o investimento externo direto dos estados unidos e da

16
4º Seminário de Relações Internacionais da ABRI 27 e 28 de setembro de 2018 UNILA Foz do Iguaçu/PR Área Temática: Economia Política Internacional O INVESTIMENTO EXTERNO DIRETO DOS ESTADOS UNIDOS E DA CHINA NO BRASIL NOS ANOS 2000 Emerson Maciel Junqueira Mestrando pelo PPGRI San Tiago Dantas UNESP UNICAMP PUC-SP

Upload: others

Post on 05-Oct-2021

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: O INVESTIMENTO EXTERNO DIRETO DOS ESTADOS UNIDOS E DA

4º Seminário de Relações Internacionais da ABRI

27 e 28 de setembro de 2018

UNILA – Foz do Iguaçu/PR

Área Temática: Economia Política Internacional

O INVESTIMENTO EXTERNO DIRETO DOS ESTADOS UNIDOS E DA CHINA NO

BRASIL NOS ANOS 2000

Emerson Maciel Junqueira

Mestrando pelo PPGRI San Tiago Dantas UNESP – UNICAMP – PUC-SP

Page 2: O INVESTIMENTO EXTERNO DIRETO DOS ESTADOS UNIDOS E DA

Resumo

O Brasil é um dos principais destinos de investimentos externos diretos (IED) na América

Latina, tanto pelos Estados Unidos, quanto pela República Popular da China (RPC). O

Investimento Estrangeiro Direto (IED), em um sentido amplo, pode ser definido como a

movimentação de capitais visando à criação ou aquisição de operações produtivas no

exterior, possuindo entre os elementos chaves para o seu estabelecimento o tamanho do

mercado interno, o PIB per capita e o nível de produtividade. Entre seus benefícios, segundo

o Banco Mundial, estão a geração de emprego, transferência de tecnologia e saldo positivo

na balança de pagamentos. No entanto há críticas quanto a este tipo de investimento como

as altas remeças de lucros para suas matrizes e ausência de efeito spillover para o restante

da economia, resultando em setores desconectados da economia nacional. Segundo a

Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) os IEDs

americanos no Brasil, no período de 2001 a 2012, atingiram o valor de 48 bilhões de

dólares, enquanto os chineses (RPC e Hong Kong) alcançaram 4,85 bilhões de dólares no

mesmo período. Para além da diferença monetária, as estratégias e fatores de atração de

investimento variam em alguns pontos, as empresas chinesas possuem grande presença

estatal, ao contrário das americanas, as áreas de investimento da China concentram se no

setor primário, já os americanos no setor de manufaturas. O presente trabalho tem como

objetivo analisar as similaridades e diferenças entre os investimentos externos diretos dos

Estados Unidos e da China no Brasil nos anos 2000

Palavras-Chave: IED; Estados Unidos; China.

1. Introdução

O Investimento Estrangeiro Direto (IED) é uma forma de as empresas realizarem

investimentos em mercados estrangeiros de acordo com sua estratégia de

internacionalização. No caso do Brasil, com o processo de reformas pró-mercado nos anos

90 e o crescimento econômico dos anos 2000 o país tornou-se um dos principais destinos

de IED da América Latina. Nos últimos anos a imprensa e a comunidade acadêmica vêm

analisando os IEDs realizados pela China no país e no mundo. Porém em termos de

valores, segundos dados oficiais do Ministério do Comércio Chinês e o Serviço de Análise

Econômica do governo americano, o IED chinês é inferior ao IED dos EUA no Brasil. Assim

este trabalho visa demonstrar as principais características do IED americano e chinês no

Brasil. O artigo se estrutura em uma primeira sessão pela revisão sobre as principais

literaturas de IED, seguido pela seção do investimento americano e chinês no Brasil.

Page 3: O INVESTIMENTO EXTERNO DIRETO DOS ESTADOS UNIDOS E DA

2. Teorias sobre IED

O IED é definido pelo Banco Mundial como sendo um tipo de investimento que

demonstra interesse a longo-prazo realizado por uma empresa estrangeira no país de

destino. Existem três formas de realizar este investimento: 1) estabelecimento de uma filial

em um país estrangeiro (greenfield); 2) capital acionário, quando o investidor compra ações

de uma terceira empresa em outro país, ao possuir pelo menos 10% do total de ações

considera-se uma forma de IED; 3) Empréstimos intrafirmas ou transações de débito

intrafirmas, de curto ou longo termo, entre a matriz e a filial.

Visando explicar e determinar os fatores que atraem o investimento estrangeiro

direto, na década de 1960, começou a surgir teorias para explicar este fenômeno. Os

primeiros estudos sobre IED utilizavam teorias de comércio para explicar o fluxo de capital,

no qual o capital se movia para países com alto retorno, isto é, países escassos em capital.

No entanto, começaram a surgir críticas a este modelo, o principal argumento era que o IED

necessitava de imperfeições de mercado, caracterizado como “vantagens de propriedade”,

para entrar em um novo mercado, como produtos diferenciados, novas tecnologias ou

patentes, a existência de economias internas ou externas de escala ou interferência do

governo para equilibrar as desvantagens de entrar em um mercado estrangeiro para

competir com as empresas locais (FAETH, 2009).

Entre os principais estudos sobre IED destaca-se o Paradigma Eclético de Dunning,

que sistematizou as principais ideias econômicas. Segundo esta teoria o investimento

estrangeiro direto é influenciado por três elementos: vantagens de propriedade; vantagens

de localização e vantagens de internalização.

Vantagem de propriedade faz alusão à existência de alguma forma única e

sustentável de vantagem (ou vantagens) em referência aos competidores internacionais que

permite a empresa investidora entrar em um mercado estrangeiro. Dentre os principais tipos

de vantagens de propriedade destaca-se a posse e a exploração do monopólio do poder, ou

seja, cria alguma forma de barreira para o produto final entrar no mercado, assim as

empresas que não possuem esta vantagem não conseguem desenvolver a mercadoria.

Uma segunda forma diz respeito à existência de recursos e capacidades escassas e únicas,

que refletem a capacidade tecnológica superior de uma empresa frente às demais, criando

barreiras a produção de bens intermediários (DUNNING, 2000).

Vantagem de localização diz respeito à existência de elementos no país de destino

dos investimentos que beneficiam a empresa multinacional. Assim dependendo do setor que

a multinacional atua os elementos que interferem no IED variam. Entre os fatores que

Page 4: O INVESTIMENTO EXTERNO DIRETO DOS ESTADOS UNIDOS E DA

atraem investimentos estão o tamanho e taxa de crescimento do mercado consumidor,

disponibilidade de recursos naturais, barreiras alfandegárias e não-alfandegárias ao

comércio, ativos imóveis (trabalho, terra e infraestrutura), taxa de câmbio, baixo risco político

e baixos impostos (DUNNING, 2000).

A vantagem de internalização faz referência a decisão da empresa de estabelecer

uma filial no país de destino ou licenciar sua produção para uma firma nacional. De maneira

geral, as multinacionais preferem estabelecer filiais, pois mantem suas vantagens de

propriedade, sem o risco de outra empresa aprende-la, minimizando o risco de imitar

tecnologias e processos de produção, manter a reputação da empresa, reduzir o custo de

transação e coordenação, favorecer economia de escala, aumentar a sinergia e favorecer o

desenvolvimento de novas tecnologias (DUNNING, 2000).

Uma segunda linha de pesquisa enfatiza os elementos institucionais que favorecem

e estimulam o IED. De acordo com BÖCKEM e TUSCHKE (2010), a principal ideia das

teorias institucionais sobre IED afirma que o investimento além de possuir características

econômicas, também é afetado pela relação entre as empresas, na qual firmas imitam as

estratégias de outras companhias para minimizar riscos e ganhar prestígio. O prestígio não

é considerado na perspectiva econômica, porém exerce papel relevante na visão

institucional. Isto porque firmas bem conceituadas geralmente são utilizadas como exemplos

a serem seguidos pelas demais companhias. As empresas bem sucedidas possuem capital

humano e estrutura organizacional superiores, fazendo com que as demais firmas acreditem

que as primeiras possuem mais informações e estratégias superiores “(...) under the

institutional perspective, the prestige of successor firms in the decision sequence may play

an important role, because it may foster imitation (...)” (BÖCKEM e TUSCHKE, 2010, p.

270). Assim a probabilidade de uma empresa realizar IED em um país aumenta quando

multinacionais prestigiadas do mesmo setor investem neste país.

Entre as teorias institucionais de IED, GRAHAM (1996) argumenta que em geral elas

partem do princípio de um mercado oligopolístico equilibrado entre empresas rivais. Quando

uma empresa realiza um investimento no exterior, ela aumenta suas receitas, que podem

ser utilizadas para modificar a estrutura do mercado nacional. Assim, as demais também

realizam investimentos em países estrangeiros para não perder competitividade, tal modelo

é caracterizado como “siga o líder”. Um segundo modelo, “troca de ameaças”, diz respeito a

dois mercados monopolísticos, no qual uma empresa realiza IED no outro mercado, gerando

uma resposta da segunda empresa, que investe no mercado estrangeiro. Uma terceira diz

respeito a um cenário em que se realiza IED, na forma de aquisições, para formar

monopólios e oligopólios, e assim aumentar os lucros. BÖCKEM e TUSCHKE (2010)

Page 5: O INVESTIMENTO EXTERNO DIRETO DOS ESTADOS UNIDOS E DA

argumentam que ambas as análises, econômica e institucional, são necessárias para

compreender o fenômeno do IED.

3. O IED norte-americano

O IED americano mudou após o fim da Segunda Guerra Mundial. Em 1950 o IED

americano estava distribuído de maneira semelhante entre países desenvolvidos e em

desenvolvimento, a América Latina era destino de quase 40% do volume dos investimentos,

enquanto Canadá e Europa possuíam 30% e 15% respectivamente. Em 1966 a participação

da América Latina caiu para 19%, enquanto a Europa dobrou sua participação para 32% e o

Canadá manteve em 30%, tendência que manteve-se em 1986 com maior concentração na

Europa (47,4%) e queda na participação latino-americana (13,5%). A mudança no padrão do

IED americano durante a segunda metade do século XX decorreu das modificações na

economia norte-americana. Essencialmente antes da Segunda Guerra Mundial, os

investimentos americanos eram concentrados em recursos naturais, principalmente petróleo

e minérios. Assim os investimentos na América Latina e em outros países em

desenvolvimento visavam garantir recursos primários para a crescente expansão da

indústria manufatureira americana. Nas décadas de 1950 e 1960 o IED americano

concentrou-se no setor manufatureiro para incrementar ou estabelecer a presença de

empresas americanas em mercados consumidores em expansão dos países desenvolvidos,

principalmente na Europa Ocidental (CULPEPER, 1995).

Apesar da América Latina não ser o principal destino do IED americano, as

empresas americanas estão entre as principais investidoras da região. Desde 1982 os

governos latino-americanos modificaram suas legislações em relação ao investimento

estrangeiro direto, eliminando muitas de suas restrições, diminuindo ou extinguindo barreiras

alfandegárias, privatizando empresas estatais e simultaneamente cortando o nível dos

investimentos públicos. Um dos reflexos das mudanças nos governos latino-americanos em

direção a reformas pró-mercado foi a maior dependência em relação IED para promover

crescimento econômico (TUMAN, EMMERT, 2004).

Entre os fatores que atraem o IED americano na América Latina TUMAN e EMMERT

(2004) destacam o tamanho do mercado consumidor, demonstrando que as empresas

americanas tendem a favorecer países latino-americanos que apresentam aumento no

poder de compra do consumidor. Em relação ao impacto da inflação os autores afirmam que

estatisticamente não é um fator significante para determinar o IED na região, sugerindo que

as firmas americanas consideram mais a perspectiva de crescimento econômico do que o

Page 6: O INVESTIMENTO EXTERNO DIRETO DOS ESTADOS UNIDOS E DA

impacto da volatilidade econômica. Outro elemento associado de maneira positiva com o

IED é o nível de abertura econômica, visto que as empresas americanas investem em

outros países para ter acesso ao mercado interno, realizar comércio intra-regional e exportar

para os EUA. Com efeito, uma vez que uma subsidiária é estabelecida ocorre o aumento do

comércio com os EUA, pois ela importa componentes da matriz e são montadas no país

latino-americano, e em alguns casos o produto final é exportado para o mercado americano,

como ocorre no México.

TUMAN e EMMERT (2004) também analisaram o impacto de fatores políticos no

fluxo de IED americano na América Latina. Em países onde movimentos revolucionários

causaram maior número de vítimas e houve protestos contra o governo, o IED americano

diminuiu. No entanto, em países onde ocorrem golpes de Estado perpetrados por militares

e violação aos direitos humanos os investimentos americanos aumentaram. Estes dados

demonstram a preocupação das empresas americanas com suas propriedades, ao retirar

investimentos de países com movimentos contrários ao governo e ao capital internacional.

Ademais mesmo em países em que os militares não permaneceram no poder por um longo

período de tempo, havia a sinalização de que as forças armadas atuariam contra políticos

com projetos de nacionalização e de esquerda. Assim, segundo os autores, os IEDs

americanos se concentram em países que passaram por governos autoritários “After

controlling for the effects of the other economic and political variables, countries with worse

rights records—including Argentina, Brazil, Chile, and Mexico—received more U.S. FDI

during the study period [1976-1998] than other countries.” (TUMAN, EMMERT; 2004, p. 21).

Para GARCIA-FUENTES et al. (2013) o IED americano é afetado negativamente

pela inflação e volatilidade da taxa de câmbio, contrariando a conclusão de Tuman, Emmert

(2004). Porém encontraram posição semelhante no que diz respeito à relação positiva entre

comércio e IED, demonstrando uma complementaridade entre os dois fatores, e também no

que diz respeito aos direitos políticos, que possuí um efeito negativo no IED americano na

América Latina.

Elementos semelhantes foram considerados por STALLINGS et al. (2008), no qual

estabilidade macroeconômica, crescimento econômico, capital humano e abertura

econômica são considerados positivos. Os autores também destacam que não existe

consenso sobre se o IED é benéfico ou não para o desenvolvimento econômico, pois a

experiência de cada país com o IED depende das características de cada um, como

políticas governamentais e nível de sofisticação do setor privado. No caso dos países latino-

americanos o IED americano influenciou o aumento de produtividade no México, ainda que

isto não tenha resultado no aumento dos salários e spillovers tecnológico. No caso

Page 7: O INVESTIMENTO EXTERNO DIRETO DOS ESTADOS UNIDOS E DA

brasileiro, até o início dos anos 90 economia nacional era considerada fechada, e os autores

constataram que em economias fechadas o IED tende a ser menos benéfico ao país que

recebe o investimento, comparado a economias abertas com maior nível de competição.

O IED americano no Brasil subiu de 36.717 milhões de dólares em 2000 para de

64.438 milhões de dólares em 2016, o que representa 1,2% do IED americano no mundo e

7,6% do IED americano na América Latina, como indica a tabela 1. O fluxo do IED no

período cresceu no período, com exceção de 2002, 2008 e entre 2013 e 2015, ano que o

IED caiu comparado ao anterior. A maior parte dos investimentos destinados a América

Latina são concentrados no México, e o Brasil é em média destino de quase a metade dos

IEDs destinados a América do Sul.

Tabela 1

IED americano no mundo (em U$ milhões)

Ano Mundo América Latina América do Sul Brasil

2000 1.316.247 266.576 84.220 36.717

2001 1.460.352 279.611 76.809 32.027

2002 1.616.548 289.413 64.603 27.598

2003 1.769.613 297.222 66.256 29.553

2004 2.160.844 351.709 68.685 29.485

2005 2.241.656 379.582 73.311 30.882

2006 2.477.268 418.429 80.477 33.504

2007 2.993.980 556.160 104.732 48.807

2008 3.232.493 588.992 98.603 43.953

2009 3.565.020 718.478 119.765 55.380

2010 3.741.910 752.788 136.598 66.963

2011 4.050.026 788.987 149.562 74.840

2012 4.410.015 828.721 147.490 76.821

2013 4.579.713 788.772 140.871 69.760

2014 4.910.065 875.390 136.379 66.782

2015 5.048.773 873.398 124.523 57.579

2016 5.332.225 843.357 131.629 64.438

Fonte: Bureau of Economics Analysis – US department of commerce.

Ao analisar a distribuição por setores, predominam as manufaturas, principalmente

as indústrias químicas, máquinas e equipamentos de transporte, e serviços, que vem

aumentando sua participação nos investimentos americanos no Brasil como indica a tabela

2. Segundo a APEX-Brasil dentre os serviços, o setor de infraestrutura em tecnologia da

informação e comunicação, como serviços e sistemas de comunicação e centros de dados,

e serviços comerciais, que inclui administrativo, educacional, residencial e software, são os

principais investimentos.

Page 8: O INVESTIMENTO EXTERNO DIRETO DOS ESTADOS UNIDOS E DA

Tabela 2

IED americano no Brasil por setores, em U$ milhões (valores aproximados)

Ano Recursos Naturais Manufaturas Serviços1

2000 680 17.688 18.349

2001 1.052 13.365 17.61

2002 903 9.652 17.043

2003 1.201 9.721 18.631

2004 1.747 12.377 15,264

2005 2.432 14.349 14.101

2006 3.011 15.339 15.154

2007 3.002 20.212 25.593

2008 1.992 19.951 22.012

2009 4.204 25.981 25.195

2010 5.622 29.117 32.184

2011 (D)2 29.259 33.61

2012 5.564 26.677 44.58

2013 5.275 25.619 38.866

2014 6.758 22.753 37.271

2015 7.351 17.388 32.840

2016 7.608 18.578 38.252

Fonte: Bureau of Economics Analysis – US department of commerce.

Entre 2003 e 2015 houve 999 projetos americanos no Brasil, com um volume de

capitais investidos próximo aos US$ 70 bilhões. A maioria do IED, cerca de 80%,

concentrou-se em investimentos do tipo greenfield, que contribui para a capacidade

produtiva do país. Dentre as empresas a International Business Machines (IBM) possui o

maior número de empreendimentos no Brasil, contando com 23 projetos, seguido pela

General Motors (GM) e General Eletric (GE), com 21 e 20 projetos, respectivamente (LIMA,

OLIVEIRA, 2015).

O Brasil é o segundo país da América Latina que mais recebe IED americano, sendo

a primeira posição do México, destino de mais da metade dos investimentos americanos na

região. Em ambos os países o IED americano é destinado a manufatura, finanças e

mineração, porém o volume de investimentos no México é quatro vezes superior ao

investimento no Brasil, demonstrando a maior integração produtiva entre México e EUA.

Dentre os motivos para tal diferença está o fato do México e EUA pertencerem a uma área

1 Incluem vendas em atacado, informações, instituições depositárias, finanças e seguro, serviços profissionais, científicos e técnicos. 2 O Bureau of Economics Analysis não divulga os dados de alguns segmentos em determinados anos. A justificativa é evitar a divulgação de dados de empresas individuais.

Page 9: O INVESTIMENTO EXTERNO DIRETO DOS ESTADOS UNIDOS E DA

de livre comércio, estimulando a movimentação de fatores de produção, e a natureza destes

investimentos. Enquanto no México as empresas americanas se instalam para diminuir os

custos da produção e exportar para o mercado consumidor norte-americano, no Brasil as

firmas americanas estabelecem filiais para obter acesso ao mercado consumidor brasileiro e

dos demais membros do Mercosul (HORNBECK, 2014).

Em menor escala também ocorrem investimento estrangeiro direto brasileiro nos

EUA. Entre 2003 e 2015 ocorreram 130 projetos, com um volume de capital investido

próximo US$ 4,5 bilhões. As empresas com o maior número de projetos nos Estados Unidos

foram a Gerdau, do setor siderúrgico, a JBS, de alimentos e a Embraer, de aviação, com

11,11 e 9 projetos, respectivamente. Os investimentos de empresas brasileiras nos EUA

corroboram as análises do crescente papel das economias em desenvolvimento na

economia mundial, como ocorre com a China (LIMA, OLIVEIRA, 2015).

4. O IED chinês

O processo de abertura e reintegração a economia mundial da China começou no

final dos anos 70, acelerado com a sua adesão a Organização Mundial do Comércio em

2001. Segundo o Banco Mundial o PIB chinês atingiu 11.191 trilhões de dólares em 2016, o

aumento do PIB foi acompanhado pelo crescimento da participação chinesa no comércio

internacional e a partir dos anos 2000 houve também o aumento do volume de IED chinês

no mundo. De acordo com a CEPAL (2017) o IED chinês atingiu o recorde 183.1 bilhões em

2016, um aumento de 43% em relação ao ano anterior, e pela primeira vez os investimentos

chineses no mundo superaram os investimentos de outros países em sua economia,

colocando o país como o segundo maior fornecedor de IED no mundo (12%), posicionando-

o atrás apenas dos EUA, com 20%.

O IED chinês é em grande medida composto por empresas estatais, tendo em vista

que até 2003 era proibido para empresas privadas chinesas investirem no exterior.

BUCKLEY et al. (2007) destaca que uma das vantagens de propriedade das empresas

chinesas são justamente as imperfeições de mercado, como a disponibilidade de capitais

para empresas chinesas, em especial as estatais, com taxas de juros abaixo do mercado

por longos períodos de tempo. Ademais, enquanto as multinacionais, principalmente as

ocidentais, tendem substituir o IED por exportação ou uso de licença em país com elevado

risco político, visto que a incerteza política desencoraja realizar investimento de longo prazo,

no caso das empresas chinesas ocorre o oposto. Os autores encontraram uma relação

positiva entre o aumento do IED chinês e o grau de risco político. Dentre as explicações

Page 10: O INVESTIMENTO EXTERNO DIRETO DOS ESTADOS UNIDOS E DA

sugeridas está a ideia que as empresas estatais chinesas não são orientadas

exclusivamente pela maximização dos lucros, os interesses estratégicos do governo e do

partido também influenciam as estratégias de internacionalização.

No entanto NOH e SHIN (2016) apresentam visão contrária aos estudos que

associam o risco político com o aumento do IED chinês. Segundo os autores as

multinacionais chinesas procuram reduzir os riscos de um novo investimento, assim como

qualquer outra empresa. Ao estabelecer uma nova firma, através de projetos greenfield ou

fusões e aquisições, existem elementos de incerteza como o ambiente político, legal, social

e cultural que diferem do país de origem. Visando lidar com estas questões as

multinacionais preveem os possíveis riscos e os minimizam, ocorrendo o mesmo com as

firmas chinesas “(...) the typified image of Chinese MNCs as aggressive risk-takers may not

accurately reflect their actual behavioural tendencies (...)” (NOH; SHIN, 2016, p.56-57). A

política “Going Global” desenvolvida por Pequim fornece diferentes ferramentas para reduzir

o risco dos investimentos no exterior, incluindo subsídios, empréstimos a juros baixos,

reduções fiscais e apoio diplomático. Assim é possível o IED chinês atuar em regiões que a

primeira vista apresenta elevado risco político, mas que possuem o apoio do governo

chinês.

Apesar do debate em torno do risco político, há consenso que experiências

anteriores em um país receptor do IED chinês aumentam a possibilidade das empresas

chinesas investirem no país novamente. Outro elemento que interferem positivamente no

IED chinês é a aproximação cultural, pois a distância cultural acarreta na falha de

compreensão das instituições, normas e valores do outro país, aumentando o nível de

complexidade e incerteza no processo de tomada de decisão da empresa (NOH; SHIN,

2016). BUCKLEY et al. (2007) também destaca a cultura, incluindo o argumento que a

presença de comunidades chinesas em outros países, com destaque para o Sudeste

Asiático, incentivaram o IED chinês, ao fornecer uma rede de contatos pré-estabelecida.

Ademais os autores também ressaltam que o tamanho do mercado consumidor, a legislação

em relação ao IED e a abertura comercial possuem um efeito positivo sobre o IED chinês.

RAMASAMY et al. (2012) apontam que as empresas chinesas também são atraídas por

regiões ricas em recursos naturais e países com vantagens de propriedade, como

tecnologia e processos inovadores.

Chinese investments are made with a strategic intention of acquiring technology, brands, marketing, management and other know-how (…) The intention of such acquisition is not only to increase the capacity to compete in the global markets, but also to maintain market shares at home (RAMASAMY et al., 2012, p. 24)

Page 11: O INVESTIMENTO EXTERNO DIRETO DOS ESTADOS UNIDOS E DA

Em termos de regiões o IED chinês se concentra nos países asiáticos, cerca de 70%,

com a América Latina ocupando a segunda posição, com 13%. Nos países latino-

americanos o IED chinês é concentrado no setor de recursos naturais, possuindo

companhias petrolíferas em todos os países exportadores de petróleo da região, com

exceção do México (NOGUEIRA, HAFFNER, 2016). Apesar de a região ser o segundo

destino do IED chinês, cerca de 90% é destinado a paraísos fiscais, sendo o restante

destinado a países como Argentina, Brasil e Peru. Assim utilizar dados oficiais para rastrear

os investimentos chineses não corresponde à realidade, tendo em vista o uso de centros

financeiros e paraísos fiscais não é o destino final do IED chinês (CEPAL, 2013).

Em termos de valor o IED chinês concentra-se no setor extrativista, porém em

termos de número o setor de manufaturas é o principal destino do capital chinês. A maioria

dos investimentos em manufatura é destinada ao mercado consumidor local, com destaque

para o Brasil, no qual as filiais importam os componentes da China (CEPAL, 2013). Nos

últimos anos o setor de serviços vem recebendo atenção – como geração e transmissão de

eletricidade, tecnologia da informação, comunicação, finanças e transporte – demonstrando

confiança das empresas chinesas em conquistar o mercado consumidor latino-americano

(AVENDANO et al., 2017).

O Brasil é o principal destino do IED chinês na América Latina, com quase 35% do

total dos investimentos, como indica a tabela 1. Ao contrário do IED americano concentrado

na América Central e México, a América do Sul possui é o destino da maior parte dos

investimentos chineses.

Tabela 1

IED chinês entre 2005 e 2017, em U$ bilhões (valores aproximados).

Mundo 1.870.59 América Latina 178.22 América do Sul 163.41

Brasil 60.76 Fonte: Elaboração própria com base nos dados do China Global Investment Tracker. In: American Enterprise

Institute.

No Brasil o IED chinês foi inexpressivo até o início dos anos 2000, e apesar de

alguns investimentos em meados da primeira década do século XXI, foi em 2010 que os

investimentos aumentaram consideradamente, como indica a tabela 2. O principal destino

do IED chinês foi no setor energético, com destaque para o petróleo, ao realizar fusões e

aquisições com empresas já instaladas no território brasileiro, e em 2013 ao participar da

licitação da exploração do pré-sal.

Tabela 2

Page 12: O INVESTIMENTO EXTERNO DIRETO DOS ESTADOS UNIDOS E DA

IED chinês no Brasil entre 2005 e 2017 (em milhões U$)

Ano Valor

2005 430

2006 1.630

2007 0

2008 0

2009 900

2010 13.890

2011 8.060

2012 2.850

2013 2.900

2014 1.900

2015 5.520

2016 12.960

2017 9.720

Fonte: Elaboração própria com os dados do China Global Investment Tracker (American Enterprise Institute) e Colombini Neto (2016).

Em termos de setor, como indicam os gráficos 1 e 2, concentra-se no setor

energético com cerca de 75% do total de investimentos entre 2005 e 2017. Além do setor

primário, que também inclui mineração e agricultura, o IED chinês também é destinado ao

setor automotivo, de transporte e químico, e recentemente em finanças, imobiliário e

tecnologia.

Gráfico 1

Fonte: Elaboração própria com os dados do China Global Investment Tracker (American Enterprise Institute) e Colombini Neto (2016).

05000

100001500020000250003000035000400004500050000

IED chinês no Brasil entre 2005 e 2017 (em milhões U$)

Page 13: O INVESTIMENTO EXTERNO DIRETO DOS ESTADOS UNIDOS E DA

Gráfico 2

Fonte: Elaboração própria com os dados do China Global Investment Tracker (American Enterprise Institute) e Colombini Neto (2016).

Em relação aos investimentos do Brasil na China o valor do IED brasileiro é muito

menor comparado ao IED chinês e ao investimento brasileiro nos EUA. Isto porque, a China

proíbe ou limita os setores que empresas estrangeiras podem atuar, ademais em muitos

casos é necessário estabelecer uma parceria com uma empresa local para poder atuar no

mercado chinês. A distância cultural e institucional também são fatores que limitam a

inserção das empresas brasileiras, já que elas não contam com uma rede de apoio do

governo, como ocorre com as firmas chinesas (BRAGA; OLIVEIRA; WOLF, 2013).

Conclusão

O investimento estrangeiro direto americano e chinês apresentam motivações

semelhantes para atuar no Brasil, em geral são atraídos pelo tamanho do mercado

consumidor, lucro e pelo baixo risco político. No caso americano o setor de manufaturas e

serviços são os principais destinos de IED, em parte, pois o país já avançou em seu

processo de industrialização, diminuindo a necessidade de recursos naturais, possibilitando

a diversificação de investimentos. Ao contrário do IED chinês, cujo principal setor é o

energético, tendo em vista a demanda por energia do país asiático. Porém nos últimos anos

as empresas chinesas vêm realizando investimentos em outros setores econômicos,

demonstrando a capacidade de competirem em mercados estrangeiros.

0500

100015002000250030003500400045005000

IED chinês no Brasil entre 2005 e 2017 em milhões U$(exceto setor energético)

Page 14: O INVESTIMENTO EXTERNO DIRETO DOS ESTADOS UNIDOS E DA

Referência bibliográfica:

APEX-Brasil. Brazil-US investments map: Enhancing the bilateral economic partnership.

2015.

AVENDANO, Rolando; MELGUIZO, Angel; MINER, Sean. Chinese FDI in Latin America:

New Trends with Global Implications 2017. Disponível em: <

http://publications.atlanticcouncil.org/china-fdi-latin-america/ >. Acesso em 12 de julho de

2018.

BRAGA, J. C. S. ; OLIVEIRA, Giuliano Contento de ; Wolf, Paulo José Whitaker . O "efeito

China" e alguns dos principais desafios para o desenvolvimento brasileiro. In: CGEE. (Org.).

Dimensões estratégicas do desenvolvimento brasileiro: as mudanças mundiais em curso e

seus impactos sobre as perspectivas de desenvolvimento do Brasil. 1ed.Brasília, DF: CGEE,

2013.

BÖCKEM, Sabine; TUSCHKE, Anja. A tale of two theories: Foreign Direct Investment

decisions from the perspectives of economic and institutional theory. In: Schmalenbach

Business Review, Vol. 62, p. 260-290, 2010.

BUCKLEY, Peter J.; CLEGG, Jeremy L.; CROSS, Adam R.; LIU, Xin; VOSS, Hinrich;

ZHENG, Ping. The determinants of Chinese outward foreign direct investment. Journal of

International Business Studies (2007) 38, p. 499–518.

Bureau of Economic Analysis – US department of commerce. Disponível em:<

https://www.bea.gov/international/index.htm >. Acesso em 17 de julho de 2018.

CEPAL. Foreign Direct Investment in Latin America and the Caribbean 2017. Disponível em:

< https://www.cepal.org/en/publications/type/foreign-direct-investment-latin-america-and-

caribbean >. Acesso em 10 de julho de 2018.

_____. Chinese foreign direct investment in Latin America and the Caribbean 2013.

Disponível em: < https://www.cepal.org/en/publications/35927-chinese-foreign-direct-

investment-latin-america-and-caribbean-china-latin-america >. Acesso em 09 de julho de

2018.

China Global Investment Tracker. In: American Enterprise Institute. Disponível em: <

http://www.aei.org/china-global-investment-tracker/ >. Acesso em 16 de julho de 2018.

COLOMBINI NETO. Iderley. Dinâmica capitalista dos investimentos chineses no Brasil,

2016.

Page 15: O INVESTIMENTO EXTERNO DIRETO DOS ESTADOS UNIDOS E DA

CULPEPER, Roy. Resurgence of Private Flows to Latin America: The Role of North

American Investors. In: FFRENCH-DAVIS, Ricardo; GRIFFITH-JONES, Stephany (Ed.).

Coping with capital surges: The Return of Finance to Latin America. Ottawa: Lynne Rienner,

1995, p. 1-40.

DUNNING, John H. The eclectic paradigm as an envelope for economic and business

theories of MNE activity. In: International Business Review 9 p 163–190, 2000.

FAETH, Isabel. Determinants of foreign direct investment – A tale of nine theoretical models.

In: Journal of Economic Surveys Vol. 23, No. 1, pp. 165–196, 2009.

GARCIA-FUENTES, Pablo A.; KENNEDY, P. Lynn; FERREIRA, Gustavo F. U.S. Foreign

Direct Investment in Latin America and the Caribbean: A case of Remittances and Market

Size. In: Selected Paper prepared for presentation at the Southern Agricultural Economics

Association (SAEA) Annual Meeting, Orlando, Florida, 2013.

GRAHAM, Edward M. The (Not Wholly Satisfactory) State of the Theory of Foreign Direct

Investment and the Multinational Enterprise. In: The Globalization of Markets Capital Flows,

Exchange Rates and Trade Regimes, 1996.

HORNBECK, J.F. US-Latin America Trade and Investment in the 21st Century: What’s Next

for Deepening Integration?. In: Inter-American dialogue, working paper.

LIMA, Uallace Moreira; OLIVEIRA, Ivan Tiago M. A Trajetória Recente dos Fluxos de

Investimento Externo Direto entre Brasil e Estados Unidos: características setoriais e

condicionantes econômicos. In: Boletim de Economia e Política Internacional (BEPI), n. 20,

Maio/Ago. 2015

NOGUEIRA, Alberto Marcos; HAFFNER, Jacqueline A. O papel do Estado Chinês nos

investimentos externos diretos (IDE) na América Latina. In: Anais do II Simpósio

Internacional Pensar e Repensar a América Latina.

NOH, Grimm; SHIN, Dongyoub. Chinese MNCs as Risk Avoiders in Cross-Border

Acquisition: Host Country Choices by Chinese MNCs, 1992~2008. In: Journal of Strategic

Management, 2016.

RAMASAMY, Bala; YEUNG, Matthew; LAFORET, Sylvie. China’s outward foreign direct

investment: Location choice and firm ownership. In: Journal of World Business 47 (2012), p.

17–25.

STALLINGS, Barbara; Swearer, Howard R.; RHODES, William R. U.S. financial flows to

Latin America. In: Brookings Partnership for the Americas Commission.

Page 16: O INVESTIMENTO EXTERNO DIRETO DOS ESTADOS UNIDOS E DA

TUMAN, John P.; EMMERT, Craig F. The political economy of US foreign direct investment

in Latin America: A Reappraisal. In: Latin American Research Review, Vol. 39, No. 3,

October 2004.