o judiciário frente à divisão dos poderes um princípio em decadência.pdf

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------------------"~' 12 REVISTA USP TERCIO SAMPAIO FERRAZ Jr. é prófessor do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da USP, . ' '. . - . '. .... .. . " . ,.' '. . ~, .' . : ,'., ~ "-. "

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12 REVISTA USP

TERCIO SAMPAIOFERRAZ Jr. é prófessordo Departamento deFilosofia e Teoria Geraldo Direito da Faculdadede Direito da USP,

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o poderJudicüírio é um dos três poderespela doutri.Q4:~rilsimples palavras, costuma-se,'.:4>::r~~::-::::,:~::,-~;::::;::::":'>::'::::':.:{;:' ;:.;."

iSSã~.~~~pliC~fc9ntenciosamente a lei a casos particu-

~~l:~~t!~ã~~i!~~etidas ainda hoje, o poder Judiciário é

.t~a~t~~~~inar e assegurar a aplicaçã~ das leis gue garan-uiViolabilidade dos direitos individuais. No exercício dessa missão,

ele é, em face dos outros podere, autônomo e l}1depclia~1te Distin-guindo-se do poder Executivo por ap1icaJ~(::(j~1(enciosamen(e a lei,a dou-trina usa esclarecer o sentido desse modo de aplicação por meio de~características inibidoras de sua atuação: ele só age se houver litígio, só

sepronuncia sobre casos individualizados (nunca sobre hipóteses ou leis

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REVISTA uSP 13

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[~~1f'i;~:i~:;~í~~d~~~;~~ições diretas de..i"",'- :iriCôíiStiiüclonalidade) e, para atuar, tem de

___ser provocado. EI1l pr!l!£ípi~, à diferença dopoder Legislativo, suaS decisões são progra-madas e não programantes, isto é, decidecom base na lei, na Constituição, nos princí-pios gerais de direito, nos costumes, e suadecisão vale para o caso para o qual foi pro-vocado, não podendo ser estendida para osdemais casos.

DIVISÃO DOS PODERESENEUTRALIZAÇÃO P9LíTICADO PODER JUDICIARIO

A concepção do poder Judiciário como -~~-.,.....~_.~'------::;'-----um dentre três poderes resultou da consoli-dação de grandes princípios de organizaçãopolítica, inrorporados pelas necessidadesjurídicas na solução de conOitos. De um lado,a soberania nacional ea divisão dos pode-res; de outro, o caráter privilegiado que a leiassume como fonte do direito. Até a Revo-lução Francesa, toda soberania residia nosenhor territorial ou no rei. Esta forma muitoconcreta e personalíssima de simbolizar ocentro único de normatividade colocava, noentánto, alguns problemas práticos de juris-dição. Nesse sentido, um jurista francês do -século XVII, Loyseau (Des Seygneuries, m,12, mencionado por Gillissen:' "LesProbl~mes des Lacunes du Droit dansI'Évolution du Droit Mediéval et Modeme",in Les Problemes des Lacúnes en Droit, org.de Perelman, Bruxelas, 1968, p. 230), escre-via,àsua época, que o rei. não podendo sabertudo, nem estar presente em toda parte eemconseqUência, não lhe sendo possívelprover a todos as mesmas situações queocorrem em todos os lugares de seu reino eque requerem ser regulamentadas pronta-mente, permitia às cortes soberanas fazer osregulamentos. Estes, porém, eram provisó-rios e feitos sob sua condescendência. Ora,foi asubstituição do rei pela nação ("O prin-cípiode toda soberania reside essencialmen-te na nação" - Declaração dos Direitos doHomem e do Cidadão de 1789, art. 3~), con-ceito mais abstrato e, portanto, de umamaleabilidade maior, que permitiu a manu-tenção do caráter uno, indivis(vel, inalienávele imprescritível da soberania (ConstituiçãoFrancesa de 1791)em perfeita harmonia comum princípio de divisão dos poderes, funci-onalmente apto a resolver o problema de

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Rechtssoziologie,óPiâde~, .1983,~~;315e:segs.). Os efeitos imediatos de um processo(uma condenação, uma absolvição, umadeclaração de um direito) só são atingidospor meio de uma ação expressiva: uma de-cisão in casu. Mas a busca dessa decis~odepende de um cálculo instrumental: a de-cisãodeve satisfazer necessidades decorren-tes de finalidades distantes, ou seja, a reali-zação da justiça, da paz social, oasseguramento dos direitos individuais re-conhecidos constitucionalmente, tudo ma-nifestado num valor supremo, a segurançajurídica. Por isso, parte-se, de um lado, denormas preestabelecidas na leiabstratamen-te (função instrumental); de outro, por meiode interpretação - subsunção - , chega-se àsatisfação das necessidades concretas (fun-ção expressiva). A congruência çntre asdtJasfunções sigílificaque a satisfação das neces-

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sidades ooncretas muitas vezes provoca ouexige o diferimento, no tempo, da satisfaçãodas necessidades finalísticas, na pressuposi-ção de que estas, embora distantes, estãosempre a caminho de serem atingidas. Essacongruência é crucial para a legitimidade daatividade jurisdicional. Em tese (liberal eburguesa), ~combinatória das duas fun~é arantida pelo papel instrumental do 'uiz

ue, confi ura o . ade distân-cia das partes, imparcialidade. serenidade,~içãodominante mas apartidária), toma-se o instrumento capaz de realizar a divisãodos poderes. Nessesenl!110, ~ processojUdi-cial deve ser funcional, enquanto um siste--ma capaz de determmaro futuro na medidaem que o mantém.incerto, isto é, os proce-dimentos jurisdicionais permitem que osatingidos por decisões vivenciem um futuroincerto (a realização abstrata da segurançajurídica), mas sentindo-se seguros, desde opresente, por força dos procedimentos nosquais se engajam. Como o juiz não legisla,mas cumpre a lei, a congruência exige umaaceitação da mutabilidade do direito porforça de processos legislativos autÔnomos eindependentes: a diferença entre o velho eo novo direito não é percebida em termosdiaCrÔnicos,mas sincrÔnicos - ambos são.direito, só que um é vigente e o outro, revo-gadg. Admite-se, em conseqüência, a mani-pulação contraditória das estruturas: o quevale hoje deixa de valer amanhã e podevoltar a valer depois; em nome da segurançaabstrata, essa mutabilidade não perturba a

consonância com o princípio da tripartiçãodos poderes, ela será o eixo que permitirá asubstituição da unidade hierárquica, concre-tamente simbolizada pelo rex por uma es-trutura complexa de comunicação e contro-le de comunicação entre forças mutuamen-te interligadas. A n~utralização assinalará aimportância da imparcialidade do juiz e oCaráter necessariamente apartidário do de-semperiho de suas funções.-------~-------NEUTRALIZAÇÃO POLíTICADA JUSTICA E APLICAÇÃODO DIREITO

A neutralização foi acompanhada deuma deSvinculação progressiva que iria so-frer o~ de suas. bases ~is. I~~nificana neulrâTlZ3~ políti-

..9!t p~ exigir distanciamento étiêo.Assim, com a canaI1Z3çãode t<>dasas proje-ções normativas com pretensão de validadepara o endereço político do Legislativo e oconseqUente tratamento oportunístico dosvalores máximos (cresce a força e a impor-tância do positivismo jurídico), aneutralizaçãodoJ udiciáriose apoiará na cen:-tralização or anizada dale islação (só a lei,votada e a rovada escnt e opovo, obris.a) e reforçará o lugar privilegia-dóda lei como fonte do direi to. Este reforçoocorre não só pela exaltação do princípio dalegalidade e a conseqüente proibição dadecisãocontra legem, mas também pelo atojurisdicional como um processo desubsunção do fato à norma. Ao sublinhar-seasubsunção como o método de aplicação dodireito, neutraliza-se para o juiz o jogo dosinteresses concretos na formação legislativado direito (se esses interesses serão atendi-dõs ou deCepcionados não é problema dojuiz,que apenas aplica a.lei). Por conseguin-te,sua atividade jurisdicional guiada superi-ormentepela lei e pela constituição não seviDculaa nenhum direitosagradoou naturalnem exige um conteúdo ético ainda queteleologicamente fundado. Acima de tudo,o importante é que a lei seja cumprida.

~epção do poder Judiciáriocomo politicamente neotlO nos quadws doestado de díretto burguês regido pelo"PIt!!-~a tnparução dos poderes pressupõeuma congruência entre as fun$ões instru-~ntais e as funções expressIvas do proce----S:so judicial (cf. Niklas Luhmann,

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leteres própri-Tudiciário nãoexercido peio~i",art. I!! capo: de atuaçãolijO podem se,. Legislativo,is leis", art. 3'!,~i;)dos poderes,acento anti-

inalidade delierárquica do, de certa for-íoentrepolíti-~itimidade da>, que se tomaslativo, parci-n_eneutra-_quadros

:ito. Ressalte-nte papel dQres assinalado IIda liberdade I,is, Paris, sem ido na mesma .1.magistratura,lido ao poder.de, pois poderca ou o mes-1m leis tirâni-icamente ").nadivisãodosceito de artejurídico. Ouncípio para aaI e de distri- fiu.iodese ~'ntra,Passerin'tido,.Madrid,princípio nãomas de inibi-recíproca;no',oJ udiciárioImforça polí"eu: "dos três:gar é em cer~iodois".NãoIÍlaisalta au-

uéiohais.~Judiciário éIcaracteriza-ês.Ela se tor-)edraangul~r'olvidos..Em

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gulador da vida constitucional. Num segun-do período, que alcança até o ano de 1937,com um interregno de autolimitação no teIlf-po de Roosevelt que dura até 1954, o cod-trole se expande, passando os juízes daque-la corte a assumir a função de verdadeirosguardiões da própria legitimidade constitu-cional, exercendo o controle até de emen-das à Constituição em nome de princípiosgerais superiores ínsitos ao próprio textoconstitucional. Data dessa época a expres-são "governo dos juízes". Isso não fazia doJudi~iárioum poder político, mas lhe davacomp:tência para atuar como um freio àsaspirações políticas dos outros .£Odere~ oque não destruía a concepção liberal do es-tado de direito, pois a relação de indepen-dência e harmonia que devia existir entre ospoderes exigia um princípio com força ca-paz de controlar as paixões polfticas. Aque-l~i(:oOC";pçãosupõe, afinal, que o sistemapolítico da sociedade determine sua essên-cia como Estado constitucional, postulan-do,com isso,a vitória do direito sobre o poderpolítico.

, eutralizar, portanto, não significavatomar enericamente indiferente, mas e-rar um 'ndiferen controla ou se'a, es-tabelecer uma rela -o em ue a indiferençaé arantida ontra ex ctativas e mfluên-

. A neutralização, nesse sentido, não tor-na o Judiciário imune, de fato, a pressões deordem Iítica. Sua neutralização não se dáa nível dos fatos, mas a nível das expectati-~ãSinst~;-lizad~-:ai~aque~ato h~~po1íticas, estas institucIOnalmentenão contam. A independência do juiz, diráojunsta cõnsciente dessa instituclOnahzação, :~exi e que "a crença nela esteja enraizadaprofundamente na população" (Mannlicher,Dle TlChterl,che Onat>haellgigkeit, citado por

arcic, op. cit., p. 265). Pois só desse modoa essão política, como fato, se descartacomo

Uma das mais importantes conseqüên-cias da neutralização está, assim, no ~ment? da relação entre direito e força ouviolência física no sistema político. Ela per-mite que o Legislativo seja despido de seuuso e que o Executivo dela faça uso sobcontrole do Judiciário, o que, enfim, realizao stulado da concentra -o da for a nasmãosdoEstadoeda roibi -odouso riva-do da força. O Judiciári não onccntra afor , mas filtra o seu uso, ao decidir sobre

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A neutralização política do Judiciário,~I)seqüência dadivisãoôos pÔdereseespi=nha dorsal do estadii!~dl~ítob-urguês~es:--c1are;;a=se:nâoi, p~opriamente, um-tiPo deindiferença genérica. Não significa, na con-cepção liberal que se firmou durante o sécu-lo passado, uma espécie de alheamento po-lítico. Como disse Hughes, um ex-presiden-te da Suprema Corte norte-americana, noinício deste século: "Estamos regidos poruma Constituição, mas esta Constituição é oque osjuízes decidem oque é". Nos EstadosUnidos, num primeiro período, que vai de1801 a 1835, sob influência de Marshall, oexercício de uma competência politicamen-te neutralizada deu-se pela tese do controlejudicial do federalismo e depois daconstitucionalidade das leis. Nessa época, aSuprema Corte foi se firmando como o re-

NEUTRALIZAÇÃO pOlíTICA ECONTROLE CONSTITUCIONAL

'~:::";~;J{,;i:;h:t~~tividade:/exprima facie valet. Comisso, o direito não depende do saber e dosentir individuais e, ao mesmo tempo, con-tin~ séndoaceito pOr todos.

NesSes quadros, a~der Judiciário transforma o seritido da a li-ca o do direito. Antes encarava-se o direi-to como uma expectativa ética de padrão decomportamento, predeterminado por valo-res-fins, donde ojufzocomo um atoda razãoe a jurisdição como uma atividade decor-rente da virtude da justiça; agora, o direito évisto como um programa funcional, hipoté-tico e condicional (se... então), donde umacerta automaticidade do julgamento, que selibera de complicados controles de finalida~des de longo prazo e se reduz a controlesdiretos, caso a caso (cf. criticamente: RenéMareie, Vom Gesetzesstaatzwn Richterstaat,Wien, 1957,p. 250 e segs.). Só assim é possí-vellidar-se, no Judiciário do estado de direi-to burguês, com altos graus de insegurançaconcreta de uma forma suportável: a segu-rança abstrata, como valor jurídico, isto é,como certeza e isonomia, é diferida no tem-po pela tipificação abstrata dos conteúdosnormativos (generalidade da lei) e pelauniversalização dos destinatários (igualda-de de todos perante a lei), aparecendo comocondição ideologicamente suficiente para asuperação das decepções concretas que asdecisões judiciais trazem para as partes.

NA OUTRA PÁQINA,DECLARAÇÃODOS DIREITOS DOHOMEM E DOCIDADÃO -FAC-SIMILEDO PREÃMBULO DACONSTITUiÇÃOFRANCESA DE 1703.

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Numsegun-ano de 1937,ação no tem-1954, o con-ufzes daque-;verdadeiroside constitu-:té de emen-te princfpiosr6prio textox:a a expres-não fazia donas lhe dava,um freio àss poderes, oiberal do es-deindepen-:istirentreosJm.rçaca-:ti .•...Aque-le o sistemate sua essên-.ti, postulan-obre o poder

) significavaate, mas ge-l.ouseja,es-I indiferença) de influên-ido, não tor-

pressões de ,ãonãosedá .IS expectati.

:defatohaja 'I'.:iónalmente

~o~,d~rá r101• ..açao;a enraizada.\1annlicher,'t,citadopordessemodose descarta

conscqüên-n, no trata-e força ou:0; Ela per-Jido de seuça uso sobfim, realizaa força nas:J uso priva-'onccntra a:cidir sobte

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D,~YI~ Dº~ "p-ººER~S,NEUJRA-UZAÇAO_~OUnCADA JUSTlÇAE O ADVENTO DOESTADO.DO BEM-ESTARSOCIAL

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As condições em que a divisão dos pode-res e a conseqüente neutralização políticado poder Judiciário floresceram alteraram-se profundamente em nosso ~éculo. Sobre-túdo nos últimos cmqüenta anos;o adventod~ sociedade tecnológica aumentou consi-deravelmente o nível de complexidade davida humana. A civilização tecnológica nãoapenas cria mais possibilidades de ação,como se alimenta de si própria. aumentan-do e acelerando a possibilidade da própriacriação tecnológica. Este movimento rene-xoda tecnologia -a manipulação tecnológicada própria tecnologia - altera o sentido doscontroles sociais e políticos, repercutindo noscontroles jurídicos. Na complexa sociedadetecnológica de nossos dias.. as atividades deCQntrole mudam de vetor; deixando de vol-

. tar-seprimordialmente para o passado. paraocupar-se basicamente do futuro. A ques-tão não está mais em controlar o desempe-nho comportamental tal como foi realiza-

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neutrahzação. na concepção do estltd~e tecnológica. nesses termos. Joga sua capaCl-direito l!~ral. u~a espécie dg"egulador '. . dad~ criativa em fórmulas de governo. cujosuso pohtlco da vIOlêncIa. A vIOlênCIa. con- ) áxImos valores são a efiCIência dos resul-cretamente.porsualmponderabilidade,pela tádos e a alta probabilidade de sua consecu-sua ilimitação de fato, é sempre abstrata nas ção\ No campo jurídico. o tribunal, tradicio- !

lijãos do político, que oscila em usá-la de- nahrl~nte uma instância de julgamento e .~.mais ou de menos. Ou seja, o político lida respo~sabilizaçãO do homem por seus atos, !mal com o uso da violência ou das medidas pelo que ele fez, passa a ser chamado parade força na sua concretude. o qUe se faz ver uma av41iação prospectiva e um "j ulgamen- i

nas dificuldades em que se enredam os par- to" do que ele é e poderá fazer. É nesse Ilaméntos no julgamento de seus membros quadro de projeção do sentido do direito ;ou nos crimes de responsabilidade de auto- p~a o futuro, para a sua realizabilidade mais iridades políticas, ou que se percebe na do que pa'ra a sua consistência pré-constitu- 1 . tpolitização dos processos JudiCiaiS nos regl- ída. que se há de entender o advento do 'imes autoritários e totalitários. Uma Justiça chamado estado do bem-estar social. 1politizada. ao contrário. compartilha da res- O crescimento do estado social ou esta- fpon;abilidade pelos resultados do uso da VI-. do do bem-estar social reverteu alguns dos l (olência, fazendo do juiz um justiceiro e do PQstulados básicos do estado de direito, a Iprocesso um movimento na direção dos começar da separação entre Estado e SOCI- Ifall.1igerados tribunais de exceção. Ou seia, edade, que propiciava uma correspondente ~a J ustiCa politizada arrisca-se a render-se ao liberação das estruturas jurídicas das estru- ~ 'ma,r das o iniões, reduzindo o direito turas sociais. Nessa concepção, a proteção ~a elas, o ue funciona bem no Le ISativo da liberdade era sempre da liberdade indi- i!Uasgue,noJudlcl no, ornaopacoousoda' vidual enquanto liberdade negativa, de não- t

for?, conduzindo-a à banalidade e à trivia- impedimento,do que a neutralização doJu- .~lidade do jogo dos mteresses. diciário era uma exigência conseqüenteJ2-!

estado social trouxe o problema da liberda- '.~de positiva, participativa, que não é um prin- tcrpio a ser defendido. mas a ser realizado. ~Com a liberdade positiva. o direito à igual- t-dade se transforma num direito a tornar-se t I

igual nas condições de acesso à plenacid,a- ~ I

dania. Correspondentemente, c cs i. (\

Executivo ISa ma enor- r t

e ex ansão ois deles se co ra a realiz r.ao da cidadania social e não apenas a sus- \ \enta ão do con orno Jundico- form'

O direitos sociais roduto tí ico doestado do bem-estar social, não são, pois,conhecidamente, somente normativos, na ; (forma de um a priori formal, mas têm um isentido promocional ros ctivo, colocan- I (

do-se com I encia de Im lementa ão.Isto altera a função do poder lu ICI no, aoqual, perante eles ou perante a sua violação,não cumpre apenas julgar no sentido de festabelecer o certo e o errado com base na t (lei ~~esponsabilidade. condicional do juiz fpoliticamente neutralizado), pas também e fsobretudo examinar se o exercício discrici- t ,'\onário .do poder de legislar conduz à Iconcretiza~ã.o dos res~lt~dos ~bjetivados l \(r~sponsabI1ldade finahstlca do JUIZque, de ~:certa forma. o repolitiza). Por fim, a extensa *r

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'.~"F".,;".:", ~ _"_O ,'" : ;_"~"._'-:~~>__","' _'.'':'" , - . ,. ......-:-- __..... ";'.;::".": " ~,i ')ÍÍlassificação social transform~~so;ciédade ,,'~velpelacoerênciade' suasatitudes ~m_,

:riúma'sociedade de consüInidores; fazendooonformidade cOmos projetos de mudança _da economia um processo de produção social, postulando-se que eventuais-massificada, comercialização massificada e insucessos de suas decisões devam ser corri-':COnsumomassificado e reduzindo quase id '0 rocesso judicial.'todasasatividades humanas, da arte ao lazer, Anova situação, na ver a e, ada ciência à cultura, a objetos de consum, atingir profundamente dois princípios tra-isto é, a objetos descartáveis após o us. dicionais da cultura jurídica clássica: o prin-Desse modo transforma-se a velha conce - cípio da imunidade do Estado (the king canção dos direitos subjetivos como direit dõno wrong) e o princípio da coisa julgadaindividuais, ao exigirem-se proteções cole (res judicata), ambos fundados, no "Çstadotivas - direitos coletivos - e até proteções dedireitoburguês.naatividadejurisdicional.impossíveisdeserindividualou coletivamen- . . ,a. ivisão oste identificadas -direitos difusos. Em conse- significou uma superação do AbsolutismoqOência,os litígiosjudiciais passam a admi- . ~via na v~ade do soberano a fonte pri-tire a exigirnovasformas de 'reitodeação mordial do direito. A emanação do direito(c/ass action, çã civil pública. Altera-se, ~uncionário do Estado es-

osição do juiz, cuja tava umbilicalmente preso. Nessa concep-neutralidade é afetada, o ver-se ele posto ção, Ôjuiz era, entre outros, um funcionário.Iante e uma co-responsàbilidãde no sen- No estado d.: direito, o juiz deixa de ser um

~gode uma exigênCIade ação corretiva' de funcionário, submetido às hierarquias dadesvios na consecução das finalidades a se- administração, para tomar-se, ele próprio,~çmatingidas por uma política legislatwa uma expressão originária do poder estatal.Tal responsabilidade, que, pela clássica di- Por definição, ele não exerce uma funçiio,visãodos poderes, cabia exclusivamente ao mas o poder de j~osLegislativo e ao Executivo, passa a ser im- lit~ldade e sua mdepen<ffulciaputad ta m à Justi . '~ãscemcbnjuntamente com a instauração: Em suma, com b~S e_mcondições constitucional do Estado. Seu status privile-sociopolíticas do sécu{ (' I ~sustentou-se giado em face dos demais poderes permite,-~'--"","""---pormuito tempo aneutralização política da , então, uma revisão da vclha tese absol utistaJudiciário como conseqilência do princípio da irresponsabilidade do Estado numa ver-da divisão dos poderes. A transformação são diferentc. O Estado, como pessoa jurí-dêSsascondições, com o advento da soci'e- dica, seus funcionários e seus agentes, passadade tecnológica e do estado social, parece arespondercivileadministrativamentepelasd Iver exigências no sel1tido de uma violações dosdireitossubjetivos do cid.adão,desneutralização, sto que o juiz é chama- cabendo ao poder Judiciário o julgamentoo a exercer uma função socioterapêutica, final dos atos ilícitos. A condição básica Qe

~liberando-sedoapertadocondicionamento funcionamento desta estrutura de~ ~trÚa legalidade e da~esponsabiIidade respons<iliIllzaçãoé;no estado de direIto, aexclusiviunenteretros ctiva ueclai!TIpõe, Ímunidade do (UIZ pelos seus atosngan o-se a uma responsabilidade jurisdicionais em face das partes. Esta imu-

J!.rospectiva, reocupadãcom a consecuçao nidade, rsua vez,temporcorrelatoo prin-de.finalidadespoIíticasdasguaise enãomais 'pio da coisa 'ul ada. Res judicata acl/ JUS

seexime em nome do rincí io da legalida- toma-se uma exigência da própria atividaded (dura rata,ne rans- jurisdicional. Ela é uma decorrência da im-ormação, de uma simples correção da parcialidade do juiz como um terceiro emliteralidade da lei no caso concreto por meio face de litígios concretos (tenius super par-de eqilidade ou da obrigatoriedade de, na tes). Sem ela. a seguranca jurídica cSI'ij'ia. aplicação contenciosa da lei, olhar os fins amea ~ada,posto que a exigência de ue li-sociaisa que ela se destina. ~ responsabili- tí ios tenham um Im, pe a Impossibilidadedadedo 'uizalcança agora aresponsabilida- da sua permanente retoma a ne lIesC1epelo suce It s I ;;eternae fiam), não se rPOStasaos demais poderes pelas exjgências esneutra lza ao o ítica do. .~~Qsoci~Ouseja,c~mOOLegislat;;- exporoJu ICIn cnt1capÚblica,sobfctu-o Executivo, o Judiciário toma-se res on- do e especialmen te através dos meiot de

Aeivi~çã()gasua capaei-,ovemo, cujos:eiados resul-:sua consecu-~al, tradieio-;~Igamento epor seus atos,namadoparam"julgamen-lzer. É nessedo do direitotbilidademaispré-constitu-) advento dor social.ocial ou esta-~ualguns dosaJireito, ~~.oeSOCl-Tespondentecas das estru~:>,a proteção)erdade indi-ativa,denão-iizaçãodoJu-lséqilente. Ola da liberda-lãoéumprin-;er realizado.reito à igual-o a tomar-seà plena cida-, os poderesTIuma enor-)ra a realiza-IpSi,.asa sus-li.ormal.to típico doão são, pois,.rrnativos, namas têm umivo,colOCéin-,Iementação.udiciário, ao •ma violação~) sentido decom base na:>naldo juizastambémeJcio discrici-r conduz àobjetivados .)juiz que, dem,aextensa

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lnternarional Congress of rhe JnrernarionalAcademy of Compararive Law, Caracas,1982). Como se, de repente, por exemplo,ganhasse relevo suspeno o lalO de qué op;-ocesso de nomeação dos juízes de tribu-~periores está em estreita dependen-Cia da vontade política do Executívõ(; doLegislativo (caso, no Brasil, dos ministrosdo Supremo Tribunal Federal ou dos juízesnomeados por força do chamado uintoc stitucional. MaiS o que isso, torna-seperceptível que ãvinculacão do juiz à iêi,base da sua neutraliza ão, acaba por er ,

comunicação de massa, cria uma série detensões entre sua responsabilidade e suaindependência, cuja expressão mais contu!3-dente está na tese do controle externo doJudlcláno. Essa (eSC poe a descobêrto o fatodeque tanto a imunidade da judicatura quan-to o prinéípio da coisa julgada, ao invés dedecorrências "lógicas" da divisão dos pode-res, est na verdade a seivi d v ore,finalidades socialmente relativate e ai de vários modo eza cf. Mauro Cappelletti, "Who Watchesthe Watchmcn?", in General Reporr do J J rh

MONTESOUIEU

20 li E v 1ST A --U S P

11E v 1ST A U S P 21

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:n,~ homem comum, um tipo de inse&u~~~~~~~l!~coyworiza~des~aloriza.direitos, ao?i:}ran até então insus itada: a inse uran '):a1teiai-ihesaforçadeobngatonedade. Põ<le"'\:erada lo ró rio direito! 'mpare-se, " até' lIsar e abusar deles. Os produtos-~ne 1, seg ropiciada pela'--~normativos oferecidos pela atividade pQ}í~,. :1ustiça contra o ato ilícito de um cidadão ' tlcil do Legislativo e do Executivo não pas-~kntra o outro com a insegurança social do sam, porém, de mercadonas: têm valor ãehomem comum em face da concordata de uso e valor de troca, mas não têm valia, istouma instituição financeira rigorosamente é, não têm valor em si. A neutralização po--=-processadanotribunalconformeosditames lítica do Ju ICIno ue institucionaliza-ada lei, ou a' despedida (legal) do trabalha- prudência como uma esp cle de guardiãodor, ou a greve (legal) em serviços essenci- étiêôjfus objetos jurídicos. Ora, cãinaais, ou a desapropriação (legal) indi- .e2litização da Justica tudo passa a ser regi-Jerençada de bens imóveis de pessoas eco- do por relações de meio e fim.~ireito não' nomicamente em oondições extremamente pe~ sua condição de bem público, mas".desiguais, etc. Desse modo a crença na neu- perde o seu sentido de prudência, pois sua' tralidadeinstitucionaldoJudiciárioficaafe_ legItimidade deixa de repousar na concÓT-~tadaemnomedepadrõespolíticos(valores, dia potenczal dos homens, para fundar-seobjetivos, finalidades), pondo-se a compli- numa espécie de coerção: a coerção da efi-:éada questão dos possíveis limites da sua cácia funcional. Ou seja, politizada, a expe-'imunidade. ri~ncia jurisdicional toma-se presa de u~

A repolitização do Judiciário, tese colo- jogo de estímulos e respostas que exige mais/kda abertamente pelos adeptos do chama- cálculo do que sabedona. Segue-se dai uma';;do"uso alternativo do direito", coloca, no refação tomada meramente pragmática do,;:entanto, um problema de não fácil solução. juiz com omundo. POIS,vendo ele omundo':i:,~~ão tecnológica e as possibilida<Les cômo um pro6TemapolíTIêo,sente e trans:;,~ea ão por ela propiciadas, ao multi lica- forma sua ação decisória em pura opção,\iem-se as POSSII I a es de consumo na so- técnica, que deve modificar-se de acorãõ;;~edade de massas, fazem da política, ela com os resultados e cUJavaI/tiMe Wpousa"'íIDmna,um bêm de COliStlme:-Não há-mais no bom funcion'ame~ 'ápenas atos políticos, interesses políticos, Sabemos ser Impossível fazer voltar a~O~jeti~~s.!'~lític.~s, mafum~erdadeirCJ, roda do t~mpo. Num livro p~b~do~mmarketmg âe mampulaçao pohtlca da pró- ~ de tltul .tante sugestIvo...::..Despe-,~~ã~~'-----" . indo-se de Montes uieu Absch{é~

Este marketing serve-se dos meios de MontesqUleu ~ )rardTàssinala que ocomunicação e provoca uma hipertrofia do princípio da divisão d~iCS não tempoder que acaba por atingir o próprio J udi- hoje a mesma rekyâncí<i:Qioutrlls-épocas.ciáriode forma paradoxal: sua neutralização Ellibora persistam as questões tradicionaistoma-se, ela mesma, política, isto é, ela é referentes às funções decontrolc na relação"politicamente contaminada, passando asus- entre os poderes, o eixo da discussão torna-> tentar-se por meios políticos, como a busca seagora adicotomia tipicamente tecn"õIógJC'ade apoio da opinião pública, a geração de macropoder/micropoder(op.cIl.,p.46).Osconsensopopular,amanutençãoda imagem rlscõSâe uma desneutiãlização eolítica Ciõ""

Internatlonal (o juiz "progressista", a decisão conforme a Jüdíciário não serão evitados pc!;m1i.él.(i_~C Vontade do povo), a busca do prestígio (a p-assado~i~a-sp~';e-rcm encarados, no con-aw, aracas, ~~ -.___ '_, ..

por exemplo, decisão de repercussão nacional, a en trevis- texto social de nossos dias, como desafios.ato de que o;fa na TV), etc. O risco, nisso tudo, fica, no Nãõsetrata~pois.acprescrvarantigosequr_ízes de tribu~: entanto or conta de uma rendição da Jus- líbrios, mas de evitar a manipulação dota dependên-' tiçaà tecnologia do sucesso, com a trans or- homem pela tecnologia e por todas as for-:ecutivo e do ~ito em simples e comquelro mas de poder que ela alimenta. Não certa-los ininistros o5jeto de consumo --- mente pelo desejo - utópico _de eliminá-Ia,pu dos juízes A politjzação da Justica, nesse sentido, é mas valendo-se, talvez, da sua próprianado quinto diferente da politização do Legislativo ou rellexividade, descobrindo na sua prática osso. toma-se doExecutivo. ulafile de umJUâlclano IiClP seu limite e a sua extensão. A questão é,do juiz à lei, tfalizado, aqueles dois poderes produzem afinal, como construir, com esse objetivo,ba Por gerar, 'normas, mas não criam o direito. O poder uma tecnologia jurídica.r-