o ingÊnuo potiguar: a pintura naÏf no rio grande … · como a arte naïf tem uma forte ligação...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DE NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE ARTES CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS MARIA SIMONE GUILHERME SOUZA DE MEDEIROS O INGÊNUO POTIGUAR: A PINTURA NAÏF NO RIO GRANDE DO NORTE NATAL/RN 2014

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Page 1: O INGÊNUO POTIGUAR: A PINTURA NAÏF NO RIO GRANDE … · Como a arte naïf tem uma forte ligação com a cultura popular, fizemos uma pequena descrição das nossas heranças culturais

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DE NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE ARTES

CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS

MARIA SIMONE GUILHERME SOUZA DE MEDEIROS

O INGÊNUO POTIGUAR:

A PINTURA NAÏF NO RIO GRANDE DO NORTE

NATAL/RN

2014

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MARIA SIMONE GUILHERME SOUZA DE MEDEIROS

O INGÊNUO POTIGUAR:

A PINTURA NAÏF NO RIO GRANDE DO NORTE

Monografia apresentada à

Universidade Federal do Rio Grande

do Norte como requisito parcial para

a obtenção do título de Licenciado

em Artes Visuais.

Orientador: Prof. Dr. Vicente

Vitoriano Marques Carvalho.

NATAL/RN

2014

BANCA EXAMINADORA

Prof. Vicente vitoriano Marques Carvalho – (UFRN) – orientador

Prof. Erasmo Costa Andrade – (UFRN)

Profª. Evanir de Oliveira Pinheiro – (UFRN)

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Combati o bom combate, terminei minha carreira, guardei a fé.

2Tm. 4,7

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Dedico esta pesquisa ao meu fiel

escudeiro, Ari Guilherme, que com o

corpo revestido com a couraça da

justiça, os pés calçados na prontidão e

com o escudo da fé, me fez chegar até

o fim. Aos meus motivos de continuar a

luta, Victor e Isadora, que sem

pestanejar, abriram mão da presença

da mãe, para que a pesquisadora

fizesse seu trabalho.

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AGRADECIMENTOS

Tudo por Ele, nada sem Ele.

Minha eterna gratidão ao Clã Guilherme, rede que me aparou na queda

e mola que me levantou do chão.

Aos artistas naïfs, pois sem eles não haveria objeto de pesquisa. Em

especial aos que dedicaram um pouco de seu tempo respondendo às

perguntas que lhes fizemos.

A Vicente Vitoriano Marques Carvalho, pela sua preciosa contribuição.

A Dom Matias (o gato), meu companheiro de longas horas de frente ao

computador.

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RESUMO

Este trabalho tem como objetivo principal a produção da pintura Naïf, no Rio

Grande do Norte. Para tanto, foi feita uma revisão bibliográfica, que gerou a

discussão do conceito de arte naïf, sua historiografia, seus principais expoentes

no mundo e no Brasil. Como a arte naïf tem uma forte ligação com a cultura

popular, fizemos uma pequena descrição das nossas heranças culturais desde

a Grécia, berço da civilização ocidental até o século XIX, momento em que se

começa a discutir na Alemanha o que viria a ser a cultura popular, até

chegarmos à compreensão da cultura popular brasileira. Após consulta em

catálogos de exposições e do Inventário das Artes Visuais do Rio Grande do

Norte, conseguimos levantar um total de 48 pintores naïfs no estado. Destes,

selecionamos 9 (residentes em Natal) para a realização de entrevistas semi-

estruturadas que foram estudadas segundo conceitos propostos por Roger

Chartier. Em seguida, as obras dos mesmos artistas foram analisadas,

segundo os conceitos de apropriação e representação de Erwin Panofsky.

Nestas entrevistas pudemos constatar que suas obras e seus discursos são um

reflexo do mundo e da cultura nos quais estes artistas estão inseridos. Por fim,

este trabalho verifica que, embora ainda não inserida nos estudos da academia

e desconhecida por uma parcela da população do Estado, a produção naïf do

Rio Grande do Norte é intensa e profícua.

Palavras chave: Arte naïf. Rio Grande do Norte. Cultura popular.

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA1- Henri Rousseau. Vista da Ponte em Sèvres. 1908. Óleo sobre tela.

81 x 100 cm. Disponível em:< http://pt.wahooart.com/@@/8LJ3D3-Henri-

Rousseau-Vista-da-Ponte-em-S%C3%A8vres>. Acesso em 22 abr. 2013.

FIGURA2- Henri Rousseau. Tempestade na Floresta. 1891.Óleo sobre tela.

129,8 x 161,9 cm. Disponível em:

<http://www.sunrisemusics.com/rosseau.htm>.Acesso em 22 abr. 2013.

FIGURA 3- Anna Mary Robertson. Feira Rural, 1950. Disponível em <http://art-

now-and-then.blogspot.com.br/2012/09/anna-mary-robertson-moses.html>.

Acesso em 19 jul. 2013.

FIGURA 4- Alfred Wallis. Terra, Peixe e Motor Vessel. 1932. Disponível

em:<37http://www.culture24.org.uk/art/painting%20%26%20drawing/art38263>.

Acesso em 19 jul. 2013.

FIGURA 5- Ivan Generalic. Os lenhadores, 1959. Disponível em: <http://art-

magique.blogspot.com.br/2012/03/ivan-generalic.html>. Acesso em 19 jul.

2013.

FIGURA 6- Paul Gauguin. Ta Matete - Mulheres Taitianas Sentadas num

Banco,1892 Disponível em: <http://historiadelartecbe.blogspot.com.br/2012/05/paul-

gauguin.html>. Acesso em 19 jul. 2013.

FIGURA 7- Paul Klee. Ao Redor do Peixe. 1926. Tempera e óleo. 46.3 x 64.1

cm. Disponível em: <http://www.abcgallery.com/K/klee/klee15.html>. Acesso

em 19 jul. 2013.

FIGURA 8- Heitor dos Prazeres. Sambistas. Disponível em:

<http://africasaberesepraticas.blogspot.com.br/2010/01/conhecendo-arte-de-heitor-

dos-prazeres.html>. Acesso em 22 abr. 2013.

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FIGURA 9- Waldomiro de Deus. Panicum de Flores. 2005. 120x80cm.

Disponível em: < http://artemais.wordpress.com/2010/08/09/waldomiro-de-deus-50-

anos-de-pintura/>. Acesso em 22 abr. 2013.

FIGURA 10- Cardosinho. Paisagem, s.d, Óleo sobre tela, 47x33cm. Disponível

em:<http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction

=artistas_obras&cd_verbete=1323&cd_idioma=28555>. Acesso em 22 abr. 2013.

FIGURA 11- José Luiz. Sítio dos Cocos. 2007, Óleo sobre tela. Disponível em:

<http://www.catalogodasartes.com.br/Avaliacoes2.asp?Pesquisar=1&cboArtista=Jose

%20Luiz%20%20Jose%20Luiz%20Soares%20Filho&sPasta=@Obras&rdTipoObra=5

>. Acesso em 22 abr. 2013.

FIGURA 12- Maria Auxiliadora. Parque de Diversões. Placa/relevo 62 x 82 cm.

Disponível em: < http://www.galeriaestacao.com.br/artista/33>. Acesso em 22 abr.

2013.

FIGURA 13- Afresco representando uma procissão, Paestum. Grécia.

Disponível em: <http://deedellaterra.blogspot.com.br/2010/06/mundo-helenico-

arte-grega-pintura.html> Acesso em 04 fev. 2014.

FIGURA 14- Pintura em vaso grego. Disponível em: <http://mut-

arte.blogspot.com.br/p/da-pre-historia-idade-media.html>. Acesso em 04 fev.

2014.

FIGURA 15- Pintura mural em Pompéia. Disponível em:

<http://propagativodigital.blogspot.com.br/2012/06/pintura-e-o-mosaico-

romano.html>. Acesso em 04 fev. 2014.

FIGURA 16- Nicho, fragmentos de afrescos da Casa della Farnesina, Pompéia.

Disponível em: <http://deedellaterra.blogspot.com.br/2009/02/pintura-romana-

de-jardim-ii.html>. Acesso em 04 fev. 2014.

FIGURA 17-Giotto. São Francisco expulsando os demônios de Arezzo. Séc.

XIV. Disponível em: <http://aidobonsai.com/tag/a-pintura-giotto-di-bondone/>.

Acesso em 04 fev. 2014.

FIGURA 18- Pintura medieval. Disponível em:

<http://musiclavero.wikispaces.com/DISTINGUIR+PINTURA+MEDIEVAL+Y+R

ENACENTISTA>. Acesso em 04 fev. 2014.

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FIGURA 19- Pieter Brueghel. Paisagem Nevada. Disponível em:

<http://unilahistoria.blogspot.com.br/2013/05/a-luz-na-pintura-

renascentista.html>. Acesso em 04 fev. 2014.

FIGURA 20- O casamento desigual. Metsys. Disponível em:

<http://www.girafamania.com.br/historia_arte/historia_arterenascentista.html>.

Acesso em 04 fev. 2014.

FIGURA 21- Rembrandt. A Lição de Anatomia do Dr. Tulp. 1632. Disponível

em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-

85872007000100004>. Acesso em 04 fev. 2014.

FIGURA 22- Claude Monet. Descarregando Carvão.1875. Disponível em:

<http://aidobonsai.com/tag/a-pintura-de-claude-monet/.>. Acesso em 04 fev.

2014.

FIGURA 23- Maria do Santíssimo. Disponível em:

<http://webradiopoesia.blogspot.com.br/2013_08_01_archive.html>. Acesso em

04 fev. 2014.

FIGURA 24- Maria dos Cabelos Compridos. O Circo. IN ARAÚJO, Iaperi.

Elementos da Arte Popular. Natal, 1978.

FIGURA 25- Iaponi Araújo. Salve o Menino Deus, Viva o Ano Novo. 1965. Óleo

sobre Tela.80 x 70 cm. Disponível em:

<http://artenaifrio.blogspot.com.br/2012/08/iaponi.html>. Acesso em 07 fev.

2014.

FIGURA 26- Gilvan Bezerril. Domingo no Parque. 1989. Óleo sobre tela. 30x30.

Disponível em: <http://artenaifrio.blogspot.com.br/2012/08/iaponi.html>.

Acesso em 07 fev. 2014.

FIGURA 27- Diniz Grilo. Boi Lombrado. s.d. Óleo sobre tela. Disponível em:

<http://suzanearaujoleal.wix.com/wwwwixcomsuzanearaujoleal?_escaped_frag

ment_=diniz-grilo>. Acesso em 07 fev. 2014.

FIGURA 28- Djalma Paixão. Bumba meu boi. Acrílico sobre Eucatex. 2013.

Acervo da autora.

FIGURA 29- Djalma Paixão. Pastoril. Acrílico sobre Eucatex. 2013. Acervo da

autora.

FIGURA 30- Edvaldo da Quinze. s. d. Acrílico sobre tela. Acervo da autora.

FIGURA 31- Edvaldo da Quinze. 2012. Acrílico sobre tela. Acervo da autora.

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FIGURA 32- Vatenor. Sem Título. s.d. Acrílico sobre tela. Disponível em:

<http://tribunadonorte.com.br/noticia/vatenor-disponibiliza-acervo-para-

venda/202959>. Acesso em 07 fev. 2014.

FIGURA 33- Vatenor. Sem Título. s.d. Acrílico sobre tela. Disponível em:

<http://www.officinainteriores.com.br/blog/blog/25>. Acesso em 07 fev. 2014.

FIGURA 34- Ivanise. Sem título. 2005. Acrílico sobre tela. Disponível em:

<http://galeriaifrn.blogspot.com.br/2013/08/exposicao-colecao-naif-da-

pinacoteca-do_13.html>. Acesso em 07 fev. 2014.

FIGURA 35- Ivanise. Sem título. 2005. Acrílico sobre tela. Disponível em:

<http://idaekika.blogspot.com.br/2011_08_01_archive.html>. Acesso em 07

fev. 2014.

FIGURA 36- Divaldo. Sem título. 2005. Acrílico sobre tela. Disponível em:

<http://idaekika.blogspot.com.br/2011_08_01_archive.html>. Acesso em 10 fev.

2014.

FIGURA 37- Divaldo. Sem título. 2013. Acrílico sobre tela. Acervo da autora.

FIGURA 38- Nivaldo Rocha. Banda de Música. 2013. Acrílico sobre tela. 30x60.

Disponível em: <http://produto.mercadolivre.com.br/MLB-544976677-banda-de-

musica-naif-de-nivaldo-_JM>. Acesso em 03 mar. 2014.

FIGURA 39- Nivaldo Rocha. Acrílico sobre tela. 2013. Acervo da autora.

FIGURA 40- Jotó. Sem título. s.d. Acrílico sobre tela. Disponível em:

<http://atelier-demolan.blogspot.com.br/2013/09/as-molduras-e-arte-de-

joto.html>. Acesso em 03 mar. 2014.

FIGURA 41- Jotó. Sem título. s.d. Acrílico sobre tela. Disponível em:

<http://atelier-demolan.blogspot.com.br/2013/09/as-molduras-e-arte-de-

joto.html>. Acesso em 03 mar. 2014.

FIGURA 42- Iaperi Araújo. São Sebastião Sertanejo. S.d. Acrílico sobre tela.

Disponível em: <http://tribunadonorte.com.br/noticia/iaperi-araujo-expoe-

pinturas-com-tema-de-sao-sebastiao/209631>. Acesso em 03 mar. 2014.

FIGURA 43- Iaperi Araújo. Disponível em:

<http://galeriaifrn.blogspot.com.br/2013/08/exposicao-colecao-naif-da-

pinacoteca-do_13.html>. Acesso em 03 mar. 2014.

FIGURA 44- Newton Avelino. Teatro de bonecos. Acrílico sobre tela. Disponível

em: <http://www.aartedenewtonavelino.com/2013_05_20_archive.html>.

Acesso em 03 mar. 2014.

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FIGURA 45- Newton Avelino. Sem título. Acrílico sobre tela. Disponível em: <

http://ciceromarquescm.blogspot.com.br/2011/02/exposicao-de-newton-

avelino.html>. Acesso em 03 mar. 2014.

FIGURA 46- Fé Córdula. Noivos. Óleo sobre Tela. 30 x 40 cm. Disponível em:

<http://www.galeriapontes.com.br/esculturas_detalhes.aspx?id=250>. Acesso

em 07 fev. 2014.

FIGURA 47- Arruda Sales. Disponível em:

<http://galeriaifrn.blogspot.com.br/2013/08/exposicao-colecao-naif-da-

pinacoteca-do_13.html>. Acesso em 07 fev. 2014.

FIGURA 48- Carlos José.< http://papjerimum.blogspot.com.br/2013/01/a-arte-

de-carlos-jose-todo-lirismo.html>. Acesso em 07 fev. 2014.

FIGURA 49- Cacau Arcoverde. Sem título. s.d. Disponível em:

<http://www.dhnet.org.br/w3/cacau/artesvisuais/telas/tela.htm>. Aceso em 07

fev. 2014.

FIGURA 50- Cacau Arcoverde. Sem título. s.d. Disponível em:

<http://www.dhnet.org.br/w3/cacau/artesvisuais/telas/tela.htm>. Aceso em 07

fev. 2014.

FIGURA 51- Carlos Sérgio. Sem Título. s.d. Acrílico sobre tela. Disponível em:

<http://tribunadonorte.com.br/print.php?not_id=202109>. Aceso em 07 fev.

2014.

FIGURA 52- Carlos Sérgio. Sem Título. s.d. Acrílico sobre tela. Disponível em:

<http://nominuto.com/noticias/ciencia-e-saude/carlos-sergio-borges-expoe-

trabalhos-ineditos-no-bardallos/35616/>. Aceso em 07 fev. 2014.

FIGURA 53- Graziela Fonseca. Amor. 2005. Óleo sobre tela (52x62 cm).

Disponível em: <http://galeriaifrn.blogspot.com.br/2013/08/exposicao-colecao-

naif-da-pinacoteca-do_13.html>. Acesso em 07 fev. 2014.

FIGURA 54- Lourdinete. Os Marinheiros. 2002. Óleo sobre tela (50x60cm).

Disponível em: <http://galeriaifrn.blogspot.com.br/2013/08/exposicao-colecao-

naif-da-pinacoteca-do_13.html>. Acesso em 07 fev. 2014.

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FIGURA 55- Levi Bulhões. N. S. da Conceição. 2011. Disponível em:

<http://letrasecanaviais.blogspot.com.br/2011/12/oito-dezembro-dia-da-

padroeira-do-vale.html>. Acesso em 07 fev. 2014.

FIGURA 56- Tiago Vicente. Sem título. s.d. Disponível em:

<http://www.xiconlab.eventos.dype.com.br/resources/anais/3/1306871559_AR

QUIVO_OSEFEITOSDAARTECONLAB.pdf>. Acesso em 03 mar. 2014

FIGURA 57- Ivo Maia. Sem título. s.d. Disponível em:

<http://tribunadonorte.com.br/noticia/ivo-maia-expoe-ignoto-mundo-no-tabua-

de-carne/85344>. Acesso em 03 mar. 2014

FIGURA 58-Ivo Maia. Borboleta sobre Girassóis. 2008. Disponível em:

<http://chamine2.zip.net/arch2008-05-01_2008-05-31.html>. Acesso em 03

mar. 2014.

FIGURA 59- Ricardo Veriano. Paixão de Cristo. 2008. Painel. Disponível em:

<http://paroquiadepatu.zip.net/arch2008-03-01_2008-03-31.html>. Acesso em

03 mar. 2014.

FIGURA 60- Wagner Oliveira. Sem título.2013. Disponível em:

<http://assunapontadalingua.blogspot.com.br/2013_07_28_archive.html>.

Acesso em 03 mar. 2014.

FIGURA 61- Francisco Iran. O Circo. S.d. Óleo sobre tela. Disponível em:

<http://tribunadonorte.com.br/print.php?not_id=127805>. Acesso em 03 mar.

2014.

FIGURA 62- Edilson Araújo. A Fazenda. 2009. Acrílico sobre tela. 50x70cm.

Disponível em: <http://galeriaifrn.blogspot.com.br/2013/08/exposicao-colecao-

naif-da-pinacoteca-do_13.html>. Acesso em 03 mar. 2014.

FIGURA 63- José Estelo. Chafariz da Misericórdia. 1984 Óleo sobre tela, 50 x

61 cm. Inventário da Pinacoteca.

FIGURA 64- Fefeu. Ponta Negra. 2012. Disponível em:

<http://tribunadonorte.com.br/noticia/a-arte-naif-dao-vida-as-lembrancas-de-um-

nativo-de-ponta-negra/224339>. Acesso em 03 mar. 2014.

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SUMÁRIO

1- A PINTURA NAÏF NO RIO GRANDE DO NORTE------------------ 15

2- SOBRE A ARTE NAÏF------------------------------------------------------ 21

3- A CULTURA DA ARTE NAÏF--------------------------------------------- 36

4- CULTURA POPULAR BRASILEIRA------------------------------------ 49

5- O INGÊNUO POTIGUAR-------------------------------------------------- 53

6- CONSIDERAÇÕES FINAIS----------------------------------------------- 83

REFERÊNCIAS------------------------------------------------------------------- 86

ANEXO------------------------------------------------------------------------------ 90

APÊNDICES----------------------------------------------------------------------- 92

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1- A PINTURA NAÏF NO RIO GRANDE DO NORTE

“A arte nada tem a fazer com limites, algemas, mordaças;

ela lhe diz: vai! E larga você nesse grande jardim de poesia

onde não há frutos proibidos”.

Victor Hugo

O Trabalho de Conclusão de Curso denominado “O Ingênuo Potiguar: A

Pintura Naïf no Rio Grande do Norte” tem como objetivo principal analisar a

produção de Arte Naïf no Estado do Rio Grande do Norte no que se refere a

obras bidimensionais.

Tomamos como objeto deste trabalho a Pintura Naïf, que é produção de

artistas sem formação sistemática. Trata-se de um tipo de expressão artística

que não se enquadra nos moldes acadêmicos. Os artistas naïfs se

caracterizam principalmente pelo fato de não terem formação específica.

Sendo assim, seu trabalho é marcado pela ausência de perspectiva, de

técnicas elaboradas de composição e também pelo uso de cores brilhantes.

Para uma melhor compreensão do objeto de estudo, citamos Lucien

Finkelstein (2001, p. 16), com grifos do autor:

O adjetivo francês naïf vem do latim nativus, que significa

nascente, natural, espontâneo, primitivo. Assim, pode ser

substituído também por ingênuo e primitivo, mas as três

palavras devem ser tomadas ao pé da letra. Todas têm

origem no latim: ingênuo vem de ingenuus (nascido livre)

e primitivo, de primitivus (que pertence ao primeiro estado

de uma coisa). Essas três definições poderiam servir para

caracterizar a pintura naïf, que é natural, livre e pura.

Também a partir da citação acima, fazemos uma justificativa para a

escolha do título deste trabalho. Pois tomamos o adjetivo “Ingênuo”, na sua

tradução direta do latim “nascido livre”, ou seja, sem estar preso a nenhuma

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norma ou regra do desenho e pintura. Não podendo, então, ser tomado por

algo que comumente se entende por ingênuo, como tolo, inexperiente,

simplório, inocente.

Partindo deste ponto, tomamos como objetivo secundário dar resposta a

vários questionamentos que surgem acerca do objeto escolhido. Dentre eles, o

mais elementar seria: quais as suas origens e como foi seu desenvolvimento

no Brasil? Daí por diante, começamos a focar na proposta primária deste

trabalho, ou seja, quem são os artistas naïfs do Rio Grande do Norte? Onde

eles estão, quais as características individuais de suas poéticas, quais suas

impressões sobre seu trabalho e qual a repercussão local e externa dos

mesmos? Este trabalho tem também como preocupação tornar conhecida, para

os demais pesquisadores e interessados, parte da pintura naïf no Rio Grande

do Norte.

Para discutir as questões levantadas, foram fundamentais os conceitos

de práticas e representações culturais de Roger Chartier (1990), pelos quais o

indivíduo pode fazer apropriações de diversas fontes ao seu alcance, de modo

que sua percepção de mundo seja modificada. Considerando que, segundo o

professor José Pires (1991, p. 21), “pesquisar é fazer ciência, aprofundar

conhecimento, explicá-lo”, fez-se necessário revisitar os conceitos da cultura de

um modo geral, buscando um maior conhecimento a respeito das poéticas e

das condições de produção da obra dos artistas naïfs, entendendo-se poética

como a maneira do artista criar. Assim sendo, através da análise de entrevistas

com os artistas e da leitura de suas obras tentamos observar se existe alguma

apropriação de outras fontes artísticas pelos artistas no Rio Grande do Norte.

A pesquisa tendeu a se aprofundar nas questões ligadas à cultura não

erudita, pelo fato de seu objeto fazer parte do contexto sócio-cultural não

escolarizado, já que a pintura naïf em sua maioria retrata as coisas da “terra”,

utilizando o ideário, o imaginário e a vivência do artista em seu lugar, tendo

uma poética muito própria.

A pesquisa tem cunho histórico, pois revê parte da historiografia da Arte

Naïf, como também faz uso da memória, já que tem por base informações orais

dadas pelos artistas que estão produzindo na contemporaneidade. Também

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tem um cunho crítico, pois de alguma forma, no momento em que fizemos a

análise das obras dos artistas, elaboramos juízo sobre estas obras. É, ainda,

exploratória no âmbito geográfico, uma vez que buscamos localizar a arte naïf

no estado do Rio Grande do Norte. Este trabalho é complementado por uma

pesquisa bibliográfica e documental, ao usar registros de variados tipos acerca

da Arte Naïf. Contudo, uma vez que trata de conceitos antropológicos, algo

subjetivo, simbólico, iconográfico, não se prendeu a parâmetros ou

mensurações das ciências exatas e/ou naturais, caracterizando-se, em suma,

como uma pesquisa qualitativa, embora informações quantitativas são

naturalmente anotadas, mas sem peso analítico.

Como recurso metodológico, foi realizada uma revisão bibliográfica,

tornando possível a formação de um corpo teórico tanto sobre a arte naïf como

também sobre problemáticas advindas dos questionamentos sociais, culturais e

históricos como, por exemplo, aqueles relacionados ao seu valor no campo das

artes.

Em paralelo, foi feito um levantamento dos artistas naïfs por meio de

consulta aos catálogos de exposições das galerias de arte na cidade; e do

Inventário - Catálogo Geral do Acervo das Artes Visuais do Governo do Estado

do Rio Grande do Norte. De um total de 48 (quarenta e oito) artistas

levantados, estipulamos entrevistar 09 (nove) artistas, o que nos daria uma

amostragem significativa para os propósitos da pesquisa. Tomamos como

critério de escolha dos artistas a serem entrevistados o fato de residirem na

cidade de Natal, assim como a disponibilidade de contatos (telefone, email).

Foram realizadas entrevistas semiestruturadas, gravadas, com os

artistas naïfs da cidade de Natal, nas quais algumas perguntas foram

previamente estabelecidas e também deixamos os artistas livres em suas falas,

para uma apreensão da sua visão acerca da problemática suscitada

anteriormente. As entrevistas estão disponíveis para consulta, ao final deste

trabalho, nos apêndices.

Para analisar as obras, trabalhamos com os conceitos de Erwin

Panofsky (2001) que expõe formas de análise de uma obra de arte. O nível de

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análise primário ou natural, segundo o autor, é o nível da Descrição ou pré-

iconográfico no qual, para o entendimento da obra, se exige apenas

experiência prática do indivíduo que realizará a análise. Este nível é o mais

fácil para a compreensão da obra; constitui o mundo dos motivos artísticos,

despojado de conceitos específicos de interpretação, dado a partir de sua

precisa descrição. Panofsky (2001) nos diz que o historiador deve aferir todos

os componentes da imagem com o maior rigor, para que não ocorram erros

nas etapas seguintes, já que podemos identificar um objeto com significado

diametralmente oposto à intenção do artista. Assim se reconhecerá o que é

denominado por Panofsky (2001, p. 50) como a identificação do tema primário

ou natural apreendido. A propósito, ele nos esclarece que a descrição pré-

iconográfica se caracteriza

pela identificação das formas puras, ou seja, certas

configurações de linha e cor, ou determinados pedaços

de bronze ou pedra de forma peculiar, como

representativos de objetos naturais tais que seres

humanos, animais, plantas, casas, ferramentas e assim

por diante; pela identificação de suas relações mútuas

como acontecimentos, e pela percepção de algumas

qualidades expressionais, como o caráter pesaroso de

uma pose ou gesto, ou a atmosfera doméstica e pacífica

de um interior. O mundo das formas puras assim

reconhecidas como portadoras de significados primários

ou naturais pode ser chamado de mundo dos motivos

artísticos.

O segundo nível de análise convencional e expressional diz respeito à

análise iconográfica dos temas e conceitos e dos seus significados

representados nas imagens. Para tal análise se faz necessário conhecimento

do processo civilizatório ou de contexto no qual a obra foi produzida. Como nos

diz Panofsky (2001, p. 51),

a identificação de tais imagens, histórias e alegorias é o

domínio daquilo que é nominalmente conhecido por

‘iconografia’. De fato, ao falarmos do ‘tema em oposição

à forma’, referimo-nos, principalmente, à esfera dos

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temas secundários ou convencionais, ou seja, ao mundo

dos assuntos específicos ou conceitos manifestados em

imagens, estórias e alegorias, em oposição ao campo

dos temas primários ou naturais manifestados nos

motivos artísticos.

Já o terceiro nível – interpretação iconológica – ocupa-se com o

significado intrínseco ou conteúdo, aborda a compreensão da maneira e das

condições que foram expressas nas obras. No entanto, neste trabalho,

utilizamos como instrumentos apenas os dois primeiros níveis de análise,

ficando o terceiro nível para um trabalho posterior.

No momento da análise dos discursos dos artistas entrevistados,

utilizamos os conceitos de representação e apropriação de Roger Chartier

(1990). O autor nos diz que, antes, os historiadores tendiam a dar primazia a

abordagens quantitativas, ou seja, uma modalidade tradicional e positivista de

fazer história. Porém os fundamentos metodológicos dos novos historiadores,

principalmente os franceses, anexam os conhecimentos da antropologia e da

sociologia, levando em consideração os pensamentos e gestos coletivos, as

crenças e rituais, os modelos educativos, entre outros.

Segundo Chartier (1990), para se fazer uma análise historiográfica é

necessário trabalhar com as representações que os grupos modelam de si

próprios ou dos outros, como se constituem as identidades. Então, o historiador

pode tomar por objeto de análise as representações e pensá-las como

resultado de apropriações, das classificações e das exclusões que foram

realizadas por determinado grupo social, num dado período e lugar. Como nos

diz Chartier (1990, p. 17), “são estes esquemas intelectuais que criam as

figuras graças às quais o presente pode adquirir sentido, o outro tornar-se

inteligível e o espaço ser decifrado”.

Para Chartier (1990, p. 19), pode-se chegar à realidade dos fatos a partir

dos processos civilizatórios, tomando como base a interpretação de um

discurso, levando-se em consideração as representações, apropriações e

exclusões nele contido. Como ele esclarece,

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desta forma, pode pensar-se uma história cultural do

social que tome por objeto a compreensão das formas e

dos motivos, ou, por outras palavras, das representações

do mundo social que, à revelia dos atores sociais,

traduzem as suas posições e interesses objetivamente

confrontados e que, paralelamente, descrevem a

sociedade tal como pensam que ela é, ou como

gostariam que fosse.

Assim, chega-se ao ponto em que o discurso identificado e decodificado

passa a explicar, conjuntamente a outras fontes, a conjuntura em que foi

construído, sua finalidade e seu objetivo.

Em seguida, foi feita a compilação das entrevistas, das análises

iconográficas e do acervo dos artistas a fim de se ter um referencial sobre a

arte naïf no Estado.

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2- SOBRE A ARTE NAÏF

“Os começos informes de certas artes têm,

ás vezes, no fundo, mais perfeição que a

arte aperfeiçoada”.

Ingres

Segundo José Alvarez Lopera (1997), em História Geral da Arte, a arte

naïf não era mais um novo ismo da virada do século XIX para o século XX,

uma vez que na verdade ela sempre existiu, mas era desconhecida, pois nunca

se lhe prestou atenção.

Ao contrário dos pintores acadêmicos, os pintores naifs têm uma poética

livre e independente, na qual não existem regramentos, nem moldes. O artista

não tem preocupações com proporções das figuras que representam. Não

existe um estudo prévio de composição, perspectiva. De acordo com

D’ambrosio (2007, p. 254), os naïfs têm como características “consciência da

autonomia do espaço pictórico, o uso expressivo e ornamental das cores, [...] a

pureza de traços, cores e formas”. O artista naïf pinta aquilo que está

introjetado em sua memória, em sua vivência. Por isso mesmo, suas criações

tendem a ser únicas e originais. Para Lopera (1997), o naïf é tão descritivo que

chega a se comparar a um relator, possui um mundo interior com postura

contemplativa, interpretativa e apreensora do que o rodeia e o deslumbra e

possui também um mundo exterior do qual se apropria com a força de sua

ingênua concepção de existência. Apesar de ser uma produção muito

particular, podemos perceber as fontes inspiradoras de suas obras, já que

expressam em geral o cotidiano da vida rural, das festas, brincadeiras,

tradições profanas e religiosas vividas e experiências ao longo de sua vida.

Desta forma, não é uma obra completamente subjetiva. Pelo contrário, tem

fortes referências na cultura popular da região em que o artista viveu ou vive.

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Já que fizemos um contraponto entre a pintura naïf e a acadêmica, se

faz necessária uma pequena referência ao que seria a pintura acadêmica.

Então vejamos: ela tem origem na Grécia Antiga, onde a arte era

eminentemente idealizada, sendo uma característica do pensamento da época

acreditar que o mundo natural era uma representação do mundo das ideias.

Assim, a anatomia deveria ser perfeita, baseada em normas ou “Cânones”

como o de Polícleto, no qual a altura de um homem seria correspondente à

altura de sete cabeças. Depois, no Renascimento, as obras de artistas como

Leonardo da Vinci, Michelangelo e Rafael aplicam novos métodos de

composição, com simetria, equilíbrio de linhas, proporções naturais e

anatômicas perfeitas, perspectiva com linhas de fuga, jogo de luz e sombra.

Como diz Gombrich (2008), se referindo à Última Ceia de Leonardo da Vinci, a

composição parece ter equilíbrio descansado e harmonia que artistas

anteriores tentaram realizar, mas não conseguiram. Daí por diante começam a

surgir as “Academias” de artes, onde os artistas começaram a repassar aos

seus alunos essas ideias que incidiram de modo decisivo não só em seu

tempo, mas para além dele. Criaram uma nova maneira de fazer, pensar e

avaliar a arte, que se preserva até hoje.

D’ambrósio (2007, p. 257) faz uma lista com doze princípios da Arte

Naïf, com grifos:

1- Ter preocupação estética, não mágica ou

religiosa,

2- Seguir o gosto individual, não o da coletividade,

3- Obedecer a ampla riqueza do mundo interior, não

apenas a emoção,

4- Ser um artista profissional, não um diletante,

5- Praticar intensa e seriamente, não se acomodar,

6- Desenvolver um estilo pessoal, não uma imitação,

7- Ter espírito visionário, não conformista,

8- Manter traços da arte intuitiva, não repetir o que já

existe,

9- Ser autodidata, não seguir escolas,

10- Buscar sempre uma produção mais elaborada,

não estagnar,

11- Manter a liberdade, não sendo, porém,

necessariamente, agressivo,

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12- Manter a fidelidade ao individualismo, não aos

modismos.

Foram dadas várias denominações para a pintura naïf como pintura de

domingo, arte infantil, arte primitiva, arte bruta, arte popular, entre outras.

Contudo, Oscar D’ambrosio (2007) e Lucien Finkelstein (2001) fazem uma

diferenciação entre a arte naïf e essas denominações como:

- Pintores de Domingo: denominação dada por Anatole Jakovsy, pois

estes pintores têm a atividade de pintar apenas como um hobby.

- Arte Infantil: D’ambrosio (2007, p. 258) ressalta que “o sistema de

figuração das crianças corresponde a estágio específico do desenvolvimento

mental, em que deformações anatômicas ou falhas de perspectiva não são

expressões de um estilo pessoal [...]”, portanto não coincide com a noção de

arte naïf.

- Arte Primitiva: arte baseada na cultura de um povo, geralmente

dedicada aos rituais religiosos e sociais, cuja evolução histórica permite

acompanhar as transformações da espécie humana. E, como nos esclarece

Lucien Finkelstein (2001, p. 19), “Arte Primitiva [...] é produção dos pintores

flamengos e haitianos dos séculos XIV e XV e, atualmente, a arte dos povos e

tribos primitivos da África, da Oceania, etc”.

- Arte Bruta: é realizada por pacientes de clínicas psiquiátricas, os quais

representam seus medos, pesadelos e traumas.

- Arte popular e arte folclórica: o artista popular e o folclórico seguem

uma tradição de estilo e modelo. Esses artistas tendem a manter usos e

costumes de um povo, repetindo obras em série, padronizadas, coletivas, e

geralmente anônimas de acordo com formas e técnicas já preestabelecidas.

Lucien Finkelstein (2001, p. 30) afirma que a arte naïf deriva da arte popular e

mantém uma forte ligação com a mesma, pelo caráter de simplicidade, pureza

e ingenuidade, o que corrobora nosso interesse em cultura popular.

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Henri Rousseau, mais conhecido como “Le Douanier” (O Aduaneiro), o

primeiro naïf a ter seus trabalhos valorizados, viveu num momento de

profundas transformações no mundo, motivadas por fatos como a criação do

trem elétrico, a instalação do metrô de Paris, o uso do telefone, o surgimento

de jornais com fotografias, a realização do primeiro filme mudo, etc.. Essas

transformações se refletiram de forma contundente no mundo das artes. Pois,

de acordo com Harrison (2001), se antes a arte era fundamentada na arte

clássica grega, patrocinada pela burguesia e difundida pela academia, agora

um crescente mal estar se instala no meio dos novos artistas que chegam a

Paris para estudar e participar dos Salões de Pintura, principal meio de se

tornar conhecido e consequentemente vender suas obras daqueles tempos.

Era o período de rompimento com as tradições, era a chegada do modernismo

e de todas as suas possibilidades. Como diz Odilon Redon (apud HARRISON,

2001, p. 17):

Os ensinamentos que eu recebia não condiziam com a

minha natureza. O professor tinha pelos meus dons

naturais a mais [...] completa falta de apreço [...]. Via que

seus olhos obstinados estavam cerrados diante do que

os meus viam [...]. Jovem, sensível e irrevogavelmente do

meu tempo, eu ficava lá ouvindo uma retórica de não–sei-

o-que, derivada, não se sabe como, das obras de um

passado fixo [...]. Não havia elo possível entre os dois,

não havia união possível.

Rousseau, embora tenha convivido com grandes pintores do

modernismo, não teve o mesmo reconhecimento dos demais, sofrendo

zombarias, mas sem nunca se abalar e, como diz Finkelstein (2001, p. 53),

“com a serenidade e o orgulho daqueles que sabem o que fazem”. A influência

que a obra de Rousseau exerceu na arte do início do século XX abriu novos

horizontes aos grandes nomes do modernismo. Picasso (1881-1973), Matisse

(1869-1954), Gauguin (1848-1903), Signac (1863-1935), Delaunay (1885-1979)

se admiraram com suas obras e, de acordo com Finkelstein (2001, p. 50),

Robert Delaunay reconheceu imediatamente o grande

valor de Rousseau e já assinalava: “Rousseau instala-se

ao lado dos mestres que anunciaram a arte moderna e,

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às vezes, domina-os por sua grande fé, sua ingenuidade

e seu sentido de estilo.”

Avesso às pesquisas que seus contemporâneos desenvolviam, como

Matisse, à procura de novos caminhos para sua poética, Henri Rousseau, sem

sair de seu pequeno quarto, usando apenas sua imaginação, pintava florestas

misteriosas e exóticas. Seus quadros anunciavam uma nova tendência artística

que seria reconhecida bem mais tarde, embora, como diz Finkelstein (2001, p.

54), “ele não pretendia revolucionar coisa alguma. Apenas avançava em sua

pintura”.

As pinturas de Rousseau revelavam o caráter autodidático de sua

atividade. Nunca obteve formação acadêmica e suas figuras e paisagens eram

pintados sem rigor técnico. De acordo com Gombrich (2008, p. 586), “nada

sabia de desenho correto, ignorava todos os truques do Impressionismo.

Pintava cores simples e puras, com lineamentos claros, cada folha de uma

árvore.”

Figura 1- Henri Rousseau. Vista da Ponte em Sèvres.1908, óleo sobre tela, 81 x 100 cm.

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Figura 2 - Henri Rousseau. Tempestade na Floresta.1891. Óleo sobre tela. 162 x 130

cm.

No século XX, a arte naïf passa a ser reconhecida como uma expressão

artística e se desenvolve por todo o mundo, principalmente nos Estados

Unidos, na antiga Iugoslávia e no Haiti (Enciclopédia, 2013). Nos Estados

Unidos, o cotidiano da vida rural pintado por Anna Mary Robertson (1860 –

1961), conhecida como Vovó Moses, adquire notoriedade quando a artista é

descoberta por um colecionador. Vinda da tradição de retratistas amadores, a

arte naïf norte-americana encontra força nas obras de J. Frost (1852 - 1929), H.

Poppin (1888 - 1947) e J. Kane (1860 - 1934). Já na Inglaterra, desponta Alfred

Wallis (1855 - 1942), que pinta navios a vela e paisagens. Descoberto em 1928

pelos artistas ingleses Ben Nicholson (1894 - 1982) e Christopher Wood (1901

- 1930), Wallis pinta com base na memória e na imaginação, em geral com tinta

de navio sobre pedaços irregulares de papelão e madeira. Na antiga

Iugoslávia, a arte naïf se tornou uma forte tendência, na qual se destaca Ivan

Generalic (1914 - 1992).

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Figura 3 - Anna Mary Robertson. Feira Rural, 1950.

Figura 4 - Alfred Wallis. Terra, Peixe e Motor Vessel.1932-37.

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Figura 5- Ivan Generalic. Os lenhadores. 1959.

Algumas das soluções encontradas pela arte naïf acabam sendo

incorporadas a outras expressões da arte moderna. Isto se nota no simbolismo

(na busca da essência mística das cores), ou no pós-impressionismo de Paul

Gauguin que, no Taiti, fez pesquisas em direção à cultura plástica das

chamadas sociedades primitivas, fazendo uso de cores vibrantes e

simplificando o desenho como em Ta Matete - Mulheres Taitianas Sentadas

num Banco,1892. As obras de Paul Klee (1879 - 1940) e de Kandinsky (1866 -

1944), em busca da orientação espiritual da arte, também se beneficiam de

sugestões da arte naïf.

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Figura 6 - Paul Gauguin. Ta Matete. Mulheres Taitianas Sentadas num Banco.1892.

Figura 7 - Paul Klee. Ao Redor do Peixe.1926. Tempera e óleo. 46.3 x 64.1 cm.

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Segundo Finkelstein (2001, p. 72), o Brasil, por ser um país de tantas

raças, exuberância e diversidade, favoreceu a produção da arte naïf,

resultando numa produção rica, fascinante, mágica e variada. “Esse

caldeamento leva os naïfs brasileiros a pintarem de tudo e sobre tudo”. E como

bem diz Jorge Amado (apud Finkelstein (2001, p. 8),

Sou daqueles que acham que a pintura, falo de pintura,

não de gravura e desenho, brasileira que possui caráter

realmente nacional e se expressa numa forma decorrente

de nossa cultura mestiça é a pintura naïf, ingênua,

primitiva, cada um escolha a designação que lhe pareça

melhor. O resto, peço perdão, mas é verdade, é a Escola

de Paris transposta para a circunstância brasileira. Não

temos, como a têm os mexicanos, uma escola nacional

de pintura, somos cópia, por vezes excelente, por vezes

com a marca da cor e do sentimento brasileiros, mas

cópia da Escola de Paris.

Assim, muitos artistas brasileiros são reconhecidos internacionalmente.

Dentre tantos citamos: Cardosinho (1861-1947), Heitor dos Prazeres (1898-

1966), Maria Auxiliadora (1935-1974), Maria Grauben (1889-1972), Paulo

Pedro Leal (1894-1968), Elisa Martins da Silveira (1912-2001), Waldomiro de

Deus (1944), Elsa O.S. (1928), Luis Soares (1875-1948), José Luiz (1964).

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ALGUNS NAÏFS BRASILEIROS

Figura 8 - Heitor dos Prazeres. Sambistas. 1965. Óleo sobre tela. 80x100cm.

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Figura 9 - Waldomiro de Deus. Panicum de Flores. 2005. 120x80cm.

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Figura 10 - Cardosinho. Paisagem, s.d. Óleo sobre tela. 47x33 cm.

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Figura 11 - José Luiz. Sítio dos Cocos. 2007. Óleo sobre tela. 20x30cm.

Figura 12 - Maria Auxiliadora. Parque de Diversões. s.d. Placa/relevo. 62 x 82 cm.

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Assim como no restante do Brasil, o Rio Grande do Norte tem uma vasta

produção naïf. Contudo, esta poética não é alvo de estudos no meio

acadêmico. Nem tão pouco é conhecida pela gente deste lugar, fato que nos

preocupa, afinal temos o dever de conhecer aquilo que nosso, que é próprio de

nossa cultura. Então, buscamos ir mais longe, nos debruçamos sobre a

questão, fomos em busca destes artistas para que sua produção pudesse ser

enfim, conhecida dentro da academia e consequentemente ser difundida aos

demais .

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3- A CULTURA DA ARTE NAÏF

Uma civilização é um movimento, não

uma condição; uma viagem, não um porto.

Arnold Toynbee

A Arte Naïf está fortemente ligada à cultura popular, pois vem dela boa

parte das referências dos artistas naïfs. E já que adotamos uma abordagem

cultural da história, que compreende cultura como sendo tudo aquilo que o

homem produz, seja material ou imaterial, precisamos entender alguns

conceitos sobre cultura.

Para conceituarmos cultura popular, temos que primeiramente entender

alguns conceitos, como o de povo, cultura e civilização.

Segundo Ferreira (2008), povo é o "conjunto de indivíduos que falam

(em regra) a mesma língua, têm costumes e hábitos idênticos, uma história e

tradições comuns”.

Na pesquisa acerca do tema, Marilena Chauí (1986) nos diz que vinda

do latim colere, cultura significava cultivo ou cuidado com as plantas. Depois, o

uso do vocábulo foi ampliado para o cuidado com a criança, com os deuses ou

culto. Assim como também diz Hanna Arendt (apud CHAUÌ, 1986, p. 11), “era

o cuidado com os deuses, os ancestrais e seus monumentos, ligando-se à

memória e, por ser o cuidado com a educação, referia-se ao cultivo do

espírito”. Chauí (1986, p. 11) nos fala que, "em latim, cultura animi era o

espírito cultivado para a verdade e a beleza, inseparáveis da natureza e do

sagrado". A definição de cultura a partir daí passa a ter uma gama de

bifurcações, desdobramentos, e mais ampliações que levaram a uma série de

definições, como nos diz Peter Burke (2010, p. 22), quando enfatiza esta

ampliação do conceito de cultura:

O termo cultura tendia a referir-se à arte, literatura e

música [...]. Hoje, contudo, seguindo o exemplo dos

antropólogos, os historiadores e outros usam o termo

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"cultura" muito mais amplamente, para referir-se a quase

tudo que pode ser apreendido em uma dada sociedade,

como comer, beber, andar, falar, silenciar e assim por

diante.

Apreender o conceito de civilização também se faz necessário, pois

segundo Raymond Williams (apud CHAUÍ, 1986), em meandros do século

XVIII, o termo cultura passa a se articular com conceito de civilização, que em

latim é civis, referindo-se ao homem educado, polido, e à ordem social.

Podemos definir civilização como uma fase do desenvolvimento de uma

sociedade. Vem designar as convenções assim como as instituições sócio-

políticas. Como diz Chauí (1986, p. 12), “cultura torna-se medida de uma

civilização, meio para avaliar seu grau de desenvolvimento e progresso”.

Porém, para compreendermos a cultura na qual estamos inseridos, e da

qual a arte naïf faz parte, precisamos ir ao início de nossa história.

Até hoje não se sabe ao certo qual foi o berço da espécie humana.

Durante muitos séculos o homem permaneceu em estado primitivo, levando

uma existência um pouco melhor que a dos animais superiores. Em meados de

5000 a.C., no Oriente Próximo, alguns desenvolveram culturas mais

elaboradas. Sendo essas culturas baseadas no desenvolvimento da escrita e

num progresso considerável no tocante às artes, às ciências e à organização

social. Ali, prosperaram os impérios dos egípcios, babilônios, assírios, caldeus

e persas, além de pequenos estados como os dos cretenses, sumerianos,

fenícios e hebreus. E, com exceção da ilha de Creta, não houve civilização na

Europa senão mais de um milênio depois.

Vieram depois os gregos, povo do qual herdamos as bases da cultura

ocidental. Segundo Edward Mcnall Burns( 1972,p.149), “entre todos os povos

do mundo antigo o que melhor refletiu o espírito do homem ocidental foi o

grego, que era essencialmente racionalista, exaltava o espírito livre e dava

primazia ao conhecimento. E, provavelmente, foi por causa destes motivos que

os gregos elevaram sua cultura ao mais alto nível no mundo antigo. Porém,

não chegaram a este ponto do nada, muitos de seu feitos já tinham sido

experimentados por outros povos, principalmente os orientais. Os precursores

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de sua filosofia e sua ciência foram os egípcios e seu alfabeto foi uma

derivação do fenício.

Em meados do século V a.C., ocorreu uma mudança na visão grega de

mundo, era uma mudança no pensamento filosófico dos sofistas. Segundo

Arnold Hauser (1998, p. 91),

este movimento, com raízes nas mesmas condições

urbanas de vida que deram origem ao naturalismo em

arte, [...] formula um esquema de treinamento que, em

vez cultivar as qualidades do corpo, visa produzir

cidadãos racionais, competentes e eloquentes. [...]

apoiam-se no saber, no pensamento lógico, no intelecto

treinado e na fluência verbal.

Figura 13- Afresco representando uma procissão, Paestum. Grécia.

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Figura 14- Pintura em vaso grego. Figura em vermelho sobre fundo negro.

Os sofistas terminaram por iniciar a história do racionalismo ocidental,

com seus dogmas, mitos, tradições e convenções. Então, de acordo com Burns

(1972), provavelmente com exceção da civilização romana, nenhuma outra

cultura antiga deixou tantas marcas no mundo ocidental quanto a dos gregos e

suas formas de governo, os grandes negócios, a expansão do comércio, o

gosto pela exploração e pela descoberta, o interesse pela ciência e pelos

estudos, a concorrência desleal entre os comerciantes, o apreço pelo conforto

e o apego à prosperidade material, as metrópoles e o grande abismo entre

ricos e pobres.

Ainda de acordo com Burns (1972), outra civilização que influenciou a

história ocidental foram os romanos e sua Lex Romana, que se tornou a base

para os Códigos Civis de boa parte do ocidente.

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Figura 15- Pintura mural em Pompéia.

Figura 16- Nicho, fragmentos de afrescos da Casa della Farnesina, Pompéia.

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Fazendo um percurso pela história da civilização, chegamos “a Idade

Média, período em que ocorre a expansão da Igreja. Segundo Burns (1972, p.

261),

o desenvolvimento da organização cristã foi um dos

fatos mais importantes de toda a era medieval. Já

durante os primeiros séculos desse período, a igreja e as

instituições a elas ligadas transformaram-se numa

estrutura complexa, que por fim se tornou o arcabouço da

própria sociedade. À medida que o império romano

decaía no Ocidente, a igreja assumiu muitas de suas

funções e ajudou a manter a ordem no meio do caos que

se generalizava.

Apesar de ter sido um momento tão confuso, e, talvez por causa disto

mesmo, começam a surgir a delimitação de países e o desenvolvimento

urbano. Como diz Gombrich (2008, p. 207),

a ambição dos grandes bispados por poderosas catedrais

funcionando como sés episcopais foi a primeira indicação

do despertar do orgulho cívico nos burgos e cidades.

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Figura 17- Giotto. São Francisco expulsando os demônios de Arezzo. Séc. XIV.

Toda a efervescência comercial e econômica trouxe os primeiros sinais

da concepção capitalista de vida, com uma possibilidade de ascensão social e,

acima de tudo, com o surgimento da nova classe social dos burgueses que,

consolidada, influencia praticamente todas as mudanças ocorridas em seguida

na sociedade.

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Figura 18- Pintura Medieval.

No período compreendido entre 1.300 e 1.650, a Renascença, o

desenvolvimento na pesquisa científica e na filosofia e o pensamento

humanista, com o foco voltado para o individualismo, possibilitaram o

aparecimento das universidades laicas e livres, em contraponto às academias

eclesiais. Além disso, o sistema capitalista afirmou-se como modelo econômico

e a burguesia passa a ter influência na cultura da época e, consequentemente,

seus gostos e costumes terminam por influenciar ainda nos dias de hoje.

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Figura 19- Paisagem Nevada. Pieter Brueghel.

Figura 20- O casamento desigual. Metsys.

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Segundo Burns (1972), o período em que reis absolutistas dominavam

as nações europeias, foi também um período de grandes realizações

intelectuais. Estas conquistas filosóficas e científicas dos séculos XVII e XVIII

constituem o que se chama Revolução Intelectual e o ápice desta revolução foi

o que conhecemos por Iluminismo, que teve início na Inglaterra e rapidamente

se disseminou pela Europa. Seus principais idealizadores foram Sir Isaac

Newton, John Locke e sua principal representação foi Voltaire. Ela teve um

alcance bastante amplo e os seus resultados foram, talvez, os mais

significativos para a nossa geração.

Figura 21- Rembrandt. A Lição de Anatomia do Dr. Tulp. 1632.

No século XIX, tivemos uma outra revolução, a chamada Revolução

Industrial, que, com a mecanização, utilização da força motriz na indústria e

consequente desenvolvimento do sistema industrial, do transporte e da

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comunicação, acarreta um forte controle capitalista em praticamente todos os

ramos da economia. Suas marcantes transformações na sociedade se

deveram principalmente ao surgimento do proletariado, uma grande migração

para os centros urbanos e um forte aumento da população.

Figura 22- Claude Monet. Descarregando Carvão.1875.

Após esta pequena descrição de nossas heranças culturais, partamos

agora para discutir um pouco sobre a cultura popular. De acordo com Hauser

(1998), no século XIX, o sentimento romântico faz que sua geração assuma

uma atitude crítica em relação ao seu contexto histórico e rejeite os padrões de

cultura tradicionais vigentes, apesar de ser um movimento essencialmente

burguês. Então, é neste clima que acontece a descoberta do “povo”, como nos

esclarece Peter Burke (2010, p. 26):

Foi no final do século XVIII e início do século XIX, quando

a cultura popular tradicional estava justamente

começando a desaparecer, que o “povo” (o folk) se

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converteu em tema de interesse para os intelectuais

europeus. Os artesãos e camponeses decerto ficaram

surpresos ao ver suas casas invadidas por homens e

mulheres com roupas e pronúncias de classe média, que

insistiam para que cantassem canções tradicionais ou

contassem velhas histórias.

A partir de então surge toda uma série de novos termos, principalmente

na Alemanha, como volkslied, para canção popular, volksmärchen e volkssage,

para tipos diferentes de conto popular e volkskunde para folclore. Houve ainda

por parte dos intelectuais a descoberta da religião popular, das festas

populares, como a festa de verão na noite de São João, o carnaval romano.

Assim diz Adam Czarnocki (Apud BURKE, 2010, p. 33):

temos que ir até os camponeses, visitá-los em suas

cabanas cobertas de palha, participar de suas festas,

trabalhos e divertimentos. Na fumaça que paira sobre

suas cabeças, ainda ecoam os antigos ritos, ainda se

ouvem as velhas canções.

Burke (2010) afirma que se identificam várias razões que despertaram o

interesse pelo povo. Essas razões teriam sido estéticas, como uma revolta

contra a “arte”, tomada como artificial; intelectuais, em reação contra o

iluminismo e o seu elitismo, seu abandono da tradição e, por fim, políticas, pois

as canções folclóricas podiam evocar um sentimento de solidariedade numa

população dispersa, privada de instituições nacionais tradicionais. Assim,

percebemos que a cultura popular foi um elemento de suma importância para a

consolidação de uma nação.

No seu artigo “Cultura Popular: revisitando um conceito historiográfico”,

Roger Chartier (1995), mesmo assumindo riscos, afirma que é possível reduzir

as definições de cultura popular em dois modelos de descrição e interpretação.

O primeiro modelo vê a cultura popular como um sistema simbólico e

autônomo, funcionando à parte da cultura erudita; já o segundo modelo,

notando a existência de relações de dominação da sociedade, percebe que a

cultura popular vive numa relação de dependência e carência da cultura

dominante.

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Então, para se compreender a cultura popular deve-se situar no espaço

de enfrentamentos das relações que unem as duas partes, de um lado os

mecanismos de dominação que qualificam a cultura dos dominados como

sendo inferior e ilegítima e, do outro lado, as lógicas específicas nos usos e

modos de apropriação do que é imposto.

Por fim, chegamos à concepção de cultura como tudo aquilo que é

produzido pelo homem, as subjetividades, o modus vivendi de uma sociedade.

Dessa forma Chartier (1995, p. 184) afirma que é

inútil querer identificar a cultura popular a partir da

distribuição supostamente específica de certos objetos ou

modelos culturais. O que importa, de fato, tanto quanto

sua repartição, sempre mais complexa do que parece, é

sua apropriação pelos grupos ou indivíduos. Não se pode

mais aceitar acriticamente uma sociologia da distribuição

que supõe implicitamente que à hierarquia das classes ou

grupos corresponde uma hierarquia paralela das

produções e dos hábitos culturais.

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4- CULTURA POPULAR BRASILEIRA:

De acordo com Marilena Chauí (2006), foi a partir do século XVIII que o

termo pátria passou a significar um território de um povo organizado como

Estado independente. E Ricardo Moreno de Melo (2005), nos diz que o Brasil

só começa a se preocupar com as questões nacionais no século XIX, quando

se procura entender a ideia do caráter e da identidade nacional. Para Marilena

Chauí (2006) o termo “nação” surge no cenário político por volta de 1830. A

autora também discute o que seria “caráter nacional”, nos dizendo que poderia

ser entendido como disposição natural de um povo e sua expressão cultural e

que é uma totalidade de traços coerente, fachada, sem lacunas, porque

constitui uma “natureza humana” determinada.

Identidade nacional é um discurso e, por isso, é constituída

dialogicamente. Então ela é concebida como harmonia/tensão entre o plano

individual e o social. Melo (2005) ainda salienta que muito se tem discutido

sobre esta questão no Brasil e que a discussão tem tomado diferentes

caminhos.

Darcy Ribeiro (1995) afirma que o ponto central da cultura brasileira é a

interpolação das três matrizes ou raças, a saber: inumeráveis povos indígenas,

que aqui já se encontravam; o branco português colonizador, impulsionado

pela corrida mercantilista e, por fim, o negro africano escravizado. Contudo, o

processo de integração não se deu de forma harmoniosa. Pelo contrário, foi um

processo violento de ordenação e repressão, num continuado genocídio e

etnocídio.

Melo (2005) nos diz que o princípio do século XX foi de grande atividade

intelectual e também um período de crescimento industrial que mudaria de

forma definitiva as relações sociais no país. No governo de Getúlio Vargas, nos

anos 1930, a cultura passou a ser vista como um importante elemento de

manipulação pelo estado, para se produzir um ideal de homem brasileiro. E foi

na música, no samba, por exemplo, que ocorreu esse controle do governo. O

país se encontrava em uma fase de seu desenvolvimento no qual havia um

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anseio de se estabelecer um imaginário que viesse atender às novas

expectativas do capitalismo. Porém, esse imaginário possuía uma dicotomia, já

que, se de um lado, no povo se encontrava a alma nacional, o espontâneo,

autêntico e puro, do outro lado esse mesmo povo era visto como inconsciente,

analfabeto, sem educação e necessitado da ação do estado no sentido de

educá-lo e instruí-lo. E, para realizar essa tarefa, o Estado Novo utilizou seus

intelectuais que atuariam no “resgate” das tradições populares.

Diante de um novo ciclo econômico e político na década de 1950, que

exigiu novas conceituações no que diz respeito ao nacional e ao popular, surge

o nacional-desenvolvimentismo como ideologia necessária para se estabelecer

o desenvolvimento industrial como solução para que passássemos a fazer

parte do grupo de nações desenvolvidas. Os pensadores que elaboraram

essas teses estavam alinhados em torno do Instituto Superior de Estudos

Brasileiros (ISEB).

Na década de 60, encontramos o Centro Popular de Cultura (CPC).

Para seus integrantes há uma diferenciação entre os constituintes da cultura

popular, pois, segundo eles, havia a arte popular alienada ou cultura popular

tradicional também denominada de folclore; a arte popular como resultado do

trabalho de profissionais para o público das grandes cidades e, por fim, a arte

popular revolucionária proposta por eles. Esta visão, assim como o governo

getulista na década de 30, tem a mesma percepção de incapacidade do povo.

Ainda de acordo com Melo (2005), o período pós-64 trouxe novos

questionamentos sobre o que é nacional, popular e identidade nacional. Ocorre

o surgimento de um mercado de bens simbólicos. Antes, já havia uma

circulação nacional de bens simbólicos, porém com uma pequena demanda e

com pouca significação na composição do imaginário popular. Ao mesmo

tempo, as grandes empresas de comunicação se fixam no país e terminam por

cooperar com o governo ditatorial.

Desde a formação do país, a elite brasileira, sempre com uma visão

eurocêntrica da vida, insistiu em não perceber o quão grande e diversificada é

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a cultura dentro do próprio país. Manu Gomes (2013) nos diz que, mesmo

depois de tanto tempo transcorrido, o Brasil ainda vive à procura de sua

Identidade cultural, pois somos a soma da cultura europeia dos portugueses,

com sua ideia de superioridade racial, da africana, vinda com escravos, e da

cultura indígena autóctone. Todo esse entrelaçamento de culturas faz o Brasil

ser o que é, tanto a imagem que se tem de fora como a que os brasileiros têm

de si próprios. Contudo, devido ao fato de ter havido tanto tempo de

colonização e agora estar em curso uma nova recolonização imperialista,

termina-se por acarretar uma desvalorização da cultura, na produção e na

economia nacionais

Ainda segundo Gomes (2013), o brasileiro, sempre teve como

referência a Europa. Até meados do século XIX, a moda francesa era a única

aceita nos salões da elite, mesmo contrariando questões climáticas, por

exemplo. No século XX, esse referencial se desloca para os Estados Unidos da

América, pois, com o crescimento da exportação do cinema, as atenções do

brasileiro se voltam para o “american way of life” que, a partir de então, passa a

influenciar o imaginário nacional, tornando os produtos americanos sonho de

consumo entre os brasileiros. Nem mesmo o advento da televisão, com suas

novelas, que em tese retratam a vida do brasileiro, conseguiu barrar essa

influência. Portanto, a indústria da cultura se desenvolve junto ao processo de

afirmação das classes e nações dominantes, sendo veiculada principalmente

nos meios de comunicação de massa. Assim é esclarecido por Santaella

(1995, p. 20):

o funcionamento social das ideologias da arte, por

exemplo, é canalizado para o sistema de ensino

chamado artístico-literário, com as divisões institucionais

e hierárquicas que comporta, com os mecanismos de

seleção antidemocrática que implica o acesso à cultura.

Nessa medida, não só os produtos artísticos tornam-se

acessíveis a poucos, mas também a leitura que deles se

faz já vem agriolhada aos inquestionáveis valores

estéticos através dos quais os dominantes perpetuam

sua opressão cultural sobre os dominados.

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Observe-se que nesta citação a autora considera que a cultura está

presa aos valores estéticos defendidos e mantidos pelas classes dominantes

tanto política como ideologicamente.

No Brasil, a arte, assim como toda a chamada alta cultura, várias vezes

é considerada como algo supérfluo. Adriana Rosely Magro (2013) afirma que

isto se fundamenta na visão de que o país tem outras prioridades como a

alimentação e a saúde. Portanto, as necessidades básicas estão em primazia

quando comparadas às artes. Também não podemos deixar de reparar que

sua produção e consumo demandam grandes recursos financeiros, além do

restrito acesso aos espaços de exposições. Num contexto histórico, uma parte

da produção artística é apropriada pela classe dominante tanto econômica

como ideologicamente. Mas Chartier (1990, p. 17) deixa claro que as

percepções do social não são discursos neutros, produzem estratégias e

práticas que tendem a impor sua autoridade em detrimento do outro por ele

desprezado, a fim de legitimar e justificar suas escolhas e condutas. Assim

justifica:

esta investigação sobre as representações supõe-nas

como estando sempre colocadas num campo de

concorrências e de competições cujos desafios enunciam

em termos de poder e dominação. [...] Ocupar-se dos

conflitos de classificações ou de determinações não é

portanto, afastar-se do social – como julgou durante

muito tempo uma história de vistas demasiado curtas -,

muito pelo contrário, consiste em localizar os pontos de

afrontamento tanto mais decisivos quanto menos

imediatamente materiais.

Portanto, não se pode conceber a arte nem a história da arte como uma

série de atos desconexos e vinculados exclusivamente à sociedade a qual

pertencem. Da mesma maneira que não existe arte que possa ser explicada

unicamente através de uma lógica interna e imanente, à margem das

mudanças histórico-sociais.

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5- O INGÊNUO POTIGUAR

O pavão grita de galo/ o cravo briga com a rosa, no altar

da ervilha de cheiro/ sobe incenso de mimosa. Amor é

brinco dourado que sonha dependurado. Um raminho pra

direita, outro igual vai pra esquerda, uma invasão de

cajus/ roçando um lago de seda. Amor é baú forrado/ de

pranto cristalizado. Quanto sertão de mortalha, quanta

nuvem de poeira, e ela só vendo o desenho das flores de

trepadeira. Amor és sobrevivência sobre a morte da

cegueira.

Walmir Ayala

Assim como em o todo o Brasil, a cultura do Rio Grande do Norte

também é o resultado de uma combinação das culturas dos povos que nos

formaram enquanto nação, mais especificamente os galegos, judeus (cristão

novos) portugueses, tupis, africanos que se espalharam pelos vales de rios, no

Sertão, onde surgiu a cultura criatória e do plantio do algodão e, no litoral, a

cultura da cana-de-açúcar.

E esta diversidade cultural está presente no cotidiano do povo, indo de

procissões a vaquejadas, passando pelo forró, quadrilhas juninas e o Bumba-

meu-boi. Os repentistas, cordelistas, emboladores e os grupos de dança

recontam a nossa história. Ademais, a cultura do Rio Grande do Norte é

marcada pelas festividades tradicionais, principalmente pelas comemorações

religiosas, assinalada pela miscigenação com elementos judaicos e indígenas,

como a Festa de Santos Reis, de Santana, e pelas festas juninas em que

ocorrem animados festejos, quando as cidades ficam tomadas por fogueiras e

arraiais.

Dentro deste contexto, a pintura naïf possui uma representatividade

significativa, no panorama das artes no Rio Grande do Norte. A primeira pintora

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ingênua de quem se tem notícia documental é Maria do Santíssimo (1890-

1974) que, segundo Iaperi Araújo (1978, p. 33), incialmente utilizando papel

pautado e anilina, preparava aguadas que serviriam como forro de baús e

oratórios. Depois, passa a trabalhar com cartolina e pincéis confeccionados

com palitos de coqueiro, pintando galos coloridos, espirradeiras, cravinas,

folhas de agrião, graúnas, patativas, pavões e outras coisas do sertão e teve

seu trabalho reconhecido no país, assim como internacionalmente. Outra

pintora que surge também em meados dos anos 1960, é Maria Gomes da Silva

(1929-?), conhecida como Dona Maria dos Cabelos Compridos que, ainda de

acordo com Iaperi Araújo (1978, p. 33), parte do desenho dos figurinos da

lapinha do bairro do Areal, para daí compor suas telas e também Maria Ferreira

(1911). A partir dessas duas primeiras artistas de quem se tem registro, surgem

vários nomes, alguns deles de renome nacional e internacional como Iaponi

Araújo, Gilvan Bezerril, Diniz Grilo, dentre tantos outros que citaremos em

seguida.

Figura 23 - Maria do Santíssimo. Pavão. s.d. Anilina s/ papel. 48 x 66 cm.

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Figura 24- Maria dos Cabelos Compridos. O Circo. S.d.

Figura 25- Iaponi Araújo. Salve o Menino Deus, Viva o Ano Novo. 1965. Óleo sobre

Tela.80 x 70 cm.

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Figura 26- Gilvan Bezerril. Domingo no Parque. 1989. Óleo sobre tela. 30x30 cm.

Figura 27- Diniz Grilo. Boi Lombrado. s.d. Óleo sobre tela.

Do universo de pintores naïfs encontrados no Rio Grande do Norte,

como já citamos, selecionamos nove para entrevistarmos. Realizando a análise

das entrevistas com estes artistas, que se encontram nos anexos, sob a luz

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dos conceitos de Roger Chartier, podemos encontrar alguns vestígios de

apropriações, exclusões e representações apreendidas pelos mesmos.

Vejamos. Quando indagados sobre o que seria Arte Naïf, a maioria dos

entrevistados respondeu que é uma arte ingênua, primitiva, autêntica, que vem

do interior do indivíduo, que não tem muita técnica, como no caso de Djalma

Paixão, que resume seu conceito apenas na palavra “ingênua”. Jotó, por

exemplo, que ao ser indagado sobre o que é arte naïf, responde que, mesmo

se sabendo naif, não tem uma definição pronta; diz que naïf se é, já se nasce.

Nivaldo remete à história da arte, uma vez que se refere a Rousseau,

tanto para responder ao questionamento sobre sua formação artística, como

também para definir o que seria arte naïf. Vatenor e Iaperi Araújo também se

referem a Rousseau em alguns momentos de sua entrevista. Já Newton

Avelino faz referência a Picasso, Tarsila do Amaral, Portinari e Romero Brito.

Tudo isso nos deixa ver que estes artistas tiveram, de alguma forma, contato

com informações contidas na literatura da história da arte e se apropriam deste

discurso para se definirem e definir sua poética. Algo que não se percebe em

Jotó, nem tão pouco em Divaldo e Ivanise.

Na entrevista com Vatenor, percebemos como é significativa a imagem

do cajueiro, registrada em seu imaginário desde sua infância vivida entre a

Redinha e Genipabú, o que mostra a relação entre o homem e a natureza e a

influência que o meio ambiente exerce sobre a pessoa, ao ponto do artista

representar em suas telas apenas os cajueiros e seus frutos.

Interessante notar nas entrevistas de Nivaldo (apud MEDEIROS, 2014,

p.119) e Ivanise (apud MEDEIROS, 2014, p. 116), que ambos fazem o mesmo

discurso sobre o ser naïf: “sou meu próprio professor e aluno”. Talvez pelo fato

de serem casados e conviverem com a arte em tempo integral, terminaram por

criar um discurso particular do casal.

Nesta pequena afirmação do casal, assim como as respostas dos

demais artistas, ao serem indagados sobre sua formação artística, todos

respondem enfaticamente que não possuíram qualquer tipo de formação, o que

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nos leva ao autodidatismo, algo tão característico dos pintores naïfs, talvez até

uma condição para se ser naïf. E já que o autodidata é uma pessoa

essencialmente curiosa, que aprende de forma autônoma, com uma atitude

confiante de encarar o novo por si própria. Possui a habilidade de encarar os

desafios e construir seus caminhos. Assim, o pintor naïf cria formas únicas e

peculiares sem referências às imposições das convenções artísticas

acadêmicas, como diz Howard Becker (1977, p. 20), “porque nunca adquiriram

nem internalizaram os hábitos de visão e de pensamento que os artistas

necessariamente adquirem no decorrer de sua formação”.

Notadamente, o artista Djalma Paixão se apropria de forma explicita do

que viu e apreendeu em sua vivência com os grupos folclóricos com os quais

conviveu durante quinze anos, enquanto trabalhava no Circo da Cultura (fig. 28

e 29). No momento em que ele responde sobre sua trajetória artística diz que

tudo o que viu ficou gravado em sua cabeça e que hoje representa todos esses

elementos em suas obras, mostrando um bom nível de conhecimento das

danças, autos e folguedos típicos do Rio Grande do Norte.

Os demais artistas afirmam que retratam aquilo que viram e com que

conviveram em suas infâncias, em seu meio, sua cidade o que corresponde ao

que diz Chartier (1990, p. 51):

“Do mesmo modo que as modalidades das práticas, dos

gostos e das opiniões são mais distintivas do que essas

obras, as maneiras como um indivíduo ou um grupo se

apropria de um motivo intelectual ou de uma forma

cultural são mais importantes do que a distribuição

estatística desse motivo ou dessa forma.”

Falando da história das mentalidades, Chartier deixa claro que o que

compõe a mentalidade ou a ideias de um indivíduo é aquilo que ele possui em

comum com os outros de seu tempo e que é do cotidiano do indivíduo que se

revela o conteúdo impessoal do seu pensamento.

Dois dos artistas entrevistados, Edvaldo da Quinze e Newton Avelino,

embora tenham uma poética muito condizente com a arte naïf, não se

reconhecem como tal, mesmo já tendo participado de exposições coletivas

desta vertente. Isto seria uma questão para se pensar: existe neles próprios

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uma rejeição ao naïf? Já que Newton Avelino afirma que os pintores naifs não

possuem técnica, não estaria ele negando-se a assumir uma posição para não

ir de encontro ao que é considerado arte acadêmica?

Contudo, os artistas aqui analisados fazem um recorte para o popular,

nos seus discursos e obras, até mesmo Iaperi Araújo que, sendo um homem

considerado culto, professor universitário, médico e escritor, não se exime de

representar aquilo que vem do povo, da cultura da região, do que é próprio do

lugar. Ele afirma que permanece fiel às coisas do povo, que quando pinta seus

santos na verdade está pintando a fantasia do povo e que não se arrepende

desta fidelidade.

Uma outra questão que fica bastante clara nas entrevistas é de que os

trabalhos são bem aceitos no mercado de Arte. Todos os entrevistados

afirmam, com exceção de Nivaldo Rocha, que não respondeu esta pergunta,

que a repercussão de suas obras é muito boa, que têm trabalhos espalhados

pelo país, como também no exterior. O que levanta o questionamento: esta

aceitação advém do fato de suas obras serem genuinamente naïf, ou por

estarem vinculadas à cultura e à arte popular?

Analisando as obras dos artistas entrevistados, agora sob os conceitos

de análise iconográfica de Erwin Panofsky, vemos que, do ponto de vista de

análise primária, as obras apresentam um uso abundante de cores, sobretudo

as cores primárias, numa profusão de matizes.

Não existe um padrão, não há uma observância aos cânones já

anteriormente apresentados, nem preocupação com as proporções dos

volumes, enfim não existe o cuidado com a representação fidedigna da

realidade.

Nas obras de Vatenor, Djalma Paixão, Jotó, Newton Avelino e Iaperi

Araújo, aparece a linha de contorno das figuras, delimitando-as, fazendo a

distinção entre uma forma e outra, levando o olho a percorrer todo o objeto.

Quando há personagens, geralmente se encontram de pé, dançando,

observando ou participando de algum acontecimento que ocorre a sua volta

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(show, danças, bandas passando, folguedos populares, jogos). Nos quadros de

Newton Avelino (fig. 44 e 45), os personagens aparecem juntos, com roupas

bastante coloridas e estampadas. Estes personagens têm pescoços alongados

e suas mãos são representadas como uma ponta em forma de cunha.

Nas obras de Djalma Paixão (fig. 28 e 29), as figuras humanas possuem

olhos grandes, sendo delimitados por duas linhas paralelas, bocas com lábios

inferiores maiores que os superiores e ligeiramente retangulares. Em todos os

quadros em que aparecem as figuras femininas, elas estão sempre vestidas

com saias e blusas ou vestidos, talvez sendo isto um artifício dos artistas para

fazer a distinção entre os gêneros masculino e feminino. No caso de Ivanise

(fig. 34 e 35), suas mulheres frequentemente apresentam roupas com

estampas.

Encontramos também a representação de casas justapostas, com vista

frontal, sem presença dos elementos da perspectiva como linhas e ponto de

fuga. Implantadas rente à calçada, sem recuo, onde se pode evidenciar, na

maioria dos casos, a presença de apenas uma porta e janela, havendo uma

referência ao beiral dos telhados, como podemos ver telas de Jotó (fig. 40 e

41), apenas com exceção do quadro de Edvaldo da 15 (figura 31), no qual

vemos o telhado da igreja.

Esta forma de representação de casinhas com uma porta e janela

denota uma clara referência às cidades do interior ou aos bairros de periferia,

que ainda guardam características da construção colonial, na qual as casas

eram edificadas em fileiras, agrupamentos, lado a lado, semelhantes nos

tamanhos e no ritmo das janelas e portas, também não havia jardins

fronteiriços ou laterais.

Nas obras de Vatenor (fig. 32 e 33) não aparecem figuras humanas ou

animais; mostram apenas cajueiros em diversos ângulos.

Nas obras de Jotó (fig. 40 e 41), Ivanise (fig. 35), Divaldo (fig. 37) 3

Nivaldo (fig. 39) vemos animais representados, tais como peixes, pássaros e

gado.

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Já nas obras de Iaperi Araújo, percebe-se uma forte imagética religiosa,

com a reprodução de imagens de santos e/ou cenas de devoção (fig. 42 e 43).

Já os demais trabalham o tema da religião de uma forma mais indireta, pois

apresentam o lado profano desta religiosidade, como os folguedos

representados por Djalma Paixão (fig. 28 e 29).

No segundo nível de análise, as obras dos artistas entrevistados trazem

como tema geral a vida do homem comum do Rio Grande do Norte. Sua

cultura, seu cotidiano, devoção, seu lugar, já que vemos cenas de

manifestações da cultura popular como o Bumba-meu-boi (fig. 28). O folguedo

segundo o site bumba-meu-boi.info(2014), o grande auto, denominação dada

por Deífilo Gurgel (1990), é uma das danças folclóricas mais tradicionais do

Brasil. Nela, misturam-se danças, músicas, teatro e circo. Acredita-se que o

festejo tem origem no Nordeste, no século XVII, durante o Ciclo do Gado,

iniciado em decorrência dos numerosos conflitos entre cultivadores de cana de

açúcar e criadores de gado, que ocupavam as áreas dos canaviais o que

terminou por forçar o governo colonial a estabelecer uma divisão territorial de

ocupação para as atividades, sendo a Zona da Mata para o plantio da cana-de-

açúcar e o Sertão reservado à pecuária. A Carta Régia de 1701 proibiu a

criação de gado a menos de 10 léguas da costa. Desta maneira, as partes em

conflito passaram à coexistência pacífica. Assim, a pecuária se desenvolveu e

impulsionou o povoamento do sertão nordestino, mediante a instalação de

currais de gado. Como nos esclarece Conceição Guilherme (2012, p. 10):

Como se fosse um efeito colateral, quanto mais a

atividade açucareira se agigantava, mais a pecuária ia

sendo empurrada para os sertões, de tal sorte que a

ocupação do que chamamos de sertão nordestino

obedeceu a duas vias de penetração: uma que se

concentrava nos Sertões de Dentro, saindo da Bahia e

seguindo todo o curso do Rio São Francisco em direção

ao sul e, portanto, as vias de ocupação mais distantes da

faixa litorânea; a outra, concentrava-se nos Sertões de

Fora, saindo de Pernambuco e da Paraíba, seguindo em

direção ao Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí,

sobretudo margeando o curso de rios importantes, como

os rios Jaguaribe e o Piranhas-Assu, aproximando-se,

assim, do litoral norte do Nordeste. A maior parte do

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sertão norte-rio-grandense foi ocupada pelas levas de

gente e rebanhos que percorriam esta última via de

acesso.

Pois à medida que os colonizadores portugueses, que faziam uso de

mão de obra escrava, avançavam do litoral de Pernambuco e da Paraíba em

direção ao interior, tomando as terras dos índios, nelas construíam currais de

gado. A lenda na qual se baseia o Bumba-meu-boi reflete bem essa

organização social e econômica.

Outra representação da cultura popular que encontramos nas obras dos

artistas entrevistados é o Auto do Pastoril (fig. 29), que, de acordo com Deífilo

Gurgel (2012), desde muito tempo, essa brincadeira é uma recriação dos autos

de Natal, representados nas igrejas, nos quais se assistiam a cenas, falas,

cantos e danças que envolviam o nascimento de Jesus, oriundos da península

Ibérica, para cá trazidos por famílias portuguesas vindas de Pernambuco

e encontrou no Rio Grande do Norte uma forte aceitação, que até os dias de

hoje representa uma tradição que tem autenticidade ímpar.

Um outro elemento que se percebe nas obras dos artistas entrevistados,

é o cajueiro e seu fruto, sendo tema recorrente do artista Vatenor (fig. 32 e 33)

e aparece em obras de outros autores, como Nivaldo e Ivanise. Contudo nas

telas de Vatenor na maioria das vezes tem-se como plano de fundo o mar ou

as dunas, o que sugere sua vivência no litoral. A constante representação do

cajueiro denota a importância desta árvore no cotidiano do povo do Estado,

planta de origem nordestina, disseminada em todo o Estado e particularmente

no litoral. Possui um fruto (castanha) de grande importância econômica,

destacando-se como produto de exportação, como também seu pseudo fruto

(caju) do qual se fazem suco, licores e doces em pasta, em calda, cristalizado,

tradicionais na culinária local.

A religiosidade também se faz presente nas obras dos naïfs que

apresentamos, pois seja indiretamente nas festas populares, como o Pastoril

de Djalma Paixão (fig. 29), o São João de Divaldo (fig. 36); ou diretamente,

com a representação de santos ou de ações de devoção, o que podemos ver

nas obras de Iaperi Araújo, em seu São Sebastião Sertanejo (fig. 42), onde o

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autor substitui o tronco tradicional da iconografia do referido santo por um

cardeiro ou mandacaru, planta típica do sertão nordestino; e também em Ex-

voto de Doença (fig. 43). Este fato se deve à forte influência da religião Católica

no Rio Grande do Norte, o que, assim como no restante do Brasil, advém de

nossa colonização portuguesa e consequente presença de membros da Igreja

desde os primórdios de nossa história. Assim, a presença da religiosidade na

vida do povo é praticamente uma rotina, fazendo parte dos costumes do

brasileiro. As imagens sacras fazem parte do cotidiano, já que os santos são

protetores de casas e famílias, sendo considerados mais do que simples

objetos, transpondo a barreira entre o material e o espiritual.

Com estas análises encerramos nosso trabalho, na certeza de que muito

ainda há para se pesquisar sobre a arte naïf no Rio Grande do Norte.

Figura 28- Djalma Paixão. Bumba meu boi. 2013 Acrílico sobre Eucatex.

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Figura 29- Djalma Paixão. Pastoril. 2013. Acrílico sobre Eucatex.

Figura 30- Edvaldo da Quinze. s. d. Acrílico sobre tela.

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Figura 31- Edvaldo da Quinze. 2012. Acrílico sobre tela.

Figura 32- Vatenor. Sem Título. s.d. Acrílico sobre tela.

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Figura 33- Vatenor. Sem Título. s.d. Acrílico sobre tela.

Figura 34- Ivanise. Baile dos Marinheiros. 2005. Acrílico sobre tela. 60 x 80 cm.

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Figura 35- Ivanise. Sem título. 2005. Acrílico sobre tela.

Figura 36- Divaldo. Sem título. 2009. Acrílico sobre tela.

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Figura 37- Divaldo. Sem título. 2013. Acrílico sobre tela.

Figura 38- Nivaldo Rocha. Banda de Música. 2013. Acrílico sobre tela.

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Figura 39- Nivaldo Rocha. Sem título. 2013. Acrílico sobre tela.

Figura 40- Jotó. Sem título. s.d. Acrílico sobre tela.

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Figura 41- Jotó. Sem título. s.d. Acrílico sobre tela.

Figura 42- Iaperi Araújo. São Sebastião Sertanejo. S.d. Acrílico sobre tela.

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Figura 43- Iaperi Araújo. Ex-Voto de Doença.1981.óleo sobre Eucatex. 39x30 cm.

Figura 44- Newton Avelino. Teatro de Bonecos. S.d. Acrílico sobre tela.

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Figura 45- Newton Avelino. Sem título. s.d. Acrílico sobre tela.

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OUTROS INGÊNUOS POTIGUARES

Figura 46 – Fé Córdula. Noivos. Óleo sobre Tela. 30 x 40 cm.

Figura 47 - Arruda Sales. Pavão I. 1973. Óleo sobre tela, 81 x 65 cm.

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Figura 48 - Carlos José. Sem título. s.d. Óleo sobre tela.

Figura 49- Cacau Arcoverde. s.d. Acrílico sobre tela.

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Figura 50- Cacau Arcoverde. Sem título s.d. Acrílico sobre tela.

Figura 51- Carlos Sérgio. Sem título. S.d. Acrílico sobre tela.

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Figura 52- Carlos Sérgio. Sem título. S.d. Acrílico sobre tela

Figura 53- Graziela Fonseca. Amor. 2005. Óleo sobre tela. 52x62 cm.

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Figura 54- Lourdinete. Os Marinheiros. 2002. Óleo sobre tela. 50x60cm.

Figura 55- Levi. N. S. da Conceição. 2011.

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Figura 56- Tiago Vicente. Sem título. s.d.

Figura 57- Ivo Maia. Sem título. s.d.

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Figura 58- Ivo Maia. Borboleta sobre Girassóis. 2008.

Figura 59- Ricardo Veriano. Paixão de Cristo. 2008. Painel.

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Figura 60- Wagner Oliveira. Sem título. 2013.

Figura 61- Francisco Iran. O Circo. S.d. Óleo sobre tela.

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Figura 62- Edilson Araújo. A Fazenda. 2009. Acrílico sobre tela. 50x70cm.

Figura 63- José Estelo. Chafariz da Misericórdia. 1984 Óleo sobre tela, 50 x 61 cm.

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Figura 64- Fefeu. Ponta Negra. 2012.

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6- CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tão só, tão longe, tão verde, tão amarelo,

tão puro, tão ingênuo.

O que diria o acadêmico? Onde estão as

regras e as proporções? O que fazer sem

estas soluções?

Tão nosso, tão perto, tão brilhante, tão

colorido, tão eu, tão você, tão potiguar, tão

ingênuo.

Simone Medeiros

Concluindo este trabalho podemos dizer que encontramos pintores naïfs

nas várias regiões de nosso Estado: do Litoral ao Sertão, eles estão presentes

por todo o Rio Grande do Norte, embora pouco se saiba sobre esta expressão

artística e poucos saibam de sua existência. Muito provavelmente pelo fato de

que o Rio Grande do Norte não possui uma tradição no estudo da História da

Arte local, sendo muito limitado o conhecimento tanto dentro como fora da

academia, sendo até um tanto cansativo, ter que definir o que seria Arte Naïf,

para se explicar o objeto de estudo desta pesquisa. O nosso Estado sempre

esteve às margens dos centros de pesquisa e divulgação no campo das Artes

Visuais.

Não existe por aqui uma escola de Belas Artes, possuindo apenas

escolas de pintura, criadas por artistas. É provável que esse seja o fato gerador

de tamanha lista de pintores naïfs, já que, uma vez que não há um centro de

propagação das tidas Artes Clássicas, os que por aqui estão desenvolvem sua

poética própria através do autodidatismo. Como nos diz Howard Becker (1977,

p. 18),

por serem incapazes de explicar o que fazem em

termos convencionais, e porque ninguém além

deles próprios, sabe fazer o que seria necessário

para ajuda-los ou com eles cooperar e não existe

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uma linguagem em que isso possa ser explicado,

o trabalho dos artistas ingênuos é tipicamente

solitário.

Com razão, Becker (1977, p. 25) afirma que “a arte espelha a sociedade

mais ampla na qual está inserido”. Isto só vem corroborar nossa afirmação

acima, já que privados de acesso à escola clássica, esses artistas muito

sabiamente souberam encontrar uma saída para a necessidade de cumprir sua

função como artista. Apesar disto, os artistas têm uma produção extensa, que

encontra uma boa receptividade no mercado de arte. Quanto ao

questionamento: esta aceitação advém do fato de suas obras serem

genuinamente naïf, ou por estarem vinculadas à cultura e à arte popular? Esta

questão deverá ser aprofundada em uma próxima pesquisa.

Suas obras, analisadas sob os conceitos de Erwin Panofsky, como não

poderia deixar de ser, representam o mundo no qual estão ou estiveram

inseridos, seu meio, suas vivências e com sua simplicidade nos levam ao

âmago da cultura popular, na sua riqueza, nas tradições que muitas vezes

esquecemos que nos compõem.

A análise de suas entrevistas confirma a tese de Roger Chartier,

mostrando que os indivíduos, mesmo que de maneira não intencional, se

apropriam dos discursos de seu grupo, sua comunidade, para explicar suas

representações, sua maneira de ver o mundo.

Assim, cumprindo o objetivo primeiro desta pesquisa, apresento alguns

dos artistas que por aqui andam colorindo suas telas, tornando visível uma

parte de suas vidas e da nossa rica cultura. Considerando o conteúdo das

entrevistas conseguimos responder todos os questionamentos que nos

propomos no início desta pesquisa, pois, atendendo ao nosso pedido, os

artistas nos revelam onde eles estão, de onde vieram, quais as características

particulares de suas poéticas, as impressões sobre seu trabalho e qual a

repercussão local e externa dos mesmos.

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E, por fim, deixamos como legado e fruto deste trabalho, aos demais

pesquisadores e principalmente aos professores de Arte Visuais, material para

tornar conhecida uma expressão tão forte no Rio Grande do Norte e da qual a

grande maioria dos alunos e da população aqui residentes jamais ouviram

falar. Pois, saibam, o Potiguar é Ingênuo!

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ROCHA, Nivaldo. Entrevista concedida a autora em 25/07/2013.

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ANEXO

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ARTISTAS NAÏFS LEVANTADOS NESTE TRABALHO

OBS: Os artistas cujos nomes estão grifados foram entrevistados

Alcione Brandão;

Allan;

Arruda Sales

B. Romeu;

Cacau Arcoverde;

Carlos José;

Carlos Sérgio;

Cevy;

Dadi;

Daniel Macedo;

Débora;

Divaldo Rocha;

Djalma Paixão;

Edilson Araújo;

Edílson Braatz;

Edvaldo da 15;

Enoch Domingos;

Etelânio;

Fábio Eduardo;

Fé Córdula;

Francisco Iran;

Fefeu;

Graziela Fonseca;

Helmut;

Iaperi Araújo;

Isaias;

Ivanise;

Ivo Maia;

Jordão;

José Alves;

José Estelo;

Jotó;

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Kleyton Rolemberg;

Lavoisier;

Levi;

Lourdinete;

Newton Avelino;

Nilson,

Nivaldo Rocha;

R.X.A. (Raimunda Xavier de

Almeida);

Ricardo Veriano;

Roberto Medeiros;

Romeu (Reginaldo do Nascimento);

Sonia Jácome;

Tiago Vicente;

Tony;

Vatenor;

WagnerOliveira

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APÊNDICES

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PERGUNTAS PARA OS ARTISTAS ENTREVISTADOS

1- QUEM É (nome do artista) –

2- COMO FOI SUA TRAJETÓRIA COMO ARTISTA?

3- APRENDIZAGEM/FORMAÇÃO ARTÍSTICA. PROFESSORES?

CURSOS? TRABALHO COLETIVO?

4- O QUE VOCÊ CONSIDERA COMO CARACTERÍSTICA PARTICULAR

DO SEU TRABALHO? QUE MATERIAIS USA?

5- ALGUM OUTRO ARTISTA INFLUÊNCIOU NA SUA PRÁTICA

ARTÍSTICA?

6- DE ONDE VÊM OS TEMAS PARA SUAS OBRAS?

7- QUAIS FORAM AS PRINCIPAIS EXPOSIÇÕES, ONDE E QUANDO?

8- EXISTE/ EXISTIU ALGUMA REJEIÇÃO DE SUAS OBRAS PELO FATO

DE SEREM NAÏF?

9- QUAL SUA PERCEPÇÃO SOBRE A REPERCUSSÃO DE SUAS

OBRAS NO RIO GRANDE DO NORTE E FORA DELE? (NO PAIS?)

10- O QUE VOCÊ ENTENDE POR ARTE NAÏF?

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ENTREVISTA COM IAPERI ARAÚJO

11- QUEM É –

12- COMO FOI SUA TRAJETÓRIA COMO ARTISTA?

RESPOSTA PARA AS PERGUNTAS 1 e 2

Nasci no interior do Rio Grande do Norte, numa cidade chamada São

Vicente, no dia 21 de junho de 1946. São Vicente é uma cidade entre

Currais Novos e Florânia, e ela tinha uma característica, como toda cidade

seridoense, muito família. As famílias dali, principalmente partindo de Acari,

elas ocuparam todos os espaços do Seridó e mantendo uma tradição muito

grande, era um povo muito culto, no século XIX. Quando não tinha onde

cursar ou tinha curso de nível superior em Recife, só Recife que tinha aqui

no Nordeste, então mandavam os filhos para estudar na Europa e eram

pessoas muito cultas. Uma vez, eu li numa matéria que Marechal Rondon

passou pelo Rio Grande do Norte, no começo do século XX, em busca do

Norte, para pacificar os índios, e ele disse que chegou na cidade muito

tarde da noite. Ele olhou, viu uma luz acesa, quando percebeu era a

biblioteca e a cidade chamava-se Caicó. Ele disse: “aqui deve ter gente

inteligente, já que a única luz acesa na cidade era a biblioteca”. Pois bem,

essa região tem uma cultura popular muito forte, uma tradição muito forte,

as tradições de origem portuguesa, como por exemplo, quando for dormir,

lavar os pés ou tomar banho numa bacia. E certas coisas com o respeito

aos mortos. São muitas tradições ibéricas, também de origem marrana

(judaica) e com artistas populares fortes, a lúdica, os caxixis, que são os

brinquedos de barro, a cerâmica, originada dos índios tapuias que

habitavam a região do Seridó. E ali eu comecei o primário. Minha mãe foi

minha primeira professora e depois nós fomos para Currais Novos, onde fiz

até a quarta série do primário, porque papai era do sertão e mamãe era

natalense, formada em Pedagogia, Escola Normal, e foi pra lá com 20 anos

de idade, sem conhecer ninguém, numa cidade completamente estranha,

sozinha, numa viagem que durava 24 horas. Morava na pensão, conheceu

meu pai e casou. Então, mamãe tinha uma visão mais ampla do universo.

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Ai é que eu defendo a cultura como fator de modificar a vida das pessoas.

Então mamãe toda vida que esgotava o ensino na localidade que ela

morava, esgotou o primário, ela mudou-se para Currais Novos onde tinha

ginásio. Esgotou o ginásio dos filhos, não havia escola superior, ela veio

embora para Natal, arrastando papai, contra a vontade, porque todo

seridoense sai do Seridó, mas o Seridó não sai de dentro dele. Nós viemos

para Natal. Iaponi, que era um dos mais velho, sempre gostava de

desenhar, de pintar, ele estudava no Marista, quando tinha uma festividade

chamavam Iaponi para pintar, fazer letreiros. Iaponi começou a pintar, não

sei por quê, usando tela, tinta óleo. Papai, que só tinha o primário, mas

tinha uma visão muito grande, primeiro ensinou a gente o respeito ao

artista popular. Então, no interior, quando todo mundo via um cego tocando

na porta do mercado com uma cuia de queijo do reino, os outros meninos

caçoavam, a gente passava e dava bom dia, e todos gostavam da gente.

Os ciganos quando chegavam lá a gente respeitava, eles também

respeitavam muito a gente. A gente não caçoava das figuras populares da

cidade: os loucos, os bêbados. Pois bem, papai descobriu Luzia Dantas,

que morava num sítio lá em São Vicente, e comprava até pra ajudar e a

gente colecionava as coisas dela, os santinhos. Depois, Iaponi começou a

se interessar por arte sacra. Como Natal não tinha nenhum atrativo cultural

para os habitantes, nem biblioteca pública tinha, então todo mundo que

vinha aqui em Natal, intelectuais, escritores, como Veríssimo de Melo, ai lá

em casa para ver exemplos da arte popular do Rio Grande do Norte, e

numa dessas viagens o professor Carlos Cavalcante, que era um crítico de

arte, que escreveu um livro chamado Dicionário dos Artistas Plásticos

Brasileiros, foi lá em casa e viu os trabalhos de Iaponi e deu uma

orientação como Mário de Andrade fez com Cascudo, que disse Cascudo,

não adianta você fazer crítica literária, até porque você não está na

vivência do mundo literário, até porque a capital da República era o Rio de

Janeiro, procure falar das coisas daqui, você vive aqui, ninguém conhece

coisas, a não ser você. Então o professor Carlos Cavalcante orientou

Iaponi no que ele deveria pesquisar. Ele já trabalhava na prefeitura, no

Departamento de Divulgação e Cultura da Prefeitura, com Mailde Pinto,

Paulo de Tarso. Conheceu Chico Santeiro, Chico Menininho, que eram dois

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artistas populares que a prefeitura dava muito apoio fora os grupos

folclóricos; Joaquim Caldas Moreira, que tinha um pastoril aqui em Natal e

ia muito lá em casa que era quem fazia essas praças de cultura e aqueles

circos natalinos e juninos que Djalma Maranhão promovia. Então Carlos

Cavalcanti disse: “porque você não pinta sobre o artistas de sua terra?”.

Ele começou a pintar e eu vendo ele pintar, claro que comecei a riscar,

desenhar e pintar. Tive uma influência de início muito grande de Poti

Lazaroto, que é um gaúcho, que ilustrou muitos livros de Jorge Amado, e,

apesar de ser gaúcho, tinha um desenho muito nordestino, parecido com

xilogravura de Cordel. Iaponi foi pro Rio e lá ele desenvolveu essa temática

da cultura popular, também com Iaponi, Mancha, que faleceu o ano

passado, começou a esculpir e a gente começou a orientar. Iaponi

comprou material e deu para ele. Comprava madeira e orientava o que ele

devia fazer e assim surgimos nós, depois Irani, depois Iramar. E todo

mundo muito inspirado na raiz da cultura popular, da onde a gente veio, do

sertão do Seridó, onde a herança cultural é muito forte, o povo valoriza

muito isso, valoriza as rezas, as orações, religiosidade, os sonhos,

fabulário, as estórias de trancoso, tudo isso conviveu na formação da

nossa personalidade.

13- APRENDIZAGEM/FORMAÇÃO ARTÍSTICA. PROFESSORES?

CURSOS? TRABALHO COLETIVO?

Não, nós somos, eu sou um pintor naïf autêntico, apesar de ser falso

porque o pintor naïf ele é, ele nasce sem escola, e sou verdadeiro porque

não tive escola, eu sou um falso porque eu conheço museus o Louvre, o

Metropolitan de Nova York, conheço quase tudo do Brasil, conheço obras

de arte, tenho muitos livros de arte, mas ao mesmo tempo eu sou autêntico

porque eu não deixei de beber da fonte da cultura popular, continuo

utilizando. Eu digo que me aproprio da inteligência do povo porque eu uso

a imagem dele, o que ele pensa. Uso a cor, aquela imagem batida

frontalizada, mas é uma apropriação que Deus há de me perdoar.

4-O QUE VOCÊ CONSIDERA COMO CARACTERÍSTICA PARTICULAR

DO SEU TRABALHO? QUE MATERIAIS USA?

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A característica particular é essa fidelidade às coisas do povo, eu continuo

fiel às coisas do povo. Eu já pintei aqueles trabalhos maneiristas que são

muito mais exercícios do próprio naïf, exercícios poéticos como Rousseau

pintou e outros pintores fazem esse exercício poético, não faz a realidade.

Dificilmente eu pinto o que não é do povo, quer dizer a gente nota que tem

certos naifs que mantêm aquilo ali, mas de vez em quando tem umas

fantasias que não são do povo. Quando eu pinto santos, eu estou pintando

a fantasia, mas é do povo, o santo popular é do povo, os milagres é do

povo. Eu vi uma mistura do surrealismo com naif, Iramar, meu irmão, ele

fazia isso, fazia aquele surrealismo naif, uns pássaros fantasiosos, que era

uma tentativa do intelectual invadir a cultura popular e eu sempre fui fiel a

isso, a cor, e não me arrependo.

5- ALGUM OUTRO ARTISTA INFLUÊNCIOU NA SUA PRÁTICA

ARTÍSTICA?

Talvez Iaponi, mas meu trabalho é muito diferente do dele. O trabalho de

Iaponi é muito mais elaborado. Toinho Marques dizia muito assim, que eu

tenho que ter mais cuidado. Às vezes, um traço que está torto, mas meu

trabalho é assim. Outros são exageradamente perfeccionistas, muito

limpos, mas o meu trabalho é esse, eu não vou refazer, as vezes a pessoa

fica limpando, limpando, tentando fazer uma coisa perfeita. Veja Maria do

Santíssimo: o trabalho dela era às vezes até manchado com tinta que caía.

6- DE ONDE VÊM OS TEMAS PARA SUAS OBRAS?

7- QUAIS FORAM AS PRINCIPAIS EXPOSIÇÕES, ONDE E QUANDO?

8- EXISTE/ EXISTIU ALGUMA REJEIÇÃO DE SUAS OBRAS PELO FATO

DE SEREM NAÏF?

Não, nunca existiu. Eu sempre fui muito bem aceito. E eu tenho a maior

consideração pela minha obra de arte. Eu acho que sou dos mais antigos

daqui do Rio Grande do Norte, junto com Dorian Grey e Túlio FernandeS.

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Nós somos os únicos. Eu não sou da geração dele porque a história da

arte do RN teve a primeira geração, que foi Newton Navarro, Dorian Grey,

que surgiram em 1949, com a primeira exposição de arte moderna; a

segunda leva foi de 1957, com Túlio Fernandes, Leopoldo Nelson e Aécio

Emerenciano; e a terceira geração foi de Iaponi. Que surgiu sozinho. em

1962. Logo depois, 1963/64, surgiu Carlos José, eu, Jomar Jackson,

basicamente esses que surgiram nessa época.

9- QUAL SUA PERCEPÇÃO SOBRE A REPERCUSSÃO DE SUAS

OBRAS NO RIO GRANDE DO NORTE E FORA DELE? (NO PAIS?)

Eu, às vezes, até me espanto, porque eu faço um trabalho muito voltado

para o registro iconográfico da cultura popular, que é uma coerência muito

grande com tudo o que eu faço, o que eu faço tem essa coerência, o eu

escrevo, o que eu pinto, o que eu pesquiso busca sempre resgatar essa

cultura do povo e por conta disso a gente não espera, não faço para

reconhecer e me espanta às vezes, a bienal da pintura naif brasileira que é

em Piracicaba, São Paulo. Uma vez me convidaram, quando eu abri o

catálogo tava assim, módulo Mestre dos Mestres do Brasil, aí tava Iaperi

Araújo, inclusive, o trabalho que tava lá, veio um estrangeiro, um suíço, que

é grande colecionador, que encarregou uma pessoa, um brasileiro amigo

dele, para comprar esse trabalho e foi uma confusão tão grande porque o

pessoal da bienal não queria vender, então eu disse eu tô autorizando

porque o pessoal não tinha o costume de vender.

10- O QUE VOCÊ ENTENDE POR ARTE NAÏF?

A arte naif é uma arte autêntica, na medida em que ela procura fazer

aquilo que agente comentou agora, a autenticidade do povo. Tem críticos

que acham que o artista naif, aquele que é um conhecedor, que não é

pobre, que não é citadino, é rural, esse é preservado, são os

preservacionistas da cultura popular. É como se quisesse que o tempo

parasse, isso num tempo de internet, num tempo das redes sociais é uma

coisa muito contestável. Porque se a gente não preservar e permitir que ele

sofra modificações, porque a gente sabe, a televisão tem em todo canto,

ele vê aquela cor, aquilo invade, a cabeça dele muda, você corre o risco da

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coisa ficar muito globalizada. Então, a história é assim, tem que ter ouvido

tem, mas seletivo, a medida disso é os críticos, os estudiosos, ver um

artista, ver que ele tá desvirtuando muito, dizer, olhe, não é seu estilo, não

pode orientar, porque isso é uma nata, é um grande segredo da arte naif é

ela ser natural, ela vem de dentro. Eu entreguei a Isaura, secretária da

cultura, um livro chamado Canção Ingênua, que é um livro sobre Maria do

Santíssimo, uma pintora primitiva que nasceu em São Vicente, em 1890 e

morreu em 1974, com 84 anos, e que eu doei 15 trabalhos para Pinacoteca

do Estado e ela vai editar um livro de arte. Eu digo o seguinte, que a

maioria dos artistas populares, eles tem aquilo como uma “loucura”, porque

aquilo aparece de dentro e enquanto não pinta se agonia. Maria do

Santíssimo não tinha essa agonia, mas ela tinha uma catarse, uma

limpeza, uma purificação. Conheci Eli Heil, de Santa Cantarina, uma

primitiva, ela me disse que sonhava com umas cabeças engolindo outras

cabeças, enquanto ela não pintasse ela não tinha paciência, não dormia

direito, então ela pintava uma cabeça que engolia outra, que engolia outra,

ela extrapolava a tela, era tão intensa aquela alucinação que ela começava

a tecer com pedaço de tela, com cabo de vassoura, com crochê e lã

colorida porque aquilo invadia. Geraldo Teles de Oliveira (GTO), de Minas

Gerais, que faz aquelas rodas humanas, uma pessoa agarrada na outra,

formando roda, ele dizia a mesma coisa, que enquanto ele não executasse

ele ficava com aquilo incomodando ele. Às vezes, eu digo e as pessoas

pensam que é mentira, que eu tô mentindo, mas eu não tenho necessidade

de mentir, muitas vezes eu tenho uma ideia e enquanto eu não isso não sai

da minha cabeça eu não tenho paz. Então todos nós temos um pouquinho

da raiz do homem popular, porque de qualquer forma todos nós saímos do

mesmo DNA divino, não é? Então, essa necessidade de trabalhar, de

produzir é muito importante na vida do artista popular. Uma coisa é você ter

uma ideia para um poema, aí eu vou escrevo, não gosto, apago, rasgo,

depois tiro do lixo olho de novo, corrijo, corrijo, corrijo, você fica impaciente

até alcançar a perfeição. Então, a arte incita o artista desse que é mais

eruditizado, ele tem a função de manter muito mais do que o artista

popular. Naquilo em que eu sou consciente, pinto naif, eu não me deixo,

se eu estou consciente, eu conheço artista naif aqui em natal, que

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começou naif como eu e hoje é um artista alta vanguarda, quadros tipo

abstrato, surrealistas ou figurativos surreal, mas eu nunca me deixei

seduzir, outros artistas que eram surrealista aqui, como Diniz Grilo, que

ganhou um prêmio num salão de arte naif em Piracicaba, São Paulo. É

muito mais fácil pra nós evitar uma interferência mais consciente, do que o

povo que está com a ingenuidade a flor da pele, então aquela mensagem

que é muito bem feita pela mídia entra no coração e na mente dele e vai

alterar e eles se deixam iludir. Satanás não me ilude!

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ENTREVISTA COM JOTÓ

1- QUEM É (nome do artista) – Meu nome é Ângelo Desmoulins Tavares.

Nasci na maternidade do Bessa, em Recife, Pernambuco.

2- COMO FOI SUA TRAJETÓRIA COMO ARTISTA?

Fazia algumas coisas no colégio, mas coisas de menino mesmo. Mas,

depois que cheguei em Natal, é que comecei a fazer uns trabalhos já

com osso, pedra. Não pintava não. Mas teve uma oportunidade ai eu fiz,

daí eu fazia algumas coisas incrustada na madeira, dentro da madeira,

que coisas poucas, como uma paisagem, uma coisa bem solta, bem

simples, bem pequeno, e depois eu comecei a entrar na fase assim,

numa pintura já naif mesmo. Em 1982, mais ou menos.

3- APRENDIZAGEM/FORMAÇÃO ARTÍSTICA. PROFESSORES?

CURSOS? TRABALHO COLETIVO?

Não, nunca. Eu não gostaria, não. Achei muito bom não fazer. Também

não foi necessário, porque eu já fazia alguma coisa. Como já havia

falado, eu já pintava. Antônio marques comprou uma pintura minha.

4- O QUE VOCÊ CONSIDERA COMO CARACTERÍSTICA PARTICULAR

DO SEU TRABALHO? QUE MATERIAIS USA?

É esse peixe, essas casinhas, essas formas que eu faço, já me

identificam.

5- ALGUM OUTRO ARTISTA INFLUÊNCIOU NA SUA PRÁTICA

ARTÍSTICA?

Acho que todo artista tem a influência de alguém, mas os naifs são eles

mesmos, mas eu via, eu lia.

6- DE ONDE VÊM OS TEMAS PARA SUAS OBRAS?

Para dizer a verdade eu não sei de onde vem. E sei que eles sempre

aparecem, quase eu não deixo de ter sempre os peixes, as casinhas, os

cristos, eu sempre boto.7

7- QUAIS FORAM AS PRINCIPAIS EXPOSIÇÕES, ONDE E QUANDO?

8- EXISTE/ EXISTIU ALGUMA REJEIÇÃO DE SUAS OBRAS PELO FATO

DE SEREM NAÏF?

Não, ao contrário. O naif é muito invejado. E também cada um tem seu

estilo. Os modernistas são modernistas. Cada um no seu estilo e cada

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um é bom no seu estilo. Eu vejo naifs de outros países fazendo coisas

muito boas.

9- QUAL SUA PERCEPÇÃO SOBRE A REPERCUSSÃO DE SUAS

OBRAS NO RIO GRANDE DO NORTE E FORA DELE? (NO PAIS?)

Tem uma boa repercussão. Tem obras aqui no estado e fora do Brasil.

E uma aceitação muito boa.

10-O QUE VOCÊ ENTENDE POR ARTE NAÏF?

Eu fico meio assim porque, apesar de eu fazer naif, eu quase não... Naif

não se aprende, naif se é, agente já nasce naif. É uma ingenuidade, a

arte naif, a gente já nasce com ela mesmo. Eu mandei dois quadros

para a bienal de arte naif e eles rejeitaram. Dizem que não era naif.

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ENTREVISTA COM VATENOR

Tudo isso ocorre pelo fato da arte considerada naïf ou ingênua, como é

conhecida também, que se encaixa também o primitivo, ser considerado

uma arte menor, era considerado uma arte menor. Os artistas que fazem

essa pintura considerada naif, em português, ingênua, são artistas

normalmente não profissionais, são considerados artistas de finais de

semana. Foi assim que tudo começou com Rousseau, com a arte

internacional, tudo começa por aí, são considerados artistas de final de

semana, tanto é que, desde o artista mais nativo, digamos, de Currais

Novos, de Acari, de Natal, de São Jose de Mipibú, de Pipa, que são

consideradas pessoas simples, como tem intelectuais de várias áreas

acadêmicas que pintam naif, um exemplo é Iaperi Araújo, temos Levi

Bulhões, que é uma arte mais elaborada, mais encaminhada para o onírico,

mas temos vários artistas que pintam o considerado naif, que são artistas,

que são acadêmicos, que exercem função de médicos, engenheiros,

psiquiatras. Então a palavra se encaixa, porque no início se chamava

primitivo, mas primitivo, a arte primitiva é do artista que é genuinamente

primitivo como pessoa praticamente, que uma arte que não tem perspectiva

e se utiliza um plano só para fazer um discurso, como Ivanise do Vale, e

também o marido dela, Nivaldo, e o filho, que é a família naif.

1- QUEM É

2- COMO FOI SUA TRAJETÓRIA COMO ARTISTA?

Minha trajetória como artista começou quando saí do corpo de fuzileiros

navais em 1970, no Rio de Janeiro. Na verdade eu fui fuzileiro de 1970 a

1974. Em 1974, eu comecei a pintar como artista autodidata, não tenho

escola, não tenho formação enquanto artista, não tive influência de

familiares, apenas tinha um primo que desenhava, pintava e depois se

tornou pintor. Mas não tive influência, a não ser a forte ligação que tive

quando fui trabalhar numa casa de molduras, descobri Van Gogh e Gauguin.

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Essa foi a grande explosão na minha vida para a iniciação no caminho das

artes, num plano geral.

3- APRENDIZAGEM/FORMAÇÃO ARTÍSTICA. PROFESSORES?

CURSOS? TRABALHO COLETIVO?

Não tive nenhuma formação artística como cursos, professores, etc.

4- O QUE VOCÊ CONSIDERA COMO CARACTERÍSTICA PARTICULAR

DO SEU TRABALHO? QUE MATERIAIS USA?

A característica principal do meu trabalho é a geografia da minha infância

vivida nas margens do rio Potengi. Basicamente entre Igapó, Redinha,

Pajuçara e Genipabú. Que tem os cajueiros, que é o símbolo principal da

minha arte, que povoam toda essa minha infância e alimenta toda a minha

fantasia pictórica. Uso tela, tinta acrílica, que uma tinta que, por minha obra

ser uma obra bem sintetizada, e eu ser uma pessoa que tem uma certa

pressa, eu utilizo o acrílico porque ela seca praticamente de imediato. O

óleo você tem que colocar secante, esperar. Eu acho que o acrílico é uma

tinta para as pessoas mais decididas, que fazem e tem certeza do que

querem. O óleo, não. Ele dá oportunidade de você refazer, retocar, mudar

alguma coisa ainda dentro do processo de dois dias até mais. É demorado.

Eu quando parto pra tela, já parto com uma coisa definida. Então, o acrílico

resolve muito bem.

5- ALGUM OUTRO ARTISTA INFLUÊNCIOU NA SUA PRÁTICA

ARTÍSTICA?

Não

6- DE ONDE VÊM OS TEMAS PARA SUAS OBRAS?

Os cajueiros, que é o símbolo principal da minha arte, que povoam toda

essa minha infância e alimenta toda a minha fantasia pictórica.

7- QUAIS FORAM AS PRINCIPAIS EXPOSIÇÕES, ONDE E QUANDO?

Comecei a participar de exposições coletivas, desde de 1978/79; e

individual, a primeira no Rio de Janeiro, no Jardim Botânico, em 1981. De

lá, realizei por volta de 28 exposições individuais, entre Rio de Janeiro,

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Recife, João Pessoa, Natal, New York, Washington, Paris e algumas

participações internacionais coletivas.

8- EXISTE OU EXISTIU ALGUMA REJEIÇÃO DE SUAS OBRAS PELO

FATO DELAS SEREM NAIF?

As minhas obras nunca foram rejeitadas, até porque ela tem uma linguagem

sintética. O grande Dionísio del Santo escreveu sobre mim. Disse que

minha obra é o naturalismo sintético. Porque ela te remete para uma

geografia que você conhece, mas não exatamente de forma acadêmica, de

uma forma mais real, você reconhece as dunas de Genipabu, os cajueiros,

o mar e o céu, mas de uma forma muito sintética, é uma síntese daquela

coisa, então ela nunca foi rejeitada porque ela não teve essa solução bem

primária, ela sempre teve uma solução mais do naturalismo, do naturalismo

sintético, como ele colocou.

Há mais ou menos 20 anos atrás existia muito preconceito a todos os

artistas considerados naif e primitivo, mas acontece que muitos desses

artistas, no Brasil, os críticos de arte os tornaram gênios, quer dizer, ao

invés de chamar Poteiro de artista primitivo, você chama ele de gênio da

pintura. Antônio da Silva, de São Paulo, ao invés de chamar de artista

primitivo, você chama de gênio. Um dos maiores escultores primitivos do

Brasil chama-se G.T.O.(Geraldo Teles de Oliveira), ele foi transformado em

gênio, porque ele é intuitivamente, e isso foi até na Galeria Bonino, a galeria

mais chique do Rio de Janeiro, mais elitizada, em termo comercial. Então, a

partir dessa transformação, que os críticos resolveram transformar os

artistas primitivos de talento, é claro, em gênio, tudo foi mudando e

melhorando para os artistas naifs. Inclusive a aproximação de Picasso, Miró

e outros grandes artistas também se utilizaram de formas que a eles você

não vai dizer que são primitivas, mas que tem uma aproximação muito

grande com tudo isso. Então a modernidade trouxe também benefícios para

a gente, o grande exemplo aqui é Flávio Freitas, que faz muita coisa,

embora não tenha a linguagem, mas ele vive representando artistas que

fizeram alguma coisa ou fazem alguma coisa que estava ligado a esse

universo que hoje é considerado moderno, vanguarda, mas que, se você

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colocar hoje no mesmo paralelo primitivo e ingênuo, dá a mesma coisa. Só

tem que um é intelectual e moderno e o outro é considerado primário.

9- QUAL SUA PERCEPÇÃO SOBRE A REPERCUSSÃO DE SUAS

OBRAS NO RIO GRANDE DO NORTE E FORA DELE? (NO PAIS?)

Eu me considero um artista privilegiado sob todos os aspectos, porque

primeiro comecei minha trajetória no Rio de Janeiro, em 1974, e lá eu tive o

privilégio de conviver com os grandes mestres da pintura brasileira que

inclusive a grande maioria deles escreveram sobre mim, sobre meu

trabalho, como Augusto Rodrigues, que é um pioneiro da arte educação no

país a partir do conceito de Herbert Reed; Abelardo Zaluar, que é um

mestre do abstrato geométrico; Aluísio Carvão, outro mestre também da

pintura brasileira; Dionísio del Santo, que hoje vive em Vitória, Espírito

Santo tem um museu em homenagem a ele , à obra dele e outros grandes

críticos de artes. Então, veja bem, dentro de todo esse universo de apoio

que eu recebi fez que com que eu tivesse um espaço privilegiado dentro

cenário artístico regional, nacional e internacional. Além disso, temos João

Cabral de Melo Neto, que escreveu sobre Vatenor; temos o grande poeta

Mauro Mota, o grande crítico de arte Valmir Ayala, também escreveu sobre

mim. O Crítico Geraldo Edson de Andrade, natalense, escreveu 3 ou 4

textos sobre mim, de 1981 até recentemente, o artista César Romero da

Bahia, também sobre meu trabalho. Então, eu sou um privilegiado e me

sinto valorizado sob todos os aspectos, porque eu não sou um pintor, eu

sou um artista, um criador de obras, que quando tem a necessidade de

externar através da pintura meus desejos, minhas ações e minhas imagens,

me dirijo à tela, o espaço branco, e aceito o desafio e concluo.

10-O QUE VOCÊ ENTENDE POR ARTE NAIF?

Arte naif , como eu falei no início, é uma arte genuinamente do interior da

pessoa, que tenta transmitir sem o conhecimento acadêmico o universo que

o cerca, as suas necessidades internas, como Ivanise, ela retrata as

manifestações populares; o marido dela, Nivaldo, já transmite várias

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manifestações como esportes, futebol, vilarejos; o filho segue uma coisa

mais cosmopolita como carrinho de pipoca, o centro mais urbano, então

cada se utiliza desse processo manual técnico próprio, solucionado por si

mesmo para expressar todo esse seu universo, seu desejo, naturalmente a

sua necessidade de se expressar e de permanecer na terra .

Uma pesquisa como essa tem uma importância muito grande não só para o

Rio Grande do Norte, mas também para o Brasil, pois é uma visão

acadêmica de uma atividade, uma ação genuinamente pura arte potiguar,

nacional e internacional que existe desde o início dos tempos, haja vista as

pinturas rupestres nas cavernas, a história do homem lá pela Ásia, pela

África, então eu acho que é um momento muito importante quando você

decidiu ir por esse caminho, orientada por Vicente Vitoriano, está fazendo

uma ação muito importante para todas as artes e artistas dessa tendência

dessa linguagem.

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ENTREVISTA COM DIVALDO

1- QUEM É

Sou natalense, mas moro em Parnamirim. Trabalho com arte já faz uns 15

anos, nasci em 1/10/82

2- COMO FOI SUA TRAJETÓRIA COMO ARTISTA?

Eu sempre vivi, vivo naquele clima de arte, aí não tem como fugir. Fui vendo,

fui vendo, fui me envolvendo com a coisa e hoje estou ai.

3- APRENDIZAGEM/FORMAÇÃO ARTÍSTICA. PROFESSORES? CURSOS?

TRABALHO COLETIVO?

Não, foi ao natural. Eu vi todo aquele clima de arte em casa por causa de meu

pai e minha mãe. Eles me deram umas dicas e eu fui me desenvolvendo até

chegar ao meu próprio estado.

4- O QUE VOCÊ CONSIDERA COMO CARACTERÍSTICA PARTICULAR DO

SEU TRABALHO? QUE MATERIAIS USA?

Eu pinto coisas mais atuais, mais modernas. Tinta acrílica e tela

5- ALGUM OUTRO ARTISTA INFLUÊNCIOU NA SUA PRÁTICA

ARTÍSTICA?

Apenas meu pai e minha mãe.

6- DE ONDE VÊM OS TEMAS PARA SUAS OBRAS?

São variados, algumas eu mesmo penso e tem temas bem tradicionais como o

Bumba meu boi, a ciranda, A FEIRA, por exemplo

7- QUAIS FORAM AS PRINCIPAIS EXPOSIÇÕES, ONDE E QUANDO?

Capitania das artes, Palácio da Cultura, Vila Feliz, foram várias exposições

8- EXISTE/ EXISTIU ALGUMA REJEIÇÃO DE SUAS OBRAS PELO FATO

DE SEREM NAÏF?

Não, até hoje não houve.

9- QUAL SUA PERCEPÇÃO SOBRE A REPERCUSSÃO DE SUAS OBRAS

NO RIO GRANDE DO NORTE E FORA DELE? (NO PAIS?)

Aqui está muito boa a repercussão, mas preciso expandir para fora do Estado e

do País.

10- O QUE VOCÊ ENTENDE POR ARTE NAÏF?

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É simplesmente aquela arte natural, é do ser humano. Ele extrai de dentro

dele e coloca pra fora, sem usar muita técnica

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ENTREVISTA COM DJALMA PAIXÃO

Danças folclóricas, que o povo não conhece, professores de dança não

conhecem as nossas danças folclóricas, mas conhece da Bahia, de Recife,

mas a nossa não conhece. Só conhece o boi de reis e o pastoril, que são as

mais conhecidas. Mas o alto mesmo do folclore com os congos, nós temos o

de calçola e o de saiote, temos dois cocos, o coco sambê e o de roda.

1- QUEM É

2- COMO FOI SUA TRAJETÓRIA COMO ARTISTA?

Djalma paixão nasceu no dia 3 de abril de 1958, sou natural de Natal. No

começo da minha vida artística, eu era ator, eu trabalhava na Fundação

José Augusto, no Circo da Cultura. Que era na época de Deífilo Gurgel

no comando da Fundação. Aí eu trabalhei 15 anos. Depois do circo, eu

fiquei 10 anos no Teatro Alberto Maranhão, fazendo o teatro de Racine

Santos. Trabalhei com Jesiel Figueiredo, trabalhei com Carlos Furtado,

trabalhei com Racine Santos. Eu já pintava, não profissionalmente. Na

época do Circo da Cultura, eu viajava no ônibus com o pessoal do

folclore, que ia se apresentar no circo também. Tanto é que a minha

identificação artística como naïf é folclorista, por que foi quando eu viajei

e conheci todas as danças folclóricas. Todas as danças viajaram comigo

e aquilo eu gravei na mente, ficou fotografado. E hoje eu passo tudo o

que eu vi para as minhas telas.

3- APRENDIZAGEM/FORMAÇÃO ARTÍSTICA. PROFESSORES?

CURSOS? TRABALHO COLETIVO?

Não, eu sou autodidata por completo.

4- O QUE VC CONSIDERA COMO CARACTERÍSTICA PARTICULAR

DO SEU TRABALHO? QUE MATERIAIS USA?

O folclore.

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Eu uso todo tipo de material. Eu comecei usar a cera. No começo do

meu trabalho, era só o lápis cera. Depois, eu passei para a aquarela. E,

hoje, eu pinto com tinta acrílica. Nunca gostei de pintar com tinta a óleo,

embora seja a melhor tinta para se pintar, para dar os efeitos, o

sombreamento. Mas como o meu trabalho é naïf, é chapado, então eu

acho melhor a acrílica, porque ela seca mais rápido. Então, hoje, eu

pinto só com tinta acrílica e algumas vezes com cera.

5- ALGUM OUTRO ARTISTA INFLUENCIOU NA SUA PRÁTICA

ARTÍSTICA?

Assis Marinho, no começo, quando eu comecei a pintar, porque eu

pintava com lápis cera e ele só pinta com lápis cera, então houve aquela

identificação, mas bem por longe. Porque ele pintava marinhas e

pescadores e, eu, folclore.

6- DE ONDE VEM OS TEMAS PARA AS SUAS OBRAS?

Do folclore.

7- QUAIS FORAM AS PRINCIPAIS EXPOSIÇÕES QUE PARTICIPOU?

ONDE E QUANDO?

Todas as minhas exposições foram individuais, só uma que eu participei

com um escultor de São Paulo. Já expus na Capitania das Artes, no

Solar Bela Vista, na Pinacoteca, na Aliança Francesa. Já expus num

bazar em Ponta Negra, e meus trabalhos estão em todos os cantos do

Brasil, até na Europa meu trabalho já foi.

8- EXISTE/EXISTIU ALGUMA REJEIÇÃO PELO FATO DE SUAS

OBRAS SEREM NAÏF?

Não, muito pelo contrário.

9- QUAL A SUA PERCEPÇÃO DA REPERCUSSÃO DAS SUAS

OBRAS NO RIO GRANDE DO NORTE E FORA DELE? (NO PAIS?)

A grande repercussão do meu trabalho foi na Espanha, porque um

amigo meu chamado Chapéu, que é artista plástico e ele tem uma irmã

que tem um brechó de artes antigas na Espanha. Então, todo ano ele

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viajava para a Espanha e ele levava uma safra de trabalhos meus para a

Espanha, todo ano ia no mínimo 20.

10- O QUE VOCÊ ENTENDE POR ARTE NAÏF?

Posso resumir em uma palavra: Ingênua.

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ENTREVISTA COM EDVALDO DA 15

1- QUEM É

Edvaldo é um aprendiz da arte, até hoje eu estou aprendendo. Edvaldo

que já chegou até a ensinar, numa época eu ensinei educação artística,

quando morei um tempo em Barreira, Bahia.Com apenas o segundo

grau, que eu tenho. Edvaldo é uma pessoa muito humilde, crê muito em

Deus. Eu tenho como forma de gratidão, como forma de agradecer a

todos os meus amigos que todo dia vem. Toda vez que eu vou pintar é o

pensamento firme pedindo essa inspiração. Por isso, o meu estilo não

tem definição. Eu tenho cubismo, tenho surrealismo, tenho

parnasianismo, tenho pop arte, tem talha, pirogravura. Nasci em Natal,

no bairro de Lagoa Seca, hà 57 anos, quase a idade do ateliê. Estudava

no Instituto Kenedy, e já desenhando por lá, e lá peguei muitas noções

de arte. Nas datas comemorativas, fazia desenhos em homenagem à

data e sempre ganhava elogios.

2- COMO FOI SUA TRAJETÓRIA COMO ARTISTA?

Essa trajetória pegou toda a minha escolaridade, teve o Kennedy, teve o

Churchill, teve o IFRN. No IFRN, eu peguei mais o desenho técnico,

descritivo. Eu aprofundei mais a perspectiva, porque eu comecei

fazendo Edificações e depois mudei para Geologia, e foi aí que aprendi

a olhar a paisagem e transpor para a tela

3- APRENDIZAGEM/FORMAÇÃO ARTÍSTICA. PROFESSORES?

CURSOS? TRABALHO COLETIVO?

Não, nunca tive professor de arte. Eu considero como meu professor o

cara lá de cima

4- O QUE VOCÊ CONSIDERA COMO CARACTERÍSTICA

PARTICULAR DO SEU TRABALHO? QUE MATERIAIS USA?

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Eu me apego muito na área urbana, eu acho que represento muito bem

a área urbana, fiz o meu bairro, fiz o do Midway, fiz o da Catedral, fiz o

do Alecrim. Uso aquarela, Eucatex, tela, tinta acrílica, óleo, lavável

5- ALGUM OUTRO ARTISTA INFLUÊNCIOU NA SUA PRÁTICA

ARTÍSTICA?

Não, eu tive conhecimento com Assis Marinho. E eu pequeno aqui no

bar do meu pai, Assis chegou, se apresentou desenhando pinturas dos

clientes da gente, ele ganhava um dinheirinho, ele tinha a experiência de

viver da arte e eu não, eu fazia meus trabalhos sem fins lucrativos.

Ganhei dinheiro uma certa época no carnaval, fazendo máscaras,

óculos, aquelas coisas todas. Foram os primeiros trocados que entraram

no meu bolso com essa parte aí.

6- DE ONDE VÊM OS TEMAS PARA SUAS OBRAS?

Como já falei o tema é divino, vem na tela, às vezes eu tô ..., vou dar

uma lida um pouco em Dom Quixote, aí vou lendo aquelas passagens e

tudo, aí vem a ideia de fazer uma cenazinha do cotidiano do fidalgo. Aí

eu faço aqui, acolá. Às vezes, eu boto o meu QI para funcionar. Aí, trago

imagens que eu gravei do sertão, que eu viajei muito com moto, a gente

fez muitas viagens e gravei, porque naquela época a fotografia não era

tão boa quanto hoje. Fiz bastante viagens, o sertão eu tenho na palma

da mão, a ideia que você disser faça assim ou assado eu já tenho na

cabeça como fica a tela.

7- QUAIS FORAM AS PRINCIPAIS EXPOSIÇÕES, ONDE E

QUANDO?

A principal mesmo foi quando a prefeitura fez uma homenagem pra mim

e ao ex-combatente na gestão anterior de Dácio Galvão. Foi uma

homenagem ao artista plástico e me botou no primeiro patamar, que foi

uma exposição muito boa, foi bastante visitada.

8- EXISTE/ EXISTIU ALGUMA REJEIÇÃO DE SUAS OBRAS PELO

FATO DE SEREM NAÏF?

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Eu acho que todo artista passa por isso, tem sim. Às vezes, chega gente

que diz que gostou, mas diz que não é a linha que eu quero. E, às

vezes, eu deixo até de vender porque o marido gostou, mas a mulher

que toma conta do dinheiro diz que não gostou.

9- QUAL SUA PERCEPÇÃO SOBRE A REPERCUSSÃO DE SUAS

OBRAS NO RIO GRANDE DO NORTE E FORA DELE? (NO PAIS?)

Depois do catálogo, uma sobrinha minha, que é artista circense, do

Tihany, lá no Canadá, ela disse que os trabalhos estão sendo bem

aceitos por lá. Eu estou até ajeitando a papelada para ver se dou uma

viajada depois de mudar daqui. Para dar uma divulgada mais forte,

porque eu vou levar mais imagens, porque não adianta eu chegar lá com

pintura renascentista pra vender na Europa. Eu tenho que levar uma

coisa da gente, um sertão, uma coisa que não tenha por lá. Não adianta

eu ir com uma ceia, porque já é cheio dela por lá. Eles querem novidade,

10- O QUE VOCÊ ENTENDE POR ARTE NAÏF?

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ENTREVISTA COM IVANISE

1- QUEM É

Ivanise Lima do Vale, nasci no dia 16 de dezembro 1951, sou

aposentada da Fundação José augusto.

2- COMO FOI SUA TRAJETÓRIA COMO ARTISTA?

Tive bastante incentivo de meu esposo, já conheci ele como artista, ele

me presenteou com pincéis, tintas e daí eu comecei a desenvolver

minhas atividades em minha casa e com o passar do tempo e tudo é

determina por Deus, eu pedi a Deus que o anjo do senhor segurasse

nas minhas mãos e ali foi cumprido essa benção. E então eu passei a

desenvolver minhas atividades artísticas, chegando até mesmo a

participar de várias exposições e ser reconhecida, tanto no Brasil como

internacionalmente. Quando o artista é conhecido e ele se dedica

mesmo à parte artística, tudo acontece de bom. Então, isso pra mim é

um privilégio eu ter continuado e continuo até quando eu existir é

somente para trabalhar com a arte naif.

3- APRENDIZAGEM/FORMAÇÃO ARTÍSTICA. PROFESSORES?

CURSOS? TRABALHO COLETIVO?

Não, eu pedi ao senhor que me segurasse na minha mão para que eu

desenvolvesse aquele trabalho. É tanto que esse trabalho, esses

quadros que eu comecei a pintar, eu vendi rapidamente; Por sinal, teve

um que eu participei no 3º comando naval de natal, de uma mostra, e

eu fui colocada sob menção honrosa. Depois, participei de várias.

Cheguei em segundo lugar, primeiro lugar e assim por diante.

4- O QUE VOCÊ CONSIDERA COMO CARACTERÍSTICA PARTICULAR

DO SEU TRABALHO? QUE MATERIAIS USA?

Tudo vem da minha mente, coisas que eu passei na minha infância,

que eu vi ou participei, como a ciranda que eu brinquei muito. Por sinal,

eu gosto muito de pintar a ciranda. Os mamulengos que eu assistia no

interior, na casa de meus avós, aí tudo isso que eu pinto, estou com

tudo guardado e estou retratando esta história da cultura, da terra. Uso

acrílico sobre tela. Não risco a tela, o pincel é o lápis e a borracha.

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5- ALGUM OUTRO ARTISTA INFLUÊNCIOU NA SUA PRÁTICA

ARTÍSTICA?

Eu não me inspirei em nenhum artista não, foi uma coisa que veio de

mim, da minha imaginação, nem mesmo do meu esposo. Até porque,

quando eu comecei a pintar, cada um pinta no seu lugar separado, no

seu espaço.

6- DE ONDE VÊM OS TEMAS PARA SUAS OBRAS?

Cirandas, mamulengos, São João, pastoril, suas roupas.

7- QUAIS FORAM AS PRINCIPAIS EXPOSIÇÕES, ONDE E QUANDO?

Participei de várias exposições, no Restaurante Maturi, Capitania das

Artes, Centro de Turismo, Assembleia Legislativa.

8- EXISTE/ EXISTIU ALGUMA REJEIÇÃO DE SUAS OBRAS PELO FATO

DE SEREM NAÏF?

Se existiu, eu não sei, porque acontecem coisas nas nossas vidas que

a gente nem sabe. Pelo contrário.

9- QUAL SUA PERCEPÇÃO SOBRE A REPERCUSSÃO DE SUAS

OBRAS NO RIO GRANDE DO NORTE E FORA DELE? (NO PAIS?)

Os meus trabalhos tem boas vendas, vendo tanto aqui no estado como

para fora. Tenho encomendas. Meu trabalho vai pra fora do estado e do

país.

10- O QUE VOCÊ ENTENDE POR ARTE NAÏF? Arte naif é uma arte que

não precisa de mestre pra ensinar, é uma arte ingênua e uma

expressão minha, eu mesma sou minha professora e aluno, aluno e

professor sou eu mesmo, vem tudo de mim.

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ENTREVISTA COM NEWTON AVELINO

1- QUEM É

R- Nascido em Natal, no dia 25/03 /1960. Moro em Natal e trabalho no

meu ateliê em casa mesmo.

2- COMO FOI SUA TRAJETÓRIA COMO ARTISTA?

R- Minha trajetória como artista não é diferente dos outros, pois minha

família toda é artista, a começar pelo meu avô Chico Avelino, que foi

escritor. Tios que são artistas, cantores. Minha mãe é poetisa. Então eu

tenho uma influência de família para as artes.

3- APRENDIZAGEM/FORMAÇÃO ARTÍSTICA. PROFESSORES?

CURSOS? TRABALHO COLETIVO?

R- Não, eu sou autodidata, quando eu era criança eu tive a influência de

meu tio, Didi Avelino.

4- O QUE VOCÊ CONSIDERA COMO CARACTERÍSTICA

PARTICULAR DO SEU TRABALHO? QUE MATERIAIS USA?

R- Quando eu me propus a entrar nas arte plásticas, a minha primeira

preocupação foi buscar meu estilo próprio, para que eu fosse

identificado como artista. Porque tem artistas que são da mesma escola

de outro, mas eu tive a preocupação de ter meu próprio estilo.

5- ALGUM OUTRO ARTISTA INFLUÊNCIOU NA SUA PRÁTICA

ARTÍSTICA?

R- Tive um pouco de influência do próprio Picasso, de Tarsila do

Amaral, e, talvez, um pouco de Romero Brito, mas eu tive o cuidado de

não imitá-los. Também um pouco de Portinari, nas histórias, porque ele

pintou muito o sertão.

6- DE ONDE VÊM OS TEMAS PARA SUAS OBRAS?

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R- Eu morei no Piauí, no final dos anos 70, então eu cresci no meio

daquele pessoal que faz parte da cultura popular, eu ai em feira, via

aquele pessoal vendendo, via os animais, via o estilo de vida, o dia a dia

de cada um, então isso me influenciou demais. Assisti vaquejadas. Fui

me apaixonando mesmo pela cultura popular, escutava violeiro,

sanfoneiro no meio da feira. Eu sou provinciano, eu gosto de valorizar o

que é meu, da minha terra.

7- QUAIS FORAM AS PRINCIPAIS EXPOSIÇÕES, ONDE E

QUANDO?

R- O que você imaginar de exposição aqui em Natal, eu já participei.

8- EXISTE/ EXISTIU ALGUMA REJEIÇÃO DE SUAS OBRAS PELO

FATO DE SEREM NAÏF?

R- Não. Podem achar caro, porque eu vendo a partir de 700 reais

9- QUAL SUA PERCEPÇÃO SOBRE A REPERCUSSÃO DE SUAS

OBRAS NO RIO GRANDE DO NORTE E FORA DELE? (NO PAIS?)

R- É bem aceita, mas eu não me preocupo com isso. O que realmente

me preocupa é em fazer um trabalho bom. Não estou preocupado com a

mídia, com a crítica de arte.

10- O QUE VOCÊ ENTENDE POR ARTE NAÏF?

R- É uma arte primitiva, que as pessoas que se propõem em fazer não

tem muita técnica.

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ENTREVISTA COM NIVALDO

1- QUEM É

Nivaldo nasceu em Santa Cruz do Inharé, dia 24 de agosto de 194

2- COMO FOI SUA TRAJETÓRIA COMO ARTISTA?

Eu gostava muito de ler revista em quadrinhos, gostava muito de

cinema, a minha diversão era vir de Santa Cruz para assistir filmes nos

cinemas de Natal, no São Luís, Rio Grande. E fui pintando e me

descobrindo até que procurei um estilo próprio, eu disse já chega de

coisa, foi quando eu fiz minha primeira criação, em 1964, Os crioulos do

samba. E de lá pra cá, nunca mais deixei de criar.

3- APRENDIZAGEM/FORMAÇÃO ARTÍSTICA. PROFESSORES?

CURSOS? TRABALHO COLETIVO?

Não, de maneira alguma, porque a arte naif é como Rousseau, quem é

da arte naif é seu próprio aluno e seu próprio professor. Ele se descobre

por ele mesmo. Eu tive conhecimento de material, de incentivo de

amigos. Eu lia revista de um amigo lá de Santa Cruz. Depois me tornei

conhecido, ganhei o prêmio Newton Navarro da ETFRN, naquela época

40 mil cruzeiros. Comecei a vender trabalhos na própria escola, trabalhei

em banco, em outros trabalhos, mas eu só estava bem quando estava

sentado pintando e vendo as emoções coloridas quando termino.

14-O QUE VOCÊ CONSIDERA COMO CARACTERÍSTICA PARTICULAR

DO SEU TRABALHO? QUE MATERIAIS USA?

4- Gosto muito de retratar pessoas, a nossa convivência, o meio que é

muito importante, a gente tem que valorizar o que é nosso. Eu fui criado

em Santa Cruz vendo os costumes, pescando, vendo Bumba–meu–boi,

vendo forró, São João, isso ficou em mim, por isso eu tenho muita

facilidade de pintar. Como disse meu amigo Dorian Grey, “Nivaldo, você

é o feiticeiro da cor”.

5- ALGUM OUTRO ARTISTA INFLUÊNCIOU NA SUA PRÁTICA

ARTÍSTICA?

Não, a inspiração foi sempre de ser artista. Foi o que sempre pedi a

Deus

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6- DE ONDE VÊM OS TEMAS PARA SUAS OBRAS?

Via muito bumba meu boi, vaquejada, ia pro forró, todo o costume eu

gosto de pintar. Como diz o prof. Antônio Marques, é importante o artista

retratar suas raízes.

7- QUAIS FORAM AS PRINCIPAIS EXPOSIÇÕES, ONDE E QUANDO?

8-

9- EXISTE/ EXISTIU ALGUMA REJEIÇÃO DE SUAS OBRAS PELO FATO

DE SEREM NAÏF?

Às vezes, existe alguma rejeição, sim.

10-QUAL SUA PERCEPÇÃO SOBRE A REPERCUSSÃO DE SUAS

OBRAS NO RIO GRANDE DO NORTE E FORA DELE? (NO PAIS?)

11- O QUE VOCÊ ENTENDE POR ARTE NAÏF?

A palavra naif é francesa, quem descobriu a arte naif foi um alemão que

estava na França e descobriu Rousseau, naif quer dizer primitivo, ingênuo,

original e autêntico. Começou sendo primitivista, os franceses acharam feio

e começaram a chamar de ingênuo, que sente de dentro, aí ficou. É uma

pintura autêntica, espontânea.