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O II PLANO NACIONAL DE REFORMA AGRÁRIA DO GOVERNO LULA: UMA ANÁLISE PARA ALÉM DO APARENTE1
Cecília Cruz Vecina
Resumo O presente trabalho tem por objetivo analisar quantitativa e qualitativamente o Plano de Reforma Agrária: Paz, Produção e Qualidade de Vida no Meio Rural (II PNRA), desenvolvido no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Tem-se como ponto de partida o estudo dos governos pós ditadura militar de 1964 e como linha de reflexão o processo crítico de produção e reprodução do capital. Palavras-chave: Reforma Agrária. II PNRA. Governo Lula.
Introdução
A presente pesquisa, com início em 2010 na modalidade de iniciação científica (com
fomento primeiramente da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, e hoje
com bolsa CNPq, sob orientação da Profa. Dra. Valeria de Marcos) tem por objetivo a
análise qualitativa e quantitativa da aplicação do Plano de Reforma agrária
desenvolvido no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (Plano de Reforma Agrária: Paz,
Produção e Qualidade de Vida no Meio Rural - II PNRA). Partiu-se de estudos
preliminares de quatro questões relevantes para a fundamentação teórica e a melhor
compreensão do tema central de investigação, a saber: a constituição da propriedade da
terra na sociedade moderna; o conceito geral de renda da terra e sua implicação na
questão agrária brasileira; a Constituição Brasileira de 1988 e a reforma agrária e a
formação da propriedade privada da terra no Brasil. Tais estudos foram de grande
importância para o entendimento da questão agrária na modernidade, na perspectiva de
inserir a especificidade da questão no Brasil dentro da universalidade dada pelo
processo de produção e reprodução do capital no espaço-tempo (CARLOS, 2001,
ALFREDO, 2008) e, mais especificamente, como preparação para o enfrentamento do
objetivo específico da pesquisa acima identificado..
Seguindo assim a lógica que a pesquisa teve desde seu início, parte-se de um breve
histórico da questão agrária no Brasil, com recorte pós 1985, a fim de melhor
compreender a constituição do II PNRA criado no governo LULA e de realizar sua
avaliação a partir de dados divulgados pelo governo e por pesquisadores. Utilizou-se,
para tal, de artigos e trabalhos de pesquisadores como Ariovaldo Umbelino de Oliveira
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(2003, 2006, 2007, 2009a, 2009b, 2010, 2011, entre outros), Fábio Teixeira Pitta
(2011), Eraldo da Silva Ramos Filho (2008), Eliane Tomiasi Paulino e Rosemeire
Aparecida de Almeida (2010), Leonilde Servolo de Medeiros (2003), Rafael de Oliveira
Coelho Santos (2009), entre tantos outros em menor grau e, obviamente, o Plano de
Reforma Agrária: Paz, Produção e Qualidade de Vida no Meio Rural, elaborado pelo
governo em 2003.
Cabe ressaltar ainda que, com relações aos dados quantitativos questionados pelos
autores utilizados, algumas vezes encontramos discordância, que acreditamos sejam
devido a uma já “complicada” publicação destes pelo INCRA2. Quanto ao uso desses
dados, buscamos nos apoiar principalmente em SANTOS (2009) e nos trabalhos de
OLIVEIRA (base para grande parte dos outros pesquisadores consultados), mostrando
quando pertinente as diferenças entre eles.
Breve histórico sobre a reforma agrária no Brasil: de Sarney aos prelúdios do
governo Lula
Considera-se Reforma Agrária o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade. (artigo 1 do Estatuto da Terra de 1964)
Partindo desta epígrafe, nos propomos a discutir, em um primeiro momento, até que
ponto esta reforma agrária, definida desta forma no Estatuto da Terra, tem-se realizado
nos governos pós-ditadura e, em especial, no governo Lula.
Governo Sarney (1985-1989)
Com o fim da Ditadura Militar de 1964/19843, entra em cena o primeiro Plano
Nacional de Reforma Agrária (I PNRA), elaborado no governo Sarney e exposto à
sociedade civil no IV Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais, promovida pela
Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura), em 1985:
O programa básico do PNRA era o de assentamentos de trabalhadores em imóveis desapropriáveis [tendo como base para indenizar os proprietários fundiários o imposto territorial rural – valor declaradamente mais baixo que o de mercado]. Colonização, regularização fundiária e mecanismos tributários, até então apresentados como alternativas à obtenção de terras por diversas das forças presentes no debate político, apareciam como mecanismos complementares [à desapropriação]. (MEDEIROS, 2003, p.35)
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Porém, se MEDEIROS (2003) nos coloca o lado positivo que trazia a primeira redação
do PNRA à reforma agrária: a desapropriação por interesse social como mecanismo
principal; o ITR como referencia para determinar o valor da terra a ser desapropriada; a
concepção penalizatória aos proprietários que não davam função social à terra,
OLIVEIRA (2007), por sua vez, destaca que o Plano (em seu texto final) trazia
retrocessos em relação ao Estatuto da Terra elaborado no Governo Militar, começando
pelo artigo 2°, § 2, do Decreto no 91.766 de 1985 (decreto que deu origem, após várias
versões revogadas pela área ruralista, ao I PNRA), no qual a desapropriação é colocada
como secundária entre as medidas a serem adotadas pelo governo.
Além disso, segundo RAMOS FILHO (2008), o plano, após várias versões, deixou de
intentar “mudar a estrutura fundiária” para “contribuir para modificar o regime de posse
e uso da terra”; não decretou as áreas prioritárias, remetendo tal escolha ao nível
regional (mais suscetível às pressões locais); e ainda, em alguns estados, remeteu toda a
área rural como prioritária, o que originava no fim um empecilho para a sua realização,
uma vez que “se toda a área de um estado é prioritária, não há um ponto preciso do local
para iniciar política de tal natureza.” (p.203). Além disso, nesta versão final, ficaram
muito mais flexíveis as regras contra os imóveis rurais considerados improdutivos, uma
vez que, de acordo com o Decreto-lei 2.363 de 1987, os imóveis que produzissem não
poderiam ser desapropriados para reforma agrária4: “firmou-se uma tendência a reduzir
a função social a índices de produtividade, deixando em segundo plano os demais
elementos que compunham a sua definição” (MEDEIROS, 2003, p.37) – como, por
exemplo, a conservação dos recursos naturais e o bem estar daqueles que nela
trabalham. Inverte-se assim a lógica presente no Estatuto da Terra “que dava prioridade
para a desapropriação aos imóveis que tivessem alta incidência de arrendatários ou
parceiros.” (idem)
Ao mesmo tempo, foram criados diversos projetos com a finalidade de esvaziar o
conteúdo político do PNRA5 e, através do Decreto-Lei 2.363 de 1987, Sarney submeteu
e extinguiu o Inter (Instituto Jurídico de Terras Rurais) ao MIRAD, posteriormente
extinto, e submetido o primeiro ao Ministério da Agricultura dominado pelo ruralistas,
passando a se chamar Ministérios da Agricultura e da Reforma Agrária (OLIVEIRA,
2007).
Assim, a primeira meta divulgada para o período do governo (1985-1989) era de 1,4
milhões de famílias (depois alterada para 1 milhão até 1991) (OLIVEIRA, 2007). Meta
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realizada, de acordo com SANTOS (2009), em apenas 8,9%6 e, apesar de 79% dos
assentamentos implantados serem proveniente de desapropriações, correspondendo a
82% das famílias assentadas, quando se observa a área a estes destinada, o autor revela
que 43% correspondem, na realidade, a processos de regularização fundiária
(concentrados no Norte do país - 83% dos assentamentos obtidos via esta política) e,
secundariamente, 54% correspondem à desapropriações (sendo 37% destes localizados
no Nordeste, área de grande conflito agrário, o que dá razão ao argumento de
OLIVERA (2007) de que a reforma agrária, mesmo quando pouca, só acontece graças a
pressão dos movimentos sociais).
Governo Collor/Itamar (1990-1994)
Com a vigência da Constituição de 1988, em que é decretado que as desapropriações
deveriam ser feitas mediante prévia e justa indenização em Títulos da Dívida Agrária
(TDA)7, é consolidada, no governo de Fernando Collor de Melo, a reivindicação da ala
ruralista de que o valor deveria ter como base o mercado (não mais a ITR como era no I
PNRA) (MEDEIROS, 2003).
Isto é, o governo se inicia já com o enfraquecimento das discussões pró reforma,
agravadas pelo submissão do INCRA ao Ministério da Reforma Agrária, então
ministrado pela ala ruralista (RAMOS FILHO, 2008), além de formular metas ainda
mais tímidas do que a do governo anterior: 500 mil famílias a serem assentadas entre
1990 e 1994 (35% do que propusera e não cumprira o governo Sarney), sendo
assentadas apenas 30 mil nos dois primeiros anos (OLIVEIRA, 2007).
Com o impeachment de Collor, e a tomada do poder pelo vice Itamar Franco em 1993,
as alterações via Decretos e Leis continuaram. De acordo com RAMOS FILHO (2008)
as mais emblemáticas foram: a impossibilidade de desapropriação caso o proprietário
implantasse um “projeto técnico” na área, dando margem para a criação de uma
verdadeira “indústria de projetos frios”; e a recusa em confiscar as propriedades que
possuíssem trabalho escravo. De acordo com SANTOS (2009), o governo Itamar foi
responsável pelo maior número de desapropriações do período Collor/Itamar: 85% das
desapropriações realizadas no período 1990-1994 – aproximadamente 215
desapropriações –, número irrisório.
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Governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998/1999-2002)
O governo de Fernando Henrique Cardoso entra na cena política brasileira com grande
expectativas das multinacionais e latifundiários, sendo um dos defensores da
continuação/aprofundamento da política liberal que já vinha sendo implantada desde os
governos militares, ganhando confiabilidade após o Plano Real.
Por sua vez, os movimentos sociais exerciam grande pressão contra o governo, tendo
como expoente o MST na luta pela terra. Movimento que sofria diretamente com os
programas do Estado, que partiam do pressuposto de que o problema agrário não era tão
extenso como o denunciado, motivo pelo qual priorizava o assentamento das famílias já
acampadas. Isto é, “antes de ser uma política propositiva do governo[, a reforma
agrária] é a necessidade de resposta à pressão popular.” (OLIVEIRA, 2007, p.143)
Mas não apenas com parcos assentamentos respondeu o governo às pressões dos
movimentos. A criminalização das lideranças (com grande apoio da mídia) e a violência
foram muito fortes, vide massacres de Corumbiara em Rondônia (1995) e Eldorado dos
Carajás no Pará (1996).
Frente às repercussões internacionais que os massacres tiveram, minando a confiança de
muitos grupos de investidores, principalmente aqueles ligados ao capital especulativo
(RAMOS FILHO, 2008), o governo cria em 1996 o Ministério Extraordinário de
Política Fundiária (transformado um ano depois em Ministério do Desenvolvimento
Agrário), no qual as famílias eram tratadas não como reflexo de um problema de
concentração fundiária, mas sim dentro do bojo das políticas compensatórias. De acordo
com presidente do INCRA no período, Franscisco Graziliano Neto: “talvez um bom
emprego seja preferível ao assentamento. Ou então, tratá-las [as famílias sem terra]
como mecanismo de política social, assistindo-as devidamente, garantindo-lhes
alimentação e saúde” (in RAMOS FILHO, 2008, p.214).
Isto é, de acordo com a compreensão do Governo FHC, a reforma agrária era um
problema que o capitalismo poderia resolver pelo possível emprego que o
“desenvolvimento” do campo traria, ignorando a real expulsão e migração para a cidade
que tal movimento gerava (e gera até hoje). Nessa lógica, ganhava cada vez mais força a
política de inserção crescente da terra e do camponês no mercado e na reprodução do
capital8.
Deste modo, seguindo tal raciocínio, o governo federal cria, com base no programa
piloto do estado do Ceará (Projeto São José - Reforma Agrária Solidária de 1996): o
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Projetos de Reforma Agrária e Alívio da Pobreza Cédula da Terra (anunciado pelo
governo em 1996); o Fundo de Terras e da Reforma Agrária (Banco da Terra) (via Lei
Complementar n˚93, de 04 de fevereiro de 1998); e o PRONAF (Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar – criado em 1994, que substituiu o programa
PROCERA, de crédito destinado à reforma agrária criado em 1985 no governo Sarney),
que fornecia financiamento para compra de terras, porém sem qualquer assistência
técnica ou tecnológica (essencial para o cultivo em pequenas propriedades). Projetos
responsáveis por lançar o que se convencionou chamar de reforma agrária de mercado:
acordo financeiro entre o Estado brasileiro e o Banco Mundial, em Leis Federais.
(RAMOS FILHO, 2008).
Tratavam-se de projetos e programas governamentais com capital proveniente
sobretudo do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, que visavam o
financiamento da compra da terra pelo futuro proprietário, diferenciando-se dos projetos
de compra e venda realizados pelo INCRA (de acordo com o artigo 17, da Lei 4.505, de
30 de novembro de 1964 e artigo 1º do decreto 433, de 24 de janeiro de 1992), uma vez
que este fica responsável pela implantação de assentamentos via compra de imóvel rural
de propriedades particulares, e o primeiro é voltado para a compra individual pelo
agricultor via linhas de financiamento (SANTOS, 2009), subjugando-o a imposições
que ultrapassam as condições do pagamento, atingindo o modo de produção e
sobrevivência do pequeno agricultor, como bem explica RAMOS FILHO (2008):
[...] deve-se observar que a trajetória histórica dos produtores familiares no Brasil, muitas vezes, buscou conciliar produção de excedentes com relações de trabalho não-capitalistas. Contraditoriamente, as relações do mercado sempre os excluíram. [...] A produção para o mercado [...] força o camponês às exigências do mercado. Contribui, portanto, para a desintegração da autonomia camponesa de determinar o ritmo de sua produção, obriga-o à lógica de produção em larga escala, e a estar de acordo com elevados padrões de qualidade definidos externamente. A fim de alcançar isto, o camponês torna-se refém dos pacotes tecnológicos. (p.320)
Isto é: “Finalmente, as pessoas têm o título, mas em razão do baixo preço dos seus
produtos elas não tem outra alternativa a não ser vender a propriedade.” (ROSSET,
2004, p.20). Deste modo, tal política representou “[para os camponeses] o ônus da
especulação fundiária, [e] para os proprietários, dinheiro vivo dimensionado pelo
superfaturamento de muitas das terras vendidas” (PAULINO e ALMEIDA, 2010, p.86).
Política agrária que gerou não o fortalecimento do pequeno agricultor, mas sim
contribui para: o aumento das especulações fundiárias no campo; a inserção no mercado
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fundiário de terras irregulares/improdutivas/a espera da especulação; e re-inserção
destas no mercado, após o endividamento do pequeno agricultor pelo financiamento a
ele concedido para comprá-la. Em outras palavras, aquecimento do mercado fundiário
às custas do endividamento dos “beneficiários”. Ou, como coloca SILVA (2011),
levando em conta o movimento crítico da reprodução do capital:
[...] a reposição da propriedade privada da terra como acumulação de propriedade só é possível pela constituição da figura do não proprietário. Ao processo de acumulação está ligado intrinsecamente o de não acumulação, ou mesmo o de expropriação. A concentração de determinada forma de propriedade pressupõe os despossuídos, cujos bens são concentrados por outros. (p.67)
[...] movimentação que reproduz a propriedade privada da terra enquanto acumulação através de uma relação intrínseca entre sua expropriação, acumulação e fragmentação. (p.70)
Assim, além das medidas voltadas para o pequeno agricultor, e com uma verba muito
maior do que estas, o “pacote” que a reforma agrária de mercado do governo FHC
trouxe consigo (reforçando o modelo pregado pelos governos militares), possuía toda
uma política voltada para os grandes proprietários de terras, sua maioria agro-
exportadores (OLIVEIRA, 2007). Estes recebiam do Estado não apenas a maioria dos
créditos voltados para a produção no campo, como, no caso do setor agroexportador,
eram desobrigados a pagar o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
(ICMS) (Lei 87/96)9 (PAULINO e ALMEIDA, 2010).
Inclusive, na prática, o único compromisso social que os latifundiários deveriam ter era o pagamento do ITR – imposto territorial rural, mas isto não tem ocorrido, pois os dados divulgados pela Receita Federal referentes a 1994, mostraram que entre os proprietários dos imóveis de 1.000 a 5.000 hectares, 59% sonegaram este imposto e entre os proprietários dos imóveis acima de 5.000 hectares esta sonegação chegou a 87%. [...] Estas grandes extensões de terras estão concentradas nas mãos de inúmeros grupos econômicos porque no Brasil, ela funciona, ora como reserva de valor, ora como reserva patrimonial. Ou seja, como instrumento de garantia para o acesso ao sistema de financiamentos bancários, ou ao sistema de políticas de incentivos governamentais. (OLIVEIRA, 2007, p.133)
Com relação às analises quantitativas da reforma agrária após os dois governos FHC,
cabe ressaltar que apesar do expressivo aumento no numero de assentamentos no
período, comparativamente aos governos anteriores (MEDEIROS, 2003, SANTOS,
2009), os dados devem ser tratados com muito cuidado. Segundo OLIVEIRA (2007),
FERNANDES (2003), SANTOS (2009), MEDEIROS (2003), tornou-se “costume” no
INCRA considerar como assentamentos novos, áreas onde estes já existiam
(provenientes de governo anteriores). Ou ainda: “Os dados eram divulgados
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sistematicamente como se todas fossem novas famílias assentadas, ou seja, incluíam aos
dados as famílias beneficiadas pelas políticas de incorporação e reordenação fundiária,
como a regularização e o reconhecimento de terras.” (SANTOS, 2009, p.48). E assim,
Para garantir as metas da propaganda do governo, o Ministério do Desenvolvimento Agrário “clonou” assentamentos criados em governos anteriores ou criados por governos estaduais e os registrou como assentamentos criados no segundo mandato de FHC. Essa tática criou uma balbúrdia, de modo que em 2003 nem mesmo o INCRA consegue afirmar, com certeza, quantos assentamentos foram implantados de fato. (FERNANDES, 2003)
Quanto à estrutura fundiária, OLIVEIRA (2007), com base nos dados do INCRA, nos
chama a atenção para a perpetuada alta concentração de terras após o período de
governo FHC: 111 mil propriedades se apropriavam de 209 milhões de hectares (48%
dos 436.596.000 hectares de terras cadastrados no INCRA) , ficando 1.140.000
pequenas propriedades com 74 milhões (17%). E ainda, quanto aos imóveis
classificados como produtivos10, o autor destaca que menos de um terço da apropriação
privada da terra no Brasil é ocupada produtivamente/cumpre sua função social.
Merecem destaques também a adoção, no segundo mandato (em 2001), de duas medidas
provisórias, Portaria/MDA/nº 62 de 27/03/2001 e a MP 2.109, respectivamente: o não
assentamento das famílias que tivessem participado de ocupações; e a não vistoria por
dois anos da propriedade que tivesse sido ocupada uma vez, e por quatro das que
tivessem sido ocupadas mais de uma vez (OLIVEIRA, 2007).
Governo de Luíz Inácio Lula da Silva (2003-2006/2007-2010)
Com o final do mandato do FHC e a vitória do PT com a eleição de Lula, foi iniciada a
formulação pela equipe coordenada por Plínio de Arruda Sampaio, da Proposta do
Plano Nacional de Reforma Agrária (PPNRA), entregue á equipe de governo em 2003.
Tal proposta tinha como diretrizes, de acordo com FERNANDES (2007), “conceber a
reforma agrária como política de desenvolvimento territorial, e não como política
compensatória (...) [implicando] desconcentrar a estrutura fundiária [...], conceber a
reforma agrária como política pública de desapropriação de terras [...] [e] promover
políticas de financiamento em todas as etapas de implantação dos assentamentos”
(p.163). Porém, o programa não foi aprovado pelo governo, sendo em seu lugar
elaborado, em novembro de 2003, o II Plano Nacional de Reforma Agrária: Paz,
Produção e Qualidade de Vida no Meio Rural (II PNRA).
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Deste modo, tentaremos destacar as principais diretrizes do II PNRA, algumas das
muitas reflexões pensadas por nós e, com base em diversos autores, identificar as
intenções para além da aparência do plano. Finalizando com algumas das medidas
constitucionais elaboradas durante o governo LULA com influências sobre as políticas
agrárias, e analises dos dados quantitativos atingidos durante o governo.
O II PNRA11
Primeiramente, gostaríamos de destacar algumas observações com base no seguinte
trecho do programa do II PNRA: “A reforma agrária é mais que um compromisso e um
programa do governo federal. [...] Gera emprego e renda, garante segurança alimentar
[...]” (II PNRA, 2003, p.5). Os termos utilizados em um discurso são carregados de
significado e refletem a compreensão mais profunda de uma determinada questão.
Assim, ao utilizar o termo segurança ao invés de soberania alimentar (encontrado
apenas uma vez em uma citação ao longo do programa, contra sete vezes em que
aparece a expressão segurança alimentar), o governo deixa claro qual será o objetivo do
programa: segurança alimentar (termo que nasce no contexto de crises de
abastecimento) refere-se apenas a uma noção de oferta quantitativa, acesso ao alimento,
seja ele com que qualidade for e proveniente da onde for. Por sua vez, soberania
alimentar implica ter domínio de todo o processo de produção, da semente ao produto
final, nasce da crítica ao agronegócio e ao autoritarismo do monopólio (MARQUES,
2011). De acordo com PAULINO e ALMEIDA (2011): “segurança alimentar [está]
atrelada à ‘Revolução Verde’ e à possibilidade de circulação mundial da produção por
ela incrementada. Por definição, a segurança alimentar passou a ser tarefa do mercado
mundial, fortalecido por meio da ampla e deliberada desestruturação das práticas
policulturas” (PAULINO e ALMEIDA, 2010, p.94).
Além disso, o programa se distancia cada vez mais da promoção da soberania alimentar,
ao visar a “expansão das exportações agrícolas”, leia-se commodities, uma vez que esta
é uma das grandes responsáveis por expulsar do campo o pequeno agricultor, produtor
de policulturas/alimento. Agregado a isto, o Bolsa Família (programa que tem por
intuito final aumentar o poder de consumo – isto é, inserção crítica na produção e
consumo de mercadorias –, escondido sob o veio assistencialista/compensatório) é
responsável por desestruturar a mobilização do campo, por desmobilizar a população
rural12. Tal fato deixa latente a pertinente pergunta colocada por OLIVEIRA (2003)
10
sobre o tema: “quem vai produzir os alimentos que o Cartão-Alimentação vai estimular
a comprar?” (p.27) Outra questão que precisa ser considerada sobre o Programa Fome
Zero (inserido dentro do Bolsa Família) é a de que
[...] os 50 reais mensais distribuídos às famílias pobres, diferentemente das pensões, não vieram em dinheiro, mas na forma de um cartão magnético de uso limitado aos supermercados conectados às redes bancárias. Essa medida só fez aumentar a compra de alimentos e produtos manufaturados provenientes da agricultura empresarial e não da produção local ou dos circuitos de proximidade. (SABOURINO, 2007, p. 740)
Ou seja, uma programa assistencialista, que tem por fundo a tentativa constante do
Estado (aliado aos grandes capitais) diminuir a crise imanente do modo de produção
capitalista (aparente na queda tendencial da taxa de lucro dos grandes capitais), via uma
política de consumo que coloca como opção apenas a compra de alimentos intermediada
pelas redes de supermercado. Cria-se assim todo um sistema dependente e vazio de
valor: produção de alimentos industrializados que passa a levar em conta esta nova
demanda criada por um capital sem produção, isto é, sem valor (não gerado por
trabalho), mas sim proveniente do Estado e de seus títulos de dívida, do mercado
financeiro (capital fictício).
Indo adiante no estudo do II PNRA, observamos que dentro da onda dos projetos ditos
“participativos”, este não fica para trás: “Mas o sucesso do PNRA depende, ainda, da
ativa participação dos movimentos e entidades da sociedade civil, ampliando o
reconhecimento e a legitimidade da Reforma Agrária.” (II PNRA, 2003, p.10). Porém,
como esperar participação se o processo é feito sem que o Governo especifique o
orçamento para cada tipo de ação (desapropriação, regulamentação, construção de infra-
estrutura etc.); nem as áreas prioritárias (não genericamente, mas especificando
localizações); não organiza espaços para que haja estes encontros de carácter
participativo e, principalmente, se ele mesmo desarticula os movimentos e organizações
sociais (como já discutido a cima), e impõe modelos determinados pelo mercado?
Quando trata-se de discutir os meios para obtenção da terra, o Plano não ignora as
normativas colocadas pela Constituição, destacando como meio prioritário a
desapropriação por interesse social, mas tendo os beneficiários que “pagar pela terra
recebida, em geral, a partir do terceiro ano da sua entrada no assentamento.” (II PNRA,
2003, p.19). Política esta que se diz apenas complementar à compra e venda baseada no
Decreto 433/93, que dispõe “sobre a aquisição de imóveis rurais, para fins de reforma
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agraria, por meio de compra e venda”13, lê-se: pagar pela terra improdutiva. Em outras
palavras, o governo premia o latifúndio, pagando a preço de mercado a terra à espera de
valorização, ao invés de fazer valer o princípio da função social da terra, ou de
atualizar os índices de produtividade da terra (ação prometida pelo Plano, mas não
realizada), e muito menos pondo em discussão a possibilidade de uma desapropriação
sem indenização.
Quanto ao processo de compra e venda, o governo criou o Programa de Crédito
Fundiário, que possibilitaria a aquisição de terras nos casos em que não fosse possível a
desapropriação por interesse social, subdividindo-se em três linhas: Combate à Pobreza
Rural, voltada principalmente ao público do semi-árido nordestino; Nossa Primeira
Terra, voltado para jovens de 18 a 24 anos14; e o Consolidação da Agricultura
Familiar, voltado para agricultores individuais ou em grupos, desde que tenham renda
inferior a quinze mil e patrimônio inferior a trinta mil. Os recursos, no caso dos dois
primeiros viriam do Banco Mundial (que, como já foi discutido, traz graves problemas
para a consolidação do assentamento quanto à tomada de decisões sobre como e o que
produzir), e não seriam reembolsáveis; enquanto que o último, proveria do Fundo de
Terras e da Reforma Agrária, e seria reembolsável pelo beneficiário.
Ainda sobre o tema, MENDONÇA e RESENDE (2004), concluem que: “[sendo]
financiados pelo Fundo de Terra, sem recurso a fundo perdido [...] o programa se dirige
a agricultores mais capitalizados e integrados à cadeia produtiva do agronegócio”
(p.77), uma vez que ao pequeno agricultor torna-se difícil o pagamento do
financiamento. Os beneficiários das três linhas teriam acesso ao Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf A) que, segundo SABOURIN (2007),
“sob a forma de crédito individual ou de subvenção para equipamentos coletivos,
beneficiou sobretudo os agricultores familiares mais dotados de capital e melhor
articulados com a rede bancaria” (p.723)
O irônico, destacado por MENDONÇA e RESENDE (2004), é que todas estas linhas de
financiamento já existiam no governo FHC15, e já sofriam duras críticas da ala da
esquerda (a qual pertence – ou pertencia? – o PT), e apenas mudaram de nome no
governo LULA16, mantendo “a concepção central da mercantilização da reforma
agrária” (MENDONÇA e RESENDE, 2004, p.77, grifo nosso).
Os mesmos autores nos chamam a atenção para o questionamento se o programa, ao
propor a aquisição por compra de terrenos com áreas inferiores a 15 módulos fiscais e
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de terras produtivas superiores a 15 (não passíveis de desapropriação por interesse
social), estaria realmente vistoriando estas últimas, antes de iniciar a negociação, pois,
caso contrário, estariam negociando terras improdutivas que deveriam ser
desapropriadas por interesse social, e não compradas. Isto é, o programa estaria
encobrindo proprietários que fogem à vistoria.
Além de assentamentos por desapropriação por interesse social e “criação” de linhas de
financiamento para compra de terrenos, o II Plano tinha como metas, relacionadas ao
acesso à terra: a regularização das posses; o cadastramento georreferenciado; o
reconhecimento, demarcação e titulação de terras quilombolas e o reassentamento dos
ocupantes não índios de áreas indígenas (políticas estas que não serão tratadas neste
artigo).
Quanto à importância do cadastro e georreferenciamento, medida que já passou por
muitas tentativas em governos anteriores, que se justifica uma vez que as
“possibilidades de obtenção de terras para Reforma Agrária estão condicionadas por
dois indicadores que dependem das informações contidas no Cadastro do INCRA:
módulo fiscal17 e os índices de produtividade” (II PNRA, 2003, p.23). Além disso, o
georefernciamento possibilita um maior controle de quem e quanto deve ser pago de
ITR e, também, identificar as terras devolutas e “vazios” territoriais (áreas de grande
interesse por parte dos grileiros). Porém, segundo MENDONÇA e RESENDE (2004),
tais dados estariam sendo disponibilizados livremente ao Banco Mundial, e
consequentemente, facilitando a privatização de áreas devolutas.
Quanto a atuação dos órgãos responsáveis pela reforma agrária no Governo Lula, cabe
observar que estes estiveram, na maioria do tempo, em mãos da agricultura patronal
(proprietária de 550 mil estabelecimentos e 70% das terras agrícolas).; enquanto que à
agricultura familiar (proprietária de 4,2 milhões de estabelecimentos e responsável por
70% da população ativa agrícola), coube ao INCRA e ao Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA) (SABOURIN, 2007), que “não dispõe [...] de
funcionários capacitados nem da capilaridade de representações locais nos Estados”
(SABOURIN, 2007, p.733)
Com relação às metas quantitativas do II PNRA, que compreendiam o período entre
2003-2006, de modo gera, foram as seguintes18: “META 1 - 400.000 novas famílias
assentadas; META 2 – 500.000 famílias com posses regularizadas; META 3 – 150.000
famílias beneficiadas pelo Crédito Fundiário [...]; META 6 – Implementar
13
cadastramento georreferenciado do território nacional e regularização de 2.2 milhões de
imóveis rurais” (II PNRA, 2003, p.38)19.
Quando do fim do primeiro mandato de Lula, sem a divulgação de um novo Programa
(um possível III PNRA) ou de novas metas, o INCRA divulgou os dados referentes aos
assentamentos realizados nos períodos, gerando grandes contestações dos estudiosos e
movimentos de luta pela terra. Se, por um lado o INCRA publicava que havia assentado
448.954 famílias entre 2003-2007, não era este o cenário que se via no campo.
FERNANDES (2007) protestando quanto a declaração do órgão, diz que se tratou de
um “processo autofágico” (indo além da prática já comum desde o governo FHC de
superfaturamento dos números de assentamentos atingidos): às famílias foram
fornecidas terras de assentamentos já existentes ou em áreas públicas, “expulsando
famílias assentadas. No lugar delas, são assentadas outras famílias. O problema não se
resolve em si – se reproduz em si” (p.166). Como foi colocado no artigo “MST contesta
números da reforma agrária do governo”20:
[...] a política de Reforma Agrária [do /governo Lula] nada tem de original e repete os mesmos passos do governo Fernando Henrique Cardoso: inflaciona números; contabiliza a reposição de lotes em assentamentos antigos como novos assentamentos e assentamentos precários no norte do país em terras públicas, preservando os grileiros da região.
OLIVEIRA (2010) explica: “como o INCRA não fez a reforma agrária, passou a
divulgar como dado dos assentamentos novos o total da RBs emitidas (Relações de
Beneficiários), que incluíam em seu total os assentamentos novos (Meta 1) que foram
somados à regularização fundiária (Meta 2), ao reconhecimento de assentamentos
antigos e aos reassentamentos de atingidos por barragens. (p.306-7). Isto é, apesar de
colocar as metas em separados, ao publicar os relatórios, o INCRA colocava todos os
dados como se fossem de assentamento de reforma agrária, além de relançar dados
antigos. Como OLIVEIRA (2006) já havia destacado sobre os dados emitidos referentes
a 2003-2005, se “[...] o II PNRA que é o documento oficial da reforma agrária
brasileira separou as metas, por que o MDA/INCRA as juntou na divulgação das
cifras?” (p.177-8)
Assim, o INCRA/MDA, para justificar seus anos de “trabalho”, começou a superfaturar
dados; mudar ou tirar os anos de criação/obtenção dos assentamentos; colocar
assentamentos provenientes de diferentes medidas, como se fossem por desapropriação
14
(equívocos conceituais propositais); além de venda ou simples “doação” ilegal de terras
devolutas do governo para grandes proprietários e empresas.
O governo, por sua vez, sustentava que havia assentado 81 mil famílias em 2004 e 36
mil famílias em 2006, enquanto dados levantados por OLIVEIRA (2006) indicam que
foram assentadas 9 mil em 2003; 35 mil em 2004 (menos de um terço do previsto pelo
órgão para os dois primeiros anos do governo); e em 2005, “feitos os expurgos e
reclassificações” pelo autor, teriam sido assentadas 45 mil famílias, em terras
desapropriadas, compradas ou públicas, sendo 54,3% da Relação dos Beneficiários
homologados destas últimas.
Ao final do primeiro mandato, o governo divulgou em 2007, segundo RAMOS FILHO
(2008), o documento Desenvolvimento agrário como estratégia: MDA Balanço 2003-
2006, no qual dizia ter cumprido 95,35% da META I. Na prática, porém, não se alterou
em quase nada a estrutura fundiária do país, tendo assentado apenas 192.257 famílias,
das 400 mil prometidas no plano. O governo, segundo o autor, teria não só dado mais
prioridade à compra do que à política de desapropriação, como também, em termo
absolutos e relativos, teria atingido mais famílias com uma Reforma Agrária de
Mercado, do que o próprio governo Fernando Henrique Cardoso.
Junto ao não cumprimento das metas propostas, no Governo Lula ainda foram
decretadas uma sequência de leis e medidas provisórias que, se não simplesmente
“doavam” as terras aos grande proprietários e grileiros, facilitavam em muito a
regularização de seus desejos: em 2005 foi aprovada a Lei 11.196 que permitia a
regularização das terras da Amazônia Legal de até 500 hectares; em 2008 transformada
a Medida Provisória 422 em Lei 11.763, que permite “a dispensa de licitação para
alienar os imóveis públicos da União até quinze módulos fiscais” (OLIVEIRA, 2011,
p.17), indo contra o artigo 191 da Constituição Federal, que afirma que os imóveis
públicos não poderão ser adquiridos por usucapião (OLIVEIRA, 2009b), passando “a
transformar os grileiros de terras públicas de até 1500 hectares em ‘falsos posseiros’”
(OLIVEIRA, 2009b, p.70). Em 2009, a Lei 11.952 (MP 458), que dispõe sobre a
regularização fundiária das ocupações em terras da União (OLIVEIRA, 2011). Tratam-
se pois de medidas que possibilitam a privatização das terras públicas, que de acordo
com a Constituição, deveriam ser destinadas para a reforma agrária.
15
Conclusões
Após o primeiro mandato do Governo de Luíz Inácio Lula da Silva, de acordo com
SANTOS (2011), a política que teve a maior área de assentamentos foi a regularização
fundiária, 74% (!), contra apenas 13% por desapropriação (10% por reconhecimento,
2% por compra e 1% por doação). Dos 74% de imóveis regularizados, a maioria estava
concentrada principalmente na região norte do país (o que comprova a crítica feita por
OLIVEIRA, sobre a legalização das terras griladas da Amazônia).
No segundo mandato (analisado por SANTOS, 2011, de 2007 a 2009), não foi
diferente: 75% da área dos assentamentos foi por regularização, contra apenas 7% por
desapropriação (16% por reconhecimento, 2% por compra e 0% por doação). Isto é, não
só as metas colocadas para 2003-2006 não haviam sido atingidas, como haviam
aprofundado ainda mais a Reforma de Mercado iniciada, principalmente, pelo Governo
de Fernando Henrique Cardoso e continuada pelo Governo Lula.
Assim, como primeiras conclusões, observamos que a Reforma Agrária no Governo
Lula (fazendo jus à aliança moderna entre o Estado e o Capital) foi responsável por
aprofundar a crise, intrínseca ao capitalismo, no campo brasileiro. Crise que, num
primeiro momento anterior a este governo (década de 1970), apareceu como
modernização do campo (Revolução Verde) que, na tentativa inerente ao capital de se
valorizar, de ampliar sua reprodução, internalizou o sobre-lucro da renda da terra,
incorporando a já formada categoria da propriedade privada da terra no Brasil,
modernizando os processos produtivos (PITTA, 2011).
Crise que hoje agrega à esta medida uma nova particularidade, novo aprofundamento: o
de inserir a todo custo o sujeito (sujeitado) ao mercado de consumo; Através da aliança
capital financeiro-Estado, que cuida para que, mesmo que precariamente, por meio de
créditos de consumo (de maquinário para produção no campo a outras mercadorias de
uso pessoal) e financiamentos (para compra de propriedade a pacotes tecnológicos)
(verdadeiras bolhas prestes a estourar), o indivíduo se realize como consumidor. A
título de exemplo: mesmo quando o assentamento não se dá por meio da
compra/financiamento, observa-se casos em que após sua consolidação (lê-se,
reprodução da propriedade privada terra), a primeira medida do Estado não é
possibilitar o acesso a água, mas sim à energia elétrica. Isto é: acesso a uma gama de
mercadorias, aparelhos eletrônicos e maquinário, garantindo a inserção no mundo do
cidadão-consumidor21.
16
Deste modo, após todos os apontamentos apresentados ao longo deste trabalho,
acreditamos que mais do que considerar como erros ou possíveis ilegalidades as
políticas adotadas no II PNRA, e nas políticas de reforma agrária de modo geral nos
últimos governos, devemos compreende-las como expressão, forma pela qual a crise e a
valorização do capital se efetivaram no Brasil e, no limite, produzem e reproduzem a
propriedade privada a todo instante.
Notas 1 Este trabalho está inserido dentro da pesquisa de Iniciação Científica de mesmo tema, sob orientação da Prof. Dr. Valéria de Marcos, realizado com bolsa CNPq e apoio do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. 2 SANTOS (2009), por exemplo, não apenas redistribuiu todos os dados, como parte da divisão dos assentamentos através das datas de criação e de obtenção destes pelos beneficiários. Sendo a primeira, a data em que as famílias têm acesso legal à terra, à área, e a segunda a data referente a regularização, a criação legal do assentamento. O autor pode então verificar “uma concentração dos assentamentos com a data de criação nos últimos governos, já a data de obtenção distribui os assentamentos entre os governos que realmente efetivaram a implantação.” (p.8) 3 Momento em que foi elaborado o Estatuto da Terra, que segundo RAMOS FILHO (2008) “consagrou-se como um instrumento para o controle dos conflitos sociais e as desapropriações somente corriam com o intuito de amenizá-los. Havia a previsão de ocupação de frentes pioneiras para amenizar as tensões e os conflitos em outras regiões, para tanto, foi utilizado o programa de colonização pública e privada. Apesar de defender a desapropriação por interesse social, contraditoriamente, pregava também a compra, a doação e a venda de terras. Outra questão, em destaque, foi a exclusão da empresa rural da possibilidade de desapropriação. Nesta lógica, os governos militares desenvolveram a política de colonização nas regiões Centro-Oeste e Norte do país.” (p.199-200). 4 “Assim, a desapropriação de áreas com produção de até 1.500 ha na Amazônia, 1.000 ha no Centro-Oeste, 500 ha no Nordeste e até 250 ha no Sul e Sudeste, não puderam mais acontecer. Além disso, para imóveis de até 10.000 ha, a desapropriação passava a incidir sobre apenas 75% da superfície do imóvel, podendo os 25% restantes ficar sob controle do proprietário.” (OLIVERIA, 2007, p.127) confira a citação, tem um sobre a mais ai 5 Como por exemplo: “o Programa Nacional de Desenvolvimento Rural Integrado (PONDERI) em uma tentativa de subordinar a reforma agrária à política agrícola, espaço controlado pelos grandes proprietários de terras; O Programa Interministerial de Fluxo Migratório com vistas a estabelecer um controle sobre os fluxos migratórios para o campo, a fim de desarticular os pontos de conflito no território nacional; o Programa de Irrigação do Nordeste (PROINE), que dissolveu os recursos da reforma agrária canalizando-os para grandes projetos de irrigação que, na prática, beneficiavam o grande capital” (RAMOS FILHO, 2008, p.204) 6 De acordo com RAMOS FILHO (2008), foram atingidos apenas 6,19% da meta de 1,4 milhões de famílias, e 15,22% do território brasileiro destinado no plano (que consistia em 43 milhões de hectares) foi destinado à reforma agrária; enquanto que, de acordo com MEDEIROS (2003), com base nos dados do INCRA, foram assentados 83.687 (aproximadamente 5,97%) famílias no período de 1985-1989. 7 Sendo que quando a desapropriação era feito com base no argumento de “utilidade pública”, o pagamento era feito com dinheiro (MEDEIROS, 2003) 8 Tentativa permanente de tentar alcançar a taxa de crescimento, composição orgânica do capital e obtenção da mais valia, colocada pelos países desenvolvidos (tempo médio de trabalho socialmente necessário para produção de uma determinada mercadoria), que tem como reprodução nos países como o Brasil, a alta tecnicidade dos processos produtivos e expulsão da força de trabalho (capital variável), na corrida por abocanhar mais mais-valia (DAMIANI, 2006). 9 Lei Complementar 87/96: “Art. 3º O imposto não incide sobre: […]II - operações e prestações que destinem ao exterior mercadorias, inclusive produtos primários e produtos industrializados semi-elaborados, ou serviços;” (retirado do sitewww.planalto.gov.br, acessado em 3/7/2012.
17
10 Índice desatualizado por pressão dos latifundiários, uma vez que são utilizados para determinar se a propriedade cumpre ou não sua função social: “Os índices utilizados atualmente pelo INCRA foram elaborados em 1980, baseados nos indicadores de produtividades das lavouras e dos rebanhos por hectares levando-se em conta o nível técnico da agropecuária, segundo os dados do censo agropecuário de 1975 do IBGE. (CARVALHO FILHO, 2004, p.338-9). E mesmo utilizando-se deste índice defasado, ao aplica-lo à grande propriedade pelo INCRA, 70% foram classificadas como improdutivas (OLIVEIRA, 2009a). 11 Toda a análise apresentada foi realisada com base no documento II Plano Nacional de Reforma Agrária: Paz, Produção e Qualidade de Vida no Meio Rural, retirado do site www.incra.gov.br, acessado em 10/03/2010, por Cecília Cruz Vecina. 12 Como nos coloca OLIVERIA (2010): “A análise deste quadro político parece indicar que o refluxo dos movimentos de massas e o fluxo dos recursos financeiros governamentais canalizados para as políticas compensatórias (bolsas de todos os tipos e estilos, etc), estariam aquietando aqueles que lutaram bravamente pela reforma agrária nos últimos 30 anos.” (OLIVEIRA, 2010 – artigo pdf os anos lula - p.21). 13 Retirado do site www.planalto.gov.br, acessado em 01/04/2012. 14 De acordo com RAMOS FILHO (2008): “Observe-se ainda que, nas diferentes unidades da federação, são os jovens que têm assumido a função de direção das organizações mais combativas do campo. Esta linha de crédito (CAF) é uma nova artimanha do Estado, para conter a ameaça da rebeldia da juventude camponesa organizada e que luta pela conquista de seu pedaço de chão.” (p.315) 15 “Os programas Combate à Pobreza Rural e Nossa Primeira Terra são idênticos aos programas Cédula da Terra e Crédito Fundiário de Combate à Pobreza do governo FHC. Da mesma forma, o Banco da Terra tem as mesmas características do Consolidação da Agricultura Familiar. Ou seja, são os mesmos programas apenas com pequenas modificações, mas a concepção central da mercantilização da reforma agrária permanece igual. De acordo com essa concepção, o Estado abre mão da sua obrigação de promover a desconcentração fundiária, mediante a distribuição da terra, para que as grandes empresas possam assumir o controle do território agrário.” (MENDONÇA e RESENDE, 2004, p.77) 16 “Os programas Combate à Pobreza Rural e Nossa Primeira Terra são idênticos aos programas Cédula da Terra e Crédito Fundiário de Combate à Pobreza do governo FHC. Da mesma forma, o Banco da Terra tem as mesmas características do Consolidação da Agricultura Familia, ou seja, são os mesmos programas, apenas com pequenas modificações” (MENDONÇA e RESENDE, 2004, p.77 17 Vale destacar, mais uma vez, no que se refere às escolhas dos termos que o governo fez no programa (e que podem passar despercebidas), que ao usar como medida o conceitos de modulo fiscal ao invés de modulo rural, o governo está pautando a reforma agraria, não só em uma medida desatualizada (uma vez que é de interesse da bancada ruralista que assim permaneça, sendo usada, de acordo com a lei 8.629, de 1993, como parâmetro para determinar o índice de produtividade) numa concepção de terra em seus fatores limitantes, quanto ao tamanho, e defendida pelos municípios (isto é, muito mais suscetível às pressões políticas); enquanto o termo modulo rural “supõe uma unidade de medida, também expressa em hectares, que busca refletir a interdependência entre a dimensão, a situação geografia da propriedade rural, a forma e as condições do seu aproveitamento econômico. Deriva do conceito de propriedade familiar, que o Estatuto da Terra (Lei n˚4.504/64, inciso II, artigo 4˚)” (PAULINO, 2010, p.88), “área necessária [...] para prover a subsistência de uma família.”(MEDEIROS, 2003, p.43) o que teria muita mais sentido usar numa carta programa sobre Reforma Agrária. Reescreva, divida a frase. Vc diz muita coisa de uma vez sem pontuação, fica impossivel seguir teu raciocínio 18 Não consideramos, entre as 11 metas apresentadas no II PNRA, as que tratavam: apenas de questões de melhora qualitativa – como a meta 4 “Recuperar a capacidade produtiva e a viabilidade econômica dos atuais assentamentos” –; que não forneciam metas quantitativas - como a meta 7 “Reconhecer, demarcar e titular áreas de comunidades quilombolas” –; ou, como no caso da meta 5, referente ao números de postos de trabalhos a serem criados, pós não toca no diretamente na questão do fornecimento de terra, mas sim suas consequências. 19 Quanto às metas propostas no Plano elaborado pela equipe do Plínio de Arruda Sampaio (citando entrevista de José Juliano de Carvalho Filho, publicada na revista Estudos Avançados), e suas semelhanças ás propostas no Plano aprovado pelo Governo Lula (mostradas em itálico e entre colchetes, retida do próprio II PNRA, retirado do site www.planalto.gov.br), estas eram: “Meta 1 – Dotar um milhão de famílias de trabalhadores pobres do campo com uma área de terra suficiente para obter com seu trabalho, uma renda compatível com uma existência digna. Essa meta seria cumprida em quatro anos (2004 a 2007), com duzentas famílias assentadas anualmente, nos três primeiros anos, e quatrocentas mil
18
no último ano do Plano Plurianual de Investimentos (PPA) [No PNRA do governo Lula, ficaram de 400 mil famílias assentadas, 500mil para terem suas posses regularizadas e 150mil beneficiadas com Crédito Fundiário, totalizando 1.100.000]; Meta 2 – Assegurar às famílias beneficiárias das ações de reforma agrária e dos agricultores familiares uma renda brutal equivalente a três salários mínimos e meio, composta de renda monetária e valor de autoconsumo. Meta 3 – Criar 2,5 milhões de postos de trabalho permanente no setor reformado. [O PNRA do governo Lula fala em 2.075.000]; Meta 4 – consolidar os assentamentos de reforma agrária já constituídos, mas que ainda não atingiram a meta de renda fixada para os novos assentamentos. [conversa com a Meta 4 do Plano oficial – “Recuperar a capacidade produtiva e a viabilidade econômica dos atuais assentamentos]; Meta 5 – regularizar os Quilombos [conversa com a Meta 7 do Plano oficial – “Reconhecer, demarcar e titular áreas de comunidades quilombolas]; Meta 6 – Regularizar a situação dos agricultores ribeirinhos desalojados para a construção de barragens. [discussão também realizada ao longo do Plano oficial]; Meta 7 – Reassentar, fora do perímetro das áreas indígenas, posseiros com posses de até 50 há, atualmente estabelecidos naquelas áreas. [semelhante à Meta 8 do Plano oficial – “Garantir o reassentamento dos ocupantes não índios de áreas indígenas”]; Meta 8 – Efetuar o levantamento georeferenciado do território nacional, a fim de sanear definitivamente os títulos de propriedade de terras do país. [conversa com a Meta 6 do Plano oficial]; Meta 9 – Atender aos assentados e aos agricultores familiares das áreas de reordenamento fundiário e desenvolvimento territorial com assistência, extensão rural e capacitação. [assemelha-se a Meta 10 do Plano oficial – “Garantir assistência técnica e extensão rural, capacitação, crédito e políticas de comercialização a todas as famílias das áreas reformadas”]; Meta 10 – Levar, por meio do Plano de Safra, o crédito agrícola e a garantia de preços mínimos aos assentados e agricultores familiares. Esta meta é fundamental para viabilizar o nível de renda prevista. A eficiência da política depende também de outra sugestão, qual seja, assentar e atuar adensando os agricultores assentados e atuais agricultores familiares em territórios, constituindo áreas reformadas.” (CARVALHO FILHO, 2004, p.338) 20Artigo de 22/12/2005, retirado do site http://www.mra.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=311&Itemid=2 acessado em 11/05/2012. 21 Discussão levantada em trabalho de campo pelo oeste paulista, desenvolvido pelo Prof. Dr. Anselmo Alfredo, na disciplina Geografia do Estado de São Paulo (FFLCH/USP), de 20 a 23 de maio de 2010.
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19
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