o início do fim

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L. C. Paes 1 08/06/2014 PRÓLOGO Lookwood sempre fora – pelo menos antes daquela noite – uma cidade calma, alegre e pacífica. Com pouco mais de cinquenta mil habitantes, era como se fosse desconhecida, ou até mesmo invisível para as cidades maiores e mais povoadas e conhecidas. Localizada no interior do Estado de Nova Iorque, Lookwood possuía um índice de criminalidade baixíssimo, praticamente nulo, e nunca chamara a atenção de ninguém de fora. Seus habitantes eram carismáticos e felizes, todos tocavam suas vidas normalmente, se respeitavam e viviam em perfeita harmonia, tanto que os policiais quase nunca eram chamados, pois nunca acontecia nada fora do comum. Era um verdadeiro Paraíso na Terra, ou pelo menos fora, antes de tudo começar a desandar e desabar. E toda aquela agitação teve início naquela noite.

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O começo da história de Lookwood, a cidade que um dia foi chamada de Paraíso

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Page 1: O início do fim

L. C. Paes 1 08/06/2014

PRÓLOGO

Lookwood sempre fora – pelo menos antes daquela noite – uma

cidade calma, alegre e pacífica. Com pouco mais de cinquenta mil

habitantes, era como se fosse desconhecida, ou até mesmo invisível para

as cidades maiores e mais povoadas e conhecidas. Localizada no interior

do Estado de Nova Iorque, Lookwood possuía um índice de criminalidade

baixíssimo, praticamente nulo, e nunca chamara a atenção de ninguém de

fora. Seus habitantes eram carismáticos e felizes, todos tocavam suas

vidas normalmente, se respeitavam e viviam em perfeita harmonia, tanto

que os policiais quase nunca eram chamados, pois nunca acontecia nada

fora do comum.

Era um verdadeiro Paraíso na Terra, ou pelo menos fora, antes de

tudo começar a desandar e desabar. E toda aquela agitação teve início

naquela noite.

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CAPÍTULO UM

O começo do fim

Era a terceira vez que Emily chegava atrasada ao trabalho em duas

semanas. Aos vinte e dois anos, a garota andava muito desligada com

qualquer coisa que não fosse Ethan Lewis, quem ela havia começado a

namorar há algumas semanas. Ela estava realmente apaixonada pelo

rapaz, não conseguia tirá-lo da cabeça. Entretanto, seu chefe, o senhor

Aldous, não se importava com o que ou eu quem ela pensasse, contanto

que ela chegasse na hora.

- Johnson! – gritou o Sr. Aldous, furioso – O que anda acontecendo

com você? – perguntou – Você sempre foi uma funcionária exemplar,

pontual...

- Me desculpe Senhor Aldous, não vai acontecer de novo –

respondeu Emily.

- Você disse isso na primeira vez, e essa já é a terceira vez em duas

semanas – disse o patrão – Você mudou muito desde que começou a

namorar aquele vagabundo.

- Ethan não é nenhum vagabundo! – irritou-se Emily, depois corou.

- Então por que ele não arruma um emprego de uma vez? –

perguntou o chefe.

- Ele só está procurando pelo trabalho certo...

- Acho que ele está sendo muito exigente para alguém que não

terminou a faculdade e nunca trabalhou aos vinte e três anos – debochou

– Enfim, Emily, você já trabalha aqui faz um ano e meio e sabe como eu

prezo pela seriedade e pontualidade no trabalho. Você sempre foi uma

ótima funcionária, uma das melhores, porém não vou tolerar mais atrasos.

Se atrasar-se outra vez, serei obrigado a demiti-la.

- Me desculpe senhor, não acontecerá de novo, eu juro.

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- Tudo bem, agora vá arrumar as estantes do setor D.

Emily Johnson trabalhava na Bookwood, a maior livraria da cidade.

Ela trabalhava de segunda a sexta-feira e recebia pouco mais de dois mil

dólares por mês, o que era muito mais do que o suficiente para se

sustentar. Morava sozinha em um pequeno apartamento alugado no leste

da cidade, e levava cerca de trinta minutos a pé de casa ao trabalho, pois

era um pouco longe de onde morava – a garota não possuía carro.

A livraria Bookwood era separada em quatro setores: A, B, C e D. No

setor A, que ficava mais próxima da entrada da loja, ficavam todos os

lançamentos e livros mais conhecidos, era o menor dos quatro setores,

porém suas estantes estavam constantemente vagas. O setor B ficava no

lado direito da loja, atrás do caixa, era onde se encontravam as revistas, os

livros de ficção e os de autoajuda. As estantes do setor C eram

responsáveis por abrigar os romances e os livros de poesia, e também os

livros de literatura clássica. O último setor, que ficava no canto esquerdo

da loja e era o menos visitado, era ocupado pelos livros mais antigos, cujas

folhas haviam há muito sido comidas por traças e cujas capas carregavam

uma quantidade letal de poeira para uma pessoa que sofre de rinite.

Johnson não tinha problemas com a poeira, na verdade a garota até

gostava dela. Emily adorava aquele cheiro de poeira nos livros velhos da

livraria, que ela carinhosamente chamava de “cheiro de antiguidade”. Dos

quatro setores da livraria, o quarto setor sempre fora o seu favorito.

Porém achou estranho, pois o senhor Aldous quase nunca a mandava

arrumar o setor D.

Fora no setor D que ela viu Ethan pela primeira vez, ele estava

procurando por livros antigos, com histórias que a maioria das pessoas

desconhece, as quais julgava tesouros enterrados. Ele e Emily conversaram

por muito tempo naquele dia, e depois o rapaz perguntou se a garota

gostaria de um jantar com ele alguma noite, caso ela estivesse disponível.

A garota ficou tão feliz quando recebeu o convite do rapaz que aceitou

rapidamente, e nem se importou de ter de pagar a conta, quando Ethan

lamentou que havia esquecido a carteira em casa. Poucos dias depois, eles

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voltaram a sair juntos e logo começaram um relacionamento. Faziam três

semanas juntos.

Enquanto a garota limpava e arrumava as estantes empoeiradas do

setor D, Emily Johnson escutou o sino da porta tocar, alguém entrara na

biblioteca. Olhou por entre os livros da estante e viu uma mulher. A

mulher aparentava ter quarenta e poucos anos, e usava um sobretudo

marrom. Era a esposa de seu chefe, a senhora Aldous, ela vinha quase

sempre à livraria, e ficava conversando com o marido por um bom tempo.

Naquele dia, entretanto, a senhora Aldous não demorou, parecia

nervosa com alguma coisa, e estava com pressa. Rapidamente se despediu

do marido e acenou com a mão para Emily, que estava voltando para a

entrada da loja. A garota retribuiu o cumprimento com um aceno com a

cabeça, e a mulher saiu pela porta da frente, fazendo o sino tocar mais

uma vez. Estranho, pensou Emily, Ela nunca esteve apressada com nada.

Para a garota, o tempo parecia estar em câmera lenta naquela

manhã, fazia uma eternidade que ela chegara ao trabalho – atrasada, por

sinal – e o relógio de parede ainda marcava onze horas. O relógio deve

estar com defeito, pensou, e pegou o celular, que estava em um dos

bolsos de trás da calça, e apertou um botão, a tela de bloqueio do celular

era uma foto dela com Ethan, a garota ficou admirando a foto por algum

tempo, com o rosto levemente corado, depois de algum tempo pegou o

celular e colocou-o novamente no bolso, meio sem graça. Demorou para

lembrar-se do motivo pelo qual tinha pego o celular antes: ver as horas, e

pegou-o novamente. Olhou para a hora marcada na tela do telefone: Onze

e quatro.

O tempo deve estar com defeito, pensou.

Foi quando que até o momento nenhum cliente entrara na livraria,

e coincidentemente o sino da porta da frente tocou. Quando a garota

olhou para a entrada da loja viu um rapaz alto e bonito e com a barba por

fazer, o rapaz usava roupas um pouco gastas.

- Ethan! – Emily correu até o rapaz e o abraçou e o beijou.

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O olhar que o chefe da garota lançou para o casal do caixa foi

captado pelo jovem, que soltou a garota.

- Vim apenas te dar um oi, querida – disse Ethan Lewis – Tudo bem

com você?

- Sim, sim, melhor agora – respondeu Emily – Vamos almoçar juntos

hoje? – perguntou.

- Não posso, tenho um assunto importante para resolver hoje –

respondeu o rapaz.

- Mais importante do que eu? – disse a garota.

- Bom, não. – respondeu Ethan – Mas eu preciso resolver isso hoje.

- O que é tão importante? – perguntou Emily, desconfiada.

- É uma surpresa – respondeu o rapaz.

- Ah... Tudo bem... – Emily ficou um pouco desapontada.

Ethan teve o coração quebrado pelo olhar triste no rostinho da

namorada.

- Ainda podemos jantar hoje, que tal? – propôs o rapaz.

- Ok – aceitou Emily.

- Tudo bem então, te vejo depois – disse Ethan, depois lhe beijou o

rosto e saiu pela porta.

Esse pouquíssimo tempo em que Ethan Lewis passou pela livraria

foram o suficiente para deixar a garota muito feliz, tanto que ela voltou

aos seus afazeres e esqueceu-se do tempo.

Onze e dezesseis.

Algum tempo depois o sino da porta tocou novamente. Um cliente,

finalmente, pensou Sr. Aldous. Pela porta havia entrado um homem, era

alto e usava um casaco preto e botas também pretas, segurava um

guarda-chuva embaixo do braço esquerdo. Nem Emily nem o Sr. Aldous

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haviam visto o sujeito antes, provavelmente era de outra cidade – as

pessoas de Lookwood geralmente se conheciam.

- Bom dia! – disse o Sr. Aldous – Posso te ajudar com alguma coisa?

- Bom dia – disse o homem – Estou passando para conhecer o

pessoal, sou o novo dono da loja da esquina, sou novo na cidade. Prazer,

meu nome é James Parks.

- O prazer é meu, me chamo Aldous, e aquela ali é minha

funcionária, Emily.

- Ah, oi – disse Emily.

- Oi, Emily – respondeu James.

- Bem – voltou-se ao dono da livraria – outra hora conversamos,

tenho que passar no resto do quarteirão, até logo, vizinho.

- Até – disse o Sr. Aldous.

- Tchau, Emily. – disse o sujeito.

- Tchau.

O homem saiu pela porta. O senhor Aldous virou-se para a

funcionária.

- O Sr. Collins se mudou? – perguntou.

- Ouvi dizer que a mulher dele recebeu uma proposta de emprego

muito boa para trabalhar em Nova Iorque – disse Emily – Ele dever ter se

mudado e vendido a loja.

- Hum... Que bom. Boa sorte para ele e a mulher – disse o chefe.

- É – concordou a garota.

Onze e trinta, finalmente.

Emily Johnson se despediu do patrão, pegou o casaco e saiu para o

almoço. A garota saía às onze e meia e tinha uma hora para almoçar. Emily

sempre ia ao restaurante do outro quarteirão, o All-day Meals, com Ethan

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e ficavam conversando até a garota perceber que estava acabando o

horário de almoço e acabava atrasando na hora de voltar. Porém, naquela

manhã, Emily resolveu mudar um pouco a rotina. Passou na frente do All-

day Meals, mas continuou caminhando e foi ao próximo restaurante, o

Tushimo’s.

Quando entrou lá, estranhou o lugar, mesmo ela nunca tendo

entrado antes, o restaurante não se parecia com nenhum outro que Emily

fora, como se fosse de um lugar totalmente diferente, de outro planeta. E

realmente era, aquele novo restaurante abrira a algumas semanas, o dono

viera do Japão, e decidiu abrir um restaurante japonês na tranquila cidade

de Lookwood. O Tushimo’s estava um pouco movimentado naquele dia, e

a garota teve que esperar um pouco para conseguir uma mesa, e

finalmente sentou-se. Assim como estranhou o lugar, estranhou a

decoração do lugar e estranhou muito mais a comida, e não conseguiu

comer quase nada daquelas coisas frias e com nomes estranhos. A coitada

da menina voltou para a biblioteca com fome.

Era a primeira vez em muito tempo que Emily não se atrasava na

hora do almoço. Aquele dia estava muito diferente de qualquer outro.

- Sr. Aldous, você sabia que abriu um restaurante japonês aqui

perto? – perguntou ao chefe.

- Sério? – perguntou o chefe.

- Sim.

- Mas o que aconteceu com o restaurante italiano que ficava lá? –

interrogou o Sr. Aldous.

- Parece que o Sr. Corleone se mudou para a Itália com a família –

disse a garota.

- Nossa, todo mundo está se mudando da cidade... – pensou alto Sr.

Aldous.

- Pois é – concordou Emily – Será que aconteceu alguma coisa?

- Não que eu tenha conhecimento – respondeu o chefe.

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...

Depois disso um silêncio permaneceu na livraria por alguns minutos,

até o sino da porta tocar mais uma vez.

Aquela tarde foi até movimentada na Bookwood, fazia algum tempo

que aparecia tanta gente lá. Quando o relógio e o celular de Emily

marcaram seis horas, a garota começou a arrumar as estantes, setor por

setor, começando pelo D até o A. Abasteceu as estantes vazias e varreu o

chão. Tudo pronto, pensou, então despediu-se do patrão e saiu pela porta.

O céu de Lookwood estava nublado e o clima estava frio naquele

dia, pessoas carregavam seus guarda-chuvas sob seus braços ou nas mãos.

Emily Johnson, que não carregava nenhum guarda-chuva consigo, apertou

o passo para conseguir chegar seca. A garota chegou à sua casa

exatamente dez segundos antes do início da chuva.

Sorte, pensou Emily. Jogou a bolsa na cama e trocou de roupa,

depois deitou-se ao lado da bolsa para descansar por alguns minutos.

Ainda deitada, pegou o celular e ligou para Ethan. Os dois conversaram

um pouco, depois o namorado disse que tinha novidades fantásticas e que

contaria a ela no jantar, em seguida desligou. Ethan sabia como a

namorada era curiosa e odiava quando alguém a deixava ansiosa, e fez

isso propositalmente. Emily ficou inquieta, pensou em tudo o que o

namorado poderia dizê-la e, quando se deu conta, estava quase na hora

do jantar.

Tomou um rápido banho e se arrumou. Quando o ponteiro maior do

relógio de parede do quarto de Emily apontou para o número seis, a

campainha tocou pontualmente. Era Ethan. O rapaz usava roupas largas e

segurava um enorme guarda-chuva no qual cabiam duas pessoas

confortavelmente. O jovem não tinha um carro, mas o guarda-chuva já era

um começo. Emily entrou em baixo da “carruagem” do namorado e foram

para o restaurante onde sempre iam jantar.

Foi um jantar agradável, ambos comeram sem pressa, conversaram

e riram um pouco. Quando ambos se calaram, um silêncio levemente

desconfortável tomou conta da mesa e por fim em todo o restaurante.

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Nem um ruído sequer foi ouvido naquele momento. Foi quando Ethan

resolveu quebrar todo aquele silêncio:

- Emily...

- Sim? – disse Emily.

- Tenho que te dizer uma coisa – disse o rapaz – Duas coisas na

verdade.

- Então diga. É a surpresa que você tinha dito? – perguntou a garota

– Fiquei ansiosa por isso desde quando você disse hoje de manhã.

- É, é sobre isso mesmo.

- Fala logo! – Emily já estava irritada.

- Tudo bem, calma. Hoje – começou Ethan Lewis – naquela hora em

que passei na livraria, eu estava indo para uma entrevista de emprego. Eu

passei, vou trabalhar como repórter no Daily News, começo semana que

vem! – o rapaz parecia muito feliz.

Daily News era o jornal que percorria a região de Lookwood, e

geralmente só eram publicadas notícias de outras cidades, por que em

Lookwood não acontecia nada que chamasse a atenção dos moradores.

- Nossa amor, isso é ótimo! – exclamou Emily.

- Eu sei! E o salário é muito bom, estou muito feliz, acho que esse

era o emprego que eu sempre quis, eu sempre gostei de jornalismo.

Suas mãos se entrelaçaram sobre a mesa do restaurante, os dois

apaixonados se esticaram nas cadeiras e se beijaram. Ethan bateu com a

perna na mesa – acidentalmente, talvez – e acabou derrubando um copo

da mesa no chão. O som do copo se espatifando no chão fez com que a

atenção das pessoas de outras mesas se voltasse para o casal.

- E tem mais uma coisa – Ethan olhou de relance para o resto das

pessoas que observavam o casal e achou ser uma hora apropriada, porém

quando tentou prosseguir, sua boca resolveu parar de obedecê-lo.

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- E-E-Emily – gaguejou o rapaz – já faz algum tempo que eu queria te

d-dizer i-isso... – soltou a mão da direita da garota e começou a tatear os

bolsos, e pegou uma pequena caixa do bolso da camisa.

Há essa hora, os olhos de Emily Johnson já começavam a lacrimejar.

Ela pensou ter previsto tudo o que o namorado poderia dizer, mas foi

pega de surpresa. O rapaz ajoelhou-se no chão do restaurante e estendeu

a mão que segurava a caixa.

- Emily Lisa Johnson, eu te amo e sempre te amarei. Já não consigo

viver sem você em minha vida. Quero passar o resto de minha vida ao teu

lado. Emily, aceita se casar comigo?

Depois de escutar isso, a garota desabou em lágrimas, emocionando

este e todas as pessoas presentes no restaurante. Disse:

- Sim, claro que eu aceito! – A garota se jogou nos braços do noivo,

todo o estabelecimento aplaudiu o casal. Até mesmo a chuva lá fora

parou.

Os noivos saíram do restaurante cedo, Ethan andava de mãos dadas

com Emily pelas calçadas molhadas de Lookwood, desviando de algumas

poças aqui e ali, até que o celular do rapaz começou a tocar. Ele pegou-o e

olhou quem estava ligando, em seguida atendeu.

- Oi mãe – disse.

Emily percebeu o rosto do noivo mudar a expressão de alegria para

preocupação enquanto este escutava a pessoa do outro lado da linha.

Algo deve ter acontecido. Ethan desligou o celular e o colocou novamente

no bolso.

- Querida, minha mãe teve um ataque cardíaco e está no hospital –

disse o rapaz, arrasado.

- Vá ficar com ela, cuide dela – disse Emily – Eu posso voltar para

casa sozinha, vai ficar tudo bem, é só algumas quadras daqui, e além do

mais, estamos em Lookwood. Pode deixar, sua mãe precisa mais de você

do que eu – Emily também estava preocupada.

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- Ok, eu te amo.

- Também te amo – disse a garota – me ligue quando sua mãe

estiver melhor, ok?

- Tudo bem.

Ethan a beijou e correu em direção do hospital, que ficava longe de

onde estavam. Assim que o rapaz dobrou a esquina, Emily virou-se na

direção de sua casa e continuou caminhando pela calçada.

A lua brilhava maravilhosamente naquela noite sobre a cabeça da

garota, que voltava sozinha para casa. Não estava tarde, onze e trinta e

três, mas Lookwood dormia cedo e nenhuma alma viva era vista nas ruas

da cidade, fora Emily e Ethan, que a esse ponto já estavam distantes um

do outro.

O cérebro gosta de pregar peças nas pessoas, e como Emily Johnson

estava sozinha e vulnerável, seu cérebro achou uma ideia sensacional

começar a lembrá-la de todos os filmes e histórias de terror que conhecia,

sobre garotas que eram pegas sozinhas e desprevenidas em lugares

desertos. Com todas essas “boas” lembranças oferecidas por seu cérebro,

Emily apertou o passo para chegar em casa o quanto antes possível.

Mas a garota se esqueceu que em Lookwood nunca acontecia nada,

pelo menos antes daquela noite.

As poças d’água começaram a aparecer com mais frequência

conforme Emily avançava para casa, e a garota achava estar vendo vultos

no escuro ao seu redor. Até que a garota chegou à esquina da quadra

onde morava. Pronto, só mais um pouco e estou segura, pensou. Havia um

enorme poste de luz naquela esquina, e abaixo a sua luz havia um poça,

que estava estranhamente limpa, tanto que a garota conseguiu ver seu

rosto medroso nela. Sorriu. Como sou boba, são só histórias, nada disso

existe, são apenas coisas da minha cabeça, pensou Emily.

A garota, ingênua, virou-se e voltou a andar, e não viu que quando

ela desviou o olhar da poça outra imagem foi refletida na água. Emily

achou ter visto alguma coisa mais uma vez passar por trás dela. Só coisa

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da minha cabeça. Continuou caminhando para sua casa sem olhar para

trás. Chegou ao portão de sua casa e começou a procurar as chaves na

bolsa, até que as encontrou.

Um tilintar de chaves caindo na calçada úmida. Um vulto. Um grito

abafado. Lágrimas escorrendo pelo rosto da garota.

Silêncio.

Emily Johnson não chegou em casa segura naquela noite.

<><><>

Ethan Lewis saiu do hospital por volta da uma da manhã, o rapaz

parecia aliviado. Enquanto voltava para casa, pegou o celular e ligou para

a noiva. Emily não atendeu o celular. Está tarde, ela deve estar dormindo,

pensou. Resolveu deixar um recado na secretária eletrônica: Emily, minha

mãe está bem agora, ela já saiu da ICU e já respira sem a ajuda de

aparelhos. O médico disse que talvez amanhã ela possa ter alta. Te ligo

depois, te amo.

Enquanto isso, em alguma rua no leste de Lookwood, um celular

tocava, e ninguém por perto para atender.

No outro dia de manhã, Ethan foi à Bookwood para falar com Emily,

mas assim que entrou na livraria foi recebido pelo olhar frio do Sr. Aldous

no caixa.

- Bom dia senhor! – saudou o rapaz.

- Nem tão bom assim – resmungou Sr. Aldous.

- Onde está Emily? – perguntou Ethan.

- Esperava que você me dissesse isso – disse o senhor – Ela ainda

não chegou, não estava com você?

- Não... Não a vejo desde ontem à noite.

Ambos ficaram preocupados, o rapaz pegou o celular rapidamente e

ligou para o celular da noiva. O telefone tocou até cair a ligação. Ficou

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preocupadíssimo. Onde será que ela está? O que aconteceu? Se

perguntava Ethan. Saiu da loja e foi correndo na direção da casa de Emily.

Tentou ligar novamente, dessa vez, alguém atendeu o telefone.

- Emily?!

- Senhor, sou o Delegado Jackson, e... – foi interrompido.

- Por que você está com o celular da minha noiva?! – Ethan quase

teve um ataque quando escutou a palavra “delegado”.

- Senhor, sinto muito. – disse o delegado.

- Sente pelo que?!

- Sua noiva... Ela está...

- NÃO! – interrompeu Ethan novamente e desligou o celular, já

estava chegando próximo à casa da noiva, e viu uma aglomeração de

pessoas, viaturas e flashes de câmeras digitais.

Foi empurrando as pessoas para tentar ver o que estava

acontecendo, desesperado. Quando finalmente pôde ver aquilo, preferiu

não ter visto. Havia um rastro vermelho do portão da casa de Emily até

uma poça de água na esquina, e espalhados pelo chão estavam vários

pedaços de carne humana destruída. Era como se alguém tivesse sido

amassado no chão até literalmente explodir, a parede da casa na esquina

estava esguichada de sangue, assim como todo o resto. Os curiosos

comentavam desesperados.

- Quem faria uma coisa dessas?

- Por quê?

- Isso é terrível.

- Mas nada disso tinha acontecido até hoje na cidade.

Ethan viu os técnicos forenses chegarem ao local, eles examinaram

a cena e em seguida foram falar com um dos policiais que ali estavam, um

negro grande e largo, como se fosse um armário. Lewis escutou o que os

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técnicos disseram ao homenzarrão: Emily L. Johnson, vinte e dois anos,

trabalhava em uma livraria da cidade, Bookwood, os testes com o DNA

bateram. Emily foi ferida gravemente no portão de sua casa e em seguida

foi arrastada até a esquina, não sabemos ao certo o que houve depois

disso, mas tudo indica que alguém tentou literalmente puxá-la para dentro

do chão. “Puxá-la? Isso é impossível.” Disse o policial. Exatamente, é

fisicamente impossível, algo realmente estranho aconteceu aqui.

Encontramos também outra amostra de DNA, que até agora não foi

identificada. Vamos trabalhar nisso o mais rápido possível.

Ao escutar o nome da noiva, lágrimas começaram a correr pelo

rosto do rapaz, que ainda não acreditava. Seu sofrimento acabou

chamando atenção do policial, que foi até Ethan e disse:

- Você é Ethan Lewis?

- Sim – Ethan secou as lágrimas na manga da camisa – Sou eu.

- Sinto muito pelo que aconteceu, mas precisamos que você nos

responda algumas perguntas. – disse gentilmente o policial.

- Tudo bem – disse o rapaz, fungando.

O armário pediu para Ethan acompanhá-lo até um carro que estava

estacionado do outro lado da esquina, ambos subiram no veículo e foram

para a Delegacia de Lookwood. O policial levou o rapaz até uma sala de

interrogatório, Ethan já estava nervoso.

- Sente-se ali, Ethan – disse o policial, educadamente apontando

uma cadeira. Ethan se sentou na cadeira rapidamente, o policial sentou-se

em uma cadeira que estava do outro lado da mesa de ferro.

- Creio que já nos falamos antes por telefone, sou Jackson, preciso

que responda algumas perguntas – Jackson ligou uma câmera que estava

em um tripé ao seu lado, depois prosseguiu – Seu nome é Ethan Lewis?

- Sim – respondeu Ethan.

- Você conhecia Emily Johnson?

- Sim, ela é... Ela era minha namorada.

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- Você se encontrou com Emily ontem?

- Sim, de manhã na livraria e de noite, em sua casa.

- Quando o senhor foi a casa dela?

- Eram oito e meia da noite, fui buscá-la para um jantar. Saímos do

restaurante por volta das onze horas, estamos indo para sua casa quando

meu celular tocou, minha mãe tinha sofrido uma parada cardíaca, me

despedi de Emily e... – a língua de Ethan simplesmente travou, ele havia se

dado conta de que havia deixado Emily sozinha na noite anterior.

- E... ? – questionou o delegado.

- E eu saí correndo até o hospital, fiquei lá até uma e pouco da

manhã, e quando saí de lá liguei no celular dela, mas ele tocou até a

ligação cair na caixa de mensagem. Não a vejo desde ontem à noite. – o

rapaz abaixou a cabeça e mais lágrimas começaram a escorrer.

- Muito obrigado por me contar, Sr. Lewis, sinto muito pelo que

houve.

Jackson levantou-se da cadeira e saiu da sala, deixando Ethan aos

prantos dentro da salinha. Ethan ficou um bom tempo em silêncio,

chorando com a cabeça sobre a mesa de metal. Depois começou a pensar

alto algumas coisas, coisas realmente perturbadoras. Quando finalmente

saiu da delegacia, sua cara estava tão deprimida que seria capaz de retirar

toda a felicidade de uma pessoa só encarando-a por poucos segundos.

Ethan Lewis voltou para sua casa murmurando pensamentos,

depois se trancou e lá permaneceu, de acordo com os vizinhos, por três

dias inteiros e finalmente, na segunda-feira, Ethan apareceu na janela de

seu quarto, e continuava com aquela cara depressiva. Na manhã de

segunda-feira, Ethan enviou uma matéria por e-mail para o editor do Daily

News. Todos do jornal ficaram aterrorizados com aquela manchete:

“Rapaz é encontrado morto em sua casa

Escrito por Ethan Lewis.

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Nessa segunda-feira, o corpo de Ethan Lewis, vinte e três anos, foi

encontrado em seu apartamento no centro de Lookwood, de acordo com a

polícia, o rapaz se suicidou se enforcando com uma corda. O provável

motivo do ato foi a perda recente de sua noiva, que foi encontrada morta

na sexta-feira passada. No local, foi encontrada uma carta de despedida

escrita por Ethan.”

Ao lerem o e-mail, os responsáveis pelo jornal chamaram

rapidamente os policiais, que foram para a casa do rapaz assim que

souberam do ocorrido. Lá, encontraram realmente o corpo do rapaz

pendurado por uma corda em seu quarto, seus olhos e narinas estavam

sangrando e seu rosto estava roxo. Seu computador continuava ligado e,

sobre a cama, havia um envelope. Era uma carta de despedida e fora

escrita por Ethan, nela dizia, dentre muitas coisas que não se adequam a

essa história, o seguinte:

“Emily, sei que tudo isso foi minha culpa, deveria ter te protegido, e

até nisso eu falhei. Minha vida não tinha nenhum sentido antes de te

conhecer. Sinto muito por tudo. Eu disse que não conseguiria mais viver

sem você ao meu lado, e essa é a verdade, portanto, vou me juntar a você

na eternidade da morte.”

A partir daquele dia, a notícia se espalhou por toda Lookwood, e as

pessoas passaram a ter medo de saírem de suas casas. A cidade realmente

sentiu aqueles dois acontecimentos seguidos chocarem as pessoas. O

mundo que conheciam, mudou.