgado  no  Brasil.  A  sua  leitura  responde  a  possíveis  dúvidas  

do  motivo.   Em  editorial,   a   revista  Ethical  Human   Sciences   and   Services,   de   1999,   comenta  o  

relatório  e  transcreve  alguns  de  seus  trechos,  todos  contundentes:  

“Apesar   dos   progressos,   o   TDAH   e   seu   tratamento   têm   permanecido  controversos  em  muitos  setores  públicos  e  privados”    

“Não  temos  um  exame  independente  e  válido  para  o  diagnóstico  de  TDAH”    “Não  há  dados  comprovando  que  TDAH  seja  devido  a  mau  funcionamento  do  

cérebro”    “A  maior  controvérsia  em  relação  a  TDAH  continua  o  uso  de  psicoestimulantes  

tanto  a  curto  como  a  longo  prazo”    “Pesquisas   para   estabelecer   a   validade   deste   distúrbio   continuam   sendo   um  

problema”    “Médicos  que  diagnosticam  TDAH  têm  sido  criticados  por  simplesmente  pegar  

uma  porcentagem  da  população  normal  que  tem  desatenção  e  atividade  contínua  e  chamar  de  distúrbio.”    

“Não   é   claro   se   os   sinais   de   TDAH   representam  uma  distribuição   bimodal   na  população  ou  a  extremidade  de  um  continuum  de  características.”    

“Há   pouca   melhora   em   desempenho   acadêmico   e   habilidades   sociais   (...)     É  bem  sabido  que  psicoestimulantes  têm  um  potencial  de  abuso.”    

“Doses   altas   de   psicoestimulantes   podem   causar   danos   ao   SNC,   danos  cardiovasculares,   hipertensão   e   comportamento   compulsivo.   Em   altas   doses,  pequena   porcentagem   apresenta   alucinações.”   (Editores,   1999:   10-­‐11;   tradução  pessoal)  

 

Esta  resistência  é  ética.  

Ainda  não  existem  evidências  científicas  que  sustentem  uma  alteração  neurobiológica  

nem  a  segurança  de  tratamento  com  psicoestimulante.  Ao  contrário.  Entretanto,  a  pressão  é  

tão  grande  que  se  chega  ao  absurdo  de  precisar  provar  que  não  existe  o  que  nunca  ninguém  

provou  que  existe.  Em  ciência,  algo  absolutamente  surrealista.    

Leo   (2002)   destaca   que  mesmo   a  American   Psychiatric   Press   Textbook   of   Psychiatry,  

que  sustenta  a  idéia  de  que  essa  seja  uma  doença  neurológica,  reconhece  que  “com  critérios  

diagnósticos   não   claros,   é   difícil   definir   ou   mesmo   conceitualizar   um   conceito   unitáriosobre  

45    

TDAH  ou  sua  etiologia  (...)  permanece  considerável   incerteza  sobre  a  validade  de  TDAH  como  

uma  entidade  diagnóstica.  (p.  52)    

A   partir   dessa   posição   de   uma   das   entidades   mais   ardorosas   na   defesa   da   doença  

TDAH,  é  ainda  mais  assustadora  a  decisão  do  NIMH  (National  Institute  of  Mental  Health),  que    

iniciou    estudo  em  que  crianças  pré-­‐escolares,  de  três  anos  de  idade,  receberão  medicamentos  

para  tratar  uma  suposta  TDAH.  

Esta  é  a  questão  moral  mais  importante  com  a  qual  a  comunidade  científica  se  defrontará   na   próxima   década.   A   ética   de   tomates   geneticamente   alterados,  racionamento  da  atenção  à   saúde,   transplantes  de  órgãos,   reembolso  de  gastos  com  medicamentos,   drogas   prescrição     e  mesmo   suicídio   assistido   são   somente  um   caminho   no   parque   comparado   à   ética   de   expor   um   cérebro   em  desenvolvimento   a   uma   droga   psicotrópica.  Medicar   crianças   de   três   anos   para  ajudá-­‐las  a  serem  melhores  estudantes  na  escola  maternal  é  um  salto  gigantesco  através   de   um   limiar   ético   que   terá   profundas   conseqüências   para   nossa  sociedade.  A   responsabilidade,  ou   como  se  poderia  dizer,  a   irresponsabilidade,   é  enorme.  (Leo,  2002:  52)  

 No  debate   sobre   uso   de   drogas   psicotrópicas   por   pessoas   saudáveis   como   forma  de  

melhorar  o  desempenho   cognitivo,   Steven  Rose   lembra  que   se   supõe  que  nessa   situação  os  

usuários  estejam  exercendo  seu  direito  de  optar  entre  correr  ou  não  riscos.  

Porém,   crianças   recebendo   Ritalina®   por   prescrição   médica   estão   sendo  drogadas  como  método  de  controle  social.   Isto  é,  me  parece,  uma  questão  ética  real.   Se   nós   não   reconhecemos   a   situação   do   mundo   real   em   que   drogas   são  compradas,  prescritas  e  usadas,  então  o  debate  ético  é  vazio.  (Rose,  2008:  521)  

 

A   cada   um   de   nós,   cabe   decidir   se   nos   deixaremos   cooptar   pela   engrenagem   dos  

vendedores  de  doença  ou  se  ficaremos  ao  lado  das  crianças,  da  vida.    

Esta  resistência  é  em  defesa  da  vida.  

 

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