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Eles foram enviados ao Afeganistão para capturar ou eliminar um líder da al Qaeda. Eles são os soldados mais bem treinados dos EUA. Eles são SEALs. Mas apenas um deles voltou. O único sobrevivente é o testemunho emocionante de Marcus Luttrell, combatente de elite da Marinha dos EUA que enfrentou as montanhas repletas de terroristas e perdeu toda a sua equipe. O estilo apaixonante dos autores faz deste livro um dos relatos de guerra mais impressionantes da história contemporânea.

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PRÓLOGO

Seráquealgumdiaisso icariamaisfácil?Decasaemcasa,deestradaemestrada,deestadoemestado?Atéagora,não.Eali estavaeu,novamente,atrás do volante de uma caminhonete alugada, dirigindo por outra ruaprincipal, passandopelas lojas e o postode gasolina, dessa vez emSouthShore, uma cidadezinha varrida pelo vento em Long Island, Nova York,perto das longas praias do Atlântico. O inverno chegava. O céu estavaprateado.Asondasdeespumabrancaquebravamsobasnuvensescuras.Tão terrivelmente apropriado, pois dessa vez seria pior que as outras.Muitopior.

Encontrei omeu ponto de referência, a agência local dos correios, eestacionei atrásdoprédio. Todos saímosdo veículo, no friodeumdiadenovembro,comasúltimasfolhasaindaseagitandoaoredordenossospés.Ninguém queria ir na frente, nenhum dos cinco caras que meacompanhavame,poruminstante,nóssimplesmente icamosali,comoumgrupodecarteirosnahoradodescanso.

Eu sabia onde tínhamos que ir. A casa icava naquela rua, apenasalgunsmetrosadiante.Decertaforma,jáhaviaestadoantesali–nosuldaCalifórnia, no norte da Califórnia e emNevada. Nos próximos dias, aindatinha que visitar Washington e Virginia Beach. Portanto, muitas coisasseriamprecisamenteasmesmas.

Eraumatristezafamiliardevastadora,otipodedorquebrotaquandojovenssãopodadosemsuamelhorépoca.Amesmasensaçãodevazioemcada um dos lares. As mesmas lágrimas incontroláveis. O mesmosentimento de desolação, de gente corajosa tentando mostrar coragem,vidasquehaviamsidoestilhaçadas.Inconsoláveis.Repletasdetristeza.

Como antes, eu era o portador da notícia insuportável, como seninguém soubesse da verdade até a minha chegada, tantas semanas emeses após tantos funerais. E, para mim, esse pequeno encontro emPatchogue,LongIsland,seriaopior.

Tenteimeconter.Mas,emminhacabeça,euouvia,novamente,aquelegritoterrível,terrível,omesmoquemeacordaeentrazombandoemmeus

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sonhos, noite após noite, a con irmação da culpa. A culpa in inita dosobrevivente.

“Ajude-me,Marcus!Porfavor,meajude!”Foiumapelodesesperado,nasmontanhasdeuma terraestrangeira.

Foi um grito dado nos penhascos ecoantes de um dos lugares maissolitários do planeta. Foi o grito quase irreconhecível de uma criaturamortalmente ferida. E foi um apelo a que não pude atender. Não possoesquecer.Porquefoifeitoporumadasmelhorespessoasqueconheci,umhomemque,poracaso,erameumelhoramigo.

Todas as visitas haviam sido ruins. A irmã e a esposa de Dan, umaamparandoaoutra;opaideEric,umalmirante,solitáriocomsuatristeza;a noiva e o pai de James; a esposa de Axe e os amigos da família; aarrasada mãe de Shane, em Las Vegas. Todas foram terríveis, mas essaseriaapior.

Eu inalmenteguieiocaminhoporentreasfolhasquerevoavam,pelaruafriaeestranha,rumoàcasinhacomseupequeno jardim,nessesdias,com a grama por cortar. Mas as luzes que iluminavam uma bandeiraamericanaaindaestavambemali,najaneladafrente.Eramasluzesdeumpatriota e brilhavam, desa iadoramente, como se ele ainda estivesse ali.Mikeyteriagostadodisso.

Todos paramos por alguns instantes, depois subimos os degraus ebatemos à porta. A senhora que atendeu à porta era bonita, com seuscabeloslongoseescuros,osolhosjátransbordandodelágrimas.Suamãe.

Sabiaqueeuhaviasidoaúltimapessoaavê-lovivo.Emeolhavacomumaexpressão tãoprofundade tristezaquequasemepartiuaomeio,aodizerbaixinho:“Obrigadaporvir”.

Dealguma forma, consegui responder: “Éporcausadeseu ilhoqueestouaqui”.

Aoentrarmos,olheiemfrente,namesadocorredor,esobreelahaviaumafotogra iaemolduradadeumhomemolhandodiretamenteparamim,meioquesorrindo.AliestavaMikey,tudooutravez,epudeouvirsuamãedizer:“Elenãosofreu,sofreu?Porfavor,medigaqueelenãosofreu”.

Precisei passar a manga da minha jaqueta nos olhos antes deresponder. Mas respondi. “Não, Maureen. Não sofreu. Ele morreuinstantaneamente.”

Eu disse a ela o que elame pediu para dizer. Esse tipo de respostatática estava se tornando um equipamento essencial para o únicosobrevivente.

Tentei lhe falar sobre a coragem in lexível de seu ilho, sua

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determinação, seu controle. E como eu já passara a esperar, ela pareciaaindanãoaceitar.Nãoatéque izorelato.Fuiopilaressencialeconclusivodasmásnotícias.

Aolongodahoraseguinte,tentamosfalarcomoadultos.Masfoimuitodi ícil.Havia tantoquepoderia serditoenão foi.Enem todaa ajudadosmeustrêscamaradas,maisobombeiroeopolicialquenosacompanhavamfezdiferença.

Mas essa era uma jornada que eu tinha de completar. Prometera amim mesmo que o faria, independentemente do que fosse preciso, poissabia o que representaria para cada um deles. Compartilhar a angústiapessoalcomalguémqueestavalá.Decasaemcasa,depesarempesar.

Considerava aquilo como meu dever de juramento. Mas isso não otornava mais fácil. Ao sairmos, Maureen abraçou todos nós. Acenei acabeça formalmente para a fotogra ia domeumelhor amigo e descemosporaquelepequenocaminhotriste,rumoàrua.

Aquelanoiteseriaigualmenteruim,poisiríamosverHeather,noivadeMikey, em seu apartamento no centro da cidade de Nova York. Não erajusto.Elesestariamcasadosaessaaltura.E,nodiaseguinte,eutinhadeiratéocemitérionacionaldeArlington,paravisitarostúmulosdemaisdoisamigosausentes.

Sob qualquer parâmetro, foi uma jornada cara, longa e melancólica,atravessandoosEstadosUnidosdaAmérica,pagapelaorganizaçãonaqualtrabalho.Comoeu,comotodosnós,elesentendem.E,assimcomoacontececomtantasorganizaçõesdeportequetêmumaforçadetrabalhodedicada,pode-se dizer muito sobre eles, através de sua iloso ia, seu estatutoescrito,seassimsepreferir.

É o papel escrito que de ine seus empregados e seus padrões. Pormuitos anos, venho tentando basear minha vida em seu parágrafo deabertura:

“Emtemposdeincertezaháumaestirpeespecialdeguerreiro,prontoa atender ao chamado de nossa nação; um homem comum com desejoincomum de êxito. Forjado pela adversidade, ele está com as melhoresforças especiaisdaAméricapara servir a seupaís e opovoamericano, eprotegerseumododevida.Eusouessehomem.”

Meu nome éMarcus.Marcus Luttrell. Sou um SEAL daMarinha dosEstados Unidos, um Líder de Equipe, SDV Equipe 1, Pelotão Alfa. Comoqualquer outro SEAL, sou treinado em armamento, demolição e combatedesarmado. Sou atirador e pertenço ao pelotãomédico. Porém, acima detudo,souumamericano.E,quandosoaasirene,saiolutandopelomeupaís

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emeuscompanheirosdeequipe.Seforpreciso,atéamorte.EissonãoésóporqueosSEALsmetreinaramparafazê-lo;éporque

estou disposto a fazê-lo. Sou umpatriota e luto com a estrela solitária doTexasemmeubraçodireitoeoutrabandeiradoTexassobremeucoração.Paramim,aderrotaéinconcebível.

Mikeymorreuno verão de 2005, lutando ombro a ombro comigo nointeriormontanhoso do nordeste do Afeganistão. Ele era omelhor o icialque já conheci, um soldado de alma de ferro, de uma coragem colossal,quaseinacreditável,diantedoinimigo.

Quemteria acreditado eram os meus outros dois camaradas, quetambém lutaramemorreram lá emcima.EramDanny eAxe: doisheróisamericanos, duas iguras altivas numa força de combate onde o valor éuma virtude comum. Suas vidas servem de testemunho do parágrafocentraldafilosofiadosSEALsdaMarinhadosEUA:

“Jamais desisto. Persevero e prospero na adversidade. Minha naçãoesperaqueeuseja isicamentemaisduroementalmentemaisfortedoquemeusinimigos.Seeucair,voumelevantar,acadavez.Voulançarmãodetoda a força que ainda me restar para proteger meus companheiros deequipeerealizarnossamissão.Jamaisestouforadecombate.”

Comomencionei,meu nome éMarcus. E estou escrevendo este livropor causa dos meus três camaradas, Mikey, Danny e Axe. Se eu nãoescrever,ninguémjamaiscompreenderáacoragemindomáveldessestrêsamericanossobofogocruzado.Eessaseriaamaiortragédiadetodas.

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1GrupodeoperaçõesespeciaisdaMarinhadosEUA.(N.T.)2Apalavra“SEAL”,eminglês,significafoca.(N.T.)

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1AOAFEGANISTÃO…NUMDEPÓSITOVOADOR

Era a hora do troco pelo World Trade Center.Estávamos indoatrásdoscarasque izeramaquilo.Senãorealmentedoscaras,entãodeseusirmãosdesangue, os lunáticos que ainda desejam nos vermortosepodiamtentardenovo.

As despedidas tendem a ser curtas entre os SEALs1. Um rápido tapinhanas costas, um abraço amistoso, ninguém expressando o que todos estãopensando:Lá vamosnós de novo, caras, vamos à guerra, para outro pontoconturbado,comoutro inimigomeia-bocaquerendoarriscarasortecontranós…sópodemestarforadesi.

ÉumnegóciodosSEALs,nossainvencibilidadesilenciosa,ocódigodesilêncio dos guerreiros de elite das forças armadas americanas. Carasgrandes,rápidos,altamentetreinados,armadosatéosdentes,especialistasemcombatedesarmado,tãofurtivosqueninguémnuncanosouvechegar.Os SEALs sãomestres estrategistas, pro issionais com ri les, artistas comarmasdefogoe,senecessário,muitohábeiscomfacas.Emtermosgerais,acreditamosquehápouquíssimosproblemasnomundoquenãopossamosresolvercomexplosivosoubalasbemdirecionadas.

Operamosnomar,na terraounoar. Foi assimqueganhamosnossonome. SEALs da Marinha Americana, submersos, sobre a água ou foradela.2Cara,nóspodemosfazertudo.E,paraondeestávamosindo,pareciaserestritamenteforad’água.Bemforad’água.Maisdetrêsquilômetrosaoaltodasmontanhasáridaseenluaradas,numdoslugaresmaissolitáriosesemleidomundo.OAfeganistão.

“Tchau,Marcus.”“Boasorte,Mikey.”“Vácomcalma,Matt.”“Vejovocêsmaistarde.”Eu lembro como se fosse ontem, alguém abrindo a porta de nosso

alojamento, a luz se derramando sobre a noite escura do Barein, esseestranhoreinodesértico,unidoàArábiaSauditaporumaestradaelevadadepoucomaisdetrêsquilômetros,chamadaKingFahd.

Nós seis, vestidos em trajes leves de combate – roupas cáqui, com

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botas Oakley –, saímos rumo a uma brisa leve e quente. Era março de2005, ainda não estava mais quente que o inferno, como ica no verão.Aindaassim,bemquenteparaumgrupodeamericanos,naprimavera,atémesmo para um texano como eu. O Barein ica na 26 a linha de latitudenorte. Isso é mais do que seiscentos quilômetros ao sul de Bagdá, e équente.

Nossa unidade, especi icamente, estava posicionada no lado sul dacapital, Manama, bem ao lado nordeste da ilha. Isso signi icava quetínhamos de ser transportados passando bem pelomeio da cidade, até abase aérea americana, na ilha de Muharraq, para todos os voos indo evindo de Barein. Não nos importávamos com isso, mas também nãoadorávamos.

Aquelapequena jornada,detalvezunsoitoquilômetros,nos levavaapassar por uma cidade com o mesmo sentimento que o nosso. Os locaistambém não nos amavam. Demonstravam uma expressão emburrada,como se estivessem fartos de ter militares americanos ao redor. Naverdade, havia distritos emManama conhecidos como áreas de bandeiranegra, onde comerciantes, donos de lojas e cidadãos civis penduravambandeiras negras do lado de fora de suas propriedades, sinalizando queAmericanosnãosãobem-vindos.

AchoquenãoeratãoodiosoquantooJudenVerboten,naAlemanhadeHitler.Mashá correntes subterrâneasdeódiopor todoomundoárabeesabíamos que havia muitos simpatizantes dos fanáticos extremistasmuçulmanos do Talibã e da al-Qaeda. As bandeiras negras funcionavam.Nósficávamosbemlongedaqueleslugares.

Entretanto, tínhamos que passar pela cidade, num veículodesprotegido,atéoutraestradaelevada,aSheikHamad,cujonomeeraemhomenagemaoemir.Hágrandeselevadoseeuachoquedevemconstruirmais, já que há outras trinta e duas ilhas formando o arquipélago doBarein,doladoocidentaldacostasaudita,nogolfodoIrã.

Dequalquerforma,nósdirigíamospassandoporManama,saindoemMuharraq,onde icaabaseaéreaamericana,aosuldoprincipalaeroportointernacional do Barein. Havia um imenso avião turbo, um cargueiroHercules C-130. É uma das aeronaves mais barulhentas da estratosfera,uma caverna de aço enorme, ecoante, especialmente desenhada paratransportar carga pesada – nada sensível, delicada ou conversadorespoéticos,comonós.

Embarcamosealojamosnossoequipamentoessencial:armaspesadas

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(metralhadoras), ri lesM4,pistolas9mmSIG-Sauer,canivetesde lâminaslongas (facas de combate), cintos de munição, granadas, equipamentomédico e de comunicação. Alguns dos caras armaram redes feitas detrançadogrosso.O restantedenós sentou-se em suaspoltronas, tambémfeitasdetecidotrançado.Nãotinhanadadeclasseexecutiva.Masrãsnãoviajamcompoucopesoenãoesperamconforto.Ouseja,homens-rã,oquetodossomos.

Presos aqui nesse depósito voador, essa forma absolutamenteprimitivade transportedepassageiros,haviaumacertaalegriaenquantonossegurávamosesacudíamos.Porém,senósseisfôssemoscolocadosemalgumburacoinfernaldebatalhanosolo, icássemosencharcados,mortosde frio, feridos, encurralados, em desvantagem numérica, lutando pornossasvidas,vocênãoouviriaumaúnicapalavradereclamação.Essaéaforma de nossa irmandade. É uma irmandade estritamente americanaformada,principalmente,pelosangue.Ganhaaduraspenas, indestrutível.Construída no compartilhamento do patriotismo, coragem e na con iançade uns nos outros. Não há nenhuma força de combate nomundo que seassemelheànossa.

Depoisdorugir retumbantedas turbinasdeBoeing,aequipedevooveri icou que estávamos todos de cintos a ivelados. Jesus, o barulho erainacreditável. Eu parecia estar sentado na caixa de marcha. A aeronaveinteira balançou ruidosa, enquanto deslizávamos pela pista, decolandorumo ao sudoeste, direto para o vento do deserto que soprava em terrairme,napenínsulaárabe.Nãohavianenhumoutropassageiroabordo.Sóatripulaçãodevooe,aofundo,nós,seguindoparaotrabalhodeDeus,emnome do governo americano e nosso comandante supremo, o presidenteGeorgeW.Bush.Decertaforma,estávamostodossozinhos.Comosempre.

SobrevoamosogolfodoBareinedemosuma longaguinadarumoaonosso curso leste. Seria muito mais rápido seguir diretamente para onordeste,atravessandoogolfo.MasissonosfariasobrevoararegiãodúbiamontanhosadosuldaRepúblicaIslâmicadoIrãeissonósnãofazemos.

Em vez disso, nos mantemos ao sul, voando alto, sobre os desertosamistososdosEmiradosÁrabes,aonortedasareiasescaldantesdeRubalKhali,ouEmptyQuarter(aregiãovaziadodeserto).Atrásdenós icavamos caldeirões febris de rancor do Iraque e, bem perto, o Kuwait, lugaresonde eu havia servido antes. Abaixo de nós estavam os reinos maisamistosos e iluminados do deserto, da futura capital mundial do gásnatural, o Qatar; oemirado do petróleo de Abu Dhabi; os reluzentesarranha-céus modernos de Dubai; e, mais ao leste, a costa íngreme de

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Oman.Nenhumdenósestavaespeci icamentetristeemdeixaroBarein,que

foi o primeiro local do OrienteMédio onde o petróleo foi descoberto. Eletem sua história e sempre nos divertíamos nos mercados locais,barganhandopor tudo comos comerciantes.Masnuncanos sentimosemcasa ali e, de alguma forma, ao subirmos ao céu escuro, sentimos estardeixando para trás tudo de ruim da região setentrional do golfo,embarcandonumanovamissão,umaqueentendíamos.

Em Bagdá, lutávamos contra um inimigo que geralmente nãoconseguíamosvereéramosobrigadosasairemsuacapturaeencontrá-lo.E,quandooencontrávamos,raramentesabíamosdequemsetratava–al-Qaedaou talibã,xiitaousunita, iraquianoouestrangeiro,umguerrilheirolutando por Saddam ou um insurgente lutando por algum tipo de deusdiferente do nosso, um deus que, de alguma forma, sancionava oassassinatode civis inocentes, umdeusque chutouosDezMandamentosparaforadecampo.

Eles estavam sempre presentes, sempre perigosos, dando-nos umanoçãoclaradeconfusãoabsoluta.Dealgummodo,mudandodeposiçãonoimenso cargueiro Hercules, estávamos deixando para trás um lugar quesistematicamente se destruía e seguíamos rumo a um lugar repleto dehomens selvagens, das montanhas, que estavam determinados a nosdestruir.

Afeganistão. Isso eramuito diferente. Aquelasmontanhas no alto donordeste, a ponta ocidental da cadeia montanhosa Hindu Kush, eram asmesmasmontanhas onde estava o Talibã e abrigavamos lunáticos da al-Qaeda, protegendo os loucos seguidores de Osama bin Laden, enquantoelestramavamosataquesaoWorldTradeCenter,emNovaYork,em11desetembro.

Foi ali que os soldados de bin Laden encontraram uma base detreinamento. Vejamos, al-Qaeda signi ica “a base”, e, em retribuição aodinheiro do fanático saudita bin Laden, o Talibã tornou isso possível.Naquelemomento,essesmesmoscaras,remanescentesdoTalibãealgunsdos últimos guerreiros da al-Qaeda, estavam preparando-se pararecomeçar, tentando abrir caminho pelas passagensmontanhosas, com aintençãodeestabelecernovoscamposdetreinamentoequartéis-generaismilitares e, por im, instituir seu próprio governo, em lugar do que haviasidoeleitodemocraticamente.

Eles podem não ter sido precisamente os mesmos caras queplanejaram o 11 de Setembro. Porém, certamente eram seus

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descendentes, herdeiros, seguidores. Faziam parte da mesma trupe quederrubou as torres norte e sul na Big Apple, naquela manhã infame deterça-feira, em 2001. E nossa tarefa era detê-los, bem ali, naquelasmontanhas,pelosmeiosquefossemnecessários.

Até então, esses homens das montanhas andaram fazendo um bomestrago emnosso exército, com seus cavaleiros. Que foimais oumenos omotivo pelo qual a alta patente mandou nos chamar. Quando as coisasicammuitoruins,elesgeralmentemandamnoschamar.Épor issoqueaMarinha passa anos treinando equipes em Coronado, na Califórnia, e emVirginia Beach. Especialmente para horas assim, quando a luva de pelicadoTioSamabrecaminhoparaopunhodeaçodaSPECWARCOM(SpecialForcesCommandouComandodeForçasEspeciais).

E era por isso que todos nós estávamos ali. Nossamissão podia serestratégica, secreta. No entanto, um ponto era absolutamente claro, aomenosparaosseisSEALsnaqueleHerculesretumbante,acimadodesertoárabe.EraahoradotrocopeloWorldTradeCenter.Seguíamosnacapturados caras que haviam feito aquilo. Se não verdadeiramente dos caras,então,de seus irmãosde sangue, os lunáticosqueaindadesejamnosvermortosepodiamtentarnovamente.Mesmacoisa,certo?

Sabíamos o que viéramos procurar. E sabíamos para onde íamos: láemcimadospicosaltosdoHinduKush,aquelasmesmasmontanhasondebin Laden ainda poderia estar e onde suas novas hordas de discípulosaindaestavamseescondendo.Emalgumlugar.

A simples clareza de propósito era inspiradora para nós. As ruasempoeiradas e traiçoeiras de Bagdá, onde até crianças de três e quatroanoseramensinadasanosodiarhaviam icadoparatrás.Bememfrente,noAfeganistão,aguardavaumcampodebatalhaondepodíamoslutarcomnossosinimigos,forçacontraforça,ardilcontraardil,açocontraaço.

Issotalvezpossaserumpoucoassustadorparasoldadoscomuns.Masnão para os SEALs. E posso a irmar, com absoluta certeza, que nós seisestávamos empolgados com a possibilidade, ansiando por fazer nossotrabalho lá fora, certos de nosso êxito, con iantes em nosso treinamento,experiência e julgamento. Veja, nós éramos invencíveis. Isso é o que nosensinaram.Énissoqueacreditamos.

Está escrito lá, em preto e branco, na iloso ia o icial dos SEALs daMarinhaamericana,nosdoisúltimosparágrafos:

Treinamos para a guerra e lutamos para ganhar. Estou prontoparaaplicar todoopoderdecombatedemodoa realizarminha

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missão e as metas estabelecidas pelo meu país. A execução domeu dever será imediata e violenta, quando necessário, noentanto,guiadapelosmesmosprincípiosquesirvoparadefender.Homenscorajososlutaramemorreramconstruindoatradiçãodeorgulho e temida reputação que eu me obrigo a defender. Naspiores condições, o legado de meus companheiros de equipeequilibraminharesoluçãoesilenciosamenteguiatodasasminhasações.Nãofalharei.

Cadaumdenósdeixouabarbacrescer,para icarmaisparecidocomos combatentes afegãos. Para nós, era importante ter uma aparência nãomilitar, não se sobressair na multidão. Apesar disso, posso lhe garantirque, se três SEALs fossem colocados numaeroporto lotado, eu localizariatodos,apenasporsuapostura,con iança,disciplinaevidente,aformacomocaminham.Nãoestoudizendoqueninguémmaisosreconheceria.Maseu,certamente.

Os caras que viajaram do Barein comigo eram notoriamentediferentes, até para os padrões SEAL. Havia o sargento (SGT2) MatthewGeneAxelson,comtrintaanosincompletos,subo icialdaCalifórnia,casadocomCindy,dedicadoaelaeaospais,CordelleDonna,eaoirmão,Jeff.

Eu sempre o chamava de Axe e o conhecia bem.Meu irmão gêmeo,Morgan, era seu melhor amigo. Ele já havia estado em nossa casa, noTexas, e eu e ele já estávamos juntos há tempos, na Equipe SEAL DVT1,Pelotão Alfa. Ele e Morgan foram companheiros de nado no treinamentoSEALeforamjuntosparaaescoladetiro.

Axeeraumcaraquieto,tinha1,92m,olhosazuisperfurantesecabeloenrolado. Ele era esperto e o melhor jogador de Trivial Pursuit (jogo deconhecimentos gerais) que já vi. Eu adorava conversar com ele por seuvasto conhecimento. Ele dava respostas que desa iariam o conhecimentodeumprofessordeHarvard.Lugares,países, suaspopulações,principaisindústrias.

Nas equipes, ele era sempre pro issional. Nunca o vi chateado esempre sabia exatamenteoqueestava fazendo.Eraapenasumdaquelescaras.Geralmentefazia,comopénascostas,algodi ícilouconfusoparaosoutros. Em combate, era um atleta supremo, rápido, violento, brutal, senecessário.Suafamília jamaisconheceuesseseulado.Elesapenasoviamcomoummarinheirocalmoealegre,que tranquilamentepoderia ter sidoum jogadorde golfe pro issional, um cara que adoravaumaboa risada eumacervejagelada.

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Era quase impossível conhecer uma pessoa melhor. Ele era umhomeminacreditável.

E havia meu melhor amigo, o tenente Michael Patrick Murphy,também commenos de trinta, formado com honras pela Penn State, umjogador de hóquei, aceito emdiversas faculdades de direito antes de darumaguinadafortenolemeemudarseucursoparaaMarinhadosEstadosUnidos.Mikeyeraum leitor inveterado. Seu livroprediletoera Portões defogo, de Steven Press ield, a história imortal dos espartanos emTermópilas.

Ele tinha uma vasta experiência no OrienteMédio, tendo servido naJordânia,QatareemDjibouti,naÁfrica.ComeçamosnossascarreirascomoSEALs namesma época e provavelmente fomos unidos por uma devoçãocompartilhada por respostas espertas. Nenhum de nós dois conseguiadormirseestivessesobamaislevepressão.Compartilhávamosainsôniaeohumor.Ficávamosjuntos,debobeira,tardedanoite,epossoa irmarqueninguémnuncamefezrirdaquelejeito.

Euestavasemprezombandodelepelasujeira.Àsvezes, saímosparapatrulhar noites seguidas, durante semanas, e não parecia haver tempopara tomar banho nem fazia sentido tomar, se fosse provável que vocêestariaatoladoatéasaxilasdentrodeumpântanoalgumashorasdepois.Aqui estava uma conversa típica entre nós, o icial líder da equipe com osuboficialSEAL:

“Mikey, você está cheirando a merda, pelo amor de Deus. Por quediabosnãotomaumbanho?”

“Imediatamente,Marcus.Lembre-medefazerissoamanhã,podeser?”“Entendido,senhor!”Aos mais próximos e mais queridos, ele costumava recorrer a uma

grande loja de presentes, também conhecida como a malha rodoviáriaamericana. Lembroque ele deu a sua lindanamorada,Heather, um conede tráfego, em seu aniversário. No Natal, deu a ela uma daquelas luzesvermelhas que piscam, que são colocadas em cima do cone, à noite.Embrulhadaempapeldepresente,éclaro.Umavez,elemedeuumaplacadePARE,nomeuaniversário.

E você precisava ver suamala de viagem. Era umamochila de lonaimensa, de hóquei, daquele tipo carregado pelo seu time favorito, o NewYorkRangers.AbagagemmaispesadadaMarinhainteira.MasnãotinhaologodosRangers.Sótraziaaspalavras“NãoEnche”.

Nãohavianenhumasituaçãoemquenãoarranjassealgumarespostaesperta.Umavez,Mikeyseenvolveunumacidenteautomobilísticoterrível,

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quasefatal,eumdoscaraspediuqueeleexplicasseoqueaconteceu.“Ora, vamos”, disse o tenente nova-iorquino, como se já fosse um

assuntobatido.“Vocêestásempretocandonesseassuntoantigo.Xapralá.”Otalacidentehaviasidoapenasdoisdiasantes.Eletambémfoiomelhortenentequeconheci,umlídernato,umSEAL

excepcionalquejamais,emtempoalgum, icavamandandonosoutros.Erasempreporfavor. Semprevocêpoderia? JamaisFaçaisso, façaaquilo.Eelesimplesmente não tolerava qualquer outro o icial de alta patente, emserviçoounão,queviessepressionarumdeseushomens.

Fazia questão de aguentar o tranco. Sempre tomava a pancada. Sehouvesseumareprimenda,eleassumiaaculpa.Masqueninguémtentassepassarporeleerepreenderumdeseuscaras,poiseleeraumadversárioformidável,quandoirritado.Eissooirritava.

Era excelente embaixo d’água e um nadador poderoso. O problemaeraserumpoucolentoeessaerarealmenteasuaúnicafalha.Umavez,eue ele saímos para um treinamento de nado de quase 4 km e, quandocheguei à praia, não conseguia encontrá-lo. Acabei vendo que ele aindaestavaaquase400mdedistância,naágua.Cristo,eleestáencrencado–foiomeuprimeiropensamento.

Então,volteiparaomargélido,pararesgatá-lo.Nãosouumnadadortãoveloz,masatéquesourápidonaáguaeoalcanceisemproblemas.Eudeviasaberoqueeleresponderia.

“Sai de perto demim,Marcus!”, ele berrou. “Sou como um carro decorrida andando no vermelho, mas me dou melhor no ar… Não semetacomigo,Marcus,agoranão.Vocêestálidandocomumcarrodecorrida.”

Só mesmo o Mike Murphy. Se eu contasse essa história a qualquerSEALdenossopelotão,semdizeronome,edepoisperguntassequemfoi,todosadivinhariamquefoioMikey.

Sentadodefrenteparamim,noHercules,estavaochefesênior,DanielRichard Healy, outro SEAL formidável, 1,89m, trinta e sete anos, casadocomNorminda,paidesete ilhos.ElenasceuemNewHampshireeentroupara a Marinha em 1990, passando a servir nas equipes SEAL eaprendendoumrussoquasefluente.

Dannyeeuservimosnamesmaequipe,aEquipeSEALDVT1,durantetrês anos. Ele era umpouquinhomais velho que amaioria e se referia anóscomoseusgarotos–comoseelejánãotivesseosuficiente.Eadoravaanós todos com a mesma paixão, ambas grandes famílias, sua esposa eilhos,irmãs,irmãosepais,eessaqueeramaiorainda,baseadanailhadoBarein. Dan era pior do que Mikey na defesa de seus SEALs. Ninguém

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jamaisgritavacomumdenósenquantoeleestivesseporperto.Era zeloso ao guardar o seu rebanho, pesquisava todas as missões

minuciosamente, juntava o pessoal da inteligência, checava os mapas,grá icos,fotogra ias,todoomaterialdereconhecimento.Tambémprestavamuitaatençãoàsmissõesfuturas,garantindoqueseusgarotosestivessemsempre na linha de frente. Esse é o lugar para onde fomos treinados, olugarparaondegostamosdeir.

Emmuitasmaneiras, Danny era duro com todomundo. Havia horasemqueeleeeunãonosolhávamos.Eletinhaumacertezainfalíveldequeseu jeitoeraomelhor,ouoúnico.Masseucoraçãoestavano lugarcerto,em todas as horas. Dan Healy era um SEAL e tanto para aMarinha, umexemplo a ser seguido do que um chefe sênior deve ser, um homem deferro que se tornou estrategista e conhecia seu trabalho, de A a Z. EufalavacaraacaracomograndeDanquasetodososdiasdaminhavida.

Em algum lugar, acima de nós, balançando em sua rede, de fone deouvido,ouvindoumrockandroll,estavaosegundosuboficialShanePatton,de vinte e dois anos, sur ista e praticante deskate, natural de LasVegas,Nevada. Meu protegido. Como primeiro operador de comunicações, eutinha Shane comoomeunúmero dois. ComoumMikeMurphy bemmaisjovem, ele tambémeraum conhecedordas respostas espertas e, como jáeradeseesperar,umnotávelhomem-rã.

Era di ícil para mim a identi icação com Shane, por ele ser tãodiferente.Umavez,entreinocentrodecomunicaçãoeeleestavatentandocomprarumcasacodepeledeleopardopelaInternet.

“Paraquediabosvocêquerisso?”,perguntei.“Étãomaneiro,cara”,respondeuele,finalizandoqualquerdiscussão.Um cara grande e robusto, de cabelo louro e um sorriso meio

insolente,Shaneerasuperinteligente.Eununcatinhadelhedizernada.Elesempre sabia o que fazer. De início, isso me irritava ligeiramente; sabecomoé,dizeraumcaramuitomaisnovooquevocêquerquesejafeitoeelejáestarcomaquilopronto.Todavez.LeveiumtempoatémeacostumarcomofatodequeeutinhaumassistentequasetãoperspicazquantoMattAxelson.Eissoéomáximoqueseconsegueser.

Shane, como tantosdaquelesdeusesdapraia, eramuitodescansado.Seus companheiros provavelmente chamariam isso de supermaneiro oualgum termoparecido.Mas, comooperadorde comunicação, issoéquaseinestimável. Se houver um incêndio sendo combatido e Shane estiver noQG,manuseandoo rádio,vocêouviráumcomunicadorSEALultracalmoecomedido. Desculpe, eu quis dizer umcompadre. Essa era uma palavra

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multifuncional para Shane. Até eu era um compadre, segundo ele. Até opresidentedosEstadosUnidoseraum compadre,segundoele.Naverdade,eleconcediaaoPresidenteBushomaisaltolouvor,amedalhaplatinadadeHonra concedida pelos deuses do surfe: Ele é umcompadre cara, umcompadredeverdade.

Ele era ilho de um SEAL e sua ambição silenciosa e raramenteexpressada era ser como seupai, James J. Patton.Queria sermembrodaequipe de salto da Marinha, como seu pai fora. Havia concluído seutreinamento em Fort Benning, Geórgia, antes de passar nos exames dequali icação para SEAL, sendo aceito na Equipe SEALDVT1, Pelotão Alfa.Cincomesesdepois,juntou-seanós,novooparaoAfeganistão.

Tudo que Shane fez, ao longo de sua breve vida, foi notável. Nosegundo grau, ele era o melhor arremessador e melhor apanhador nobeisebol.Tocavaguitarrasuperbem,tinhaumabandachamadaTrueStory,cuja qualidade ainda permanece um pouco misteriosa. Era umsuperfotógrafo e habilidosomecânico e engenheiro; sozinho, restaurou epersonalizoudois fuscas.Tinhaadquiridooutroemedissequeesseseria“umfuscamaneiríssimo,compadre.Sódissoqueeugosto”.

Shane era bom no computador, como todo mundo na base. Passavahoras no micro, numa página chamada MySpace, sempre mantendocontatocomseusamigos:“Eaí,compadre,tudoemcima?”.

OsextomembrodonossogrupoeraJamesSuh,umnativodeChicago,devinteeoitoanos,criadonaFlórida. JamesestavacomaEquipeSDTV1hátrêsanos,antesdepartirmosparaoAfeganistão,eduranteessetempoelese tornouumdoscarasmaisqueridosdabase.Elesó tinhauma irmãmais velha, mas tinha uns trezentos primos e jurava proteger cada umdeles.

James, assim como seu amigopróximo Shane, era outro SEALdurão,segundo subo icial. Assim como Shane, havia passado por treinamentoaéreobásicoemFortBenningeforaencaminhadoaoPelotãoAlfa.

Sua ambição anterior era se tornar veterinário, especialista em cães.MasJamesnasceuparaserSEALeeraapaixonadoporsermembrodeumdos grupos de combate mais preparados do mundo, e tinha imensahabilidadeemdesafiaroslimitesfísicosementais.

Assim como Shane, ele foi um astro do atletismo no segundo grau,destacando-se tanto na equipe de nado quanto na de tênis.Academicamente, estava sempre nas turmas avançadas e dos maisdotados.Emnossopelotão, JamesestavanomesmoníveldeAxeeShane,comoSEALdealtainteligênciaesupremacon iabilidadesobfogocruzado.

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Nunca encontrei ninguém que tivesse sequer uma palavra ruim a falarsobreele.

Levamos quase três horas até chegar ao golfo de Oman. Tínhamoscortado direto pelo estreito de Hormuz, mantendo-nos bem distantes dasupervia do petróleo mundial e dos tanques de gás, em deslocamento,entrandoesaindodosgigantescosportosdeabastecimentodogolfodoIrã.Amarinha iraniana faz seus exercícios bemali, comoperações saindodabaseprincipal,emBandarAbbas,etambémdacostamaisabaixo,emsuabasesubmarina,cadavezmaisativa.

Não que imaginássemos que algum míssil iraniano pudesse vir emnossadireção,disparadoporalgumaarmaveloz,rastreadoradecalor.Masocuidadoerapertinentenaquelaregião,apesardepossuirmosumhomemdurão na Casa Branca que havia deixado clara sua política de retaliaçãosevera, diante da mais vaga sugestão de um ataque ao tráfego aéreoamericano,civiloumilitar.

Você teria que servir no Oriente Médio para entender totalmente asensaçãodeperigoeatéameaça,quenuncaseafastava,mesmoempaísesgeralmenteconsideradosamistososcomaAmérica.ComooBarein.

A região rústica da costa de Oman que mencionei antes é perto doponto de terra em Ras Musandam, com iordes profundos. Essa encostarochosamais ao norte, que se estende até o golfo de Hormuz, é o pontoestrangeiro mais próximo da base iraniana de Bandar Abbas. A partirdaquele ponto, a extensão da costa que segue ao sul é bemmais plana,descendo pelas antiquíssimasmontanhas Al Hajar. Ali, começamos nossalongatravessiaoceânica,aonortedeMuscat,pertodotrópicodeCâncer.

E, ao cruzarmos aquela linha da costa, rumo ao mar aberto, pelomenosparamim,erarealmenteumadeusàpenínsulaÁrabeeaosestadosislâmicos da ponta norte do golfo, Kuwait, Iraque, Síria e Irã, quedominaram minha vida e meus pensamentos durante os últimos anos.PrincipalmenteoIraque.

De início, eu chegara parame juntar à Equipe 5, em 14 de abril de2003, vindo da base aérea americana, a quinze minutos de Bagdá, comoutrosdozeSEALsdoKuwait,numaaeronaveexatamente igual a essaC-13. Foi uma semana depois que o exército americano lançou seubombardeio sobre a cidade, tentando pegar Saddam, antes que a guerrarealmentecomeçasse.OsbritânicostinhamacabadodetomarBasra.

Nomesmodiaemquecheguei,osmarinesamericanostomaramTikrit,cidade natal de Saddam, e algumas horas depois o Pentágono anunciou

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queocombateprincipaltinhaterminado.Nadadissotinhaamenorligaçãocomanossamissão,queeraajudaradissipare,senecessário,destruirapequenaoposiçãoaindaexistenteedepoisauxiliarnasbuscasporarmasdedestruiçãoemmassa.

Eu estava em Bagdá há apenas um dia quando o presidente BushdeclarouqueSaddamHusseine seupartidoBa’athhaviamcaído,emeuscolegas rapidamente capturaram, no mesmo dia, Abu Abbas, líder daFrente pela Libertação da Palestina, que atacou o navio italianoAchilleLauro,noMediterrâneo,em1985.

Quarenta e oito horas depois, em 17 de abril, o exército americanocapturouomeio-irmãodeSaddam,o infameBarzanIbrahimal-Tikriti.Foinessetipodecoisaquemeenvolvi, instantaneamente.Eueraumdos146mil americanos e tropas de coalizão que lá estavam, sob o comando dogeneral Tommy Franks. Foi a minha primeira experiência de combate acurtadistância.Olugarondeaprendiospontosmaissutisdemeuofício.

Também foi onde tivemos o primeiro boato sobre o ressurgimento,das cinzas,dos seguidoresdeOsamabinLaden.Claro, sabíamosqueelesainda estavam por perto, ainda tentando se reagrupar, depois que osEstadosUnidos,haviapouco,quaseos exterminaramnoAfeganistão.Masnão tardou até que começássemos a ouvir falar sobre uma organizaçãochamada al-Qaeda, no Iraque, um malé ico grupo terrorista que tentavacausarconfusãoemtodaoportunidadepossível, lideradopeloperturbadoassassinojordanianoAbuMusabal-Zarqawi(agorafalecido).

Àsvezes,nossasmissõesnacidadeeraminterrompidaspelasbuscasintensas por algo, ou alguém que havia sumido. Em meu primeiro dia,quatrodenósfomosatéaimensaáreadeumlagoiraquianoprocurarporum bombardeiro Super Hornet F-18 e seu piloto americano que haviamdesaparecido. Você provavelmente se lembra do incidente. Eu jamaisesquecerei. Sobrevoamos o lago em baixa altitude, em nosso helicópteroChinookMH-47e, subitamente,avistamosacaudadaaeronave,para forad’água.Logodepoisdisso,encontramosocorpodopilotonamargem.

Lembro-medasensaçãodeprofundatristezaeessanãoseriaaúltimavez. Eu estava no país havia menos de vinte e quatro horas. Ligados àEquipe 5, éramos conhecidos como músculos extras para situaçõesparticularmente perigosas. Nossa missão básica era a vigilância e oreconhecimento especiais, fotografando pontos-chave e áreas perigosas,utilizandolentesfotográficasinacreditáveis.

Carregávamos tudo sob o manto da escuridão, esperando,pacientemente, durante muitas horas, de olho na retaguarda e no alvo,

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mandando fotos computadorizadas para a base, virtualmente de dentrodasmandíbulasdoinimigo.

GeralmentetrabalhávamosnumaunidadebempequenadeSEALs.Láfora,sozinhos.Essetipodereconhecimentodeáreaemcurtadistânciaéotrabalho mais perigoso de todos. É solitário e frequentemente maçante,muitoarriscado.Àsvezes,particularmentecomumlíderterroristavalioso,podemosentrarparapegá-lo,tentandosaircomelevivo.Brutalmente,sempiedade. De maneira geral, os SEALs treinam as melhores unidades dereconhecimentodomundo.

Sempre me faz rir quando leio sobre os “orgulhosos guerreiros daliberdadeno Iraque”. Elesnão têmorgulho.Venderiamasprópriasmãespor cinquenta pratas. Entrávamos numa casa, agarrávamos o cara queachávamosserolídereolevávamosatéoladodefora,narua.Aprimeiracoisaqueelediziaera:“Ei,ei,nãoeu.Vocêqueraquelescarasdacasadofimdarua”.Ou:“Dê-medólareseeulhedigooquequersaber”.

Diriam, edisseram.Eoquenosdisseramera extremamente valioso,com muita frequência. A maioria daqueles golpes militares, como oextermíniodos ilhosdeSaddamea capturadopróprioSaddan, foi frutoda inteligênciamilitar. Alguém do lado deles os vendeu, como venderamcentenas de outros. Qualquer coisa por uma prata, certo? Orgulho?Aquelescarasnemsabemcomoseescreve.

E esse grau de inteligência é geralmente obtido a duras penas.Entrávamos rápido, ingressando nas regiões mais perigosas da cidade,gritandopelasruasemveículosmultifuncionaisouatédescendodecordas,doshelicópteros,senecessário.Avançávamos,acadaquarteirãodacidade,nummovimento cauteloso, pelo escuro, prontos para que alguém abrissefogosobrenós,deumajanela,umprédio,emalgumlugardooutroladodarua, até de uma torre. E acontecia o tempo todo. Algumas vezes,revidávamosostiros,semprecomumefeitobemmaismortaldoquenossoinimigopodiasuportar.

E,quandoalcançávamosnossoobjetivo,ouentrávamoscommarretase um tipo de pé-de-cabra que arranca a porta do caixonete, ouamarrávamosodemolidoremvoltadafechaduraeexplodíamoso ilho-da-mãe para dentro. Sempre nos assegurávamos de que a explosão fossedirecionadaparaoladodedentro,casoalguémestivesseesperandoatrásdaportacomumAK-47.Édi ícilsobreviverquandoaportavemdiretoemcimadevocê,a160kmporhora,àqueima-roupa.

Ocasionalmente, senão estivéssemos certosquanto à força oponenteatrásdaporta,arremessávamosalgunsexplosivosdotipo flash-crash, que

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não derrubam paredes, mas produzem ruídos estrondosos, quaseensurdecedores, seguidos de lampejos de luz branca. Isso desorientacompletamenteoinimigo.

Nesse instante, nosso homem de liderança conduziria o grupo aointerior do prédio, o que sempre era um choque para os residentes.Mesmo se não usássemos oflash-crash, eles logo acordavam e davam decaracomumgrupodehomensmascarados,demetralhadorasapontadas,gritando,desa iandoalguémquesemexesse.Emboraessascasasurbanasiraquianas fossem, em sua maioria, de dois andares, os iraquianoscostumamdormirnotérreo,todosjuntos,nasala.

Poderia haver alguém lá em cima, tentando nos alvejar, o que seriaumproblema.Geralmenteresolvíamosissocomumagranadabemmirada.Isso pode soar insensível, mas nossos companheiros de equipe con iaminteiramente no colega com a granada, pois o cara lá em cima tambémpodeteruma,eoperigotemdesereliminado.Paranossoscompanheiros.ComosSEALs,ésempreanossaequipe.Semexceção.

Noentanto,nasala térrea,ondeos iraquianosagoraseencontravamrendidos, buscávamos pelo líder, o cara que sabia onde os explosivosestavam armazenados, o cara que tinha acesso aokit de confecção dasbombas, ou armas apontadas diretamente para os soldados americanos.Ele geralmente não era tão di ícil de ser encontrado. Colocávamos umailuminaçãoalidentroeolevávamosdiretamenteparaajanela,paraqueopessoal do lado de fora, junto com a inteligência, pudesse comparar seurostocomasfotografias.

Frequentemente, essas fotos eram tiradas pela equipe em que eutrabalhava e a identi icação era rápida. E enquanto esse processo sedesenrolava, a equipe SEAL fazia a segurança da propriedade, o quesigni ica assegurar que os iraquianosdetidosnessaprisãodomiciliar nãotivessemacessoaqualquertipodearmamento.

Nesse momento, os SEALs chamados A-guys surgiam, muitopro issionais,muito frios, imperturbáveis,paraosprocedimentosexigidosnos interrogatórios. Eles prezavam, acima de tudo, a qualidade deconteúdo do informante, dados inestimáveis que poderiam salvar dúziasdevidasamericanas.Doladodefora,nósgeralmentetínhamosunstrêsouquatroSEALspatrulhandoaolargo,paramanterainevitávelaglomeraçãoà distância. Quando isso estava sob controle, com a orientação-A,interrogávamosolíder,exigindoqueeleinformasseolocaldeaçãodesuacélulaterrorista.

Às vezes, conseguíamos um endereço. Às vezes, nomes de outros

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líderes. Outras vezes, um homem podia nos informar sobre depósitos dearmas,mas isso geralmente exigiadinheiro. Se o caraqueprendêssemosfosseparticularmenteteimoso,nósoalgemávamoseoenviávamosdevoltaàbaseparauminterrogatóriomaisprofissional.

Mas, em geral, ele falava algo. Era assim que juntávamos asinformaçõesnecessáriasparaainteligência,demodoalocalizarecapturaraquelesqueaindalutavamparaSaddamHussein,mesmoqueseugovernotivesse caído, mesmo que suas tropas tivessem se rendido e o paísestivesse temporariamente sob o controle americano e britânico. Aquelesforamdiasperigosos,duranteaconclusãoformaldoconflito.

Sendo alvejados de telhados, alertas quanto aos carros-bomba,aprendemos a lutar como terroristas, noite após noite, deslocando-noscomoanimaisselvagenspelasruasevilas.Nãoháoutra formadeserumterrorista.Vocêtemdelutarcomoeleouelecertamenteomatará.Porissofomostãodurosaoentrar,tomandocasaseprédiosdeassalto,explodindoas portas, atuando estritamente segundo os métodos experimentados econfiáveisdosSEALs,quetrazemosenraizadospelosanosdetreinamento.

Porque seu inimigo precisa acabar por temê-lo, entender a suasupremacia. Isso nos foi ensinado, lá fora, na linha de frente do exércitoamericano. E por isso que talvez não tenhamosperdido umSEAL sequerdurante aminha estada de longosmeses no Iraque. Porque seguíamos olivro.Semerro.

Aomenos, nada signi icativo. Embora eu admita queminha primeirasemana no Iraque foi sujeita a… bem… a alguns pequenos erros dejulgamento, depois que encontramos um depósito de munição dainsurgência iraquiana, durante um patrulhamento ao longo de um rio,enquanto alguns tiros esporádicos foramdisparados emnós, partindodolado oposto.Há alguns o iciaismilitares que talvez considerassem a ideiadesimplesmentepegaroestoqueeconfiscaroexplosivo.

Os SEALs reagem de forma um pouco diferente e geralmenteprocuram uma solução mais rápida. Não é bem… ei, esse lote tem que ir .Mas optamos por um referencial mais abrangente. Plantamos nossospróprios detonadores no prédio e deixamos por conta de nosso cara dedescarte de explosivos. Ele nos posicionou bem atrás,mas alguns de nósficamosemdúvidaseseriadistanteosuficiente.

“Semproblema.Fiquemondeestão.”Eleestavaconfiante.Bem, aquela pilha de bombas, granadas e outros explosivos subiu

comoumabombanuclear.Emprincípio,houveapenaspoeiraepedacinhosde concreto voando ao redor. Mas as explosões foram aumentando e os

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pedaçosdeconcretodoprédiocomeçaramachoveremcimadagente.Os caras mergulhavam por todo lado, dentro e embaixo dos

caminhões,emqualquerlugarparasairdocaminho.Umdosnossospuloudentro do rio Tigre! Podíamos ouvir os pedaços de rocha e partes dasparedes de barro caindo sobre nós, atingindo os caminhões. Foi incrívelqueninguémtenhamorridoouseferido.

Quando tudo inalmente icou em silêncio, rastejei para fora, ileso. Oorganizadordaexplosãoestavabemaomeu lado. “Lindo”,disseeu. “Masissofoimuitobom,não?”DesejeiqueMikeyMurphyestivesse lá.Eleteriafaladoalgumacoisamelhor.

Trabalhamos por quase três meses com a Equipe SEAL 5, nosarredores dos subúrbios de Bagdá. Foi quando realmente ralamos nabatalha,vasculhandoasruas,enxotandoosinsurgentesdequalquerlugaronde se escondessem. Precisávamos de toda a nossa habilidade, ao nosdeslocarmos pelos quarteirões, abrindo fogo na noite, quando nosdeparávamoscomcruzamentosestranhosesombrios.

O problema era que os lugares frequentemente pareciam normais.Mas, ao chegar perto, você se dava conta de que havia buracos nosprédios.Algunsdelessótinhamafachadaetodaaáreatraseirahaviasidobombardeada quando as tropas americanas lutavam, perseguindo oassassinoSaddamHussein.

Embora sempre nos encontrássemos em ruas que pareciamrespeitáveis,naverdadeerampilhasdeescombros,esconderijosperfeitosparainsurgentesouatéterroristasmuçulmanossunitas,aindalutandoporseulíderanterior.

Houveumanoitedessasemquequasefuimorto.Seguiparaacalçada,com meu ri le em punho, atirando para dar cobertura aos meuscompanheiros de equipe. Lembro disso claramente. Eu estava empé, emcimadeumabomba,diretamenteacima,enemvi.

Um dos caras gritou:Marcus! Saia daí! E ele veio direto em minhadireção e me atingiu com todo o peso de seu corpo e nós dois saímosrolando pelo meio da rua. Ele levantou primeiro, literalmente mearrastando.Instantesdepois,nossoesquadrãoantibombaadetonou.Aindabem que nós dois já estávamos fora de alcance, pois era um explosivoimprovisado,defundodequintal.Apesardisso,eleteriamematado,ou,nomínimo,danificadomeuequipamentonupcial.

Foiapenasmaisumexemplodecomovocêtemdeserperspicazparausar o tridente SEAL. Durante o treinamento, repetidamente, dizem-nospara jamais sermos complacentes, lembram-nos constantemente da

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imprevisibilidade de nossos inimigos terroristas, da necessidade devigilânciaemtodasashorasedoimperativodetomarmoscontadenossoscompanheirosde equipe. Todas as noites, antesdenossamissão, umdoso iciais seniores diria: “Agora vamos, caras. Façam cara de quem está nojogo.Issoéparavaler.Concentrem-se.Assim,sobreviverão”.

Aprendi muito sobre mim mesmo lá fora, com a Equipe 5, nosdeslocamentos na escuridão, ziguezagueando pelo solo, jamais fazendo amesmacoisaduasvezes. Issoéoqueoexército faz, tudodomesmo jeito.Nós agimos de forma diferente, porque somos uma força bem menor.Mesmoatuandonumacidadegrande,nuncaviajamosemgruposdemaisde vinte, e as unidades de reconhecimento consistem em apenas quatrohomens.

Tudoissofazseussentidossemultiplicaremdezvezes,aosedeslocar,silenciosamente, por entre as sombras, usando o espaço vazio, as áreasondeo inimigonãoconseguever.Alguémnosdescreveucomoguerreirosdassombras.Eleestavacerto.Éoquesomos.Esempretemosumobjetivomuitoclaro,geralmenteumcara,umapessoaqueéresponsávelporgeraroproblema:oterroristaouestrategistalíder.

E há todo um código de conduta a ser lembrado quando vocêinalmenteocaptura.Antesdetudo, fazê-lo largaraarmaesentarorabono chão. Ele geralmente faz isso sem reclamarmuito. Casodecida contra,nósoajudamosairparaochão,rapidamente.Masnunca,jamais,viramosde costas, nem por uma fração de segundo. Nunca damos a esses carasnem um centímetro de espaço. Porque ele irá pegar o ri le e atirar emvocê, à queima-roupa, no meio das costas. Ele pode até te cortar agarganta, se tiver uma chance. Ninguém tem tanto ódio quanto umterrorista.Atéquetenhaencontradoumdessescaras,vocênãoentendeosignificadodapalavraódio.

Encontramos terroristas meio treinados ao redor do mundo todo, amaioria mal treinada, para lidar com uma arma letal de qualquer tipo,principalmenteaquelasKalashnikovsrussasqueelesusam.Antesdetudo,a porcaria do troço é imprecisa e, nas mãos de um histérico, como amaioria, as armas cospem bala para todos os lados. Quando esses carasvão atrás de um americano, geralmente abrem fogo cegamente, numaesquina, sem mirar nada especí ico, e acabam matando três civisiraquianos. Só pela oportunidade de atingir o soldado americano quequeriam.

Em1ºdemaiode2003,opresidenteBushanunciouqueafasemilitarestava concluída. Quatro dias depois, foi revelado que SaddamHussein e

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seu ilho haviam roubado umbilhão em espécie doBanco Central. Nessaépoca, comabuscapelasarmasdedestruiçãoemmassaaindaemcurso,foi-nos designado o gigantesco lago Buhayrat ath Tharthar, ondesupostamentehaveriaumgrandeesconderijocamufladoporSaddam.

Era uma grande extensãode água, de uns oitenta quilômetros e, emalguns lugares, com uma largura de quase cinquenta quilômetros,posicionadonumaplanícieverde,entreosriosEufrateseTigre,aosuldeTikrit. Há uma imensa represa numa das extremidades e fomosposicionados logo ao sul, num lugar chamado Hit. Parecia apropriado.Entãoequipamos-nosevasculhamosaságuasprofundase limpasdo lagopor aproximadamente uma semana, cada centímetro dele. Estávamosatuando embotes in láveis Zodiacs e não encontramos nada alémde umpneudebicicletaeumaescadavelha.

Conformeassemanassepassavam,oclimaesquentava,chegando,àsvezes, perto de 46 °C. Prosseguimos trabalhando noite adentro. Haviavezesemquetudoparecia icarmaiscalmo,então,em4dejulho,umavozgravada, que a rede de televisão al-Jazeera disse ser de Saddam, urgia atodos que se juntassem à resistência e lutassem, até a morte, contra aocupaçãoamericana.

Achamos aquilomeio estúpido, pois não estávamos tentando ocuparnada. Estávamos apenas tentando impedir que aqueles malucosexplodissemeexterminassemapopulaçãocivildopaísqueacabáramosdelibertardeumdosmaioresbastardosdahistória.

Oquepensávamosnãointeressavamuito.Exatamentenodiaseguinte,umabombaexplodiunumacerimôniadeformaturadeumanovaturmadepoliciais iraquianos, treinados pelos Estados Unidos. Sete novos policiaisforam mortos e mais setenta icaram feridos. Só Deus sabe para quemaquilofaziasentido.

Continuamos nossas operações em busca dos principais insurgentes,forçando ou subornando para tirar deles as informações. Mas seucontingente já parecia ilimitado. Independentemente de quantosderrubássemos, sempre havia mais. Foi por volta dessa época queouvimos, pela primeira vez, sobre o surgimento, no Iraque, de um gruposinistroquesedenominavaal-Qaeda.Eraumaorganizaçãoterroristasemdisfarces, dedicada à destruição e ao assassinato, principalmente dosnossos.

Noentanto,todoomovimentorecebeuumfortegolpemoral,em22dejulho, quando Uday e Qusay, ilhos de Saddam, nomínimo tão diabólicosquantoopai,foram inalmentecapturadosnumacasaemMosul.Nãoestou

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autorizado a falar dessa operação altamente con idencial, excetomencionar que os dois foram mortos quando as forças especiaisamericanasderrubaramoprédio inteiro.Suasmortes foraminteiramenteem decorrência do fato de que alguns de seus devotados e leaiscamaradas,orgulhososdesualutapelaliberdade,ostraíram.Pordinheiro.Da mesma forma que viriam a fazer mais tarde, com Abu Musab al-Zarqawi.

Apesar de todo o nosso empenho, os homens-bomba simplesmentecontinuaram, jovens iraquianos convencidos pelos ensinamentos dosaiatolásextremistasdequeoassassinatodaquelesqueviamcomoinimigoslhesabririaosportõesdoparaíso–queas três trombetassoariameelesatravessariam a ponte rumo aos braços abertos de Allah e a felicidadeeterna.

Portanto, eles simplesmente voltaram a fazer aquilo direto. Umabombamatou um soldado americano, em 26 de agosto, o que signi icavaqueagorahaviamaisvidasamericanasperdidasdesdeo imdocon litodoque durante a batalha. Em 29 de agosto, uma explosão de um carro-bomba, do lado de fora de uma mesquita xiita, em Najaf, matou oitentapessoas,incluindooreverenciadoeadoradolíderxiitaAiatoláMuhammadBaqiral-Hakin.

Em nossa opinião, aquilo começava a fugir ao controle rapidamente.Parecia que não importava o que izéssemos, independentementedequantos desses doidos nós cercássemos, quanto explosivo, bombas ouarmaslocalizássemos,sempresurgiamais.Esempremaisjovenscontentesem pegar aquele atalho rumo às trombetas, passando direto pela ponteparaseconectarcomafelicidade.

A essa altura, im de agosto, a questão dasWMDs (weapon of massdestruction, ou armas de destruição emmassa) se tornavamais urgente.Hans Blix, chefe de inspeção de armas dos Estados Unidos, havia seaposentado da vida pública e o exército americano agora mantinha olhovivo. Sob nosso ponto de vista, a questão de SaddamHussein ter ou nãoarmasquímicasbiológicasestavarespondida.Claroquetinha.EleasusouemHalabja,certo?

Imaginoque,nessaépoca,aperguntanamentedopúblicoamericanoera:ele tinha uma arma nuclear, uma bomba atômica? Mas, é claro, essanãoéaperguntamais signi icativa.Aquecontaé:ele tinhaumprogramanuclear?

Porque isso signi icariaque ele estava tentandoproduzir armas comurânio235. Isso é obtido comautilizaçãodeuma centrífugaquepõe em

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giro o urânio 238, deslocando, assim, os nêutrons pesados para fora; écomotiraraáguadaalfacenumacentrífuga.Éumprocessoetantoelevaatéseteanos.Setudotranscorrersemproblemas,nessaépocavocêcortaas beiradas externas do urânio e obtêm um naco grande de moléculapesadadeurânio235. Cortando isso aomeio e lançandoosdoispedaçosjuntos, através de um explosivo potencial, num espaço con inado dealumínio,comoumfogueteouumabomba,temosHiroshima,maisumavez.

Eessaéaquestão:estariaSaddamcentrifugandourânioparaobtero235 e, se positivo, onde adquiriu o urânio, para começar? E onde estavaconduzindo seu programa? Lembre, não há nenhum outro motivo nomundo para se querer urânio 235, exceto para se fazer uma bombaatômica.

Sabíamosqueasagênciasdeinteligênciaamericanasacreditavamqueele tinha tal programa, que em algum lugar, em seu vasto país – é maiorqueaAlemanha, tãograndequantooTexas–havia centrífugas tentandomanufaturarasubstânciamaisperigosadomundo.

Essa era toda a informação que tínhamos. Mas sabíamos o quetínhamos que procurar e certamente o reconheceríamos seencontrássemos.SeráqueSaddam,defato,possuíaoartigocompleto,umabomba ou míssil atômico precisamente ajustado? Provavelmente não.Ninguémnuncapensouqueeletivesse.Mas,comodisseoex-secretáriodeDefesa, Donald Rumsfeld, certa vez: “O que você quer fazer? Deixá-lo lá,atéqueeletenha?”.

Você deve lembrar que a CIA acreditava ter descoberto provasdecisivas a partir de fotos de satélite daqueles imensos caminhõesandandopelas rodoviasdo Iraque:quatrodeles, geralmenteemcomboio,todosgrandesosu icienteparaabrigarduascentrífugas.Aopiniãoaceitaera que Saddam possuía um programa de centrifugação móvel que nãopodiaserencontradofacilmentee,naverdade,seriaperdidoouenterradonodeserto, ou, alternativamente, levadoatravésda fronteiraparaa Síria,ouatéaJordânia.

Bem, nós encontramos esses caminhões, escondidos no deserto,estacionados juntos. Mas o interior de cada um deles havia sidoseveramente saqueado. Não restara nada. Vimos os caminhões e, emminhaopinião,alguémremoveuoquecontinhamcommuitapressa.

Tambémvi o campode treinamentoda al-Qaeda, aonortedeBagdá.Ele fora abandonado,mashavia total evidência de fortes ligações entre oditadoriraquianoeosfuturoscombatentesdeOsamabinLaden.Ostraçosmilitaresdocampoestavampor todaparte.Algunsdoscarasquehaviam

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estadonoAfeganistãodisseramqueeraaréplicaexatadeumcampoqueosEstadosUnidoshaviamdestruídoapóso11deSetembro.

Houve muitas vezes em que estávamos realmente perseguindosombras, naquela vastidão escaldante e arenosa. Principalmente emnossas buscas costeiras. Lá longe, frequentemente em territóriosdesérticos fora do mapa, próximos à água, víamos lança-foguetes adistância e íamosdirigindo até eles, para descobrirmos que eramapenaschamarizes, imensos contêineres falsos demísseis apontando para o céu,feitosdevelhasbarrasdeferro.

Depois de dois dias dirigindo pelo interior acidentado, num calorinacreditável, issorepresentavauma inconveniênciamuitoséria.Senossaequipe tivesse acabado encontrando Saddam em seu buraco,provavelmente o teríamos matado por muitos motivos, mas,principalmente, pela força desperdiçada naquelas viagens pelo deserto.(Estoubrincando.)

Vou dizer uma coisa. Aquele presidente iraquiano era um demônioastuto, correndo e se escondendo por seus treze palácios, fugindo àcaptura,fazendogravações,convocandosuasforçasarmadasacontinuaranos matar, incentivando os insurgentes a prosseguir a guerra contra ograndeSatã(nós).

Aquilo lá foi duro.Mas, de várias formas, sougratopela experiência.Aprendi precisamente o quão revoltoso e astuto o inimigo pode ser.Aprendiajamaissubestimá-lo.Eaprendiamemanteratentoaomeujogotodootempo,demodoalidarcomisso.Semcomplacência.

Olhando para trás, durante nossa longa jornada no C-130, aoAfeganistão,euestavamaisatentoaoproblemacrescentequeconfrontavaas forçasamericanasemserviço,aoredordomundotodo.Paramim, issocomeçouno Iraque, os primeirosmurmúriosdaparte liberal dosEUAdequenós,dealguma forma,estávamoserrados,éramosassassinosbrutais,provocando outros países; que nós, que colocamos nossas vidas em jogopor nossa nação, sob o comando de nosso governo, de algum modo,deveríamosserjulgadosporatiraremnossoinimigo.

Foi uma progressão traiçoeira das críticas às forças armadasamericanas,porpartedepolíticosedamídia liberalquenãosabemnadade combate, nada de nosso treinamento e nada dos perigosmortais queenfrentamoslá fora,na linhadefrente.Cadaumdenósseis,naaeronaveem rota ao Afeganistão, trazia sempre, em nossas mentes, as sempreinoportunasregrasdeconduta(RDC).

Elas são elaboradaspor algumpolítico sentadonuma sala longínqua,

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emWashington D.C., para que nós as sigamos. E isso é bem distante docampodebatalha,ondeabaladeumri lepodeestourarseusmiolos,ondeomenorerropodelhecustaravida,ondevocêprecisamatarseuinimigoantesqueeleomate.

E essasRDCs sãomuito especí icas: nãopodemos abrir fogo até queabram fogo contra nós ou tenhamos identi icado, positivamente, nossoinimigo, assim como a prova de suas intenções. Ora, mas isso é muitonobre. Mas e quanto a um grupo de soldados americanos que vempatrulhandoháinúmerosdias, járecebeutiros,esquivou-sedefoguetesegranadasebombascaseiras,vemlidandocombaixas,eestáquaseexaustoetalvezligeiramentereceoso?

EseumbandodecarasvestindotoalhascoloridasemsuascabeçasebrandindoAK-47s surge no horizonte vindodireto em sua direção?Vocêespera que eles comecem a matar a sua equipe ou tritura os bastardosantesqueelestenhamachancedefazê-lo?

A situação pode parecer simples em Washington, onde os direitoshumanos dos terroristas frequentemente são a prioridade. E estou certode que os políticos liberais defenderiam sua posição até amorte. Porquetodomundo sabe que os liberais jamais estiveram errados a respeito decoisaalguma.Podeperguntaraeles.Aqualquerhora.

No entanto, sob o ponto de vista de um soldado combatenteamericano, umranger,umSEAL,ouboina-verde,oque for, aquelasRDCsrepresentamumsérioenigma.Compreendemosqueprecisamosobedecer,por estarem dentro da lei do país que juramos servir. Mas elasrepresentam um perigo para nós; minam nossa con iança no campo debatalha, na luta contra o terrormundial. Pior ainda, elas nos preocupam,desanimame,àsvezes,nosfazemhesitar.

Possodizer, por experiência própria, que aquelas regras de condutacustaramasvidasdetrêsdosmelhoresSEALsquejáserviramnaMarinhaamericana.Nãoestoudizendoque,dadaagravidadedasituação, aquelesguerreirosdeeliteamericanosnão teriammorridoumpouquinhodepois,mas não teriam morrido naquele instante e, sob meu ponto de vista, équasecertoqueestariamvivoshoje.

Tenhoesperançasdeque,numdiapróximo,ogovernoamericanoiráaprender quepode con iar emnós. Sabemos sobre os carasmaus, o quefazeme, frequentemente,quemsão.Ospolíticosoptarampornosmandarparaabatalhaeesseéonossoo ício.Fazemosoquefornecessário.E,emminha opinião, já que esses políticos escolheram nos enviar até lá parafazeroque99,9%dopaís icariaaterrorizadoemenfrentar,elesdeveriam

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sairdaporcariadocaminhoeficarforadele.Todoessenegóciodecrimesmodernosdeguerra,comoidenti icados

pelas alas liberais da política e da mídia, começou no Iraque, e vemdescendo a ladeira, desde então. Todomundo tem quemeter o bedelho,tagarelandosobreodireitodopúblicodesaber.

Bem,segundoaopiniãodamaioriadosSEALs,opúbliconãotemessedireito de saber. Não se isso signi ica colocar nossas vidas em perigodesnecessário porque alguém em Washington está perturbando quantoaosdireitoshumanosdealgumterrorista fanático,quenosmatariaassimque nos visse, como faria com qualquer outro americano a quempudessemapontaroseuAKcaindoaospedaços.

Seopúblicoinsisteemseudireitodesaber,oqueduvidomuito,talvezaspessoasdevamirláenfrentarosterroristasarmados,decididosamatarcadaumdosamericanosquepuderem.

Eu juro a você que cada insurgente, combatente da liberdade, eatiradorindependentenoIraquequenósprendemossabiaocaminhodaspedras.Sabiaqueomeiodesesafareraanunciartersidotorturadopelosamericanos,maltratado,ou impedidode leroAlcorão,oudecomer,oudeassistir à televisão. Todos eles sabiam que a al-Jazeera, a estação detelevisão árabe, transmitiria e isso seria retransmitido aos EUA, onde amídialiberalalegrementeacusariaanóstodosdeassassinosbárbaros, oualgo assim. Aquelas organizações terroristas riem da mídia americana eelessabemexatamentecomousarosistemacontranós.

Tenho consciência de que não estou sendo especí ico e não tenhointençãode ser.Masessaspinceladasmaisamplas sãoparamostrarqueas regras de conduta são um perigo claro e presente, amedrontando osjovenssoldadosqueforamcolocadosemriscoporseugoverno, induzidosacrerquepodemseracusadosdeassassinatocasovenhamasedefendercomvigorexcessivo.

Nãosouumapessoapolíticae, comoumSEAL, jureidefenderomeupaíseexecutarosdesejosdemeucomandantesupremo,opresidentedosEstados Unidos, seja ele quem for, republicano ou democrata. Sou umpatriota; lutopelosEUAeporminhaterranatal,oTexas.Eusónãoqueroveralgunsdosmelhores jovensdopaíshesitantesquantoa ingressarnosserviços das forças armadas americanas por temerem a possibilidade deserem acusados de crimes de guerra pelo seu próprio lado, apenas poratacaremoinimigo.

E eu sei de uma coisa, com certeza. Se um dia, eu contornasse umamontanha do Afeganistão e icasse cara a cara com Osama bin Laden, o

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homemque,semtersidoprovocado,idealizouoataquecruelaomeupaís,matando 2752 civis americanos inocentes, em Nova York, em 11 desetembro,euatirariaparamatar,asangue-frio.

A esseponto, forçadospelamídia americana enfurecida, osmilitaresprovavelmente iam me levar detido, quem sabe me deixariam lá preso.Depoiseuseriaacusadodeassassinato.

Eutedigoumacoisa.Aindaassimeuatirarianofilho-da-puta.

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1Tipodeboidechifreslongos,origináriosdosEUA.(N.T.)2Puro-sanguequeganhouacoroatripla,em1973.(N.T.)3Umtipoderaçadepequenoporte,grandevelocidadeepoderdetorque.(N.T.).4Posiçãoderetaguardanojogodefutebolamericano.(N.T.)

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2BABYSEALS…ECROCODILOSGIGANTES

Certa vez, eu lutei comum e iqueimuito contenteporqueele resolveuque jáerao su icienteepartiupara águas mais calmas. Mas até hoje meu irmãoadoralutarcomcrocodilossópordiversão.

Prosseguimos sobrevoando as margens meridionais do golfo de Oman.Rumamos leste e nordeste por uns 650 km, a 14milmetros de altitude,acimadomardaArábia.Cruzamosa61a linhade longitudenasprimeirashorasdamanhã.IssonosdeixavaaosuldoportomarítimodeGavater,nafronteirairaniana,ondeadivisacomoPaquistãodesceatéooceano.

O chefeHealy roncavabaixinho.Axe faziapalavras cruzadasdo NewYorkTimes . E omilagre eraqueo fonedeouvidode Shanenãoexplodia,comaalturaemqueeleouviaseurockandroll.

“Vocêprecisamesmotocaressamerdanessaaltura,garoto?”“Émaneiro,cara…ficafrio.”“JesusCristo.”O C-130 rugia em frente, agora seguindo ligeiramente ao norte,

subindonadireçãodacostadeBaluquistão,queseestendepor750kmaolongodacostadomardaArábiaecomanda,estrategicamente,asrotasdeentrada e saída do petróleo do golfo Pérsico. Apesar de chefes tribaismuitobravos,oBaluquistão fazpartedoPaquistão,desdeaseparaçãodaÍndia,em1947.Masissonãodeixaoschefesnadafelizescomoacordo.

E provavelmente vale a pena relembrar que nação alguma, nem osturcos, os tártaros, os persas, árabes, hindus ou os britânicos, jamaisconseguiu conquistar inteiramente oBaluquistão. Aqueles homens tribaisse impuseramatémesmocontraGengisKhaneseuscaraseramcomoosSEALsdoséculoXIII.

Nuncanosdizem,nemaninguém,arotaprecisadasForçasEspeciaisAmericanas ao adentrarpaís algum.Masháumagrandebase americanano Baluquistão, na cidade costeira de Pasni. Imagino que tenhamos feitonossaaterrissagememalgumlugarporali,bemantesdasprimeirasluzesdodia,depoissobrevoamosquatrocadeiasmontanhosas,poruns400kmsubindo,atéoutrabasemilitar,próximadeDalbandin.

Nãoparamos,masDalbandin icaauns80kmdafronteiraafegã,eo

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espaçoaéreoalié seguro.Aomenos,éomaisseguropossível,nessepaísselvagem,que icameioemperradonumtriânguloentreoIrã,PaquistãoeAfeganistão.

OBaluquistão,comsuasmontanhasintermináveis,éumportoseguropara muitos recrutas da al-Qaeda em êxodo e combatentes exilados doTalibã, atualmente abrigando até 6 mil desses potenciais terroristas. E,apesardeochefeHealy,eueoscarasestarmosa15kmacimadessepaíspoucopopulosodessa terra reticente, ali aindamedava arrepios e iqueimuito satisfeito quando a equipe de voo inalmente nos disse queestávamos no espaço aéreo afegão, seguindo para o norte por mais 640km,rumoaCabul.

Adormeciemalgumponto,sobrevoandoodesertodeRegestan,alestedomaiorbraçodeáguaafegão,orioHelmand,comumaextensãode1.200km,quefluiirrigandoamaiorpartedasterrascultivadasdosul.

Nãoconsigolembrardosmeussonhos,masimaginoqueforamcomaminhacasa.Geralmentesão,quandoestouservindonoexterior.Nossolaréumpequenosítiopróximoàs lorestasdepinhodolestedoTexas,pertodaFlorestaNacionaldeHouston.Moramosno imdeumalongaestradadeterra,numaparteruralsolitária,pertodeoutrosdoisoutrêssítios,umdosquais, nosso vizinho ao lado, é 4 mil vezes maior que o nosso, o que àsvezesfazparecerqueonossoébemmaiordoquerealmenteé.TenhoumefeitosemelhanteemMorgan,meugêmeoidêntico.

Eleéuns seteminutosmaisvelhoqueeu,maisoumenosdomesmotamanho, 1,94m, 105kg.De alguma forma, eu sempre fui consideradoocaçuladafamília.Nãodáparaacreditarqueseteminutosfariamissocomumcara,nãoé?Bem,masfizerameMorganépersistenteemseustatusdeirmãomaisvelho.

EletambéméumSEAL,poucacoisaatrásdemimnapatente,porqueeuentreiprimeiro.Masaindaassumeocomandoquandoestamosjuntos.Eissoémuitofrequente,jáquedividimosumacasaemCoronado,Califórnia,aoladodasequipesSEAL.

Dequalquer forma,háduasou três casasemnossapropriedade,noTexas, sendo a principal um rancho de pedras, cercado por um grandejardim, com uma pequena plantação de milho e algumas hortaliças. Emtodaanossavolta,atéondeavistaalcança,hápastagenspontilhadasporimensoscarvalhoseanimais.ÉumlugarcalmoparaumafamíliatementeaDeus.

Desde pequenos, Morgan e eu fomos criados para acreditar noSenhor.Nãofomosforçadosairàigreja,ounadadisso,eatéhojeafamília

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nãoédefrequentá-la.Naverdade,eusouoúnicoquevaiàigrejacomumacertaregularidade.Nosdomingosdemanhã,quandoestouemcasa,voudecarroatéaigrejacatólica,ondeaspessoasmeconhecem.Nãofuibatizadocomo católico, mas combina comigo, assimilo facilmente as crenças edoutrinas.Desdebempequeno,sempresouberecitaroSalmo23ealgunsoutros,docomeçoaofim.

Além disso, eu achava o papa João Paulo o homemmais sagrado domundo, um Vigário de Cristo determinado, cujas diretrizes eraminabaláveis. Um velho durão, o João Paulo. Durão até demais, para osrussos.Eusempreacheique,seelenãofossevigário,dariaumbomSEAL.

Láemcasa,emnossoquintaldosfundos,avidapareceimperturbável.Háalgumasirritaçõesmínimas,namaioriacobras.Noentanto,meupainosensinou a lidar com elas há muito tempo, principalmente as corais e asvíborasdecabeçacordecobre.Tambémhácascavéisediamondheads,easkingsnakes,quecomemumasàsoutras.No lago local,devezemquando,você vê umamocassin, e ela é um bicho bem danado. Ela te persegue e,apesardeeunãogostardela,tambémnãotenhomedo.OMorgansaiatrásdelasporesporte,elegostadecolocá-lasparacorrer,mantê-lasalerta.

A pouco mais de 1 km de nós, adiante na estrada, há um gado delonghorns1 texanos. Além da casa há meia dúzia de estábulos para oscavalosdeminhamãe,algunssãodela,outrossãohóspedes,pertencentesaoutraspessoas.

Aspessoasmandamoscavalosparaelacuidar,comseupoderquasemístico de transformar animais fracos e deixá-los, novamente, em plenaforma.Ninguémsabe como faz isso.Ela simplesmente cochichaparaeles.Mastemmodosespeciaisdealimentá-los,incluindo,paraumcertotipodecavalo de corrida, uma espécie de mistura de semente marinha que elajura por Deus poder transformar um pônei em um Secretariat2. Perdão,mãe,estousóbrincando.

Sério,HollyLuttrell éuma cavaleirabrilhante. E realmente conseguetransformar os cavalos que parecem muito fracos em corredoressaudáveis.Achoqueéporissoqueoscavalosnãoparamdechegar.Elasóconsegue cuidar de uns dez de cada vez e chega no celeiro às cinco damanhã,paratratá-los.Sevocêesperarumpouco,podeveroefeitoqueelacausaneles,osresultadosdesuashabilidadesóbvias.

Minhamãeéumatexanadesétimageração,emboratenhaemigrado,uma vez, para a Cidade de Nova York. Estar lá é como se mudar paraXangai,masminhamãeéumalourabemcharmosaequeriafazercarreira

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comocomissáriadebordo.Masnãoduroumuito.Logovoltouaointeriordoleste texano para cuidar dos cavalos. Como todos nós, ela sente que oTexasfazpartedeseuespírito.Estánomeu,nodemeupaie,certamente,naessênciadeMorgan.

Nenhum de nós viveria em qualquer outro lugar. Aqui, estamos emnosso lar, com gente que conhecemos e em quem con iamos, há muitosanos. Não há ninguém como os texanos em espontaneidade, otimismo,amizadeedecência.Tenhoconsciênciadeque issopodenãoseraceitávelpara todomundo,mas é assim que parece para nós. Ficamos deslocadosemqualqueroutrolugar.Nãoébomfingirocontrário.

Isso pode signi icar que apenas icamos commuita saudadede casa,commais rapidezdoquequalqueroutropovo.Maseuvouvoltar aviveraqui,quandoterminarmeuserviçomilitar.Epretendo,algumdia,morreraqui.Ondequerqueeuestejanomundo,di icilmentesepassaumdiasemque eu pense em nosso pequeno sítio e imenso círculo de familiares eamigos, tomando uma cerveja na varanda da frente e contando históriascheiasdefatos,algunsverdadeiros,outrosengraçados.

Então, jáqueestounoassunto,vouexplicarcomoumgarotodaroça,do interior do leste texano, acabou sendo um o icial de primeira linha elíderdeequipedosSEALsdaMarinhaamericana.

Aexplicaçãocurtaéprovavelmenteotalento,maseunãotenhomuitomaisdoqueo caraao lado.Naverdade,minhas característicasnatas sãobem dentro dos padrões. Sou bem grande, o que foi um acidente denascença. Sou bem forte, porquemuita gente depositoumuito tempometreinandoesouinacreditavelmentedeterminado,porque,quandovocênãoénaturalmentetalentosocomoéomeucaso,precisacontinuaremfrente,certo?

Eu canso qualquer um. Sigo em frente até a poeira baixar. Depois,geralmente, souoúltimoque continuaempé.Comoatleta,não soumuitoveloz, mas até que sou bem perspicaz. Sei me posicionar, sou bom emanteverascoisaseachoqueéporissoquefuiumesportistabemrazoável.

Dê-me uma bola de golfe e eu consigo bater aquela porcariazinha a1,5 km de distância. Isso porque o golfe é um jogo que exige prática,práticaemaisprática.Esseéomeutipodeobstinação.Consigofazerisso.Jogocomumlimiterazoável,masnãonascinenhumBenHogan.MasoBenveio do Texas, como eu. Nós nascemos a uns 150 km de distância e, naminharegião,issoéoequivalenteaumbancodeareia.OBen,éclaro,eraconhecido por praticarmais do que qualquer gol ista que já viveu. Deveseralgonaágua.

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Nasci em Houston,mas fui criado próximo à fronteira de Oklahoma.Meus pais,David eHolly Luttrell, tinhamumharas de tamanho razoável,com uns 1200 acres, numa época. Tínhamos umas 125 cabeças ali, namaioria puro-sangue e os quartos de milha3. Minha mãe administrava oprogramadecriaçãoemeupaicuidavadascorridasedasvendas.

Morganeeu fomoscriadoscomoscavalos,alimentando,dandoágua,limpando os estábulos, montando. Quase todos os ins de semana, nósíamos para as corridas. Na época, éramos apenas garotos, e nossos paiseram excelentes montadores, principalmente minha mãe. Foi assim queaprendemos. Trabalhávamos no sítio, arrumando as cercas, pegando namarreta quando ainda tínhamos nove anos. Abastecíamos o celeiro,trabalhávamoscomoadultos,desdebemcedo.Meupaiinsistianisso.Epormuitosanosoprocessofoimuitobem.

Naquela época, o Texas era um paraíso para os negócios. Asperfuradoras de petróleo icavamno lado oeste do Texas e todos que ascercavamestavamsetornandomultimilionários.Opreçodopetróleosubiu800% entre 1973 e 1981. Eu nasci em 1975, antes mesmo que a ondacomeçasse,eprecisodizerqueafamíliaLuttrellestavaindomuitobem.

Para meu pai, não era nada criar um belo cavalo a partir de umgaranhão de 5 mil dólares e vendê-lo por 40mil. Ele fazia isso o tempotodo.Eminhamãeeraumgênionacriaçãodoscavalos,comprandobaratoe dedicandomeses de cuidados e alimentação impecáveis para produzirjovenscorredoresquevaliamoitovezesoqueelahaviapago.

Eacriaçãodecavaloseraosegmentocertoparaseestar.Oscavaloseram páreo com os relógios Rolex, Rolls-Royces, Learjets, Gulfstream 1s,palácios em vez de casas comuns, e barcos, barcos maravilhosos. Osespaços comerciais estavam em alta em todo o estado e novos arranha-céusdequarteirõesinteirosestavamsendoconstruídos.Ogastonovarejoestava no auge de todos os tempos.Cavalos de corrida, lindos. Dê-me seis.Seis,dosvelozes,sr.Luttrell.Assim,eupossoganharalgumascorridas.

Aquele dinheiro do petróleo tinha grande liquidez e as pessoasestavamfazendofortunasquetinhamosabordoluxo,qualquercoisaquealimentasse os egos dos caras do petróleo, que gastavam e tomavamdinheiroemprestadoaumataxajamaisvistaantesoudesdeentão.

Não era nada para os bancos fazerem empréstimos demais de 100milhõesdedólaresparaosexploradoreseprodutoresdepetróleo.Houveuma época em que havia 4500 re inarias em funcionamento nos EUA, amaioria no Texas. Crédito? Isso era fácil. Os bancos te emprestariam um

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milhão,sempestanejar.Veja, na época, eu era apenas um garoto, mas eu e minha família

passamos pelo trauma que estava por vir e, olhe, vou te contar, li umbocado, desde então. De certa forma, ico contente por ter vivido aquilo,poismeensinouasercauteloso,aganharmeudinheiroeinvesti-lo,colocá-loemalgumlugarseguro.

E me ensinou a pensar com muito cuidado sobre o elemento sorte,quando está em alta, e como manter a sua vida sob controle. Há muitotempo descobri que, quando o desastre chegou ao Texas, seus efeitosforam ampliados mil vezes porque os caras da indústria petrolíferaacreditavam sinceramente que o dinheiro nada tinha a ver com a sorte.Elesachavamquesuaprosperidadevinhadeseubrilhopróprio.

Ninguémdavamuitaimportânciaaofatodequeomundodopetróleoera controlado pelosmuçulmanos, no OrienteMédio. Tudo que aconteciatinharaízesnaArábia, comrespaldodapolíticadeenergiadopresidenteCarter e o fato eraque, quandoeu tinha cinco anosde idade, o preçodobarrilera40dólares.

Quandoveioocolapso,elefoicausadoporumembargodepetróleoepelarevoluçãoiraniana,quandooaiatolátomouopoderdoxá.Achaveeraser geopolítico. E o Texas só podia icar olhando, impotente, conforme afartura de óleo se manifestava e o preço do barril começou a cair,chegandoaumabaixade9dólares.

Issofoiem1986,quandoeuaindanãotinhadezanos.Nesseínterim,o gigante First National Bank of Midland, do Texas, quebrou, tendo suafalência decretada por inspetores inanceiros governamentais. Aquele foium banco e tanto para cair no ralo, e o efeito dominó re letiu em todo oestado.Umaeradeesbanjamentoeinvestimentonegligentehaviaacabado.Os caras que construíam palácios foram forçados a vendê-los, comprejuízo.VocênãopodiadarumbarcodeluxoeosrevendedoresdeRolls-Roycequasesaíramdomercado.

Juntocomosgigantescomerciaisderrubadospelaquedadopetróleo,lásefoiafazendadecriaçãodecavalosdeDavideHollyLuttrell.Potroseéguas quemeu pai tinha, avaliados em 35 a 40mil dólares, subitamentevaliam 5 mil, menos do que custaram para ser criados. Minha famíliaperdeutudo,incluindonossacasa.

Mas meu pai é um homem que se ajusta às situações, durão edeterminado. E ele reagiu, com um sítio menor, e as técnicasexperimentadas e con iáveis da criação de cavalos que ele e minhamãesempre praticaram. Mas, novamente, tudo deu errado. A família acabou

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indomorarcommeuavôeMorgandormianochão.Meupai,que,desdequeregressaradoVietnã,sempreteveumpéna

indústriapetroquímica,voltouatrabalhare,empoucotempo,estavadepé,comalgunsgrandesnegócios.Nósnosmudamosdacasademeuavôparaumacasagrande,dequatroandares,eosbonstempospareceramvoltar.

Então, um dos negócios foi por água abaixo e, de alguma forma,perdemostudonovamenteenosmudamosparaumtipodeárearuraldebaixonível.Sabe,emborameupaitenhanascidonafronteiradeOklahoma,éum texanodealma.NoVietnã, ele foiumatiradordaMarinha, corajosocomoumleão.E,noTexas,homensdeverdadenão icamdepernasparaoarquando têmdinheiro.Elesvãoà luta, corremriscose,quandoacertamgrande,queremalgomaior.Meupaiéumhomemdeverdade.

Vocêpodedizermuitosobreele,sódeverosnomesquedeuaosseussítios,grandesoupequenos–LoneStarFarms(SítiodaEstrelaSolitária),North Fork Ranch (Rancho da Bifurcação Norte), Shootin’ Star (EstrelaCadente). Como ele sempre disse: “Pre iro mirar numa estrela e acertarumtoco,doquemirarnumtocoeerrar”.

Nemposso descrever o quanto éramos pobres quandoMorgan e euestávamos tentando entrar na faculdade. Eu tinha quatro empregos parapagar o ensino, a pensão e a mensalidade da minha caminhonete. Erasalva-vidas na piscina da faculdade e trabalhava com Morgan emconstruções, jardinagem, cortando grama e fazendo serviços externos. Ànoite, trabalhava como leão-de-chácara num bar barra-pesada, cheio decaubóisbrancosdazonarural,conhecidoscomo rednecks.Eaindapassavafome,tentandomealimentarcom20dólaresporsemana.

Uma vez, acho que tínhamos perto de vinte e um anos, Morganquebrou a perna jogando basquete. Quando o levaram para o hospital,Morgan simplesmente lhes disse que não tínhamos dinheiro algum. Ocirurgião acabou concordando em operá-lo com um crédito em longoprazo.MasoanestesistanãoaplicarianadaemMorgansempagamento.

Ninguém é mais durão do que o meu irmão. E ele acabou dizendo:“Tudo bem. Eu não preciso de anestesia. Arrume a perna sem isso. Euaturo a dor”. O cirurgião icou horrorizado e disse a Morgan que nãopoderia fazer tal cirurgia sem anestesia. Mas Morgan se manteve irme.“Doutor, eu não tenho dinheiro. Arrume a minha perna e eu aguento ador.”

Ninguém estava morrendo de amores pela ideia, principalmente ocirurgião. Foi quando apareceu Jason Miller, um amigo de faculdade deMorgan, e viu que ele estava em agonia absoluta, e lhe deu os últimos

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dólaresdesuaseconomiasparapagaroanestesista.Então,consertaramapernadeMorgan.

Masestouapressandoas coisas.Quandoéramos jovens, trabalhandocom os cavalos, meu pai era muito, muito duro conosco. Ele achava queboasnotaseramtudo,enotasruinseramsimplesmenteinaceitáveis.Umavez,tireiumCemcomportamentoeelemebateucomumcintodesela.Seique ele fazia isso para o nosso próprio bem, tentando instituir disciplinaemseusfilhos,oquenosajudariamaisadiante,navida.

Mas regia nossas vidas commão de ferro. Ele nos dizia: “Um dia eunão vou estar aqui. Então, serão vocês dois, sozinhos, e eu quero quecompreendamoquantoestemundoéduroeinjusto.Queroquevocêsdoisestejam muito bem preparados para o diabo que for, que possa vir emsuasdireções”.

Elenãotoleravanada.Desobediênciaestavaforadequestão.Faltadeeducaçãoeracomoumaofensaparaenforcamento.Não tinha folga.Faziaquestão de bons modos e trabalho duro. E não aliviou nem quandoestávamostotalmentefalidos.MeupaierafilhodeumhomemdoArkansas,quevivianamata,outrocaráterdevalentiaimpressionante,eelenosdeuaquelarudezadeandarcomasprópriaspernasnaprimeiraoportunidade.

Estávamos sempre na loresta, na zona rural fechada, nas matas depinheiros do Texas, emmeio aos carvalhos vermelhos e as seringueiras.Meupainosensinouaatirarcomdireçãoaosseteanos,comprou-nosumri le calibre 22, umNylon 66. Conseguíamos acertar uma lata de cervejaMiller High Life a uma distância de 130 m. Mas isso é coisa deredneck,certo? Garotosredneck, na zona rural dosrednecks, aprendendo técnicasdavida.

Elenosensinouasobreviverláfora.Oquevocêpodiacomereoquenão podia.Mostrou-nos como construir um abrigo, ensinou-nos a pescar.Aténosensinouaamarrarematarumjavali:soltardoislaçosaoredordeseupescoço e puxar, depois torcer para que ele não te ataque! Eu aindaseicomodesossareassarum.

Em casa, em qualquer um dos sítios, meu pai nos mostrava comoplantarecultivarmilhoebatata,verdurasecenoura.Muitasvezes,quandoestávamosrealmentepobres,sóvivíamosdisso.Olhandoparatrás, foiumtreinamentoimportanteparadoisgarotosroceiros.

Mas,talvezmaisimportantedetudo,elenosensinouanadar.Meupaieraumnadadoreissoeramuitoimportanteparaele.Erasoberbonaáguaemedeixouassim.Emquasetudo,Morganénaturalmentemelhorqueeu.É talentoso como corredor, lutador, atirador, navegador terrestre ou

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aquático. Sempre passa com folga em suas provas, enquanto tenho queralarmuito,estudando,treinando,tentandoseroprimeirohomemaentrareoúltimoasair.Morgannãoprecisafazerforça.

Ele foi o homem de honra de sua turma SEAL, votado por seuscompanheiros.Eujásabiaqueeleoseria,mesmoantesdecomeçar.Sóháumamodalidade em que ele não consegue ganhar de mim. Eu soumaisrápido na água e tenho vantagem embaixo dela. Ele sabe disso, emboranãoconsigaadmitir.

Haviaumlagoimensopróximodeondemorávamoseeraláquemeupainostreinava.Duranteoslongosverõestexanos, icávamoslá,nadando,apostandocorrida,mergulhando,praticando.Éramoscomopeixes,dojeitoquemeupaiqueria.

Ele passou meses nos ensinando a mergulhar no fundo, primeirosozinhos, depois comnosso equipamentodemergulho. Éramosbons e aspessoas nos pagavam para tentar recuperar chaves e coisas de valoratiradasnaágua.Obviamente,meupaiachavaissofácildemais,então,eleestipulavaquefôssemospagossomenteserecuperássemosoobjetocerto.

Durante essa época, de vez em quando, esbarrávamos com algunscrocodilosdepassagem,masumdosmeusgrandesamigosdoTexas,TrayBaker, nos mostrou como lidar com eles. Eu lutei com um e iquei bemcontente quando o ilho-da-mãe resolveu que já havia tido o bastante epartiuparaáguasmaiscalmas.Masatéhojemeuirmãogostadelutarcomcrocodilos, só por diversão. Ele émaluco, é claro.Mas, às vezes, levamosumbarquinhodepescadefundoplanoatéolagoeumdaquelescrocodilosimensosvemnadaraoladodobarco.

Morgan dá uma olhada rápida – narinas a uns 20 ou 22 cm dedistância dos olhos, então ele tem de 2,5 m a 2,7 m de comprimento.Morgan executa um mergulho esticado e angular, direto em cima docrocodilo,atracandosuasmandíbulas,trancando-ascomospunhos,depoisele o torce ao contrário e sobe em suas costas, o tempo todo mantendoaquelasarcadas imensas fechadas com forçaegargalhandodoassustadomonstrodasprofundezas.

Depois de alguns minutos, os dois estão fartos daquilo e Morgan osolta. Sempre acho essa a pior parte. Mas nunca vi um crocodilo quetivesse vontade de fazer outra investida em Morgan. Eles sempre dão avolta e nadampara longe da área. Ele só julgoumal uma vez, e suamãotrazumalinhadecicatrizesdosdentesdocrocodilo.

Sabe,achoquemeupaisemprequisquefôssemosSEALs.Elesemprenos falava sobre esses combatentes de elite, as coisas que faziam e os

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valores que representavam. Em sua opinião, eles têm tudo dosmelhoreshomens da América – coragem, patriotismo, força, determinação, serecusamaaceitaraderrota,possueminteligênciae expertiseemtudoquefazem.Semprenosfalousobreessescaras,aolongodenossasvidas.E,aolongo dos anos, imagino que isso tenha sido absorvido. Morgan e euconseguimos.

Eu tinha uns doze anos quando percebi que, semdúvida, queriametornar um SEAL. E eu sabia muito mais a respeito do assunto do que amaioria dos garotos de minha idade. Entendia a brutalidade dotreinamento, o condicionamento ísico exigido e a necessidade de super-habilidadesnaágua.Acheiqueseriacapazde lidarcomisso.Meupainosfalousobreaimportânciadaartilhariaeeusabiaquepodiafazerisso.

OsSEALsprecisamsesentiràvontadeemterrasáridas,sercapazesdesobreviver,atévivernaselva,senecessário.Nósjáéramosbonsnisso.Aosdozeanos,Morganeeuéramoscomoumadupladeanimaisselvagens,sentindo-nosemcasaaoarlivre,empunhandoumavaradepescareumaarma,facilmentecapazesdeviverdaterra.

Mas, no fundo, eu sabia que era necessário algo mais para quechegássemos às melhores equipes de combate do mundo. E isso era ocondicionamento ísico e a força que só pode ser adquirida por aquelesque buscam ativamente. Nada simplesmente acontece. Você sempre temqueseesforçar.

EmnossapartedolestedoTexashámuitoscarasquepertenceramepertencem às forças especiais, homens de ferro, silenciosos, a maioriaheróis não festejados, exceto por suas famílias. Mas eles não servem àsforçasarmadasdosEstadosUnidosporreconhecimentoouglóriapessoais.

Fazem-no porque, lá no fundo de suas almas fortes, sentem umarrepioaoverabandeiraamericanatremulandosobreapraça,naparada.Ospelosde suasnucaseriçamquandoouvemohinodosEstadosUnidos.Quando o presidente entra nos quartéis, ao som das bandas militaresentoando “Hail of Chief” há um momento solene para cada um desseshomens–pornossopresidente,nossopaíseoqueelerepresentouparaorestantedomundoeasmuitaspessoasquejamaisteriamumachancesemaAmérica.

Esses homens das forças especiais tiveram outras opções em suasvidas, outros caminhos, caminhos mais fáceis que poderiam ter seguido.Masolhamparaoscaminhosmaisdi íceis,aquelacalçadaestreitaquenãoé para os patriotas de dia ensolarado. Eles seguiram por uma que édestinada ao patriota supremo, uma que pode lhes exigir a vida pelos

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EstadosUnidosdaAmérica.Aquelaqueécompatívelsomentecomaquelesquequeremtantoserviraseupaísquemaisnadaimporta.

Isso provavelmente não seja de bom-tom para o nosso mundomoderno obcecado pelas celebridades.Mas os caras das forças especiaistambém não estão nem aí para isso. Acho que você tem de conhecê-losparaentendê-los.Emesmoassimnãoéfácil,poisamaioriaétímida,maisdoquetaciturna,efazercomqueumdelesfalealgocomoumautoelogioéquase impossível. Eles são claramente conscientes de um chamadosuperior,pois juraramdefenderseupaíse lutarsuasbatalhas.E,quandosoarotambor,sairãolutando.

E quando este de fato retumba, os corações de milhares de entesqueridos batem mais forte, e esses caras sabem disso melhor do quequalquerum.Porém,para eles, odever e o compromisso sãomais fortesdoquequalquercoraçãoapertado.Eessesguerreirosaltamentetreinadosautomaticamente pegam seus ri les e munição e seguem adiante,obedecendoàsordensdeseucomandante.

O general Douglas MacArthur uma vez alertou os cadetes de WestPointdequeseelesfossemosprimeirosapermitirqueaAcademiaMilitarAmericana falhasse, “um milhão de fantasmas de uniformes marrom,verde, azul e cinza emergiriam das cruzes brancas de seus túmulos,esbravejando as palavras mágicasDever, Honra e Pátria” . Não hánecessidade de fantasmas para os SEALs da Marinha dos EUA. Aquelaspalavrasforamgravadasemnossoscorações.

Emuitosdesseshomens,aquinolestedoTexas,estariamdispostosaabrirmãodeseu tempo livre, semrecompensaalguma,paramostraraosgarotosoqueéprecisoparasetornarumSEAL,um rangerouumboina-verde. Um que todos nós conhecíamos era um sargento boina-verde quemoravapróximo. SeunomeeraBilly Shelton e, se umdia ele vir isso, vaimorrerdeconstrangimentoaoverseunomeimpressonoassuntobravura.

Billy teve uma carreira esplendorosa no exército, em combate noVietnã, com os boinas-verdes e, depois, servindo o governo numa equipedaSWAT.Foiumdoscarasmaisdestemidosquejáconhecie,numatarde,pouco antes demeu aniversário de quinze anos, tomei coragem e fui atésuacasaperguntarseelepoderiametreinarparaserumSEAL.Eleestavaalmoçando e veio até a porta mastigando. Era um touro, com músculosimensos, pele clara, sem um grama de gordura. Aosmeus olhos, pareciacapazdeestrangularumrinoceronte.

Fizminhaperguntahesitante.Eelesimplesmentemeolhou,decimaabaixo,edisse:“Aquimesmo.Amanhã,àsquatrodatarde”.Depoisbateua

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porta na minha cara. Eu era meio jovem, na época, mas a frase que euesperavaeraDeixedeconversafiada,certo?

Todos da região sabiam que Billy treinava garotos para as forçasespeciais.Equandoeletinhaumgruponossocorrendopelarua,oscarrosquepassavambuzinavam,nosincentivando.

Ele sempre ignorava e não demonstrava qualquer dó. Nossoprograma incluía correr com blocos pesados de concreto nos ombros.Quando Billy nos achava fortes o su iciente, aumentávamos o ritmo,correndocompneusdeborracha,quepareciamrecém-removidosdeumanaveespacialoudeumtratorimenso.

Billy não tinha turmas de exercícios; ele administrava um programacompleto de treinamento SEAL para adolescentes. Ao longo dos anos, elenos colocava na academia levantando ferro, puxando as máquinasdetortura, o ergômetro, correndo pelas estradas, condicionando nossoscorpos,suandoetreinando.

Morgan e eu morríamos de medo dele. Eu costumava ter pesadelosquandoíamosencontrá-lo,namanhãseguinte,poiselenãotinhaamenorpiedade,poucoimportandonossapoucaidade.Estávamosnumaturmademeia-adolescência,deunsdozecaras.

“Eu vou quebrá-los, mental e isicamente”, ele gritava para nós.“Quebrá-los, vocês me ouviram? Depois vou reconstruí-los, como umaunidade de combate, para que suas mentes e corpos sejam apenas um.Entenderam?Euvoufazê-lossentirmaisdordoquejamaissentiram.”

Mais ou menos nessa mesma hora, a metade da turma correu pelaprópriavida,emvezdeencararessebuldogue,esseex- tailback4doTexasqueconseguiacorrercomoumcaminhãoMackladeiraabaixo.Elecontavacomoapoiodeumaescola localdesegundograuque lhepermitiausaroginásiosemcustos,paratreinarforçasespeciaisemnossapartedomundo.

“Eu não sou seu amigo”, ele gritava. “Não aqui, neste ginásio. Estouaqui para deixá-los bem condicionados isicamente, treinados, prontospara os SEALs, ou os boinas-verdes, ou os rangers. Não estou ganhandonem um centavo para fazer isso. E por isso é que vocês vão fazer issodireito,simplesmenteparanãodesperdiçaremomeutempo.

“Porque,sequalquerumdevocêsfracassaremalcançarapontuaçãonasforçasespeciais,issonãoseráporseremfracosdemais.Issosignificaráque eu falhei e voume assegurar de que isso não aconteça, pois, aqui, ofracasso não é uma opção. Vou deixá-los no ponto. Todos vocês.Entenderam?”

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Ele nos levava para corridas de 20 km, carregando os blocos deconcreto até quase desmoronarmos. Alguns caras icavam com sanguepisadonapartedetrásdacabeça,pelafricção.Eelejamaistiravaos olhosdenós,nuncatoleravabrincadeiraoufaltadeconcentração.Simplesmentenosfaziatrabalhar,levando-nosaolimite.Todavez.

Foi isso que formou minha força, me deu base. Assim que aprendisobre a doutrina de condicionamento ísico dos SEALs. Billy eraextremamente orgulhoso disso; orgulhoso por passar adiante o seuconhecimento.

E ele só pedia uma devoção imortal pela causa, a disciplina de umguerreiro samuraiepulmõescomogaitasde foles.Eleeraabsolutamenteimplacável e realmente adorava Morgan e eu, dois dos únicos seissobreviventesdaturma.

Umavez,quandovolteidepoisdeservirnoIraque,fuivê-loapósumasduas semanas de vida mansa, à base da comidinha da mamãe e ele meexpulsoudaacademia!

“Vocêestáimensodegordo,umexemplolamentávelparaumSEALenem suporto olhar para você!”, ele berrou. “Suma da minha vista!” Putamerda!Eusaívoando,desciaescadaenãomeatreviavoltaratéperder4kg.NinguémnaregiãodiscutecomBillyShelton.

Aoutrahabilidadedequeeuprecisavaaindaestavaporvir.NenhumSEAL pode atuar sem um nível elevado deexpertise em combatedesarmado.Billymedissequeeuprecisavafazeraulasdeartesmarciaisomaisrápidopossível.Eeuencontreiumprofessorcomquemtrabalhar.Aolongo da faculdade, estudei e aprendi aquela estranha e mística técnicaasiática.Trabalheinaquilodurantemuitosanos,emvezdemeenvolveremoutrosesportes.Ealcanceitodososmeusobjetivos.

Morgandizqueaverdadeéqueeunãoconheçominhaprópriaforçaedevoserevitadosempre.

Segundo qualquer parâmetro, eu tive um início adiantado ao metornarumSEAL.Tomei consciênciada tarefa aindabemcedoe tiveduasforçasmeimpulsionandoparaa frente:meupaieBillyShelton.Tudoqueaprendi, além da sala de aula, desde os primeiros anos, parece ter medirecionadoaCoronado.Aomenosassimparece,quandoolhoparatrás.

Todos compreendem por que existe uma imensa proporção dedesistentesdentreos candidatos a SEALs.Equandopensonoquepasseiduranteosanosqueantecederamminhachegadalá,nemconsigoimaginaroquedeveserparaoscarasquetentamsemnenhumtreinamentoprévio.Morgan e eu fomos moldados para ser SEALs, mas nunca foi fácil. O

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trabalho é brutalmente duro, os regimes de condicionamento ísico sãoseveros e in lexíveis como em qualquer programa do mundo livre. Asprovassãoinvestigativasedi íceis.NadaalémdomaisaltonívelpossíveléaceitávelnasequipesdosSEALs.

E talvez, acimade tudo, o seu caráter esteja sob ummicroscópio emtempo integral; instrutores, professores, chefes seniores e o iciais estãosempre observando qualquer falha de caráter, a fraqueza que pode, umdia, levar ao comprometimento de seus companheiros de equipe. Nãopodemosaturarisso.Podemosaturarquasetudo,excetoisso.

Quando alguém lhe diz que ele pertence às equipes SEAL, issosigni ica que passou por todos os testes, foi aceito por alguns dos maisdurosmestresnoregimemilitar.Eumcurtoacenodecabeçaemrespeitoédebom-tom, pois émais di ícil se tornarumSEALdoque ingressar nocurso de direito da Universidade de Harvard. É diferente, porém maisdi ícil. Quando alguém lhe disser que pertence a uma equipe SEAL, vocêsabequeestánapresençadeumsujeitomuitoespecial.Eusimplesmentenasci sortudo e, de alguma forma, acabei achando omeu caminho com aética herdada de meu pai. O restante daqueles caras são os deuses dasforças armadas americanas. E, nos campos de batalha estrangeiros, elesservem sua nação como lhes é exigido e, na maioria das vezes, semqualquerreconhecimento.

Eles não fariam de outra forma, pois não compreendem de outraforma.Simplesmentenãoseatêmalouvores,seesquivamtimidamentedosholofotes,mas,no im,têmsuarecompensapreciosa–quandoseusdiasdecombate terminam, sabemprecisamente quem são e o que representam.Issoéraro.Eninguémpodecomprar.

DevoltaaoC-130, cruzandoosuldodesertodeRegestan,osdeusesdasforçasarmadasamericanascomquemviajeidormiam,excetoShane,odeusdapraia,queaindaestavaouvindoseurock.

Em algum lugar na escuridão do lado de fora, a estibordo, estava acidade paquistanesa de Quetta, que tivera certa importância quando osbritânicos governavam o lugar. Eles tinham um grande contingente doexército ali e, durante três anos, em meados da década de 1930, omarechal visconde Montgomery, mais tarde vencedor da batalha deAlamein, lecionou ali. O que imagino provar que sou tão viciado emtrivialidadesmilitaresquantonasrespostasespertas.

Noentanto,nósnosmantivemosnocursoàesquerda,no ladoafegãoda fronteira, acho, e continuamos acima da cadeiamontanhosa de HinduKush. O pico mais ao sul, o mais próximo do deserto, tem 3300 m de

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altitude.Depoisdisso icabemíngremeeeraparaaquelasmontanhasquerumávamos.

Bem abaixo de nós estava a importante cidade de Kandahar, queapenasalgumassemanasdepois,em1ºdejunhode2005,foipalcodeumdos mais terríveis ataques do Talibã, naquele ano. Um de seus homens-bombamatouvintepessoas,numadasprincipaismesquitasdeKandahar.Nesse desastre, no centro da cidade, elesmataramo chefe de segurançadeCabul,queestavaparticipandodofuneraldeumclérigoquehaviasidomortotrêsdiasantes,pordoiscarasnumamotocicleta.

Acho que o chefe Healy e eumesmo, em particular, estávamos bemconscientesdosperigosnessepaísdividido.Epercebíamosa importânciade nossas missões futuras, contendo o luxo dos recrutas talibãs queseguiampelos altos picos deHinduKush e capturando seus líderes parainterrogatórios.

A jornada de sete horas a partir do Barein parecia interminável eainda estávamos aumahoraoumais ao sul deCabul, seguindo aonorte,acima da fronteira traiçoeira que conduz diretamente ao antigo Passo doKhybere,depois, aospicos colossaisepenhascosanortedeHinduKush.Adiante, asmontanhasdesviamentrandopeloTajiquistãoeaChina,maistardesetransformandonapontaoestedoHimalaia.

Eu estava lendo meu guia, processando e digerindo fatos como umdetetivedeAgathaChristie.Chaman,Zhob,pontos-chavedeentradaparaoTalibã e a al-Qaeda de bin Laden, à medida que fugiam das bombas etropas terrestres americanas. Esses homens tribais seguiam ao cume demontanhas de 4800 m, em busca da ajuda dos chefes entediados doBaluquistão,queagoraestavamdescontentescomPaquistãoeAfeganistão,Grã-Bretanha, Irã, EUA, Rússia e qualquer um que lhes dissesse o quefazer.

Nossa área de operação seria bem ao norte dali e passei as horasfinaisdajornadatentandojuntaralgumainformação.Maseradifícilchegarlá. O problema era que não havia muita coisa acontecendo naquelasmontanhas, eram poucas cidades pequenas e pouquíssimos vilarejos.Realmenteengraçado.Nadademuitomovimentoe, noentanto,poroutrolado, tudo quanto é coisa do mundo estava acontecendo: tramas, planos,vilões, terrorismo, inúmeros esquemas para atacar o Ocidente,principalmenteosEstadosUnidos.

Havia células dos combatentes talibãs apenas aguardando por umachance para atacar o governo. Havia bandos da al-Qaeda fervilhando aoredor de um líder que quase ninguém vira por diversos anos. O Talibã

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queriaassumirnovamenteopodernoAfeganistão;aganguedebinLadenqueria a morte e destruição dos cidadãos americanos, uniformizados ounão. De uma forma ou de outra, eles eram um maldito pesadelo, umdaqueles que estava se tornando cada vez pior. Motivo pelo qualmandaramnoschamar.

Nassemanasqueantecederamnossachegadahouveumadifusãodeincidentesdeviolência,con irmandootemorgeraldequeoTalibã,odiadopor todos, mais uma vez ressurgia e era uma séria ameaça ao novogovernodoAfeganistão.Comoapoiodeumcontingentede30.000homensdas tropas americanas e daOTAN, o presidente HamidKazai lutavaparacontrolaropaísemqualquerlugarforadeCabul.

Algumas semanas antes, em fevereiro, o Talibã anuncioucategoricamente que aumentaria seus ataques ao governo assim que otempomelhorasse. E dali em diante eles lançaram uma série de ataquescom tiroteios e bombardeios de veículos, geralmente direcionados aoso iciais locais e ao clero em favor do governo. Ao sul e adiante, no leste,começaramaarmaremboscadasparaossoldadosamericanos.

Talibã é uma palavra estranha. Todos ouviram, assim comoinsurgentes, sunitas, aiatolá ou Taiwan. Mas o que realmente signi icaTalibã? Eu sofri com eles, que podem ser descritos como o pior tipopossível. Li muito. Os fatos se encaixam à realidade. Aqueles caras sãodiabólicos,assassinosreligiosos fanáticos,cadaumdelescomumAK-47esededesangue.Quantoaisso,vocêpodeconfiaremmim.

O Talibã esteve em proeminência desde 1994. Seu líder original eraum clérigo de vilarejo chamado mulá Muhammad Omar, um caraimpiedosoqueperdeuoolhodireitolutandocontrasasforçasdeocupaçãoda União Soviética, na década de 1980. Em meados dos anos 1990, osprincipais alvos doTalibã, noAfeganistão, antes daminha chegada, eramoscabeçasdaguerraque(a)formavamosmujahedin(combatentes)e(b)expulsavamossoviéticosdopaís.

O Talibã fez duas grandes promessas que levaria adiante enquantoestivessenopoder:recuperarapazeasegurançaereforçara sharia,oualei islâmica.Os afegãos, cansadosdosexcessosdosmujahedins,deramasboas-vindas ao Talibã, que desfrutou demuito sucesso inicial, banindo acorrupção,ossemleietornandoasestradassegurasparaqueocomércioflorescesse.Issoseaplicavaatodasasáreasqueestavamsobseucontrole.

Começaram sua operação ao sudoeste da cidade de Kandahar erapidamente se espalharam para outras partes do país. Tomaram aprovínciadeHerat,quetemfronteiracomoIrã,emsetembrode1995.Um

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ano depois, seus exércitos tomaram Cabul, a capital afegã, derrubando oregime do presidente Burhanuddin Rabbani e seu ministro de Defesa,AhmedShahMassoud.Porvoltade1988,tinhamocontroledequase90%dopaís.

Noentanto,umaveznopoder,oTalibãmostrouacara.Instaurouumadas mais autoritárias administrações no planeta, que não toleravaqualquer oposição às suas diretrizes linha-dura. Imediatamente foramintroduzidas punições islâmicas antiquíssimas, como execuções públicasparaoscondenadosaassassinatoseamputaçõesdasmãosaosquefossemacusados de roubo. Nem posso pensar no tipo de condenação que umestupradorouadúlterodeveesperar.

Televisão, música, esporte e cinema foram banidos, julgados peloslíderesdoTalibãcomofrivolidades.Asmeninascomidadededezanosouacimaforamproibidasde frequentaraescola;asmulherestrabalhadorasreceberam ordem para permanecer em casa. Foi exigido que os homensdeixassemasbarbascresceremequeasmulheresusassema burka.Essasdiretrizesreligiosasganharamnotoriedademundial,enquantooTalibãseesforçava para restaurar a Idade Média numa nação que ansiava paraingressarnoséculoXXI.Suasdiretrizesquantoaosdireitoshumanoseramabsurdaseocolocaramemconflitodiretocomacomunidadeinternacional.

Mas havia outra questão, que levaria à sua destruição: o papel queexerciamcomoan itriõesdeOsamabinLadeneseumovimentoal-Qaeda.Emagostode1998, os fanáticos islâmicos bombardearamas embaixadasamericanas no Quênia e Tanzânia, matando mais de 225 pessoas.WashingtonimediatamenteconfrontouoslíderesdoTalibãcomumadi ícilescolha – ou expulsavam bin Laden, a quem o governo americanoresponsabilizavapelosbombardeios,ouenfrentavamasconsequências.

OTalibã recusou terminantementeentregaro convidadosauditaquelhesproviaumexpressivopatrocínio.OpresidenteBillClintondeu ordempara um ataque com mísseis ao principal campo de treinamento de binLaden,nosuldoAfeganistão,quefalhounaeliminaçãodeseulíder.Então,em 1999, os Estados Unidos convenceram o Conselho de Segurança dasNações Unidas a impor sanções ao Afeganistão, regido pelo Talibã. Doisanosmaistarde,sançõesatémaisrigorosasforaminstituídas,natentativadeforçaroTalibãaentregarbinLaden.

Nadafuncionou.Nemassanções,nemanegativadeconcessãodeumassento ao Afeganistão na ONU. O Talibã ainda estava no poder econtinuava a ocultar Osama bin Laden, mas seu isolamento político ediplomáticocomeçavaaserabsoluto.

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MasoTalibãnãosemexia.Usouseuisolamentocomoumdistintivodehonraeresolveuoassuntocomumregimeaindamaisfundamentalista.Opobrepovoafegãopercebeu, tardedemais,oquehavia feito:entregaraopaís inteiroaumgrupode lunáticosbarbudosquetentavamimporaelesnadaalémdamisériahumanaecontrolavamcadamovimentocomregrasdraconianas, repressivas e brutais. O Talibã estava tão ocupado tentandoescravizaroscidadãosqueesqueceudanecessidadedealimentoeafomeassolouopaís.Ummilhãodeafegãosdeixaramopaíscomorefugiados.

TudoissoeracompreendidopeloOcidente.Quase.Masfoiprecisoumchoque horrendo para causar indignação internacional, em março de2001.FoiquandooTalibãexplodiuduasestátuasmonumentaisdeBuda,emBamiyan,umadelascom55metros,aoutracom35metrosdealtura,esculpidasnumamontanhadepedrano centrodoAfeganistão,230kmanordestedeCabul.IssofoioequivalenteaexplodiraspirâmidesdeGizé.

As estátuas foram derrubadas dos penhascos montanhosos emBamiyan, que é situada na antiquíssima rota da seda, um trajeto dascaravanas que ligava os mercados da China e Ásia central com os daEuropa, Oriente Médio e sul da Ásia. Ali também era um dos locaisreligiosos budistas reverenciados, datado do segundo século, tendoabrigado centenas de monges e muitos monastérios. As duas estátuaseramasmaioresesculturasdeBudaempéexistentesnoplaneta.

E sua destruição sumária pelos administradores talibãs doAfeganistão levoudiretorese curadoresdemuseusao redordomundoateremumasíncope.OTalibãlhesdisse,efetivamente,quesedanassem.Dequemeramaquelasestátuas,dequalquerforma?Alémdisso,elesestavamplanejandodestruirtodasasestátuasnoAfeganistão,baseando-senofatodenãoseremislâmicas.

OsbudasdeBamiyanforamdestruídossegundoaleisharia.Somenteo poderoso Alá merece ser louvado, ninguém ou nada mais. Então estáexplicado,certo?LouvemosAláeagorapasseadinamite.

A explosãodosbudas fortaleceuaopiniãomundialdeque algo teriade ser feito quanto aos administradores do Afeganistão. Mas foi precisooutra explosão para provocar uma ação selvagem contra eles. Issoaconteceu em 11 de setembro do mesmo ano e foi o começo do im doTalibãedaal-QaedadebinLaden.

Antes que a poeira baixasse em Manhattan, os Estados UnidosexigiramqueoTalibãentregassebinLadenpor ter sidoo idealizadordoataque em solo americano. Novamente o Talibã se recusou, talvez nãopercebendo que o novo presidente americano, George W. Bush, era um

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sujeitomuitodiferentedeBillClinton.Menosdeummêsdepois,em7deoutubro,osamericanos, liderando

uma pequena força de coalizão, desencadearam um ataque contra oAfeganistão que sacudiu aquela região do mundo até seus alicerces. Ainteligênciamilitaramericanalocalizoutodososcamposnasmontanhasdaparte nordeste do país, e os militares lançaram um dos maioresbombardeiosaéreoscomarmasmodernas.

Começou com o lançamento de cinquenta mísseis dos navios deguerra e submarinos da Marinha americanos. Ao mesmo tempo, bemdepoisde escurecernoAfeganistão, vinte e cinco aeronaves cargueiras equinzebombardeirosterrestreszarparamedestruíramasdefesasaéreasdo Talibã, sua infraestrutura de comunicação e os aeroportos de Cabul,Jalalabad, Kandahar e Herat. As bombas americanas explodiram asinstalaçõesderadareseeliminaramatorredecontroleemKandahar.Essaera a cidade onde morava o mulá Omar, e um bombardeiro navalconseguiu acertar uma bem no meio de seu quintal dos fundos. Mas obastardodeumolhosóescapou.

O Talibã e seu quartel-general militar, agora em chamas, possuíamuma capacidade aérea insigni icante, apenas algumas aeronaves ehelicópteros, eaForçaAéreaamericanavarreu tudocomnossasbombasinteligentes,comosefosseumtreinamento.

Bombardeirosnavaisdecolandode rebocadoresacertaramosoutrosequipamentos militares do Talibã, como veículos pesados, tanques ereservatóriosdecombustível.BombardeirosbaseadosemterracomoosB-1,B-2eB-52tambémforamutilizadosnoar,eosB-52despejaramdúziasde bombas gravitacionais de 230 kg, sobre os campos de treinamentoterroristadaal-Qaeda,nolestedoAfeganistão,láemcima,nasmontanhaspertodafronteira,ondelogoestaríamos.

Um dos principais objetivos dos EUA era um pequeno estoque demísseis de artilharia antiaérea, roubados dos russos ou dos antigosmujahedins. Esses foram di íceis de localizar, e diversos esconderijosforam removidos pelos homens das tribos e escondidos nas montanhas.Escondidos,lamentavelmente,parausoemoutrodia.

Uma hora após o início daquele bombardeio noturno, a Aliança doNorteabriufogocomumabateriadefoguetesdeumabaseaéreaa40kmao norte de Cabul. Eles os apontavam direto contra as forças talibãs nacidade. Houve cinco grandes explosões, e a energia elétrica foiinterrompidaemtodaacapital.

MasosEstadosUnidos jamais tiraramosolhosdabola.Overdadeiro

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objetivoeraatotaldestruiçãodolíderdaal-Qaeda,quehaviaengendradoo ataque infame às torres gêmeas – o Pearl Harbor do século XXI –,conforme o presidente descreveu. E isso signi icava um golpemaciço narede sinistra de cavernas e túneis subterrâneos no alto das montanhas,ondebinLadenfezseuquartel-general.

Os mísseis navais amaciaram a área, mas isso era só o começo. Overdadeiro golpe peso-pesado da única superpotência mundial viria naforma de uma bomba gigante – a BLU-82B/C-130, conhecida no Vietnãcomo Commando Vault, e agora apelidada de Daisy Cutter. Essa é umabombaconvencionaldegrandealtitude,pesando7toneladas,eprecisaserlançada da imensa aeronave MC-130, pois é pesada demais para oscompartimentosdequalqueroutraaeronavedeataque.

É um troço impressionante. Foi originalmente desenhada para criarclareiras instantâneas para pousos de helicópteros na selva. Seu uso noAfeganistãoeracomoarmadeguerranascavernashabitadas.Seuraiodealcancemortíferoécolossal,provavelmente275m.Seucintilaresomsãovistosliteralmenteaquilômetrosdedistância.ABLU-82Béamaiorbombaconvencional já construída e, é claro, não deixa qualquer vestígio departículas radioativas. (Só para deixar registrado, a bomba atômica deHiroshimaeramilvezesmaispoderosa.)

A Daisy Cutter é extremamente con iável, sem qualquer problemacom a velocidade do vento ou gradação térmica. Sua técnica explosivaconvencional incorpora tanto o agente quanto o oxidante. Não é umexplosivo de combustão a ar, como os antigos sistemas FAE (Fuel AirExplosive, ouExplosivo de Combustão aAr), utilizados para bombas bemmenores. Ela tem quase 4 m de comprimento e mais de 1,20 m dediâmetro.

A BLU-82B depende de um posicionamento preciso da aeronave delançamento, com coordenadas obtidas de um radar térreo ixo ouequipamento de navegação a bordo. A aeronave tem de estarprecisamente posicionada antes da contagem regressiva inal para olançamento.Onavegadorprecisafazeroscálculosdeventoebalísticacomabsolutaexatidão.Osefeitosdaexplosãomaciçadabombasigni icamqueela não pode ser lançada a uma altitude inferior a 1800 m. Sua ogiva,contendo5700kgdeGSXdepasta luida(nitratodealumínio,alumínioempóepoliestireno),édetonadaporumextensorde96cm,aalgunsmetrosacimadosolo,paraquenãoprovoqueumacratera.Todaaexplosãoocorrede dentro para fora, produzindo umapressão de 450 kg a cada 2,5 cm 2.

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DaíoapelidodeDaisyCutter(PodadoradeMargaridas).OsEstadosUnidosnunca especi icaramquantosdesses troços foram

despejadosnaáreadeToraBora,dasmontanhasBrancas,ondeoscamposdaal-Qaedaestavamlocalizados.Masforampelomenosquatro,talvezsete.O primeiro, segundo um comunicado público feito pelo Pentágono, foilançadodepoisdeumrelatoa irmandoquebinLadenhaviasidoavistado.Nósatépodemosimaginaroqueumaexplosãodessetipofariadentrodascavernas onde o alto comando e a liderança da al-Qaeda operavam. Nãoseriamuito bom,mesmo se você estivesse empé, nomeio de um campo,masnumacaverna?Jesus,issoébrutal.Aquelenegócioeliminavacentenasdeinimigosacadavez.

OsEstadosUnidosrealmenteforammalvadoscomoTalibã,arrasaramsua fortaleza em Kunduz, ao norte, os descascaram nas planícies deShomali, aonortedeCabul, lançaramum tapetedebombas emqualquerlugarondepudessemestar,aoredordabaseaéreadeBagram,paraonde,quatroanosdepois,nósseguíamos,abordodoC-130.

No outono de 2001, o Talibã e a al-Qaeda estavam, em suamaioria,fugindo da ofensiva americana ou se rendendo. Nos anos subsequentes,eles se reformularam e saíam juntos, pelo outro lado da fronteirapaquistanesa,começandooseucontra-ataquepararetomaroAfeganistão.

De alguma forma, esses tribais in lexíveis não apenas sobreviveramao violento bombardeio americano e escaparamdaAliança doNorte queavançava,comotambémescaparamdeumadasmaiorescaçadashumanasda história da guerra, frustrando cada vez mais os Estados Unidos, quemoveram céu e terra para capturar bin Laden, o mulá Omar e o resto.Achoquesuapropensãoacorrercomodiabosdaforteoposiçãoeasaídarápida rumo àsmontanhas doPaquistão, do outro lado da fronteira, lhespermitiulimitarseusrecursoshumanosemateriais.

Isso também fez com que ganhassem tempo. E enquantoincontestavelmente perdiam muitos de seus seguidores, depois de umaamostra do que os militares americanos poderiam fazer e fariam, elestambém tiveram muitos meses para começar a recrutar e treinar umanovageraçãode apoiadores.E agora estavamdevolta, comoumexércitocombatenteefetivo,deslanchandooperaçõesdeguerrilhacontraasforçasdecoalizãolideradaspelosEUA,apenasquatroanosapósteremperdidoopoder,sidoforçadosaoexílioequaseaniquilados.

Conformenospreparávamosparanossaaproximação inalàgrandeevasta base americana emBagram, o Talibãmais uma vez voltava à cena,matandotrabalhadoresdeapoioesequestrandofuncionáriosestrangeiros

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da construção. As regiões leste e sul do Afeganistão haviam sidoo icialmente designadas como inseguras, devido aos ataques talibãs, cadavezmaisousados.Havia evidênciasdequeeles estariamexpandindo suaárea de in luência, mais uma vez trabalhando estreitamente com a al-Qaeda de bin Laden, formando novas alianças com grupos rebeldes echefes antigovernamentais. Domesmo jeito que haviam garfado o poderanteriormente,certo?Láatrás,em1996.

Sóquedessavezelestinhamumaambiçãoprimordial,antesdetomaropoder,eestaeradesestabilizarasforçasdecoalizãolideradaspelosEUAeexpulsá-lasdoAfeganistãoparasempre.

Tenho que mencionar os pashtuns, o grupo tribal mais antigo domundoaindavivo;hácercade42milhõesdeles.VinteeoitomilhõesvivemnoPaquistão e12,5milhões, noAfeganistão. Isso signi ica42%de toda apopulação. Há cerca de 88.000 morando na Grã-Bretanha e 44.000, nosEUA.

No Afeganistão, eles vivem principalmente nas montanhas donordesteetambémpossuemáreasvastamentepopulosasnolesteenosul.Éumpovoorgulhosoquese iliouaoIslãevivesobumcódigodehonraeuma cultura rigorosos, observando regras e leis conhecidas comoPashtunwalai,queosmantiverampelosúltimos2milanos.

Também são os principais apoiadores do Talibã. Seus combatentesformam a espinha dorsal das forças talibãs, e suas famílias concedemabrigo a essas forças nos vilarejos montanhosos e os protegem, dandorefúgioemlugaresquepareceriamquaseinacessíveisaosolhosocidentais.Isso não inclui os SEALs da Marinha americana, que possuem olhosocidentais, mas desconhecem o inacessível. Nós entramos em qualquerlugar.

É fácil ver por que os pashtuns e os talibãs se dão tão bem. Ospashtuns foram a tribo que se recusou a se dobrar ao exército daUniãoSoviética. Eles simplesmente continuaram lutando.No séculoXIX, lutaramcontraosbritânicoseestiveramprestesa se render,depois regressaramao Paquistão. Trezentos anos antes, aniquilaram o exército de Akbar, oGrande,omaistemívelsoberanodaÍndia.

Aqueles pashtuns são orgulhosos de sua herança militar e valelembrar que durante todos os séculos de guerra amarga e selvagem noBaluquistão,tempoemqueelesjamaisserenderam,metadedapopulaçãosemprefoipashtun.

O conceitodeherança tribal émuito rígido.Envolve laçosde sangue,estirpes impressionantes que datam de séculos passados, geração após

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geração.Vocênãopodeingressarnumatribo,daformacomosetornaumcidadãoamericano.Astribosnãoconcedemgreencards ,nempassaportes.Ouvocêéounãoé.

Língua,tradições,costumeseculturatêmumpapel,porém,eurepito,você não pode se juntar aos pashtuns. E isso dá a eles uma dignidade eautoestimadeaço.SeusvilarejospodemnãoserasfortalezasmilitaresqueoTalibãdeseja,masospashtunsnãoseintimidamfacilmente.

O povo é organizado estritamente pelo parentesco; pelo ladomasculino,melhordizendo.Alinhagemdatribodescendedoladopaterno,dosancestraismasculinos.Creioqueelesnãodãoamínimaparaamãeouos ancestrais dela. As heranças são estritamente para os meninos e osdireitossobreaterravãodiretoparaosfilhos.

Eles têmumprovérbio que dizmuito: eu contrameus irmãos;meusirmãoseeucontrameusprimos;meusirmãos,meusprimoseeucontraomundo.Éassimqueelesfazem.Aformaçãomilitarrigorosatempermitido,repetidamente,queelesvençamosinvasoresmaissofisticados.

Esse código tribal, o Pashtunwalai, tem exigências de peso:hospitalidade, generosidade e o dever de vingar até mesmo o mais leveinsulto.Avidaentreospashtunséexigente–eladependedorespeitodoscompanheiros, parentes e aliados. E isso pode ser perigoso. Somente osprincípiosdehonrada tribo impossibilitamaanarquia.Oshomens tribaislutarão e até matarão para evitar a desonra a eles mesmos e às suasfamílias.

E o assassinato lança todo o sistema numa grande confusão, pois amortetemdeservingada;osmatadoresesuasfamílias icamsobameaçapermanente. O que signi ica um grande freio à violência. Segundo o queaprendicomCharlesLindhorn,professordeantropologiadaUniversidadedeBoston,osíndicesdehomicídioentreastribospashtunssãomaisbaixosque os índices de homicídio nas áreas urbanas dos Estados Unidos. Sougratoaoprofessorporseusensinamentossobreesseassunto.

O credo talibã vem diretamente do livro de bolso dos pashtuns: asmulheres são os úteros da patrilineagem, os mananciais da honra econtinuidade da tribo. Sua segurança e estilo de vida puro é a únicagarantiadapurezada linhagem.Essa reclusãodasmulheres é conhecidacomopurdah e é designada para manter as mulheres ocultas, tomandocontadacasa,eissodáaelasumaltosensodehonra.

Apurdahrepresentao statusdefazerparte.Omaridodeumamulherpodeirlutarcomosinvasoresenquantoelacontrolaolar,desfrutandodoamorerespeitodeseus ilhos,esperando,umdia, reger, comomatriarca,

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asnoraseosfilhosdelas.Essaéabasedavisãotalibãdasmulheres.Eachoquepodedarmuito

certonoaltodoHinduKush,maspodenãofuncionartãobemnocentrodeHouston.

De qualquer forma, houve lutas terríveis nas terras pashtuns, amaioria com forasteiros. Mas oPashtunwalai os manteve intactos. Suatradição de hospitalidade generosa, talvez a sua maior virtude, inclui oconceito delokhay warkawal. Isso implica a proteção de um indivíduo,particularmentenumasituaçãoemqueatribosejamaisfracadoqueseusinimigos. Quando a tribo aceita olokhay, ela assume a guarda e proteçãodaqueleindivíduodiantedoinimigo,aqualquercusto.

Eu,talvezacimadetodososvisitantesocidentais,tenharazãoparasereternamentegratoporisso.

Estávamosemnossaaproximação inalda imensabaseamericanadeBagram. Agora todos estavam acordados, sete horas após deixarmos oBarein.Eradiae láembaixovíamosasúltimasmontanhassobreasquaistanto ouvimos falar e por entre as quais estaríamos operando, nassemanasseguintes.

Ainda havia neve nos picos altos, reluzindo o branco com o solnascente.E,abaixoda linhanevada,asescarpaspareciambem íngremes.Estávamos voando alto demais para visualizarmos as vilas no meio dasmontanhas,massabíamosqueestavamláeeraparaláqueprovavelmenteiríamos,nofuturonãomuitodistante.

A enorme pista em Bagram margeia a lateral das instalações,passandopor centenasdebarracas, ileiras emais ileiras delas.No solo,podíamos ver as aeronaves e uma porção de helicópteros Chinookestacionados.Nãonospreocupamoscomquemiríamoscompartilhá-los.OsSEALs sempre andam juntos, separados de todos os outros, para evitarconversa à toa sobre missões altamente sigilosas. É claro que todas asnossasmissõessãoaltamentesigilosasenósnãofalamosàtoa,masoutrossetoresdosserviçosmilitaresnãosãotreinadoscomtantorigorcomonós,eninguémcorreriscos.

Ali estávamos nós, inalmente, na República Islâmica do Afeganistão,um país do tamanho do Texas, cercado de terra por todos os lados,protegido pelosmuros de granito que são asmontanhas, arrasado pelasguerrasaolongodosanoseaindaemguerra.Exatamentecomosempre,oslíderes militares estavam tentando expulsar os usurpadores. Nós. E nósnãoestávamos tentandousurparnada, apenas tentando impediromotim

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tribalsangrentoeoutramudançaderegimedoseleitosparaosditadores.Nossa. Aquilo parecia uma tarefa dos diabos. Mas estávamos

empolgados. Foi para isso que nos alistamos. Na verdade, mal podíamosesperarparachegarláeacabarlogocomaquilo.E,decertaforma,eraatébem simples. De alguma maneira, teríamos que adentrar aquelaspassagens infames,nasmontanhas,epôr imà in iltraçãoclandestinadosguerreiros tribais sem rosto que trilhavam seus caminhos através dafronteira, obstinada e silenciosamente, preparados para a luta ao cair deumturbante.

Sabíamosseurecordedetrilha,esabíamosqueelespodiamsemoverpelasmontanhascommuitarapidez.Háséculosdominavamaquelesalpes,cavernas e esconderijos, transformando-os em fortalezas militaresinvencíveiscontratodososquechegassem.

EelesjátinhamenfrentadoosSEALsemcombateaberto, láemcima,pois os SEALs haviam sido os primeiros. Estariam preparados, nóssabíamos disso. Mas, como todas as equipes operacionais SEAL,acreditávamos ser os melhores, portanto, o maldito Talibã que abrisse oolho.

Danny, Shane, James, Axe, Mikey e eu. Estávamos ali a negócios,treinadosatéoúltimominuto, armadosatéosdentes, todosprontosparamandarmososexércitosdoTalibãeaal-Qaedaexatamenteparaolugardeonde tinham vindo, capturar os líderes e nos livrarmos de qualquer umquefosseperigosodemaisparaviver.Erestauraraordemnasmontanhas.

Euestavaa13.000kmdecasa,maspodiamandare-mailsparaminhafamília e entes queridos. Não tinha muitos confortos, mas em minhamochilahaviaumDVDplayereumDVDdemeu ilmefavorito,OcondedeMonte Cristo , do romance de Alexandre Dumas pai. Paramim, é sempreuma inspiração e elevameu astral assistir à luta solitária de um homeminocente e corajoso contra as forças dominantes do mal num mundoimpiedoso.

Esse é meu tipo de negócio. De costas para a parede. Jamais ceder.Coragem, riscos, ousadia além de comparações. Jamais pensei que meuspróprios problemas, em pouquíssimo tempo, se espelhariam naquelesenfrentadosporEdmondDantèsenodesesperodeseusanosnaobscurailhadofortedeChateaud’If,apesardeligeiramentediferentes.

Enuncapensei que aquelas palavras inesquecíveis que ele entalhounas pedras de granito dosmuros damais cruel das prisões tambémmedariam a esperança; uma esperança solitária, entretanto, esperança.Durante o perigo de minhas horas mais sombrias, eu pensava naquelas

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palavras, repetidamente, mais vezes que me atrevo a admitir: Deus medaráajustiça.

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1BolsadeestudosprovenientedaherançadeixadapelomilionárioCecilJ.RhodesquepermiteaoscontempladosfrequentaremaUniversidadedeOxford.(N.T.)

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3UMAESCOLAPARAGUERREIROS

Estava um breu absoluto e ele estava de óculosescuros,de casacopreto transpassado…“Amaioriadevocêsnãovaiestaraquiemalgunsmeses”,disseo instrutor Reno… “Se vocês não começarem a agircomoumaequipe,nenhumdevocêsestaráaqui.”

Os seis SEALs do Barein pousaram em Bagram, no nordeste doAfeganistão,poucodepoisdeamanhecer.Percebiqueacabodepassardoiscapítulos inteiros exclusivamente tratando do importante acontecimentoquefoianossachegadaparatrabalharcomastropasdeelitedemontanhadoexércitoamericano.Ocorreu-mequevocêspodemestarseperguntandopor que somos tão metidos a superiores a todos os outros, por que nossentimosnodireitodeternossamarcaparticulardearrogância.

Semdesejarserassombradopelasdúvidasdeninguémquantoamimoumeuscompanheirosdeequipe,proponhoexplicaragoramesmo,antesdeseguirmosadiante,omotivoespecí icoparanossentirmosdessaformaem relação ao mundo. Não é uma forma prematura de triunfo e seriaabsurdochamarissodemeracon iança.SeriacomodizerqueoPací icoémolhado.

É uma forma superior de consciência e não me re iro a serpretensioso. Já foi dito que somente osmuito ricos entendema diferençaentreeleseospobres,esóosverdadeiramentebrilhantescompreendemadiferençaentreeleseosrelativamenteboçais.

Bem,sóoshomensquepassarampeloquenóspassamosentendemadiferença entre nós e o restante. Na área militar, até mesmo o restantecompreende o que é preciso para galgar as alturas da excelência emcombate. Em meu caso, isso começou desfavoravelmente. Foi lá no sítio,com minha mãe aos prantos, se recusando a sair de casa para me verpartir.Setedemarçode1999.Eutinhavinteetrêsanos.

Dizer que eu não estavamuito à frente deminha cidade natal seriasubestimar-me. A fama de Morgan e a minha não estava ajudando anenhumdosdois.Sempreapareciamunscarasparaveroquantoéramosdurões.Achoquemeupaiconsideravaumaquestãodetempoatéqueumde nós se deparasse com um pugilista e nos feríssemos seriamente, ou

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alguém se machucasse para valer. Então, decidi ir embora da cidade eingressarnosSEALsdaMarinhaamericana.Morganachouótimaaideiaeme apresentou a um o icial de recrutamento, numa cidade próxima, oo icialdeequipedeprimeiraclasseBeauWalsh.Elemelevouatéaestaçãodealistamentomilitar,emHouston;éláqueocorreorecrutamentonaval.

Naturalmente, logodisse a ele quenãohavianecessidadedeque eufosseaocampodetreinamentoderecrutas.Eujáestavaadiantadodemaisparaisso.Sim,senhor,eupodiairdiretoparaCoronado,ondeabrigaédecachorro grande. É isso que quero, já sou um SEAL com metade dotreinamento.

Enviaram-me diretamente ao campo de treinamento de recrutas.Assinei os papéis emepreparei parame apresentar para o trabalho emalguns dias. Quando deixei o sítio, não foi uma cerimônia de despedida,mas todos estavam lá, incluindo Beau Walsh e Billy Shelton. Como ditoanteriormente,minhamãeestavaentocadae reclusaemcasa, incapazdetestemunharapartidadeseubebê.Queeraeu.

Meu destino icava a mais de 1600 km ao norte, no Navy RecruitTrainingCommand(RTC)(ComandodeTreinamentodeRecrutasNavais),em Great Lakes, Illinois. E posso verdadeiramente dizer que foi ondepassei as oito semanasmais infelizes deminha vida toda. Eununca tinhavistoneveechegueinomeiodapiornevascaqueocentrodetreinamentoviraemonzeanos.FoicomomandarumzuluparaopoloNorte.

Aqueleventoeanevevinhamuivando,passandopelo lagoMichigan,abrindo caminho até a costa oeste, onde estávamos situados, 56 km aonortedeChicago.Bemnaágua.Eunãopodiaacreditarnaabsolutamisériadaquele clima gélido. O acampamento era um lugar gigantesco, comcentenas de recrutas tentando fazer amiraculosa transformação de civisparamarujosdaMarinhaamericana.Eraumametamorfosedrástica,tantomental quanto ísica, e já seria di ícil em tempo bom. Mas, naquele gelo,comaneveeovento,Jesus.Aspalavrasmefaltam.

Eununcahaviaprecisadoderoupasdeinvernoenãotinhanenhuma.Lembro-medeter icadoextremamentecontentequandoaMarinhadeuatodos as roupas certas – meias grossas, botas, calças azul-marinho,camisas, suéteres e casacos. Eles nos disseram para dobrar e guardartudo, mostraram como arrumar nossos beliches, todas as manhãs. Semperdertempo,logonoscolocaramnotreinamento ísico,correndo,fazendoexercícios,marchando,treinando,emuitasaulas.

Eu não tinha muita di iculdade e era excelente na piscina. Asexigências erammergulhar de uma alturamínima de 1,5m, permanecer

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boiando por cincominutos, depois nadar 50m, em qualquermodalidadedenado.Eupodiafazerissoatédormindo,principalmentesemterquemepreocuparcomumpossívelcrocodilooumoccasinaquático.

Correr não seria tão ruim num clima decente, mas o acampamentoestavaabsolutamenteglacialeoventoquevinhadolagoeracortante.Umpinguimteriaproblemaslá.Nóscorríamosnaneve,marchávamosnaneveeseguíamosnossocaminhopeleneveatéassalasdeaula.

Na primeira semana, quando estávamos tentando evitar morrercongelados, eles nos instilaram três palavras que estão comigo desdeentão.Honra, coragem, compromisso . O lema da Marinha dos EstadosUnidos, os valores essenciais que imediatamente se tornaram os ideaisvividosportodosnós.Atéhojeeuconsigomelembrardeuminstrutornosdizendo:–Oquevocês izeremcomessaexperiênciaaquiemGreatLakeséoquefarádevocêscomopessoas.–Eleestavacerto.Espero.

Na segunda semana, colocaram-nos no Curso de Con iança. Isso éformulado para simular situações de emergência num navio de guerraamericano. Ensinaram-nos a sermos perspicazes, con iarmos em nósmesmose,acimadetudo,atomarmosdecisões-chave,dasquaisnossavidaedenossoscompanheirospoderiamdepender.Aquelaspalavras:trabalhoemequipe.Elasdominame in iltramcadaumdosaspectosdavidanaval.Noacampamentoderecrutas,elesnãoapenaslhedizem,elesodoutrinam.Trabalhoemequipe.Eraanovaforçapropulsoranavidadetodosnós.

Na semana três, nos colocaramabordodeumnaviode treinamentoancorado. Tudo era treinamento prático, mão na massa. Aprendemos onome de quase todas as peças que funcionavam naquele navio. Eles nosensinaram técnicas de primeiros socorros, sinalização com bandeiras denavio para navio. Passávamos muito tempo em sala de aula, onde nosfocávamosnoscostumesecortesiasdaMarinha,asleisdocon litoarmado,comunicaçãodebordo,identificaçãodenavioseaeronaves,emarinharia.

Tudoissoeraentremeadocomtestesdetreinamento ísico,exercíciosde lexão, agachamento e abdominais. Nenhuma dessas coisas eraproblemaparamim,masacorridade2,5kmnaqueleclimaeraparatestararesistênciadeumursopolar.PrefeririacorrerdescalçopeloÁrticoaterquefazeraquilodenovo.Deitudo.Passei,graçasaDeus.

Durante a semana quatro, pela primeira vez pusemos as mãos emarmamento – um ri leM16. Até que fui bem rápido nessa parte, é claro,principalmente no tiro livre. Depois disso, a Marinha se concentrou nadireçãodoserviçoquecadaumdenósqueriaseguir.Issotambémfoifácilparamim.SEALs.Semconversafiada,certo?

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Ocursodecombatea incêndioecontrolededanosabordodonavioveio a seguir. E todos nós aprendemos a extinguir focos de incêndio,escapar de compartimentos cheios de fumaça, abrir e fechar portasvedadas pela água, operar o aparato de cilindros de oxigênio e deslocarmangueirasdeágua.Aúltimapartefoiapior.ACâmaradeConfiança.Vocêentra ali com a sua turma e coloca uma máscara de oxigênio. Depois,alguém solta um tablete de gás lacrimejante e você tem que tirar amáscara,jogá-lanalatadelixoedizerseunometodoenúmerodosegurosocial.

Todo recruta que se alista na Marinha tem que passar por esseexercício. Ao inal, os instrutores deixam claro: você temo que é preciso.HáumlugarparavocênaMarinha.

A tarefa inal é chamada de estações de batalha. As equipes sãoconfrontadas comdoze situações já abordadasnas semanas anteriores. Éaí que os recrutas são avaliados individualmente e em equipe. Aocompletarisso,ostreinadoreslhesdãoumquepedaMarinhaamericanaeisso diz ao mundo que agora você é um marinheiro. Você provou quepertenceàMarinha,quetemoconteúdocerto.

Nasemanaseguinteeumeformeicommeuuniformedegala,novinhoemfolha.Lembrodepassarpeloespelhoequasenãomereconhecer.Bemali,altivo.Existealgoemse formarnotreinamentoderecrutas;achoque,emgrandeparte,éorgulhodevocêmesmo.

Masvocê tambémconhecemuitagentequenãoconseguiu. Issoo fazse sentir muito bem. Principalmente alguém como eu, cujas maioresrealizaçõesrepresentavamaexpulsãodealgumcaubóibêbadodeumbarnolestedoTexas.

Depoisquemeformei,voeiimediatamenteparaSanDiego,seguiparaCoronado Island e a casa naval an íbia. Cheguei até lá sozinho, algumassemanas antes da data, e passava meu tempo organizando meusuniformes,equipamentoequarto,etentandoentrarumpoucoemforma.

A maioria de nós havia perdido muito do condicionamento ísico noacampamentoderecrutas,porcontadoclima,queeramuitoruim.Nãoerapossíveldarumacorrida,devidoàsnevascas.TalvezvocêselembredeumcaracorajosoquefezajornadaaopoloSulcomumo icialdaMarinhaReal,RobertFalconScott, em1912.Eleacreditavaestar retardando todaa suaequipeporcausadesuaulceraçãoresultantedofrio.SeunomeeracapitãoOatese,numanoite,elesaiunanevasca,comaspalavrasimortais:“Agoraeuvouláfora.Podeserqueeudemore”.

Seucorpojamaisfoiencontradoeeununcaesquecidesuaspalavras.

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Émuitopeito,não?Bem, irparao ladode foraemGreatLakes teria sidoumpoucoparecido,deumacoragemquase igual.Aocontráriodocapitãovalente,nósficamosjuntoaoaquecedor.

E agora saímos para longas corridas pela praia, tentando entrar emforma para a primeira semana de Doutrinação. Esse é o curso de duassemanas, conhecido como Indoc (Indoctrination, ouDoutrinação), ondeosSEALs o preparam para o famoso curso BUD/S (Basic UnderwaterDemolition/SEALs,ouDemoliçãoSubmersaBásica).Essedurasetemesese é bemmais di ícil que o Indoc.Mas se você não conseguir passar peloteste de resistência pré-treinamento inicial, então não vai estar emCoronado,pois,dequalquerforma,nãoirãoquerê-lo.

A literatura o icial naval sobre a razão para a doutrinação diz oseguinte:

“Preparar candidatos quali icados para a SEAL ísica, mental eambientalmente para começarem o treinamento BUD/S.” De maneirageral, os instrutores não fazem tanta pressão durante o Indoc. Você estáapenasfazendoumarevisãoparaaprovadefogoqueestáporvir.

Mas eles tornam tudo bem di ícil para todos, tanto para os o iciaisquanto para os alistados. Os programas SEAL não fazem distinção entreo iciais comissionados, os provenientes de frotas e o restante de nós.Estamostodos juntosnisso,eaprimeiracoisaque lhe incutemnoIndocéque você irá viver e treinar como uma turma, uma equipe. Desculpe. Eudisse quelhe incutem?Euquisdizerquelhecravam,macetameenterramna cabeça, comumabritadeira . Trabalhode equipe. Eles passamo tempotodo lhe dizendo estas palavras.Trabalho de equipe. Trabalho de equipe.Trabalhodeequipe.

Ali também é quando você entende primeiro o conceito de umparceirodenado,oquenaconcepçãoSEALéumaquestãoabsolutamentegigantesca. Você trabalha com o seu parceiro como uma equipe. Vocêsjamais seseparam,nempara iraobanheiro.No treinamentode IBS (quesigni ica“in latableboat,small”,oubote in lávelpequeno),sevocêcairnooceano gélido, o outro tem que ir junto. Imediatamente. Na piscina, vocênuncapodeestaraumadistânciamaiordoqueoalcancedobraço.Maisàfrente,no cursodeBUD/S, vocêpode ser reprovadoouexcluídopornãopermanecersuficientementepróximodeseuparceirodenado.

Issovemcomo folclorede ferroSEAL–nuncadeixamosumhomemparatrásnocampodebatalha,vivooumorto.Nenhumhomemjamais icasó.Qualquerquesejaoriscoparaosqueestãovivos, independentementede quão mortífero seja o fogo oponente, os SEALs lutarão através das

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mandíbulas damorte para recuperar os restos de um camarada abatido.Essa é umamáxima que sobrevive desde que os SEALs foram formados,em1962,eseaplicaatéhoje.

Éalgorealmenteestranho,masnãoé feitoparaajudarviúvasepaisde homens que foram perdidos. Na verdade, é feito para os SEALs querealmenteatuamnocombate.Háalgoespecialemvoltarparacasa,etodosqueremosalcançar isso, preferencialmentevivos.Masháumcerto terrorparticular em ser morto e depois deixado para trás, numa terraestrangeira, sem um túmulo na terra natal, sem que os entes queridospossamvisitarseuúltimolocaldedescanso.

Sei que isso pode soar como umamaluquice, no entanto, é verdade.Cadaumdenósprezaesseconhecimento:nãoimportaoqueaconteça,nãoserei deixado para trás, vou ser levado para casa. Estamos todospreparados para dar tudo. E, no im, não parece sermuito a pedir comoretribuição, já que lutamos, quase sem exceção, no território inimigo, nãononosso.

Rupert Brooke, aquele poeta inglês que serviu como soldado naPrimeiraGuerraMundial,entendiaqueosbritânicostradicionalmentenãotraziamdevoltaosseusmortosdeguerra.Eeleexpressou issode formacorreta:“Seeumorri,penseapenasissodemim:háumcanto,numcampoestrangeiro,queseráeternamenteaInglaterra”.NãohánenhumSEALnomundo que não entenda essas palavras e o motivo pelo qual Brooke asescreveu.

Para nós, é uma promessa sagrada, de nosso alto comando. Por issotrazemos calcado, desde nosso primeiro dia em Coronado – você nãoestarásozinho.Jamais.Evocênãodeixaseuparceirodenadosozinho.

Eusofriumpequenorevésnocomeçodaqueleverão,quandoestavanaTurma226.Conseguicairdeumacordadealpinismoaumaalturade15m e realmente machuquei minha coxa. O instrutor veio correndo atémimeperguntou:“Vocêquerdesistir?”.

“Negativo”,eurespondi.“Então, volte lápara cima”, disse ele. Escalei novamente, caí denovo,

mas, de alguma forma, continuei. A perna doía como o inferno, mascontinuei treinando por mais duas semanas até que os médicosdiagnosticaram uma issura no fêmur! Fui imediatamente colocado demuletas, mas continuei indo, mancando, para a praia, entrando na água,juntocomosoutros.Condiçõesdebatalha,certo?

Apernaacabousarando, fuimandadodevoltae ingresseinaTurmaBUD/S 228, em dezembro, para a fase dois. Vivíamos em pequenos

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alojamentos atrásdo “Moedor”de treinodoBUD/S.É o cubonegroondeuma sucessão de instrutores SEALs arrasam milhares de esperanças esonhoseconduzemhomensasituaçõesemque icamcomsuasvidasporumfio.

Esses instrutores já viram homens caindo, viram-nos fracassar,desistir e, silenciosamente,mostrar rostos sem expressão. Isso não é sersem coração; é apenas porque eles só estão interessados nos outros,naquelesquenãosedobramnemdesistem.Aquelesquepreferemmorreradesistir.Aquelesquenãotêmadesistênciadentrodeles.

AindaeraoprimeirodiadoIndocemeuquartinhoerasituadoaoladodoschuveiros.Aliás,chuveiroséumapalavratãoeducadaquechegaaserquaseumeufemismo.Haviachuveiros, certo,masnãonosentidoaceitoecivilizado. Eles eram bemmais parecidos com um lavajato para carros eeramconhecidoscomaunidadededescontaminação.Alguémosligavanomáximo, às quatro horas, e o jato de ar comprimido e água gélidapressurizada abria caminho pelos canos, parecendo mais que alguémestavatentandorebentarummotoravapor.

Jesus. A primeira vez que eu o ouvi, achei que estávamos sendoatacados.

Mas eu conhecia o exercício: vestir meu short de sarja de nado eentrarembaixodaquelesjatosgélidosdeágua.Ochoqueerainacreditávele nós odiávamos, detestávamos ser forçados a passar por aquilo. Aqueletroçomaldito, na verdade, era feito para lavar as roupas, vigorosamente,quandovoltávamosdapraia.Nessasocasiões,ochoqueerarelativamentereduzido, pois todos acabam de voltar do oceano Pací ico.Mas saindo dacama, às quatro da manhã! Nossa! Aquilo era algo além da razão e euaindapossoouvirosomdaquelescanosdeáguaassoviando.

Congelados de frio e molhados, éramos levados para a piscina detreinamento para enrolarmos e guardamos a lona de proteção. Depois,poucotempoantesde5h,aindanobreu,fazíamos ilaparaentrarmosnomoedorenossentávamosen ileirados,unsatrásdosoutros,bemdeperto,para conservar o calor do corpo. Devia haver uns 180 de nós, mas, porinúmerosmotivos,só164estavaminscritos.

Aessaalturatínhamosumlíderdeturma,otenenteDavidIsmay,umhomemdaAcademiaNavaleex-bolsistadeRhodes,1quejáhaviapassadodoisanosnomareagoraeraumquali icadoo icialdeguerra.Davidtinhaumsonhodevida,umdesejodesesperadodesetornarumSEAL.Eletinhade fazeraquilocerto.O iciaissó tinhamumachancenoBUD/S.Esperava-

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seque soubessemobastanteparanãodesperdiçaro tempodeninguém,casonãoestivessemdispostosparaatarefa.

O homem por quem todos nós esperávamos era nosso supervisor.Esseeraoinstrutordesignadoanosorientar,ensinar,observar,eselivrarde nós, se fosse necessário. Ele era o instrutor RenoAlberto, umhomemdasmontanhasde1,80m,degrandeforma ísica,disciplinaeinteligência.Era um mestre de tarefas implacável, cruel e impiedoso. E todos nóspassamos a adorá-lo por dois motivos. Era escrupulosamente justo equeriaomelhorparanós. Se vocêdessede tudopelo instrutorReno, eleeraumsupercara.Sefalhasseemdaroseumelhor,eleotiravadaliantesmesmoquepudessedizerbomdia.

Elechegavaàscincohorasemponto.Etínhamosumritualquejamaiserainterrompido.Eaconteciaassim:

“Depé!”,elegritavaparaaturma.“De pé!” Havia um eco no ar imóvel da noite, quando os 164

respondiamepulavam,ficandodepé,tentandoseposicionaremfileiras.“InstrutorReeno!”,gritavaolíderdeturma.“Hooyah,instrutorReeno!”,gritávamos,numasóvoz.Acostume-seaisso:hooyah.Nósnãodizemossim,nemimediatamente,

nemmuitoobrigado,nementendido.Dizemoshooyah.ÉalgodosBUD/Sesuasorigensseperderamnaantiguidade.Háexplicaçõesdemais,nemvouentrar por aí. Só para que você saiba, essa é a forma como os alunosrespondem ao instrutor, num cumprimento, ou ao aceitar uma voz decomando.Hooyah.

Por alguma razão, o instrutor Reno era o único a ser infalivelmentechamadoporseuprimeironome.TodososoutroseraminstrutorPeterson,ouMatthews,ouHenderson.ApenasRenoAlbertoinsistiaemserchamadopeloprimeironome.SempreacheibomquenãolhetivessemdadoonomedeFredouSpike.Renosoavabemparaele.

Quandoeleentrounomoedor,naquelamanhã,vimosqueestávamosdiantedeumhomemimportante.Comomencionei,estavaescuro,umbreu,e ele estava usando óculos escuros, um casaco transpassado preto ebrilhoso.Pareciaqueelenuncaostirava,diaounoite.Umavez,chegueialagrá-lo sem eles, e, assim queme viu, ele pôs amão no bolso e logo oscolocou.

Achoqueeraporquenuncaqueriaquevíssemosaexpressãoemseusolhos. Por baixo do exterior impiedoso e severo, ele era um homemsuperinteligente – e não podia se divertir com o Átila por quem se faziapassarparanós,diariamente.Masnuncaquisquevíssemosadiversãoem

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seusolhos,porissoelejamaisosmostrava.Nessa manhã escura e ligeiramente nublada, ele icou de braços

cruzados,olhandoparaapiscinadetreinamento.Depois,virou-separanóseolhou-nosfixamente.

Não tínhamos ideia do que esperar. E o instrutor Reno disse, semexpressão:“Chão”.

“Chão!”Rugimosdevolta.Etodosnosdeitamosemposiçãode lexões,comosbraçosestendidos,corposesticados,rígidos.

“Empurrandoparacima”,disseReno.“Flexões”,disseolíderdaturma.“Flexões”,respondemos.“Abaixo.”“Um.”“Abaixo.”“Dois.”Contamos cada uma daquelas lexões da série, depois voltamos à

posição inicial, com os braços estendidos. O líder da turma gritou: –InstrutorReeno.

“Hooyah,instrutorReeno”,rugimos.Ele nos ignorou. Depois, disse, baixinho. “Flexões”, da mesma forma

como repetiu,mais duas vezes, até um ponto em que nos deixou com osmúsculosembrasa,debraçosesticados,naposiçãoinicial.Naverdade,elenos deixou de braços esticados por cinco minutos e os braços de todosestavam latejando. Oitenta lexões e agora essa agonia, que só acabouquandoeledisse,lentamente:–Descansar.

Todos gritamos: “De pé!”, em resposta e, de alguma forma, noslevantamos sem cair. Depois, David Ismay anunciou o número errado dehomens presentes. Não foi sua culpa. Alguém simplesmente haviadesaparecido.RenofoiatéDavecomoumraio.Nãomelembroexatamenteo que ele disse, mas sua frase continha uma pronúncia alta da palavraerrado.

EeledeuocomandoparaosargentoIsmay,o icialalunoenossolíder:“Chão, empurrando”. Lembro do primeiro dia como se tivesse sido estasemana. Nós nos sentamos e assistimos Dave completar suas lexões. Equandoelesterminaram,quaseexaustos,elesgritaram:“Hooyah, instrutorReno!”.

“Empurrando”,disseReno,baixinho.E,dealgumaforma,eles izerammais vinte repetições dessa disciplinamatadora. Finalmente, terminaram,imaginando,comoorestantedenós,noquetinhamsemetido.Masaposto

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quenuncamaisanunciaramonúmeroerradodehomenspresentes.EuentendoquefazpartedaculturaSEAL–cadao icial,comissionado

ounão,obrigatoriamente saberoparadeirode cadaumde seushomens.Semerro.Logonoiníciodenossotreinamento,DavidIsmay,nossolíderdeturma,nãosabia.Reno,quesóestiveraconoscoporquinzeminutos,sabia.

Eleinspecionouseureinonovamenteedepoisdisse,categoricamente:“Amaioriadevocêsnãovaiestaraquiemalgunsmeses”,disseoinstrutorReno… E, como se culpasse cada um de nós, individualmente, pelacontagem errada, acrescentou: “Se não começarem a agir como umaequipe,nenhumdevocêsestaráaqui”.

Entãoelenosdissequeestávamosprestesa fazernovamenteotesteBUD/S básico seletivo. Lembro-me de ouvi-lo dizer que todos havíamospassadoumavez,paraquetivéssemoschegadoatéali.“Estamanhã,senãopassaremnovamente”,acrescentouele,“estarãodevoltaàfrota,assimquepudermosembarcá-los.”

A essa altura, ninguém estava se sentido… bem…muito querido. Naverdade, começávamos a nos sentir abandonados naquele coliseumilitarconhecidomundialmente–umcoliseuondealguémestavaprestesatrazerosleões.Diantedenósestavaotesteseletivodecincopontos:

1. Nadar 450m, peito ou braçada lateral, em 12minutos e30segundos.2.Nomínimo42flexõesem2minutos.3.Nomínimo50abdominaisem2minutos.4.Nomínimo6repetiçõesnabarraflexora.5. Uma corrida de 2,4 km em 11 minutos e 30 segundos,usandobotasecalçacomprida.

Só um cara não completou. Na verdade, a maioria de nós foi bemmelhordoquedaprimeiravez.Eumelembroquechegueipertodefazeroitenta lexões e cem abdominais. Acho que o fantasma de Billy Sheltonestavabemali,aomeulado,tentandomeassombrar,prontoparametirardaMarinha,seeufizessebobagem.

Mais importante, o instrutor Reno nos observava com olhos quepareciam o radar de um jato de combate. Vários meses depois, ele medisse que sabia que eu estava dando tudo paramostrar a ele. Que tinhatomado suadecisão ameu respeitobemali, naquelahora.Tambémdisseque nuncamudou de ideia. Boa decisão. Eu dou tudo. A tempo. Sempre.Podenãoserbomosuficiente,massemprefaçoomelhorqueposso.

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Olhando para trás, não tenho certeza se aquele teste inicialdemonstrou muita coisa. Havia muita gente musculosa, daqueles tiposisiculturistas,que pareciam bem ferozes. Lembro que estavam entre osprimeirosairemembora,poissimplesmentenãoconseguiamaturar.Suaspernasetroncoserampesadosdemais.

OsSEALsdão, sim,valorà forçabruta,masháaindaumvalormaiorpara a velocidade. Isso signi ica velocidade na água, em terra e deraciocínio. Em Coronado, não há prêmios para um conjunto demúsculosoleosos brilhando. O volume só o faz icar mais lento, principalmente naareia fofa e com o que precisávamos lidar todos os dias de nossas vidas,umquilômetroapósooutro.

Na primeira manhã da Turma 226, nós imediatamente aprendemosoutro valor especí ico do BUD/S. Não passeamos, nem caminhamos, nemcorremosemritmolento.Nóscorremos.Naverdade,corremospradanar.Para todos os lugares. O dia todo. Lembra daquela frase ótima de TomHanks,emUmaequipemuitoespecial(ALeagueofTheirOwn),“Embeisebolnão temchoro”?Bem, temosuma fraseemCoronado:ComosBUD/Snãotemcaminhada.

Nosso primeiro contato com essa regra cruel e sem coração foi nahorado cafédamanhã.O refeitório icavaamaisde1,5kmdedistância,portanto, tínhamos que correr 3 km por um prato de torradas, ovos ebacon.Mesma coisa para o almoço. Igual no jantar. Isso representa 9 kmdiários, só para achar alguma coisa para comer, sem ter nada a ver comnossas corridas de treinamento, que frequentemente somavam mais 12km.

Naquelamanhã, corremos empelotão e atravessamos a base an íbianaval até o Centro Especial de Guerra. Lá, após umasmil lexões e sabeDeus o que mais, o instrutor Reno inalmente nos colocou sentados eprestando atenção, de um jeito que o deixou satisfeito. Isso não era fácil,pois ele tinha olhos de águia e umambiciosodiplomade alguma área denegóciosdaUSC.Ele sabiaprecisamenteoqueeranecessário enada lheescapava.

E bem ali eu tive que lembrar de uma lição que me fora ensinada,ainda bem cedo, por Billy Shelton: quando um comandante das forçasespeciais izerumaligeirareferênciaaumassuntoquepodeserútil,ouçae faça.Mesmo se for algo paralelo, não um comando, talvez alguma coisaquecomececomAchoquepodeserumaboaideiase…

Sempre preste atenção e realize a tarefa, independentemente doquantopossaparecersecundária.OpontodevistadeBillyeraqueesses

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instrutores das FE (Forças Especiais) estariam embusca domelhor, e aspequenascoisaspodemseraquelasqueseparamoscarasquesãomuitobonsdaquelesquesãoabsolutamenteexcelentes,notáveis.“Ouça,Marcus”,Billy me disse, “sempre ouça e faça, na hora, qualquer coisa que seuinstrutorlhediga.Váparaafrente.Rápido.Emantenha-seali.”

Bem, naquela manhã, o instrutor Reno falava altivo; de minhaperspectiva, parecia ter uns 5 m, e disse que queria falar conoscorapidamente,equeprestássemosatenção.“Melhorainda,tomemnota.”

Abri o zíper deminhamochila imediatamente, pegando o caderno ealgunslápis,comaliçãodeBillySheltonecoandoemmeusouvidos:mesmoalgoparalelo,mesmoumasugestão,faça.

Olheiaoredordasalaealgunsestavamfazendoomesmoqueeu,masnão todos, não eram todos mesmo. Alguns estavam apenas ali sentados,olhando para o instrutor Reno, que de repente, disse, suavemente:“Quantosdevocêstêmlápisepapel?”.

Eu levantei a mão, junto com os outros caras que tinham. EsubitamentesurgiuumaexpressãosombrianorostodeReno.

“Chão! Todo mundo!” E houve uma incrível comoção com odeslocamentodascadeirasque foramafastadase todosnós fomosparaochão e icamos em posição inicial de lexão, com os braços esticados.“Empurrando!”, disparou ele. E pagamos as vinte, depois fomos deixadosdebraçosestendidos.

Ele nos encarou, depois disse: “Ouçam. Foi dito a vocês que sempretivessemlápisepapel.Portanto,porquenãotêm?Porquediabosvocêsnãotêm?”.

A sala icou em silêncio absoluto. Reno olhava. E, como eu não podiaescreverenquantoestavanochão,meapoiandosobreaspalmasdamão,não posso dizer as palavras exatas que ele disse, mas aposto que possochegarbemperto.

“Estaéumaescolaparaguerreiros,entendem?Éonegóciomaissérioqueexiste.Esenãoquiseremfazerisso,entãosearranquemdaquiagoramesmo.”

Cristo.Elenãoestavabrincandoeeusórezavaparaqueelesoubessequem tinha e quem não tinha lápis e papel. Meses depois, eu o lembreidaquele dia e perguntei. “Claro que eu sabia”, disse ele, arrumando osóculosescuros.“Foiseuprimeiroteste.Eutinha,porescrito,osnomesdoscarasqueprestavamatenção, antesdevocêspagaremasprimeirasvinteflexões.Eaindalembroquevocêestavanaquelalista.”

En im, naquelamanhã, izemosmais algumas séries de lexões e, de

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algumaforma,conseguimosgritarumHooyah,instrutorReno!bemalto.Aí,elenosdeixousentar,novamente.

O que veio a seguir foi, provavelmente, uma das liçõesmais severassobre a cultura e ética SEALdas quais participei. Eu iz, sim, anotações elembrodetudoqueelenosdisse,evoutentarrelatar,comoacreditoqueRenogostaria.

“Este é um treinamento de alto risco. E nós de inimos isso combaseem qualquer lugar em que haja potencial para ferimentos graves ou aperdadavida.Qualquerumdevocêsquevejaalgoinseguro,ouqualquersituação em que possam correr perigo desnecessário, falem,imediatamente.Nãogostamosdeerros,vocêsmeentenderam?”

“Hooyah!”“Respeito.Esperoquetenhamtotalrespeitopelaequipedeinstrução,

os o iciais de turma e os o iciais comissionados seniores. Vocês estão noserviçomilitar.Serãocortesessempre.Entendido?”

“Hooyah!”“Integridade, cavalheiros.Vocêsnãomentem, trapaceiamou roubam.

Se perderem uma peça de roupa, coloque num memorando e relatem.Vocêsnãopegamaroupadeoutrapessoa.Eunãovou ingirqueissonãoaconteceu aqui, no passado. Porque aconteceu. Mas aqueles caras foraminstantaneamente eliminados. Sem piscar de olhos. Nomesmo dia. Vocêsirãorespeitaroscolegasdeturma.Esuasroupas.Vocêsnãopegamoquenãolhespertence.Entendido?

“Sou seu supervisor de turma pelas próximas duas semanas. E vouajudá-los, se precisarem, quanto a assuntos de pagamento, família equestões pessoais. Caso se machuquem, irão ao médico para tratar evoltarãoaotreinamento.Souseusupervisor.Nãosousuamãe.Estouaquipara lhes ensinar. Vocês semantêm na linha e eu ajudo. Se saírem dela,vouexcluí-los.”

“Hooyah!”“Finalmente, reputação. E sua reputação começa aqui. Da mesma

formaqueareputaçãodaTurmaDois-dois-seis.Eissoéumre lexomeu.Éuma responsabilidade que encaro de forma pessoal, pois a reputação étudo.NavidaeprincipalmentesevocêestiveraquiemCoronado.Portanto,concentrem-se. Mantenham o foco no jogo. Sempre se dediquem 100%,poiseusaberei,casonãoofaçam.Enunca,jamais,deixemseuparceirodenado.Algumapergunta?”

“Negativo!”Quempoderiaesquecerdisso?Eunão.Aindaconsigoouvir,emminha

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mente, o ruído de quando o instrutor Reno fechou o caderno. Paramim,pareceu como Moisés juntando as lajes de pedra que continham os DezMandamentos. Aquele tal de Reno era um gigante de 1,80 m. Foi umapresençaetantoemnossasvidas.

Naqueledia,fomosdispensadosdaaulaeseguimosparaumacorridade6,5kmpelapraia.Elenosparoutrêsvezesenosdisseparaentrarmosnaáguaparaficarmos“molhadosecomareia”.

Nossas botas icaram alagadas e cada quilômetro que passava eracomo um assassinato. Não conseguíamos tirar a areia de nossos shorts.NossapeleestavaesfolandoeRenonãodavaamínima.Ao inaldacorrida,ele nosmandou para o chão para começarmos as lexões. Deu-nos duasséries de vinte e, logo após o término da primeira série, percebi que eleestavafazendooexercícioconosco.Excetoqueelesóusavaumdosbraçosenempareciaestarofegante.

Aquelecaraconseguiabrigarcomumgorilademeiatonelada.Esóofato de vê-lo fazendo as lexões ao nosso lado já dava uma boa ideia dograu de condicionamento ísico e força necessários para conseguirmospassarpeloBUD/S.

Enquantonospreparávamosparaacorridaatéorefeitório,porvoltadomeiodia,Renonosdisse,calmamente:“Lembrem-se,háapenasalgunsde vocês que teríamos dematar, antes que desistissem. Sabemos disso eeu já identi iquei alguns. Para descobrir isso é que estou aqui. Quais devocêspodematurarador,ofrioeapenúria.Estamosaquiparadescobrirquemquermais.Nadaalémdisso.Algunsnãoquerem,outrosnãopodem,e outros jamais conseguirão. Sem ressentimentos. Apenas nãodesperdicemseutempoalémdonecessário.”

Valeu mesmo, Reno. Só não dá para entender por que você tem quelorear tudo.Porque simplesmentenãodiz logo? É claro que eunãodisseisso.QuatrohorascomopequenonaviodeguerradeCoronadojáforamosu iciente para dar um basta emminhas respostas espertas. Além disso,eleprovavelmentemedariaumchutenosaco, jáquenãoalcançariameuqueixo.

Tínhamos um novo instrutor na piscina e fomos todos levados parapassar pelos jatos gélidos da unidade de descontaminação, até noslivrarmosdaareiaemnossapele.Aqueletroçomalditoteriaarrancadoasescamasdeumhadoque.Depoisdisso,fomosparaaágua,dividimo-nosemequipese começamosanadarumaextensãoque seriaa primeira dedezmilhões,antesdecompletarmosnossosanosdeserviçonaMarinha.

Nosprimeirosdias,elesseconcentravamnocontroleda lutuaçãoeo

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nadodesuper ície,faziamcomqueesticássemosnossoscorpos,tornando-nos mais longos na água, cronometrando-nos, e enfatizando a regra deouro para todos os jovens SEALs – você tem de ser bom na água,independentemente de qualquer coisa. E, bem ali, começou o atrito. Umcaranãosabianadar!Umoutro, jurouporDeusqueomédicolhedisseraque ele não deveria colocar a cabeça embaixo d’água em circunstânciaalguma!

Eram dois a menos. Fizeram-nos nadar sem levantar a cabeça,ensinaram-nos a virar a cabeça lentamente na água e respirar dessaforma, mantendo a super ície calma, em vez de colocarmos a boca paracimaparapuxarmosoar.ElesnosmostraramométodopadrãodosSEALs,umtipodebraçada lateralultrae iciente,compés-de-pato.Ensinaram-nosas técnicas de chutar, golpear e deslizar, o início do sistema SEALsubaquáticoquenospermiteumaprecisãoestarrecedora.

Ensinaram-nos a nadar como peixes, não humanos, e nos faziamnadardeum ladoaooutrodapiscinausandoapenasnossospés.Semprenosdiziamque,paraosoutrossetoresmilitares,aáguaeraumpénosaco.Para nós, um refúgio. Eram incansáveis quanto ao tempo, sempre nosfazendonadarmaisdepressa, batendona raia alguns segundos amenos,todos os dias. Insistiam que a força bruta nunca era a resposta. A únicaforma de encontrar velocidade era a técnica, e mais técnica. Nada maisfuncionaria.Eaquelaeraapenasaprimeirasemana.

Nasegunda,elestrocaram,passandoanostreinardebaixod’água,atéo inal do curso. Nada sério. Só amarravam nossos tornozelos e nossospunhos, depois nos jogavam na parte funda da piscina. Isso causava umcerto pânico,mas nossos instrutores eram claros: “Peguembastante ar esigamparaofundo,emposiçãoereta.Mantenham-selápornomínimo umminuto,subamparapegarmaisarevoltemparabaixo,poroutrominuto,oumais,seconseguirem.”

Osinstrutoresnadavamaonossolado,usandomáscarasebarbatanas,parecendo gol inhos, no im, meio amistosos, mas, à primeira vista,pareciamtubarões.Aquestãoeraopânico.Seumhomemfossepropensoaperderacabeçaembaixod’água,comospunhosetornozelosamarrados,entãoeleprovavelmentenãosetornariaumhomem-rã;omedoestámuitoprofundamenteinstilado.

Essa era uma vantagem imensa para mim. Eu vinha atuandosubmerso,juntocomMorgan,desdeosdezanos.Sempretiverahabilidadeparanadarnasuper ícieouabaixodela.Ehaviasidoensinadoaprenderminharespiraçãopornomínimodoisminutos.Trabalheiduro,dei tudoo

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quepudeenuncameafasteimaisdeumpalmodemeuparceirodenado.Amenosquefosseumacorrida,quandoelepermanecianamargem.

Euerao líderdosnadosde45msubmersos, sempés-de-pato.Eu jásabia do segredo no nado submerso: ir bem fundo, bem cedo. Você nãopode ser pago para achar chaves de carros se não conseguir chegar láembaixo e icar por lá. No im, eles nos avaliaram embaixo d’água. Euestavanotopo.

Aolongodessasemana,levamoscordasparadebaixod’água.Tivemosque completar uma série de laços náuticos, lá no fundo, abaixo dasuper ície.Na verdade, não consigome lembrar quantos caras perdemosdurante essa parte das provas submersas do treinamento Indoc, masforamvários.

A segunda semana foi muito di ícil para muitos caras e minhamemória é clara: os instrutores pregavam a competência em todas astécnicas e exercícios. Por conta da semana seguinte, quando começaria apróxima fase do curso BUD/S, era esperado que déssemos tudo. OsinstrutoresBUD/SpresumiamquedeveríamosalcançartudodoIndoccomfacilidade. Qualquer um que não conseguisse estava fora. Os chefes doIndoc não receberiam agradecimentos por mandarem caras abaixo dospadrõesparaotreinamentomilitarmaisárduodomundo.

E, enquanto pulávamos dentro da piscina e no Pací ico, tambéméramos submetidos a um severo regime de treinamento ísico de altapressão.Nãoeraparanósa super ície relativamentemaciadomoedor, ocubonegroque icavanomeiodocomplexoBUD/S.OsgarotosIndocaindanão estavam quali icados para ingressar no santi icado grupo dos alunosBUD/S,erambanidosparaapraia,atrásdocomplexo.

E, ali, o instrutor Reno e seus homens faziam o seu melhor paradarmosonosso.Ah,equantoaosvelhostemposdevinte lexõesderasgarobraço.Nãomais.Poralieramcinquentadecadavez,sempreintercaladascom exercícios elaborados para equilibrar e aprimorar vários gruposmusculares, principalmente os braços e o abdome. Os instrutores eramobcecadospelocondicionamentodaregiãoabdominal,razãoqueagoraeraclara:oabdomeéabaseda forçadeumguerreiroparaescalar rochasesubirporcordas,remar,levantarpeso,nadar,lutarecorrer.

Láatrás,noIndoc,nãoentendíamosisso.Tudoquesabíamoseraqueos instrutoresSEALestavamnos fazendopassaruminferno,diariamente.Meuinfernoparticulareraochute lutuante:deitadodebarrigaparacima,comaspernasesticadas,péssuspensosdaareiaaumadistânciade15cm,dando chutes como se estivesse nadando de costas, na piscina. E nem

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penseemabaixaraspernas,poisháinstrutoresandandodeumladoparaooutro,otempotodo,comose fossemmembrosdeumesquadrãodetirosobasordensdoPríncipedasTrevas.

Certavez,aindanocomeço,adornosnervosetendõesposterioresdeminhascoxaseratãointensaquedeixeimeuspéscaírem.Naverdade,euosdeixei cair trêsvezes epareciaqueeu tinha cometidoumassassinato.Na primeira vez, houve um rugido de angústia de um instrutor; nasegundavez,alguémmechamoudebicha;e,naterceira,houveumrugidode angústia de outra pessoa, que me chamou de bicha. A cada vez, eurecebiordempara irdiretoatéaságuasgélidasdoPací ico,depoissairerolarnaareia.

Foi só na terceira vez que percebi que quase todomundo estava noPací icoedepoisrolandonaareia.NóstodosparecíamoscriaturasdalagoaNegra. E depois eles nos mandavam seguir adiante e completar osexercícios. Realmente foi engraçado,mas, depois de quatro ou cinco dias,aqueleschutes lutuantesnãoeramomenorproblema.E icamoscomumcondicionamento ísico bemmelhor por causa deles. Todos? Bem, algunscarassimplesmentenãoconseguiramencararesaíram lutuandodali,comumsorrisonorosto.

Eu? Fiquei irme, fazendo a contagem do exercício em voz alta,xingando Billy Shelton por ter me colocado nesse hospício, embora nãofossetotalmentesuaculpa.

Completei os exercícios com uma motivação óbvia, não por estartentandocausarboaimpressão,masporqueeufariaquasequalquercoisaparaevitarterdecorreratéooceanogélidoedepoisrolarnaareia.Eessaeraaconsequênciapornãotentar.Aquelesinstrutoresnuncadeixavamdenotar um preguiçoso. A cada intervalo de alguns minutos algum pobrebastardoouvia:“Molhe-seeváparaaareia”.

Mas não era tão ruim. Assim que terminamos a aula de TP (terapiaísica), estávamos de pé, e o instrutor Reno, deus de toda piedade,mandava-nosparaumacorridade6,5kmnaareiafofa,correndoemmeiavelocidade (para ele), levando-nos a um esforço maior, latindo asinstruções, atormentando e persuadindo. Aquelas corridas eraminacreditavelmente di íceis, principalmente para mim, e eu sofria nasegunda metade do percurso, tentando forçar minhas longas pernas airemmaisdepressa.

Reno sabiamuitobemqueeuestavadandoomelhor,mas,naquelesdiasiniciais,elegritavameunomeememandavairemfrente.Depoisdiziaparamemolhareirparaaareia,eeucorriaatéooceano,debotaetudo.

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Aseguir,eutentavarecuperaroritmocomasbotascheiasde água. Achoqueelesabiaqueeupoderiaaturar,masachoqueeleestavasematandoderirportrásdaquelesóculosescuros.

De repente era a hora do almoço e só faltava 1,5 km para arranjaralgo para comer. E o tempo todo eles nos falavam sobre a dieta, o quecomer, o que jamais comer, com que frequência comer. Jesus. Já era ummilagrequequalquerumdenósconseguissechegaratéorefeitório,nempensaremestudardieta.

Tambémhaviaumcircuitodeobstáculos, conhecido comoo “CircuitoO”, e um lugar de intensidade bárbara, onde os SEALs da vida real,guerreiros combatentes veteranos das equipes vinham para ter seutreinamento,frequentementesepreparandoparaumamissãonoexterior,emalgumpalcodeguerra:selva,montanha,oceanooudeserto.

O “Circuito O” de Coronado era mundialmente famoso. E se aquilotestava os guerreiros das equipes, imagine o que era para nós, quesaíramosdo treinamentoderecrutashaviaapenasdezdias,macioscomobebêssecomparadosàquelescaras.

FiqueiencarandooCircuitoOnoprimeirodiaemque fomos levadospara lá.Mostraram-nos os arredores, as escaladas nas cordas, a rede dequasevintemetros,osmuros,osobstáculosdesalto,asbarrasparalelas,oaramefarpado,aspontesdecorda,oWeaver,aponteBurma.

Pela primeira vez, eu desejei ser 30 cm mais baixo. Para mim, eraóbvio que esse era um jogo para caras baixinhos. O instrutor Reno fezalgumasdemonstrações.Foicomoseeletivessenascidonapontedecorda.Paramim, todaescalada seriamaisdi ícil, pois, a inalde contas, eu tenhoquearrastar105kgparaoalto.Poressemotivo,osmaioresalpinistasdomundosãomiúdos,comapelidoscomoMosca,PulgaouAranha,todoscom50kg,mesmoencharcados.

Imaginei, corretamente, que esse seria um grande teste para mim.Mas havia muitos SEALs bem grandes e todos eles o haviam feito. Issosigni icava que eu também podia fazer. De qualquer forma, o meucondicionamentomentaleraomesmo.Ouvouconseguir fazer isso direitoouvoumorrertentando.Aúltimaparteestavamaispertodarealidade.

Havia quinze seções separadas no circuito e você precisava passarpor dentro, por cima e por baixo de todas elas. Naturalmente, eles noscronometravam a partir da arrancada, quando os caras estavamtropeçando, escorregando, caindo, entalando, geralmente fazendo cagada.Como eu havia suspeitado, os caras maiores instantaneamente têmmaisproblemas, pois os elementos-chave são o equilíbrio e a agilidade. Os

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ginastasolímpicosgeralmentenãomedemmaisque1,20m.Equandofoiaúltimavezquevocêviuumdançarinodogelode105kg?

Eraaescaladaquedeixavaoscarasgrandesemmaiordesvantagem.Um de nossos testes era intitulado “Escorregue por sua vida”, com umacordagrossadenáilonpresaaumatorreeumlaçopendendodeumpostevertical de aproximadamente 3 m. Você tinha que escalar a torrependurado na corda, depois escorregar todo o trajeto abaixo, ou searrastar,oquefossemaisfácil.

Sóparaconstar,mencionandooinstrutorReno,quandotínhamosqueescalar várias cordas, ele se divertia escalando amesma altura que nós,usandoduascordas,umaemcadamão,semjamaisperderapegadaesemnunca largar nenhuma das duas. Até hoje, eu acredito que isso sejaimpossíveldefazerequeRenoeraumtipodemiragemdeóculosescuros,naareia.

Eume esforçavano laçoda corda, para ir até o topo e deslizar parabaixo,masumcaraperdeuapegadae caiu,diretonaareia, equebrouobraçoeaperna,acho.Eraumcarabemgrandeeláiaoutroembora.Outradisciplinaquepermaneceemminhalembrançaeraarededecargas.Vocêsabe, aquele tipode redeamarradaemquadrados,queparecevirdiretode um estaleiro. Era plenamente imperativo que todos nós icássemosmuito bons nisso, já que os SEALs usam essas redes para o embarque edesembarquedesubmarinoseparaentraresairdebarcosinfláveis.

Mas,paramim,eradi ícil.Quandoen ieiminhabotaeestiqueiobraçoparapegaracima,opédeapoioescorregouparabaixoeolocalemqueeupretendiasegurar icoumaisalto.Obviamente,seeupesasse50kgmesmoencharcado, issonãoteriaacontecido.Daprimeiravezqueescaleiarede,cravandomeuspésnosburacos, iqueimeioemperrado,aquase15mdochão,comosbraçosepernasabertos.AchoqueeupareciaocapitãoAhab,preso nas linhas de arpão depois de uma viagem ao oceano com MobyDick.

Mas,comotodososnossosoutrosexercícios,essetinhatudoavercomatécnica.EoinstrutorRenoestavaláparamecolocardireito.Quatrodiasdepoiseuconseguiasubiraquelaredecomoumacrobatacircense.Bem…estácerto,maiscomoumorangotango.Depois,eupegavaumtrononoaltoe descia pelo outro lado, como o Homem Aranha. Está bem, está bem…comoumorangotango.

Eu tinha di iculdades semelhantes na ponte de corda, que semprepareciadefeituosaparamim,balançandolongedemaisparaaesquerdaoupara a direita.Mas o instrutor Reno sempre estava lá, pessoalmente,me

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ajudando a recuperar meu equilíbrio ao me mandar para um mergulhorápidonooceano, tão frioquequaseparavameucoração.Emseguida,eutinhaque rolarnaareia, apenasparapassaro restantedodia coçandoenuma esfolação infernal, até que eu chegasse na unidade dedescontaminação para a lavagem potente, damesma forma como se lidacomumtratorenlameado.

Naturalmente,otratorrecém-lavadotinhaquepassarnovamenteporaquilo tudo, porqueninguémo atiranaparte fundadapiscinapara icarali até criar barbatanas. Era apenas mais um dia na vida de um alunofrangotepassandopeloIndoc.Compreensivelmente,aTurma226encolhiadiaapósdia,enósnemtínhamoscomeçadooBUD/S.

Evocêachaqueeraumgrandealívio inalmentepassarpelodiaenosrecolhermosemnossosquartosparaumpoucodepazetalvezdormir?Vásonhando.NãohápazemCoronado.Olocaléumtestemunhovivodaqueleestrategistaromanoquedisseaomundo:“Deixeaquelequedesejarapazseprepararparaaguerra”(issoétraduzidodolatim Quidesideratpacem,praeparetbellum–FlaviusVegetiusRenatus,séculoIV).Ou,comoumSEALpode dizer:Quer que as coisas iquem tranquilas, companheiro? Melhorengrenar.Eusabiaqueestavaperto.

Aquele velho romano sabia das coisas. Seu tratado militarDe ReiMilitari foiabíbliadaguerraeuropeia,pormaisde1200anos,eaindaseaplicaemCoronado,enfatizandoasimulaçãoconstante,o treinamentoeadisciplina severa. Ele aconselhou os comandantes romanos a reunirem ainteligência assiduamente, usar o terreno e depois levar os legionáriosadiante para cercar seus objetivos. Hoje em dia, é mais oumenos assimquenós atuamos, nasmissões estrangeiras, contra os terroristas. Hooyah,FlaviusVegetius.

Coronado, assim como Nova York, é uma cidade que nunca dorme.Aqueles instrutores estão lá fora patrulhando os corredores de nossosalojamentos durante a noite, até o começo da madrugada. Uma vez, umdeles entrou emmeu quarto depois que eu havia passado esfregão comágua quente e polido o chão até que você quase conseguisse enxergar orosto re letido. Ele jogou um punhado de areia no chão eme escorraçoupor viver naquela poeira! Depois me mandou para o Pací ico, nacompanhia de meu parceiro de nado e a dele, claro, para “dar ummergulho e rolar na areia”. Depois tivemos que passar pela unidade dedescontaminaçãoeo chiadodaqueles canoshidráulicoseos jatos ferozesde água acordarammetade das barracas e quase nosmandaram para otratamento de choque. Sem contar que eram duas da manhã e que nós

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teríamosdeestardevolta,embaixodaqueleschuveiros,emduashoras.Eu acho que era essa hora. Não tenho certeza absoluta. Mas meu

companheiro de quarto desistiu naquela noite. Ele icou com os joelhosfracos só de olhar o que estava acontecendo comigo. Não sei o que elepensavaqueeusentia.

Umavez,duranteoIndoc,estávamosnumacorridanoturnaeumdosinstrutores escalou aparte externadeumprédio, entrouporuma janelaabertaesimplesmentearrasouoquartodeumcara,jogoutudoparatodolado, esvazioudetergente sobre a cama. Ele saiupor ondehavia entrado,esperou que todos voltassem, depois bateu à porta do pobre do cara,exigindo uma inspeção do quarto. O cara não sabia se icava furioso oudesolado,mas passou amaior parte da noite limpando e ainda teve queestarnochuveiroàsquatroemeia,comorestantedenós.

Perguntei aReno sobre aquilo, umasduas semanasdepois, e elemedisse:“Marcus,ocorpopodeaturarquasetudo.Éamentequeprecisasertreinada. A pergunta que estava sendo feita àquele cara envolvia forçamental.Você consegueadministrar tal injustiça?Consegue lidar comessetipo de revés? E ainda voltar com determinação, jurando por Deus quejamaisdesistirá?Éissoqueestamosprocurando”.

Como sempre, não posso dizer as a irmações do instrutor Renopalavra por palavra.Mas sei o que ele disse e a forma comome lembro.Ninguémfalacomeleesaiconfuso.Confieemmim.

Atéentão,eusóhavialidadocomaquilonasduasprimeirassemanasde treinamento terrestre e na piscina, e posso não ter explicado quantaênfaseos instrutoresdepositamnadietabalanceadapara todos.Elesdãoaulas sobre isso, incutindo em nossas mentes a necessidade de frutas elegumes,detoneladasdecarboidratoseágua.

Omantraerasimples–tomecontadeseucorpocomodorestantedeseuequipamento.Mantenha-oalimentadoehidratado,bebendoentre3e7 litrosde águapordia.Não comecenenhum treinamento semumcantilcheio. Dessa forma, seu corpo cuidará de você quando você começar afazer perguntas sérias. Porque não há dúvidas de que fará essasperguntasnosmesesquevirão.

Eu me lembro que essa era uma área em que houve muitasperguntas, pois, mesmo depois dos primeiros dias, os caras sentiam osefeitos:músculosdoloridos,doresnosombros,coxasecostas,ondenuncadoeraantes.

OinstrutorquelidoucomessapartedonossotreinamentonosalertouquantoaousodedrogasfortescomooTylenol,excetoparafebre,masele

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entendia que precisaríamos de ibuprofen (anti-in lamatório). Eleconcordou ser di ícil passar pela Semana Infernal que estava pela frentesemibuprofen,enosdissequeodepartamentomédicoiaseassegurardeque recebêssemosumaquantidade su icienteparaaliviar ador,masnãoemexcesso.Lembroqueeledisse,categoricamente:–Vocêsvãosentirdorenquanto estiverem aqui. Essa é nossa função, induzir a dor; não umalesão permanente, é claro,mas precisamos fazer doer. Essa é uma parteimportante em se tornar um SEAL. Precisamos da prova de que vocêsconseguematurarapunição.Easaídaémental,estáemsuamente.Nãosedobrem à dor, elevem o astral e a motivação, mergulhem nos cursos.Digamasimesmosoquantoquerempermaneceraqui.

Aparte inaldoIndocenvolviabarcos.OfabulosoIBS(in latableboat,small, ou bote in lável pequeno), ou, coloquialmente, o navio miudinho.Essesbarcostêm4mdecumprimentoepesampoucomaisde80kg.Sãode di ícil manejo e incômodos, e há muitas gerações vêm sendo usadosparaensinarosalunosBUD/Saremaremcomoumatripulaçãoentrosada,abrir caminho por entre as ondas, conduzir apropriadamente e arrastaraqueletroçoparaolugarcerto,numa ilaalinhadaparainspeçãonaareiadapraia,acadaseteminutos.Pelomenoseraassimquepareciaparanós.

Nesse ponto, nós nos per ilávamos de coletes salva-vidas, ao lado denossos barcos. Dentro do barco, os remos icavam alojados com precisãogeométrica,comaposiçãodoremoalinhadacuidadosamenteno fundodeborracha.Milimetricamente.

Começamoscomumasériedecorridas.Mas,antesdisso,cadaumadenossas equipes tinha um líder de tripulação, escolhido dentre os maisexperientesmarinheirosentrenós.Oslíderessealinhavam comosremos,em posição militar, com o remo sobre o ombro. Depois saudavam osinstrutores e anunciavam que seus barcos estavam corretamenteposicionadoseatripulaçãoestavaprontaparaomar.

Nesse ínterim, outros instrutores estavamveri icando cadabarco. Seum remo estivesse incorretamente alojado, um instrutor o pegava earremessavanaareiadapraia.Aconteceuemmeuprimeirodia,eumdoscaraspertodemimsaiucorrendoparabuscá-lo,ansiosopararecuperá-loe consertar as coisas. Infelizmente, seu parceiro de nado esqueceu de ircomeleeoinstrutorficoufurioso.

“Chão!”, berrou ele. E todos nós caímos na areia e começamos aexecutar o pior tipo de lexão, com nossos pés em cima da amurada dobarco,erguendoocorpo,decoletessalva-vidas.AspalavraslongínquasdeReno cantavam em meus ouvidos: “Se alguém izer cagada, as

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consequênciasafetamatodos”.Apostávamos corrida entre os barcos, depois da arrebentação.

Remávamosatéquenossosbraçospareciamqueiamcair.Cadatripulaçãocontraasrestantes,arrastandoaquelesbarquinhosgrotescamente.E issonãoeraYale versusHarvardnorioTâmisadeConnecticut, todosremandojuntos. Isso era omais perto que se chegade umhospício lutuante.Maserameutipodenegócio.

Treinamento com barco é um jogo para caras grandes, fortes, queconseguem remar. Remar como o diabo. Também é um jogo paralevantadorespesopesado,queconseguemarrastaraquelebarcoecorrercomsuaequipe.

Deixe-me levá-lo a uma dessas corridas. Primeiro, deixamos o barcoequilibradonorasoeobservamosamarévindoemnossadireção.O líderda tripulação já teria feito um resumo de um minuto e todos nós jáhavíamosobservadoopadrãodaquelasondasde1,5ma1,8m.Essaparteé chamada de passagemda onda, e icamos aguardando o comando pelanossa chance. Basicamente, não queríamos entrar na maior onda queviesse,masnãotínhamosmuitotempo.

A temperatura da água estava em torno de -14 °C. Todos nóssabíamos que precisávamos encarar aquela primeira onda, mas nãoqueríamos a maior, então esperávamos. Até que o líder da tripulaçãoavistou uma menor e gritou: “Agora! Agora! Agora! ”. Seguimos adiante,rezandoaDeusquenão fôssemospegosde ladoecapotássemos.Umporumsubimosabordo,remandofundo,tentandopassaracristadaondaqueeravarridapelabrisacosteira.

“Remem!Remem!Remem!”,gritavaele,conformeentrávamosnaquelasparedesdeágua.EsseeraooceanoPací ico,nãoqualquer lagodoTexas.Pertodenós,umdosbarcosviroueláseforamosremoseosalunos,todospara a água. Não se ouvia nada além da batida das ondas e os gritos: –Remem!Fundo!Bombordo…Estibordo…Endireitem!Vamos,vamos,vamos!

Puxeiaqueleremoatéacharquemeuspulmões fossemestourar,atéque tivéssemosultrapassadoa arrebentação.Então, nosso líderde turmagritou“Emborcarobarco!”,ohomemdaproadeslizouepulouparaforaeosoutros(incluindoeu)agarraramasalçasafixadasnofundodeborracha,levantamos e pulamospara omesmo lado, arrastando o barco para cimadenós.Conformeobarcobateunaágua,trêsdenósagarramosasmesmasalçasesubimosdevolta,emcimadofundodobarcovirado.Eumelembroquefuioprimeiroasubir.Sempesonaáguacerto?Ora,medêumafolga.

Recuamosatéooutroladodobarcoepuxamos,arrastandooIBSpara

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cimaeodesviramos.Todos tinhamconsciênciadequeamaréestavanoslevando de volta à arrebentação. Sentindo algo entre pânico e frenesi,batalhamosdevolta,atracamosnossosremoseseguimosatéaáguamaiscalma, rumo à linha de chegada. Remamos como demônios, correndo devolta até a marca, que era uma torre, na praia. Depois viramos o barconovamente,agarramosasalças,ocarregamospelaáguarasa,rumoàpraiaeosuspendemosparacarregá-losobrenossascabeças.

Corremos subindo a duna, ao redor de um caminhão, ainda com obarcosobrenossascabeças,depois,omaisrápidoquepudemos,devoltaàpraia, ao ponto onde havíamos começado, e os instrutores nosaguardavam, registrando as posições de chegada e os tempos quemarcamos. Eles foram atenciosos em dar à equipe vencedora uma folgapara sentar e se recuperar. Os perdedores iampara o chão fazer lexão.Nãoera incomumrealizar seis corridascomoessanuma tarde.Ao imdasegundasemanadoIndoc,havíamosperdidovinteecincocaras.

De alguma forma, o restante de nós tinha conseguido mostrar aoinstrutor Reno e seus colegas que de fato estávamos em forma equali icados o su iciente para ingressar no treinamento BUD/S quecomeçarianasemanaseguinte.SóhaveriaumúltimocomentáriodeReno,antesdeatacarmosaprimeirafaseBUD/S.

Eu o vi do lado de fora da sala de aula, ainda de óculos escuros, eleesticou a mão e sorriu, silenciosamente. “Bom trabalho, Marcus”, disseReno. Ele tinha um aperto demão como um guindaste. Suamão pareciafeita de ferro, mas eu a apertei com o máximo de força que pude erespondi:“Obrigado,senhor”.

Todossabíamosqueelehavianosmodi icadodrasticamentenaquelasduas semanas no Indoc. Ele nos mostrara a profundidade do queprecisávamosalcançar,nosconduziraàbeiradoabismodesconhecidodoBUD/S que vinha pela frente. Demoliu qualquer certeza absoluta queaindapudéssemoster.

Agora éramos mais tenazes e eu ainda era mais alto do que ele.Entretanto, para mim, Reno Alberto ainda parecia ter cinco metros dealtura.Esempreparecerá.

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4BEM-VINDOSAOINFERNO,CAVALHEIROS

Os apitos de exercício soavam em meio aos jatosd’água, um caos total, explosões ensurdecedoras einstrutores aos berros…“Homens, rastejem emdireção ao apito! Rastejem para o apito! Emantenhamasmalditascabeçasbaixas!”

Nós nos reunimos na sala de aula pouco depois de 13 h, naquela últimatardedoIndoc.OinstrutorRenoentroucomoumCésarromano,decabeçaerguida,e imediatamentenosmandouaochão.Comosempre,ascadeirasforamremexidaseafastadasecaímosaochão,contandoasflexões.

Ao chegarmos às vinte, Reno nos deixou na posição inicial e disse,rapidamente:“Descansar”.

“Hooyah,instrutorReno!”“Dê-meacontagemdarevistadetropas,sr.Ismay.”“Cento e treze homens inscritos, instrutor Reno. Todos presentes,

excetodoisqueestãonoserviçomédico.”“Chegou perto, sr. Ismay. Dois homens desistiram, alguns minutos

atrás.”Todosnós icamosimaginandoquemseriameles.Tripulantesdomeu

barco?As cabeças se viravampara os lados. Eunão tinha ideia de quemteriacaídonalutafinal.

“Nãoéculpasua,sr.Ismay.Vocêestavaemaulaquandoelespediramparasair.AClasseDois-dois-seisentraránaprimeira fasedoBUD/Scomcentoeonzehomens.”

Hooyah!Percebi que vínhamos perdendo os caras com uma certa

regularidade.Mas, segundoosnúmeros, a classe226 tivera164 inscritosnoprimeirodia e havíamosperdido cinquentadeles. Sei que algunsnemapareceram, a maioria por pura intimidação. Mas, de alguma forma, orestante simplesmente desaparecera no vazio. Nunca vi nenhum delespartir,nemmesmoomeucompanheirodequarto.

E aindanão consigo entendermuitobemoque aconteceu.Achoqueeles simplesmente chegaram a um tipo de ponto de ruptura, ou talveztenham icado angustiados por dias a io quanto à sua incapacidade de

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atender às expectativas. Masjá era signi icajá era, nessa marinha dehomens.Àépoca,eunãoconseguiacompreenderissointeiramente,maseuemeus 110 companheiros legionários estávamos testemunhando o cruelprocesso de eliminação de uma força de luta americana que não podetolerarumcomponentesuspeito.

OinstrutorRenoagorafalavaformalmente.“Vocêsestãoacaminhodaprimeira fase do BUD/S. E quero que cada um de vocês me deixeorgulhoso. Dentre vocês, aqueles que sobreviverem à Semana Infernalainda terão que enfrentar o teste de competência na piscina – isso é nasegunda fase – e depois a prática de armamento, na terceira fase. Masquero estar em sua formatura. E, lá, quero apertar as suasmãos. QueropensaremvocêscomoumdosguerreirosdeReno.

OHooyah, instrutorReeno! comnossospunhos cerradosno arquaselevantouo telhadoda sala.Nós o amávamos, todosnós, porque sabíamosque ele queria o melhor para nós. Não havia um io de malícia no cara.Nemumfiodefraqueza.

Elerepetiuasordensquevinhanosdandoháduassemanas.“Fiquemalertas. Sejam pontuais. E sempre sejam responsáveis por suas ações,uniformizados ou não. Lembrem, sua reputação é tudo. E vocês têm achance de construir essa reputação, começando na segunda-feira demanhã,àscincohoras.Primeirafase.

“Paraaquelesque conseguirem ingressarnas equipes, lembremqueestão entrando numa irmandade. Vocês icarão mais próximos dessescaras do que já estiveram de seus amigos no colégio ou na faculdade.Viverão com eles… e, em combate, alguns de vocês podem morrer comeles. Suas famílias sempredevemvir antes,masa irmandadeéum lugarprivilegiado.Eeuqueroquevocêsjamaisseesqueçamdisso.”

E, com isso, ele nos deixou, se afastou, saiu andando por uma portados fundos, deixando para trás uma longa sombra: uma porção de carasquehaviamsidorevolucionadoseestavamprontosparadartudoepassarnos desa iadores testes que vinham pela frente. Exatamente da formacomoRenoqueria.

E aí entra o instrutor Sean Mruk (pronunciado Maroc), ex-SEAL daEquipe2,veteranoemmissõesnoexterior,nativodeOhio,umsujeitocomumaralegrequehavíamosconhecidoduranteo Indoc.Eleeraassistentede nosso novo supervisor. Nós o ouvimos antes de vê-lo, seu comandobaixo, “Chão e empurrando”, antes mesmo que seguisse até a frente dasaladeaula.

Nosminutosseguintes,elerepassouumalistadeinúmerasatividades

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quedeveríamosconcluirdepoisdohorário,naprimeira fase.Coisascomopreparar os barcos e veículos, nos assegurarmos de estar de posse dossuprimentos corretos. Ele nos disse que esperava 100% sempre, pois, senãodéssemostudo,certamentepagaríamosporisso.

Veri icouque todoshavíamosmudadodenosso alojamento, atrás domoedor,paraumespaçodealojamentoespecialdeguerra,algunsmetrosaonortedocentro.Acomodaçõesdeprimeira,naareiadapraia,eeratodasua – contanto que você pudesse permanecer no trem dos BUD/S e naTurma 226, cujos números, em breve, estariam gravados em ambos oslados de seu novo capacete verde, da fase um. Aqueles números oacompanhamenquanto você servir nos SEALs. Os três números pintadosdebrancodaminha turmaumdia se tornariamo sommaisdoceque eupoderiaouvir.

O instrutor Mruk acenou a cabeça concordando e nos disse queestarianonovoalojamento,nodomingo,às10h,paraseassegurardequesoubéssemoscomoternossosquartosprontosparainspeção.Elenosdeuum último alerta: “Agora vocês são uma classe o icial. Pertencem à faseum”.

E na manhã sem nuvens daquela segunda-feira, 18 de junho, todosnós nos reunimos do lado de fora do alojamento, duas horas antes donascer do sol. Eram cincohoras e a temperaturanão estavamuito acimade 10 °C. Nosso novo instrutor, um estranho, permaneceu ali,silenciosamente. O tenente Ismay se apresentou, formalmente: “A TurmaDois-dois-seis está formada, chefe. Noventa e oito homens estãopresentes”.

David Ismay fez a saudação. O chefe Stephen Schulz retribuiu asaudaçãosemdizerum“Bom-dia”ou“Comovai”.Emvezdisso,eleapenasdisparou: “Para a água, senhores. Todos vocês. Depois voltem à sala deaula”.

Eláfomosnós,denovo.ATurma226saiudocomplexoeatravessouapraia,rumoaomar.Entramosnaáguagélida,depoisvoltamosparaasaladeaula,congelados,pingando,jácompletamenteapreensivos.

“Chão!”, ordenou o instrutor. Depois, novamente. E outra vez.Finalmente,oo icialJoeBurns,umcomandanteSEALdeexpressãoseveraassumiuseu lugarànossa frenteenos informouseroo icialdaprimeirafase. Alguns se encolheram. A reputação de Burns como homem rígidochegouantesdele.Maistarde,eleprovouserumdoshomensmaisdurõesqueeujáconheci.

“Vocêstodosqueremserhomens-rã?”

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Hooyah!“Então, é o que veremos”, disse o o icial Burns. “Veremos o quanto

vocêsqueremisso.Essaéaminhafaseeestessãoosmeusinstrutoresdeequipe.”

Cada um dos catorze se apresentou dando o nome. Em seguida, ochefe Schulz, talvez preocupado de que fôssemos icar moles, depois dedoisminutosdeconversa,ordenou:“Chãoeempurrando.”Enovamente.Edenovo.

E nós inalmente entramos em forma, pela primeira vez, no maisnotávelquadradonegrodepichedetodasasForçasArmadasdosEstadosUnidos. Nossos lugares estavam marcados por pequenas patas de rã,pintadasnochão.Quasenemvaleuavisita.

“Paraaágua.Águaeareia!”,gritouSchulz.“Rápido!”Nossa adrenalina pulsava, nossas pernas pulsavam, nossos braços

pulsavam, nossos corações pulsavam. Tudo pulsava, quando saímos dacoberturanegra como raios, ainda calçados comnossasbotas e calçasdesarja,seguimosparaapraiaenosatiramosnaágua.

Jesus, estava frio. As ondas quebravam sobremim e eume esforceiparavoltaraoraso,mevireinaareiaalgumasvezesesaíparecendoomr.Sandman, exceto por não estar trazendo um sonho a ninguém. Eu podiaouvirtodososoutrosàminhavolta,masouviraaúltimapalavradeSchulz.Rápido.Eeu lembravadoqueBillySheltonensinara:presteatençãoatéaumamerasugestão…ecorripelaminhavidadiretodevoltaaomoedoresubicomoslíderes.

“Lentodemais!”,gritavaSchulz.“Muitolento…chão!”Os instrutores de Schulz berravam entre nós, repreendendo,

esbravejando,nosatormentando,enquantosuávamosenosesforçávamospara fazer as lexões… “Vocês parecem malditas fadas.” “Componham-se.”“Pelo amor de Cristo, façam parecer que estão falando sério.” “Ora, vamos,vamos, vamos!” “Vocês têm certeza de que querem estar aqui? Queremdesistiragoramesmo?”

Nosminutosseguinteseudescobriadiferençaentresemolharerolarna areia e simplesmente se molhar. Havia dois barcos in láveisposicionadosaoladodomoedor,cheios,atéaboca,deáguaegelo.“Vãosemolhar” signi icava pular a borda, entrar embaixo da água, passar porbaixo dos suportes dos bancos e sair do outro lado. Cinco segundos noescuro, dentro do gelo, embaixo d’água. Uma baleia assassina implorariapiedade.

Eu tinha sentido frio antes no Pací ico, certo? Mas a água naquele

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barco teria congelado as bolas de ummacaco de bronze. Saí de lá quaseroxodefrio,comgelonocabelo,eseguimeucaminhoatéminhamarcadohomenzinho-rã. Pelo menos eu me livrara da areia, assim como todomundo. Dois instrutores passavam pela ila com mangueiras fortes,esguichandoemtodos,dacabeçaaospés.

Porvoltade6heujátinhacontadomaisde450flexões.Ehouvemais,sóqueeusimplesmentejánãoconseguiamaiscontar.Tambémtinhafeitomais de cinquenta abdominais. Recebíamos ordem para passar de umexercício para o outro. Quando julgavam que um cara estava enrolando,davam-lheordemdefazerumasériedechutesflutuantes.

O resultado disso era puro caos. Alguns caras não conseguiamacompanhar os outros, outros estavam fazendo lexões quando recebiamordempara fazer abdominais. Havia homens caindo de cara no chão. Noim,metadedenósjánãosabiamaisquediabosestavafazendonemoquedeveriaestarfazendo.Eusócontinueiemfrente,fazendoabsolutamenteomelhor, em meio aos urros e o jato de água das mangueiras: lexões,abdominais,queconfusão.Paramim,agoraera tudoamesmacoisa.Cadamúsculodomeucorpodoíaterrivelmente,principalmenteosdoestômagoedosbraços.

E Schulz nos deu piedade e um drinque em silêncio. “Hidratem!”,gritou ele, com aquele charme doVelhoMundo, que lhe vinha com tantanaturalidadeenóstodospegamosnossoscantiseviramos.

“Baixarcantis!”,berrouSchulz,comumtomdeinjúrianavoz.“Agora,empurrando!”

Ah,sim.Claro.Eujátinhameesquecido.Acabaradeterumintervalodenove segundos.Eparao chão fomosnós, de volta ao trabalho, comasúltimasforçasquenosrestavam,contandoas lexões.Dessa vezsó izemosvinte.Schulzdevetersidoacometidoporumataquedeconsciência.

“Paraaágua!”,berrouele.“Agoramesmo!”Saímos correndo para a praia e chegamos praticamente caindo na

água.Agoraestávamoscomtantocalorqueofrionemfaziadiferença.Nãomuita.E,quandovoltamosnadandoparaapraia,ochefeSchulzestava lá,atormentandoeberrandoconoscoparaentrarmosemforma,ecorrermos1,5kmatéorefeitório.

“Andando”,acrescentouele.“Nãotemosmuitotempo.”Quandochegamos,euestavaquasemorto.Achoquenãotinhaenergia

para mastigar nem um ovo cozido. Entramos naquele refeitório como oexércitodeNapoleãochegandodeMoscou,molhados,sujos,exaustos,semfôlego,famintosdemaisparacomer,moídosdemaisparaligar.

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Isso tudo, é claro, era feito sob medida. Não era qualquer tipo desimulação de incêndio chinesa, organizada pelos instrutores. Era umaabordagemestritamenteséria,sobresuasatribuições,ummétodoutilizadoparadescobrir,daformamaisdifícilpossível,quemrealmentequeriafazeraquilo, quemrealmente se importavao su icientepara ir atéo im,quempoderiaenfrentaraspróximasquatrosemanas,antesdaSemanaInfernal,quandoascoisasrealmenteficavambrabas.

Era formuladoparanosobrigarareavaliarnossocompromisso.Seráque realmente podíamos aturar essa punição? Noventa e oito de nóshaviam entrado em ila, duas horas antes. Somente sessenta e seischegaramaocafédamanhã.

E, quando isso acabou, ainda estávamos ensopados, de botas, calçascompridas e camisetas. E novamente seguimos para a praia,acompanhados por um instrutor que surgiu do nada, correndo ao nossolado, gritando para que seguíssemos em frente. Foi-nos dito o que nosaguardavapelafrente.Umacorridade6,5kmpelapraia,rumoaosul,trêsepoucona ida,omesmonavolta.Opermitidoeraachegadacomtrintaedois minutos, e Deus ajudasse aqueles que não conseguissem correr, naareia,maisde1kmem5minutos.

Fiqueicommedodisso,poissabiaquenãoeraumcorredorrealmentevelozemecondicioneipsicologicamenteparaoesforçomáximo.Eupareciater passado a vida toda fazendo aquilo. E, quando chegamosnapraia, eusabiaqueprecisavadesseesforço.Nãopoderiaterhavidopiorhoraparaacorrida. Amaré estava quase cheia, ainda enchendo, portanto quase nãohavia faixa de areia seca e dura. Isso signi icava ter que correr na águarasa ou na areia fofa demais, ambas um aborrecimento terrível para umcorredor.

KenTaylor,nossoinstrutor-chefe,nosalinhouealertousombriamentequantoaohorrorqueseriachegarapósostrintaedoisminutos,algoqueestariaalémdapossibilidadedealgunsdenós.Enosmandoupartir,comosolsaindodoPací ico,ànossadireita.Euescolhia linhaondecorreria,aolongodopontodamaréalta,ondeprimeiroaáguarecuava,deixandoumfiletedeareiaconsistente.Issosignificavaqueeuestariadentrod’águaporumtempo,massomentenaespumarasa,eerabemmelhordoqueaareiafofaqueseestendiaàminhaesquerda.

Oproblemaeraqueeutinhaquememanternessafaixa,poisminhasbotas icariam permanentemente molhadas e se eu subisse mais, nadireção da praia, teria um quilo de areia colado em cada uma. Eu nãoachavaquepoderiamemanter comos líderes,maspensavaquepoderia

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me manter irme, no grupo que vinha logo atrás. Portanto, abaixei acabeça,olheia faixadeareiaqueseestendiaàminha frenteeseguimeucaminho adiante, mantendo-me à direita, na parte de areia mais dura emolhada.

Os primeiros 3 kmnão foram tão terríveis. Eu estava lá na primeirametadedaturmaenãomesentiatãomal.Mas,navolta,euestavacansado.Olheiemvoltaeviquetodospareciammuitocansados.E,bemali,resolviiràluta.Abriogásememandeiparaafrente.

Amarémudaraduranteosprimeirosvinteminutoseagorasóhaviaum iletedeareiamolhadaque jánãoestava sendovarridopelomar.Eufuifundo,comtodaaminhaforça,correndoatéacharqueiacair.Todavezque alcançava um cara, eu encarava aquilo como um desa io pessoal epuxava mais, para ultrapassá-lo, inalmente marcando um tempo bom,dentrodostrintaedoisminutos,oqueaténãoseriamauparaumcavalodecarga.

Esqueço-medequemfoiovencedor,provavelmentealgumo icialossodurode roer,mas ele foi algunsminutosmelhordoque eu.Dequalquerforma, os caras que chegaram dentro do tempo foram enviados para aareiafofaparadescansareserecuperar.

Cercadedezoitocaras icaramforadostrintaedoisminutoseacadaumdelesfoidito:“Chão!”.Depois,começaramaempurrar.Amaioriaestavade joelhos,pelaexaustão, e issomeioqueospoupoudeumpassoparaoexercício seguinte, que era rastejarpela areia e entrarnoPací ico, diretonasondasquevinham.OinstrutorTaylorosfeziratéofundo,comaáguagélidabatendonopescoço.

Eles foram mantidos ali durante vinte minutos, cuidadosamentecronometrados, agora, eu sei, para assegurar que ninguém tivessehipotermia. Taylor e seus homens até tinham uma tabela que mostravaprecisamente quanto tempo um homem podia aguentar aquele nível defrio.Eeles foramchamados,umaum,e lhesderamumtremendocastigopornãoteremalcançadoametadetrintaedoisminutos.

Compreendo que alguns deles podiam simplesmente ter desistido, eoutros simplesmente não conseguiam ir mais rápido. Mas aquelesinstrutorestinhamumaideiajustadoqueestavasepassandoe,baseadosnisso,foramcruéisnoprimeirodiadetreinamentodoBUD/S.

Quandoospobressaíramdaágua,orestantedenósestavafazendoaslexões comuns e, como isso já era quase daminha natureza, olhei paracimaparaverqualseriaodestinodosmais lentos.OchefeTaylor,GengisKhan dos deuses da praia, ordenou que essa meia dúzia de caras meio

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mortos, meio afogados, deitasse de barriga para cima, com as cabeças eombros sob a água. Depois os fez dar chutes lutuantes. Havia caras queestavam se engasgando, tossindo água e chutando, e sóDeus sabe o quemais.

EsóentãoochefeTaylorosliberou,eeulembro,claramente,queelelhes gritou que nós, secos e fazendo nossas lexões na praia, éramos osvencedores, enquanto eles, os molengas, eram fracassados! Depois lhesdissequeeramelhorque começassema levar aquilo a sérioouestariamfora. “Aqueles caras ali, indo devagar, pagaram o preço completo”, eleberrava. “Pagaramàvista.Vocêsnão.Vocês falharam.Epara caras comovocêsháumpreçomaioraserpago,entendem?”

Ele sabia que isso era chocantemente injusto, pois alguns delesrealmente estavam fazendo o melhor. Mas precisava descobrir comcerteza. Quem acreditava que poderia melhorar? Quem estavadeterminadoaficar?Equemjáestavacomumpénaporta?

Próximo exercício: treinamento ísico com o tronco, algo novo paratodosnós.Nósnosper ilamos, vestindocalçasde sarjae chapéusmacios.Tripulaçõesdesetehomens,empé,juntoaosnossostroncos,cadaumcom2,5mdecomprimentoe30cmdediâmetro.Nãomelembrodopeso,maseraomesmoqueodeumcarapequeno,uns70a75kg.Pesado,certo?Euestavaentrandoemmododefuncionamentodecavalodecarga,quandooinstrutor gritou: “Vão se molhar e cair na areia”. Todos nós, com nossasroupassecas,seguimos,maisumavez,rumoaomar,subindoumadunaedescendo para a água. Saímos correndo das ondas e voltamos à dunarolamos para o outro lado, depois nos levantamos como a companhiaperdidadoCastelodeAreiadaMarinhaAmericana.

Então, ele nos disse para levar nosso tronco para ser molhado erolado na areia. Nós o erguemos até a altura da cintura e o arrastamospeladunaacima,depoisorolamosabaixo,pelooutrolado.

A equipe ao nosso lado arranjou um jeito de soltar o tronco nadescida.

“Se vocês, algum dia, voltarem a deixar esse tronco cair”, berrou oinstrutor, “eunemquerodescreveroque iráacontecercomvocês.Todosvocês!”Eleusouumtomdevozenfurecido,vingativo,quepoderiatersidousado para dizer algo como: “Se vocês, algum dia, voltarem a estuprarminha mãe em gangue…”, em vez de simplesmente falar na porcaria dotronco.

Todos nós icamos ali, segurando nosso tronco, de braços esticados,acima de nossas cabeças. Eles tentam fazer equipes uniformes quanto à

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altura,master1,94msigni icaquesempreestareicarregandopelomenosaminhaporçãojustadopeso.

Cada vez mais caras eram acusados de moleza e cada vez maisaumentava o número de caras no chão, fazendo lexões, enquanto eu ealguns outros caras grandes, na outra ponta, segurávamos o peso. Nósdevíamos parecer os três pilares de Coronado, torres cheias de areiasegurandootemplo,olhosespiandoapaisagemarenosadeumaporçãodecriaturas estranhas, lutando para respirar. Logo depois disso, eles nosensinaram todos osmovimentos de treinamentode que iríamosprecisar:agachamentos, arremesso do tronco acima da cabeça e muitos outros.Então,aindaemformação,nosfoidito:“Caiamporcimadeseustroncos”,enósofizemos.

“Estámuitodevagar!Devagardemais!Vãoparaaágua,depoisparaaareia!”

De volta aomar, para dentro das ondas, e rolando na areia. A essaaltura,jáhaviamuitoscarassempernaseosinstrutoressabiamdisso.Elesnãoqueriamqueninguémrealmentedesabasseepassaramumtemponosensinando os pontosmais importantes do treinamento em equipe com otronco. Para nossa total perplexidade, concluíram a manhã dizendo-nosque havíamos feito um trabalho e tanto, que tivemos um ótimo começo eagorapoderíamosircomer.

Muitos caras acharam aquilo encorajador. Porém, sete deles nãoforam consolados pelas palavras ditas pelos caras que poderiam estarcavalgandocomacavalariadeSatã,emOSenhordosAnéis. Eles seguiramdiretamente de volta ao moedor, tocaram o sino do lado de fora doescritório da primeira fase e entregaram seus capacetes, colocando-osper ilados,doladodeforadaportadoo icialemcomando.Éassimquesedá o ritual de saída na primeira fase. Agora havia doze capacetesrepresentandoarenúnciaenósnemhavíamosalmoçado,noprimeirodia.

Amaioriadenósos achouumpouquinhoapressados,pois sabíamosqueumapartedatardeseriatomadacomainspeçãosemanaldoquarto.Amaior parte de nós passara o domingo todo se organizando, limpando ochãocomoesfregãoedepoispolindo.Dealguma forma,euestavano imdalistaparausarumdaquelesdoispolidoreselétricos.

Tivequeesperaraminhavezenãotermineiatéas2hdamanhã.Maso tempo não havia sido desperdiçado. Eu havia arrumado aminha cama,passei minhas calças de sarja a ferro e poli minhas botas, deixando-asbrilhando como um espelho. Eu estava melhor, já não parecia umvagabundodepraia,comoestiveraodiatodo.

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Os instrutores chegarameeunão lembroqualdelesentrouemmeuquarto. Mas ele olhou tudo, aquele quadro de precisão e organizaçãomilitar, depois olhou para mim com uma expressão de desgosto.Cuidadosamente,abriuasgavetasdeminhacômodaeespalhoutudopeloquarto.Tirouocolchãodacamaejogouaolado.Esvazioutodooconteúdodo meu armário fazendo uma pilha e me informou que não estavaacostumado a encontrartrainees que icassem felizes em morar numdepósito de lixo. Na verdade, suas palavras foram um pouco maiscoloridas,mais…bem…vulgares.

Foradoscon insdemeuquartohaviaumaabsolutabalbúrdia;haviacoisasespalhadasportodolado,numquartoapósooutro.Eusó iqueiali,debocaaberta,enquantotodososalojamentoseramreviradospornossosprópriosinstrutores.Láfora,nocorredor,eupodiaouvir alguémberrandocomotenenteDavidIsmay,líderdaturma.OstonssuavesdochefeSchulzeraminconfundíveis.

“Que tipo de ninho de rato você conduz aqui, sr. Ismay? Nunca viquartos assim em toda aminha vida.Seus uniformes estão uma desgraça.Paraaágua…todomundo!”

Pelas minhas contas, havia trinta quartos. Somente três haviampassadopelarevista.Enemessescarasforamisentadosdonossoprimeiromergulho nomar naquela tarde. Com nossas botas engraxadas e nossascalças de sarja bem passadas, seguimos de volta para a praia, deixandoumacenadecaostotalparatrás.

Corremosparadentrod’água,atéo fundo, furandoasondas.Depois,viramosevoltamosparaapraia,entramosemformaeseguimosdevoltaàárea BUD/S. O chefe Taylor estava de volta em nossas vidas com umapressaenorme,obviamentepreparandooúltimoexercíciododia,napraia,pertodaágua.Nãosabíamosqualera.

Ao longo de todo o dia, icamos imaginando precisamente quem eleera,masnossas indagaçõesquasenão foramrespondidas, salvopelo fatode que o chefe era um verdadeiro veterano das equipes que haviamestado em missões no exterior, por quatro vezes, incluindo a Guerra doGolfo. Ele era um homem de tamanho mediano, mas imensamentemusculoso; parecia poder caminhar diretamente através de uma paredesemperderapose.Masdavaparaverquetinhasensodehumorenãoeraavesso a nos dizer que estávamos indo bem. Que doçura da parte dele,certo?Metadedenósestavaalipuramentepelaforçadevontade.

E precisávamos de toda força de vontade que pudéssemos ter, pois,em alguns instantes, íamos nos preparar para levar os barcos de volta

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paraaágua.Nuncavoumeesquecerdaqueletreinamentocomobarco,noprimeiro dia, pois o chefe Taylor nos fez remar de trás para a frente,virados para popa. Quando voltamos pela água, para a praia, icamosnovamentede frentepara a popa,mas agora estávamos remandopara afrente.

Logo que começamos, a jornada além da arrebentação pareciaimpossíveldeserfeitaestandodefrenteparaapraiaesegurandooremode forma tão estranha, mas nós melhoramos. E, de alguma forma,conseguimos fazê-la. Mas não antes que todas as formas de caosocorressem. Emborcamos, capotamos, batemos de costas numa ondagrande, tentando furá-la.Ehouvemuito revolvernaáguae tossequandotentamos a inalizaçãodo chefeTaylor, que era virar novamente o barco,voltar a arrumá-lo, alojar corretamente os remos, depois nadar de voltacomobarcoepassarpelasondasevoltaràpraia.

Antes de sairmos, levaram-nos para fazer um exercício chamadoobservaçãodas ondas, no qual dois homens de uma equipe observamascondições domar e fazemum relatório. Eu prestei toda atenção a isso, oquefoibom,jáque,deagoraemdiante,todasasmanhãs,àsquatroemeia,doisdenósiriamatéabeiradadaáguaevoltariam,parafazerorelatório.O chefe Taylor, sorrindo, como costumava fazer, dispensou-nos com aspalavras:“Enãofaçamcagadacomesserelatório.Nãoquerodiscrepânciasquantoàscondiçõesdomar,ouopagamentoseráinfernal”.

Naquela noite, caprichamos na arrumação de nossos quartos, e nosegundo dia estávamos a caminho de uma manhã comum, com lexões,corrida e osmergulhos e banhos de areia. Nossa primeira aula incluía aapresentação ao o icial instrutor chefe Bob Nielsen, outro veterano daGuerradoGolfoe inúmerasmissõesnoexterior.Eleeraalto, esguioparaumSEAL,eeuoacheiumpoucosarcástico.Suaspalavrasparanóseramrepletasdesignificado,pontilhadasdeameaça,noentantootimistas.

Ele se apresentou e nos disse o que esperava. Como se nãosoubéssemos. Tudo certo, não é? Ou morra tentando. Ele nos mostrouslidesdetodososaspectosdaprimeirafase.Antesqueaprimeiraimagemfosseremovidadatela,elenosdisseparaesquecermosqualquertentativadeenganarosinstrutores.

“Caras”,disseele,“jávimosdetudo.Vocêpodetentar,sequiser,masnão vai ajudá-lo em nada. Nós vamos pegá-lo e, quando isso acontecer,abraoolho!”

Acho que todos na sala izeram uma anotaçãomental de não tentar“armar”. Todos ouvimos com muito cuidado quando o chefe Nielsen

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repassou rapidamente as nossas quatro primeiras semanas e o quedeveríamos esperar – mais corridas, treinamento ísico com o tronco ebarcos, nado, a catástrofe completa. Puramente para descobrirmos oquantoéramosrealmentedurões.

“Condicionamento”, disse ele. “Condicionamento e muita água fria.Podem se acostumar com isso.Omêsque vemvai ser um forte chutenosaco. Pois nós vamos esmagá-los.” Ainda tenho as minhas anotações dapalestradeBobNielsen.

“Se falharem nesses padrões, estão fora. É claro que a maioria devocês acabará saindo. E a maioria não voltará. Terão de fazer aquelacorridaemtrintaedoisminutoseconcluirnadosde3700memumahoraemeia.Vão fazerum teste escritodi ícil.Há referenciaispara apiscina etestedeafogamento.Comesempés-de-pato–chutes,golpeseescorrega.

“Vocêspodemestarpensando,Oqueépreciso?Oquetenhodefazerpara conseguir passar? A pura verdade é que dois terços de vocês,sentadosaqui,irãodesistir.”

Eume lembro dele em pé, perto daminha ileira, dizendo: “Há seteileiras de gente aqui sentada. Só duas ileiras conseguirão”. Ele pareciaolhar diretamente para mim ao dizer: “O restante vai virar história, devoltaà frota.Éassimqueascoisassão.Sempre foram.Portanto, tentemomelhorparaprovarqueestouerrado”.

Ele deu mais um alerta. “Esse treinamento não é compatível comtodos. Temos carasmuito bons que passam por aqui e decidem que issonãoéparaeles.Eesseéseudireito.Maselesvãoemboracomdignidade,entenderam? Se pegarmos um de vocês rindo ou debochando de umhomem que pediu baixa, vamos massacrá-los, sem piedade. Pra valer.Vocês irão lamentaraquelesmomentosdezombariapormuito tempo.Euosavisoquenempensemnisso.”

Eleconcluiunosdizendoqueaverdadeirabatalhaéganhanamente.Elaévencidapeloscarasquecompreendemsuasáreasde fraqueza,quesentamepensamarespeito,planejandomelhorar.Prestandoatençãonosdetalhes.Trabalhandosuasfraquezasparasuperá-las.Porqueelespodem.

“Sua reputação é construída bem aqui, na primeira fase. E você nãoquer que as pessoas pensem que você só faz o su iciente para passarraspando. Quer que as pessoas entendam que você sempre tenta sesuperar, sermelhor, ser totalmente con iável, sempredandoomelhordesi.Éassimquefazemosascoisasporaqui.

“Lembrem-sedaúltimacoisa.Sóumcaranestasalasabesevocêvaiconseguir ou fracassar. Esse cara é você. Vão fundo, cavalheiros. Deem

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tudo.”O chefe Nielsen saiu e cinco minutos depois permanecíamos ali,

esperandopelorelatóriodoo icialemcomando.Seisinstrutoresentraramna sala, acompanhando um capitão da Marinha. E todos nós sabíamosquemele era. Tratava-sedo capitão JoeMaguire, o quase lendárionativodoBrooklyn,homemdehonradaturmade93,eantigoo icialdecomandoda Equipe SEAL 2. Ele também era o futuro vice-almiranteMaguire, queserviraportodoomundoeeraamadoemCoronado,umcaragrandequejamaisesqueciaonomedeumSEAL,pormaisnovatoquefosse.

Ele falouconoscocalmamente.Enosdeudoisconselhos inestimáveis.Dissequeestavasedirigindoaosquerealmentequeriamessetipodevida,aos que poderiam lidar com qualquer tipo de tormento que aquelesinstrutoresdofundodasalapudesseminfligir.

“Em primeiro lugar, não quero que vocês cedam à pressão domomento. Em qualquer ocasião que estejam sentindo muita dor, apenasaguentem irme. Terminem o dia. Depois, se estiverem se sentindorealmente mal, pensem com a inco e longamente, antes de resolverdesistir.Segundo,levemumdiadecadavez.Umexercíciodecadavez.

“Não deixem que seus pensamentos se dispersem, não comecem aplanejarcairforasóporqueestãopreocupadoscomofuturoecomquantopoderãosuportar.Nãoolhemparaadoràfrente.Apenaspassempelodiaeháumacarreiramaravilhosaadiante.”

Esse foi o capitão Maguire, um homem que um dia serviria comocomandanterepresentantedoU.S.SpecialOperationsinPaci icCommand(COMPAC). Com a insígnia com duas águias reluzindo em sua gola, ocapitão Maguire nos incutia o conhecimento daquilo que realmentecontava.

Eu iqueiali,pensandoporunsinstantes,atéqueacasacaiu.Umdosinstrutores já berrava. “Chão!”, gritou ele, e nos fez deitar por conta dopecadodeumhomem.

“Euviumdevocêscochilar,bemaqui,nomeiodapalestradocapitão.Como se atrevem? Como se atrevem a cair no sono na presença de umhomem desse calibre? Vocês vão pagar por isso.Agora, empurrando pracima!”

Elenostriturou,nosmandoufazerosexercícios,provavelmenteumascem lexões e abdominais, nos levou até a duna diante do complexo.Enfureceu-se conoscoporquenosso temponoCircuitoO foibaixo,devidoaofatodeestarmosparalisadosdecansaçojáantesdechegarmoslá.

E assim foi, a semana inteira. Houve uma travessia a nado na baía,

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1600 m com um cara de habilidade incomparável. Houve exercícios napiscina, de máscaras, com e sem pés-de-patos. Num deles, tivemos quedeitardebarrigaparacima,comasmáscarascheiasd’águaetentardaroschutes lutuantes fora e acima da água. Era assassinato. Assim como otreinamento ísicocomatoraenossascorridasde6400m.Otrabalhonasondas também era uma experiência de força, correndo com os barcosatravésdasondas,virandoedesvirandoobarco,remandode frenteedecostas,arrastandoobarco,carregandoobarcoemnossascabeças.

Aquilo nunca acabava e, até o fechamento da primeira semana játínhamos perdido mais de vinte homens, um deles aos prantos, por nãoconseguir. Suas esperanças, seus sonhos, até suas intenções haviam sidodespedaçadasnaquelapraiadeCoronado.

Forammaisdesessentabadaladasnograndesinodoladodeforadaporta do o icial. E, todas as vezes que ouvíamos, sem exceção, sabíamosque tínhamos perdido um cara essencialmente bom. Não havia nenhumcara ruim que conseguisse passar pelo Indoc. E, conforme os dias sepassavameouvíamosaquelesino,repetidamente,aquilosetornouumsommuitomelancólico.

Seráque eu estaria ali, do ladode foradaportadoo icial, arrasado,em alguns dias mais? Isso não era impossível, porque muitos desseshomens não tinham qualquer intenção de desistir algumas horas ou atéminutosantesdeofazerem.Algosimplesmenteabriucaminhopordentro,no fundo deles. Já não conseguiam ir em frente e não faziam ideia domotivo.

Nãoperguntesporquemdobramos sinos,Marcus.Poisos ilhos-da-putapodemdobrarporti.Ouporqualquerumdosestranhos,aindadepé,depois da realidade brutal da semana um, primeira fase. Todas as vezesque passávamos pelo moedor, víamos a prova bem ali, diante de nossosolhos,umtotaldevintecapacetesnochão,alinhadosaoladodosino.Cadaumdaquelescapaceteshaviapertencidoaumamigo,ouconhecido,ouatérival,masumcaraaoladodequemhavíamossofrido.

Aquelafiladechapéussolitárioseraumlembreterigorosonãoapenasdo que esse lugar podia fazer a um homem, mas também da glóriaparticular que poderia conferir àqueles que não cedessem. E me levouadiante. Cada vez que eu olhava para a ila, cerrava meus dentes edepositavaumadeterminaçãoamaisemmeuprogresso.Aindamesentiadamesmaformaquenoprimeirodia.Preferiamorrerameentregar.

A terceira semanadaprimeira fasenos conduziuaumnovoaspectodo treinamento BUD/S, chamado “carregamento com obstáculos sobre

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rochas”. Issoeraperigosoedi ícil,mas,basicamente, tínhamosqueremaro IBS ao longo de um leito de rochas, do lado oposto ao mundialmentefamoso Hotel del Coronado e pousá-lo ali. Eu não me re iro a ancorá-lo,estoudizendolevá-loaté láemcima,ondenãobatiaágua,passandopelasondas quebrando à sua volta, a maré tentando sugá-lo, e levar aquelebarcodevoltaaomar.

Nessa eu tinha que me dar bem, por conta do meu tamanho ehabilidade para erguer o barco. Mas nenhum dos membros da equipeestava preparado para esse teste desesperador. Era algo quesimplesmente teríamos de aprender. Então, lá fomos nós, remando comtudo,saindodomar,rumoàsrochasimensas,diretopordentrodasondasquequebravamemtodasasdireções.

Aproadenossobarcocolidiunasrochaseohomemdaproa,quenãoeraeu,saltouàfrente,segurando-seemantendoocabodeatracaçãofirmeaoredordesuacintura.Suafunçãoeraestarseguroedepoisatuarcomoum cabrestante humano, parando o barco que estava sendo jogado paratrás.Nossohomemera bastante habilidoso; ele se colocou entre algumaspedrasgrandesegritouparanós:“Homemdeproaemsegurança!”.

Repetimos seu chamado para que todos soubessem onde estávamoslocalizados.Masagoraobarcoestavapresocomaproanasrochas.Elenãotinharitmonasondaseestavavulnerávelacadaondulaçãoquequebravanapopa.Nessaposiçãoestáticaelenãopôdedescerasondas.

Os gritos de nosso chefe de equipe dizendo “Água!” eram de poucaajuda.Amaréestavaquebrandodiretoemcimadenós,dobarcoesobreaspedras.Estávamosdecoletesalva-vidas,masomenorhomementre nósteve que pular por cima da proa, carregar todos os remos e levá-los emsegurançaparaosoloseco.

Então,todostivemosquedesembarcar,umaum,escalandoaspedras,comopobrehomemdeproasemantendo irmeporsuavida,presoentreasrochas,comobarcoaindaamarradoaoseudorso.Aessaaltura, todosnósestávamospertoda corda, tentandopegar as alças,masohomemdeproatinhadesemoverprimeiro,rumandoparacima,aumanovaposição,agoraconoscosegurandoopeso.

Ele partiu.Homemde proa emmovimento! Eu puxei, perto domotor,colocandotodaaminhaforça.Umaondasechocoucontraobarcoequasenoslevouparaaágua,masconseguimossegurarfirme.

Homemdeproaemsegurança!Então,demostudo,sabendoquenossoscompanheiros de equipe não podiam ser arremessados contra nós. Dealguma forma, levamos aquela belezinha para cima e para a frente, a

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arrastamosparaforadoPací ico,enganamosamorteelevamosobarconamão,atéláemcimadaspedras,numlocalaltoeseco.

“Lentodemais”,disseonosso instrutor.Depoiselecomeçouarelataruma série de detalhes que izéramos errado. Demoraram demais nosestágios iniciais, homem de proa não foi veloz o su iciente para subir asrochas,muitademoranasprimeiraspuxadas, tempodemais recebendoaarrebentaçãodasondas.

Ele nos mandou seguir para a areia, nos deu uma série de vintelexões,depoisnosordenouqueseguíssemosdiretoparao lugardeondeviéramos–escalandoasrochas,levandoobarcoparaaágua,ohomemdeproanosmantendoemsegurançaenquantoquasemorríamosafogados…entrando, seguindo em frente, de boca fechada e remando. Realmente,bemsimples.

Aqueleprimeiromêsterminoudojeitoquehaviacomeçado,comumaturma encharcada, gélida e morta de cansaço. Na conclusão das quatrosemanas,osinstrutorestomaramalgumasdecisõesseveras,eliminandoosmaisfracosdentrenós,carasquehaviamfalhadonostestes, talvezumoudois testes. Eles pareciam jovens muito determinados, que preferiammorrer a desistir, mas simplesmente não conseguiam nadar rápido osu iciente, correr o bastante ou erguer o peso necessário, faltava-lhesresistência,confiançaembaixod’água,destrezanobarco.

Esses eram os caras mais di íceis de dispensar do programa, poistinhamdadotudoecontinuariamafazê-lo.Apenaslhesfaltavaumtalentodado por Deus para desenvolver o trabalho dos SEALs da Marinhaamericana. Anos depois, eu conheciamuito bem alguns dos instrutores etodos eles disseram a mesma coisa sobre a quarta semana da primeirafase, a Semana Infernal. “Nós todos sofríamos com isso. Ninguém queriaestarenvolvidonoatodepartirocoraçãodeumgaroto.”

Mas também não podiam permitir que os fracos seguissem adiante,rumo aos seis dias demaior demanda no treinamento de qualquer forçadelutadomundo.Enãoestoumereferindoaomundolivre,masaomundointeiro.SomenteolendárioSASdaGrã-Bretanhapossuialgocomparável.

Osresultadosdotreinamentodasquatrosemanassigni icavamquesórestavamcinquentaequatrodenós;cinquentaequatrodosnoventaeoitoque haviam começado a primeira fase. E a Turma 226 começaria cedo,comocomeçamtodasasturmasdaSemanaInfernal,nodomingo,aomeio-dia.

No imdatardedaquelasexta-feira,maisumaveznosreunimosparaformalmente ouvirmos o capitão Maguire, que estava acompanhado por

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váriosinstrutoreseoficiaisdeturma.“Todos prontos para a Semana Infernal?”, ele nos perguntou,

alegremente.Hooyah!“Excelente”,respondeuele. “Porquevocêsestãoprestesapassarpor

umtestemuitominuciosoedoloroso.Cadaumdevocêsdescobriráqualéasuaverdadeiraessência.Eacadapassodocaminhoirãosedepararcomuma nova escolha. Entrego-me à dor e ao frio ou sigo em frente? Serásempre com vocês. Não há cotas, não há números. Nós não decidimosquem passa. São vocês que decidem. Porém, na sexta-feira, quando aSemanaInfernalterminar,esperoapertaramãodecadaumdevocês”.

Todos nós icamos respeitosamente de pé diante da retirada docapitão Maguire, a quinta-essência do homem de Coronado, quecompreendia o orgulho da realização de ter galgado as alturas e sabia oquerealmentecontava,dentrodosSEALsealém.Eleeraochefeeterno.

Avisaram-nos sobre o que levar para a aula de domingo – nossosacessórios,equipamento,trocaderoupa,roupassecasealgumasroupasàpaisana,queseriamcolocadasnumsacoparaqueoscarasbem-sucedidostivessem algo para vestir quando tudo terminasse. Caras que pedissembaixatambémteriamroupassecas,aqualquerhoradasemana,quandosepreparassemparapartir.

Nosso instrutornos falouparacomerumbocado,durante todoo imde semana, mas não devíamos nos preocupar com roupas de dormir nodomingoàtarde,quandoestaríamosenclausuradosnasaladeaula.“Vocêsestarão estimulados demais para dormir”, acrescentou ele enfaticamente.“Portanto,apenasentremaqui,relaxem,assistamafilmesepreparem-se.”

No quadro de avisos estava a doutrina o icial dos SEALs, semanacinco, primeira fase: “Os alunos demonstrarão as qualidades ecaracterísticas pessoais de determinação, coragem, sacri ício pessoal,trabalho em equipe, liderança e uma atitude de jamais desistir sobquaisquercondiçõesdeadversidadeambiental,fadigaeestresse,aolongodaSemanaInfernal”.

Issodeixabemclaro, certo?Quase.A Semana Infernal acabou sendomuitopiorqueisso.

Passamosa semananosorganizandoenos reunimosnasaladeaulaaomeio-diadedomingo,18dejulho.Duasdúziasdeinstrutoresvindosdetoda parte do complexo, caras que jamais víramos antes estavampresentes. É preciso tudo isso para fazer com que a turma passe pelaSemana Infernal, além dosmédicos, caras de apoio e logística. Creio que

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seja necessária uma equipe completa para conduzir os homens a umamarcharumoaostestesmaisrigorososdaelitenavaldeguerra.

Issoé conhecidocomooCon inamentodaSemana Infernal.Ninguémsai; nós nos sentamos numa sala de aula e esperamos a tarde toda; comnossasmochilasdemareossacosdepapelcomnossasroupassecas,queicam per ilados, com nossos nomes escritos do lado de fora em canetahidrográficapreta.Nofimdatarde,elesnosservirampizza,pilhasdepizza.

Do lado de fora, podíamos sentir que tudo estava quieto. Ninguémpassava por perto, não havia patrulhas, nem alunos vagando. Todossabiam que a Semana Infernal da 226 estava para começar. Não eraexatamente respeito pelos mortos, mas, a essa altura, acho que você jáentendemaisoumenosoquequerodizer.

Eumelembrocomoestavaquente,deviaestarfazendomaisdetrintaedoisgrausdentrodasala.Estávamostodosàvontade,deroupascomuns,a maior parte do domingo, e todos sabíamos que algo estava paraacontecer,conformeanoiteseaproximava.Haviaalgum ilmepassandoeas horas transcorriam. Havia uma atmosfera de tensão acentuada, àmedidaqueesperávamospelo tirode largada.ASemana InfernalcomeçacomumfrenesideatividadesconhecidocomoaFuga.E,quandochegouanossahora,foimuitomaisqueumtirodelargada.

Nãoconsigome lembrardahoraexata,mas foidepoisde20h30, eantes de 21 h. Subitamente, houve um grito alto e alguém entrouliteralmente chutando a porta lateral.Bum! E um cara carregando umametralhadora, seguido por dois outros, entrou detonando, atirando comarmanoquadril.Asluzesforamapagadaseostrêshomensabriramfogo,cobrindoasaladebalas(defestim,espero).

Eram assovios pungentes dos apitos, e a outra porta foi aberta nochute, emais três homens entraramdetonando a sala. A única coisa quenós sabíamos com certeza era que agora, quando soavam os apitos, nósíamos ao chão e, assumindo uma posição defensiva, deitados, de pernascruzadas,cobrindoosouvidoscomaspalmasdasmãos.

Nochão!Cabeçasbaixas!Chegou!Depois,umanovavoz,altaeressonante.Estavaumbreu,excetopelos

lampejosininterruptosdasmetralhadoras,mas,paramim,avozpareciaadoinstrutorMruck:“Bem-vindosaoinferno,cavalheiros.”

Pelosminutosseguintes,foisótiro.Umtiroteioensurdecedor.Asbalascertamenteeramdefestim,oumetadedenósteriamorrido,mas,acredite,eram exatamente como as reais, com os instrutores SEAL disparandonossosM43s.Osgritoseramafogadospelosapitosetudoeraabafadopela

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artilharia.Aessaaltura,oardentrodasalaestavahorrível, tomadopelocheiro

depólvora,iluminadoapenaspelasbocasdoscanosdasarmas.Eumantiveminha cabeça bem abaixada no chão, conforme os atiradores semoviamentrenós, tomandoocuidadoparaqueoscartuchosquentesnãocaíssememnossapele.

Senti uma calmaria. Depois um urro, dirigido a todos nós. “Todomundo,prafora!Andem!Andem,Andem!Vamosembora!”

Esforcei-mepara icarempé,emejunteiaoestampidorumoàporta.Saímos correndo na direção do moedor, onde estava absolutamenteconfuso.Maistiros.Gritosintermináveisemaisapitos,enovamentefomosmandados ao chão, na posição correta. Os simuladores de artilhariaexplodiamapartirdebarris colocadosaoredordomoedor.Eunãosabiaonde estava o capitão Maguire, mas, se estivesse ali, teria achado queestava de volta a algum campo estrangeiro de batalha. Aomenos, se elefechasseosolhos,pensariaisso.

Então,osinstrutoresdetonarampravaler,dessavez,commangueirasde alta pressão,mirando diretamente em nossa direção, jogan-do-nos nochão, caso tentássemos levantar. O lugar foi inundado pela água e nãoconseguíamosvercoisaalguma,nemouvíamosnadaalémdaartilharia.

Osapitosdeexercíciosoavamemmeioaosjatosd’água,umcaostotal,explosões ensurdecedoras e instrutores aos berros… “ Homens, rastejemem direção ao apito! Rastejem para o apito! E mantenham as malditascabeçasbaixas!”

Algunsdoscarasestavamtotalmenteconfusos.Umdelescorreucomoumloucodiretoparaapraia,entrounomar.Eraumcaraqueeuconheciabemeperdeu totalmenteasestribeiras.Essaeraumacena simuladadaspraias daNormandia e induzia a um certo grau de pânico, pois ninguémsabia o que estava acontecendo, nem o que deveríamos estar fazendo,alémdeficarnochão.

Os instrutores sabiam disso. Eles compreendiam que muitos de nósestaríamos emmaus lençóis. Eu não. Estou sempre preparado para essetipo de coisa e, de qualquer forma, sabia que eles não estavam tentandonosmatar.Masosinstrutoressabiamquenemtodospensavamassim,esemoviam entre nós, para que desistíssemos naquela hora, enquanto aindahaviatempo.

“Tudoquevocêstêmafazerétocaraquelesininho.”Deitadoali no escuro ena confusão,morrendode frio, encharcadoe

temendo icarempé,eudisseaumdelesquepodiaen iaraquelesininho

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nabundaeouviumaondadegargalhadas.Masnãodissenovamentenemdeixeiquesoubessemquetinhasidoeu.Querdizer,atéagora.Estávendo?Atéemmeioaocaoseuconseguiadarumarespostaesperta.

A essa altura, estávamos num estado absoluto de desorientação,apenastentandonosmanternomoedor,juntocomosoutros.Omantradotrabalhoemequipeentraraemvigor.Eunãoqueria icarsozinho.Queriaicarcommeusencharcadoscompanheirosdeequipe,independentementedoquetivéssemosquefazer.

Então, ouvi uma voz anunciando que estávamos com um homem amenos. Depois ouvi outra voz, aguda e exigente. Não sei quem era, masestava perto de mim e pareceu o chefe-mor, Joe Maguire, com muitaautoridade. “O que quer dizer? Um homem a menos? Faça a contagemagoramesmo.”

Eles ordenaram que icássemos de pé imediatamente e fomoscontados, um a um, parando no cinquenta e cinco. Estávamos com umhomem a menos. Que merda! Isso era mau, era muito sério. Até euentendia isso.Alguémfoimandado imediatamenteatéapraiae foi láqueencontraramoalunoquefaltava,nadandonaágua.

Alguém regressou aomoedorpara relatar. E euouvi nosso instrutorestrilar: “Mande todos eles para a água. Depois nós os contamos”. E láfomos nós, novamente, correndomuito, rumo à praia, nos afastando dostiros,daquelehospício,mergulhandonoPací icogélido,noquepareciasero meio da noite. E, como era tão frequente, nós estávamos molhadosdemaisparanospreocuparmos,comfriodemaisparaligarmos.

Mas, quando inalmente saímos da água, aconteceu algo novo. Osapitosvoltaramasoareissosigni icavaquetínhamosquerastejarrumoaeles,porémdessaveznãoeranasuper íciepretae lisa.Dessavezeranaareiafofa.

Em instantes, nós parecíamos besouros de areia, tateando nossocaminhopelasdunas.Osapitoscontinuavamsoando,umlongo,depoisdois,e prosseguíamos rastejando e, a essa altura, meus cotovelos estavamicando realmente quentes e doloridos, e meus joelhos também nãoestavamlágrandescoisas.Asquatrojuntasdavamasensaçãodeestaremvermelhas e em carne viva. Mas eu seguia em frente. Então, o instrutormandou que voltássemos para a água, até o fundo, para quepermanecêssemosládurantequinzeminutos,tempomáximodeimersão,apouco menos de quinze graus. Nós nos demos os braços, até sermosmandadosparamaisapitosemaisrastejar.

Entãonosmandaramparaaáguaparadarmoschutes lutuantes,com

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acabeçadentrod’água.Depois,maisapitos,maisrastejaredevoltaparaaágua,pormaisquinzeminutos.Bemaomeu lado,umdosmelhores carasda turma, um o icial e líder de equipe de barco, grande corredor e bomnadador,desistiu,incondicionalmente.

Essarealmenteabalou.Outroo icialdesuaequipesaiucorrendoparaapraia atrás dele, implorandoque ele não fosse, falando como instrutoremserviço,emseunome,queelenãoestavafalandosério.Não,senhor.Oinstrutor lhe deu outra chance e disse que ainda não era tarde demaisparaqueelevoltasseparaaágua.

Mas ele havia tomado sua decisão e se fechara a todos os pedidos.Continuouandando,eoinstrutorlhedissequeentrassenumcaminhão,aolado da ambulância. Então, ele perguntou ao cara que estava fazendo opedido se ele também queria desistir, e todos nós ouvimos um sonoro“Negativo”evimosocaravoltarcorrendo,comoumgatoescaldado,vindodiretodapraiaparasejuntaranós,dentrod’água.

A temperatura parecia icar mais fria, enquanto nos remexíamosdentrodamarégélida.E inalmentenosmandaramsaireosapitossoaramnovamente.Todosmergulhamosnovamentenaareia.Rastejando,coçando,queimando. Cinco caras desistiram, instantaneamente, e forammandadosaocaminhão.Eunãoentendinada,poisjá izéramosaquiloantes.Eraruim,masnãoeratãoruimassim,peloamordeDeus.Achoqueaquelescarassóestavam pensando no porvir, horrorizados com os cinco dias da SemanaInfernal que estavampela frente, precisamente da forma como o capitãoMaguirehavianosalertadoparanãofazermos.

De qualquer forma, naquele momento, recebemos ordem parapegarmos os barcos e seguirmos para o mar, o que izemos sem muitadi iculdade. Mas eles nos izeram remar quase cem metros, remandofundo, nadar até o barco, carregar o barco, correr com o barco, rastejar,viver, morrer. Estávamos tão exaustos que não fazia diferença. Malsabíamosondeestávamos.Simplesmenteflutuávamoscomnossosjoelhosecotovelossangrando,atéquenosmandaramsairdaágua.

Achoqueerapoucoantesdemeia-noite,maspoderiaseramanhãdeNatal. Passamos ao treinamento ísico com as toras, na água. Nenhumpedaço demadeira na história, exceto, possivelmente, a cruz do calváriocarregada por Jesus Cristo, jamais foi tão pesado como nosso tronco dedoismetros emeio, que tivemos que carregar para o Pací ico. Depois detodoonossoesforço,essafoiparaquebrar.Maistrêshomensdesistiram.

Então, os instrutores surgiram com algo novo emais avançado. Elesnos izeram carregar os barcos ao redor do “Circuito O” e suspendê-lo

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sobreosmalditosobstáculos.Outrohomemdesistiu.Estávamosresumidosaquarentaeseis.

Bem ali, nós mudamos para “carregamento com obstáculos sobrerochas” e voltamos para a praia, para pegar o IBS e seguir para a água.Comopro issionais, caímosnasondasqueentravameremamosde formainfernal, usando o restante de nossas forças, rumo às rochas do ladoopostoaoHoteldelCoronado.MattMcGraw,meuparceirodenado,agoradavaascoordenadasemnossobarco,eseguimosàfrente,entramospertodas pedras, o homem de proa pulou e segurou o cabo de atracação.Estabilizamosobarcocomosremoseeuacheiqueestávamos indomuitobem.

Subitamente,oinstrutor,empénoaltodasrochas,gritouparaooficialde nossa equipe, às duas da manhã: “Você, você, senhor. Você acaba dematartodaasuaesquadra!Paredeficarentreobarcoeasrochas!”.

Arrastamos o barco para fora da água, subimos nas pedras eseguimos para a areia. O instrutor nos deu duas séries de lexões emandouquefizéssemosocaminhodevoltadeondeviéramos.Subimosnasrochas mais duas vezes, devagar e desajeitados, eu creio, e o instrutorjamais parou de berrar conosco. No inal, tivemos que levar o barco devolta, ao longo da praia, soltá-lo e voltar para a água para dar chuteslutuantes com a cabeça e os ombros dentro d’água, depois, lexões naágua.Depois,abdominais.Maisdoisdesistiram.

Essas desistências foram bem do meu lado. E eu ouvi o instrutorclaramente lhes dando outra chance, perguntando se queriamreconsiderar.Sepositivo,seriambem-vindosdevoltaàágua.

Umdeleshesitou.Dissequepoderia,seooutrovoltassecomele.Maso outro cara não aturou. “Pramim chega dessamerda”, disse ele, “estoufora.”

Os dois desistiram juntos. E o instrutor pareceu não ligar a mínima.Mais tarde, iqueisabendoque,quandoumhomemdesisteeganhaoutrachance,elenuncachegaatéo im.Todosos instrutoressabemdisso.Seaideiadepedirbaixaentranacabeçadeumhomem,elenãoéumSEAL.

Acho que o elemento da dúvida polui sua mente eternamente. E,esbaforido, suando e descendo aquelas dunas da praia, entendi isso naprimeiranoitedaSemanaInfernal.

Entendi,poisessaideianuncamepassoupelacabeça.Nãoenquantoosolnascernoleste.TodaadoremCoronadonãopoderiaterinseridoessevenenoemminhamente.Eupoderiaterdesmaiado,tertidoumataquedocoraçãooutersidofuziladodiantedeumpelotão.Masjamaisdesistiria.

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Voltamosaotrabalhoassimqueosdesistentespartiram.Erguemososbarcoseos carregamosna cabeça,paradepois correr atéo refeitório, sómaisumquilômetroemeio.Quandocheguei lá,euestavaomaispertodedesmoronar como jamais estivera. Mas eles ainda nos mandaram fazerflexõeseerguerobarco.Paraabriroapetite,euacho.

E acabaram nos liberando para tomar o café da manhã. Havíamosperdido dez homens, durante as nove horas desde o início da SemanaInfernal;novehorasdesdequeaqueleshomenscomeçaramaberrareosatiradores levaram a Turma 226 para dentro de sua sala de aula; novehoras desde que estivéramos secos e nos sentíamos mais ou menoshumanos.

Foram nove horas que haviam mudado as vidas e as percepçõesdaqueles que não puderam mais aturar. Duvido que qualquer um dorestantedenósvoltariaaseromesmo.

Dentro do refeitório, alguns caras estavam em estado de choque.Apenasolhavamoprato,incapazesdefuncionarnormalmente.Eunãoeraum deles. Sentia-me quase faminto e mergulhei nos ovos, torradas elinguiça, saboreando a comida, saboreando a liberdade dos gritos ecomandosdosinstrutores.

Tirei o máximo daquilo. Sete minutos depois, terminei meu café damanhãeonovoturnodeinstrutoresjáestavaaliaosberros.

“É isso, crianças, levantando e saindo. Vamos indo. Lá pra fora! Agora!Andem!Andem!Andem!Vamoscomeçarbemodia.”

Começar o dia! Será que esse cara tinha perdido a cabeça? Aindaestávamos encharcados, cobertos de areia, passamos a noite quase nosmatando.

Bem ali eu soube de uma coisa, com certeza: não havia piedade naSemana Infernal. Tudo que nos disseram era verdade. Você acha que édurão,garoto?Então,váemfrenteenosprove.

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5COMOOSVESTÍGIOSDEUMEXÉRCITODEVASTADO

Nós nos ajudávamos um ao outro sobre as dunas,levantando aqueles que caíam, amparando os quemal conseguiam andar… O batismo de fogo quereduzira a Turma 226 a menos da metade,terminara… Ninguém havia pensado que seria tãoruim.

Nósnosper ilamosdoladodeforadorefeitórioeerguemososbarcosemnossas cabeças. Agora estava claro que não iríamos a lugar algum semeles. Da mesma forma que os banqueiros carregam suas pastas e asmodelos fotográ icas carregam seusbooks de fotogra ias, nós andávamosde um lado para o outro com nossos barcos na cabeça. É um negócio daSemanaInfernal.

Preciso admitir que, depois das primeiras trinta horas seguidas, aminhamemória daqueles cinco dias começa a icar meio embaçada. Nãoquanto aos acontecimentos em si, mas quanto à sequência. Quando vocêestá se movimentando para a frente, por quarenta horas sem dormir, amente começa a fazer truques, fazendo com que os pensamentospassageiros subitamente se tornem realidade. Você dá trancos para semanter acordado e se pergunta onde diabos está e por que sua mãe,segurandoumsuculentobifedepicanha,nãoestáaoseuladoremando.

É o que precede a alucinação total. Tipo de semialucinações. Elascomeçam lentamente, vão piorando de maneira progressiva. Entenda-seque os instrutores fazem o melhor que podem para mantê-lo acordado.Recebemosquinzeminutosdetreinamento ísicodurotantoaochegarmosao refeitório quanto ao sairmos. Fomos mandados para a água comfrequência. A água estava gélida e, cada vez que fazíamos o treinamentocomosbarcos,atravessandoasondas,comquatroequipesremanescentes,recebíamos ordens para virar o barco, puxá-lo para cima de nós, depoisendireitá-lo,entrarnovamenteeprosseguirremandoaténossodestino.

A recompensa dos vencedores sempre era o descanso. Era por issoque tentávamos com tanto a inco. Omesmo ocorria com a corrida de 6,5km,duranteaqualdesacelerávamose,àsvezes,passávamosdopadrãodetrinta e dois minutos. Os instrutores simulavam ódio, como se não

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soubessem que estávamos sendo surrados de forma infernal. Até aquelaprimeiramanhã de segunda-feira, nós já estávamos de pé haviamais detrintaeseishoraseseguíamosemfrente.

Amaioriadenósjantoucedo,parecendoumgrupodezumbis.E,logodepois,marchamosparao ladode forae aguardamosasordens.Lembroque três caras tinham acabado de desistir. Simultaneamente. O que nosreduziuaseisoficiais,dosdozeoriginais.

A julgar pelo cara que eu conhecia, creio que nenhumdaqueles quedesistiu estava em pior forma do que estivera doze horas antes. Podiamestarumpouquinhomaiscansados,masnão izéramosnadadenovo,eratudopartederotinasquejátinhamosexperimentado.E,demeupontodevista, eles agiram em total desa io ao conselho que nos fora dado pelocapitãoMaguire.

Nãoestavampensandoemcadatarefadecadavez,vivendoodia.Elessepermitiramviveroterrordadoredaangústiaqueestavaporvir.Eelenos dissera para jamais fazermos isso, apenas encarar cada hora eesquecermosofuturo.Continuaremfrenteatéquevocêestivesseseguro.Quando se temum cara daqueles, um SEAL lendário e herói daMarinhaamericana, acho que você tem de prestar atenção às suas palavras. Eleobteveodireitodedizê-laseestápassandoasuaexperiência.ComoBillySheltonhaviamefalado,atémesmoumamerasugestão.

Masnósnãotínhamostempopara lamentarapartidadosamigos.Osinstrutores faziam-nosmarcharatéumaáreachamadapíerde ferro,quecostumava ser um local de treinamento para a Equipe 1 SDV, antes queeles fossem para o Havaí. Agora estava escuro e a água, muito fria, masordenaram-nosquepulássemosalidentro,porquinzeminutos.

Depois nos deixaram voltar para a terra irme e nos passaram umasessão de exercícios. Isso nos aqueceu um pouquinho. Masmeus dentesbatiam quase incontrolavelmente, e ainda nos deram ordem para voltarpara a água por mais quinze minutos, o limite antes que os carascomeçassem a sofrer de hipotermia. Os quinze minutos seguintes foramquase assustadores. Eu estava com tanto frio que pensei que fossedesmaiar. Havia uma ambulância bem ali, caso acontecesse alguma coisacomalguém.

Mas eu me segurei. Assim como a maioria de nós, mas outro o icialsaiudaáguamaiscedoedesistiu.Eraomelhornadadordaturma.Essefoium golpe estarrecedor, tanto para ele quanto para o restante de nós. Oinstrutorodeixou ir imediatamenteeapenasseguiucontandoosminutosparaqueorestantedenóspermanecessesubmerso.

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Quando, inalmente, voltamos para a praia, eu não conseguia falar,assimcomotodomundo,mas izemosmaisumpoucodetreinamento ísicoe depois eles nosmandaram novamente para a água, por outro período,esqueço por quanto tempo. Talvez cinco, ou dez minutos. Mas o tempohavia terminadoeagoraos instrutores sabiamqueestávamosno limiteevieram com canecas de caldo de galinha. Eu tremia tanto que malconseguiaseguraracaneca.

Mas nada jamais teve um gosto melhor. Acho que lembro de outrapessoa que desistiu, mas, que droga, eu estava quase fora dali. Eu nãosaberianemseocapitãoMaguiredesistisse.Tudooqueeusabiaeraquenós éramos a metade dos que começaram a Semana Infernal. O tempoestava passando e esse troço ainda não havia acabado. Ainda tínhamoscincobarcosemaçãoeosinstrutorestrocaramosmembrosdasequipesenosderamordempararemarmosatéTurnersField,naextensão lestedabase.

Lá, eles nos izeram correr ao redor de um círculo, carregando obarco em nossas cabeças, depois nos izeram correr sem ele. Isso foiseguidoporoutrolongoperíodonaágua,ao inaldoqualestemembrodaequipe do barco um, um texano osso duro de roer (pensava eu) foiacometido por algo que parecia apendicite. Independente do que fosse,iquei absolutamente fora de órbita. Nem sabia meu nome e tive de serlevadodeambulânciaereanimadonocentromédico.

Quandorecupereiaconsciência,saídacamaevoltei.Eunemfaleiemdesistência. Lembro-me do instrutor me cumprimentando em minhasroupassecasequentes,depoismemandandodiretodevoltaparaaágua.“É melhor você se molhar e rolar na areia, caso esqueça do que estáfazendoaqui”.

Começandoàsduasdamanhã,passamosorestantedanoitecorrendoao redor da base, com o maldito barco em nossas cabeças. Eles nosliberaramàscincoe,naterça-feira,seguimoscomonasegunda.Semsono,congelando de frio e cansados a ponto de dispersão. Concluímos umaremada de quase 5 km até a North Island, ida e volta, já quase noite,estandoacordadospormaisdesessentahoras.

A lista de ferimentos aumentava: cortes, torções, queimaduras,hematomas, distensões musculares e talvez alguns casos de pneumonia.Trabalhamos a noite inteira, fazendo uma remada longa, de 9 km, e nosapresentamos para o café da manhã, às 5 h da quarta-feira. Nãodormíramosportrêsdias,porémninguémmaisdesistiu.

E durante toda a manhã nós continuamos, nadando, remando,

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nadando, depois dando uma longa corrida pela praia. Ao meio-dia,carregamoso barco para o refeitório e depois eles nos mandaram irdormir. Teríamos uma hora e quarenta e cinco minutos na tenda.Restavamtrintaeseiscaras.

Oproblemaeraquealgunsdelesnãoconseguiamdormir.Eueraum.Aequipemédicatentavaajudarosferidosavoltaraocombate.Tendõesequadris pareciam ser os problemas principais, mas havia caras queprecisavam de exercícios de alongamento muscular para mantê-losflexíveisparaodiaquevinhapelafrente.

O novo turno de instrutores apareceu e começou a gritar para quetodosacordassemevoltassemláparafora.Eracomo icarnomeiodeumcemitério e tentar acordar os defuntos. Aquilo lentamente era assimiladopelossonolentos:seupiorpesadeloestavaacontecendo.Alguémosestavamandandoseguiremfrente,outravez.

Eles nos mandaram voltar para a água e, de alguma forma, nóscaímos, rastejamos ou cambaleamos naquela duna, rumo à água gélida.Deram-nos quinze minutos de tortura nas ondas, depois nos mandaramsair e colocar os barcos na cabeça e fazer a caminhadade elefante até orefeitório.

Trabalharamconoscoanoite inteira,enquantoentrávamosesaíamosda maré; izeram-nos andar pela praia só Deus sabe por quantosquilômetros.Finalmente,deixaram-nosdormirnovamente.Achoqueeramcerca de quatro da manhã de quinta-feira. Contra inúmeras previsõespessimistas, nós todos acordamos e carregamosos barcospara o café damanhã.Depoisnos izeramtrabalharsempiedade,nos izeramcorrercomos barcos na piscina gigantesca, sem remos, só com as mãos, depoisnadando,umaequipecontraaoutra.

Aquarta-feiraemendounaquinta,masnósestávamosnasfases inaisdaSemana Infernal ediantedenósestavaa famosa remadaao redordomundo, último dos grandes exercícios da semana. Subimos a bordo dosbarcosporvoltade19h30epartimos,rumoaocentroespecialdeguerra,remandodireto,contornandoapontanortedailha edevoltapelabaíadeSanDiego,atéabasean íbia.Nenhumanoitedeminhaexperiênciajamaisduroutanto.

Agora, alguns caras realmente estavam tendo alucinações e todos ostrêsbarcostinhamumsistemaondeumpodiadormir,enquantoosoutrosremavam.Nãopossoexplicaroquantoestávamoscansados;todasasluzespareciam um prédio, bem no meio de nosso caminho, todos ospensamentos se transformavam em realidade. Se você pensasse na sua

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casa, comoacontecia comigo, pensaria estar remandodiretopela entradadosítio.Aúnicagraçasalvadoraeraofatodeestarmossecos.

Masumcaraemnossobarcoestavatãopróximodedesmoronarquetombounaágua,aindasegurandooremo,aindaremando,esaiubatendoos pés automaticamente, e continuou remando. Nós o arrastamos paradentroeelenãopareciaentenderqueacabaradepassarcincominutosnabaíadeSanDiego.Nofim,achoquetodosestávamosremandodormindo.

Depois de três horas, eles nos reuniram na praia para examesmédicos e nos deram sopa quente. Depois disso, simplesmentecontinuamos em frente, até quase duas da manhã de sexta, quando noschamaram em frente à praia, com um megafone. Ninguém jamaisesquecerá aquilo. Na verdade, um daqueles bastardos gritou: “ Virar obarco!”.

Foicomochutarumhomemmoribundo.Masnóscontinuamosquietos.Ao contrário de uma resposta dada anteriormente, por um aluno, queganhounotoriedadeeternaaoretrucarda formamais insubordinadaquealguémjásedirigiraaumdosinstrutores.Nadade “Hooyah,instrutorPat-stone!”(PorqueTerryPatstoneerageralmenteumsupercara,geralmentesevero,mas justo).Aquele remadormeiodoidoberrou: “ Cuzão!”, e aquiloecoou pela água iluminada pelo luar e foi recebido com uma grandegargalhadapelos instrutoresdo turnodanoite.Eles entenderamenuncamencionaramofato.

Então, pulamos por cima da lateral do barco para dentro da águagélida, emborcamos o casco, depois desviramos, subimos de volta,encharcados,obviamente,econtinuamosremando.Eumantinhaumaideiaixaemmeucérebro:todososquesetornaramumSEALconcluíramissoeeraoquenósfaríamos.

Finalmentechegamosànossapraia,porvoltade5hdesexta-feira.OinstrutorPatstonesabiaquenóssóqueríamoserguernossobarcoeseguirparaorefeitório.Maselenãoestavaa im.Fez-noserguer,depoisbaixar.Depois nos mandou fazer lexões, com os pés no barco. Manteve-nos napraia por mais meia hora, antes que fôssemos liberados para fazer acaminhadadeelefanteatéorefeitório.

O café damanhã foi apressado. Apenas algunsminutos depois, -noscolocarampara fora.Eamanhã foi repletade longascorridasdebarcoeumasériedeexercíciosterríveis,comcovascheiasdelodomarinho,sobreas quais tínhamos que pular usando cordas, e fatalmente acabávamoscaindo. Para piorar tudo, eles icavam nos dizendo que era quinta e nãosexta, e o exercício inteiro foi conduzido sob condições de batalha –

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explosões, fumaça, arame farpado –, enquanto rastejávamos, caíamosdentrodolodo.

Finalmente, o sr. Burns nos mandou para a água, o tempo todogritandooquantoéramos lentos,oquantoaindahaviaparaserrealizadonaquelediaeoquantoelelamentavaqueo imestivessetãolongeparaaTurma226.Aáguaquasenosmatoucongelados,masnoslimpoudascovasdelodoe,apósdezminutos,ochefeTaylorordenouquevoltássemosparaapraia.

Nósnãosabíamosseeraquintaousexta.Oscarasdesmoronaramnaareia, outros simplesmente icaram ali, em pé, sem se trair por nada,apenas temendoaspróximashoras,muitospensandocomoseriapossívelcontinuar. Incluindo eu. Os joelhos estavam batendo, as juntas latejavam.Achoqueninguémconseguiaficarempésemsentirdor.

Osr.Burnsdeuumpassoàfrenteegritou:“Estábem,rapazes,vamosseguirparaopróximoexercício.Umbemdi ícil,certo?Masachoquevocêsaguentam”.

Demos ohooyah mais fraco do mundo. Vozes roucas, sonsdesencarnados.Eunãoseiquemfalavapormim;certamentepareciaoutrapessoa.

JoeBurnsacenoubrevementeacabeçaedisse:“Naverdade,rapazes,nãohámaisnenhumexercício.Todosvocês,devoltaaomoedor”.

Ninguémacreditounele.MasJoenãomentiria.Elepodiabrincar,masnãomentiria. Lentamente, assimilamos que a Semana Infernal terminara.Apenas icamosali,entorpecidosdepuraincredulidade.EotenenteIsmay,queestavarealmentesentindodor,deuumgrasnido,dizendo:“Caras,nósconseguimos.Filho-da-puta.Nósconseguimos”.

EumevireiparaMattMcGrawelembrodedizer:“Comofoiquevocêveiopararaqui,garoto?Deviaestarnaescola”.

MasMatt estava à beira da exaustão. Ele apenas sacudiu a cabeça edisse:“GraçasaDeus,graçasaDeus,Marcus”.

Sei que isso parece loucura, se você não passou pelo que nóspassamos.Masaquelefoiummomentoinesquecível.Doiscarascaíramdejoelhos chorando. Depois, todos nós começamos a nos abraçar. Alguémdizia:“Acabou”.

Comovestígiosdeumexércitodevastado,nósnosajudávamosumaooutro sobre as dunas, levantando aqueles que caíam, amparando os quemal conseguiam andar. Chegamos ao ônibus que nos levaria de volta àbase. E lá, nos esperando, estava o capitão Joe Maguire, os o iciais decomando SEAL e os chefes seniores. Também estavam o ex-SEAL e

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governador de Minnesota, Jesse Ventura, que apresentaria a cerimôniaoficialquandoregressássemosaomoedor.

Mas, agora, tudo que sabíamos era que o batismo de fogo quereduzira a Turma 226 a menos da metade, terminara. Não haviaderrubado trinta e dois de nós. E agora a tortura estava concluída. Emnossa mais bárbara imaginação, ninguém havia pensado que seria tãoruim.Deusnosderaajustiça.

Per ilamo-nossobreaquela super ícienegraeogovernadorVenturaformalmentepronunciouaspalavraso iciaisqueproclamavamquejamaisteríamosdelidarcomoutraSemanaInfernal:“TurmaDois-dois-seis,vocêsestão empregados”. Nós lhe demos um ruidoso “Hooyah! GovernadorVentura!”.

Então, o instrutor Burns nos chamou à ordem e disse: “Cavalheiros,haverá reveses no resto de suas vidas. Mas estes não os afetarão comoocorrerácomoutraspessoas.Porquevocês izeramalgoquepouquíssimosconseguem realizar. Esta semana viverá com vocês para o resto de suasvidas. Nenhum de vocês jamais a esquecerá. E isso signi ica uma coisa,acimadetudo.SevocêsconseguiramencararaSemanaInfernalederrotá-la,vocêspodemfazerqualquercoisanomundointeiro.

Nãopossodizerqueaspalavrastenhamsidoprecisamenteessas.Maso sentimento é exato. Aquelas palavras signi icam exatamente o que oinstrutorJoeBurnsqueriadizereaformacomoeledisse.

Eafetouanóstodos,profundamente.Elevamosnossasvozescansadaseogritoabriuoardomeio-dia,sobreapraiadeCoronado.

“Hooyah,instrutorBurns!”,berramos.Ecomofoiparavaler.OscomandantesechefesSEALderamumpassoàfrenteeapertaram

a mão de cada um de nós parabenizando-nos, dizendo palavras deincentivoquantoao futuroe falando-nosparaentrarmosemcontato comasequipesderecursoshumanosassimqueterminássemos.

Paradizeraverdade, icoutudomeioembaçadoparamim.Realmentenãoconsigo lembrarquemmeconvidouparaoquê.Masumacoisaaindapermanecebemnítida emminhamente. Eu apertei amãodeumgrandeguerreiroSEAL,oJoeMaguire,eeleteveumapalavraternaparamim.Atéentão,eujamaistiveraumahonratãograndeemminhavida.

Provavelmente devoramos um recorde mundial de comida duranteaquele im de semana. Os apetites retornaram e aumentaram, à medida

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que nossos estômagos se acostumaram às refeições mais fartas. Aindafaltavamtrêssemanasnaprimeirafase,masnadasecomparavaàSemanaInfernal. Estávamosaperfeiçoandoas técnicas emhidrologia, aprendendoos níveis e a demogra ia do solo oceânico. Isso é coisa realmente dosSEALs,inestimávelparaosmarines.Enquantoelesplanejamumpouso,nóschegamos lá antes, deslocamo-nos rapidamente, veri icando o local emsegredo,dizendoaelesoqueesperar.

Agora só havia trinta e dois membros da equipe original, a maioriacomferimentosoudoençasoriginadasnaSemanaInfernal.Masaessessejuntaramoutros,deoutrasturmasaquemoutrachanceforaofertada.

Issoseaplicavaamim,poisfuicolocadoemintervaloforçado,quandoquebrei meu fêmur. Portanto, quando reingressei para a fase dois, euestavanaTurma228.Começamosafasedemergulho,conduzidanaágua,comamaiorpartesubmersa.Aprendemosausaroscilindrosdemergulho,como jogá-los e voltar a recolhê-los, como trocá-los comum companheirosemvoltaràsuper ície. Issoédi ícil,mas tivemosque icarmestresantesquepudéssemospassarpelotesteprincipaldecompetêncianapiscina.

Falhei em meu teste de competência, assim como uma porção deoutros. Esse teste é uma verdadeira merda. Você nada até o fundo dapiscina com cilindros de 36 kg nas costas e alguns instrutores oatormentando. Não pode colocar o pé no fundo e tomar impulso para asuperfície.Seofizer,estáreprovadoeéofim.

Aprimeiracoisaqueoscarasfazeméarrancarasuamáscara,depoissuaboqueira,eéprecisoseguraroarmuitorápido.Vocêlutaparapegaraboqueiradevolta,depoiselesdesconectamseu iltrodearevocêtemquepegá-lo de volta,muito rápido, tateandopor cimade seu ombro, atrás desuascostas.

Dealgumaforma,vocêconseguerespiraroxigêniopuro,masoúnicomeio de soltar o ar é pelo nariz.Muitos caras achama cascata de bolhasdiante do rosto realmente perturbadora. Depois, os instrutoresdesconectam totalmente a mangueira de ar e dão um nó. E vocêprecisatentar religar seus iltros de inalar e exalar o ar. Se não o faz, ou pelomenos tenta, já era. Você precisa dos pulmões cheios de ar antes decomeçar,depoisprecisasentirseucaminhocegonadireçãodonódo iltro,atrás de suas costas, e começar a desfazê-lo. Você pode,mais oumenos,sentir se vai ser impossível, algo que os instrutores chamam de praga.Depois você passa a palma damão ao redor do pescoço e dá o sinal depositivo com o polegar para o instrutor. Isso signi ica “eu jamaisconseguirei desfazer esse nó, permissão para subir à super ície”. Nesse

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ponto, eles param de segurá-lo lá embaixo e o deixam subir.Mas é bomquevocêestejacertoquantoaojulgamentodonó.

Emmeucaso,fuimuitoapressadoemresolverqueonóemmeu iltrodelinhaestavaimpossível,sinalizeiparaeles,passeiocilindroporcimadoombro e lutuei até a super ície.Mas os instrutores resolveramque o nónãotinhanadadeimpossívelequeeutinhamelivradodeumasituaçãodeperigo.Reprovado.

Eu tiveque sentar-menuma ila,diantedaparede lateraldapiscina.Seriauma iladavergonha,excetoporhavermuitosdenós.Fuiinstruídoafazer o teste novamente e não cometi o erro pela segunda vez. Des iz ofilho-da-putadonóepasseinotestecomplementardapiscina.

Váriosdemeuscompanheirosde ilafalharameeu iqueimuitotriste.Acontece que você não pode ser um SEAL se não conseguir manter osnervos sob controle embaixo d’água. Conforme um dos instrutores medisse, naquela semana: “Está vendo aquele cara, com algo parecido compânico,logoali?Eleestácomaconfusãoestampadanorosto.Umdia,vocêpode estar com sua vida nas mãos dele, Marcus, e nós não podemospermitirqueissoaconteça”.

O exame de competência na piscina é o mais di ícil para todos,simplesmente por termos passado tanto tempo na água e, naquelemomento, precisávamos provar que possuíamos o potencial deverdadeirosSEALs,carasparaquemaáguasemprefoiumsantuário.

Não pode ser uma ameaça, nem um obstáculo, mas um lugar ondepodemossobreviversozinhos.Algunsdosinstrutoresconheciammuitosdenós há bastante tempo e queriam desesperadamente que passássemos.Mas,diantedomaislevesinaldefraquezaemcompetêncianapiscina,elesnãocorrerãoorisco.

Aquelesdenósquerealmente icaram,passaramadiante,paraafasetrês.Comalgunscarasdeoutrasturmasingressando,totalizávamosvinteeum. Agora era inverno no hemisfério Norte, começo de fevereiro, eestávamospreparadosparaodi ícilpercursodeguerra terrestre.Éondeelesnostreinamparaosdestacamentosnavais.

Isso é formalmente conhecido como Demolições e Táticas, e otreinamento é tão severo e impiedoso quanto o que já tínhamosencontrado.Ébemsabidoqueosinstrutoresdafasetrêssãoosdemelhorcondicionamento ísicoemCoronadoefoifácildescobrirmosoporquê.Atémesmo o discurso de abertura de nosso novo supervisor foi repleto dealertashorrendos.

Seu nome era instrutor Eric Hall, um veterano de seis pelotões de

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combate SEAL, e mesmo antes de começarmos, na sexta, ele foi logoabrindo o jogo. “Não aturamos gente que sente pena de si mesma.Qualquerproblemacomdrogasouálcooleestãofora.Háquatrobaresnasredondezasqueas equipesàs vezesvisitam.Fiquem forade lá, estãomeouvindo?Qualquer umqueminta, trapaceie ou roube está fora, pois issonãoétoleradoaqui.Sóparaficarclaro,cavalheiros.”

Ele nos lembrou que era um curso de dez semanas e que nãoestávamos tãodistantesda formatura.Enosdisseondeestaríamos.Cincosemanasbemali, no centro, passandoos dias na áreade treinamentodenavegação terrestre, em La Posta. Seriam quatro dias de artilharia emCampPendleton,naáreadetiro.ÉumabasedaMarinha,de125milacres,entre Los Angeles e San Diego. Terminaríamos na San Clemente Island,conhecidaparaosSEALscomoaRochaelocalprincipalparatreinamentosdetiro,tático,demoliçõesedecampo.

Eric Hall terminou com um arremate característico. “Deem 110%sempre–enãoestraguemtudofazendoalgoestúpido.”

Assim, passamos adiante para mais dois meses e meio, seguindoprimeiroparaasinstalaçõesdetreinamentonasmontanhasdogrupoum,a quase 1.000 m de altitude, na região montanhosa de Laguna, em LaPosta,a130kmaonortedeSanDiego.Foialiquenosensinaramasaçõessecretas, camu lagemepatrulhamento, o o ício essencial das incursões.Osolo era muito acidentado, di ícil de escalar, íngreme e exigia muito. Àsvezes, nós nem voltávamos para as barracas à noite, e tínhamos quedormirnaterraagreste.

Eles nos ensinarama navegar pela terra usandomapas e compasso.Ao inal da semana, todos passamos pelos cursos básicos, jornadas dequase 5 km conduzidas em pares, atravessando as montanhas. Então,regressamos ao centro para nos prepararmos para o Camp Pendleton,ondepassaríamospelosnossosprimeiroscursosintensivosdeartilharia.

Nãoseperdiatempo.Estávamoslácomassubmetralhadoras,ri lesepistolas, treinando para os dias não tão distantes, quando seguiríamosrumo ao combate armados com os ri lesM4, a principal arma de guerraSEAL.

Aprimeiracoisaeraasegurança.Etodostivemosquesaberdecorasquatroregrasessenciais:

1. Considere que todas as armas estejam carregadas emtempointegral.2. Jamais aponte uma armapara algo quenão queira furar

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comumabala.3. Jamais coloque o dedo no gatilho, a menos que queiraatirar.4.Conheçaseualvoeoqueestáportrásdele.

Elesnosmantinhamnaáreadetirodurantehoras.Entreumperíodoe outro, tínhamos que desmontar e remontar as metralhadoras e o M4,tudosoboolhardosinstrutoresquecontavamotempoemcronômetros.Oregimebrutal de condicionamento ísico jamais afrouxava. Foimais di ícildo que na segunda fase, pois agora tínhamos que carregar mochilaspesadas,muniçãoearmas.

Também tivemos que passar algumas semanas no centro paraestudarosexplosivoseademolição.Quasesempre issoenvolviadinamitee plástico, com diversas montagens explosivas. O trabalho prático sóaconteceu na ilha de San Clemente. E, antes de fazer isso, tivemos quecompletar outra programação de treinamento rigoroso, incluindo umacorridade22kmaolongodapraia,idaevolta.

Essa foi a primeira vez que izemos uma corrida sem estarmosmolhadosecheiosdeareia. Imaginesó,short secoe tênisdecorrida.Nósflutuávamos,semqualquerpreocupaçãonavida.

Em meados de março, levantamos acampamento rumo a SanClemente,paraasquatrosemanasdetreinamento, longashoras,setediasporsemana,atéterminarmos.Essa ilhadepaisagemlunar icasituadanacosta da Califórnia, a quase cem quilômetros a oeste de San Diego, defrenteparaogolfodeSantaCatalina.

AMarinhaamericanatemtropasaliháquasecinquentaanoseusaolugarcomoáreade treinamentoextensivo.Nãohácivis,porém,partesdailha são santuários importantes da vida selvagem. Há muitos pássarosraroseleões-marinhoscalifornianosquenãoparecemligarparaexplosõesfortes, granadas epousos aéreosnavais.Aonordeste, bemna costa, vocêencontraosSEALs.

E ali aprendemos as primeiras noções de artilharia de precisão emcombate,atrocadospentesdosri lesderepetição,perícianotiro aoalvo.Fomos apresentados ao assunto mortalmente sério de ataque à posiçãoinimiga e ensinados como fazer incursões na direção do inimigo abrindofogo.Lentamente,depoismaisrápido,primeirodedia,depoisao longodanoite. Ensinaram-nos todos os aspectos de combate moderno quepoderíamosviraprecisarnoIraqueouAfeganistão–emboscadas,buscasestruturadas, como lidar com prisioneiros, planejamento de invasões. Foi

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quandochegamosatodasastécnicasimportantesdereconhecimento.Então, passamos à demolição pesada, detonando cargas em grande

escala,depoisgranadasdemãoe foguetes,geralmenteusandoexplosivosmaciçosepraticandoatéquedemonstrássemosummínimodeexpertise.

Nossos treinamentos em campo eramduros, simulações de combate.Nós remamos os barcos algumas centenas de metros, mar adentro, ejogamosaâncora.Apartirdaqueleposicionamento,mandamososcarasdereconhecimento,paranadarrumoàpraia,veri icarolocalesinalizarparaqueosbarcosnos levassemparadentro. IssoeraestritamenteOTB( overthe beach, ou desembarques na praia), e chegamos à areia correndo,entocando-nosnosesconderijos logoapósasmarcasdaágua.ÉaíqueosSEALs estão em sua condiçãomais vulnerável e os instrutores observamcomofalcões,embuscadeerros,sinaisquepodemtrairopelotão.

Treinamosessesdesembarquesnapraiaaolongodasnoites,abrindonossoscaminhosemluta,saindodaáguacomtodooequipamentoearmasdecombate.Ao inaldaquartasemana, todosnóspassamos,cadaumdosvintetraineesquehaviamchegadoàilha.ÍamosnosformarnoBUD/S.

Perguntei a um de nossos instrutores se isso era, de alguma forma,incomum.Suaresposta foisimples. “Marcus”,disseele, “quandovocêestátreinando para ser o melhor dos melhores, nada é incomum. E todos osinstrutoresdoBUD/Squeremomelhorparavocê.”

Eles nos deram algumas semanas de folga depois da formatura e apartir dali foi um ensino bem puxado. Primeiro, a aula de salto, em FortBenning,Geórgia, ondeme transformaramnumparaquedista.Passei trêssemanas saltandode torres,depoisdeumC-130,doqual todos tínhamosquefazercincosaltos.

Aquela aeronave é um lugar barulhento dos infernos, e o primeirosaltopodeserumpoucoenervante.Masapessoaàminhafrenteeraumamenina de West Point, e ela mergulhou pela porta como a MulherMaravilha.Eu lembrode terpensado:Cristo!Seelaconsegue fazer isso,eucertamenteconsigo,emeatireinocéuclaro,acimadeFortBenning.

MeupróximopassofoioprogramamédicointituladoEighteenthDeltaForce, conduzido em Fort Bragg, Carolina do Norte. Foi onde metransformaram nummédico de campo de batalha. Imagino que eramaiscomo um médico aprendiz, mas a curva de aprendizado era imensa:medicamentos, injeções, treinamento intravenoso, entubamento dorsal,lesões traumáticasde combate, ferimentos,queimaduras, sutura,mor ina.Cobriapraticamente tudoqueumcombatente feridopoderiaprecisaremsituaçõesdebatalha.Noprimeirodia,preciseimemorizar315exemplosde

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terminologias médicas. E eles não tiravam o pé do acelerador com adisciplinaintensa.Aliestavaeu,trabalhandoodiatodoemetadedanoite,e ainda havia um instrutor me dizendo para me molhar e cair na areiaduranteascorridasdetreinamento.

FuidiretodaCarolinadoNorteparao treinamentoquali icadoSEAL,maistrêsmesesdetrabalhoduroemCoronado,mergulhando,saltandodeparaquedas,atirando,detonandoexplosivos,umaextensarecapitulaçãodetudoqueeuhaviaaprendido.Logodepoisdisso,fuimandadoparaaescolaSDV(desubmarinos),emPanamaCity,naFlórida.Euestava láem11desetembroemalsabiaoimensoimpactoqueosterríveisacontecimentosdaCidadedeNovaYorkteriamemminhavida.

Lembro da pura indignação que senti. Alguém acabara de atacar osEstados Unidos da América, nosso país amado, que havíamos juradodefender. Assistíamos à televisão com uma fúria crescente, a fúria dasjovens tropas de combate, inexperientes, mas de condicionamento ísicosupremo e altamente treinadas, quemal podiam esperar para chegar aoinimigo. Queríamos chegar à má ia da al-Qaeda de Osama bin Laden, noIraque,Irã,Afeganistão,ouqualquermalditolugaremqueesseslunáticosvivessem.Mascuidadocomaquiloquevocêdeseja.Vocêpodeconseguir.

Muitos caras passaram no treinamento de quali icação SEAL ereceberam seus Tridentes na tarde de quarta-feira, 7 de novembro de2001.Eleslogocolocaramobroche,numacurtacerimôniaalifora,sobreomoedor. Dava pra ver que aquilo representava o mundo para aquelesformandos. Na verdade, só restaram cerca de trinta dos 180 que seinscreveram naquele primeiro dia longínquo do Indoc. Quanto a mim,devido a vários compromissos educacionais, precisei esperar pelo meuTridenteaté31dejaneirode2002.

Masotreinamentojamaisparou.Assimqueeuformalmenteingresseinoquenossoscomandanteschamavamdeirmandade,fuiparaaescoladecomunicação estudar e aprender comunicação de satélites, transmissõespor rádio de alta frequência, probabilidades e alcance de ondas deantenas,computaçãodeprofundidade,sistemasglobaisdeposicionamentoeorestante.

DepoisfuiparaaEscoladeTiro,devoltaaCampPedleton,onde,comojáeraesperado,elesgarantiamquevocêsoubesseatirardireito,antesdequalquer outra coisa. Isso implicava em duas provas muito di íceis,envolvendoori leM4;asubmetralhadoraSR-25,comprecisãodeaté800m,eopesadoepoderoso ri le300WinMag, calibre308.Vocêprecisavaserespecialistaemtodoseles,sepretendiaserumSEALatirador.

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Então,começouaverdadeiraprova,oexamemáximodahabilidadedeumhomemparasemovimentarsecretamente,semser vistooudetectado,passandopeloterritórioinimigo,ondeomaisleveerropoderiasigni icaramorteinstantâneaou,pior,decepcionarsuaequipe.

Nosso instrutor era um veterano da primeira turma de tropasamericanas,quejáforaatrásdeOsama.Tratava-sedeBrendanWebb,umhomem extraordinário. Seu jogo era a espreita oculta e seus níveis eramtão altos que ele deixaria um batedor apache ofegante. Ao seu lado,trabalhava Eric Davis, outro brilhante atirador SEAL, que eracompletamente impiedoso em seu examede nossas habilidades para nosmantermosocultos.

Oúltimo “campodebatalha”eraumavastaáreapróximaà fronteirade Pedleton. Não havia muita vegetação, que em sua maior parte eracomposta por arbustos rasteiros, mas o terreno pedregoso era cheio deondulações, vales e valetas. As árvores,melhores amigas de um atirador,eram bastante esparsas, obviamente seguindo umdesign. Antes de nossoltaremnessaterradeninguém,elesnossubmeteramalongaspalestrasqueenfatizavamaimportânciadeprestaratençãoaodetalhe.

Voltarama nos ensinar a nobre arte da camu lagem, comos cremesmarrons e verdes, a forma como arrumavam os galhos de plantas emnossoscapacetes,operigodeumgolpedevento,quepodesacudirapenasos seus galhos, se eles não estiverem colocados de forma irme, e trair oseuposicionamento.PraticamosdurantetodasashorasqueDeuspermitiu,depoiselesnosmandaramsairacampo.

Eraumavastaáreadesoloeos instrutoresa inspecionavamdeumaplataforma alta. Nossa ação oculta começou a quase 1 km da plataforma,sobre a qual estavam Webb e Davis, com seus olhares penetrantes,varrendooterritóriocomoumparderadaresgiratórios.

A ideiaerachegarapertode200mdedistânciadeles,depoisatirarnoalvo,passandopelo centro.Nóshavíamospraticado isso sozinhos, comum parceiro e olhe, vou te contar, isso lhe ensina a ter paciência. Podelevar horas só para se deslocar alguns metros, mas, se os instrutores opegarem enquanto estão vasculhando a área com seus binóculos deprecisão,vocêéreprovadonocurso.

Para o teste inal eu estava trabalhando com um parceiro e issosigni icava que nós dois tínhamos de nos manter ocultos. No inal, eleencontraoânguloedáascoordenadasparaotiroeeusigoseucomando.Nesseestágio,os instrutoresposicionaramgenteandandoportodo ladoeelessecomunicamcomaplataforma,porrádio.Sequemestiverandando

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chegaradoispassosdevocê,vocêéreprovado.Mesmo se der seu tiro sem ser visto e acertar o alvo, e depois o

acharem,vocêaindaéreprovado.Éumjogoduroepesado,deraciocínio,parahomens,eotesteéexaustivo.Notreinamento,uminstrutor icaatrásdevocêsdois,enquantoestãoatravessandooterrenoproibido.Eles icamconstantemente fazendo anotações, inspecionando, por exemplo, se meuobservador deu uma coordenada errada, ou na distância, ou na direção.Então,seeuerrarotiro,elessabemqueoerronãofoimeu.Mesmoassim,vocêprecisa atuar comoumaequipe.O instrutor sabeperfeitamentequevocê não pode se posicionar, mirar e disparar um ri le sem que oobservadorpasseoânguloe,Jesus,ébomqueeleofaçadireito.

Duranteo treinamento,houveapenasumdia emqueeles chegaramatémim, o que achei bem enervante.Mas aquilome ensinou algo. Nossoinimigo tinhaumaexcelente ideiado lugarparaondepoderíamos seguir,bem antes de começarmos, um tipo de instinto baseado na longaexperiência de atiradores em busca de um local de proteção. Eles melocalizaram em seu raio de visão antes mesmo que eu começasse a memover,poissabiamondeprocurar,asáreasdemaiorprobabilidade.

Essaéumaliçãodevidaparaumatirador:nunca,jamaisváparaondeseuinimigoespera.Meuúnicoconsolonessaocasiãofoiofatodetodosnóstermossidolocalizadosnaqueledia.

No teste inal, enfrentei novamente aquele deserto de 1.600 m ecomeceiminha jornada, serpenteandopelo solopoeirento,decabeçabembaixa,comosgalhosdearbustospresos irmesemmeucapacete,abrindomeu caminhopor entre as pedras. Levei horas para chegar àmetade docaminhoeatémaistempoparaconseguirchegaraosúltimosquase300m,ao local escolhido para disparar o tiro. Eu não fui visto e me deslocavamilimetricamente, por entre as pedras, de uma valeta para outra, memantendoabaixado,coladoaosolo.Quandochegueiaomeuponto inal,meescondi atrás de um montinho de gravetos e terra, com meu ri lecuidadosamente posicionado. Apertei o gatilho lentamente e meu tiroentrou direto no alvometálico, bemnomeio. Se aquilo fosse a cabeça deumhomem,teriaviradopó.

Viosinstrutoressevirarem,procurandodeondevierameutiro.Masobviamenteestavamtentandoadivinhar.Pressioneiorostonaterraenãome mexi pela meia hora seguinte. Depois voltei lenta e cuidadosamente,ainda deitado no chão, sem mover nem um graveto ou pedrinha. Umatiradorignorado,exatamentecomogostamos.

Euhavia levado trêsmeses fazendoaquilo epasseinaescolade tiro

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com notas excelentes. Os SEALs não buscam o crédito pessoal, portantonãopossodizerquemdaturmafoivotadocomoHomemdeHonra.

A última grande escola que frequentei foi a de tática conjunta decontrole aéreo. Durou ummês, na Base Aérea Naval Fallon, em Nevada.Ensinaram-nosobásicodaartilhariaaérea,bombasde225kgemísseis,oque eles podem ou não atingir. Também aprendemos a nos comunicardiretamente comumaaeronavedo solo – fazendo comque eles vissemoque víamos, passando informação para os controladores, através desatélites.

PerceboqueleveialgumtempoparaexplicarprecisamenteoqueumSEAL é e o que é preciso para se tornar um. Porém, como sempre nosdizem, você tem que ganhar aquele Tridente a cada dia. Nós jamaisparamosdeaprender,nuncadeixamosdetreinar.A irmarqueumhomemé um SEAL transmite aproximadamente um milésimo do que issorealmentesigni ica.SeriacomodizerqueogeneralDwightD.EisenhowermencionouumdiatersidodoExército.

Mas agora você sabe o que foi preciso, o que aquilo signi icou paratodos nós e, talvez, o motivo por termos feito. Está bem, está bem, nóstemos, sim, nossa pequena porção de arrogância.Mas pagamos por cadagotadessepecadocomsuor,sangueeumtrabalhobrutalmenteduro.

Porque, acima de tudo, somos patriotas. Iremos à luta com qualquerinimigo dos Estados Unidos da América. Estamos em sua linha de frente,destemidos e prontos para lutarmos contra a al-Qaeda, os guerreiros dojihad,terroristasouquemquerqueameaceessanação.

CadaSEALésupremamentecon iante,poissomosdoutrinadoscomacrença na vitória, a todo custo; uma convicção de que nenhuma tropa daterra pode resistir ao nosso ataque no campo de batalha. Somosinvencíveis, certo?Eranoqueeuacreditava,no fundodeminhaalma,nodia emqueespetaramaqueleTridenteemmeupeito.E aindaacredito.Esempreacreditarei.

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6TCHAU,CARAS.INFERNIZEM.E veio a última chamada. “Redwing em curso!” Ocontrolador de pouso estava dando ascoordenadas… “Um minuto… Trinta segundos!Vamos embora!” A rampa estava abaixada… oatirador estava pronto, com ametralhadoraM60…não havia lua… Danny saiu primeiro, rumo àescuridão.

Quando o dia clareou acima da imensa extensão da base americana deBagram, no Afeganistão, naquela manhã de março de 2005, nósingressamosemnossasbarracasedormimosporalgumashoras,antesdeparticipardapalestrageral.DanHealy,Shane, James,Axe,Mikeyeeu,osrecém-chegadosdaEquipeSEALSDV1,seguimosimediatamenteaEquipeSEAL 10, saindo de Virginia Beach, conduzidos agora pelo duríssimoprimeiro-tenente Eric Kristensen, em substituição a um comandanteausente,emserviçoemoutrolugar.

Ericeradematarderir,sempreumdosgarotos,tantoqueissotalveztenhaimpedidoseuprogressoàsaltaspatentesaolongodosúltimosanos.Hoje em dia, 75% dos SEALs têm formação superior e a linha entre oso iciais e os alistados é mais nebulosa do que jamais foi antes. Mas Erictinhatrintaedoisanoseera ilhodeumalmirantedaVirginia.Apesardeseusensodehumoresua frequenteexpressãoatravessadaàautoridademaior, ele era um ótimo comandante SEAL e dirigiu um dos melhorespelotões de combate de toda a Marinha americana.A Equipe 10 foibrilhantemente treinada para o tipo de exercício de guerra no qualingressávamos agora. O primeiro-tenente Kristensen tinha dois homenscomo seu braços direitos, LukeNewbold e o chefemestreWalters, carasmuitoespeciais.Sópossodizerquefoiumprazertrabalharcomeles.

Nossareunião,comotudoassociadoàEquipe10,foideprimeiralinha,um tipo de palestra educacional sobre o que estava acontecendo nafronteiranoroeste,quedivideoAfeganistãoeoPaquistão.Acostaíngremee de montanha rochosa, de terra avermelhada, lugares sinistros, agoraestavamvivoscomosexércitosdoTalibã.Homenszangadoseressentidosse reagrupando ao longo de toda a fronteira superior, preparando a

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retomadadosagradopaísmuçulmanoqueelesacreditavamqueosin iéisamericanos lheshaviam tomadoeapresentadoaumnovogovernoeleito.Lá em cima, caminhos complexos surgem e desaparecem por trás daspedras e rochas imensas. Cada passo que desloca alguma coisa, umapequenapedra,umxisto,parecequepodecausarumaavalanche.Foi-nosdito que a espreita deveria ser nossa palavra de alerta nos cumessilenciososdoHinduKush.

Esses caminhos, trilhados há séculos por homens tribais, foram asmesmasrotastomadaspeloTalibãeaal-Qaeda,depoisdederrotadospelobombardeio americano que os aniquilara, em 2001. Em breve, nósteríamosnotíciasdeles.

Literalmente em poucas horas, a nossa primeira missão começou.Ninguém nos considerava novatos; todos éramos SEALs inteiramentetreinados, prontos para a ação, prontos para chegarmos lá no topodaquelas montanhas e suas passagens e ajudar a conter a onda deguerreiros tribais armados que se deslocavam através da fronteira doPaquistão.

Voamos de helicóptero até as passagens, adentrando as montanhasacimadeumvale profundo. Chegamos, talvezuns vintedenós, incluindoDan, Shane, Axe eMikey, e nos dispersamos ao redor damontanha. Axe,MikeyeJamesSuh(códigodechamada“IrishOne”) icaramposicionadosaaproximadamente 2,5 km do chefeHealy, de Shane e demim (código dechamada“IrishThree”).

Havia um ponto perigoso na fronteira onde ocorriam inúmerosdeslocamentosdetropastalibãs,embasesemanal,atédiária.EsperávamosobservaroTalibã,bemabaixodenós,naquelecaminhotraiçoeiroatravésdasmontanhas,balançandoemseuscamelos,muitosdelescarregadosdeexplosivos,granadaseDeussabeoquemais.

Eu caminhava commuita cautela. Todos havíamos sido alertados deque esses homens tribais afegãos de olhar furioso lutariam, e nenhumdeleseramoleza.Eutambémsabiaqueumpassoemfalso,umapedrinhadeslocada,pormenorquefosse, trairiaonossoposicionamento.Ostribaisviviam ali há séculos e tinham olhos de falcão. Se nos vissem ouescutassem, atacariam imediatamente. Nosso alto comando não deixaradúvidaemnossamente. Issoeraumnegócioperigoso,mas tínhamosqueconterofluxodeentradadeterroristasarmados.

Eu me deslocava pelo cume com cautela, ocasionalmente parandopara vasculhar a passagem nas montanhas com meus binóculos.Caminhava silenciosamente. Tudo estava claro emminha cabeça. Se uma

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tropadetribaisselvagenscomcamelosemísseissurgissenapassagem,eutinha que pedir reforço por rádio, imediatamente. Se fosse um grupomenor, com que pudéssemos lidar, cairíamos em cima e tentaríamoscapturar os líderes e cuidaríamos do restante pelos meios que fossemnecessários.

Dequalquerforma,prosseguiemminhapatrulhasilenciosa,agachadoatrás de algumas pedras grandes, novamente fazendo a varredura dapassagem. Nada. Voltei a sair no descampado e, abaixo, vi três tribaisafegãosarmados.Meucérebroacelerou.HaviaunssessentametrosentremimeShane.Abrofogo?Quantomaisdevehaver?

Tardedemais.Elesabriramfogoprimeiro,atirandoparaoalto,eumachuva de balas dos AK-47 cobriu a rocha ao meu redor. Eu me escondinovamente atrás das pedras, sabendo que Shane devia ter ouvido algo.Entãoeusaíemandeiver.Euosvirecuandoparaseabrigar.Aomenoseuosfizerasefixarnumlugar.

Mas eles vieram novamente pra cima demim, e outra vez revidei ofogo. Porém, nessa hora, eles dispararam duas granadas com foguetes(RPGs) e graças a Deus eu as vi chegando.Mergulhei parame proteger,mas elas explodiram uma das pedras que me servira de abrigo. Agorahaviabalasricocheteando,poeiraeestilhaçosvoandopratodolado.

Pareciaqueeuestava lutandoumaguerradeumhomemsóeCristosabeoquantoeviteiseratingido.Mas,subitamente,osecosdasexplosõescessarameeupodiaouviraartilhariaesporádicadaquelestrêsmaníacos.Esperei, silenciosamente, até acharque eleshaviamsaídodo esconderijo,depois saí emetiodedonogatilhooutravez.Mas,de repente, icou tudomuitoquieto.Comosenada tivesseacontecido.Bem-vindoaoAfeganistão,Marcus.

Esse era um tipo de patrulha, manter guarda lá em cima, sobre aspassagensetentarsemanteroculto.Ooutrotipoeraamissãodevigilânciae reconhecimento (VR), onde tínhamos a tarefa de observar e fotografaruma vila, em busca de nosso alvo. Sempre era esperado que fôssemoslocalizá-lo, jáquenossopessoalde inteligênciaeraexcelente,semprecomboasfotogra ias.Esempreestávamosembuscadealgum ilho-da-putadeturbante que há muito se deleitava com o seu passatempo favorito deexplodirosmarinesamericanos.

Nessas incursões nasmontanhas era esperado que escolhêssemos anossa caça, ou com os binóculos de alta precisão, ou com as lentes denossascâmeras,paradepois fazermosuma investidanovilarejoe levá-la.Seestivessesozinha,esseerasempreoplanobásicodeumSEAL:agarrar

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oalvo,levá-lodevoltaàbaseefazê-lofalar,dizer-nosondeoTalibãestavareunido,localizar,paranós,asimensaspilhasdemuniçãoqueelestinhamescondidasnamontanhas.

Esse explosivo só tinha uma utilidade, matar e mutilar as tropasamericanasqueestavamláemcimaparaapoiarogovernoeleito.Erabomque lembrássemos que aqueles insurgentes talibãs eram exatamente osmesmos que haviam abrigado e apoiado Osama bin Laden. Também noshaviam dito, sem “se” ou “talvez”, que aquele assassino, particularmente,estavabemali,ondeestávamos,emalgumlugar.

Basicamente, tínhamos que pegar nosso homem no vilarejo, se eleestivesse protegido por apenas uns quatro guarda-costas, digamos. Semproblema. Mas, se houvesse mais deles, algum tipo de guarniçãoborbulhando de homens armados, deveríamos solicitar uma tropa áreapara cuidar do assunto. De qualquer jeito, ao chegarmos, as coisasdeixaram de parecer tão boas para o jovem Abdul, o construtor debombas,medindosuadinamitebemali,naruaprincipal,nocortiçocentral,nordestedoAfeganistão.

Nossa próxima missão era uma operação volumosa, com cerca decinquentacarasdeixadosnasmontanhas,nopior terrenoquevocêpossaimaginar. Bem, não, se houver cabras ou leões das montanhas entre osmeus leitores, mas certamente foi o pior solo que eu já vira. Haviapenhascos íngremes, escorregadios, rampas inclinadas, raros arbustos eárvores, nada em que se agarrar, nenhum lugar para cobertura, senecessário.

Jáexpliqueioquãosupremoeranossocondicionamento ísico.Todosnóspodíamosescalarqualquercoisa, iraqualquer lugar.Mas–vocênãovaiacreditarnisso– levávamosoitohorasparacaminhar2,5km.Oscarasestavam caindo na maldita montanha, se machucando feio. Estava maisquente que uma frigideira texana e, mais tarde, um dos carasme disse:“Euteriapedidodemissãodaequipesóparasairdelá”.

Euseiqueelenãodisse issopravaler.Mas todosnóssabíamosqualera a sensação. Estávamos cansados, frustrados, amarrados em equipes,rastejandopelaencostadessamontanhaperigosa,commochilascheiasderi les. Até hoje aquela permanece como a pior jornada deminha vida. Enem estávamos encarando o inimigo. Era tão ruim que nós izemos umamúsicasobreisso,quenossoespecialistaembanjoadaptouparaamúsica“RingofFire”,deJohnnyCash:

Eucaínumaribanceiradetrintametros,

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Fuidescendo,descendo,descendo,eestoureiomeubaço,Eeleardeu,ardeu,ardeu–aqueleCírculodeFogo…

Nossos alvosduplosnaquela próximamissão eramduas vilas afegãslocalizadasnaencosta,umaacimadaoutra.Nãotínhamosamenorideiadequal delas abrigava a maior tropa talibã, e icara decidido que teríamosque tomar asduas àmão armada. Sem conversa iada.A razãopara issoera um cara muito jovem. Tínhamos informações formidáveis sobre ele,fornecidaspela inteligência, a partir dos satélites doFBI.No entanto, nãotínhamosfotografias.

Eu nunca soube onde ele estudou, mas esse jovem talibã era umcientista,ummestreemexplosivos.Nósos chamamosdeos carasdoDEI(dispositivos explosivos improvisados) e, nessa região damontanha, essegarotoeraoReiDEI.Eeleeseushomensvinhamcausandodestruiçãonastropas americanas, comexplosõespor todo lado.Recentemente, elehaviaexplodido alguns comboios navais americanos e matado um monte decaras.

O Pelotão Foxtrot se reagrupou nas primeiras horas damadrugada,depoisda travessiapelamontanhaenosposicionamosbemacimadavilasuperior. Quando o sol se levantou, rapidamente nos deslocamos abaixo,pela lateral do vale e entramos na vila, derrubando as portas das casas,prendendo todo mundo. Não estávamos gritando, mas estávamosintimidando, sem dúvida alguma. E ninguém resistiu. Mas o garoto nãoestavalá.

Enquantoisso,atropaprincipal,aEquipeSEAL10,estavaentrandoefazendouminfernonavilamaior,abaixo.Eleslevaramumtempo, pois issoexigia interrogatório, habilidade em que todos nós éramos muitocompetentes. Nessas circunstâncias, estávamos interrogando todos,procurando pelo mentiroso, um cara que estivesse mudando a história,que fosse diferente, de alguma forma.Obviamente queríamos o cara quenãofosseumpastordecabras,comoorestante.Umjovemquenãotivesseaexpressãocurtidaerústicadoagricultordasmontanhas.

Achamosnossohomem.Foiomeuprimeiroencontrodepertocomumguerreiro fanático do Talibã. Eu jamais o esquecerei. Elemal tinha idadepara ter uma barba decente, mas tinha os olhos selvagens, loucos, e meolhava como se eu tive acabado de rejeitar todos os ensinamentos doAlcorão.

Naquele instante eu soube que ele me mataria, se pudesse. Teria

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matado.Ninguém jamaishaviameolhadodaquela forma,oudesdeentão,comtantoódio.

AquelasegundaoperaçãonoAfeganistão,parapegareagarrarAbdul,oconstrutordebombas,ouqualquerque fosseseunome,nosdeixouemcontato com dois novos aspectos desse con lito, sendo SEALs recém-chegados. Primeiro, o ódio fanático que esses muçulmanos extremistassentiamportodosnós;segundo,aestranhezadecumprirnossasregrasdeconduta(RC),nessetipodeoperaçãodeguerra.

Nós, SEALs, devido à nossa natureza, treinamento e formação, nãosomosmuito imbecis. E, assim como todomundo, lemos asmanchetes dejornal domundo todo sobre osmembros das forças armadas em serviçoqueforamacusadosdeassassinatoemtribunaiscivis,porestaremfazendooqueachavamserseudever,atacandoseuinimigo.

Nossas regras de conduta no Afeganistão especi icavam que nãopoderíamosatirar,matarouferircivisdesarmados.Mas,equantoaocivildesarmado que era um espião hábil das tropas ilegais que estávamostentando eliminar? E quanto a todo o exército secreto, diversi icado,fragmentadoe letal,rastejandopelasmontanhasafegãs, fingindosercivil?Equantoaessescaras?Equantoaoscondutoresdecamelosdeexpressãoinocente, trilhando as passagens nasmontanhas com explosivo su icienteparadetonaroestádioYankee?Equantoaessescaras?

Todos nós sabíamos que havíamos escolhido o que 999 americanosem cada mil nem pensariam em fazer. E fomos ensinados que éramosnecessários para a segurança de nossa nação. Fomos mandados aoAfeganistão para desempenhar missões extremamente perigosas. Mastambémfomosensinadosquenãopodíamosatirarnocondutordecamelosantes que ele nos explodisse a todos, pois ele poderia ser um civildesarmado,apenaslevandosuadinamiteparadarumavoltinha.

Equantoaessecamaradinha?Ocaramaisjovem,comavareta,vindoatrás,cutucandoosmalditoscamelos?Equantoaele?EseelemalpuderesperarparasubiraquelasmontanhaseencontrarseuirmãoeorestodoscarasdapesadadoTalibã?AquelescomosfoguetesRPGs,queesperamnacavernaescondida?

Nemnós,nemospolíticosquehaviamrascunhadoaquelasregrasdecondutaoouviríamosrevelandonossoposicionamento.Eaqueleshomensdeternonãoestariamnaencostadamontanhaquandoaprimeiragranadaexplodissedentrenós,arrancandoapernaoucabeçadealguém.

Deveríamos ter atiradonaquele ilho-da-mãe logode cara, antesque

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ele tivesseachancede fugir?Oueleeraapenasumcivildesarmado,quenãocausariaqualquermalaninguém?Apenas levandosuaTNTparadarumavolta,certo?

Essesterroristas/insurgentessabemasregras,damesmaformacomosabiam, no Iraque. As regras não são deles. São nossas regras, as regrasdos países ocidentais, o lado civilizado do mundo. E todo terrorista sabecomomanipulá-las em seu favor. Do contrário, os condutores de camelosestariamcarregandoarmas.

Mas não estão. Pois sabem que provavelmente tememos alvejá-los,poispodemosseracusadosdeassassinato,oque,naverdade,euachoqueelesconsideramoladohiláriodacoisa.

E se, de fato, atirássemos em alguns deles, em frações de segundos,eles pegariam seu celulares com dez mil gigas e falariam direto com aestaçãodetelevisãoárabe,aal-Jazeera:

Tropas americanas brutais atiram ematam agricultores afegãosafetuososepacíficosMilitaresamericanosprometemqueosSEALsserãoindiciados

Bem, algo assim. Tenho certeza de que você estáme entendendo. Amídia dos Estados Unidos da América nos cruci icaria. Hoje em dia, elessempre o fazem. Será que houve alvoroço maior do que o ocorrido emtornodeAbuGhraib?Nopanoramageraldetodasasmortesedestruiçãoque os extremistasmuçulmanos já causaramnestemundo, umbando deiraquianos sendohumilhadonão faz soarmeu alarmepessoal. E tambémnão faria soaro seu, sevocêpudesseverdepertooqueesses caras sãocapazes de fazer. Eu quero dizer, Jesus, eles cortam as cabeças daspessoas,cabeçasdeamericanos,detrabalhadoresvoluntários.Nãoachamnada de mais em exterminar milhares de pessoas; apunhalaram emutilaramjovenssoldadosamericanos,comonostemposdaIdadeMédia.

Averdadeéque,nessetipodeguerraterrorista/insurgente,ninguémconseguesaberquemécivilequemnãoé.Então,qualosentidoemcriarregras que não são aplicáveis de forma compreensiva por ninguém?Regrasquenãofuncionam,jáquemetadedotemponãosesabequeméomaldito inimigo e, quando descobrir, pode ser tarde demais para vocêsalvar a sua vida. Dar sentido às RCs em tempo real é algo quaseimpossível.

Além disso, ninguém parecia saber ao certo como deveríamos serchamadosnoAfeganistão.Somosumatropamantenedoradapaz?Estamos

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lutandoumaguerracontraosinsurgentes,emnomedogovernoafegão,ouestamos lutandoemnomedosEUA?Estamos tentando caçaro terrorista-mor,binLaden,ouapenastentandoevitarqueoTalibãrecobreocontroledo país, por terem sido os protetores de bin Laden e todos terem lutadoporele?

Aí vocême pegou.Mas, conosco, está tudo tranquilo. Diga-nos o quequerenós faremos.Somosservidores leaisdogovernoamericano.MasoAfeganistãoenvolveumalutaalémdaslinhasdoinimigo.Deixapraláquefomosconvidadosairparaumpaísdemocrático,porseuprópriogoverno.DeixapraláquenãopodehavertiroteioatravésdafronteiradoPaquistão,ailegalidadedoexércitotalibã,aConvençãodeGenebra,blá,blá,blá.

Quandoestamospatrulhandoaquelasmontanhas, tentando tudoquesabemos para impedir que o Talibã se reorganize, esforçando-nos paraencontrar e prender os principais comandantes e especialistas emexplosivos,somoscercadospor inimigoshostisebemarmados,cujaúnicaintençãoénosmataratodos.Issoéestaralémdalinhadoinimigo.Con ieemmim.

Enósvamoslá.Odiatodo.Tododia.Faremosoquetemosafazer,aopéda letra, oumorreremos tentando. EmnomedosEUA.Masnão venhanosdizeraquempodemosatacar.Issotemqueserpornossaconta.Eseamídia liberal ea comunidadepolíticanãopodemaceitarque, àsvezes, aspessoas erradas são mortas na guerra, então eu só posso sugerir queprimeiro cresçam, depois sirvam um pequeno período no alto do HinduKush.Elesprovavelmentenãosobreviveriam.

Averdadeéquequalquergovernoquepensequeaguerradealgumaformaé justa, eestá sujeitaa regrascomoum jogodebeisebol,nãodeveingressar numa. Porque nada é justo na guerra e, ocasionalmente, aspessoaserradassãomortas.Diantedosassassinoscortadoresdegargantado Talibã, nós não estamos lutando sob as regras da Convenção deGenebra, IV, Artigo 4. Estamos lutando sob as regras do Artigo 223.556mm – esse é o calibre e largura da bala de nosso ri le M4. E se essesnúmeros ainda não parecerem bons, tente o Artigo 762 mm, disparadocontranós,dasKalashnikovsrussas,geralmenteemsaraivadasmortais.

Na guerra global ao terror, temos regras e nossos adversários asutilizam contra nós. Tentamos ser razoáveis; eles não param diante denada. São inclinados a qualquer tática de guerra: tortura, decapitação,mutilação. Ataques a civis inocentes, mulheres e crianças, carros-bomba,homens-bomba, qualquermaldita coisa que puderempensar. Estão lá notopodalistadosmonstrosdahistória.

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E eu me pergunto, Quem está preparado para ir ainda mais longepara ganhar esta guerra? Resposta: eles estão. Estão dispostos amorrerpara pegar o inimigo. Irão até o limite, a qualquer hora, qualquer lugar,sejaoqueforpreciso.Enãotêmregrasdeconduta.

Assim,temosumelementoamaisdemedoeperigo,quandoseguimosnocombatecontraoTalibãouaal-Qaeda–medodosnossos,medodequenossoprópriojuiznavalpossanossentenciar,omedodamídiaamericanae seus efeitos infelizes sobre os políticos americanos. Todos cultivamostemores de jornalistas não treinados e pouco instruídos que só queremuma boa história para justi icar seus salários e contas de despesas. Nãopense que sou somente eu. Todos nós os detestamos, em parte por suafalta de julgamento, porém mais por sua ignorância e oportunismo dearrepiar os cabelos. No primeiro minuto em que um con lito armado setorna uma guerra na mídia, as notícias se transformam na opinião dealguém,nãonaverdadenuaecrua.NosEstadosUnidos,quandoamídiaseenvolve, trata-se de uma guerra que você tem boa chance de perder,porqueas restriçõessobrenóssão imediatamenteampliadas,eessassãonotícias sensacionalmente boas para nossos inimigos. De vez em quando,um repórter ou fotógrafo de notícias atrapalha o su iciente a ponto deparar uma bala. E, sem pestanejar, esses jornalistasmuito bem pagos setransformam em heróis nacionais, louvados em casa, nos jornais etelevisão.OsSEALsnãosãomatutosroceiros,masnãoseidescrevercomoisso é enfadonhopara oscaras altamente treinados, apesardenãomuitobem pagos, que estão atuando no verdadeiro combate. São pro issionaissoberbos que nada dizem e se colocam em perigo todos os dias,frequentemente sendo feridosoumortos. Sãoheróis silenciosos, soldadosdesconhecidos, exceto em suas pequenas cidades natais, igualmentedesconhecidas,masqueficamdecoraçãopartidoporeles.

Realizamosumamissão logonocomeço, láemcima,napassagem,noposto de veri icação 6, que foi pior do que fatal. Acabáramos de assumirposição, uns vinte de nós, quando uns selvagens afegãos escondidos nasmontanhasdispararamumabarragemde foguetescontranós,centenasecentenas deles, voando por cima de nossas cabeças, colidindo na encostadamontanha.

Não dava para dizer se podiam ser classi icados como combatentesarmadoscontraosEstadosUnidosoucivisdesarmados.Levamostrêsdiaspara cansá-los, e mesmo assim tivemos que pedir apoio aéreo paraconseguirsair.Trêsdiasdepois,as fotosdesatélitenosmostravamqueoTalibãhaviaenviadodozecortadoresdegarganta,ànoite,armadoscomas

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Kalashnikovs e facas tribais, rastejando pela escuridão, diretamente ànossaantigaposição.

Mas você não pode provar as intenções deles! Eu ouço os gritos dosliberais.Não.Claroquenão.Elessópararamparaumcafezinho.

Aqueles ataques talibãs noturnos eram as mesmas e exatas táticasusadaspelosmujahedins, contraos russos, furtivos,emmeioàescuridão,cortando as gargantas de guardas e sentinelas, até que os militaressoviéticos não pudessemmais suportar. Osmujahedins agora emergiramcomooTalibãouaal-Qaeda.Esuasintençõescontranóstêmtantasededesanguequantotinhamcontraosrussos.

Os SEALs podem lidar com isso, assim como lidamos com qualquerinimigo.Masnãosealguémquernoscolocarnacadeiaporcausadisso,emnossa terra, os EUA. E certamente não queremos icar dando sopa nasmontanhas, esperando que alguém corte nossas gargantas,impossibilitados de reagir caso isso venha a ser classi icado como umagricultorafegão.

Masessessãoosproblemasdeumsoldadoamericanocombatente,apreocupação constante quanto a ultrapassar o limite e uma mídiaamericana que se deleita em tentar nos derrubar. E nada izemos paramerecer.Exceto,talvez,amarmosnossopaísetudooqueelerepresenta.

Nas primeiras semanas de nosso serviço no Afeganistão, a lutacontinuou. Nossos pelotões saíam noite após noite, tentando deter osinsurgentes que rastejavam pelas passagens montanhosas. Sempre quehavia lua cheia, nós lançávamos ações, porque era a única época emquerealmenteconseguíamosterumlampejodeluzsobreasmontanhas.

Seguindo esse ciclo lunar, colocávamos os helicópteros lá em cima,para observar os fanáticos barbudos se espremendopela fronteira rumoaoAfeganistão, edepoisnósos cercávamos,oshelicópterososenxotandocomocãespertodasovelhas,assistindo-oscorrendopelavida,diretoparanóseorestantedastropasamericanas,paracapturá-loseinterrogá-los.

Sei que pode parecer estranho que especialistas subaquáticos daEquipeSEALSDV1estejamtateandoaescuridãoa2700macimadoníveldomar.Namarinha,oSDV(swimmerdeliveryvehicle,ouveículodeentregadenadador),umminissubmarinoquenoslevaaténossaáreadeatuação,éconsiderado o veículo mais furtivo do mundo. E, com isso, as tropas nomanuseiodoveículomais furtivodomundosãooscarasmaissorrateirosdomundo.Somosnós,atuandonofundo,emterritórioinimigo,observandoe relatando, sem sermos notados, vivendo no limite de nossos nervos. Enossaprincipaltarefaésempreencontraroalvoedepoischamaroscaras

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daaçãodireta.Issoérealmenteoquetodomundoquerfazer,açãodireta,masnãopodeser feito semonegóciomortalquenósdesempenhamos láemcima,nospicossolitáriosdoHinduKush.

O primeiro-tenente Eric Kristensen estava sempre ciente de nossovalor e, na verdade, era um bom amigo meu. Ele costumava batizar asoperaçõesparamim.Eusoutexano,oquedivertiamuitoumcavalheirodaVirginiacomoele.EleachavaqueeueraalgumtipodemisturadeBillytheKid e Buffalo Bill, rápido no gatilho. Não faz mal que esses dois caubóisvinhammaisdonortedoqueeu,Kansas,oualgoassim.SegundoaideiadeEric,oTexasetodosospontosaoesteeaonorterepresentavamasterrassemlei,oufronteiras,oColt44,oshomensdogadoepeles-vermelhas.

Dessa forma, sempre voávamos em operações chamadas Longhorn,ouEstrela Solitária.Darnomeàsnossas operações segundoo seu garototexano o matava de rir. A grande maioria de nossas missões era muitosilenciosa e envolvia uma vigilância severa em passagens ou vilasmontanhosas.Sempretentávamosevitarotiroteioquandofotografávamose invadíamos nosso alvo. Invariavelmente, buscávamos o destoante, ohomem que não se encaixava à vila, o matador talibã que simplesmentenãoeraumagricultor.

Algumas vezes, nós nos deparávamos com um grupo desses carassentados ao redor de uma fogueira, barbudos, taciturnos, bebendo café,com seus AK-47 engatilhados. Nossa primeira função era identi icá-los.Erampashtuns?Pastorespací icosdeovelhas?OuguerreirosarmadosdoTalibã, os homens ferozes das montanhas que lhe cortariam a gargantaassimqueovissem?Sólevoualgunsdiasparadeduzirqueoscombatentestalibãs em nada se pareciam com os sujos e rústicos camponesesmontanheses afegãos. Muitos deles haviam sido educados na América, eaquiestavameles,limpandoseusAK-47esepreparandoparanosmatar.

E não demorou muito tempo para que notássemos o quãoimpressionanteelespoderiamseremação,aquiemcima,emseuterritórionatal. Eu sempre pensei que eles dariam a volta e sairiam correndoquandovissemquenósosdescobríramos.Masnãofaziamnadadisso.Casoestivessemnuma áreamais elevada ou tivessem como alcançá-la, eles selevantavamelutavam.Sedescêssemosemsuadireção,elesseentregavamou seguiam de volta rumo à fronteira do Paquistão, onde não podíamospersegui-los. Porém,deperto, sempreerapossível verodesa io emseusolhos, aquele ódio à América, o fogo revolucionário que ardia em suasalmas.

Paranós,eraarrepiante,poisesseeraoâmagoda terrado terror,o

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lugar onde a destruição do World Trade Center nasceu e foi cultivada,aperfeiçoadaporhomenscomoesses.Vouserhonesto,aquilopareciameioirreal,nãopareciapossível.Mastodosnóssabíamosquehaviaacontecido.Bem aqui, nesse buraco remoto e empoeirado estava a raiz de tudo, oberçodosguerreirosdebinLaden,olugarondeelesaindatramavamparaesmagarosEstadosUnidos.O lugarondea repugnânciaaoTioSamé tãoentranhada,umtipode iraque lorescealémdacompreensãodamaioriadosocidentais.Maisporpertenceraumséculodiferente,maisbárbaro.

E ali estávamos Mikey, Shane, Axe, eu e o restante, prontos paraenfrentar esses guerreiros silenciosos, mestres das montanhas, mortaiscomseusriflesefacastribais.

Encontrar esses caras nessas vilas pashtuns remotas só tornava oenigmamaisdi ícil. Porqueaqui estamosnos referindoaprimitivo comPmaiúsculo. Cabanas de barro feitas de tijolos secos ao sol, com chão deterra e um cheiro horrendo de urina e fezes de jumento. No andar debaixo eles tinham cabras e galinhas, vivendo dentro da casa. No entanto,aqui, nessas condições de homens das cavernas, eles planejaram eexecutaram a atrocidade mais chocante ocorrida numa cidade do séculoXXI.

O saneamento dos vilarejos era o pior possível. Eles têm um fossocomunitário, como uma valeta, à beira das casas. E todos nós fomosalertadossobreelas,particularmenteempatrulhasnoturnas.Numanoite,eu calculeimal, escorreguei e atolei o pé lá dentro. Aquilo causoumuitasgargalhadas lá emcima,no silênciodanoite, todos tentandonãoexplodirderir.Masparamimnãofoiengraçado.

Na semana seguinte foi muito pior. Estávamos todos no breu, nosarrastando por um solo muito ruim, tentando montar um posto devigilância, acima de um pequeno aglomerado de cabanas e cabras. Nãoconseguíamos ver coisa alguma sem os óculos de visão noturna e eusubitamenteescorregueiecaídentrodeumburacoaberto.

Nãomeatrevi a gritar.Mas sabiaque estava escorregandoabaixo, eestremeci ao pensar onde ia aterrissar. Só estiquei o braço reto acima esegureiori lecomforça,edespenqueidiretonafossadavila.Fuidiretoaofundo,vagamenteouvindomeuscompanheirosdeequipe:“Olhem!Luttrelacaboudeacharocagadordenovo!”.

Nuncahouve tanto riso contidonumamissãoafegã.Mas foi umadaspiores experiências deminha vida. Eu podia ter passado tifo para nossabase inteira, em Bagram. Eu estava morrendo de frio, mas mergulheialegrementenumrio,comasroupasdecombate,paramelavar.

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Às vezes, havia verdadeiras confusões após os postos de veri icaçãodas fronteiras e, ocasionalmente, tínhamos de carregar os Humvees etransportar dezoito caras até lá, depois andar por vários quilômetros. Oproblema era que o governo paquistanês tem uma simpatia óbvia peloTalibãe,comoresultado,aáreafronteiriçanonordestenãoécontrolada.OPaquistão decretou que suas autoridades podem atuar em estradasasfaltadas, incluindovintemetrosnas laterais.Alémdisso, qualquer coisavale, portanto, os guerreiros talibãs simplesmente desviam da estrada eentramnoAfeganistãoatravésdoscaminhosseculares.Entramesaemaoseubel-prazer,comosempre izeram,amenosquenósimpeçamos.Muitosdeles só querem entrar para roubar gado, com o que não nosincomodamos. No entanto, o Talibã sabe disso e eles se deslocamdisfarçadosdefazendeiros,e,comisso,nóscertamentenosincomodamos.E aqueles trenzinhos de camelos carregados de explosivos, realmentechamamnossaatenção.

E toda vez nós sofremos ataques. O mais leve ruído, qualquer açãoqueameaçasseanossa localizaçãoealguémabria fogoparacimadenós.Então, nós nos deslocávamos ocultos, tirávamos nossas fotogra ias,pegávamos os líderes, mantínhamos contato com a base e solicitávamosreforço,semprequepreciso.

Aopiniãodenossoscomandanteseraqueachaveparaavitóriaeraainteligência, a identi icação dos construtores de bombas, a localização deseus suprimentos, e a aniquilação do arsenal talibã antes que elespudessemusá-lo.Masnuncaerafácil.Nossoinimigoerabrutal,implacável,semnenhumapreocupaçãooudiscernimentodotempooudavida.Leveotempoquelevar,erasuacrençaóbvia.No im,elesachamquelivrarãosuasagrada terra muçulmana dos invasores in iéis. A inal, eles sempre ofizeram,certo?Desculpe,aindanão?

Àsvezes,enquantooscabeças(vernáculoSEALparaoscomandantesseniores) estavam estudando um alvo especí ico, icávamos aguardando.Eumeofereciparatrabalhar,nashoraslivres,nohospitaldeBagram,maisnasaladeemergência,ajudandocomosferidosetentandometornarumpraticantemelhordamedicinaparaaminhaequipe.

Eaquelehospitalrealmenteserviaparaabrirosolhos.Poisestávamosfelizes em tratar os afegãos tão bem quanto nosso pessoalmilitar. E elesapareciam na emergência com todo tipo de ferimento, a maioria a bala,porém, ocasionalmente, a faca. Esse é um dos problemas naquele país.Todomundotemumaarma.ParecehaverumAK-47emtodasaladeestar.Ehaviamuitos ferimentos.Civisafegãosapareciamnosportõesprincipais

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com ferimentos tão graves a bala que tínhamos de mandar os Humveesparabuscá-losetrazeratéasaladeemergência.Tratávamosdequalquerumqueviesse,àcustadospagadoresdeimpostosamericanos,edávamosatodosomelhortratamentoquepodíamos.

Bagram era um lugar excelente para que eu melhorasse minhashabilidades e, aomesmo tempo, eu esperava estar fazendo algo de bom.Obviamente, não era pago por esse trabalho.Mas amedicina sempre foiuma vocação para mim, e aquelas longas horas no hospital eraminestimáveisparaomédicoqueeuesperavaserumdia.

E enquanto eu atendia os doentes e feridos, o trabalho intermináveldos comandantes prosseguia, iltrando os relatórios da inteligência,checandoosrelatóriosdaCIA, tentando identi icaros líderes talibãs,paraquepudéssemosdecapitarsuaoperação.

Sempre havia uma extensa lista de alvos potenciais, alguns maisavançadosqueoutros.Com isso,eumere iroa certas comunidadesondeos caras realmenteperigosos haviam sido localizados e identi icadospelosatélitesoupornós.Eraumtrabalhoqueexigiaumaperseverançaenormeeahabilidadedecalcularaprobabilidadede realmenteencontraro caraqueimportava.

AsequipesemBagramestavampreparadaspara iraté láeconduziresse tipo de trabalho tão perigoso, mas ninguém gosta de sair numatentativa infrutífera, em que as chances de encontrar um alto terroristatalibãsãoremotas.E,éclaro,oscarasdainteligênciatêmdeestarsempreatentosparaquenadaestejaparado, lánasmontanhas.AquelescarasdoTalibã estão sempre em movimento e são muito espertos. Eles sabembastante sobre a capacidade americana, mas não tudo. E certamenteentendem a vantagem de se manter em movimento, de vila em vila,caverna em caverna, jamais permanecendo num lugar por temposuficienteparaserempegoscomseusarsenaisdeexplosivos.

Nosso chefe sênior, DanHealy, era extraordinário na busca de boastarefas para nós, nas quais teríamos uma chance acima da média deencontrarmos nossa caça. Ele passava horas debruçado sobre aquelaslistas, veri icando um terrorista conhecido, onde passava o tempo, ondehaviasidovistopelaúltimavez.

O chefe Healy vasculhava as provas fotográ icas, veri icandomapas,grá icos, concluindo quais seriam os lugares onde poderíamos ter umachance real de vitória para pegar o homem principal sem travar umabatalha de rua. Ele tinha uma pequena lista pessoal dos principaissuspeitos e de onde os encontrar. E até junho ele tinhamuitos registros

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dosinúmerosmétodosusadospelomaisimportantedoTalibãeseuacessoaoTNT.

E o nome de um homem lhe saltou aos olhos. Por motivos desegurança,vouchamá-lodeBenSharmakemerestringiradizerqueeleéo líder de uma tropa talibã signi icativa, um homem das montanhasconhecido por realizar incursões dentro das cidades e também por serdiretamente responsável por inúmeros ataques fatais aosmarinesamericanos, sempre com bombas. Sharmak era uma igura sombria, decerca de quarenta anos. Comandava talvez uns 140 ou 150 combatentesarmados, mas era um homem instruído, treinado em táticas militares esabia falar cinco línguas. Também era tido como um dos mais íntimosassociadosdebinLaden.

Mantinha suas tropas em movimento, morando nas amistosas vilaspashtuns ou acampando ao redor de suas periferias, aceitando ahospitalidade, depois seguindo viagem até o próximo local de reunião,semprerecrutandoaolongodocaminho.Esseshomensdamontanhaeraminacreditavelmente di íceis de rastrear, porém até eles precisamdescansar, comer e beber, e talvez até se lavar, e precisam dascomunidadesdosvilarejosparafazertudoisso.

Quase todas as manhãs, o chefe Healy repassava a lista dos alvospotenciaisparaMikey,nossoo icialdeequipe,eeu.Geralmentenosdavaumalistacomunsvintenomesepossíveislocalizações,enósfazíamosumresumo com os caras que achávamos poder perseguir. Dessa forma,criamos uma galeria de patifes e fazíamos as escolhas de nossasmissõesconforme a quantidade de informações que tínhamos da inteligência. Onome Ben Sharmak sempre aparecia e, com a mesma frequência, asestimativasdotamanhodesuatropacresciam.

Finalmente, houve uma reunião sobre a possível Operação Redwing,que envolvia a captura ou morte desse personagem altamente perigoso.Mas ele sempre foi ardiloso. Primeiro, estava ali, depois acolá, como omaldito Pimpinela Escarlate. E as fotos disponíveis eram só dos ombrospara cima, com pouca qualidade e muito granuladas. Mesmo assim,tínhamosumaboanoçãodaaparênciadofilho-da-putae,diantedisso,essapareciasermaisumaoperaçãodeVR(vigilânciaereconhecimento),comoqualquer outra – icar acima do alvo, aproximar-nos furtivamente,fotografá-loe,sepossível,agarrá-lo.

Tínhamos um conjunto de informações da inteligênciamuito decentesobreele,sugerindoqueaCIAeprovavelmenteoFBItambémestivessemextremamente interessados em sua captura ou morte. E, conforme as

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reuniões prosseguiram, Ben Sharmak parecia se tornar cada vez maisimportante. Havia novos relatos de uma tropa com no mínimo oitenta emáximo de duzentos homens, e isso constituiu uma operação muitovolumosa.EochefeHealydecretouqueeuemeus trêscompanheirosdoPelotãoAlfaéramososcarasexatospararealizá-la.

Nãoeraesperadoquepegássemosessebandoenormedematadoresde olhos arregalados. Na verdade, era esperado que fôssemos maissilenciososdoquejamaisfôramosemnossasvidas.“Apenasencontreessebastardo,pegue sua localizaçãoeaproporçãode sua tropa,depoispasseporrádio,paraqueumatropaaéreavápegá-lo.”Simples,certo?

Sesoubéssemosqueeleestariapreparandoumaevacuação imediatada vila onde residia, então, deveríamos pegá-lo sem demora. Para isso,seríamoseueoAxe.Asprobabilidadeseramqueeusó teriaumachancepara acertar Sharmak, só uma vez para encurralá-lo e apertar o gatilho,provavelmenteaumadistânciadecentenasdemetros.Eusósabiadeumacoisa: erabomnãoerrar,pois as apariçõesdeWebbeDavis, semcontarcadaumdosoutros SEALs, certamente surgiriamparame esfolar.A inal,foiprecisamenteparaissoqueelesmetreinaram.

Ecasoalguémestejaseperguntando,eunãoteriaqualquerescrúpuloem botar uma bala na cabeça desse bastardo. Ele era inimigo declaradodosEstadosUnidosdaAmérica,umfanáticoque jáassassinaramuitosdemeus colegas dentre osmarines americanos. Também era o tipo deterroristaparaquemnãohaverianadamelhordoqueelaborarumnovoataque em terras americanas. Se eu tivesse a chance, ele não teriaqualquer piedade deminha parte. Eu sabia o que era esperado demim.Sabia que o chefe da equipe queria esse sujeito eliminado e, ao pensarnaquilo, orgulhei-me em ser considerado, junto com meus colegas, ohomemparaa tarefa.Comosempre, faríamos tudoparanãodecepcionarninguém.

Todos os dias checávamos com o escritório da inteligência paraveri icarquaisnovosdadoshaviasobreSharmak.OchefeHealyestavaemcima do caso, trabalhando com o o icial da operação, nosso comandante,comandantePero.Oproblemaerasempreomesmo:ondeestavaonossoalvo? Ele era pior do que Saddam Hussein, desaparecendo, evadindo-sediante dos olhos inquiridores dos satélites, mantendo sua identidade elocalização secretas até mesmo dos inúmeros informantes da CIA queestavampróximos.

Claroquenãofaziasentidoumaincursãomontanhaadentro,armadosatéosdentesecomcâmeras,amenosquetivéssemosabsolutacertezade

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seu paradeiro.OTalibã era uma séria ameaça aos voos de baixa altitudeem aeronaves militares, e os pilotos de helicópteros sabiam estar emperigo constante de serem alvejados, mesmo em operações noturnas.Esseshomensdasmontanhastinhamtantadestrezacomoslançadoresdemísseis,quantocomosAK-47.

Existeanecessidadedeumimensobackupparaumaoperaçãodesseporte: transporte, comunicações, apoio aéreo disponível, sem mencionarmunição, alimento, água, suprimentos médicos, granadas de mão earmamento,sendoquetudoécarregadoconosco.

Acertaaltura,aindanocomeço,tivemosumaposiçãobemde inidadaoperação “Redwing em curso!”. E os preparativos estavam todos emandamento quando o negócio todo foi abortado. Arremetida um! Eles ohaviam perdido novamente. Tinham dados e motivos para acreditar quesabiamseuparadeiro.Masnãoeranadaconcreto.Oscarasdainteligênciaestudavamosmapaseoterreno,asáreasprováveis, faziamestimativasearriscavam palpites. Eles achavam que o tinham num lugar, mas nãosu icientemente próximo para realmente posicioná-lo numa vila, ouacampamento, sem contar a precisão necessária para que um atiradordisparasseumtiro.

O pessoal da inteligência estava esperando uma chance e, enquantoisso, eu e os caras fazíamos outras operações de VR, provavelmente aOperação Goat Rope, ou algo assim. Acabáramos de regressar de umadessas quando icamos sabendo que surgira uma chance na caçada porBen Sharmak. Foi muito súbito e imaginamos que uma de nossas fontessurgira com algo. O chefe Healy tinha mapas e estudos do terreno emandamento,epareciaquepartiríamosnovamente.

Fomos chamados para a reunião: o tenente Mike Murphy, o o icialMatthewAxelson,o icialShanePattoneeu.Ouvimososdadoseexigênciase ainda a considerávamos apenas mais uma operação. Mas no últimominutohouveumagrandemudança.ElesdecidiramqueShanedeveriasersubstituídopelo o icialDannyDietz, um cara de trinta e quatro anos queeuconheciahámuitotempo.

Dannyeraumcarabaixo(bem,comparadoamim)emuitomusculoso,do Colorado, mas morava com Maria, sua extraordinariamente lindaesposa, a quem todos conhecíamos como Patsy, bem perto da base deVirginia Beach. Eles não tinham ilhos, mas tinham dois cães, ambos tãodurosquantoele,umbuldogueinglêseumbullmastiff.

Danny esteve comigo na escola SDV, em Panama City, na Flórida.Ambosestávamosláem11desetembro.Eleerabemenvolvidocomiogae

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artesmarciaiseeraumamigomuitopróximodeShane.Achoqueaquelesdeuses da praia e a mística dos homens de ferro têm algo em comum.FiqueicontenteemterDannynaequipe.Eleeraumpouquinhoreservado,mas,lánofundo,eraumcaramuitoengraçadoemeigo.Masnãoerabomnegócio chateá-lo. Danny Dietz era como um tigre enjaulado e um ótimoSEAL.

AgorapareciaqueaOperaçãoRedwingvoltaraarecebersinalverde.A equipedequatrohomens estavamontada.Osdois atiradores seríamoseu e Axe; os dois observadores seriam Mikey e Danny. O controle decomando icariacomMikey.AscomunicaçõesseriamcomigoeDanny.Eotiro inal no alvo seria meu ou de Axe, qualquer um de nós comoobservador,dependendodasituação.

Oplanoera icarmosunsquatrodiasporláenosescondermosacimadeonde acreditávamos ser a residência de Sharmak, provavelmente sempodermos nos deslocarmais que um palmo, permanecendomortalmenteimóveisnumlugarmortal–noaltodascolinas.

Em momento algum deixaríamos de icar cuidadosamente ocultos,observandoesseshomensdamontanhamuitobemarmados,especialistasde uma vida inteira no terreno local, aguardando nossa chance demetralharseulíder.Nãodáprasermuitomaisperigosoqueisso.

Naverdade,estávamosnohelicóptero,vestidoseorganizados,prontospara partir: “Redwing em curso!”, quando a missão foi novamenteabortada. “Arremetida dois!” Não que tivéssemos perdido Sharmak devista,masoardilosofilho-da-mãesurgiraemoutrolugar.

Desembarcamos e voltamos aos nossos alojamentos. Tiramos nossasmochilasearmamentospesados,trocamosaroupadecombate,tiramososcremes de camu lagem de nossos rostos e voltamos a nos juntar à raçahumana.Ointervalodurouduassemanaseduranteessetemporealizamosalgumas missões pequenas, nas passagens, e quase explodiram nossascabeçaspelomenosemduasocasiões.

Uma vez, eume superei ao pegar umdosmais perigosos terroristasdonordestedoAfeganistão.EutinhaPOSIDENTe,naverdade,ovidandomoleza, andandonumaporcariadeumabicicleta, ao longodeuma trilha.Não atirei nele, pois não queria entregar nosso posicionamento abrindofogo e nem mesmo me mexendo. Estávamos esperando sua caravanacompleta de camelos comos explosivos, que passaria na rota a qualquerhoraequeríamostantoelequantosuamunição.Pelomenos,eunãocometio erro de um ex-colega que, segundo o folclore SEAL, acionou a ligaçãodiretaedeuaumbombardeiroamericanoaposiçãodoterrorista.Depois

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ele icou olhando a bomba de 225 kg demoliro terrorista, seu camelo etudo que estava num raio de 45 m ao seu redor. Nessa missão, nósparamos a ila de camelos e conseguimos capturar o terrorista edescarregar os explosivos sem recorrer a uma ação tão maluca efantasiosa.

Desculpe, esquerdistas. Mas, como se diz lá em casa, no Texas, umhomemtemdefazeroqueumhomemtemdefazer.

E assim se passaram os dias, até a manhã de segunda-feira, 27 dejunhode2005,quandovoltaramalocalizarSharmak.Dessavez,realmenteparecia bom. Ao meio-dia, os mapas detalhados e fotogra ias do terrenoestavamespalhadosdiantedenós.O serviçoda inteligência foi excelente,osmapasnão eram ruins, as fotos do terreno erampassáveis. Aindanãotínhamos uma foto decente de Sharmak, apenas a foto dos ombros paracima,granulada,semnitidez.Mashavíamoslocalizadooutrosmatadoresláemcimacommuitomenos.“Redwingemcurso!”

Logo após a reunião, o chefe Dan Healy me disse, baixinho: “É isso,Marcus.Estamosindo.Váprepararoscaras”.

Dei a resposta resoluta esperada de um líder de equipe para umcomandanteSEAL.“Certo,chefe,estamospartindo.”

Saídasaladereuniãoeseguidevoltaaonossoalojamento,commuitacoisanacabeça.Nãoconsigoexplicar,masfuitomadodedúvidaseaquelasensaçãodeinquietudenãomedeixou.

Euhaviavistoosmapaseeleseramclaros.Oquenãovieraumlugarpara esconderijo. Não tínhamos dados bons sobre a vegetação. Comcerteza, era ruim e árido lá no topo do Hindu Kush, aproximadamente3000mdealtitude.Vocênãoprecisa sermembrodo InstitutoGeográ icoRealparasaberquenessepaísáridonãonascemuitacoisa.Éótimoparaalpinistas,umpesadeloparanós.

Avilaqueestávamosvigiando tinha trintaeduas casas.Euas conteinafotodosatélite.MasnãosabíamosemqualdelasSharmakestava.Nemsabíamos se as casas eram numeradas, caso recebêssemos maisinformaçõesdainteligênciaenquantoestivéssemosláemcima.

Tínhamos algumas fotos dolayout, mas muito pouco sobre osarredores.TambémpossuíamosalgunsnúmerosmuitobonseprecisosdeGPS,eumapequenalistadepossíveiszonasdepouso,desnecessáriasparaa incursão, pois entraríamos descendo as cordas, mas crucial para aretirada.

Eracertoqueteríamosdederrubaralgumasárvores,numnívelmaisbaixodamontanha,demodoatermoscoberturaquandosaíssemosepara

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trazeroshelicópteroscomopessoaldoexército,senecessário.Montanhasáridas e sem árvores não são lugares para se conduzir pousos edecolagens, não comos fogueteirosdoTalibã emvolta. PrincipalmenteoshomensaltamentetreinadosquecercamSharmak.Eleeramalditoefatalejáprovaraisso,maisdeumavez,explodindoosmarines.

Um aspecto damissão que dominavameus pensamentos quando eucaminhavadevolta,paraencontraroscaras,eraofatodenãohaverlugarpara se esconder, nenhum lugar de onde vigiar. Você simplesmente nãotemcomorealizarumreconhecimento senãoconsegueassumirumaboaposição. E se aqueles penhascos que cercavama vila fossem tão áridos epedregososcomoeudesconfiava,ficaríamostãoàmostracomopatos.

E era provável que houvesse de oitenta a duzentos combatentesarmados mantendo uma vigília cuidadosa no entorno de seu chefe. Euestava preocupado, não quanto ao número de nosso inimigo,mas comosproblemasdenosmantermosocultosparacompletaramissão.Sesóhaviaum número limitado de lugares onde se esconder, talvezcomprometêssemosnossoângulodavila,semmencionaranossadistância.

Encontrei Mikey na barraca. Disse a ele que estávamos partindo,mostreiosmapaseasfotogra iasquetínhamos,elembrodesuaresposta.“Lindo. Sómais trêsdiasdediversãoe sol.”Masvi sua expressãomudarquando ele olhou as fotos, vendo os declives íngremes, um terrenoverdadeiramente terrível, uma montanha onde teríamos que rastejar deumladoparaoutroatéacharmoscobertura.

Aessaaltura,AxeeDannytinhamsurgido.Passamosas informaçõespara eles e seguimos, um pouco apreensivos, para almoçar no refeitório.Comiumpratoenormedeespaguete.Logodepois,fomosmudarderoupaenosorganizar.Vestiminhascalçasdedesertoecamisetacamu lada,maisporque a inteligência dissera que a região de pouso era razoavelmenteverdeenósdesceríamosporentreasárvores.Eutambémtinhaumatoucadeatirador.

Mikey e Danny estavam com seus ri les M4 e granadas; Axe estavacom o ri le Mark 12, calibre 556 e eu também tinha um. Nós todoslevávamos uma pistola SIG-Sauer 9 mm. Optamos por não levararmamento pesado, a metralhadora M60, de 10 kg, e sua munição. Jáestávamos carregados com equipamentos e achamos que icaria muitopesadoparasubirospenhascos.

Eu também peguei algunsclaymores, que é um tipo de dispositivoexplosivo, com um arame para tropeçar e evitar que qualquer possívelintruso nos surpreendesse. Eu havia aprendido uma lição muito dura

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quantoa isso,emmeuprimeirodia,quandodoisafegãoschegarammuitomais perto de mim do que deveriam e poderiam facilmente ter meliquidado.

Pegamos um rolo grande de corda de detonador para derrubar asárvores no local de pouso, quando a missão fosse concluída, ou para aincursãodeumatropadeação.Noúltimoinstante,aindapreocupadocomtodaaempreitada,pegueimaistrêspentesderi le,oquemedeuumtotaldeonze,cadaumcomtrintarodadas.Opadrãoeramoito,mashaviaalgosobre a Operação Redwing. Todomundo estava com a mesma sensação.Todosnóslevamostrêspentesextras.

Eu também estava levando um ISLiD (image stabilization and lightdistribuitionunit,ouunidadedeestabilizaçãodeimagemedistribuiçãodeluz), para guiar algum helicóptero que chegasse, além do foco demira epilhasavulsasparatudo.DannyestavacomorádioeMikeyeAxe,comascâmerasecomputadores.

Levamos comida instantânea – tiras de carne seca,miojo de galinha,barrasdecereal–,alémdeamendoimepassas.O lote inteiropesavaunsvinte quilos, o que consideramos um peso leve para uma viagem. Shaneestavaláparanosverpartir:“Tchau,caras.Infernizem”.

Com tudo pronto, fomos levados até a área dos helicópteros deoperações especiais, esperando para saber se houvera mudanças. Teriasido“Arremetidatrês!”.AterceiravezqueaRedwingseriaabortada.Masdessa vez só houve: “Rolando, em uma hora”, o que signi icava quesairíamosassimqueescurecesse.

Soltamos a nossa carga e icamos esperando na pista. Lembro queestavamuito frioehaviapicosnevadosnasmontanhasnão tãodistantes.Mikeyme garantiu que lembrara de colocar na bagagem a sua pedra dasorte, um pedaço pontudo de granito que espetara suas costas por trêsdias,numamissãoanterior,quandoestávamosnumesconderijoprecárioenãopudemosnosmovernemumcentímetro. “Casovocêqueiraen iarnabunda”,completouele,“paralembrá-lodecasa.”

E nós aguardamos, na companhia de outros grupos que tambémestavamdesaídanaquelanoite.AtropadereaçãorápidaestavaindoparaAsadabad, ao mesmo tempo. Havíamos feito um trabalho completo dereconhecimento fotográ ico de Asadabad, que eles estavam levando. Adeserta base russa ainda estava lá, e Asadabad, capital da província deKunar,permaneciaumaáreaperigosa.Foiali, é claro,queosmujahedinsafegãoshaviamcercadoabasequaseinteira,paradepoisassassinartodososrussosalistados.Eraocomeçodo imdossoviéticos,em1989,e icavaa

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apenas uma cadeia demontanhas adiante do lugar para onde estávamosindo.

Por im, as hélices começaram a girar nos helicópteros.Aparentemente, aspartesmóveisdaOperaçãoRedwing, tão suscetíveis àmudança,aindaestavamnolugar.Eveioochamado:“Redwingemcurso!”,pegamos nosso equipamento e subimos a bordo do Chinook 47, para aincursãoaquarenta e cincominutosdedistância, aonordeste. “Acho queaquele ilho-da-puta do Ben Sharmak ainda está onde achamos”, disseMikey.

FomosacompanhadosporoutroscincocarasqueiamparaAsadabad,eooutrohelicópterodecolouprimeiro.Depoisdeixamosapista,seguimossobrevoandoabaseeassumindonossarotacorreta.Agoraestavaescuroeeu passei um tempo olhando para o chão, em lugar de olhar pela janela.Cada um à sua maneira, Mikey, Axe, Danny e eu, deixou claro que nãotinha um bom pressentimento sobre aquilo. E eu não sei descrever oquanto aquilo foi incomum. Sempre seguimos para as áreas de operaçãocheios de entusiasmo, da forma como treinamos: “Pode mandar ver,estamosprontos!”.

Nenhum SEAL jamais admitirá estar com medo de alguma coisa.Mesmoqueestivéssemos,nuncadiríamos.Abrimosaportaevamosparaolado de fora enfrentar o inimigo, quem quer que seja. Aquilo quesentíamos naquela noite, independente do que fosse, não era medo doinimigo, embora eu reconheça que pode ter sidomedo do desconhecido,poisestávamosrealmenteincertosquantoaoterrenoqueencontraríamos.

Quando chegamos à região da operação, o helicóptero fez algumasincursões falsas, com várias milhas de distância entre uma e outra,chegandobembaixo,sobrevoandolugaresondenãotínhamosintençãodeicar, nem perto. Se os afegãos estavam vendo, devem ter icado muitoconfusos–aténós icamos!Descendo,recuando,voltandoadescer,saindo.Tenhocertezadeque,seoscarasdeSharmakestivessempor lá,elesnãoteriam a menor ideia de onde estávamos, se estávamos ou como noslocalizar.

Finalmente, estávamos a caminho de nossa zona de pouso. E veio aúltima chamada. “Redwing em curso!” O controlador de pouso estavadandoascoordenadas:“Dezminutos…Trêsminutos…Umminuto…Trintasegundos!…Vamosembora!”.

A rampa estava abaixada, estávamos com a porta traseira aberta, oatiradorestavapronto, comametralhadoraM60,emcasodeemboscada.Estava um breu lá fora, não havia lua, e as hélices faziam aquele som

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conhecido,vum-vum-vum, ao vento. Até então, ninguém havia atirado emnós.

A corda serpenteava na traseira da aeronave, em direção ao solo,posicionada estrategicamente de modo a não se emaranhar em nossasarmas, conforme saíamos. Naquele instante, ninguém falava. Carregadoscomnossasarmaseequipamento,entramosem ila.Dannysaiuprimeiro,rumo à escuridão, depois Mikey, depois Axe. Cada um de nós agarrou acorda e escorregou para baixo, rapidamente, usando luvas para evitarqueimadura.Foiumadescidadeaproximadamenteseismetrosesopravaumventoforteecortante.

Chegamos ao solo e nos espalhamos, distanciando-nos uns vintemetrosunsdosoutros.Estavamuitofrioeoventodashélicesbatiacontranós, levantando a poeira, tornando aquilo bem pior. Não sabíamos seestávamos sendo observados pelos tribais, mas isso era plenamentepossível naquela terra de rebeldes sem lei. Ouvimos o rugir dosmotoresdohelicóptero aumentar enquanto subia.Depois ele sumiu,mergulhandonaescuridão,rapidamenteganhandovelocidadeealtitude,deixandoparatrás essa escarpa abandonada. Por quinze minutos, permanecemosimóveis na paisagem, em silêncio absoluto. Não houve um movimentosequer,nenhumacomunicaçãoentrenós.Esóhaviaosomdasmontanhas.Bem abaixo, podíamos ver dois pontos de fogo, ou talvez lampiões,queimando,aaproximadamente1,5km.Eutorciparaquefossempastoresdecabras.

Os quinze minutos se passaram. À minha esquerda havia umamontanhaimensa,apontandoparaocéu.Àdireita,haviaumagrupamentode grossas árvores. Ao nosso redor havia tocos baixos de árvores e umafolhagemcerrada.

Estávamos bem abaixo do lugar onde seria nossa ação e eraenervante, pois qualquer um poderia se esconder por ali. Nãoconseguíamosvercoisaalgumaenemtínhamosideiasehaviaalguémemvolta.Hádezesseisanos,nãomuitolongedali,euimagineiqueessativessesido a mesma sensação que os recrutas russos sentiram, antes de lhescortaremagarganta.

Finalmente, icamosdepé.FuiatéoDannyedisseaelequepegasseoequipamento de comunicação e avisasse aos controladores que havíamospousado.Depoissubiacolina,atéondeMikeyeAxeestavamcomacordagrandeque,absurdamente,haviasidocortadaelargadadohelicóptero.

Isso foi um grande erro. Aquela equipe do helicóptero deveria terlevadoacorda.SóDeussabeoqueachavamqueíamosfazercomela,esó

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iqueicontenteporqueMikeyaencontrara.Senãoencontrasse,ela icariaaliperdidanochãoepoderiafacilmenteserencontradaporumtribalquepassasse, sobretudo se tivessemouvido a chegadadohelicóptero.Aquelacordapoderiaterentoadoossinosdenossamorte,indicandocomcertezaqueaáguiaamericanahaviapousado.

Nósnão tínhamosumapáeMikeyeAxe tiveramque cobrir a cordacom galhos, sementes e folhagem. Enquanto terminavam isso, abri acomunicaçãocomohelicópterodeartilhariaAC-130,queeusabiaestarláem cima, em algum lugar, nos monitorando. Passei a mensagemsucintamente:

“Atirador Dois Um, aqui é o Penumbra Três, preparando para odeslocamento.”

“Entendido.”Foiaúltimavezquefaleicomeles.Eagoraestávamosreunidosparaa

nossajornada–aproximadamente6,5km.Nossarotahaviasidoplanejadapreviamente, perto da borda da montanha, que se estendia num ânguloagudoefechado.OspontosdotrajetoestavammarcadosemnossomapaeosnúmerosGPS,detalhandoaposiçãoprecisadosatélite,estavamclaros,numerados,1,2e3.

Aquilo era a única coisa certa. Porque o terreno era absolutamenteterrível,anoitesem luaestavaumbreuenossarotaao longodaencostada montanha era tão íngreme que chegava a ser um milagre que nãodespencássemosequebrássemosopescoço.Estavachovendoforteefaziaumfriogélido.Emalgunsminutos,estávamosabsolutamenteencharcados,comonaSemanaInfernal.

Seguíamos bem devagar, escalando, escorregando, tropeçando eprocurando onde encaixar os pés, as mãos, qualquer coisa. Todos nóscaímos na montanha, na primeira meia hora. Mas para mim era pior,porqueosoutros trêseramalpinistasexperientesebemmenoresemaisleves.Eueramaislentoporcausadomeutamanhoetodahora icavaparatrás.Elesdescansavamenquantoeuosalcançavae,quandoeuchegavalá,Mikey sinalizava para seguir em frente. Nada de descanso para Marcus.“Vásefoder,Murphy”,disseeu,semomenorbomhumor.

Naverdade,ascondiçõeseramtãoruinsqueseriaumapéssimaideiadescansar. Emcincominutos, vocêpoderia congelar ali, encharcado até apele. Então, seguimos adiante, sempre subindo, mantendo o calor denossos corpos o mais alto possível. Mas estava terrível. Não parandonenhuma vez, baixando a cabeça e passando embaixo das árvores egalhos,segurando,sepudéssemos,tentandonãocair.

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No inal, chegamos ao topo do penhasco e encontramos uma trilharecém-usada.Eraóbvioqueostalibãspassaramporalirecentementeeemgrande número, o que eram boas-novas para nós. Isso signi icava queSharmakeseushomensnãopoderiamestarmuitolonge.

No topo, subitamentenos deparamos comumdescampadoplano, degrama alta, e a lua saiu, rapidamente. A pastagem se estendia à nossafrente,comosealgumparaísotivessesidoaceso,comumaluzfraca.Todosnósparamosnatrilha,poisfoiextremamentebonito.

Mas um inimigo bempoderia estar à espreita naquela grama, então,imediatamente, nós nos abaixamos, mantendo silêncio. Axe tentouencontrar um caminho pela grama, em seguida tentou abrir seu própriocaminho. Mas não conseguiu. A pastagem era muito densa e quase ocobria. Logodepois, ele voltou e nos disse, poeticamente, sob aquele luarasiático,naquelasterrasseculares,pertodotetodomundo:“Cara,táfoda”.

À nossa direita icava o vale profundo, em algum lugar abaixo, ondenossavila-alvoestavalocalizada.Jáhavíamoschegadoaoponto1datrilha,e nossa opção era continuar em movimento, ao longo dos lancos daescarpa. Subitamente, uma imensa neblina desceu do alto da montanha,atéabaixodenós,novale.

Lembro-medeolharparabaixo,vendoasnuvensacesascomo luar,tãopuras.Aquilofaziaparecerquepodíamoscaminhardeumamontanhapara a outra. Com os OVN (óculos de visão noturna), era uma vistaespetacular,umavistatalvezdocéu,ambientadanumaterradevibraçõesinfernaiseódioardente.

Enquantoestávamos láemcima,admirandonossosarredores,Mikeyconcluiu que acabáramos de passar o ponto 1 e, de alguma forma,precisávamosprosseguir no curso ao norte, emboranãopela grama alta.Espalhamo-nos e Danny encontrou uma trilha que passava por trás damontanha, mais ou menos onde queríamos ir. Mas não foi fácil, porque,àquelaaltura,aluadesapareceraevoltaraachoverdemaneirainfernal.

Já deveríamos ter andando uns oitocentos metros daquele terreno,que era a pior coisa com que havíamos nos deparado durante a noiteinteira. Então, inesperadamente, pude sentir o cheiro de uma casa eesterco de cabra,mesmo através da chuva; uma casa rural afegã. Quasehavíamosentradopeloquintalda frente.Eagora tínhamosquesermuitocautelosos. Abaixamo-nos, rastejando, passando pela vegetação alta,mantendo-nosforadevista,bempertodaescarpa.

Pormaisterrívelqueestivesse,aquelascondiçõeseramperfeitasparauma operação SEAL em território inimigo. Sem óculos de visão noturna

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comoosnossos,de jeitoalgumaspessoaspoderiamnosver.Achuvaeovento certamente teriam levado qualquer um a buscar abrigo, e, quemainda estivesse acordado, provavelmente achava que só algum lunáticoestarialáforanumtempodaqueles.Eestavamcertos.Nósquatrotomamostombos feios, provavelmente um a cada cemmetros. Estávamos cobertosde lama, como aspirantes da fase dois doBUD/S. Era verdade. Só umlunático,ouumSEAL,podiaandarporládessejeito.

Nãodavaparaenxergarquasenada.Naverdade,nadaalémdacasa.Depois,deformabemrepentina,clareounovamente,bemforte,etivemosquepassarrapidamenteparaasombra,jáquenossacoberturahaviasidoroubadaporaquelaluzpálidaeluminosaquevinhadocéu.

Seguimos em frente, afastando-nos do sítio, ainda rumando acima,pela encosta da montanha, passando por uma vegetação bem razoável.Então, todos osmeus temores pessoais chegaram e nos assolaram, comouma bofetada. Saímos das árvores, diretamente para uma encosta, aescarpaprincipalposicionadacomumainclinaçãonorte.

Não havia uma árvore sequer. Nenhum arbusto. Apenas xistomolhado, lama, pequenas pedras, pedras maiores. A lua estavadiretamente à nossa frente, lançandonossas sombras alongadas contra odeclive.

Isso era um pesadelo, desde a primeira vez que eu vira aquelesplanos, na sala de reunião: nossas quatro silhuetas re letiam sobre amontanha sem árvores, acima da vila ocupada pelo Talibã. Nós éramos omelhor sonhodeumvigia afegão, nãohavia comonãonos ver. Éramosopior pesadelo de Webb e Davis, como atiradores descobertos, nodescampado, encurralados pelo holofote da natureza, sem lugar algumondenosescondermos.

“Masquemerda”,disseMikey.

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7UMAAVALANCHEDETIROSPra cima de nós, montanha abaixo, de todos osângulos. Axe estava no lanco esquerdo, tentandointerromperatrilha,atirandosemparar.Mikey abria fogo… gritando… “Marcus, sem chanceagora,parceiro,matatudo!”

Recuamospela trilhaporqueviéramos, emdireçãoàs sombras lançadaspelas árvores. Não icava longe do ponto 2 do caminho, e izemos umaleituraGPSbemali.MikeypassouasfunçõesdenavegaçãoparaAxeeeususpirei. Subir e descer por aqueles penhascos íngremes era realmentemuito duro paramim,masMatthewAxelson, aerodinâmico especialista ealpinistaconseguiasaltarcomoummalditoantílope.Euos lembreidessesdoisfatoscorrelatosemeustrêscompanheirosdeequipecomeçaramarir.

Por algum motivo mais conhecido como nosso Rei do jogo TrivialPursuit, elenos lideroupelooutro ladodocumedamontanhaepelovaleabaixo, que se espalhava num ângulo fechado, eliminando totalmente ocaminho curvo e traçando uma linha reta, diretamente ao ponto 3. Tudoótimo, no capricho, exceto pelo fato de isso signi icar uma caminhada dedescida íngremede1,6km, inevitavelmenteseguidaporoutra,damesmaextensão,morroacima.Eraparaessapartequeeunãotinhasidomoldado.

Entretanto, aquela era a nossa nova rota. Após quase cinquentametros, eu já estavano sufoco. Senão conseguiaacompanharnadescida,muitomenosnasubida.Elesmeouviamescorregandoexingando,láatrás,eeupodiaouvirAxeeMikeyrindo,lánafrente.Issonãoeraumproblemade condicionamento ísico. Eu era tão bem preparado quanto eles, e deforma alguma estava sem fôlego. Eu só era grande demais para seguiralgunscabritosdamontanha.Leidanatureza,certo?

Nossocaminhoeraziguezagueante,poisAxeestavasemprebuscandocobertura para manter-nos fora do luar, enquanto nos atracávamos àmontanha, abrindo caminho rumo ao ponto 3. Alcançamos o topoaproximadamenteumahoraantesdoamanhecer.NossosnúmerosdeGPSestavamcorretos,comoplanejadonabase.Elánoalto,notopodessapontadegranito,Mikeyachouumlugarondepodíamosdeitar.

Ele escolheuumaposiçãono cume, talvezaunsvinte e cincometros

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abaixo, bem no alto da escarpa. Havia algumas árvores, juntas, mas,diretamente abaixo delas, mais terreno árido. Largamos nossa cargapesada,depoisdeconcluirajornadade6,5km,etiramosaspedrinhasdenossasbotas.Elassempreconseguementrar.

Fisicamente,estávamosbem,semferimentos.Porémexaustos,depoisde sete horas subindo essa porcaria dessamontanha. SobretudoMikey eeu, porque ambos sofríamos de insônia, especialmente na preparação deumaoperaçãocomoessa,enãohavíamosdormidonanoiteanterior.Alémdisso, estavaum friogélidoeaindapor cimaestávamosensopados, comotudoquecarregávamosconosco,apesardeterparadodechover.

DannyestavacomorádioeinformaraoQG,equalqueraeronaveempatrulha,queestávamosposicionadoseprontosparaotrabalho.Mas issofoi ligeiramente precipitado, pois, logo depois dessa comunicação, a luavoltou a despontar e vasculhamos a área com nossos óculos de visãonoturna, e não víamos coisa alguma. Nemmesmo a vila que deveríamosvigiar, à procura de Sharmak. As árvores estavam atrapalhando. E nãopodíamossairdelas,poisissonosdeixariaexpostosnoterreno,ondehaviapequenostocosdeárvores,masnenhumacobertura.JesusCristo.

Essaeraumaáreasódetocos,talvezabandonada,masumlugarondemuitas árvores haviam sido cortadas. Ao longe, à nossa direita, o céunoturnoacimadospicoscomeçavaaclarear.Oamanhecerseaproximava.

Danny e eu nos sentamos numa pedra, numa conversa profunda,tentando decifrar o quão ruim era a situação e o que fazer. Isso era otemor de todo homem-rã, uma operação onde o terreno eraessencialmente desconhecido e se tornava pior do que todos poderiamsonhar. Danny e eu chegamos a uma conclusão idêntica: aquilo era umabosta.

Mikey veio conversar, rapidamente. E todos olhávamos para aclaridade do céu, no leste. O tenente Murphy, no comando, deu ascoordenadas. “Sairemos em cinco minutos.” Então, mais uma vez,recolhemosnossacargapesadaevoltamospeladireçãoporqueviéramos.Depois de quase cem metros, encontramos uma trilha do outro lado daescarpa, descemos abaixodopontomarcadodo caminho, escolhemosumlocalemmeioàsárvores,comvistaparaavila,queestavaamaisde3kmdedistância.

Acomodamo-nos, nos espremendo perto das árvores e rochas,tentandoarranjarumaposiçãoemquepudéssemosdescansar.Deimuitasgoladas na água demeu cantil, pois, para dizer a verdade, eume sentiacomo uma planta dos Jardins Suspensos da Babilônia. Danny estava em

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sua posição de ioga, sentado de pernas cruzadas, como um malditoencantadordeserpentes,comascostasnaárvore.

Axe,semprealerta,mantinhaguarda,in iltradonamontanha,àminhaesquerda, empunhando o ri le, apesar do silêncio. Ele provavelmenteestavafazendoaspalavrascruzadasdoNewYorkTimes ,quememorizara,palavraporpalavra,nacabeça.Masnãoestavatãotranquilo.Minhaárvoreacabou sendo um tipo de amoreira e, já que eu nem conseguia cochilar,passava o tempo atirando as frutinhas em Axe, por conta de seucomportamentoduranteasubidanamontanha.

Então,outragrandenévoadesceusobrenós todos,atéovaleabaixo.Maisumaveznãohaviacomoenxergaravilaeoproblemacom nevoeirosera que eles sempre tendem a surgir nomesmo lugar. Estava claro quenão poderíamos permanecer ali. Então, precisávamos seguir adiante denovo.

Mikey e Axe estavam olhando os mapas e vasculhando o terrenomontanhosoacimadenós, commenosneblina.Dannye eu tínhamosquepermanecerolhandonadireçãodavila comosbinóculos, espiandooquehouvesseparaservisto.Queeranada.Finalmente,Mikeydissequeiasair,sozinho, apenas levando seu ri le, em busca de um lugarmelhor. Depoismudoude ideia e levouAxe.E eunãopodia censurá-lo.Esse lugar já eraarrepiante o su iciente, por nunca ser possível saber se havia alguém àespreita.

Danny e eu esperamos e o sol subia acima dos picos e começava asecar nossas roupas molhadas. Depois de talvez uma hora, os outrosvoltaram, e Mikey disse que eles haviam encontrado um local excelenteparaobservaravila,masacoberturaeraesparsa.Achoqueeleimaginavahaverumalto risconessaoperação, independentedequalquer coisa,porcontadoterreno.Mas,senãocorrêssemosorisco,eraprovávelqueaindaestivéssemosaquinoNatal.

Emaisumavezrecolhemosnossasmochilasepartimosrumoaonovoesconderijo. Ficava a menos de 1 km, mas levamos uma hora nosdeslocando,subindoamontanha,emdireçãoàquelecumedegranito.E,aochegarmos lá, tive de concordar que era perfeito, provendo um ângulomagní ico da vila para os binóculos, a lente demira e a bala. Tinha umavisão dimensional maravilhosa. Se Sharmak e sua gangue de vilõesestivessemali,nósopegaríamos.ComoMikeyobservou:“Aquelecaranãoconseguirá chegar até a porra do cagador comunitário sem que a genteveja”.

ArespostadeDannynãoeracompatívelcomumlivrodefamíliacomo

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este,envolvendoaexplosãodeumdosorifíciosdeSharmak.Fiquei ali olhando nossa nova fortaleza com declives ao redor. Era

perfeita, mas também altamente perigosa. Se qualquer tropa de ataqueviessepracimadenós,principalmenteànoite,nãoteríamosalternativa,anãoser lutarparasair.Sealguémcomeçassea lançarfoguetessobrenós,seríamos estraçalhados. Só havia uma saída, o caminhoque izéramosnavinda. Um estrategista habilidoso como Sharmak poderia nos bloquearaqui nesse ponto pedregoso e descampado, e teríamos de matar muitagente pra sair. E sempre havia aquele pensamento inquietante de que ocamaradinhadeSharmak,binLaden,tambémpudesseestarnaárea–comprovavelmenteamaiortropadaal-Qaedaquejáhavíamosenfrentado.

Mas,tirandoisso,olugareraperfeito,comoraiodevisãomaisamploque uma equipe de vigilância poderia desejar. Apenas precisávamos nosentocar,dealguma forma,emmeioaoxisto,mantendoas cabeçasbaixas,camu lados e concentrados. Ficaríamos bem, contanto que ninguém nosvisse.Maseuaindatinhaumasensaçãomuito inquietante.Assimcomoosoutros.

Comemos alguma coisa, bebemos mais água, depois deitamos debruços, silenciosamente, enquanto o sol secava nossas roupas. Agoraestava mais quente que o inferno, e eu estava deitado embaixo de umtronco caído, encaixado na curva, perto damadeira, commeus pés paratrás.Mas,infelizmente,euestavaemcimadeumtipodeurtiga,queestavamedeixandomaluco.Claroquenãopodiamexernemummúsculo.Poderiahaverbinóculosnosmirando,naqueleexatomomento.

Euolhavapelosbinóculos.Murphestavaaquasecinquentametrosdedistância, posicionado acima de mim, em meio às pedras. Axe estava àminhadireita, agachado sobreum tronco velho e oco.Danny estavamaisabaixo,àesquerda,naúltimadasárvores,comorádio,abaixado.Eleeraoúnico de nós com alguma sombra para se esconder do sol escaldante.Meio-diaseaproximavaeosolestavavindodiretodosul,bemalto,quasediretamenteacimadenós.

Não conseguíamos enxergar de baixo para cima. E certamente nãohavia nenhum humano nomesmo nível ou acima de nós. Ao menos,nãonessamontanhadosSEALs.Só tínhamosqueesperar, totalmente imóveis,calados, concentrados, quatro disciplinas em que todos éramosespecialistas.

Faziaumsilênciomortal láemcima,tãosilenciosoquantoanoite.Eosilêncio era interrompidopela trocade algumaspalavras elegantes entreos SEALs, geralmente dirigidas à posição privilegiada de Danny, sob a

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sombra, forado sol opressordamontanha.E tambémnãoerampalavrasprofissionais,semencantoecompreensão.

“Ei,Danny,quertrocardelugar?”“Vásefoder.”Essetipodecoisa.Nadamais.Nãoseouvianenhumoutrosompeloar

damontanha.Mas,subitamente,euouviumsomqueveiodoladosudoestedeminhaárvorecaída.Osominconfundíveldepassos,logoacimademim.JesusCristo!Tivesortedenãoprecisartrocardecalça.

Eigualmentesúbitafoiaapariçãodeumcaradeturbante,carregandoumaporradeummachado.Eledeuumsaltodo toco, logoacimademim.Eu quase desmaiei de susto, pois não estava esperando. Virei-me, pegueimeu ri le e o apontei direto para ele, o que achei poderia ao menosdesencorajá-lo de me decapitar. Ele estava mais estarrecido que eu elargouomachado.

EntãovioAxe,empé,mirandoori lediretamenteparaoturbantedocara.“Vocêcertamenteoviu”,euestrilei.“Porquediabosnãomedisse?Euquasetiveumataquedocoração.”

“Só não queria fazer barulho”, disse Axe. “Eu omantive namira atéquechegasseaoseu tronco.Ummovimentoem falsoeeuomataria,bemali.”

Eudisseparao cara se sentar, junto ao toco.Depois, aconteceuumacoisa ridícula. Umas cem cabras apareceram, com sininhos nos pescoços,trotando, montanha acima, se aglomerando ao redor do local ondeestávamos. Depois, lá do alto, vierammais dois caras. Todos nós icamoscercadospelosbodes.Eeugesticuleiparaque elessejuntassemaocolega,nochão,juntoaotronco.Osafegãos,nãoosbodes.

Finalmente, Mikey e Danny vieram andando emmeio ao rebanho elogoviramoqueestavaacontecendo.Assimcomoeu,elesnotaramqueumdeleseraapenasumgaroto,deunscatorzeanos.Tenteiperguntarseeleseram do Talibã, e todos sacudiram as cabeças, omais velho dizendo, eminglês:“Talibã,não,Talibã,não…”.

Eudeiumadasminhasbarrasdecerealparaogaroto,quemeolhavacarrancudo. Ele a colocou numa pedra, ao seu lado, sem dizer obrigado,nemacenaracabeçaagradecendo.Osdoisadultosnosolhavam,deixandoóbvio que não gostavam nem um pouco de nós. É claro, eles estavamimaginando que diabos estávamos fazendo em seu sítio, com armamentosuficienteparaconquistarumaprovínciainteiradoAfeganistão.

Aperguntaera:oquefazeragora?Eraóbvioqueeleserampastoresdecabras,dazonaruralmontanhosa.Ou,comoestáescritonaspáginasda

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ConvençãodeGenebra,civisdesarmados.Adecisãomilitarrigorosamentecorretaaindaseriamatá-lossemmaioresdiscussões,porquenãotínhamoscomosabersuasintenções.

Comopoderíamossaberseeleseramligadosaalgumgrupodamilíciado Talibã, ou jurados por algum pacto de sangue a informar os líderestalibãssobrequalquercoisasuspeitaqueencontrassemnasmontanhas?Eolhe,nóscertamenteéramossuspeitos.

Averdadeeraque, seesses trêsafegãos fossemcorrendoencontrarSharmak e seus homens, nós estaríamos seriamente encrencados,encurralados ali naquela escarpa montanhosa. A decisão militar estavaclara:esses carasnãopodiamsairdali vivos.Eusó iqueiempé,olhandopara suas barbas imundas, sua pele rude, as mãos enrugadas e rostosmuito, muito zangados. Esses caras não gostavam da gente. Eles nãodemonstravamqualquersinaldeagressividade,mastambémnãoqueriamsaberdeamizade.

Axelsoneranossoresidenteacadêmicoenossoreidosconhecimentosgerais.EMikeylheperguntouoqueachavaquedevíamosfazer.“Achoquedevemos matá-los, pois não podemos deixá-los partir”, disse ele, com alógicapuraesimplesdeseuintelectonato.

“Evocê,Danny?”“Eurealmentenãotônemaíquantoaoquefaremos”,disseele.“Quer

queeuosmate,eumato.Ésódizer.Eusótrabalhoaqui.”“Marcus?”“Bem,atéagora,eupresumiraquematá-los fossenossaúnicaopção.

Eugostariadeouviroquevocêacha,Murph.”Mikey estava pensativo. “Ouça, Marcus. Se nós o matarmos, alguém

logoencontraráos corpos.Para começar, essasporrasdessas cabrasvãoicar por aí. E, quando esses caras não chegarem em casa para o jantar,seusamigoseparentesvão sair à suaprocura,principalmentepor causadessegarotodecatorzeanos.Oprincipalproblemasãoascabras.Porquenãopodemserescondidaseéissoqueaspessoasirãoprocurar.

“Quandoencontraremoscorpos,os líderesdoTalibãvãocantarparaa mídia afegã. A mídia nos EUA vai se agarrar a isso e escrever coisassobre a brutalidade das forças armadas americanas. Pouco depois disso,seremos acusados de assassinato. Do assassinato de pastores afegãosdesarmados.”

Tenhodeadmitirquenãotinhapensadonascoisasexatamentedessaforma.MashaviaumaverdadeterrívelnaspalavrasdeMikey.Seráqueeuestava commedo desses caras?Não. Estava commedo de seus possíveis

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amigosdoTalibã?Não.Estavacommedodamídialiberal,lánosEUA?Sim.Esubitamentepenseinosmuitosanosnacadeiacivilamericana,aoladodeassassinoseestupradores.

E ainda assim… como membro das forças especiais americanasaltamentetreinado,nofundodeminhaalmadeguerreiro,eusabiaqueeraloucura deixar que esses pastores partissem. Tentei imaginar o que asgrandes igurasmilitaresdopassadoteriamfeito.Napoleão?Patton? OmarBradley? MacArthur? Teriam tomado a decisão militar fria de executaresses caras porque semostravamumperigo claro e eminente para seushomens?

Se esses afegãos dessem com a língua nos dentes sobre nós, todospoderíamos ser mortos, bem ali, naquela montanha pedregosa eescaldante,aquilômetrosequilômetrosdecasa,anos-luzdealgumaajuda.A força potencial contra nós era grande demais. Deixar esses caras irememboraeraumsuicídiomilitar.

Tudo que sabíamos era que Sharmak tinha entre 80 e 200 homensarmados.Lembro-medepegaronúmerodomeio,140,emeperguntaroqueachavadaschancesdequatrohomenscontra140.São35para1.Nãoé muito. Eu olhei para Mikey e disse a ele: “Murph, precisamos de umconselho”.

Nós dois nos viramos para o Danny, que mexia no sistema decomunicação, tentando conseguirumaconexão comoQG.Víamosqueeleestava icandomuito frustrado, como todos os operadores icam, quandonão conseguem se conectar. Ele prosseguia tentando, e logo chegamos àconclusãodequeomalditorádioestavapifado.

“Essetroçoprecisadepilhanova?”,pergunteiaele.“Não.Estáfuncionando,masninguémrespondepraessaporra.”Osminutossepassavam.Ospastoresestavamsentados,quietos,Axee

Murphempunhavamseusri les,apontadosparaeles,Dannyagiacomosequisesseatirarosistemadecomunicaçãonomalditoprecipício.

“Elesnãorespondem”,disseele,comosdentescerrados.“Nãoseiporquê.Écomosenãohouvesseninguémlá.”

“Temdehaveralguémlá”,disseMurph,epudeouviraansiedadeemsuavoz.

“Bem,masnãotem”,disseDanny.“É a boa e velha lei deMurphy”, eu disse. “Não você, Mikey, aquele

outrobabaca,oreidacagada.”Ninguém riu. Nem eu. E a icha caiu: estávamos por nossa conta e

precisávamostomarnossaprópriadecisão.

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MikeMurphy disse, baixinho: “Temos três opções. Nós, basicamente,não queremos atirar nesses caras, por causa do barulho. Então, númeroum, podemos matá-lo silenciosamente e jogar os corpos no penhasco. Éuma queda de uns trezentos metros. Número dois é matá-los bem aqui,cobri-losdamelhorformaquepudermos,compedraseterra.

“De algum modo, caímos fora e não dizemos nada. Nem quando ahistória vier à tona, sobre os pastores afegãos assassinados, e algumaporradeumamancheteporlá,quediga:‘SEALSSobSuspeita’.

“Númerotrês,nósossoltarmosemesmoassimsumimos,casooTalibãvenhaprocurar.”

Elenosencarou.Eumelembrocomosetivessesidoontem.Axedisse,irmemente: “Nãosomosassassinos. Independentementedoque izermos.Estamos em serviço em território inimigo, mandados para cá por nossoscomandantes. Temos o direito de fazer tudo que pudermos para salvarnossasvidas.Adecisãomilitaréóbvia.Deixá-losirseriaerrado”.

Se isso chegasse a uma votação, como poderia, Axe recomendaria aexecuçãodos trêsafegãos.Emminhaalma,eusabiaqueeleestavacerto.Nãopoderíamossoltá-los,dejeitoalgum.Masomeuproblemaeraqueeutenhooutraalma.Minhaalmacristã.Eelaestavapesandosobremim.Algosussurrava em minha mente, que seria errado executar, a sangue-frio,esseshomensdesarmados.Eaideiadefazerissoedepoisencobrirnossosrastrosefugir,sorrateiramente,pareciaaindamaiserrada.

Paraserhonesto,eu icariamaisfelizemacertá-losdefrente.Depoisdeixá-los.Seriamapenastrêscarasqueestavamnolugarerrado,nahoraerrada. Baixas da guerra. E apenas teríamos de nos defender quandonossamídiaenossospolíticos,nosEUA, tentassemnosenforcarcomumaacusaçãodeassassinato.

Nenhum de nós gostava das opções sorrateiras. Dava pra ver isso.Achoque todoséramoscristãose, seestávamospensandocomocidadãosamericanos cumpridores da lei, seria muito di ícil para nósdesempenharmos a decisão militar imperativa, aquela que passava porcima,a decisão que qualquer grande comandante teria tomado: essescaras jamais poderiam sair dali vivos. As possíveis consequências dissoeraminaceitáveis.Soboaspectomilitar.

OtenenteMurphydisse:“Axe?”“Semchance.”Todossabíamosoqueelequeriadizer.“Danny?”“A mesma coisa que antes. Não faz diferença o que vocês decidem.

Apenasmedigamoquefazer.”

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“Marcus?”“Eunãosei,Mikey.”“Bem,deixe-medizermaisumavez. Sematarmosesses caras, temos

quesercorretossobreisso.Relataroque izemos.Nãopodemossairdissoescondidos. Apenas para que vocês entendam, os corpos serãoencontrados, o Talibã irá usar isso ao máximo. Eles levarão o fato aosjornaiseamídialiberalamericanavainosatacarimpiedosamente.Émuitoprovável que sejamos indiciados por assassinato. Não sei como vocês sesentemquantoaisso…Marcus,estoucontigo.Digaoquevaiser.”

Euapenas iqueiali.Olheinovamenteparaaquelesafegãosroceirosetaciturnos.Nenhumdeles tentounos dizer umapalavra.Nãoprecisavam.Suasexpressões jádiziamo su iciente.Não tínhamos cordaparaamarrá-los. Deixá-los presos para ganhar mais tempo e achar um novoposicionamentonãoeraumaopção.

OlheiMikeydiretamentenosolhosedisse:“Temosquedeixá-losir.”Foi a coisa mais estúpida, a decisão mais miolo-mole de sulista que

tomeiemtodaaminhavida.Eudeviaestar forademim.Narealidade,euhavia dado um voto que sabia ser nossa sentença de morte. Eu metransformara nummaldito liberal, um borra-botas, um tolo insensato, sócoração,semcérebro,comopoderdejulgamentodeumcoelho.

Ao menos, é como vejo agora, quando olho para trás. Talvez nãonaquele instante, mas todos os instantes em que estive acordado desdeentão.Nemumaúnicanoitesepassasemqueeunãoacordesuando frio,pensando naqueles momentos nas montanhas. Jamais esquecerei. Nãotenho como.O voto decisivo foimeu e isso iráme assombrar até quemeenterrememmeutúmulo,nolestedoTexas.

Mikey concordou. “Está certo”, disse ele, “acho que são dois votoscontraum,jáqueDannyseabstém.Temosquesoltá-los.”

Lembro que ninguém disse nada. Ouvíamos somente os sons dascabras:méééé…méééé…méééé… E o tilintar dos sininhos. Aquele era ocorode fundoapropriadoparaumadecisãoquehaviasido tomadanumaporradeummundodecontode fadas.Nãonumcampodebatalha,onde,gostandoounão,certamenteestávamos.

Axe voltou a dizer: “Não somos assassinos. E não seríamos,independentementedequalquercoisa”.

Mike foi solidário com seu ponto de vista. Ele apenas disse: “Eu sei,Axe,eusei,companheiro.Masnósfizemosumavotação”.

Eu gesticulei para que os três pastores se levantassem e, com meuri le, sinalizei para que seguissem seu caminho. Eles não acenaram a

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cabeça nem sequer deram um sorriso de agradecimento. E certamentesabiamquepodíamosmuitobemtê-losmatado.Elesseviraramnadireçãodoterrenoelevado,atrásdenós.

Possovê-losagora.Colocaramasmãosatrásdascostas,daquele jeitoparticular queos afegãos fazem, e saíram correndo, subindo, e as cabrasaonossoredorforamtrotandosejuntaraeles.Dealgumlugar,surgiuumcachorro marrom sarnento, que tristemente se juntou ao garoto. Aquelecão era um lembrete horrendo de meu próprio cachorro, um labradorchocolate e robusto, fêmea, chamada Emma, que eu tinha lá no sítio, eestavasemprepulandosaudávelecontente.

Achoquefoiquandoacordeiepareidemepreocuparcomosmalditosamericanos liberais. “Isso émau”, eudisse. “Isso émuitomau.Queporraestamosfazendo?”

Axesacudiuacabeça.Dannysacudiuosombros.Mikey,paraserjusto,parecia ter visto um fantasma. Assim como eu, ele era um homem quesabia quando havia cometido um grande erro.Mais estarrecedor do quequalquer coisa que já izéramos juntos. Para onde estavam indo aquelescaras?Estávamosmalucos?

As ideias passavam, aceleradas, por minha mente. Não tínhamossistemadecomunicação,ninguémaquemrecorrerparaumconselho.Atéentão, não tínhamos nada que se parecesse com nosso alvo na vila.Estávamos numa posição muito exposta e, aparentemente, não tínhamosqualqueracessoaapoioaéreo.Nempodíamosrelatarisso.Piorainda,nãofazíamosamenorideiadolocalparaondeospastoresseguiam.Quandoascoisasficamruinsassim,nãoaconteceumacoisasó.Sãotodasascoisas.

Nós os observamos indo, desaparecendo montanha acima, aindacorrendo, ainda com as mãos atrás das costas. E a sensação de queizéramosalgoerradodeixando-ospartirerapenetrante.Davaparasaber.Nenhumde nós conseguia falar. Parecíamos quatro zumbis,mal sabendose caíamos de volta em nosso posto de vigilância ou partíamosimediatamente.

“Eagora?”,perguntouDanny.Mikey começou a pegar seu equipamento. “Partimos em cinco

minutos”,disseele.Arrumamos nossas tralhas e ali, bem ao sol do meio-dia, vimos os

pastores, distantes no horizonte, inalmente sumirem de vista. Segundomeurelógio,faziaprecisamentedezenoveminutosqueeleshaviampartidoeumastralmelancóliconosenvolveu.

Partimos montanha acima, seguindo as pegadas dos bodes e seus

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condutores. Andávamos omais rápido que podíamos,mas levamos entrequarentaminutos e uma hora até cobrirmos omesmo território, naquelesoloíngreme.Lánoalto,jánãoosvíamos.Cabrasdamontanha,homensdamontanha.Eratudoamesmaporcariaeelessedeslocavamcomofoguetespelaspassagens.

Olhamos em volta, em busca da trilha através da qual havíamoschegado,aencontramoseregressamosàqueleponto inicialquehavíamosabandonado devido ao ângulo de visão ruim da vila e a neblina densa.Tentamos passar um rádio e ainda não conseguíamos obter comunicaçãocomabase.

Nossaestratégiaofensivadesmoronara.Masseguíamosrumoaoqueera provavelmente amelhor posição defensiva que havíamos encontradodesde que chegáramos ali, perto da encosta da montanha, talvez unsquarentametrosdo topo, comcoberturadas árvores, eummeiodecentede nos ocultarmos. Naquele instante, sentíamos que precisávamos nosmanter estritamente em defensiva, dar um tempo e torcer para que oTalibã não tivesse sido alertado ou, se tivesse, que estivéssemos bemescondidos para que eles não nos encontrassem. Éramos excelentes napráticademanteraposiçãorasteiraenosescondermos.

Caminhamos ao longoda encosta e souobrigadoadizerqueo lugarparecia bem diferente em plena luz do dia. Mas suas virtudes aindaestavamlá.Mesmodoaltodaescarpa,seriaimpossívelnosverem.

Descemos e assumimos precisamente as nossas antigas posições.Aindaprosseguíamoscomnossamissão,masestávamosemalertamáximoquantoaoscombatentestalibãs.Abaixodemim,talvezunstrintametrosàminha direita, Danny entrou embaixo de sua árvore da ioga, de pernascruzadas,aindaparecendoumencantadordeserpentes.Eumeposicioneiembaixodaantigaamoreira,ondereapliqueimeucremedecamu lagemememistureicomapaisagem.

Abaixodemim,àesquerda,namesmadistânciadeDanny,estavaAxe,com o ri le mais pesado. Mikey agora estava logo abaixo, talvez uns dezmetros,abrigadojuntoaumarocha.Acimadenóshaviaumdeclive,depoisuma área plana que em seguida subia abruptamente. Eu havia tentadoolhar para baixo, daquele ponto, assim comoMurph, e concordamos querealmente não dava para ver nada sobre o pequeno cume que nosprotegia.

Poruminstante,estávamosasalvo.Axe icoucomoescopoporvinteminutos,depoiseuopegueipelosvinteseguintes.Nenhummovimentonavila.Agorajáfaziamaisdeumahoraemeiaquesoltáramosospastores.E

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ainda estava quieto e tranquilo, quase sem vento. E, Cristo, como estavaquente.

Mikeyestavamaispertodemimesubitamentesussurrou:“Caras,eutenhoumaideia”.

“O que, senhor?”, perguntei, subitamente formal, como se a situaçãoexigisse algum respeito pelo homem que inalmente precisava assumir ocomando.

“Vouatéavilaeversepossopedirumtelefoneemprestado!”“Lindo”,disseAxe.“Vejasepodemearranjarumsanduíche.”“Claro”,disseMikey.“Oquevaiser?Cocôdemulaoubostadecabra?”“Semmaionese”,rosnouAxe.As piadas não eram ótimas, eu sei. Mas, empoleirados lá em cima

daquelamontanha afegã, equilibrando-nos para nos defendermos de umexércitoinimigo,euasachavaquasehilárias.

Imaginoquefosseumsinaldenervosismo,comocontarumapiadaemseu leito demorte.Mas aquilo demonstrava comonos sentíamosnaquelemomento; não absolutamente bem, mas animados o su iciente paraseguirmos com nosso trabalho e ainda lançarmos um comentário leveocasional.Parecendomaiscomnossovelhojeitodeser,certo?Dequalquerforma, eu disse que ia fechar os olhos só por um tempinho, puxei meucapacete camu lado sobreosolhos e tenteidarumadesligada, apesardocoraçãodisparadoqueeunãotinhacomoacalmar.

Maisunsdezminutossepassaram.Subitamente,euouviMikey fazerseu conhecido som de alerta…Ssst! Ssst! Levantei meu capacete einstintivamente olhei à esquerda, para o local onde eu sabia que Axeestaria dando cobertura ao nosso lanco. E ele estava bem ali, rígido, emposiçãodedisparo,apontandooriflediretoparaocumedamontanha.

Eu me virei e olhei direto atrás de mim. Mikey estava de olhosarregaladosparaoaltodomorro,dandoascoordenadas,instruindoDannyparapedirajudaimediatadoQG,seconseguissefazeraconexãodorádiofuncionar. Ele viu que eu estava em cima, olhou ixo para mim, apontoudiretoparaoalto,gesticulandoparaquefizesseomesmo.

AjusteimeuMark 12 em posição de disparo, recuei a cabeça algunscentímetros e olhei para cima. Per ilados no alto do morro, havia entreoitentaecemcombatentestalibãsfortementearmados,cadaumdelescomumAK-47,apontandoparabaixo.Algunscarregavamgranadasdisparadaspor foguetes. À direita e à esquerda, eles começavam a descer rumo aosnossos lancos. Sabia que podiam ver alémdemim,mas não amim. Elesnãopodiam tervistoAxeouDanny.Eunão tinha certeza sehaviamvisto

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Mikey.Meu coração foi ao estômago. E amaldiçoei aqueles ilhos-da-puta

daquelespastoresdecabra,eamimmesmopornãoexecutá-los,quandotodo livro de conduta militar me ensinara a fazer o contrário. Semmencionarmeusinstintosenfurecidos,quehaviammemandadoconcordarcomAxeequeosexecutasse.Eosliberaisquefossemparaoinfernonumacharrete de jegue, e levassem com eles essa porra toda de direitoshumanosouqualquerconversa iadaqueosdeixasse felizes.Queremnosindiciarpor assassinato?Bem, então fodam-se e vão em frente.Mas, pelomenos,nósestaríamosvivospararesponder.Issoaquiéqueerafoda.

Recostei-me na minha árvore. Ainda tinha certeza de que eles nãohaviam me visto, mas sua intenção era fechar o cerco em nossos doislancos.Davapraver isso.Olhei emvolta ediretamente acimademim.Oaltodovaleestavaforradodehomensarmados.Acheiquehaviamaisqueantes. Não havia escapatória subindo direto, nem qualquer possibilidadede deslocamento à esquerda, ou à direita. Na verdade, eles nos haviamencurralado,casotivessemnosvisto.Euaindanãotinhacerteza.

E, até então, nemum tirohavia sidodisparado.Voltei a olharpara oaltodomorro,paraumaúnicaárvoreacimadomeuladoesquerdo,avintemetros, provavelmente. E achei ter visto um movimento. Depois foicon irmado,primeiroumturbante,depoisumAK-47,comocanoapontadoparaaminhadireção,masnãodiretamenteparamim.

Segurei o ri le mais irme e o desloquei ligeiramente na direção daárvore. Quem estivesse ali não podia me ver, pois eu estava num localexcelente,bemescondido.Fiqueitotalmenteimóvel,querodizertotalmentemesmo,comoumaestátuademármore.

Veri iqueiMikey,quetambémnãosemovera.Então,olheinovamentepara a árvore e, dessa vez, aquele turbante dera a volta. Um guerreirotalibã de barba e olhos negros olhava diretamente paramim. O cano deseu AK-47 estava apontado direto paraminha cabeça. Será que ele teriame visto? Abriria fogo? O que será que os liberais achariam de minhaposição?Achoquenãodavatempodesaber.Eudeiumtiroeexplodisuacabeça.

E, naquele instante, as portas do inferno se abriram. O Talibãdesencadeouumaavalanchedetirospracimadenós,montanhaabaixo,detodos os ângulos. Axe estava no lanco esquerdo, tentando interromper atrilha, atirando sem parar. Mikey abria fogo, por cima de minha cabeça,com tudoque tinha.Dannyatiravaneles, tentandomirar comumamãoedesesperadamenteprocurandocontatocomorádio,naoutra.

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Pude ouvirMikey gritando: “Danny, Danny, pelo amor deDeus, façaessa porra desse troço funcionar… Marcus, sem chance agora, parceiro,matatudo!”.

Mas agora o fogo inimigo parecia se concentrar em nossos doishomens de lanco. Eu via a terra e as pedras voarem por todo lado, aonossoredor.OsomensurdecedordosAK-47preenchiatotalmenteoar.EuviaoscarasdoTalibãcaindoao longodocume.Ninguémconsegueatirarcomo nós. Fiquei exatamente onde estava, em minha posição original, eainda parecia estar levando menos tiros do que os outros. Mas, nosminutos seguintes, eles identi icaram a minha localização e o volume deartilhariaemcimademimfoicrescendo.Issoeraruim.Muitoruim.

EuviaqueAxeestavaganhandoseusalvoscommaisrapidezqueeu,poiseleestavacomumamiratelescópica.Eutambémdeveriater,mas,poralgummotivo,nãoaencaixara.

Naquele instante, nós quatro estávamos à toda. Sabíamos conduziruma artilharia como essa, mas precisávamos diminuir o número deinimigos, varrer alguns daqueles bastardos bem rapidinho, aumentarnossas chances. Para eles, icava di ícil nos pegar vindo diretamente decima, o que signi icava que nossos lancos eram o nosso perigo. Euconsegui ver dois deles abrindo caminho na descida, à direita e àesquerda.

Axe acertou um deles, mas na direita estava ruim. Eles disparavamfreneticamente, mas, graças a Deus, erravam. Acho que nós também. E,subitamente,euestavarecebendoumfogointenso.Asbalasexplodiamnotronco da árvore, batiam nas pedras e ao meu redor. De alguma forma,haviabalasvindodaslaterais.

EuchameiMikey,abaixo:“Nóspodemosenfrentá-los,masprecisamosarranjarumlugarnovo”.

“Entendido”, ele gritou de volta. Assim como eu, ele podia ver avelocidadecomqueosinimigosavançavamnoataque.Estávamosatirandoporcincoouseisminutos,mas,cadavezqueocumeacimadenóspareciaesvaziar,elevoltavaaencher.Eracomoseelestivessemreforçoemalgumlugar do outro lado do pico, apenas esperando para vir para a linha defrente.Paraqualquerladoqueolhássemos,elestinhamtoneladasdecarastentandomatarquatroSEALs.

A essa altura, nossas opções eram inexistentes. Ainda não podíamossubirao topodamontanha,poiselesnosmatariamcomocães.Estávamosenquadradosemtrês ladose jamaishouveumsegundosequerdetréguanosdisparos.Nãovíamosnemmetadedelesenãoconseguíamossaberde

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ondeasbalasestavamvindo.Elestinhamtodososângulossobrenós.Os quatro simplesmente continuávamos a largar o dedo, detonando,

vendo-oscair,en iandonovospentes,dealgumamaneiradetendo-os.Masisso era impossível. Tínhamos que sair desse declive e eu precisava meaproximar de Mikey para combinarmos alguma estratégia e, com sorte,salvarmosnossasvidas.

Comecei a me mexer, mas Mikey, como o icial brilhante que era, jáanalisaraasituaçãoedeuacoordenada:“Recuar!”.

Recuarestavamaisparapular–daporradamontanha,issosim;umaquedaquaseempé,logoatrásdenós,Deussabeporquedistânciaabaixo.Masumaordeméumaordem.Agarreimeuequipamentoedeiumpassoao lado, tentando ziguezaguearpelodeclive.Mas a gravidadedecidiupormim, e eu caí, dando uma cambalhota inteira à frente, de alguma formacaindodecostas,aindarolandorápido,ostornozelosbatendonochão.

Aomenos eu achei que estava indo rápido, mas Murphy vinha logoatrás de mim. Dava pra ver que era ele por causa de seu emblemavermelhodebombeirodaCidadedeNovaYork,queeleusavadesdeo11deSetembro.Naverdade,foisóoquevi.

“Te vejo lá embaixo!”, gritei. Mas nessa hora eu bati numa árvore eMikey passou voando, como uma bala. Agora eu estava descendo maisdevagar e tentei dar um passo, mas caí novamente, e lá fui eu, agoraalcançando Mikey, batendo, girando, como se fôssemos bolinhas defliperama.

À nossa frente, havia um aglomerado de árvores e um declive umpoucomenos íngreme, e eu soubequeeranossaúltimaesperança, antesde despencarmos rumo ao vazio. Eu tinha que agarrar alguma coisa.Qualquercoisa.AssimcomoMikey,eeuoviaàfrente,agarrandoosgalhos,arrancando-os,eaindarolandoparabaixo.

Numa fraçãodesegundo,eusoubequenadapodianossalvarecomcertezaquebraríamosacolunaeopescoço,edepoisoTalibãnosmatariasem piedade, como era de se esperar. Mas, naquele instante, caindo emmeioàsárvoresnumavelocidadequepareciade150kmporhora,minhamenteestavaàtoda.

Quase tudo havia sido arrancado de mim ao longo da queda, tudoexceto minha munição e as granadas – todas as minhas mochilas, omaterialmédico,comida,água,equipamentodecomunicação,telefone.Atéperdera meu capacete com a bandeira do Texas pintada. Eu preferiamorrer amaldiçoado a ver algum ilho-da-puta de um terrorista usandoaquilo.

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Eu vira o rádio de Mikey sendo arrancado, conforme tombávamosabaixo. E isso não era nada bom. A alça deminha arma havia rasgado emeu ri le voou. O problema era que o terreno por trás das árvores eratotalmentedesconhecidoparanós,poisnãopodíamosvê-lo ládecima.Sepudéssemos, jamais teríamos pulado; o solo era curvo em cima, depoisfaziaumavoltaembaixo, invertida,comoumaporradeumapistadesaltodeesqui.

Euvoeiporcimadaquelacurvaecaíaoitentanós,batendoprimeirodecostas,eospés.Deiduascambalhotascompletasnoareaterrisseiemmeuspés,aindadescendoaribanceiracomoumfoguete.NaqueleinstanteeusoubequehaviaumDeus.

Antesde tudo,euparecianãoestarmorto,oquese igualavaao feitode Jesus andando sobre a água.Porém, aindamais impressionante, eraofato de ver quemeu ri le estava amenos de dois palmos deminhamãodireita, como se Deus, em pessoa, tivesse vindo a mim para me daresperança.Marcus, eu O ouvi dizer, você vai precisar disso. Aomenos, euachoqueOouvi.Naverdade, juroporDeusqueOouvi.Porque isso, semqualquerdúvidaemminhamente,eraummilagre.Eeunemtiveratempodefazerminhaspreces.

Eu não sabia que distância nós havíamos caído, mas tinha de serduzentosoutrezentosmetros.Eaindadescíamosmuitorápido.ViMikeyàfrente e honestamentenão sabia se ele estava vivo oumorto. Era apenasumapessoa,colidindocontraaterraeaspedras.Senãotivessequebradotodososossosdocorpo,issotambémseriaummilagre.

Eu?Euestavaarrasadodemaispara sentirdoreaindaviameuri levirando aomeu lado. Aquele ri le nunca icou a mais de dois palmos dedistância, ao longo de toda essa quedamortal. E eu sei que isso tudo foiguiadopelamãodeDeus,poisnãohaviaoutraexplicação.

Chegamos à parte mais baixa, ambos aterrissando com um impactoincrível, como se tivéssemos pulado de um arranha-céu. Aquilo foi umtranco e tanto e eu puxava o ar, ofegante, tentando calcular o quantoestavaferido.Meuombrodireitodoía,minhascostasdoíam,numdosladosdemeurostopareciaqueapeletinhasidoarrancada,eeuestavacobertodesangueetodomachucado.

Mas consegui icar em pé, o que, na verdade, foi má ideia, pois osfoguetes começaram a aterrissar bem perto e eu caí de novo. Elesexplodiam mais ou menos inofensivamente, mas levantavam nuvens depoeira, xisto e tiravam fragmentos demadeira das árvores.Mikey estavaaomeu lado, talvez a uns cincometros de distância e nos levantamos do

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chão.Eleaindaestavacomori lepresoàalça.Omeuestavacaídoaosmeus

pés. Eu o peguei e ouviMurphy gritar emmeio às explosões: “Você estábem?”.

Virei-meparaeleeviqueseurostoestavatotalmentepretodepoeira.Atéaporradodentetavapreto.“Vocêtáumamerda,cara”,eudisseaele.“Seajeita!”

Apesarde tudo,Mikey riu, depois eunotei que elehavia tomadoumtiro durante a queda. Havia sangue escorrendo de seu estômago. Mas,nessa hora, houve uma explosão enorme de uma das granadas, muitoperto, perto demais. Nós dois rodopiamos na poeira esvoaçante e logoatrásdenóshaviadoistroncosgrandes,caídos.

Eles estavam cruzados nas pontas, como um par de pauzinhosgigantes de comer comida japonesa, de frente para a montanha, e nosviramossimultaneamente e corremos para nos abrigar. Entramos atrásdos troncos,a salvodasaraivadade tirosporummomento.Ambosaindaestávamos armados e prontos para lutar. Peguei o lado direito eMikey oesquerdo,mantendoguardanaaproximaçãodoflanco.

Agorapodíamosvê-losbem,descendopelos lancosdopenhascopeloqualacabáramosdedespencar.Elessemoviammuitorápido,emboranemde perto com a velocidade com que descêramos. Mikey tinha uma boaposição de tiro em relação a eles e aminha não era ruim. Abrimos fogodiretamente sobre eles, derrubando um por um, conforme seaproximavam. O problema era que eram muitos e parecia não fazerdiferença quantos matávamos, eles simplesmente continuavam vindo.Lembro-medepensarqueaestimativadeduzentosestavamaispróximadaverdadedoqueadeoitenta.

E isso devia ser trabalho de Sharmak. Porque esses caras não eramatiradores peritos, estavam usando ri les de forma bem incorreta, mas,ainda assim, seguiam regras militares para esse tipo de abordagem.Desceramavançandopelas lateraisdocampodebatalha, tentandocercaros lancosdo inimigo,semprenatentativade fecharumcercode360°aocobrirem o alvo. Nós certamente estávamos retardando a suaprogramação,masnãoosdetínhamos.

O fogo nunca parou, nem por cinco minutos. Eles mantiveram aartilharia incessante, disparando saraivadas, mesmo quando não podiamverseualvo.Vieramcomtudoparacimadenós,descendoatéostroncos,eaumentaram o poder de fogo com granadas arremessadas por lança-foguetes.Essescarasnãoestavamsendolideradosporumloucohistérico.

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O comando era de alguém que entendia da estrutura do que estavafazendo. Entendia bem. Bem demais. O ilho-da-puta. E agora eles noshaviamcercadoatrásdos troncos e, como sempre, asbalas voavam,mas,dealgumaforma,nóslevávamosamelhornatrocadetiros.

Mikey ignorava seu ferimento e lutava como um o icial SEAL devefazer, in lexível, irme,deolhos ixosepro issional.Euviaoscarascaindopelo lanco esquerdo, conforme vinham correndo em nossa direção. Domeulado,maisàdireita,osoloeraligeiramentemaisplano,comárvores,enãopareciahavertantosdeles.Cadavezqueapareciaum,euderrubava.

Provavelmente estava claro para eles que eu eMikey não podíamosser desalojados, já que os troncos grandes nos davam cobertura. E foiquando eles partiram para suamaior ofensiva com os foguetes. Aquelestroços malditos, traçando aquela fumaça branca conhecida, eramdisparados em nossa direção, vindo mais de cima da montanha. Eaterrissavamnafrenteeaolado,masnãoatrás,elevantavamumanuvemdeterra,pedrasefumaçaquechoviasobrenós,roubandonossavisão.

Abaixamos nossas cabeças e eu perguntei a Mikey onde diabosestavam Axe e Danny e, é claro, nenhum de nós dois sabia. Tudo quesabíamos era que eles estavamno alto damontanha e ainda não haviampuladocomohavíamosfeito.

“AchoqueAxedevetersemantido irme,lutandodaesquerda”,disseele.“Dannytemmaischancedefazercontatopelorádioláemcima,doqueteriaaquiembaixo.”

Arriscamos uma olhada acima, através da escuridão da fumaça, evimos uma igura despencando pelamontanha, logo à esquerda de ondehavíamos caído. Sem dúvida era o Axe, mas será que ele sobreviveriaàquela queda? Ele estava na primeira colina antes das árvores e, umsegundo depois, voou por cima da curva igual a uma pista de esqui,desabandopelaescarpaquasevertical.Odecliveosalvou,comohaviafeitocomigoeMikey,daformacomoumamontanhaíngremesalvaumsaltadorde esqui, possibilitando que ele prossiga na descida em alta velocidade,semumacolisãofinalcomosoloplano.

Axe chegou inteiro, atordoado e desorientado. Mas o Talibã agorapodia vê-lo, e eles abriram fogo sobre ele, deitado no chão. “Corra, Axe…bemaqui,companheiro,corra!”,gritouMurph,aplenospulmões.

EAxelogorecobrouossentidos,comasbalasvoandoaoseuredor,eele chegouaonossoesconderijo, aterrissandodecostas.É inacreditáveloquevocêpodefazerquandoasuavidaéameaçadadessaforma.

Ele assumiu a ponta esquerda, en iou um pente novo e começou a

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lutar, sempestanejar,defendendonossopontomaisvulnerávelaoataquedo inimigo.Nós três simplesmente continuávamosdisparando, torcendoerezandoparaqueelesdiminuíssememvolume,que tivéssemoscausandoum rombo em seu ataque.Mas não parecia isso. Aqueles caras pareciamumenxameatirando.Eobarulhoeraensurdecedor.

Aperguntaera:ondeestavaDanny?Seráqueaquelepequenoleãodamontanha ainda estava lutando, ainda tentava fazer contato, enquantocombatiaastropasdeSharmak?AindaestariatentandooQG?Nenhumdenóssabia,masa resposta logochegaria.Ládoalto, àdireitadopenhascoprincipal,houveummovimentosúbitoeincomum.Alguémestavacaindo,etinhadeserDanny.

O corpooscilantepassoupelas árvores e rodopiouacimado saltodeesqui,cambaleando,girando,atéapartemaisbaixa,ondeaterrissou,comuma batida seca e horrível. Damesma forma como havia sido com todosnós.MasDannynãosemexia,só icoualideitado,atordoado,oumorto.EofolcloredairmandadedespontouentremimeMikey:nenhumSEALjamaisserádeixadosozinhoparamorrernocampodebatalha.NenhumSEAL.

Largueimeu ri le saí de trás do tronco, numa arrancada.Mikey veiologo após. Axe continuou atirando, para nos dar cobertura, conformenosabaixamosecorremos,atravessandoosoloplano,atéabasedopenhasco.Mikeyaindaestava sangrandonabarrigae eume sentia comose tivessequebradoacoluna,bemembaixodascostas,nabasedeminhaespinha.

ChegamosatéoDanny juntos,o levantamose levamosdevolta,paratrás dos troncos, até o lugarmais seguro por ali. Eles disparavam contranós, ládecima,atravessandooterrenofatal,masninguémfoi feridoe,dealgumaforma,contratodasasprobabilidades,aindaestávamosnabatalha,todosinteiros,excetopelotiroqueacertaraMikey.

Comomédico-residente,eupoderiaterajudado,mastodasasminhascoisas haviam sido arrancadas durante a queda, e não havia tempo paranada, exceto atirar naqueles bastardos que empunhavam os AK-47 eesperar que eles desistissem. Ou, pelo menos, que seus foguetesacabassem.Podiammachucaralguémcomaquilo.Osputos.

Bemali, euestava con iantedequenós conseguiríamos.O soloatrásdenós eraumadescidabemaguda,mas logo abaixo estava anossa vila-alvo,que icavanumterrenoplano,comcasas fortes.Cobertura.Era tudode que precisávamos, com nosso inimigo apanhado em terra plana.Ficaríamosbem.Nósíamospegá-los.

Danny reagiu, endireitou a cabeça e tentou levantar. Mas seu rostoestava contraído. Ele estava sentindo muita dor. Foi quando vi o sangue

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escorrendodesuamão.“Fuiferido,Marcus,vocêpodemeajudar?”,perguntouele.“Todosnósfomosferidos”,respondeuMikey.“Vocêconseguelutar?”OlheiparaamãodireitadeDanny.Seupolegarhaviasidoarrancado.

Eeuovicerrarosdenteseacenaracabeça,a irmativamente,comosuorescorrendoporseurostosujodepreto.Eleajustouseuri le,colocououtropente comapalmadamãoeassumiuseu lugarno centrodenossa linhade fogo. Depois se virou na direção do inimigo. Ele era um cão de raça,olhandomontanhaacima,eabriufogocomtudoquetinha.

Danny, Mikey e Axe arregaçavam o lanco esquerdo, enquanto eusegurava o direito. O tiroteio continuava feroz de todos os lados, massentíamos que havia mais afegãos mortos pela esquerda do que peladireita. Murph gritou: “Vamos ganhar terreno acima, por esse lado”. E,detonando nossos quatro canhões, tentamos sair correndo pelo lancoesquerdo, irmandoopénodecliveíngreme,talvezatélutarmorroacima,seconseguíssemosmatarumnúmerosuficientedeles.

Mas eles também queriam a posição acima e reforçaram o lancodireito, descendo a ladeira, qualquer coisa que pudessem fazer paraimpedir que assumíssemos pela direita. Provavelmentematamosmais decinquenta deles, e nós quatro continuávamos lutando. Acho que elesperceberamisso,poisestavampreparadosparalutaratéoúltimohomem,paraseguraremanossaesquerda,direitadeles.

Haviamuitosdeleseescorregávamosparatrás,descendoainclinação,conforme os combatentes de turbante se aproximavam de nós, fazendo-nosrecuarporteremumnúmeroimensamentemaioremuitomaispoderde fogo. Quando soltaram outra bateria de foguetes, não tivemos outraopçãoanãoserrecuarevoltarparatrásdostroncoscruzados,antesqueelesnosarrancassemascabeças.

SóDeussabiaotamanhodolança-foguetesqueelesestavamusando.MasnósestávamosapenasdescobrindoquetipodetropaSharmakeseushomens realmente compunham: treinados, fortemente armados,destemidos e estrategicamente em cima da pinta. Não exatamente o quehavíamosesperado,aopousaremBagram.

Aliatrásdostroncos,continuamosaderrubá-lospelos lancos,semprequeconseguíamosdisparoslivres.Mas,novamente,oavançoin lexíveldastropas de Sharmak descendo a escarpa sobre nós era simplesmenteopressor.Não tantopelovolumede fogo,masporsua investidadescendopelaesquerdaedireitadenossoposicionamento.

Os troncos nos davam cobertura pela frente e não eram tão ruins a

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noventa graus. Mas, quando eles passavam disso, disparando de umaposição ligeiramente atrás de nós, de ambos os lados – bem, essa haviasido a razãopelaqual saltamosdaquela altura, para começar, arriscandonossos pescoços, sem saber quando ou se aterrissaríamos em solorazoável.

Nãoéramosemnúmerosu icienteparaaproteçãodenossos lancos.Estávamos ocupados demais defendendo a nossa posição contra umataquedeofensivadireta. Imaginoqueospastores lhestivessemditoqueéramos apenas quatro e Sharmak rapidamente calculou que fôssemosfracospelaspontas.

AchoqueumadúziadeSEALsosteriadestruído,masissoseriamdezou doze para um. Éramos apenas quatro e, provavelmente, trinta e cincopara um. Situação conhecida no meio militar como “estar com o saco naparede”.Principalmenteagora,poisnãoconseguíamoschamaracavalariadoQG.

Ali estava uma versão do século XXI da última posição do generalCuster, o Little Bighorn com turbantes. Mas eles ainda não nos haviampegado. E, se eu izesse domeu jeito, jamais pegariam. Eu sabia que nósquatropensávamosexatamenteassim.Noentanto,anossaúnicaopçãoerachegaraoterrenomaisplano.Enãohavianenhumaquiemcima.Sóhaviaumcaminhoaseguirmos.Paratráseparabaixo,descendodireto.

Mike Murphy fez a chamada. “Eles vão nos matar se icarmos aqui!Pulem,puta-que-pariu,pulem!”

E, mais uma vez, nós quatro seguramos nossos ri les, levantamos,encaramos bravamente as balas e seguimos direto para o precipício.Atiramo-nos no vazio, Mikey foi primeiro, depois eu, depois Axe, depoisDanny.Aquedadevetersidodenoveadozemetros,rumoaumpunhadodearbustos,aolongodeumpequenocórrego.

De jeito algum estávamos na base dessa pequena escarpa, mas, aomenos, voltáramos a icar num terreno plano, sem ter que nosmanter àbeira de um precipício. Eu caí direto em cima do Mikey, depois Axe eDanny caíram em cima de nós dois. Nem havia tempo para soltar unspalavrões.

Nósnosespalhamosevoltamosaassumirnossaposiçãodeartilharia,novamente nos preparando para detonar o inimigo e afastá-lo de nossoslancos,ondeeles certamente começariamsuanova investidanopróximoestágiodabatalha.Elesdesciamasrochasànossadireitaeeutentavameassegurar de que nenhum deles conseguisse chegar à parte mais baixa.Meu ri le parecia estar pegando fogo e eu só continuava acarregá-lo,

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atirando,mirandoedisparando,desejandomuito ainda termeu capacetedoTexas.

Tentávamos assumir uma posição decente, entre as rochas, abrindocaminhorumoaodescampado.Masagoraestávamossobfogo.OTalibãnosvira e mandava uma chuva de balas para baixo, disparando de umaposição privilegiada, do alto. Recuamos perto das pedras e Danny foiacertadooutravez.

Eles o acertaram na base das costas e a bala saiu pela barriga. Eleainda estava atirando. Só Cristo sabe como, mas ele estava. A boca deDanny estava aberta e havia sangue pingando. Havia sangue por todaparte.Estavaquenteeomaucheiroera inconfundível, oodordepólvorapesavanoar,eobarulho,quenãocederadesdequeelesabriramfogo,eraensurdecedor. Nossos ouvidos estavam ecoando das explosões como seestivéssemosusandofonesdeouvido.

Eelesvoltaramalançarasgranadas.Vimosafumaçabrancariscandoo ar. Vimos que vinham, descendo aquele declive sinuoso pelas pontas,direto em nossa direção. E, quando explodiram, o estouro foi sufocante,ecoandodaspedrasdegranitoquenoscercavam,portrêslados.

Era como se o mundo estivesse explodindo ao nosso redor, com osfragmentosderochavoando,algunsbemgrandes,soltando-sedasparedespedregosas; as balas ricocheteavam; a poeira em redemoinho nosencobria,sufocava,escureciatudo.

Murph estava tentando reavaliar a situação, desesperadamenteprocurandotomaradecisãocerta,apesardenossasopçõeslimitadas.E,cápra nós, as opções não haviam mudado muito desde que eu haviadisparadoum tironomeiodos olhosdaquele cara.Naquele instante, nãoestávamoscercadospelos lancos;nossoinimigoestavamuitoàfrente.Ouseja,bemacima.Noalto.Eissoéruim.

Acho que a mais antiga estratégia militar do mundo é ganhar oterreno mais alto. Em minha experiência, nenhum comandante talibãjamaisordenouaosseushomensque izessemqualquercoisa,exceto lutarpelo lugarmais elevado. Ora, e como tinham isso agora. Se estivéssemosnummilharal,nãoserianadaperigoso,poisasbalasbateriamnochãoealiicariam.Mas estávamosnum cantodeparedesde granito e tudobatia evoltava, a zilhões de quilômetros por hora, o que é mais ou menos ade iniçãodeumricochete.Tudo, asbalaseos fragmentos, zuniadevolta,daquelas pedras. Para nós, parecia que o Talibã obtinha um resultadoduplo a cada tiro. Se errassem a bala, era bom que olhássemos peloricochete.

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E por quanto tempo mais poderíamos prosseguir sob essebombardeio, sem sermos mortos, era pura adivinhação. Murph e Dannyhaviam tomado a luta da esquerda e ainda estavam atirando, aindaacertavam bem. Eu atirava para o alto, procurando acertá-los ao saíremdas rochas e Axe se in iltrara numa boa posição, em meio às pedras,detonandoosturbantesquevinham.

TantoMurph quanto eu torcíamos por uma diminuição do poder defogo, o que signi icaria que teríamosmatado umbomnúmero deles.Masaquilo nunca chegava. O que chegavam eram reforços. Os reforços doTalibã.Gruposdecarasqueseaproximavam,substituindoseusmortos,sejuntandoàlinhadefrentedessatropaimensa,emseusolonatal,armadosatéosdentes,eaindaincapazesdematarqualquerumdenós.

Tentamoslevaralutaatéeles,concentrando-nosemseuspontosmaisfortes, levando-osa reforçar a linhadebatalha.Nãohavia três carasquelutassem com mais coragem do que meus companheiros naquelasmontanhas. E quase cercados como estávamos, ainda acreditávamos quepoderíamosacabarderrotandonossoinimigo.Aindatínhamosmuniçãodesobra.

MasDannyfoinovamenteatingido.Umtirovarouopescoçoeelecaiuaomeulado.Elesoltouseurifleecaiunochão.Eumeestiqueiparapegá-loe arrastá-lo para mais perto da rocha, mas ele conseguiu se reerguer,tentando me dizer que estava bem, apesar de ter sido atingido quatrovezes.

AgoraDannynãoconseguiafalar,masnãoseentregava.Eleseapoiounuma pedra, para cobertura, e novamente abriu fogo contra o Talibã,sinalizando que podia precisar de mais um pente, conforme seu sanguederramava. Eu só iquei ali, em pé, por um instante, impotente, lutandocontra as lágrimas, testemunhando um tipo de valor que jamais tivera oprivilégiodever.Quecara.Queamigo.

Murphgritoumeunome. “Oúnico jeitoédescer,garoto”, comoseeunãosoubesse.Egriteidevolta:“Entendido,senhor”.

Eu sabia que ele se referia à vila e era verdade. Aquela era nossachance.Seconseguíssemosentrarnumadaquelascasasenosalojarnela,seria di ícil nos tirar. Quatro SEALs atirando de uma cobertura concretageralmenteconseguemdar contado trabalho.Tudoque tínhamosa fazerera persuadir o Talibã, lá embaixo. Porém, se nos minutos seguintes ascoisasnãomelhorassemmuito,talveznãoconseguíssemos.

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8AÚLTIMABATALHAPELOCUMEDEMURPHY

O chão tremeu. As poucas árvores balançaram. Obarulho foi o pior do dia todo… Era um esforçogigantesco do Talibã para acabar conosco. Fomosao chão… para evitar os escombros fatais,fragmentosderochasedegranadas.

O tenente Mikey Murphy berrou a ordem, pela terceira vez na batalha.Mesmamontanha.Mesmocomando.“Recuar!AxeeMarcusprimeiro!”

Novamente, ele, na verdade, queria dizer pulem! E já estávamosicando acostumados àquilo. Axe e eu corremos até a beirada, enquantoMurphyeDanny,en iadosnaspedras,abriamfogoparacobrirnossafuga.Eu não tinha ideia se Danny conseguiria voltar a se mexer, com todosaquelesferimentos.

Bem ali, estendido no alto do precipício havia um tronco de árvore,comumpedaçoocoporbaixo,comosetivessesidogastopelachuva.Axe,queeraocaraderaciocíniomaisrápidoqueeujáconhecera,seguiudiretoparaaparteoca,poisotroncodeárvorelhedariacobertura,conformeelemergulhasse rumo ao diabo que houvesse depois da borda do malditoprecipício.

O esguio Axe bateu no solo como um dardo, rapidamente deslizoupara o buracodo tronco e rumoao espaço. Eubati no chão comoum boitexano longhorn e saí derrapando, até ir parar emperrado, embaixo dotoco.Nãoconseguiairparaafrente,nemparatrás. Mefodi.Masquecoisachata,hein?

Aessaaltura,oTalibãjámevia.Eueraoúnicoqueelespodiamvereouvi a saraivada de balas pipocando ao meu redor. Um tiro acertou aárvore, bem à minha direita. O restante veio perfurando a terra elevantandonuvensdepoeira.Tenteimeerguerpertodo toco.Tenteicomtodaaminha força,masnão conseguiadeslocar aquelamerda.Eu estavapreso.

Tentavaolharparatrás,imaginandoseMikeynãoestariamevendoepudesse tentar um resgate, quando, subitamente, vi a trilha branca defumaçadofoguetevindonadireçãodamontanha.Ofoguetecolidiucomotroncodaárvore,bemaomeuladoeexplodiucomumestrondo,conforme

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eutentavafreneticamentedesviardele.Nãoseidizeroquehouveaseguir,mas a explosão partiu o tronco em dois e me livrou, ao me arremessardiretoporcimadabeirada.

AchoqueeramaproximadamenteunsquatrometrosdedescidaeAxejáassumiaaposiçãodefogo,quandoaterrisseiaoseulado.Considerandoqueeuacabaradeserarremessadodabeiradeumdespenhadeirocomoumaporradeumabalahumanade canhão, achoque tivemuita sortedeaindaestardepé.Eali, bemaomeu lado, estavameu ri le, colocadopelaMãodoPróprioDeus.

Eu o peguei e ouvi novamente a Sua voz.Mas, dessa vez, não houvebarulho, só um segundo de silêncio em minha mente, em meio a todoaquele caos e maldade desse esforço monstruoso pela supremacia,aparentementeconduzidoemnomedoProfetaSagradoMuhammad.

Eunãoestavabemcertosealgumdelesteriaaprovado.Nãoconheçomuito deMuhammad,mas, por tudo que é sagrado, acho quemeu Deusnão queria que eu morresse. Se Ele tivesse sido indiferente à minhasituação, certamente não teria tomado tanto cuidado com aminha arma,certo? Pois, de que outra maneira ela ainda estaria comigo, eu jamaissaberei.

Até agora, aquele ri le já enfrentara três batalhas isoladas, em trêslugares diferentes, sendo arrancado duas vezes dasminhasmãos, tendovoadodeumprecipícioporumagranadapoderosa,caídoquasetrezentosmetrosmontanhaabaixoe,dealgumaforma,aindaestavaaomeulado,aoalcance da mão. Um acaso feliz? Acredite no que você quiser. Minha fépermaneceráinabalável.

Dequalquer forma,euopegueie fuiparatrásdaspedras,ondeAxeagora estava sob a artilharia inimiga. Mas ele estava bem posicionado ereagindo, detonando pela esquerda, lanco pelo qual lutou tãodesesperadamente, por tanto tempo. Na verdade, fora por quarentaminutos,maspareciamserdezanos,enósdoiscontinuávamosemfrente.

Assim como Mikey e Danny, que, de alguma maneira, conseguiramcair para o declivemais baixo, próximo ao córrego, onde o ataque talibãnãoestava tão intenso.Ainda.Apropósito,estávamoscomumaaparênciachocante,principalmenteDanny,queestavacobertodesangue,dacabeçaaos pés. Axe estava bem, apesar de muito machucado, e Mikey estavaencharcadodosanguequesaíadeseuferimentonoestômago;nãotãomalquantoDanny,porémnadabonito.

Quando aquela granada me arremessou por cima do penhasco, elaprovavelmente teria mematado, masmeu único ferimento era um nariz

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quebrado,queaconteceuquandobatinochão,semi-inconsciente.Paraserhonesto, doía de forma infernal, como minhas costas, e eu estava com aroupa toda ensanguentada. No entanto, eu não havia sido alvejadogravementecomomeusdoiscompanheirosdeequipe.

Axe mantinha os tribais a distância, calmamente debruçado sobreuma rocha, disparando morro acima, como um verdadeiro guerreiro deeliteemcombate.

Nada de pânico, com irmeza total, atirando comprecisão, poupandosua munição, sem errar nada. Eu estava perto dele, numa situaçãoparecida,enósdoisacertávamosbem.Subitamente,apareceu umcaradonada, pouco acima de nós, e eu o matei, a uma distância de uns trintametros.

Masestávamosnovamenteencurralados.Aindahaviacercadeoitentadesses maníacos descendo em nossa direção, e isso era um bocado deinimigos. Não sei qual seria sua proporção de mortos, pois tanto Mikeyquanto eu havíamos calculado que Sharmak mandara uns 140 homenspara essa luta. Seja lá quantos fossem, nós ainda estávamos ali, e eu nãotinhacertezadequantotempoDannyaindacontinuariaemfrente.

Mikey trabalhava aomeu lado e disse, com o velho humorMurphy:“Cara,masissotáumabosta”.

Eumevirei para encará-lo: “Vamosmorrer aqui nestaporra, se nãotomarmoscuidado”.

“Eusei”,disseele.Eabatalhacomia.Otiroteiomaciçodeuminimigomuitodeterminado

contra nossaexpertisemaisprecisa,maisbemtreinada,comconcentraçãosuperior e maisknow-how de guerra. Mais uma vez, centenas de balasricocheteavam ao nosso redor. E, novamente, o Talibã prosseguiu com asgranadas, explodindo o terreno à nossa volta. Presos entre as pedras,continuávamos a lutar, mas Danny estava muito encrencado e eu temiaqueelepudesseperderaconsciência.

Foiquandoelevoltouaseratingido,bemnabasedopescoço.Euolhei,aterrorizado, vendo Danny cair, esse caramaravilhoso, marido de Patsy,meu amigo há quatro anos, um cara que sempre fora o último a entrarquandorecuávamos,umcaraquesemprenosdeu fogodecobertura, atéquenãopôdemaisaguentar.

E agora lá estava ele, deitado no solo, com o sangue derramando deseus cinco ferimentos. E eu deveria ser umporra de um SEALmédico, enão podia fazer merda nenhuma por ele sem que todos morressem.Largueimeuri leesubinarocha,correndoemcampoaberto,parapegá-

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lo.Estácerto,estácerto.Nadadeconversa iadadeherói.Euchoravacomoumbebê.

Danny estava ensopado de sangue, ainda consciente, ainda tentandodispararseuri lenoinimigo.Maseleestavacomorostoparabaixo.Eulhedissepara irdevagar,queestávamosbem,enquantoodesvirava. “Venha,Dan,vamosficarbem.”

Ele acenou a cabeça e eu soube que ele não conseguia falar eprovavelmente não falariamais. O que lembro é que ele não largava seuri le. Eu o suspendi pelos ombros e o coloquei numa posição quasesentado. Então, peguei-o por baixo dos braços e comecei a arrastá-loandando de costas, na direção do abrigo. E você acredita que aquelepequenoleãodeaçoaindaabriufogonoinimigomaisumavez,deitadodebarrigaparacima,disparando,enquantoeuoarrastava?

Havíamos percorrido uns oito metros quando o que eu temiaaconteceu.Ali estavaeu, indefeso, tentandoandarde costas, comasduasmãos ocupadas, quando, subitamente, um guerreiro talibã surgiu daspedras, ànossadireita.Eleestavaacimadenós,olhandoparabaixo, comumsorrisonorosto,apontandooAK-47diretoparaminhacabeça.

Nenhumdenósoviuatempoderevidar.Eusó izumarápidaoraçãoeoencarei.FoiprecisamentequandoAxemandouduasbalasnomeiodosolhos do tribal e o matou instantaneamente. Não tive tempo paraagradecer-lhe,porqueasgranadasnãoparavamdechegareeusótentavaarrastar o Danny para um lugar seguro. E, assim como Axe, Dannycontinuavalutando.

Euoleveiatéaspedras,aalgunsmetrosdeMikey.Eestavaclaroqueo inimigo já quase conseguira nos cercar pela quarta vez, hoje. A julgarpela direção, dava para ver a rota dos disparos e dos foguetes. Dannyaindaestavavivoequerendo lutar, eMikeyagora lutavaombroaombrocomAxe,eestavamfazendoumgrandeestrago.

Eu ainda achava que tínhamos uma chance de escapar, porém,maisumavez, aúnicaopçãoeradescer, nadireçãodaquela vila, rumoao soloplano.Lutarmorroacima,comoestávamosfazendo,desdeocomeçodessabatalha,segundoaspalavrasdenossooficialdemissão,estavaumabosta.

Eu gritei, bem alto: “Axe, andando!”. Ele teve tempo de responder:“Entendido!”. Antes de o acertarem no peito. Eu vi o ri le caindo de suasmãos.Eletomouàfrenteedeslizoupelapedra,ondeestiveraapoiado,indoatéochão.

Eu simplesmente congelei. Isso não podia estar acontecendo. MattAxelson, um cara da família, melhor amigo de Morgan, parte de nossas

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vidas. Comecei a gritar seu nome, sem parar, irracionalmente. Dentro demim,euachavaqueDannyestavamorrendoetudoquepodiavereraumamanchadesanguenaterravermelhaondeAxeestavacaído.Porumbreveinstante,acheiqueestavaperdendoacabeça.

Então, Axe esticou o braço, pegou o ri le e se levantou. Ele ajustou aarma, pegou outro pente, en iou na culatra e voltou a abrir fogo, com osangue escorrendodopeito.Manteve amesmaposiçãode fogo, inclinadosobre a rocha. Demonstrava a mesma atitude de um SEAL irme, comknow-how,amesmasolidezformidável,olhandoporsuamira,vasculhandooterrenocomaquelesolhosazuisbrilhantes.

QuandoAxese levantou, foioatomais corajosoque jávi.ExcetoporDanny. Exceto porMikey, ainda nos comandando, depois de ser alvejadocomumabalaemseuestômago,bemnocomeçodabatalha.

E agora Murph estava engendrando uma forma de descermos aescarpa. Ele escolhera a rota e chamara Axe para segui-lo abaixo. E asbalascontinuavamachoveraonossoredor,conformeoTalibãiniciousuaperseguição. Mikey e Axe estavam uns setenta metros à frente, e euarrastavaDannyao longodo caminho, enquanto ele fazia tudoquepodiaparaajudar,tentandoandar,tentandonosdarfogodecobertura.

“Tudobem,Danny”,eu icavadizendo.“Nóssóprecisamosalcançarosoutros.Vaificartudobem.”

Bemali,umabalaoatingiunoaltodo rosto.Ouvi acertaremcheioeme virei para ajudá-lo, e o sangue do ferimento de sua cabeça jorravasobre nós dois. Gritei seu nome.Mas era tarde demais. Ele já não estavamaislutandocontraaqueladorterrível.Enãopodiameouvir.Danny Dietzmorreu bem ali, em meus braços. Eu não sei com que velocidade oscoraçõessepartem.Masaquiloquasepartiuomeu.

E os tiros não cessaram. ArrasteiDanny, tirando-o do campo aberto,por talvez ummetro emeio, depoisme despedi dele. Eu o abaixei, e tiveque deixá-lo, oumorreria bem ali, com ele.Mas uma coisa eu sabia, comcerteza. Eu ainda tinha meu ri le e não estava sozinho. Nem Danny, umcatólicodevoto.EuodeixeicomDeus.

Agora eu tinha que voltar para ajudar a minha equipe. Foi a coisamaisdifícilquefiznaminhavida.

Até hoje tenho pesadelos com isso, um sonho arrepiante, no qualDannyaindaestáfalandocomigoehásangueportodaparte,etenhoquemeafastarsemsequersaberomotivo.Sempreacordoaosprantos,e issosempreirámeassombrar.Écomosejamaisfossesumir.

E agora eu podia ouvir Murph me chamando. Agarrei meu ri le,

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abaixei-me e escorreguei de cima da pedra, depois comecei a correr emsua direção e de Axe, enquanto eles davam cobertura, atirandoincessantemente, mirando o reduto dos talibãs, talvez a uns quarentametrosatrás.

Chegueiàbeirada, corri emdireçãoaumaárvore,quasecegamente,batievoltei,deslizeipelarampa,quenãoeramuito funda,eaterrisseidecabeça, em frente à porra do córrego. Como qualquer homem-rã que sepreza,fiqueimuitoputoporterenchidoabotadeágua.Detestoisso.

Finalmente os alcancei. Axe estava sem munição e eu lhe dei outropente.MikeyqueriasaberondeestavaDannyeeutivededizerqueDannytinhamorrido.Ele icouhorrorizado, completamentechocado,assimcomoAxe. EmboraMikey não tivesse dito, eu sabia que ele queria voltar parapegar o corpo.Masnós dois sabíamosquenãohavia tempo, nemmotivo.Nãotínhamosparaondelevarumcompanheiroabatidoenãopoderíamosseguiressalutacarregandoumcorpo.

Dannyestavamorto.E,estranhamente,fuioprimeiroamerecompor.Subitamente, eu disse: “O negócio é o seguinte. Temos que descer essaporradessamontanha,ouvamostodosmorrer”.

E, como se os talibãs tivessem tomado a decisão por nós, lá estavameles novamente, se aproximando, tentando fazer um cerco de 360° aonosso redor. E estavam fazendo. A artilharia agora vinha de baixo.Podíamosverostribaissubindo,etenteicontá-los,comovinhatentandoháquaseumahora.

Acheiqueagorasóhaviaunscinquenta,talvezsessenta,masasbalascontinuavam voando. As granadas ainda explodiam perto, levantandonuvens de fumaça e terra, junto com fragmentos de pedra que voavam.Elesnuncafizeramumapausanofogoquemandavamparacimadenós.

Nesse instante, mais uma vez abaixado atrás das rochas, nós trêspodíamos olhar para baixo e ver a vila, a dois quilômetros de distância eelacontinuavaasernossoobjetivo.

Novamente, eu disse a Mikey: “Se ao menos conseguíssemos desceraté lá e arranjássemos uma cobertura, nós os conduziríamos todos aoterrenoplano”.

Eusabiaquenãoestávamosembomestado.MasaindaéramosSEALs.Nada podia nos tirar isso. Ainda estávamos con iantes. E jamais nosentregaríamos. Se chegasse a isso, lutaríamos até a morte, com nossasfacas,contraasarmasdeles.

“Foda-se a rendição”, disse Mikey. E ele não precisou explicar maisnada,nemproAxe,nempramim.A rendição seriaumadesgraçapara a

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nossa comunidade, como tocar o sino à beira do moedor e colocar seucapacete na linha. Ninguém que tivesse ido tão longe, nessa terra deninguém,nasmontanhasafegãs,sonhariaemdesistir.

Lembre da iloso ia dos SEALs: “Jamais desistirei… Minha naçãoesperaqueeuseja isicamentemaisduroementalmentemaisfortedoquemeus inimigos. Se eu cair, voume levantar, todas as vezes. Recorrerei acada milímetro de força restante para proteger meus companheiros deequipe…jamaisestouforadecombate”.

Aquelaspalavrasmantiverammuitoshomens corajosos ao longodosanos.ElaforamgravadasnaalmadetodososSEALs.Eestavamemnossasmentes.

Mikeysubitamentedisse,acimado furordabatalha: “Lembre, irmão,jamaisestamosfora”.

Euconcordei,sério.“Sãosómilmetrosdeterrenoplano.Seaomenosconseguirmoschegaratélá,temosumachance.”

Oproblemaeraquenãoconseguiríamoschegaratélá,pelomenosnãonaquele instante.Porque,maisumavez, estávamos imobilizados.Ediantedo mesmo dilema: a única escapatória era descer, mas nossa únicaestratégia de defesa era subir. Mais uma vez, tivemos que sair daquelepatamar,nosdistanciandodosricochetes.Recuaroflancoesquerdo.

Tentávamos lutar a batalha do nosso jeito. Mas, apesar decontinuarmos seguindo adiante, estávamos muito esgotados. Eu liderei ocaminho de volta às rochas, detonando, atirando em qualquer um quevisse.Maseles logoperceberamissoerealmenteestavamdescarregandoem cima de nós, mandando as granadas russas de lança-foguetes. Elasdesciamdiretopeloflancodireitodeles,ànossaesquerda.

O chão estremeceu. As poucas árvores balançaram. O barulho foi opiordodiatodo.Atéasparedesdepedradessapequenavaletasacudiram.Acorrentezaespirrouporcimadasmargens.EraumesforçogigantescodoTalibãparaacabarconosco.Fomosaochão,caindosobreosolopedregoso,decabeçasbaixas,paraevitarosescombrosmortais,fragmentosderochase de granadas. Assim como antes, eles não mataram ninguém com essebombardeioestrondosoe, tambémcomo jáhaviaocorrido,esperaramatéqueapoeirabaixasseevoltaramaabrirfogo.

Acimademim,euviaalinhadasárvores.Nãoestavatãoperto,porémmais perto que a vila.Mas o Talibã sabia nosso objetivo e, àmedida quetentamos lutar para seguirmos adiante, eles nos izeram recuar, sob fogointenso.

Contra todas as probabilidades, havíamos tentado, e simplesmente

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nãoconseguíramos.Elesvoltaramanosobrigararecuar.Enósdescemos,dandoumavoltapatéticaeregressandoao lugarondeestávamos.Porém,maisumavezfomospararnumbomlugar,emboaposiçãodefensiva,bemprotegidospelafrentedarocha,nosdoislados.Novamentetentamoslevara luta até eles, escolhendo nossos alvos e levando-os para trás, agoraganhandoalgumterritórionadireçãodavila.

Elesgritavamdiantedenóseabatalhaseaproximavadocombateacurta distância. Nós gritávamos de volta e continuávamos atirando. Masainda havia muitos deles. Então, eles assumiram um posicionamentomelhoreacertaramMikeyMurphynomeiodopeito.

Ele veio em minha direção, pedindo outro pente. Então vi Axecambaleando até mim, com a cabeça esticada para a frente, o sangueescorrendoporseurosto,descendoporumferimentohorrendonacabeça.

“Eles me acertaram, irmão”, disse ele. “Os bastardos me acertaram.Você pode me ajudar, Marcus?” O que eu podia dizer? O que eu podiafazer? Eu não podia ajudar, exceto tentando combater o inimigo. E Axeestavaàminhafrente,bemnaminhalinhadefogo.

Tentei ajudá-lo a entrar atrás de uma rocha. Eme virei paraMikey,que agora estava obviamente muito ferido. “Dá pra se mexer,companheiro?”,pergunteiaele.

E ele apalpou o bolso, em busca do telefone celular, que não seatrevera a usar para não delatar nossa posição. E o tenente Murphycaminhou para campo aberto. Andou atémais oumenos o centro, com otiroteio ao seu redor e sentou-se numa pequena pedra e começou aapertarosnúmerosdoQG.

Eu podia ouvi-lo falando. “Meus homens estão sob fogo pesado…estamos sendo triturados.Meu pessoal estámorrendo aqui… precisamosdeajuda.”

EnessahoraMikeylevouumtironascostas.Euviosanguedescendopor seu peito. Ele caiu de frente, soltando o telefone e seu ri le.Mas serecompôsepegouosdoisdevolta,novamentesesentou,emaisumavezlevouotelefoneaoouvido.

Eu o escutei falando novamente. “Entendido, senhor. Obrigado.”Depois se levantou e cambaleou para o nosso posicionamento ruim, quemantinha guarda à esquerda, e Mikey simplesmente voltou a abrir fogocontraoinimigo.

E ele os acertava, depois de ter feito aquela última ligaçãodesesperada para a base, aquela que podia nos salvar, se elesconseguissemmandarajudaatempo,antesquefôssemosmassacrados.

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Só eu soube o que Mikey fez. Ele entendia que só tínhamos umachance realista, e essa era pedir ajuda. Também sabia que só havia umlugardeondepoderia fazero telefonecelular funcionar:nodescampado,longedasparedesdospenhascos.

Sabendo do risco, compreendendo o perigo, com total conhecimentode que a ligação telefônica poderia lhe custar a vida, o tenente MichaelPatrick Murphy, ilho de Maureen, noivo da bela Heather, adentrou atempestadedebalas.

Seu objetivo era claro: fazer essa última tentativa para salvar seuscompanheiros de equipe. Ele fez a ligação, conseguiu a conexão. Relatounosso posicionamento aproximado, a força de nosso inimigo e o quanto asituação era séria. Quando o acertaram, imagino que mortalmente, eleprosseguiufalando.

Entendido, senhor. Obrigado . Será que um dia essas palavras irão seapagardeminhamemória,mesmoqueeuvivacemanos?Seráqueumdiaas esquecerei? Você esqueceria? E houvera, algum dia, um SEAL tãograndioso, comandantedeumaequipe,umo icialque lutasseatéo im, etalvez, em seu último passo, arriscasse tudo para salvar seus homensrestantes?

DuvidoquetenhaexistidoalguémmelhordoqueMikey,tranquilosobo fogo cruzado, sempre pensando, destemido quanto a uma ordem decomando, por mais que parecesse impossível. Depois, o último e heroicoato. Não um gesto. Um ato de valor supremo. O tenente Mikey era umapessoamaravilhosaeumSEALmuito,muitobom.Selheconstruíssemummemorial, tão alto quanto o edi ício Empire State, isso não seria alto obastanteparamim.

Mikeyaindaestavavivoeseguiuemfrente,mantendo-seàesquerda.Fiquei à direita. Nós dois atirávamos cuidadosamente, com precisão. Euaindatentavaganharumpoucodeterrenoacima.MasoexércitoreduzidodoTalibã estavadeterminadopara que eunão conseguisse e, a cada vezqueeu tentavaavançar,mesmoquealgunsmetrosacima,elesme faziamrecuar. Mikey também ainda continuava tentando subir mais e ele atéganhou um pedaço do caminho, entrando na fenda da rocha em que euestava.Eraumbompontodeataque,porém fracoparaadefensiva.E eusabiaqueessacertamenteseriaaúltimainvestidadeMikey.

Naquele instante,Axepassoupormimmeio tonto,na tentativade semanteratrásdarocha.Entãovioferimento,nalateraldesuacabeça,quequase foraarrancada.Eeugritei: “Axe!Axe! Vamos,meuvelho camarada.Abaixeaqui,aquiembaixo.”

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Eu estava apontando para o lugar em meio às pedras, onde elepoderia encontrar proteção. E ele tentou erguer a mão, num gesto decon irmaçãodequemeouvira.Masnão conseguiu.E continuouandando,lentamente,inclinadoàfrente,jásemsegurarseuri le.Eleestavasócomapistola,maseusabiaqueelenãoconseguiriasegurar,miraredisparar.Aomenosseguiaparaseabrigar,emboraninguémpudessesobreviveraumferimentodaquelesnacabeça.EusabiaqueAxeestavamorrendo.

Mike ainda estava atirando, mas, subitamente, eu o ouvi gritar meunome,umberrodearrepiaratéosossos:“Ajude-me,Marcus!Porfavor,meajude!”. Ele erameumelhor amigo nomundo inteiro,mas estava a trintametros acima da montanha e eu não podia chegar até ele. Eu malconseguiaandare,sememovessedoismetrosdeminhaposiçãodeabrigo,elesmeacertariamcembalas.

Entretanto,deiavoltanaspedrase, tentandoabrir fogopara lhedarcobertura, forçando os bastardos a recuarem, provendo-lhe mais umfôlego,atéqueeupudesseacharumjeitodesubiratélásemsertriturado.

Edurante todoo tempoele icougritando, chamandomeunome,meimplorando para ajudá-lo a continuar vivo. E não havia nada que eupudesse fazer, exceto morrer com ele. Mesmo então, com apenas doispentes restantes, euainda acreditava que podia pegar aqueles ilhos-da-puta de turbante e, de alguma forma, salvar Axe e ele. Eu só queria queMikeyparassedegritar,quesuaagoniacessasse.

Mas, com intervalos de segundos, ele me chamava novamente. E, acada vez que acontecia, eu sentia como se tivesse levado uma facada. Aslágrimasbrotavamemmeusolhos,descontroladamente,nãopelaprimeiravez no dia. Eu teria feito qualquer coisa por Mikey, teria dado minhaprópriavidaporele.Masminhamorte,ali,emmeioàquelasrochas,nãoosalvaria.Eusóosalvariapermanecendovivo.

Então, damesma forma repentina como haviam começado, os gritospararam.Houve silêncio por algunsmomentos, como se esses guerreirostalibãs tivessem entendido que Mikey havia morrido. Eu me moviligeiramente à frente e olhei lá para cima, a tempo de ver quatro delesdescendoedisparandováriostirosemseucorpocaído.

Os gritos haviam parado. Para todos, exceto para mim. Ainda ouçoMikey, toda noite. Ainda ouço seus gritos acima de todas as coisas, atéacima da morte de Danny Dietz. Durante várias semanas eu pensei queestava perdendo a razão, pois nunca conseguia deixar aquilo de lado.Houveumaouduasocasiõesemque,emplenaluzdodia,eumevicoladonaparede,comasmãoscobrindoosouvidos.

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Sempreacheiqueessesproblemaspsiquiátricos fossemsofridosporoutras pessoas, gente comum, não por SEALs. Agora conheço suarealidade.Tambémduvidoquevoltareiadormirumanoiteinteira.

Danny estava morto. Agora Mikey estava morto. E Axe estavamorrendo. Naquele instante, éramos apenas nós dois. Ainda. Resolvicaminhar até onde Axe estava escondido emorrer ali, com ele. Eu sabiaque provavelmente não haveria saída. Ainda havia cerca de cinquentainimigos,talvezcaçandoapenasamim.

Leveiunsdezminutosatirandoparatrás,esporadicamente, tentandomantê-los no lugar… só para garantir. Eu atirava pensando na chanceremota de sobrevivência, que de algumamaneira a ligação telefônica deMikeypudesse trazeros carasatéaqui a tempodeumresgatedeúltimominuto.

Quando cheguei atéAxe, ele estava sentadonumburaco e arranjarauma bandagem temporária para a lateral de sua cabeça. Olhei para ele,imaginando para onde haviam ido aqueles olhos azuis. Os olhos em queagora eu via meu próprio re lexo, eram vermelho-escuro, as órbitaspreenchidaspeloferimentohorrendoemseucrânio.

Sorriparaele,poissabiaquenósnãocaminharíamosmais juntos.Aomenos,nãonestaterra.Axenãoteriamuitotempo.Mesmoseestivessenomelhor hospital da América do Norte, não teria muito tempo. A vida seesvaía dele e eu podia ver aquele superatleta poderoso icando cada vezmaisfraco,acadasegundoquepassava.

“Ei, cara”, eu disse, “você tá todo fodido!” E tentei, penosamente,arrumarabandagem.

“Marcus,elesnospegaramfeio,cara”,disseele,comdi iculdade,comose tentasse se concentrar.Depois ele disse: “Fique vivo,Marcus. E diga aCindyqueeuaamo”.

Aquelas foramsuasúltimaspalavras.Apenas iqueiali sentadoeeraondeplanejava icar,bemali,comAxe,paraqueelenãoestivessesozinhoquando chegasse o im. Eu já estava pouco me fodendo com o que meacontecesse.Silenciosamente, izaspazescomDeus,elheagradeciporterme protegido e por salvar meu ri le, o qual, por algummotivo, euaindatinha. Não tirei os olhos de Axe, que agora estava semiconsciente, masaindarespirava.

Junto com os outros dois, Axe sempre fora um herói para mim. Aolongo desse con lito breve, porém brutal, ele lutou como um tigre ferido.ComoAudieMurphy, como o sargento York. Eles atiraram em seu corpo,aleijaramseucérebro,masnãoseuespírito.Isso,elesnuncaconseguiram.

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Matthew Gene Axelson, marido de Cindy, atirou no inimigo até nãopodermaissegurarseuri le.Eletinhaacabadodefazervinteenoveanos.E,emseusmomentos inais,eunãotireiosolhosdele.Achoqueelejánãopodiamaisme ouvir.Mas seus olhos estavamabertos e ainda estávamosjuntoseeumerecusavaadeixá-lomorrersozinho.

Naquele instante, eles devem ter nos visto. Porque uma daquelassupergranadas russas aterrissoupróximoe explodiumeerguendono ar,de lado, para fora do buraco, voando por cima do maldito barranco. Euperdi a consciência antes de chegar lá embaixo e, quando voltei a mim,estava num buraco diferente, e meu primeiro pensamento foi ter icadocegopelaexplosão,poisnãoconseguiavernada.

Noentanto,depoisdealgunssegundos,recobreiarazãoepercebiqueestava de cabeça para baixo, na porcaria do buraco. Eu ainda estavaenxergando e alguns membros ainda funcionavam, mas minha pernaesquerda parecia paralisada, assim como a direita, apesar de um poucomenos. Só Deus sabe quanto tempo levei para ziguezaguear, sair para oterrenoplanoe ircravandoasunhasnaterraemearrastando,atéacharabrigoatrásdeumapedra.

Meus ouvidos estavam zunindo, creio que por conta da explosão dagranada.Olheiparacimaeviquecaíradeumaalturaetanto,masestavadesorientadodemaisparaestimaroquanto.AprincipaldiferençadeagoraequandoeuestavasentadocomAxeeraqueostiroshaviamparado.

SeeleshaviamencontradoAxe,quenãoteriasobrevividoàexplosão,não sedariamao trabalhode continuaratirando.Obviamentenão tinhamme encontrado, e eu seria bem di ícil de localizar, de cabeça para baixodentro de um buraco. Mas, de qualquer forma, ninguém parecia estarprocurando.Pelaprimeiravez,emtalvezumahoraemeia,aparentemente,eunãoestavasendocaçadoativamente.

Fora o fato de não conseguir icar de pé, eu tinha outros dois sériosproblemas.Oprimeirofoiaperdatotaldasminhascalças.Elastinhamsidoarrancadas, na explosão. O segundo era o estado da minha pernaesquerda, que eu mal podia sentir e estava horrenda, sangrandointensamenteecheiadefragmentosdegranada.

Eunãotinhabandagens,nenhummedicamento.Nãoconseguirafazernadapormeuscompanheirosdeequipeenãopodia fazernadapormim,excetotentar icarescondido.Nãoeraumasituaçãopromissora.Euestavabemcertode ter quebrado as costas e provavelmentemeuombro; haviaquebradoonarizemeurostoestavaumestragototal.Nãoconseguia icardepé,muitomenosandar.Pelomenosumadaspernasestavaarrasadae

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talvez a outra também. Eu estava paralisado nas duas coxas e a únicaformaqueconseguiamemexereramearrastando,debruços.

Comoeradeseesperar, euestava tonto.E, emmeioaessenevoeiropessoaldaguerra,aindahaviamaisummilagreparaqueeureconhecesse.A menos de dois palmos de onde eu estava deitado, meio escondido naterraenoxisto,estavameuri leMark12eainda tinhaumpenteemeio.Rezeiantesdepegá-lo,poisacheiquepoderiaserapenasumamirageme,quandoeutentassesegurá-lo…bem,elesimplesmentefossesumir.

Masnãosumiu.Esentioferrofrio,noarquente,quandomeusdedososeguraram.Fiqueinovamenteouvindo,àesperadavozDele.Rezeioutravez,implorandoporSuaorientação.Masnãohouvesomalgumetudoqueeu sabia era que tinha de sair para a direita, onde estaria seguro, pelomenos,porenquanto.

Deusnãofaloucomigodenovo.Mastambémnãohaviameesquecido.Eusabiadisso.Ah,comoeusabiadisso.

Também sabia outra coisa. Pela primeira vez, eu estava totalmentesozinho. Ali, naquela terra comandada pelo Talibã, naquelas montanhashostis, não havia nenhum companheiro de equipe comigo, emeu inimigoestava por toda parte. Será que eles teriam ouvido os pastores? Queéramosquatro, e agora só tinham três corpos?Ou achavamque eu tinhamedespedaçadonaexplosãodoúltimofogueterusso?

Eu não tinha as respostas para essas perguntas, só esperança. Comabsolutamente ninguém a quem recorrer, nada deMikey, nem Axe, nemDanny, precisava enfrentar a batalha inal sozinho, talvez solitário, talvezdesolado,talvezcontraaspioresprobabilidades.Maseunãoiadesistir.

Eusó tinhaumCompanheirodeEquipe.EEle, comosempre,agiadeformasmisteriosas.Maseueracristão,eEle,dealgumaforma,mesalvarademilbalasdosAK-47,naqueledia.Ninguémmeacertara,oquejáestavatotalmentealémdacompreensão.

EaindaacreditavaqueElenãoqueriaqueeumorresse.EaindafariaomelhorparasustentarahonradosSEALsdaMarinhaamericana, comoimaginavaqueelesdesejariam.Nadaderendição.Foda-seisso.

Quandoachei ter recobrado inteiramentemeus sentidos e olheimeurelógio, eram exatamente 13 h 42, horário local. Por algunsminutos nãohouvetirosecomeceiaacharqueelespresumiamqueeuestivessemorto.Errado, Marcus. Os AKs do Talibã voltaram a abrir fogo e, subitamente,haviabalasvoandoportodolado,exatamentecomoantes.

Meu inimigo vinha emminha direção, vindo do terrenomais abaixo,porambosos lados,abrindo fogorapidamente,porémsemprecisão.Suas

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balasacertavamaterraemgrandeescala,amaioriadelas,graçasaDeus,longedemim.

Claroqueelesachavamqueeuaindaestavavivo,mastambémestavaclaro que ainda não haviam me localizado. Conduziam um tipo dereconhecimento atirando, tentando me fazer sair, detonando todo oterreno,naesperançadequealguémmeacertasse.Ou,melhorainda,queeusaíssecomasmãosparaoalto,paraqueaquelesassassinosbastardospudessem cortarminha cabeça e se deleitar comuma de suas pequenasidiossincrasias, antes de dizerem àquela estaçãozinha diabólica de TV al-Jazeeracomohaviamsedadobem.

Acho que já mencionei meu ponto de vista quanto à rendição.Carregueioutropenteemmeuri lemilagrosoe,dealgumaforma,rastejeipara fora desse pequenomonte, emmeio a uma chuva de balas, rumo àlateral da montanha. Ninguém me viu. Ninguém me acertou. En iei-medentro de uma fenda rochosa, com as pernas para fora, num monte dearbustos.

Haviapedrasimensas,dosdoislados,meprotegendo.Eujulgavaestarnuma brecha de aproximadamente 4,5 m, na montanha. Não era umacaverna,nemmesmoumacavernarasa,poistinhaumaaberturaacimademim. Pedras e areia caíam, continuamente, conforme os guerreiros doTalibã semovimentavam, acimademinhaposição.Masessa fendaproviacoberturae camu lagemsensacionais.Até eu sabiaque seriamuitodi ícildeencontrar.Elesprecisariamdemuitasorte,mesmocomanovaaçãodevarreroterritóriocomartilhariapesada,paramefazersair.

Meu ângulo de visão era diretamente para cima. Percebi que nãopodiamemexer,nemmudardeposição,pelomenosnãodurantealuzdodia. E era imperativo que eu escondesse o sangue que escorria dosmachucadosdomeu corpo.Dei umaolhadanos ferimentos.Minhapernaesquerdaaindasangravamuito,eenchiosmachucadosdelama.Ambasaspernasestavamdormentes.Eunão ia a lugar algum.Pelomenos,porumbomtempo.

Não tinhakit médico, nem mapas, nem compasso. Tinha as minhasbalaseaminhaarmaeumaboavisãodamontanha,diretoàfrente,sobreos penhascos, até a montanha seguinte. Estava sem calças e sem meuscompanheiros,masninguémpodiamever.Euestavabemalojado,comascostascoladasnaparede.

Acomodei-menumaposiçãorelativamenteconfortável,veri iqueimeuri le eo coloquei ao longodemeu corpo, apontandoparaa frente. Se umnúmerorazoáveldelesmedescobrisse,achoquelogomejuntariaaDanny,

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AxeeMikey.Masnãoantesdematarummonte.Eu sabiaqueestavaemposição perfeita de ação defensiva militar, protegido por todos os lados,vulnerávelapenasporumataquefrontal,eissoteriaqueserpormuitos.

Aindaouviaostiroseelesseaproximavam.De initivamente,estavamvindo para esse lado. Apenas pensei:Não se mexa, não respire, não façaqualquersom.Achoque,nessemomento,entendiqueestava inteiramentesozinhopelaprimeiravez.EoTalibãestavamecaçando.Elesnãoestavamà caça de um pelotão SEAL. Estavam caçando apenas a mim. Apesar demeusferimentos,eusabiaquetinhaque icarbemnofundo.Ecomeçavaaperderanoçãodotempo.Mas iqueiimóvel.Naverdade,nãomemexinemumcentímetro,duranteoitohoras.

Conformeotempopassava,eupodiaveroscarasdoTalibã,dooutrolado do despenhadeiro, correndo para cima e para baixo, parecendocentenas, simplesmente procurando, varrendo as montanhas queconheciam tão bem, àminhaprocura. Eu voltava a sentirminhas pernas,mas sangravam muito, e sentia muita dor. Acho que a perda de sanguecomeçavaamedeixarmeiotonto.

E também estava morto de medo. Foi a primeira vez, em minhacarreiradeseisanoscomoSEAL,querealmentesentimedo.Acertaaltura,no imdatarde,acheiquetodosestavampartindo.Dooutroladodovale,aencostadamontanhaseesvaziou,todoscorreramàdireita,ummardeles,todos seguindo na mesma direção. Ao menos era isso que parecia paramim,olhandopelomeuestreitocampodevisão.

Agoraseioqueelesestavamfazendo.Enquantoeuestavadeitado,ali,no vão da rocha, não fazia a menor ideia de que diabos estavaacontecendo. Mas agora vou recontar, da melhor forma, segundo o queiquei sabendo, sobre o que acontecia em outro lugar, numa das tardesmais tristes,comomaischocantemassacrenoaltodaHinduKush,opiordesastre que já acometeu os SEALs, em qualquer con lito, em mais dequarentaanosdehistória.

A primeira coisa a lembrar é que Mikey tivera êxito ao contatar aforça de resgate, em Asadabad, a algumas cadeias de montanha dedistância de onde eu ainda estava. A última ligação, aquela feita de seutelefone celular, que de fato lhe custara a vida, fora bem-sucedida.Segundo todos os relatos, suas palavras assombrosas –Meu pessoal estámorrendo aqui… precisamos de ajuda – percorreram a base como umarajada de fogo.SEALs estão morrendo! Isso é um alarme máximo deemergência,quebeiraofrenesi.

O tenente-comandante Kristensen, nosso comandante em exercício,

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soou o alarme. A decisão de soar ou não ica sempre a critério docomandantedaforçaderesgate.Ericlevouumcentésimodesegundoparafazê-lo. Imagino a visão de nós quatro – seus parceiros, amigos ecompanheirosdeequipe,Mikey,Axe,Dannyeeu,lutandopornossasvidas,feridos, possivelmentemortos, cercados por uma imensa tropa de tribaisafegãossedentosdesangue–passandoporsuamente,enquantoreuniaosgarotosrumoàsestaçõesdeação.

E a visão da perda terrível estava diante dele, ao soltar o telefone,ordenando que os homens do Regimento Aéreo de Operações Especiais(Special Operations Aviation Regiment, ou SOAR), os lendários NightStalkers, preparassem o imenso helicóptero militar MH-47, bem ali, napista.Foiomesmoquedecolaralogoantesdenós,nodiaanterior,aquelequeseguimos,rumoànossaáreadeoperação.

Os caras que já apresentei assumiram suas posições, desesperadospara ajudar, levando a maior quantidade possível de munição quecoubesseemsuasmochilas,pegandori lesecorrendoparaoChinook,quejáestavacomashélicesgirando.OscarasdeminhaEquipeSDV1estavaminstantaneamente ali. Os o iciais James Suh e Shane Patton chegaram aohelicóptero primeiro. Depois, subindo a bordo, veio a massa humana, ochefe sênior Dan Healy, o homem que havia planejado a OperaçãoRedwing,quepareciatertomadoumtiroaosairdoalojamento.

Depois vieramos carasdaEquipeSEAL10, tenenteMikeMc-GreevyJr., deNovaYork, o chefe JacquesFontan,deNovaOrleans, osprimeiros-o iciais Jeff Lucas, doOregon, e Jeff Taylor, deWest Virginia. Finalmente,aindagritandoparaosgarotosqueelesprecisariamdetodasasarmasquepudessemlevar,veiootenente-comandanteEricKristensen,ohomemquetalvez melhor soubesse que aqueles oito SEALs no helicóptero estavamprestes a se arriscar numa incursão diurna fatal, nas passagensmontanhosas, adentrando as mandíbulas do inimigo imensamente maisnumeroso.

Kristensen sabia que não precisava ir. Na verdade, talvez ele nãodevessetê-lofeitoe,emvezdisso, icadoemseupostocentraldecontrolee comando. Nessa hora, tínhamos o comandante da tropa de resgate, nomínimo,umpouquinhonãoortodoxo.MasEricKristenseneraumSEALatéa raizdos cabelos.Eoqueele sabia, acimade todasasoutras coisas, eraquetinhaouvidoumpedidodesesperadodeajuda.Deseusirmãos,deumhomemqueeleconheciabem,emquemconfiava.

De forma alguma Eric deixaria de atender àquele chamado. Nadanesta terra deDeus o convenceria a não ir. Ele devia saber que nósmal

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conseguíamos nos aguentar, rezando para que a ajuda chegasse. A inal,éramosapenasquatro.Etodossabiam,comcerteza,quehavianomínimocemhomensdoTalibã.

Eric entendia a natureza estupenda do risco e nem pestanejou.Apenas pegou seu ri le emunição e correu para embarcar na aeronave,gritandoparaquetodosseapressassem…“Vamosembora,pessoal!Vamoslogo!”Eraoqueelesemprediziaquandoestavasobpressão.Claro,eleeraumo icial de comando, edosmelhores.Porém,maisque isso, ele eraumSEAL,umaparteda irmandade forjadacomsangue.Atémais importante,ele era um homem. E naquele momento ele estava atendendo a umchamado urgente e desesperado, vindo do coração de sua própriairmandade. Só havia uma destinação para onde Eric Kristensen seguiria,direto para as montanhas, com as armas resplandecentes, com ou semcomando.

Dentro do MH-47, os homens do 160º SOAR esperavam,silenciosamente, como haviam feito tantas vezes antes, nessas operaçõesde arrepiar os cabelos, geralmente à noite. Eles eram liderados por umhomem magní ico, o major Steve Reich, de Connecticut, com os o iciais-chefesChrisScherkenbach,deJacksonville,Flórida,eCoreyJ.Goodnature,deClarksGrove,Minnesota.

O sargento-chefe James W. Ponder estava lá, com os primeiros-sargentos Marcus Muralles, de Shelbyville, Indiana, e Mike Russell, deStafford, Virginia. O grupo deles era completado pelo sargento ShamusGoare, de Danville, Ohio, e o sargento Kip Jacoby, de Pompano Beach,Flórida. Sob qualquer comparação, esta era uma tropa de combate dearrasar.

O plano era que a equipe de resgate descesse de corda, da mesmaformae,quandochegouachamadados“Trintasegundos!”,imaginoqueoscarasdeliderançatenham icadonarampatraseira.Oqueninguémsabiaera que o Talibã tinha um tipo debunker por lá e, quando o MH-47 seinclinou para a incursão e as cordas caíram para a descida, o Talibãdetonouumagranadacomlança-foguetesdiretopelarampaaberta.

Ela passou direto pelas cabeças dos líderes do grupo e causou umaenorme explosão junto dos tanques de combustível, transformando ohelicóptero num inferno, na traseira e no meio. Vários caras voaram,caindo,algunsemchamas,numaquedadedezmetros.Elescolidiramcomaencostadamontanhaedesceramrolando.Oimpactofoitãoviolentoquenossopessoaldebuscaeresgateencontrou,mais tarde, canosdasarmaspartidosemdois,emmeioaoscorpos.

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O piloto do helicóptero lutava paramanter o controle, sem saber dacarni icina que ocorrera atrás dele, mas certamente ciente das chamasintensasaoredoreacimadele.Claroquenãohavianadaqueelepudessefazer.OimensoMH-47simplesmentecaiudocéu,numacolisãodegrandeimpacto na lateral da montanha, balançou, depois capotou com forçabrutal, repetidamente, se despedaçando ao longo de uma trilha deduzentosmetrosdedestruição.

Não havia sobrado nada, exceto ferro-velho, quando nossos carasforam até lá para investigar. E, claro, nenhum sobrevivente. Meuscompanheiros mais próximos da Equipe SDV1, James, o chefe Dan e ojovemShane,todosseforam.Aindabemqueeunãosabiadissoali,deitadonaquela fresta. Não tenho certeza se conseguiria lidar com isso. Foisimplesmenteummassacre. Semanasdepois, eu tomeiumbaquequandovi as fotogra ias, principalmente porque era eu que todos eles estavamtentandoresgatar.

Comoexpliquei,nahora,eunãosabianadadisso.Sósabiaquealgumacoisaacontecera, fazendocomque todooTalibã icassemuitoalvoroçado.E logo vi aeronaves americanas sobrevoando o despenhadeiro diante demim, helicópteros Apache A-10 e AH-64. Alguns passaram tão perto quepudeverospilotos.

PegueimeurádioPRC-148dedentrodobolsodocoleteetenteifazercontato.Maseunãoconseguiafalar.Minhagargantaestavacheiadeterra,minha língua estava colandono céuda boca, e eu não tinha água. Estavatotalmenteimpossibilitadodetransmitir.Massabiaqueestavaemcontato,poispodiaouviraaeronavefalando.Então,acioneiasinalizaçãodealarmedeemergênciaetransmitiporrádio.

Eles captaram. Eu sei, porque pude ouvir, claramente. “Ei, você estáouvindo esse sinal?” “É, nós captamos… mas não temos mais nenhumainformação.” Então, eles simplesmente voaram para longe, em direção àminhadireita,paraondeagoraeuseiqueoMH-47haviaseguido.

Oproblemaeraqueostalibãscostumamroubaressesrádios,quandoconseguem, e sempre usam para enganar os helicópteros americanos efazê-losdescer.Naépoca,eunãotinhaconhecimentodisso,masagora icaóbvioparamim,ospilotosestavamextremamenteapreensivosematendera um sinalizador americano, pois não sabiam quem estaria usando osinalizador,epodiamseralvejados.

Eacabariamsendo,dequalquerforma,oquemetraziapoucoconsolo,ali deitado na lateral da montanha, só meio vivo, sangrando sem parar,impossibilitado de falar. E agora começava a escurecer e eu estava

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totalmente semopções. Imaginava queminhaúnica chance fosse atrair aatenção de um dos pilotos que estivessem voando pelo penhasco, emintervalosbemregulares.

Meu fone de cabeça havia sido arrancado durante a queda namontanha,maseuaindatinhaos ios.E,dealgumaforma,conecteiduasdeminhas luzes químicas, que acendem quando partidas aomeio e as ixeinos ios do defunto rádio. Depois iz um estilingue caseiro ao redor deminha cabeça, comoum tipo luminosode sinal, noprimeiromomento emqueviohelicópteronaárea.

Eutambémtinhaumaluz infravermelhaquepodiaacendereo laserdo meu ri le, que removi e apontei para o voo regular americano quepassava. Jesus Cristo! Eu era um sinal de angústia ambulante.Tinha dehaver alguém observando aquelas montanhas. Alguém tem queme ver . Euestavausandoesseprocedimentoapenasquandoavistavaohelicóptero.Elogo o meu otimismo se transformou em melancolia. Ninguém estavaprestando atenção. Do ponto onde eu estava deitado, parecia que haviasidoabandonadoparamorrer.

A essa altura, com o sol se pondo atrás das montanhas, eu járecobrara quase toda a sensibilidade das minhas pernas. E isso me deuesperanças de conseguir andar, embora soubesse que a dor podia serforte. Eu estava icando perigosamente sedento. Não conseguia tirar aterra entalada de minha garganta. Fazia tudo para conseguir respirar;falar,nempensar.Precisavaencontraráguae tinhaquedaro foradessaarmadilha mortal. Mas só depois que o véu noturno envolvesse asmontanhas.

Sabia queprecisava sair dali, primeiro, pela água, depois, porminhasegurança, porque parecia que ninguém iria me encontrar. Lembro-medas últimas palavras de Axe. Elas ainda ecoam claramente em minhacabeça:“Fiquevivo,Marcus.EdigaaCindyqueeuaamo”.PorAxe,Dannye,acimadetudo,Mikey,eusabiaquetinhadeficarvivo.

Vi os últimos raios de sol lançando sombras gigantes sobre asmontanhas e penhascos àminha frente. E, quase com certeza, vi o brilhoprateado do cano de um AK-47, diretamente do outro lado, na mesmadireção, sobre a encosta do outro penhasco, talvez a 150metros. Reluziuduasvezessobosolpoente,oquedavaaentenderqueo ilho-da-putaqueo segurava estava fazendo uma varredura na parte dianteira de minhamontanha, logo depois da fenda, dentro da qual eu ainda estava deitado,imóvel.

E agora eu podia ver o tribal em questão. Ele estava ali, em pé, de

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mangasarregaçadas,vestindoumcoletexadrezazulebranco,segurandoseuri ledeguardabaixa,comaquelemodopeculiardosafegãos,podendoerguê-loàposiçãodedisparoaqualquermomento.Aúnicaconclusãoeraqueeleestavaàminhaprocura.

Eu não sabia quantos de seus camaradas estariam a uma distânciaqueelepudesse chamá-los.Mas sabiaque, se ele tivesseumavisão claradooutro ladodopenhascoeacabassemeachando, eu já era. Seriadi ícilnãovereelecontinuouolhando,masnãoergueuorifle.Ainda.

Esse não era um risco que eu estava disposto a correr. Meu ri leestavacarregadoepronto.Haveriapoucobarulhoparaatrairaatençãodemaisgente.Então,commuitocuidado,malmeatrevendoarespirar,erguioMark12àposiçãodedisparoemireinohomenzinhonocumedistante.Eleestavabemnomeiodaminhamiratelescópica.

Aperteiogatilhoeoacerteidiretonomeiodosolhos.Sótivetempodever o sangue descer por sua testa, depois o vi despencar da beirada,caindonoabismo.Eledevetercaídosessentametros,gritandoportodootrajeto.Eunãomecomovideformaalguma,eagradeciaDeusporserumamenos.

Quase imediatamente, dois de seus colegas correram para omesmolugar onde ele estivera em pé, diretamente em minha direção, do outrolado.Estavamvestidosmaisoumenosdamesmaforma,excetopelascoresdiferentes de seus coletes. Ficaram ali, olhando o penhasco no qual oprimeiro homem havia caído. Ambos carregavam AKs, segurando-os emposiçãodedisparo,masnãototalmenteerguidas.

Achei que podiam ir embora, mas icaram ali, e agora olhavam comcuidado, do outro lado do precipício que separava aminhamontanha dadeles. De onde eu estava, eles pareciam estar olhando para mim,vasculhando a encosta da montanha em busca de qualquer sinal demovimento.Eu sabiaquenão faziamamenor ideia se seuparceirohavialevadoumtiro,simplesmentecaídooucometidosuicídio.

No entanto, acho que seu instinto era a primeira opção. E, naqueleinstante, eles estavam tentando descobrir precisamente quem haviaatiradonele.Permaneciimóvel,masaquelesolhosnegrosestavamolhandodiretamenteparamimepercebique,seambosabrissemfogosobreomeureduto,aschancesdeseratingidoporumabaladeAK-47eramdeboasaexcelentes.Elestinhamquerodar.Osdois.

Mais uma vez, ergui meu ri le e centralizei a mira no talibã tribalarmado.Meuprimeirotiromatouodadireita, instantaneamente,eeuovitombar da beirada. O segundo, agora compreendendo que havia um

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inimigo à solta, ergueu a arma e olhou para o penhasco onde eu aindaestavadeitadodebarrigaparacima.

Euoacerteidiretonopeito,depoisdispareiumsegundotiro,casoeleainda estivesse respirando e pudesse gritar. Ele caiu de frente, semqualquersomefoisejuntaraosdoiscompanheiros,lánofundodovale.Oquemedeixousozinhoe,atéentão,semserdescoberto.

Apenas algumas horas antes, Mikey Murphy e eu izéramos umjulgamentoquecustaratrêsvidas,asvidasdosmelhoresSEALsqueeujáconhecera.Ali,deitadonabordadorochedo,cercadodeguerreirostalibãshostis por todos os lados, eu não podiamedar ao luxo de cometer outroerro. De alguma forma, pela graça de Deus, eu havia sido poupado dasconsequências do primeiro, conseguira chegar até aqui no alto, desdeaquele monte de granito que deveria receber o nome de Mikey, nossosoberbolíder.AbatalhapeloCumedeMurphy.

De agora em diante, todas as decisões que eu tomasse envolveriamminhavidaoumorte.Euprecisava lutarpelomeucaminhode fugaenãoligavaamínimaparaquantostalibãsteriadematarparaconseguirisso.Oponto-chaveeraofatodequeeunãopodiacometeroutroerro.Nãopodiacorrerriscos.

O lado distante do abismo continuava em silêncio, conforme o soldesaparecia, por trásdos altospicosdaHinduKushque icavamaoeste.Calculei que o Talibã provavelmente teria dividido seu grupo de buscanessa região, em particular, e que eu já teriame livrado dametade. Emalgumlugarporlá,nosilênciomortaldocrepúsculo,eraquasecertohavermais três, procurando pelo americano sobrevivente do pelotão original,compostoporquatrohomensquehaviamcausado tanto estrago em suastropas.

O ruído amistoso dos Apaches americanos se foi. Ninguém estava àminhaprocura.E,delonge,meumaiorproblemaeraaágua.Foraofatodeaindaestarsangrandoenãopoder icarempé,asedeestavasetornandodesesperadora.Minhalínguaaindaestavacoladacomterraepoeira,eeuainda não conseguia falar. Perdera minha garrafa d’água na montanha,durante a primeira queda comMikey, e agora já fazia nove horas desdequebeberaalgo.

Eu também ainda estava encharcado por conta da queda no rio.Compreendiaqueestavameiotontopelaperdadesangue,mastentavameconcentrar.Eaconclusãoaqueeuchegavaeradequeprecisava icar empé. Se alguns daqueles talibãs viessem emminha direção pela esquerda,única formademe abordar, e se eles tivessemalgum tipode iluminação,

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euseriacomoumcoelhodiantedosfaróisdealguém.Meuredutomeservirabem,masagora tinhadesairdali.Quandoos

corpos daqueles três caras fossem encontrados, na primeira hora doamanhecer,essamontanhaseriavarridapeloTalibã.Eumearrasteiparame levantar e iquei ali de pé, de cuecas, congelando no ar frio damontanha.Testeiminhapernadireita.Nãoestavatãoruim.Depoistesteiaesquerdaedoíacomoodiabo.Tenteitirarumpoucodoxistoedaterradeondeeucolocaraalama,sobreomachucado,masosestilhaçosdegranadaespetavamparaforademinhacoxae,acadavezqueeutocavaemalgum,euquasepassavapeloteto.Querdizer,sehouvesseumteto.

Umdosmeus principais problemas era não ter ondeme segurar noterreno.Claroquesabiaqueamontanha tinhaoutrovaleatrásdemimeque eu estava encurralado diante do penhasco, sem ter para onde ir,exceto para cima. O que, a partir do ponto onde me encontrava, malconseguindomancar,eraumatarefabemassustadora.Testeiminhapernaesquerdaoutraveze,pelomenos,nãotinhapiorado.

Masminhascostasdoíamdemaneirainfernal.Nuncaimagineiquantadorumcarapodesentirporcontadetrêsvértebras issuradas.Claroquetambém não sabia que tinha essa lesão. Conseguia mexer meu ombrodireito,apesardeumrompimentonorotador,oquetambémnãosabiater.E meu nariz quebrado latejava um pouco, mas isso era coisa de criançacomparadoaoresto.Eusabiaqueumladodomeurostoestavaraladopelaquedadamontanhaehaviaumcortegrandeemminhatesta,quedoíaumpouco.

Porém, meu pensamento dominante era a sede. Eu só me sentialigeiramente confortado pela proximidade dos córregos damontanha, aliem cima. Precisava achar um, rápido, tanto para limparmeus ferimentosquantoparabeber.Dessa forma, teriauma chancede gritarpelo rádio eavisarohelicópteroamericanoouaaeronavedeguerra,pelamanhã.

Junteiminhascoisas, rádio, estroboscópioeo lasere recoloquei tudonocolete.Chequeimeuri le,queaindatinhaumasvintebalasnopente,eeutinhamaisumpentecheionopeito.

Então, saí domeu reduto, rumo àmais absoluta escuridão e silênciomortal do Hindu Kush. Não havia lua e agora começava a chover, o quesignificavaquenãohaverialuanofuturopróximo.

Testeinovamenteaminhaperna.Ela seguravameupeso semceder.Tateei ao redor da rocha imensa, que estivera protegendo meu lancoesquerdodurantetodoodia.Depois,comalgunspequenospassostímidos,eusaí,rumoàmontanha.

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Estouvelejandonaságuascalmasdaenseadadaqui.Aquelaéabandeiraamericanatremulandoacimadomeuombrodireito.Achoqueissoéraro.Amaioriadaspessoasachaqueeualevoemmeucoração.FotodeSuzanneRobinson.

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OcaraàminhafrenteéBillyShelton,ohomemdeferroquetriturou,treinouequasematouMorganeeu,aonosprepararparasermosSEALs.Eucomumbomamigo,TommyRichardson,rangerdoexército,outroprotegidodeShelton.Fotodosargento-chefeDanielMarshall.

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AquelebarcocarregadodeSEALs,aofundo,dealgumaformaterádealcançarterrafirmeesercolocadosobreessasrochas,depoisseráarrastadoatéapraia.Éfácilidentificaroinstrutor–oqueestáseco,àesquerda,gritandocomoummaluco:“Devagardemais!Quelambança!Olhemoperigo!Maisforça!”.FotodaMarinhaamericana,deEricS.Logsdon,imediatode2aclasse.

Aguentandootranco.EssaéumaturmadetreinamentoBUD/Scomeçandootrabalhonapraiacomumtroncopesado–levantando,arrastando,correndocomele.Fácil,certo?Pesaapenasomesmoqueumposte.FotodaMarinhaamericana,deEricS.Logsdon,imediatode2aclasse.

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EsseéumtreinamentoSEAL,noaugedadesumanidade.Éconhecidocomoorolarnaareia,precedidopelomergulho.Aáguaécongelante.Oinstrutoréimpiedoso.“Sevocêquiserdesistiragoramesmo,garoto,váemfrente,toqueaquelemalditosino.”FotodaMarinhaamericana,deEricS.Logsdon,imediatode2aclasse.

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OficialdeequipeMatthewAxelson,vestindotrajedecombate,prontoparaencararoinimigo.Elemantevenossoflancoesquerdonamontanhaporduashoras,sobumaartilhariaassassina.Foialvejadoduasvezes,gravemente,mascontinuoulutando.CortesiadeCindyAxelson.

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MatthewAxelsoncomCindy,suaesposa.Suasúltimaspalavrasforam:“DigaaCindyqueeuaamo”.FotodeJarrettD.Broughton.

OtenenteMichaelMurphy.SelheconstruíssemummonumentodaalturadoedifícioEmpireState,paramim,aindanãoseriaaltoosuficiente.CortesiadeDanielJ.Murphy,Esq.

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OtenenteMurphyesuanoiva,HeatherDuggan.Elesplanejavamsecasaremnovembrode2005.CortesiadeDanielJ.Murphy,Esq.

OoficialdeequipeDannyDietznosdeufogodecoberturaduranteatardetoda.Mortalmenteferido,elemaisumavezabriufogocontraoinimigo,morroacima.CortesiadeMariaDietz.

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MeugrandeamigoDannyDietz,emVirginiaBeach,comseucãobullmastiffeseubuldogueinglês.EleseramquasetãovalentesquantoDanny,masnemtanto.NinguémfoimaisvalentedoqueDanny.CortesiadeMariaDietz.

Noaltodamontanha,ounoníveldomar,DannyDietzeraomestredeseumeio.Alpinista,pescadoreguerreiro–eleeraomelhor.CortesiadeMariaDietz.

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EricKristenseneraumSEALatéoúltimofiodecabeloesabiadistinguirumproblemagraveaoouvi-lo.“Elesprecisamdetodasasarmasquepuderemconseguir!”,elegritou.“Vamos,pessoal!Vamoslogo!”CortesiadeSuzanneKristensen.

OtenentecomandanteEricKristensen,oficialdecomandodaEquipeSEAL10.Elenãoprecisavair,maslargoutudo,pegouseurifleecorreuparaohelicópterocomorestante,atendendoaonossopedidodesesperadodeajuda.CortesiadeSuzanneKristensen.

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OchefeoficialdeequipeDanHealy,ohomemdeferroSEAL,estrategistaquemorreucomsuaequipequandoohelicópteroderesgatefoiatingidoporumagranadadisparadacomlança-foguetespeloTalibã,nasmontanhasafegãs.CortesiadoSetordeImagensdaMarinha,PearlHarbor.

ShanePattonfoisubstituídonoúltimominuto,naEquipeSEALparaaOperaçãoRedwing.Eleficounaportaesedespediudetodosnós,desejando-nossorte.Mas,quandosuaajudafoisolicitada,Shanefoiosegundohomemaentrarnohelicópteroderesgate.Menosdeduashorasdepois,eleestavamorto,comaexplosãodohelicópteronasmontanhas.FotodaDCIPhotography,RandyAdger.

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Lánoaltoéáridoeseco.ÉraroencontraresconderijoparaumobservadorSEAL–masnósgeralmentechegamosbemperto,seacharmosqueoTalibãpodeestarinstalado.FotodaMarinhaamericana,porPHCM(SW)TerryCosgrove.

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Astropasespeciaisamericanasdeslocando-seemfilaúnica,pelasmontanhasdepicosnevadosdonordestedoAfeganistão.FotodaMarinhaamericana,deTimTurner,fotógrafoeimediatode1aclasse.

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OSEALfortementearmado,àesquerda,nãosoueu,maspoderiaser.EufrequentementeficavadeguardanamontanhasolitáriadoAfeganistão,olhandoaquelaspassagens,emalertaparaumcomboiotalibãseaproximando.FotodaMarinhaamericana,deTimTurner,fotógrafoeimediatode1aclasse.

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Aindabemquenemtodososaldeõesafegãossãohostisanós.Aquiestãodoismembrosdastropasespeciaisamericanasinterrogandooslocais,emuitosdelesficavamfelizesemajudar.FotodaMarinhaamericana,deTimTurner,fotógrafoeimediatode1aclasse.

Umapequenaporçãodamultidãoquemantevevigíliaemnossosítio.Nahoradoalmoço,chegavamaseremservidastrezentasrefeições.Ninguémrealmentesabiadeondeacomidavinha,

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simplesmentenãoparavadechegar.“Deussabequeeracomoospãesepeixes”,segundominhamãe.CortesiadeHollyLuttrell.

Diaenoite,duranteumasemana,essaspessoaspermaneceramlá,recusando-seadeixarmeuspais,enquantotodosachavamqueeuestavamorto.Umpequenogruposereuniuparaessafoto,cincominutosdepoisqueocomandoSEALligoudeCoronadoparaavisarqueosrelatosdeminhamorteforamimensamenteexagerados.Fotodosargento-chefeDanielMarshall.

QuatrotexanosnoSalãoOval:opresidentecomminhamãe,meupaieeu.“Nossa”,disseopresidenteBush,“éótimocomeçarodiacomtexanos”.CortesiadaCasaBranca.

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Deitudopormeupaísnocampodebatalhaefiqueihonradoemfazê-lo.Aqui,euestouombroaombrocomomeucomandantesupremo.FotodaCasaBranca,deEricDraper.

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Omomentodemaiororgulhodeminhavida.MeucomandantesupremoprendeaCruzNavalemmeuuniforme,logoabaixodomeuTridenteSEAL,noSalãoOval,em18dejulhode2006.FotodaCasaBranca,deEricDraper.

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9EXPLODIDOS,ALVEJADOS,DADOSCOMOMORTOS

Bem ali, atrás de mim, ouvi passos leves deperseguidoresarmados…láestavamdoisdeles,logoacimademim,naspedras.Procurando.Eusótinhaumafraçãodesegundoparaagir,poiselesestavamemcima,comosAKserguidos…vamosàsgranadas.

Mesmonobreunoturno,eupodiasentirasombradamontanharecaindosobre mim. Na verdade, eu achava que podia vê-la, um tipo de forçasombria, mais sombria do que tudo, mais escura do que as paredesrochosassobreasquaismeamparava.

Sabia que era uma distância dos infernos até o topo, e teria quemedeslocardelado,comoumcaranguejododelta,sequisessechegarlá.Issotambém levaria a noite toda,mas, de alguma forma, eu tinha que chegaratélá,atéotopo.

Eutinhaduasrazõesprimordiaisparaaminhaestratégia.Primeiro,láem cima seria plano, portanto, se resultassenumoutro combate, eu teriaumaboachance.Nenhumcaraatirariaemmimdecima.TodoSEALgostadachancedeganharumalutaemterrenoplano.

A segunda questão era o pedido de ajuda. Ainda não tinhamconstruído nenhum helicóptero para pousar com segurança emdespenhadeirosafegãos. O único lugar dentro da áreamontanhosa ondeumMH-47poderiadescereranumdosrecôncavosplanosabaixo,ondeosaldeõescultivavamplantação.Querdizer,bagulho.

Enãohaveriaqualquer chancedeeu icarporpertodealgumavila.Euiasubir,atéasplaníciesmaisaltas,ondeumhelicópteropoderiaentraresair.Earecepçãodomeurádiotambémseriamelhorláemcima.Sómerestava esperar que os americanos ainda estivessem vasculhando asmontanhas,embuscadosRedwingsdesaparecidos.

Enquanto isso, achei que podia estar morrendo de sede e minhagarganta seca me empurrava para diante, para a água e talvez asegurança. Então, dei meus primeiros passos, achando que talvez fosseescalar cercade trintametros,diretoparacima.Maseuhaviapercorridouma extensão bem maior, no trajeto em ziguezague que tivera de fazerparasubiramontanha.

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Comecei minha escalada na escuridão, me deslocando diretamenteparacima.En ieiori lenocinto,a imdeterasduasmãoslivresparamesegurar, mas, antes de completar os primeiros seis metros, seguindoligeiramente à direita, levei um escorregão brabo, o que foi umaexperiênciamuito assustadora. A inclinação era quase vertical, descendodiretoaofundodovale.

Em minhas condições, eu provavelmente não teria sobrevivido àqueda e, de alguma forma, me salvei de cair uns três metros. Depoisretomei a subida, cravando as unhas para me levantar, agarrando-me aqualquer coisa que pudesse servir como um escavador mecânico. Seriaprecisoumaserraelétricaparamefazersoltardaquelaescarpa.Tudoqueeu sabia era que, se caísse, provavelmente capotaria muitos metros atéminhamorte.Oqueerabomparaaconcentração.

Então, continuei em frente, escalando mais de lado, agarrando aspedras,arbustos,qualquercoisaquepudessesegurar.Devezemquando,eudeslocavaalgumacoisaouquebravaumgalhoquenãosuportavameupeso.Achoquedevoterfeitomaisbarulhodoqueoexércitotalibãjáteriafeitonaquelasmanobrasnamontanha.

Eujáseguiaporalgumashorasquandosentiterouvidoalgo,atrásdemim. Eu digosenti, pois, quando se está atuando na absoluta escuridão,sem qualquer sinal, tudo ica intensi icado, todos os seus sentidos,particularmenteaudiçãoeolfato.Semmencionarosextosentido,omesmopossuído por uma cabra, antílope ou zebra, aquele que alerta os animaispastando,vulneráveis,sobreapresençadeumpredador.

Eunãoestavatãovulnerável.Ecertamentenãoestavapastando.Masestavabemali,naCentralPredadora.Aquelesbastardostribaiscortadoresdepescoçoestavamnomeucangote,peloqueeusabia,seaproximandodemim.

Fiquei deitado quieto, imóvel, sobre a montanha. Depois ouvinovamente,umsomnítidodoestalardeumgravetoougalho.Calculeiquefosseaunsduzentosmetrosatrásdemim.Ali,minhaaudiçãoestavanumtipodepico,nomeiodaquela região rural alta e supersilenciosa.Eu teriaouvidoumpeidosuavedeumbodeadoisquilômetrosdedistância.

Depois ouvi novamente. Não o bode, mas o galho. Porra! Ainda nãohavialuaeeunãoconseguiavernada.Masnãoseriaassimparaostalibãs.Há anos eles vinham roubando equipamentos dos russos, depois dosamericanos. Tudo que possuíam era roubado, exceto pelo que bin Ladenlhes comprara. E seus estoques certamente incluíam alguns pares deóculosdevisãonoturna.A inal,osrussosforamospioneirosalançaresse

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tipo especí ico de equipamento, e sabíamos que os mujahedins haviamroubadotudodeles,quandooexércitosoviéticofinalmenteseretirou.

A presença de um afegão invisível eramá notícia paramim, e aindamaisparaoquemesobravadecon iança.Pensarquehaviaumgrupodematadores ali, me perseguindo pelas montanhas, capazes de me verquando eu não podia vê-los… bem, isso era uma merda para qualquerhomem.

Decidi forçar e torcer para que eles não resolvessem abrir fogo.Quando eu chegasse ao topo, iria enfrentá-los. Assimque pudesse ver osbastardinhos. Ao primeiro sinal de luz, eu assumiria minha posiçãoembaixodealgunsarbustos,ondeninguémpudessemever,depoislidariacomeles, assimqueestivessemaomeualcance.Enquanto isso, eu estavacomsedeepensavaquepoderiamorrerantesqueessahorachegasse.

Euestava tentandode tudo.Quebravaosgalhosmais inose sugava,para tentar tirar líquido. Chupava a grama, quando encontrava alguma,torcendo por algumas gotas de orvalho. Até tentei torcer minhas meias,apenasparasentiromolhado.Nãohánadatãoterrívelquantomorrerdesede.Acrediteemmim,passeiporisso.

À medida que a noite avançava, comecei a ouvir as aeronavesamericanas sobrevoando asmontanhas, geralmente voando alto. E, numadas vezes que ouvi, eu estava commeus ios e a luz, tentando transmitirum sinal, o melhor que podia. Mas ninguém me ouvia. Ocorreu-me queninguémacreditariaqueeuestivessevivo.Eessepensamentoerahorrível.Seriabemdi ícilmeacharaliemcima,mesmoquetodaabasedeBagramestivesse me procurando, nessas montanhas intermináveis. Mas, seninguém acreditasse que eu ainda estava respirando, bem, esseprovavelmente seriaomeu im.Tiveumasensaçãodepurodesolamento.Piorqueisso,euestavatãoenfraquecidoecomtantadorquemedeicontadeque jamaisconseguiriachegaratéoaltodamontanha.Naverdade,eupoderia conseguir, mas minha perna esquerda, estourada com aquelagranada russa, não aguentaria a escalada. Teria que seguir de lado, meesforçando para atravessar a face íngreme da montanha, às vezes parabaixo,àsvezesparacima,etorcerparaterumachance.

Ainda estava perdendo sangue e ainda não conseguia falar. Masconseguia ouvir e ouvia meus perseguidores, às vezes chamando um aooutro. Lembro-me de pensar que era muito estranho, porque elesnormalmente sedeslocamemsilêncioabsoluto.Lembradospastores?Eusó ouvio primeiro quando ele já estava a ummetro emeio demim. Elessão assim, pisam devagar, são esguios e andam leves, sem quase nada –

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nemágua.Quando aqueles afegãos viajam, eles só carregam suas armas e

munição e mais nada. Um cara carrega a água para todos; outro leva amunição extra. E isso deixa a tropa livre para se deslocar com rapidez,suavemente.Sãohomensnatosdetrilhas,capazesdeseguirrastrospelosterrenosmaisdifíceis,econseguemchegaratévocê.

É claro que se presume o silêncio caso estejam perseguindo alguémcomoeles.Mas tentar seguirumgrandalhãodemaisde100kg comoeu,derrapando e escorregando, caindo e quebrando galhos, causandopequenas avalanches no terreno – eu devia ser o sonho de todoperseguidorafegão.Atéeupercebiaqueminhachancedemelivrardeleserazero.

Talvez aqueles chamados entre eles não fossem exatamentecomandos. Talvez fossem gargalhadas diante de minhas terríveishabilidades de alpinista. Esperem até amanhecer, eu pensava. Essabrincadeira logo se igualaria. Isso se eles nãomematassem primeiro, noescuro.

Continueicontornandoamontanha.Láembaixo,eupodiaverasluzesdealgumaslanternas,eacheiqueviaumaluz lamejantedeumafogueira.Aquilo deveria ser o fundo do vale eme deu a primeira dica do terreno,masnão eramuita coisa.Na verdade,medeu a impressão de que o soloondeeuestavapisandoeraplano,masnãoera.Parei,porumminuto,paraver se havia mais alguma coisa lá embaixo, no vale, qualquer sinaladicionaldoinimigo,masaindanãodavaparavernadaalémdaslanternasedofogo,tudoa1,5kmabaixo.

Eumerecompusedeiumpassoàfrente.Naquelafraçãodesegundo,percebiqueadentraraovazio.Simplesmentecaídamontanha,diretoparabaixo,emquedalivrepeloar,nãosobreosolo.Batinalateraldamontanhacomum impacto impressionante, queme tirou o ar dos pulmões. Depois,saí rolando em meio a algumas árvores, tentando me agarrar a algumacoisaquediminuísseminhavelocidade.

Mas eu estava me deslocando com muita rapidez, ganhandovelocidade. Caí num declive menos forte por alguns metros e isso medesacelerou. Finalmente parei à beira de outro precipício, que senti, emvez de ver. E iquei ali deitado, uns vinte minutos, tentando pegar ar,morrendodemedodeterficadoparalisado.

Mas não estava. Eu conseguia me levantar. Ainda estava com meuri le, embora tivesse perdido o estroboscópio. E, de alguma forma,precisava regressar ao meu ponto mais alto. Quanto mais baixo eu me

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posicionasse nessa montanha, menos chance teria de ser resgatado. Eutinhaquesubir,portanto,partinovamente.

Escalei, escorreguei, penei pormais duas horas, até que achei estarmais ou menos no ponto de onde caíra da montanha. Agora eram duashoras, e eu já estavaprosseguindoháumbom tempo, talvez seis ou setehoras.Adorse tornavadiabólica,mas,decerta forma,euestavaaliviado,poisaindasentiaapernaesquerda.

O exército talibã ainda continuava ameperseguir. Eu os ouvia,maisalto, conforme chegava mais acima, como se estivessem esperando pormim. Certamente eram uma tropa maior agora do que algumas horasantes.Eupodiaouvi-losportodaparte,maisemaisgenteprocurandopormim,cãeslatindo,talvezaunsoitocentosmetrosatrás.

Aessaaltura,eupodiaouvirorio,quesabiase tratardomesmoemquecaíranatardeanterior.Omesmorioemcujasmargensestavammeustrês companheiros mortos. Por mais sedento que estivesse, não podia irprocurar aquelas águas gélidas que desciam a encosta da montanha.Aquelaeraaúnicaáguadessa terraqueeunãopodiabeber,águadorioquecorriaao ladodoscorposdeMikey,DannyeAxe.Eu teriaqueacharoutro.

Sem compasso, sómeu relógio, tive que recorrer à navegação pelasestrelas, que, piedosamente, estavam no céu, depois de ter passado umacamada grossa de nuvens. Avistei a Ursa Maior e segui a curva de suasestrelas por todo o ângulo direito, onde os formatos fazemum arco paracima,apontandodiretoparaaEstrelaPolar.AquelaeraaEstreladoNorte.NósaprendemosissonoBUD/S.

Seeuseguissediretamenteemsuadireçãoememantivesseaminhaesquerda, a um ângulo reto, isso seria o oeste, o sentido que estavaseguindo.Achoqueaessaalturaeupodiaestartendoalucinações,aquelasensação tão estranha de não conseguir distinguir a realidade de umsonho.

Como amaioria dos SEALs, eu já passara por isso antes, no inal daSemana Infernal. Mas, agora, começava a icar tonto. Eu era um animalcaçado e sozinho na natureza, e tentava ingir que meus companheirosaindaestavamvivos.InventeiumtipodeformaçãoemqueDannyescalavapelo meu lanco direito, Axe subia pelo esquerdo e Mikey dava ascoordenadas,detrás.

Eu ingia que eles estavam ali, que só não podia vê-los. Acho queestava chegandoao imda linha.Mas icava lembrandoamimmesmodaSemanaInfernal.Diziaamimmesmoqueaquiloeraapenasumarepetição

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da Semana Infernal. Eu conseguira passar antes e podia passar agora.Independentementedoqueessesbastardosmandassempracimademim,eu poderia aturar. Já havia passado por isso. Podia estar perdendoalgumasfichas,masaindaeraumSEAL.

Noentanto,nãopodianegarofatodequetambémestavacomeçandoa desanimar. Por enquanto, meus perseguidores estavam quietos, esubitamentemedeparei comuma árvore imensa, e dois troncos grandesbemembaixo.Arrastei-meparadebaixodeumdelesedescanseiporumtempo,deitado,sentindopenademimmesmo.

Em minha cabeça, eu tocava, repetidamente, os versos do clássico“AmericanSoldier”,deTobyKeith.Lembroque iqueialideitado,cantandoemsilêncio,paramimmesmo,apartequedizqueeupossomorrer…“Voulevaressacruzcomhonra.”

Cantei essamúsica anoite toda.Nãoposso lhedizer oquanto aquilosigni icouparamim.Possolhedizerquesãopequenascoisascomoessa,aletradeumacanção,que lhedão forçapara seguir adiante.Entretanto, ofatoeraqueeunãotinhaamenorideiadoquefazer.

Ocorreu-mequeeupodiasimplesmentemeacomodarefazerdaquelepontoaminhaúltimaparada.Mas logodescartei issocomoestratégia.Emminhamente,euaindaestavacomprometidocomopedidodeAxe:“Fiquevivo,Marcus.EdigaaCindyqueeuaamo”.Maseurealmente iaadiantarmuito, para Cindy Axelson, se acabasse morto, em pedaços, nessamontanhaabandonada?Equemumdiasaberiaoquemeuscompanheiroshaviamfeito?Comabravuraquelutaram?Não.Eratudocomigo.Eutinhaquesairecontarnossahistória.

Estava confortável e muito, muito cansado, mas a sede me levouadiante. Dane-se isso, resolvi, e me arrastei novamente para cima econtinueiandando,cambaleando,aproveitandoaomáximoo terrenomaisplano.Começavaaclarearporvoltadasseishoras.Eusabiaque,daliaseishoras,osolestarianosul,mas lá,osoleramuitoalto,quasediretamenteacima,etornavaanavegaçãomuitomaisdi ícil.Lembro-medepensaremqueraiode lugarestariadapróximavezqueavistasseaamistosaEstrelaPolar.

Quaseimediatamenteeumevinumatrilha.Davapraver,peloaspectosocadodosolo,queelaerabemutilizada,oquesigni icavaqueeuteriadeseguircomimensocuidado.Astrilhasfrequentementepercorridassempreconduziamàspessoas,enãotardariaparaqueeuvisseumacasaadiante,talvezumastrêsouquatro.Aessadistância,eradifícildizer.

Meu primeiro pensamento foi uma torneira ou um poço. Teria que

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entrarnumadessasresidênciasrústicase,dealgumaforma,me livrardeseus ocupantes. Então, poderia limpar meus ferimentos e beber. Mas,quando fui me aproximando, pude ver que eram quatro casas, bempróximasumasdas outras. Para pegar água, eu provavelmente teria quematar vinte pessoas e isso era muito pra mim. Preferi seguir adiante,rezando para achar um rio ou um córrego da montanha sem muitademora.

Bem,não achei.O sol ia alto e estava icandomaisquente. Prosseguipormaisquatrooucincohoras,easalucinaçõesforampiorando.Eu icavaperguntando a Mikey o que deveríamos fazer. Minha boca e gargantasimplesmentetinhamcolado.Malconseguiamoverminhalínguaseca,queagora estava irmemente presa no céu deminha boca. Eu temiamexê-la,achando que arrancaria a pele. Não sei descrever a sensação. Precisavaarranjarágua.

Cada osso do meu corpo gritava por descanso, mas sabia que, separasse, e talvez dormisse, eumorreria. Precisava seguir em frente. Eraestranho, mas a sede que me matava também me dava forças paraprosseguirnessamarchalongaedesesperada.

Lembro-medepensarquenãohaveriaáguaassim, tãoalto,eresolvidescerumpouquinho,ondetinhaesperançadeencontrarumacascataporentre as rochas, da forma como ocorre por lá. Naquele instante, o solestavamequeimando,muitoquente,e,acimademim,oscumesaltosaindaestavamnevados.Algumacoisa tinhaqueestarderretendo,peloamordeCristo. E toda a água tinha que estar indo para algum lugar. Eu sóprecisavaencontrá-la.

Nessas áreas mais baixas, eu me deparei com uma linda lorestaverde, tão linda que imaginei ser uma miragem. Havia samambaias,gramados,sempre-vivas,umaromadeverde,umamontanhaviçosa.JesusCristo,tinhaquehaveráguaali,emalgumlugar.

Euparavacomfrequência,ouvindoatentamente,embuscadosomdeumcórrego.Massóhaviaosilêncio,aquelesilêncio impiedosodoaltodasmontanhas,ondenãoháestradasnapaisagem,nemmáquinasparapoluiroar.Ondenãoháautomóveis,nemtratores;nadadetelevisão,nemrádio,nemmesmoeletricidade.Nada,apenasanatureza,daformacomotemsidohámilênios,nessaterrademagníficabelezaeódioatroz.

Não me entenda mal. Os declives ainda eram muito íngremes, e euestava trilhando meu caminho por entre a loresta. Na maior parte dotempo, eu simplesmente me arrastava, sobre as mãos e os joelhos,tentando abrandar a dor de minha perna esquerda. Para ser honesto,

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realmente pensei que agora podia estar chegando ao im. Estava muitodesanimado,imaginandosepoderiaapagar, implorandoaomeuDeusquemeajudasse.

Ainda que eu ande pelo vale da sombra e da morte, Nãotemereimalnenhum,porquetuestaráscomigoeoteubordãoeoteucajadomeconsolam…

EsseéoSalmo23,claro.PensamosnelecomoosalmodosSEALs.Eleérepetido em todos os nossos eventos religiosos e funerais. Funeraisdemais.Euseidecor.Emeagarravaaessamensagem,dequenemsequernamorteeuseriaabandonado.

Prepara-me uma mesa na presença dos meus adversários,Unges-meacabeçacomóleo;meucálicetransborda.Bondadeemisericórdiacertamentemeseguirão,todososdiasdeminhavida;EhabitareiacasadoSenhorparatodoosempre.

Era tudo que eu tinha, apenas um chamado triste a um Deus queestava comigo, mas cujos caminhos se tornavam incertos para mim. Euhavia sido salvo, mais ou menos da morte certa, e ainda estava armadocommeurifle.Masnãosabiamaisoquefazer,excetocontinuartentando.

Deixeiatrilhaemaisumavezseguiparaoalto,rumandonovamenteparaoterrenoelevado.Estavameesforçandoparaescutarosomdaágua,que sabia estar ali, em algum lugar. Eu me encontrava numa escarpaíngreme, me segurando a uma árvore com a mão direita, inclinado naencosta do penhasco. Será que algum dia ouviria o som deum córregodescendo a montanha, ou estaria destinado a morrer ali em cima, ondenenhumamericanojamaismeencontraria?

Continuei recitando o Salmo 23 em minha cabeça, repetidamente,tentandoimpediromeucolapso.Estavacommedo,congelandodefrio,semabrigoouroupasadequadas,esócontinuavaarecitar…

OSenhorémeupastor,nadamefaltará.Elemefazrepousarempastagensverdejantes.Leva-meparajuntodaságuasdedescanso;Refrigera-meaalma;guia-mepelasveredasdajustiça,Peloamoraoseunome…

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Eu estava nessa parte da oração quando ouvi a água, pela primeiravez. Não pude acreditar. Havia um riacho logo abaixo demim, talvez atéumapequenaquedad’água.Nessearpurodamontanha,emmeioaessesilêncio impressionante, havia água corrente. Eu precisava encontrar umcaminhoatéela.

Acho que, naquele instante, eu soube que não morreria de sede,independentemente do que me acontecesse. Simplesmente foi umdaquelesmomentosquefazemsuavidapassaremsuafrente.Pensavaemminhacasa,minhamãeemeupai,meusirmãoseamigos.Seráquealguémsaberia de mim? E o que tinha acontecido? Talvez pensassem que euestava morto. Talvez alguém lhes tivesse dito que eu estava morto. E,durante alguns segundos, fui tomado por uma tristeza enorme, peloscorações partidos, pela tristeza dilacerante do que isso signi icaria paraminha mãe, a senhora que sempre me disse que eu era o anjinho damamãe.

O que eu não sabia nessa hora,mas descobri depois, era que todospensavam que eu estava morto. Lá em casa, agora, seria o começo damadrugada de quarta-feira, 29 de junho, e, várias horas antes, umaestaçãode televisão havia falado sobre uma equipe SEAL dereconhecimento, com quatro homens, numa missão nas montanhas donordeste do Afeganistão e todos haviam sido mortos na operação. Meunomeestavaentreosquatro.

Aestação,assimcomoorestantedamídiamundial,tambémanunciaraaperdadaaeronaveMH-47,comtodosabordo,oitoSEALseoitomembrosdo SOAR 160, Night Stalkers. O que totalizava vinte membros da forçaespecial mortos, a maior catástrofe de todos os tempos. Minha mãedesmoronou.

Nomeiodanoitede terça, aspessoashaviamcomeçado a chegar aosítio,gente local,nossosamigos,gentequequeriaestarcomminhamãeemeu pai caso pudessem fazer algo para ajudar. Eles chegavam emcaminhões, carros, caminhonetes emotocicletas, uma ila de famílias quediziamamesmacoisa.Sóqueremosficarcomvocês.

Do lado de fora da casa principal, o quintal da frente parecia umestacionamento.Atéameia-noite,haviasetentaecincopessoaspresentes,incluindo Eric e Aaron Rooney, da família dona de uma das maioresconstrutorasdolestedoTexas;DavideMichaelThornberry,gentelocal,dosetordepetróleo,comseupai,Jonathon;Slim,Kevin,KyleeWadeAlbright,meusamigosdeinfância.

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LáestavamJoeLord;AndyMagee;Cheeser;BigRoon;meuirmãoOpieeseuamigoSean;TrayBaker;LarryFirmin;RichardTanner;BennyWiley,treinadordoTexasTech,emLubbock.Essescarasdurões,todosestiveramcomigo,noensinofundamental.

Outrodenossosmagnatasdaconstrução,ScottWhitehead,apareceu.Ele nem sequer nos conhecia, mas queria estar lá. Acabou sendo umagrande força para minha mãe. Ainda telefona para ela todos os dias. Osargento-chefe Daniel, altamente condecorado pelo exército, apareceutotalmente uniformizado, bateu à porta da frente e disse aomeupai quegostaria de ajudarda formaquepudesse. Ele ainda aparecequase todososdias,sóparaverseminhamãeestábem.

E, claro, lá estava Morgan, meu irmão gêmeo, que chegou ao sítio atodavelocidade,serecusandoterminantementeaaceitaro“fato”noticiadode que eu estava morto. Meu outro irmão, Scottie, chegou lá primeiro,porém,nãosendoumirmãogêmeoidêntico,sópodiasaberaquiloquelhediziam, não o que as ondas telepáticas lhe diziam. Ele estava quase tãodevastadoquantominhamãe.

Meu pai entrou na Internet para veri icar se havia mais notícias oualgum comunicado o icial do quartel-general SEAL doHavaí,minha base.Tudoqueeledescobriufoiacon irmaçãodaquedadoMH-47edosquatroSEALs desaparecidos em combate. No entanto, um dos jornais havaianosestavarelatandoamortedenósquatro.E,naquelemomento,achoqueeleacreditouqueeraverdade.

Pouco após duas da madrugada, no Texas, os SEALs começaram achegar ao sítio, vindo de Coronado. O tenente John Jones (JJ), emcompanhiadochefeChrisGothrovieramdeavião,comocontramestreTegGill, um dos homens mais fortes que conheço. O tenente David Duf ieldchegou de Coronado logo depois, com John Owens e Jeremy Franklin. Otenente Josh Wynn e o tenente Nathan Shoemaker vieram de VirginiaBeach.Meuparceirodeartilharia,JustinPitman,fezsuajornada,vindodaFlórida. Devo ressaltar que nada disso foi planejado ou organizado. Elessimplesmentevieram,eeramestranhossemisturandoaosamigos,unidos,imagino,pelopesardaperdadeumirmão.

E lá, para cumprimentar a todos, junto com minha mãe e meu pai,estava a igura poderosa de Billy Shelton. Ninguém jamais o vira àslágrimas.Geralmenteéassimcomcarasdurões.

O chefe Gothro imediatamente disse aos meus pais que não dava amínimapara o que amídia dizia.Não havia con irmação de que nenhumdos quatro homens da equipe SEAL estivesse morto, embora fosse

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provávelquenãotivessemsobrevivido.ElesabiasobreaúltimaligaçãodeMikey:Meu pessoal está morrendo aqui . Mas não havia qualquer certezaquanto a isso. Ele disse a minha mãe que tivesse fé, disse a ela quenenhumSEALestavamortoatéquehouvesseumcorpo.

FoiquandoMorganchegouedisseatodos,decara,queeuestavavivoe im de papo. Ele disse que havia estado em contato comigo, sentira aminha presença. Achava que eu podia estar ferido,mas nãomorto. “Masquedroga, eu sei que ele não estámorto”, disse ele. “Se ele estivesse, eusaberia.”

A essa altura, já havia 150 pessoas no quintal da frente e os xerifeslocais tinham, de alguma forma, isolado o sítio. Ninguém podia entrar napropriedade sem passar por esses guardiões. Havia carros de políciaestacionados ao longo da estrada de terra que conduz à casa. Algunso iciais estavam do lado de dentro da cerca, rezando, em pequenosserviços religiosos conduzidos por dois sacerdotes navais namadrugada.Sóparagarantir,euacho.

Em algum horário antes da cinco da manhã, minha mãe atendeu aporta da frente e viu o SEAL tenente Andy Haffele, com sua esposa,Kristina, ali, em pé. “Nós queríamos ajudar, do jeito que fosse possível”,disseAndy.“AcabamosdechegardoHavaí.”

“Havaí!”,disseminhamãe.“Masissoédooutroladodomundo!”“Marcus salvouminha vida, uma vez”, disseAndy. “Eu tinha que vir.

Seiqueaindaháesperança.”Nãopossoexplicaroquantotudo issosigni icouparaminhamãe.Ela

oscilavaentreaesperançaeoabsolutodesespero.Massempredissequejamais esqueceráAndy e a longa viagemque ele e Kristina izeramparaestarcomnossafamília.

Imagino que tudo começou com visitas da vizinhança, intercaladascom as chegadas mais pro issionais, do pessoal da SPECWARCOM. Masacabaria se tornando uma vigília. Ninguém ia embora, eles simplesmenteforam icando,diaapósdia,noiteapósnoite, rezandoaDeusparaqueeuestivessevivo.

Quando penso nisso, todos esses meses depois, ico um tantoimpressionado:tantoamor,tantocarinho,tantagentilezacommeuspais.Epensonisso,todososdias,eaindanãofaçoideiadecomoexpressarminhagratidão,excetodizendoqueseiqueaportadenossacasaestarásempreaberta para todos eles, independentemente da hora ou da circunstância,portodososdiasdeminhavida.

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Enquantoisso,devoltaàmalditamontanha,semsaberdessareuniãoimensa, que ainda estava aumentando, em minha casa, eu ouvia a águadistante. Agarrado a uma árvore,me esticando, imaginando como chegaratélá,semmematarnoprocesso.Foiquandooatiradortalibãmeacertou.

Sentiapontadaentrandoemminhacarne,noaltodapartedetrásdeminhacoxaesquerda.Cristo,aquilodoeu.Realmentedoeu.Eoimpactodabala do AK fez com que eu girasse eme derrubou numa cambalhota decostas,caindodaporradamontanha.Quandobatinochão,baticomforça,masviradoparabaixo,oqueachonãotersidomuitobomparameunarizquebradoeabriumaisorasgodaminhatesta.

Depois comecei a rolar, escorregando muito rápido, descendo odeclive íngreme, sem conseguir encontrar algo para me segurar, o quetambémdarianamesma.PorqueessesbastardosdoTalibãabriram fogocontramim.Haviabalasvoandoparatodolado,batendoezunindonosoloao meu redor, ricocheteando das rochas, batendo contra os troncos dasárvores. JesusCristo, issoeracomoestarnoCumedeMurphy, tudooutravez.

Mas émuitomais di ícil atingir um alvo emmovimento do que vocêpossa imaginar, sobretudo um que está na velocidade em que eu estava,sem controle, disparado por entre as pedras e as árvores. E eles nãoacertavam. Finalmente, acabei parando numa área mais plana e, claro,meusperseguidoresnãohaviam feitoa jornadadedescidacomamesmarapidez que eu. Eu tinha aberto uma boa distância à frente deles e, paraminha perplexidade, não tinha me machucado tanto. Acho que passeidireto por todos os obstáculos e a terra embaixo de mim era fofa. Alémdisso,aindaestavacommeuri le,oque,emminhamente,eraummilagremaiordoqueodeNossaSenhoradeLourdes.

Comecei a me arrastar, buscando cobertura atrás de uma árvore,tentandodescobriraposiçãodemeuinimigo.Euviaumcara,oqueestavamais perto, simplesmente em pé, apontando para mim, gritando paraoutros dois que estavam mais à direita. Antes que eu pudesse tomarqualquerdecisão,ambosabriramfogosobremimnovamente.Eunãotinhamuitachancedeacertá-los,poiselesestavamacercadecemmetrosacimadaencostadamontanhaeasárvoresosprotegiam.

Oproblemaeraqueeunãoconseguia icarempéapropriadamente,emiraro ri leeraumproblema,portanto,decididarumtempo, icandodequatro, e esperar um local melhor para pegá-los. Eu me arrastei, nãorápida, mas constantemente, sobre aquele terreno horrível, cheio demorrinhos e valetas. Não poderia estar num terreno melhor para um

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fugitivo, que era o meu caso, exceto pelo fato de não conseguir descerandando pelas brechas, e certamente não podia descer aqueles declivesíngremesdequatro,jáquenãoeraumleopardodaneve.

Então, a cada vez que eu chegava a um daqueles pequenosprecipícios, simplesmente me atirava, torcendo por uma aterrissagemrazoável.Roleimuito,numtrajeto longo,acidentadoedoloroso.Maseviteitomaroutrotironorabo.

Segui em frente por cerca de quarenta e cinco minutos, mearrastando, rolando e caindo, me mantendo fora do alcance de meusperseguidores,ganhandoterrenonasquedas,perdendo-odepois,quandoelesmealcançavam.Eemnenhumlugardaquelarotaserpenteadamorroabaixo encontrei um local decente para me livrar dos atiradores queestavammecaçando.Asbalascontinuavamvoandoeeumemantinhaemmovimento.Mas, inalmente,chegueiaumterrenomaisplano,aoredorderochas grandes.Decidi que essa seria a última investidadeMarcus. Ou adeles.Deum jeitooudeoutro.Apesardenão saber exatamentequantoseram.

Lembro-medeterpensado:Eagora,quediabosMorganfariaparasairdessa? E aquilomedeu força, a forçamaciça domeu irmão, seteminutosmaisvelho.Decidique,nessaposição,eleesperariaatéverosolhosdeles.Sem erro. Então, me arrastei para trás de uma rocha grande, veri iqueimeupente,depoissegureimeuMark12.Eesperei.

Eu os ouvi chegando, mas não até estarem bem perto. Eles nãoestavamjuntos,oqueeraenervante,poiseunãotinhacomosaberquantoseramno total.Masagorapodiaveroobservador,o caraque literalmenteestava me rastreando, não tentando me acertar; ele nem carregava umri le.Suafunçãoeramelocalizaredepoischamarosoutrosparaatirarem.Sujeitinhodescarado.

Mas é o jeito afegão. Esse tal de Sharmak era excelente em delegar.Umdoscarascarregavaaágua,outro,amuniçãoextra,eosatiradoresnãoperdiam tempo vasculhando o terreno. Eles tinham um especialista parafazerisso.

Esse especialista, emparticular, não estava tendomuito trabalho emme rastrear, provavelmente porque eu estava deixando um rastro comoum urso ferido, marcando todo o solo e sangrando como um porcoalvejado,tantonatestaquantonacoxa,tingindotodooxisto.

Eu me deslocava cuidadosamente, de joelhos, sobre a rocha, agoracomori leerguido,ehaviaumobservadortalibãempé,naminhafrente,amenosdetrêsmetrosdedistância–maselenãotinhamevisto.

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Naquele instante, atirei e o deixei morto. E a força da bala oarremessoupara trás,comosangueescorrendodeseupeito.Achoqueoacerteidiretonocoraçãoeoouvicairnochão.Mas,simultaneamente,bemali, atrás de mim, ouvi passos de perseguidores armados. Virei-me e láestavam dois deles, logo acima de mim, nas pedras. Procurando. Eu sótinhaumafraçãodesegundoparaagir,poiselesestavamemcima,comosAKserguidos.Porra!Eupodiapegarum,masnãoosdois.

Peguei uma de minhas granadas, puxei o pino e atirei direto neles.Achoquedispararamalguns tiros,masnãoa tempodemeacertar, antesdecaíremdecostasna rocha. Issoerabemdeperto,nãohavianemdoismetros entre nós. Eu só implorava ao Senhor que izesseminha granadaexplodir, e aconteceu, detonando os dois afegãos, partindo as pedras,mandandoumachuvade terraeareia.Eeu?Só iqueide cabeçabaixaeespereirezandoparaquenãohouvessemaisdeles.

Foiporaíquecomeceiaapagarumpouquinho.Nãopelaexplosãodagranada,masumasituaçãodeapagamento,demaneirageral.Tudoestavacomeçando a pegar, enquanto eu estava deitado ali, em meio aosescombrosquecaíamdocéu,ecomeceiamesentirhorrível,tonto,incerto,trêmulo.Achoque iqueialiatrásdaspedrasporumtempo,antesdemeaventurarasair,aindamearrastando,tentandoverseosoutroscarasdoTalibãestavammeseguindo.Masnãohavianada.

Era óbvio que eu precisava sair dali, porque a explosão da granadateria atraído alguma atenção, em algum lugar. Fiquei ali sentado maisalguns minutos, maravilhado com o silêncio, e pensei no mundo. E aconclusão a que cheguei foi que eu precisava aprender a lutar, tudo denovo.NãocomoumSEAL,mascomoumafegãodasmontanhas.Aomenosseeupretendessecontinuarvivo.

Aúltimahora tinhameensinadoalgumasgrandes lições.Aprincipalfoiqueeu tinhaqueadquirirhabilidadepara lutar sozinho, emcontrastedireto com tudo que já aprendera. Como você sabe, os SEALs lutam emequipes, apenas em grupo, cada homem depende diretamente das açõesprecisamentecorretasdosoutros.Éassimqueprocedemos, lutandocomouma equipe de quatro, ou dez, ou até vinte, mas sempre como umaunidade, sempre cobrindo, semprenos deslocandopara cobrir umvácuoouprepararocaminho.Éissoquenostornaótimos.

Mas, lá em cima, sendo caçado, totalmente sozinho – isso erainteiramenteoutrajogada.Eprimeiroeutinhadeaprenderamedeslocarcomoumafegãodasmontanhas,meocultando,memantendoforadevista,sem fazer qualquer som, nem causar tumulto. Claro que tínhamos

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aprendido tudo isso na Califórnia, mas não da forma enfatizada que eraexigida aqui, contra um inimigo nativo ainda mais oculto e silencioso doquenós.

Ficar me arrastando de quatro não ia me ajudar. Eu tinha de meconcentrar,mecolocarnaposiçãomilitarcorreta,antesdedaroboteemminhapresa. Precisava conservar aminhamunição,me certi icar de quemataria, antes de agir e, acima de tudo, tentarmemanter sem ser visto,semmetrairaorastejarcomoumursoferidoqueeuera.

Resolvi que, da próxima vez que atacasse meu inimigo, seria comnossa força mortal habitual, sempre assegurando o elemento surpresa.Essassãoastáticasqueinvariavelmentefazemosverdadeiramentecruéis,como os mujahedins, a al-Qaeda e, de agora em diante, eu, ganhar osconflitos.

Eumelevantei, icandosobreasmãoseosjoelhos.Ouvi,atentamente,comoumcãodecaçaávido,virandominhacabeçade lado,nadireçãodovento. Nada. Som algum. Talvez eles tivessem achado que eu estivessemorto.Dequalquerforma,saídali.

Perdiacontagemdadistância,masdavaaimpressãodeteremsidodecincoaseisquilômetros,mearrastando,descansando,rezando,esperando,tentando fazeromelhor, exatamente comonaSemana Infernal.Achoqueapaguei duas ou três vezes.Mas, inalmente, ouvi a quedad’água.Ouvi obarulhosobosoldatarde,derramandodeumapedraalta,caindodentrode uma piscina funda, antes de escorrer para os níveis mais baixos docórrego.

Não sei como eu cheguei ao topo da queda d’água, talvez uns seismetrosacimadapiscina.Erarealmentemuitobonita,osolbrilhavasobreasuper ície e por toda a sua volta, sobre as árvores na montanha, bemacima do vale, na beirada do qual havia uma vila afegã, bem abaixo demim,talveza1,5km.

Pelaprimeiravez,emmuitotempo,desdequeconseguiamelembrar,ninguémestavatentandomecaçar.Eunãoouvianada,nãovianinguémetudo parecia tranquilo. Eu havia eliminado o grupo de busca, pois, sehouvessemaisalguémmeespreitando,euteriaouvido,acredite.Eupodiaaindanãomedeslocarcomoumtribal,masjátinhadesenvolvidoaaudiçãodeum.

Estava semáguahá tanto tempoque achei quemaisumminutonãofariadiferença,então,pegueiamira telescópicademeuri leparaolharavila abaixo, a partir desse ponto de vantagem excelente. Forcei-me alevantar, me apoiando numa pedra, com a mão esquerda, logo acima da

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água.Avistadalieraextraordináriaeeupodiaenxergaravilainteira,suas

casas no alto, perto da montanha, construídas diretamente na encostarochosaporcarasqueobviamenteeramartesãos.Eracomosefossetiradode um livro de criança, como a casa da bruxa malvada ou algo assim,casinhasfeitasnumamontanhaderochasaçucaradas.

Guardei amira e, semme atrever a olhar o estado deminha pernaesquerda,deiumpassoàfrente,tentandoencontrarumlugardeondeeupudesse começar a deslizar para baixo, de costas, até a piscina de águagélida. Foi quandominha perna esquerda inalmente cedeu. Talvez fosseporcausadolocalqueacabaradereceberotiro,ouaspartesquehaviamsofrido o impacto da explosão, ou apenas os tendões, que já nãosuportavam o esforço. Mas a perna dobrou e me lançou à frente,bruscamente.

Eumeentorteiecaí,escorregandonoterrenocobertodexistoeareia,ganhandovelocidaderapidamente,cambaleando,comaspernasparaoar,às vezes enterrando as pontas deminhas botas, tentando cravar os pés,qualquer freio seria bom. Passei direto por aquela piscina mais baixa econtinueicaindo.Nemconsigoimaginaraquevelocidadeeuia,maspodiaverqueeraumalongajornadaatéláembaixo,enãoconseguiaparar.

Adiante, havia um broto de árvore e eu o agarrei na passagem,tentando me segurar em qualquer coisa que pudesse me fazerdesacelerar. Meus dedos se fecharam ao redor do caule ino, tentandosegurar, mas eu estava descendo rápido demais e acabei passando porcima,aterrissandodecostas.Poruminstante,acheiqueestavamorto.

Não fazia muita diferença se eu estava morto ou vivo, meu corposurrado simplesmente prosseguiu por quase trezentosmetros, girando ecaindo, até chegar ao fundo da escarpa. Aterrissei sem fôlego, com osangueescorrendosobremeurosto,docortequehaviaemminhatesta,efiqueiali,morrendodepenademim.

Vocêprovavelmentenãovaiacreditarnisso,masmeuri leestavaali,aomeu lado, emais umavez a sedeme salvou. Emvezde simplesmenteicar ali deitado, como um amontoado ensanguentado sob o sol da tarde,penseinaquelaágualogoacimademim.Aomenosestava,quandopassaraporelamomentosatrás.

Sabiaqueprecisariaescalardevoltaoumorreria.Então,agarreimeuri le e comecei ame arrastar rumo à bebida que poderiame devolver avida.Eumearrastavapeloterreno,eestoucertodequeaessaalturavocêconsegueentenderquealpinistaterríveleusou.Sópossoalegarqueerao

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declive. Era terrivelmente íngreme, não vertical, mas quase. Um ótimoalpinista provavelmente teria levado todo o seu equipamento para poderescalá-lo.

Não tenho certeza em que sou pior, subir ou descer. Mas foramsessentametros até a água. Levei mais duas horas. Apaguei duas vezes,mas cheguei lá,mergulhei a cabeça, apenas para libertarminha língua egarganta.Depoislaveimeurostoembrasa,limpeiocortedatestaetenteiremoverosangue,paralavaranegritudedeminhaperna.Nãodavaparasaberseabalaaindaestavaalojadaali.

Tudoqueeusabiaeraqueprecisavabeberumpoucod’águaedepoistentar chamar atenção para chegar até um hospital. Do contrário, euachavaquenãosobreviveria.Decidisubiralgunsmetrosatéolocal ondeaágua caía de umapedra, para dentro de umapequena piscina. Abaixei acabeçaebebi.Foiaáguamaisdocequejáprovei.

E eu estava realmenteme deliciando quando percebi que havia trêscaras em pé, logo acima de mim, dois deles com AKs. Por um instante,pensei que era alucinação. Parei de beber. E lembro que estava falandocomigo mesmo, apenas murmurando, oscilando entre a realidade e osonho.

Então, percebi que um deles estava gritando comigo, berrando algoqueeudeveriaentender,mas,emmeuestadodeconfusão,simplesmentenão compreendia. Eu estava como um animal gravemente ferido, prontopara lutar até o im. Não entendia nada, não era umamão amiga, nem apossibilidadededecênciahumana.Aúnicasensaçãoàqualeupodiareagirera a ameaça. E tudo era uma ameaça. Eu estava encurralado.Amedrontado.Subitamente,temendomorrer.Prontoparaatacarqualquercoisa.Esseeraeu.

Oúnicopensamentoqueeutinhaera:Voumataressescaras…apenasmedê uma chance. Afastei-me da piscina e segureimeu ri le em posição.Depoiscomeceiamearrastarsobreaspedras,otempotodoesperandoasaraivadadebalasdeAKentrandoemmim,parameliquidar.

Mas “ponderei” quenão teria chance. Eu teria de arriscar sermortoporessescaras,antesdeconseguirrevidar.Lembro-mevagamentedequeo primeiro sujeito ainda estava berrando, literalmente gritando comigo.Qualquercoisaqueestivessegritando,pareciairrelevante.Maselepareciaopai revoltadodeumdosmuitos tribaisafegãosquehaviamsido tiradosdocampodebatalhapeloshomensdaEquipeSEAL10.Provavelmentepormim.

Conforme eu seguia, lenta e dolorosamente, até as rochas maiores,

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passou por minha cabeça que, se esses caras realmente quisessem meacertar, já o teriam feito. Na verdade, eles poderiam fazê-lo a qualquerhoraquequisessem.MasoTalibãjámeperseguiahátempodemais. Tudoque euqueria era cobertura eumaposição justadeondepudesse atirardevolta.

Soltei a trava de segurança demeu ri le e continueime arrastando,diretoparaumcantosemsaída, cercadoderochasenormespor todososlados.Pronto.Essa seriaaúltima tacadadeMarcus.E, lentamente, eumevirei, para icar outra vez de frente parameus inimigos. O problema eraque,então,meusinimigosmeioqueseespalharam.Ostrêscarasestavamacima de mim, me cercando, um à esquerda, outro à direita e umdiretamenteacima.Cristo,eupensei.Só tenhomaisumagranadademão.Issoémau.Muitomau.

Depois notei que piorava ainda mais. Havia mais três caras acima,todosarmadoscomAKspenduradosnascostas.Eelesestavamespalhadosdemaise,dealgumaforma,haviamsubidomaiseseposicionadonaminharetaguarda.Ninguématirava.Erguimeuri leeaponteiparaoqueestavagritando.Tenteimirá-lo,maselesemovimentourapidamenteparatrásdaárvore,oquesignificavaqueeuestavamirandoonada.

Virei-me e tentei localizar os outros, mas o sangue em minha testaainda escorria e atrapalhavaminha visão.Minha perna estava tingindo oxistodevermelho.Eu jánãosabiaquediabosestavaacontecendo,excetoqueestavaemalgumtipodeluta,queobviamenteestavaprestesaperder.O segundogrupode três carasestavadescendoaspedras, atrásdemim,comrapidezefacilidade,logoacima.

O cara atrás da árvore agora estava no descampado e ainda gritavacomigo, como ri le abaixado, parecendo exigir aminha rendição.Mas eunempodia fazer isso.Sabiaqueprecisavadesesperadamentedeajudaouia sangrar atémorrer. Então, iz o que jamais achei que faria, em toda aminhacarreira.Baixeimeuri le.Derrotado.Todoomeumundogiravaforadecontrole.Eulutavaparaevitarapagaroutravez.

Só iquei ali deitado na terra, sangrando, ainda segurandomeu ri le,decertaformadesa iador,masincapazdelutar.Eunãotinhamais forças,estavaprestesaperderaconsciênciaemeesforçavaparaentenderoqueaqueletribaltentavadizer,berrandotanto.

“Americano!Tudobem!Tudobem!”Finalmenteentendi.Essescarasnãoqueriammefazermal.Sóhaviam

sedeparadocomigo.Nãoestavammeperseguindoenãotinhamaintençãodemematar.Eraumasituaçãoàqualeunãoestavaacostumado,aolongo

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dos últimos dias. Mas a visão dos pastores de cabras de ontem aindaestavaemminhamente.

“Talibã?”,perguntei.“SãodoTalibã?”“NãoTalibã!”,gritouohomemqueeuachavasero líder.Eelecorreu

atéabeirada,comamãonagarganta,dizendomaisumavez:“NãoTalibã!”De onde eu estava deitado, aquilo parecia um sinal de “Morte ao

Talibã”.Certamenteelenãoestava indicandoserumdeles,enempareciaum. Tentei lembrar se os pastores de cabras haviamdito “Não Talibã”. Eestavaquasecertodequenão.Issoerabemdiferente.

Maseucontinuavaconfusoetonto,incerto,econtinuavaperguntando:“Talibã?Talibã?”

“Não!Não!NãoTalibã!”Acho que, se eu estivesse em plena forma, teria aceitado isso vários

minutos atrás, antes da última tacada de Marcus. Mas agora eu estavapifando.Violídercaminharparamim.ElesorriuedissequeseunomeeraSarawa.Eraomédicodavila e,dealguma forma, se comunicava comuminglês rústico. Tinha trinta e poucos anos, era barbudo, alto para umafegão,comumatestalargadeintelectual.Lembro-medeterpensadoqueele não pareciamuito com ummédico, não daquele jeito, circulando pelabeiradadamontanha,comoumrastreadornativo.

Mas havia algo sobre ele. Também não parecia um membro da al-Qaeda.Aessaaltura,eu já tinhavistomuitosguerreiros talibãs,eelenãose parecia com nenhum deles. Não havia arrogância nem ódio em seusolhos.SenãoestivessevestidocomooprotagonistadeAssassinatonopassodo Khyber, poderia ter sido um professor de faculdade americano acaminhodeumapasseatapelapaz.

Ele ergueu a larga camisa branca para me mostrar que não tinhanenhumaarmaou facaescondida.Depoisabriuosbraçosà frente,oqueachoserosinalinternacionalparadizer:“Estouaquinaamizade”.

Não tive outra escolha a não ser con iar nele. “Preciso de ajuda”, eudisse, expressando a frase que deve ter dado mais ênfase ao óbvio.“Hospital,água.”

“Hã?”,disseSarawa.“Água”,repeti.“Precisodeágua.”“Hã?”,disseSarawa.“Água”,gritei,apontandoparaapiscina.“Ah!”,exclamouele.“Hidratar!”Mesmo fraco,nãopudedeixarderir.Hidratar!Quemeraessaporra

doidadessecara,quesósabiapalavrascompridas?

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Ele gritou para um garoto que tinha uma garrafa. Acho que ele foienchê-la comágua frescado córrego. E a trouxede volta paramim, e euvireinagarganta,bebendo,semparar,duasgarrafascheias.

“Hidratar”,disseSarawa.“Éissomesmo,companheiro”,confirmei.Aessaaltura,começamosafalarnaquelalínguadaterradeninguém,

quandoumnãosabeumapalavranalínguadooutro.“Leveiumtiro”,eudisseaele,emostreimeuferimento,queaindanão

tinhaparadodesangrar.Ele o examinou e acenou a cabeça, sério, como se entendesse ser

verdade que eu precisava urgentemente de atenção médica. Só os céussabemcomoaminhapernaestavainfeccionada.Todaaquelaterra,lamaexistoqueeupuserasobreelanãopodiamterfeitomuitobem.

Eu lhe disse que também era médico, pensando que isso pudesseajudar, de alguma forma. Sabia que provavelmente haveria umaretribuiçãoselvagem se uma vila não ligada ao Talibã abrigasse umfugitivo americano, e rezava para que eles simplesmente não medeixassemali.

Eu desejava muito ainda ter meu equipamento médico comigo, masisso foraperdidohámuito temponamontanha, comMikey,AxeeDanny.Dequalquer forma,Sarawapareciaacreditarqueeueramédico,emboraparecesseigualmentecertodeondeeuvinha.Comumasucessãodesinaisepoucaspalavras,transmitiu-mequesabiatudosobrealutanamontanha.Eficavaapontandodiretamenteparamim,comosequisesseconfirmarquesabiainteiramentequeeueraumdoscombatentes.

Otelégrafotribaldosarbustosaquiemcimadeveser fantástico.Elesnão têm qualquer meio de comunicação, nem telefones, carros, nada.Somente uns aos outros, pastores de cabras circulando na encosta damontanha,passandoas informaçõesnecessárias.EaliestavaSarawa,queprovavelmente estaria a quilômetros de distância de toda a ação, meinformandosobreabatalhaqueeuajudaraalutarnodiaanterior.

Deu-meumtapinhaconfortantenoombro,depoisseretirouparaumtipo de conferência com seus colegas de vila, enquanto eu falava com ogaroto.

Ele só tinha uma pergunta e teve muita di iculdade para fazê-la,tentando conseguir que um americano entendesse. No im, peguei osentidodacoisa:Vocêéomalucoquecaiudamontanha?Muitolonge,muitorápido, muito engraçado. Todos da minha vila o viram fazer aquilo. Piadamuitogrande.Há!Há!Há!

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Jesus Cristo! Quero dizer, Muhammad! Ou Alá! Quemmandava, poraqui.Essegarotoeradeumavilabemanimada.

Sarawa voltou. Eles me deram mais água. E olhou novamente meuferimento. Não parecia nem um pouco feliz. Mas havia coisas maisimportantesaseremdiscutidasdoqueomeuestado.

Claroquenãopercebi isso.MasadecisãoqueSarawae seusamigosestavam tomando envolvia grandes responsabilidades e, possivelmente,consequênciasimediatas:tinhamquedecidirsemeabrigariam.Seiammeaceitar,abrigarealimentar.Maisimportante,medefender.

Aqueleeraopovopashtun.EamaioriadosguerreirosquelutavasobaantigabandeiradoAfeganistãoeumvastonúmerodecombatentesdaal-Qaeda de bin Laden eram membros dessa tribo milenar, da qual quasetrezemilhõesresidiamali,noAfeganistão.

Aquela essência de ferro da facção Talibã, aquela determinaçãoin lexíveleódiomortalaosin iéiseramdecididamentepashtuns.Asaçõesdo Talibã ao redor daquela montanha só se davam com a aprovaçãosilenciosa e a permissão subentendidados pashtuns, que lhes concediamalimentoeabrigo.Demaneirageral,asduascomunidades,osguerreirosea população montanhesa, estavam irrevogavelmente ligadas. Osmujahedins que lutaram contra os russos eram, predominantemente,pashtuns.

Deixa pra lá o “Não Talibã”. Eu conhecia o histórico. Esses caraspodiamseraldeõespací icosporfora,masoslaçostribaisdesangueeramfeitos a ferro e fogo. Diante de um exército talibã enfurecido exigindo acabeça de um americano armado, em serviço, você, em princípio, nãoapostariaumtostãonaschancesdoamericano.

Noentanto,haviaalgoqueeunãosabia.Nósestávamosfalandosobrelokhaywarkawal – uma in lexível porção da história da lei tribal pashtunera baseada na hospitalidade. A tradução literal de lokhaywarkawal eradarproteção,guaridaaumindivíduo.

Eu cheguei a mencionar isso quando descrevi o histórico tribalpashtunbemnocomeço.Masessaéapartequerealmenteconta.Éondeolokhaywarkawal entrano contexto. Bemaqui, enquanto estoudeitadonochão,sangrandoatéamorte,eostribaisestãodiscutindomeudestino.

Para um americano, principalmente um em terríveis condições comoeu me encontrava, o conceito de ajudar um homem ferido, talvezmortalmente,éapenasumarotina.Vocêfazoquepode.Paraessescaras,oconceito envolvia responsabilidades bem mais onerosas.Lokhay significanãoapenasproverabrigo,masumcompromissoindestrutíveldedefender

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aquele homem ferido até a morte. E não apenas a morte do principalhomemda tribo,oua famíliaqueassumiuo compromissooriginaldedarabrigo.Significaavilatoda.

Lokhay quer dizer que a população inteira daquela vila lutará até oúltimo homem, unida pela honra de proteger o indivíduo que convidouparacompartilharsuahospitalidade.Eissonãoéalgoparapapearquandoascoisas icamdi íceis.Nãoéumpontodenegociação.Issoéestritamenteinegociável.

Portanto, enquanto eu estava ali, deitado, pensando que aquelesbastardos cruéis sem coração iam me deixar morrer, eles discutiam umfato bem maior, uma questão de vida ou morte. As vidas com as quaisestavam preocupados não tinham nada a ver com a minha. Olhe, rapaz,aquiloeraLokhaycomLmaiúsculo.Sembaboseiras.

Peloqueeupensava,elesestavamdecidindoquantoameterumabalaemminhacabeçaepoupara todosmuitaconfusão.Mas,aessaaltura,euestava apagando, meio dormindo, meio alerta, e a distinção era mínima.Sarawaaindaestavafalando.Éclaroquemeocorreuqueaqueleshomensseriamsimplesmenteiguaisaospastoresdecabras,espiõesleaisaoTalibã.Podiam facilmente me receber e depois mandar seus mensageiros maisvelozes informaraos comandantes locaisqueestavamcomigo, e eupodiaserrecolhidoeexecutadoaqualquerhoraquequisessem.

Eu desejava fervorosamente que não fosse o caso. E, apesar deentender que Sarawa era um cara legal, eu não tinha como saber averdade sobre ele; ninguém tinha, não sob aquelas circunstâncias. Dequalquer forma, não havia muito que eu pudesse fazer, exceto, talvez,atirarem todoseles, eque chance imensaeu teriadeescapar.Malpodiamemexer.

Então, apenas esperei pelo veredicto. Continuei pensando:O queMorgan faria?Seráqueháalguma saída?Qual éadecisãomilitar correta?Tenhoalgumaopção? Nãoquedesseparanotar.Minhamelhorchance deviverera tentar fazeramizadecomSarawa, tentar,dealguma forma, cairnasgraçasdeseusamigos.

Pensamentos desconexos passavam pela minha cabeça. E quanto atodas aquelas mortes que haviam ocorrido nas montanhas? E se algunsdaquelescarasperdidosnabatalhacontraosSEALsfossem ilhos,irmãos,pais ou primos? Como se sentiriam em reação a mim? Um militaramericano armado e uniformizado, participante de várias batalhas quedetonaramafegãosemsuasprópriasterrastribais?

Eu,eraóbvio,nãotinharespostaalguma,nempodiasaberoqueeles

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estavampensando.Masnãopodiasercoisaboa.Dissoeusabia.Sarawa voltou. Ele ordenou que dois homens me levantassem, cada

umdelesmedandoapoioporbaixodecadabraço,parameergueremdochão.Ordenouquetambémlevantassemminhaspernas.

Quando se aproximaram de mim, peguei minha última granada ecuidadosamentepuxeiopino,quemantiveemposiçãoparaserdetonado.Euaseguravanumadasmãos,pertodopeito.Ostribaisnãoperceberam.Tudoqueeusabiaeraque,seelestentassemmeexecutaroumeamarrarparaconvidarseuscolegasassassinos talibãs,eu largariaaquele troçonomeiodochãoelevariaumaporradadelesjuntocomigo.

Eles me levantaram. E lentamente começaram a me conduzir parabaixo,rumoàvila.Naquelemomento,eunãoentendi,masessafoiamaiorchance que tive, desde que começara a batalha pelo Cume de Murphy.Esses pashtuns tribais amistosos haviam decidido me conceder olokhay.Haviam se comprometido a me defender contra o Talibã, até que nãohouvessemaisninguémvivo.

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10UMFUGITIVOAMERICANOENCURRALADOPELO

TALIBÃDepois encontrei um pedaço de rocha pontudo nochãodacavernae,ali,dolorosamentedeitadosobremeu lado esquerdo, passei duas horas entalhandoaspalavrasdocondedeMonteCristonaparededeminhaprisão:Deusmedarájustiça.

Sarawa e seus amigos não tentaram tirar meu ri le. Ainda. Eu o levavacomigo numa das mãos, enquanto eles me carregaram lentamente nadescida da trilha íngreme rumo à vila de Sabray, a uma distância deaproximadamente duzentosmetros, com talvez trezentas casas. Na outramão, eu tinha a minha última granada, sem pino, pronta para levar nóstodosàeternidade.Erapoucodepoisde16heosolaindaiaalto.

Passamos por dois grupos locais e ambos reagiram com um óbvioespanto, diante de um americano armado e ferido, segurando seu ri le,masrecebendoajuda.Elespararameolharam,enasduasvezeseu ixeioolharnodeumdeles.Acadavezqueeleolhavadevolta,oduroolhardepuroódioeramuitofamiliar.Erasempreigual,omesmoolhardeascopeloinfiel,semdisfarce.

É claro que eles estavam confusos. O que não chegava a sersurpreendente. Que diabo, até eu estava confuso. Por que Sarawa estavame ajudando? O preocupante era que Sarawa parecia estar remandocontraamaré.Essaeraumavilacheiadeislâmicosfanáticosquequeriamver americanos mortos. Ali em cima, naquelas montanhas sem lei, foi olocalondenasceuoplanodeesmagarastorresgêmeasdeNovaYork.

Ao menos, esses eram os meus pensamentos. Mas subestimei adecência humana essencial dos membros mais in luentes dessa tribopashtun. Sarawa emuitos outros eram caras legais que não queriammefazer mal. Nem eram submissos à sede de sangue de alguns de seuscompanheirosdamontanha. Sóqueriammeajudar.Mais tarde euviria aentenderisso.

As expressões hostis e precavidas dos pastores de cabras eramtípicas,masnãore letiamavisãodamaioria.Continuamosdescendo,atéacasadotopodeSabray.Eudigodotopoporqueascasaseramconstruídas

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uma quase em cima da outra, chegando bem perto da face íngreme damontanha. Quero dizer, você poderia dar um passo para fora da trilha ecaminhardiretoemcimadotelhadodeumacasa.

Era preciso descermais para chegar à porta da frente. Já lá dentro,você icavamaisoumenosnosubterrâneo,numtipodecavernafeitapelohomem,debarroepedras,comchãodeterra,obviamenteconstruídaporartesãos. Havia escadas de rochas descendo a outro nível, onde icavaoutrocômodo.Noentanto,essaeraumaáreaaserevitada,poiseraaliqueospastoresmantinhamascabras.E,ondehácabras,hácocôdecabra.Portodolado.Ocheiroécrueleseespalhapelacasainteira.

Chegamosao ladode foradeuma casa e tentei lhesdizerque aindaestavamorrendodesede.LembroqueSarawamedeuumamangueiradejardim,comgrandeostentação,comosefosseumcálicedeouro,esevirouparairabrirumatorneiraemalgumlugar.Eurecoloqueiopinoemminhagranada de mão, um processo que desagrada muito os militaresamericanos, e a en iei, com segurança, emmeu colete de batalha, que euaindavestia.

Agora tinha novamente as duas mãos livres e a água estava bemgelada,comumgosto fabuloso.Então,arranjaramumacaminhade armarna casa e arrumaram para mim, quatro deles me ergueram e mepousaramcuidadosamentenela,sobasupervisãodeSarawa.

Acima, eu podia ver os aviões americanos passando, rasgando o céusobre as montanhas. Exceto eu, todos apontavam para eles. Eu apenasolhavameiosaudoso,imaginandoquandoviriammebuscar.

A essa altura, toda apopulaçãode Sabray estava ao redordaminhacama, olhando, enquanto Sarawa começou a trabalhar. Ele limpou osferimentos deminha perna, con irmando o que eu suspeitara, não haviabalaalojadanacoxaesquerda.Naverdade,elelocalizouoburacoporondeabalahaviasaído.Cristo!Euestiverasangrandonosdoislugares,nãoeradeseadmirarquequasenãotivessemaissangue.

Depois ele pegou um pequeno instrumento cirúrgico e começou apuxar os estilhaços de metal da minha perna. Passou um bom tempotirando todos os fragmentos da granada que conseguiu encontrar. Aliás,issodoíacomooinferno.Maseleseguiaemfrente.Depoislimpoutudodenovo,aplicouumcremeantissépticoecolocouumabandagem.

Só iquei ali deitado, totalmente exausto. Logo depois, acho que porvoltadasseishoras,elesvoltarameme levaramparadentro,comquatrodeles carregando a cama. Deram-me roupas limpas, a melhor coisa queaconteceudepoisdaprimeiraáguaquebebi.Eramroupasafegãsmacias,

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uma blusa solta e calças largas, incrivelmente confortáveis. Eu me sentiquase humano. Na verdade, deram-me duas trocas de roupas, idênticas,brancasparaodia,pretasparaanoite.

Oúnicopercalçoveioquandoeuestavametrocando,tirandoaroupaamericana surradadabatalha,naverdadeapenasmeu colete, e vestindoasroupas tribais.Euaindaestavacomumadordos infernosnoombro,eeles tiveram que me dar uma mão. E, quando viram a extravagantetatuagemque tenhonascostas–ametadedeumtridenteSEAL(Morgantemaoutrametade)–,elesquasedesmaiaram.

Acharam que fosse algum tipo de emblema tribal de guerra, e euimagino que seja. Depois pensaram que eu poderia ser a encarnação dodiabo, e tive que icar dizendo que era médico, qualquer coisa que osizesse deixar de acreditar que eu era um guerreiro das forças armadasamericanas, um homem que exibia um símbolo poderoso de vodu nascostas, o qual certamente era diabólico e decididamente os varreria domapa. Felizmente, consegui ganhar com aquele argumento, mas elesicaram bem satisfeitos ao me verem vestido e puxaram a manga paracobriraparte superiordobraço,ondeodesenhoaindaeraparcialmentevisível.

Quando começaram a ir embora, eles já estavam sorrindo, e eu metornaraodr.Marcusatéorestantedeminhavisitanavila,e imaginoquemuitoalém.

Minha última solicitação foi ser levado até o banheiro coletivo paraurinar, e eles me levaram, mas izeram com que eu adotasse a posiçãoafegãtradicionalparaessaoperação.Lembroquecaípara trás,oque fezcomquetodosrissemsemparar.

Eles me levaram de volta para minha cama, ainda rindo, e eusubitamente percebi, horrorizado, que haviam retirado omeu ri le. Exigique me dissessem onde estava, mas explicaram que tiveram de levá-lo,lokhay,ounadadelokhay,porque,seostalibãschegassemaentrarali,nãoacreditariamque eu era ummédico ferido, não comum ri le de atiradorcomoaquele.Lokhayounadadelokhay.

A essa altura, eu não os entendia e, de qualquer forma, havia poucoque pudesse fazer quanto a isso. Então, apenas afastei aquilo de minhamente. E iquei ali deitado, na luz fraca, até que inalmenteme deixaramtotalmentesozinho.

Eu havia bebido água e comera um pouco do pão chato que elesassam no Oriente. Ofereceram-me uma tigela cheia de leite morno decabra,noqualeudeveriamolharopão.Masacombinaçãofoi,semdúvida,

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opiorsaborqueeujáexperimentara.Quasevomiteiepediquelevassemoleite, dizendo-lhes que era contra a minha religião! Consequentemente,mandei pra dentro o pão duro, a seco.Mas estava grato e tentavadeixarisso claro.Nossa, eupoderia estarmorto,noaltodamontanha.Não fosseporeles,estaria.

Eagora,maisumavez, euestava sozinho.Olhavaàminhavolta,pelaprimeira vez observando os meus arredores. Um tapete grosso afegãoforravaochãoehaviaalmofadascoloridaspertodaparede.Haviaenfeitesentalhadosnaparede,masnenhumafotogra ia.As janelas tinhamvidroeeu podia ver que, abaixo dessa casa, havia outros telhados cobertos depalha. Eles decididamente eram construtores habilidosos, mas eu estavaincertoquantoàprocedênciadomaterialbruto,aspedras,ovidro,apalha.

Dentrodomeuquartohaviaumacaixagrande,trancada,demadeira.Fiqueisabendoquealidentroeramguardadosospertencesmaisvaliososdetodososmembrosdacasa.Enãoeramuito.Con ieemmim.Eudescobriporquê.Atemperaturacaiu,docalordiurno,paraquasezerograuànoite.

Também percebi que havia um antigo fogão de ferro, no canto doquarto, onde, depois iquei sabendo, eles assavam pão todos os dias. Osistemaaliemcimaeraqueduascasasprincipais,comoaquela,assassemo pão para todas e depois o pão era distribuído. Fiquei ali deitado,pensando para onde ia toda a fumaça quando eles acendiam o fogão, jáque não havia chaminé. Mas essa descoberta ainda estava por vir.Resposta: lugar algum. Aquela fumaça de lenha icava dentro do meuquarto.

Fiqueimeio adormecido, commeus ferimentos ainda latejando,mas,certamente,nãoestavaminfeccionando.Hooyah,Sarawa!Certo?

Aportadaminhanovaresidênciaerabemgrossa,masnãotinhaumbomencaixe.Ela impediaqueoventoea chuvaentrassem,masos carastinham que dar um solavanco forte para abri-la. Eu já percebera isso esabiaqueninguémpoderiaentrarnoquarto semmeacordar; então,nãohavianecessidadededormiremestadodealerta.

Noentanto,oqueaconteceuaseguirmepegoudesurpresa.Aportase abriu comum chute que quebrou o silêncio. Abri os olhos atempo deveroitoguerreiros talibãsentrandonoquarto.Oprimeiroveiodiretoatéminha cama e me deu um tabefe no rosto, com toda a sua força. Aquilorealmentemedeixouinjuriadoeeletevemuitasorteporeunãopodermemexereestaralicomoprisioneiro.Seelepensasseemcolocarasmãosemmimquandoeuestivesseem forma,eu lhearrancariaaporradacabeça.Bestinha.

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Eu sabia que eram talibãs por conta de sua aparência, com barbasmuitobemaparadasecuidadas,dentes,mãoseroupas,todoslimpos.Erambem alimentados e sabiam falar um inglês truncado. Nenhum deles eramuitogrande,talvezumamédiade1,75metodosusavamaquelesantigoscintosdecourosoviéticos,osque têmumaestrelavermelhanocentrodaivela.Usavamroupasafegãs,mascadaumdelesestavacomumcoletedecordiferente.Cadahomemportavaumafacaeumapistolarussapresaaocinto.TudofeitoemMoscou.Tudoroubado.

Não havia nada em que eu pudesse colocar as mãos para medefender.Eunãotinhari le,nemgranada,sómeudistintivoparticulardecoragem, aEstrela SolitáriadoTexasemmeubraçoepeito.Precisavadeumpoucodessacoragem,porqueessesbastardoscaíramemcimademim,chutandominha perna esquerda, socandomeu rosto e tronco,me dandoumasurradosdiabos.

Eunãoligavamuito.Comofuitreinado,consigoengoliressamerda.Dequalquer forma, não havia um único deles com um soco decente. Naverdade,eramgarotosdemuitasorte,porque,emcircunstânciasnormais,eu teria arremessado qualquer um deles direto pela porcaria da janela.Minhamaiorpreocupaçãoeraqueelesresolvessemmedarumtirooumeamarrar eme levarpara algum lugarna fronteira comoPaquistão, paramefilmar,depoiscortarminhacabeçadiantedascâmeras.

Seporumsegundoeupensassequeessaerasuaintenção,onegócioicaria muito ruim para todo mundo. Eu estava ferido, mas não tantoquantodemonstravaeestavaformulandoumplanoderetirada.Acimademim, nas vigas, eu via uma barra de ferro de aproximadamente 1,20 m,bemali,debobeira.Seráqueeuconseguiriapegá-laseficasseempé?Sim.

Numa situação de vida ou morte, eu agarraria aquilo, escolheriacuidadosamente omais violento entre eles e o atravessaria com a barra.Elenuncamaisiriaselevantar.Depois,eupartiriaparadentrodosoutrosdois da frente, pegando-os inteiramente de surpresa. Ao mesmo tempo,usando a barra de ferro eu acuaria o grupo inteiro no canto, conforme aestratégiapadrãodecombateSEAL,tornandoimpossívelquequalquerumpudessemeatacar,puxarumafacaousair.

Provavelmente teria que esmagar o crânio de outros dois, antes deusar aquelas pistolas russas para liquidar qualquer um que aindaestivessevivo.Seráqueeuconseguiria?Achoquesim.Meuscompanheirosda Equipe SEAL 10 icariam muito decepcionados comigo se eufracassasse.

Minha posição de retirada estratégica teria sido matar todos, pegar

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suas armas e munição, depois me posicionar em barricada, na casa, atéqueosamericanosviessemmebuscar.

Oproblemaeraondetudoissomelevaria,emcurtoprazo?QualeraosentidodeseroSEALvalentão,daformacomoalgunsdoscarasseriam?Acasaestavacercadapormaistalibãs,todosdeAK.Euviosguardasentraredepoisvoltarasair.Algunsdosescrotinhosestavambemdoladodeforadajanela.Dequalquerforma,todaaáreadaviladeSabrayestavacercadapelo Talibã. Sarawame dissera isso, e eu não entendia o motivo por tersidodeixadosozinho…amenosqueelessoubessem…amenosquefossemdoutrinados…amenosqueeurealmenteestivessenasmãosdeguerreirostalibãsdefolga.

Mas os caras ao lado da minha cama não estavam de folga. Elesestavamnomeupé,exigindosaberporqueeuestavaali,oqueosaviõesamericanos estavam fazendo, se os Estados Unidos estavam planejandoatacá-los, quem estava a caminho para vir me resgatar (boa pergunta,certo?). Eu sabia que, naquele momento, ser discreto era, de longe, omelhora fazer,poismeuobjetivoerasimplesmentetentarcontinuarvivo,nãoentrarnumabrigadefacacomostribais,ou,pior,tomarumtiro.

Continueidizendoqueeramédicoequeestavaaliparaajudarnossosferidos. Também lhes contei umamentira enorme: que era diabético. Eunão era membro das forças especiais e precisava de água, o que elesignoraram. O principal problema, estranhamente, era minha barba, poiseles sabiam que o exército americano não permitia barba. Só as forçasespeciaispermitem.

Conseguipersuadi-losdequeprecisavairatéláfora,eelesmederamuma única oportunidade, uma última e desesperada tentativa paraescapar. Mas eu não conseguia me mover com rapidez su iciente e elessimplesmente me arrastaram de volta para dentro, e me bateram commais força que antes.Quebraramos ossos domeupunho.Aquilo doeu e,desdeentão,eujátivequefazerduascirurgiascorretivas.

Aessaaltura,eles jáestavamcomos lampiõesacesos, talveztrês,eoquarto estava bem iluminado. E a inquisição prosseguiu por talvez seishoras. Gritando e batendo, berrando e chutando. Eles me disseram quetodos os meus amigos estavam mortos e que já haviam cortado suascabeças e eu seria o próximo. Disseram que haviam derrubado umhelicóptero americanoematado todomundo.Tinhamum tomdesa iador,gritando, se gabando que acabariam matando todos os americanos queestivessem no país deles e…Nós vamosmatar vocês todos!Morte a Satã!Morteaoinfiel!

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Elesfrisavam,comgrandealegria,queeueraoprincipalin ieletinhapoucos instantes de vida. Dei uma olhada de lado para a barra de ferro,talvezaminhaúltimaesperança.Masnãolhesdissenada,mantiveaminhaguarda,continueidizendoqueeraapenasummédico.

A certa altura, veioumdosgarotosdavila, de talvezdezessete anos.Eu estava bem certo de que ele estava num dos grupos pelos quaiseupassara, a caminho dali. Ele tinha o que agora chamo de o Olhar. Aquelaexpressãodedebocheiradodemimedemeupaís.

OscarasdoTalibãodeixaramvireassistir,enquantomebatiam.Elerealmentegostava,epudeverqueelesoconsideravam“umdosseus”.Elefoiautorizadoa icarsentadonacama,enquantochutavamabandagemdaminha coxa esquerda. Ele simplesmente adorava. Ficava passando amãonagargantaerindo:“Talibã,hein?…Talibã!”.Jamaismeesquecereideseurosto,seusorriso,seuolhartriunfante.Eeu icavasóolhandoparaaquelabarradeferro.Ogaroto,também,tevemuitasorte.

Então,meusinterrogadoresencontraramamiraalaserdomeuri leea minha câmera, e quiseram tirar fotos uns dos outros. Eu lhes mostreicomo usar o laser para tirar as fotos,mas ensinei ao contrário, e disse aelesqueolhassemparao feixede luz aolhonu.Achoqueoúltimo favorque iz foi cegar a porra da cambada toda! Porque aquele feixe teriaqueimadoaretina.Desculpem,caras.Issoéoshowbusiness.

Logodepoisdisso,deviaserporvoltademeia-noite,umanova iguraentrou no quarto, com dois acompanhantes. Eu soube que esse era oancião da vila, um homempequeno, de barba, que impunha um respeitocolossal.Ostalibãsimediatamenteselevantaramederamumpassoparaolado,conformeovelhocaminhouatéolocalondeeuestavadeitado.Eleseajoelhouemeofereceuágua,numapequenaxícaradeprata,deu-mepão,depoislevantou-seesevirouparaostalibãs.

Nãotenhocertezadoqueeleestavadizendo,masdepoisdescobriqueeleosestavaproibindodeme levar.Achoqueelessabiamdissoantesdechegar,docontrário,provavelmente,aessaaltura,eujáteriaido.Masnãohavia engano quanto à autoridade em sua voz. Era uma voz baixa etranquila, calma, irme, e ninguém falava quando ele estava falando.Ninguém interrompia. Lei tribal, eu acho. Quando ele saiu, seguiu pelanoite de postura ereta, o tipo de postura adotada por homens que nãoestão habituados a ser desa iados. Era possível identi icá-lo a umquilômetro dedistância, mais ou menos como um instrutor Reno afegão.Cristo!Eseelepudessemeveragora?

Por volta da uma hora, após a partida do idoso da vila, seis horas

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depoisqueeleshaviamchegado,ostalibãssubitamentedecidirampartir.Seulíder,ochefequefalava,eraumsujeitomagroequaseumpalmo

maisaltoqueorestante.Eleosconduziuparao ladode foraeeuosouviindo embora, se deslocando lentamente pela trilha que saía de Sabrayrumoàsmontanhas.Maisumavez, fuideixadosozinho, sangrandomuito,bemmachucado,eternamentegratoaoanciãodavila,mergulhandonumaespécie de sono meio acordado, assustado, realmente temendo queaquelesbastardos,dealgumaforma,voltassemparamepegar.

Bum! Subitamente, a porta se abriu outra vez.Quasepulei para foradaminharoupaafegãnoturna,tamanhoosusto.Elesteriamvoltado?Como equipamento de execução? Será que eu poderia levantar e lutar pelaminhavidadenovo?

MasdessavezeraSarawa.Etivequeperguntaramimmesmo,quemera ele, realmente? Teria dado uma dica a alguém? Seria a favor dostalibãs?Ouelessimplesmenteteriamvindomebuscareinvadido,quandoninguémestavavendo?

Eu ainda não havia sido informado quanto ao conceito dolokhay.Possivelmenteporqueelesnãotinhammeiodemeinformare,dequalquerforma,eunãotinhaoutraescolhaanãosercon iarneles.Eraminhaúltimachancedesobreviver.

Sarawacarregavaumpequeno lampião,acompanhadoporalgunsdeseusamigos.Eusentiaapresença,masnãoconseguiarealmentevê-los,nobreuabsoluto,nãoemminhascondiçõesesobaquelaluztrêmula.

Três dos homens da vila me ergueram do chão e carregaram emdireção à porta. Lembro-me de ver suas silhuetas re letidas nas paredesde barro, iguras sombrias e sinistras, de turbante. Honestamente, eracomo se fosse algo tirado dasMil e uma noites. O grande Marcus sendolevado por Ali Babá e seus quarenta ladrões para encontrar a porra dogênio. É claro que eu não tinha como saber que eles estavam agindosegundoasordensdiretasdoanciãodavila,quelhesdisseraparametirardali caso o Talibã decidisse me levar à força, ignorando as regrasmilenares.

Já lá fora, apagaram a luz e montaram sua formação. Dois carasseguindonafrente,comri lesAK-47,eumcaraatrás,tambémcarregandoumAK.Osmesmos três caras que haviamme carregado antes, incluindoSarawa, começaram a andar rumo à saída da vila, descendo pela trilha.Percorremos um longo caminho, seguindo por mais de uma hora, talvezduas. E eles andavam incansavelmente, como homens da selva oubeduínos.

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No im,seguimosporumanovatrilha,descendoatéumrio–achoqueeraomesmoondeeuos encontrara–, pertodaquedad’água, numnívelmaisalto.Eudeviaestarumpesomortoabsolutoe,nãopelaprimeiravez,fiqueiimpressionadocomaforçaquetinham.

Quando chegamos ao rio, eles pararam e ajustaram a forma comoestavammesegurando.Depoisentraramdiretonorioe,quaseemsilêncioabsoluto, atravessaram me carregando, na escuridão daquela noite semlua.Eupodiaouviraágua,masnadaalémdisso,enquantoelespassavam,suavemente. Do outro lado, não perderam o passo e agora começavam asubirumaladeiraíngreme,emmeioàsárvores.

Eraumlugarlindoduranteodia.Eujáovirae,mesmonaquelanoitefria, podia sentir o isolamento do verde-escuro, com o peso dassamambaias e arbustos. Finalmente chegamos ao que parecia umacaverna, no fundo da encostamontanhosa. Elesme abaixaram no chão etentei falar,maselesnãoconseguiamenxergarosmeussinaiseentenderminhas palavras, então,me deu um branco.Mas consegui fazer com queSarawaentendessequeeusofriadediabeteseprecisavadeáguaotempotodo. Acho que o horror demorrer de sede continuava vívido emminhamente,ealieusabiaquenãoteriacomochegarsozinhoaorio.

Carregaram-me até o fundo da caverna eme puseram ali. Acho queeraporvoltadequatrohoras,quandochegamoslá.Eraquinta-feira,30dejunho.Deixaram-mesemcomida,masarranjaramumrecipientecomágua,na verdade, uma garrafa antiga de Pepsi, o objeto de vidro com o cheiromais medonho do planeta. Acho que deve ter sido usado para guardarbosta de cabra na vida anterior. Era tudo que eu tinha, uma garrafa doesgoto,mascheiadeágua.

Temiencostá-lanoslábios,receandopegartifo.Euasegureiacimadorosto e deixei que o conteúdo caísse dentro deminha boca, como fazemaquelesespanhóisquecuidamdegado.

Eunãotinhanemcomidanemarma,eSarawaeoscarasestavamdesaída.Estavaaterrorizado,receandoquejamaisvoltassemesimplesmentetivessemtomadoadecisãodemeabandonar.Sarawafalouquevoltariaemcincominutos,mas eu não tinha certeza se podia acreditar nele. Apenasiquei ali, deitado no chão rochoso, no escuro, sozinho, tremendo de frio,incertodoqueaconteceriaaseguir.

Norestantedaquelanoite,eudesmoronei.Finalmenteperdiacabeçae chorei convulsivamente, de puromedo, sem resistir amais nada. Acheique não aguentaria mais. Reno me desceria o cacete, com certeza.Esperavaquefossenoladodireito,nãonoesquerdo.

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Eucontinuavaapensar emMorgan, tentandodesesperadamentemecomunicar com ele, tentando fazer com que minhas ondas mentais sesintonizassemcomassuas,implorandoaDeusqueodeixassemeouvir.Elogo começou a clarear. Sarawa já se fora há mais de duas horas. JesusCristo!Eleshaviammedeixadoaliparamorrer.Morgannãosabiaondeeuestava, nem se eu estava vivo oumorto, e meus companheiros SEALs játeriammedadocomomorto.

Meucérebroestariadisparado,masofatodesersubitamenteatacadopor uma tribo de formigas afegãs pretas e imensas realmente chamouminhaatenção.Eupodia terdesistido,masnemfodendoeu iasercomidovivo por essas putinhas. Eu me ergui e dei nelas comminha garrafa dePepsi.

Depoisencontreiumpedaçoderochapontudonochãodacavernae,ali, dolorosamente deitado sobre meu lado esquerdo, passei duas horasentalhando as palavras do conde de Monte Cristo na parede de minhaprisão:Deusmedarájustiça.

Eujánãotinhacertezaseaindaacreditavanisso.Eleestiveraforadecontato há um bom tempo. Mas eu ainda estava vivo. Ainda. E talvezhouvesse ajuda a caminho. Ele age de formas misteriosas. No entanto,agora,atémeuriflesefora,assimcomoamaiorpartedeminhaesperança.

Eu estava quase começando a adormecer novamente, talvez poucoantes da oito horas, quando o lugar pareceu tomar vida. Pude ouvir ossininhos em volta do pescoço dasmalditas cabras, e elas pareciam estaracimademim.Quandoaareiaeaspedrascomeçaramacair,percebiquenãohaviatetoemminhacaverna.Estavaacéuabertoepodiaouviroruídodos bodes caminhando para algum lugar, e a areia continuava a cair decima.

A boa notícia era que aquilo enterrou as formigas, mas eu estavatentandofazercomqueparassedecairemmeusolhos,protegendo-oscomas mãos, e meu punho direito doía como os diabos, por causa dascoronhadasdaarmadotalibã.Subitamente,parameuabsolutoterror,viocano de um AK-47 dando a volta na rocha que protegia meu ladoesquerdo.Eunãopodiameesconder,nempodiausá-lacomocobertura,ecertamentenãopodiareagir.

O cano continuou vindo, depois o resto do ri le, asmãos, o rosto – orostodeumdemeus amigosde Sabray, sorrindoalegremente.Eu estavaem tamanho estado de choque que nem consegui chamá-lo de doidovarrido, o que ele era.Mas eleme trouxe pão e aquele leite de cabra, eencheuminhagarrafadeágua.Aquela,doesgoto.

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Meiahoradepois,veioSarawa,cincohorasdepoisdahoraquedisseraque viria. Olhou meu ferimento à bala e me deu mais água. Depoisposicionou um guarda na entrada deminha caverna sem teto. O guardatinha trinta e poucos anos e, assim como o restante, era magrinho ebarbudo. Ele sentou-se numa pedra acima da entrada, com o AK-47penduradonoombro.

Deitadonochão,eupegavanosono,masdevezemquandoacordavaeme inclinava à frente, para ver ser o guarda ainda estava lá. SeunomeeraNorzamundesempresorriade formamuitoamistosaeacenavaparamim.Masnãopodíamosconversar,nãopalavrascomuns.Eleveioumavez,para encher aminha garrafa e eu tentei fazer comque compartilhasse adelecomigo.Semjogo.

Então,erguiamedonhagarrafadePepsievireiaáguadiretonaboca.Depois a arremessei ao fundo da caverna. Na outra vez queNorzamundtrouxe água, ele foi lá no fundo e achou o maldito troço e o encheunovamente.

Eu estava sozinho, no im da tarde, e vi os pastores de cabra vindo,algumasvezes.Nãoacenavam,nemfaziamqualquercontato,mastambémnão delataram aminha posição. Se o tivessem feito, acredito que eu nãoestariaali.Mesmoagora,nãotenhocertezaseo lokhaytemefeitoparaumcaraquetenhadeixadoavila.

Norzamundmedeixaraumpoucodepãofresco,peloque iqueigrato.Elefoiparacasa logodepoisqueescureceueduranteváriashorasnãovininguém.Tentei icarcalmoeracional,porquepareciaqueSarawaeseushomensestavamtentandomesalvar.Atéoanciãodavilaestavatotalmentedomeu lado.Apropósito, issonadatinhaavercomomeucharme.Tinhaestritamenteavercomolokhay.

Fiqueialisozinhoportodaaquelanoite.E30dejunhosetransformouem1ºde julho.Olheimeurelógioporvoltademeia-noite,entãoeusoubequandoissoaconteceu.Tentavanãopensaremminhacasa,nemnaminhamãe e no meu pai, evitando a autopiedade, mas sabia que eramaproximadamente 15 h no Texas e eu imaginava se alguém tinha amaisvaga ideia do quanto eu estava encrencado e de minha imensanecessidadedeajuda.

O que eu decididamente não sabia era que agora havia mais deduzentaspessoasnosítio.Ninguémiaembora.Eracomoseelesestivessem

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desejando que uma situação desesperadora se tornasse esperançosa,comosesuasprecespormimpudessem,dealgumaforma,seratendidas,comoseapresençadelespudesse,dealgum jeito,meprotegerdamorte,comoseacreditassemque,permanecendoali,ninguémanunciariaqueeuhaviasidomortoemcombate.

Minhamãedissequeestavapresenciandoummilagre.Elaemeupaiestavam servindo três refeições diárias para cadapessoanaquele sítio, eelanãosabiadeondevinhaacomida.Masacomidanãoparavadechegar,emcaminhõesenormes,dealgunsdistribuidoresdealimentos,quevinhamcombifese frangoparatodos, talvezduzentasrefeiçõesdecadavez.Semcobrar. Restaurantes locais mandavam coisas, frutos do mar, massa,hambúrgueres. Mandavam comida chinesa para cinquenta, depoissessenta. Chegaram ovos, linguiça e bacon. Meu pai disse que achurrasqueiranuncaparava.

Todos estavam ali para ajudar, incluindo a família Herzogg, grandescriadoresdegado,frequentadoresdaigreja,patriotas,prontosparaajudarum amigo necessitado. A sra. Herzogg apareceu com as ilhas e, semperguntarnada,passoualimparolocal.Efaziamissotodososdias.

OssacerdotesdaMarinha izeramcomquetodosrecitassemoSalmo23,damesmaformacomoeuestavafazendo.Noscultosaoar livre, todosselevantavamesolenementecantavamohinonaval:

PaiEterno,forteasalvar,Cujobraçoseestende,Atéofundodomar,Eseuspróprioslimitesostêmaguardar…

E, é claro, sempre terminavam com o verso exclusivo dos SEALs, oeternohinodoSPECWARCOM:

PaiEterno,fielamigo,Sejavelozematenderaquelesqueenviamos,Nairmandadeeurgenteconfiança,Emmissõesocultasperigosas,Oh,ouça-nosaclamar,PelosSEALsemvoo,emterra,ounomar.

Aspessoas simplesmentedormiamondepodiam.Temosumagrandecasadehóspedes,naentradadapropriedade,easpessoasiamparalá.Os

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SEALsentravamnacasaedormiamondepodiam,nascamas,nossofás,empoltronas,qualquerlugar.E,acadatrêshoras,haviaumtelefonema,diretodo campo de batalha, no Afeganistão. Era sempre igual: “Nenhumanovidade”.Ninguémdeixavaminhamãesozinha,maselaestavaforadesi,detantapreocupação.

Conforme o mês de junho passou para julho, muitos começavam aperder a fé e a achar que eu estavamorto. Exceto porMorgan, que nãoconseguia acreditar nisso, e icava dizendo que ele estivera emcomunicaçãomental comigo.Euestava ferido,porémvivo.Dissoele tinhacerteza.

Os SEALs também nem consideravam a possibilidade de que euestivessemorto. Ele está perdido em combate. Era o que acreditavam. E,até que alguém lhes dissesse o contrário, era o que aceitariam. Aocontrário da estúpida estação de televisão, certo? Achavam que podiamdizer o que quisessem, sendo ou não verdade, causando um traumaemocional em minha família, numa proporção que só uma comunidadepróximacomoanossapoderiaentender.

Enquantoisso,devoltaàcaverna,Norzamundvoltoucomoutrosdoiscaras, quase me matando de susto de novo. Eram aproximadamentequatro horas de sexta-feira, 1º de julho, e estavam sem lanterna.Comunicavam-se comsussurrose sinais,para fazeremsilêncio.Maisumavez, elesme ergueram eme carregaram abaixo, descendo a colina, até orio. Tentei jogar fora a garrafa fedorenta, mas eles a encontraram epegaramdevolta.Achoquedeviaestarhavendoumagrandeescassezdegarrafas de água no Hindu Kush. De qualquer forma, eles procuraramaquelagarrafacomosefosseumdiamanteraro.

Atravessamos o rio e chegamos à escarpa, de volta à vila. Pareceulevarumtempobemlongo,eumahoraeuacendialuzinhadomeurelógio,e eles quase icaram loucos de fúria:Não! Não! Não! Dr. Marcus. Talibã!Talibã!

Claro que eu não sabia do que eles estavam falando. A luz erapequenina,mas eles icavam apontando para ela. Logo percebi que a luzera um perigo para todos nós, que a vila de Sabray estava cercada peloTalibã, que esperava sua chance para vir me capturar ou matar. Meuscarregadores armados tiveramamesma criaçãopashtun e sabiamque amenorcentelhadeluz,nãoimportavaoquãopequena,eraincomumalina

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montanhaepoderiafacilmenteatrairaatençãodeumvigiaalerta.Desligueiaquelamerdinhaimediatamente.Eumdosmeuscaras,que

estava caminhandona frente com seuAK, falavaumpoucode inglês. Eleveio até mim e sussurrou: “Talibã vê a luz, eles atiram em você, dr.Marcus”.

Finalmente, chegamos ao alto e pude entender a palavrahelicóptero.E, bemali, achei que alguémpoderia estar vindome resgatar.Mas foi sóalarmefalso.Nãoveionada.Eumeestiqueinumarochae,poucoantesdoamanhecer, Sarawa pegou seu kit médico e foi cuidar de minha perna.Removeuasatadurasencharcadasdesangue,lavouosferimentos,aplicoupomadaantissépticaecolocouatadurasnovas.Depois,parameuespanto,elearranjouumainsulinaparaadiabetesqueeunãotinha.

Achoqueeumentiamelhordoquepensava.E, obviamente, tivequetomar.Olhaascoisasquefaçopormeupaís.Inacreditável,certo?

Elesme colocaramnuma casapróximoao topoda vila e, logodepoisque cheguei, encontrei meu primeiro amigo de verdade, MuhammadGulab, de trinta e três anos, ilho do ancião da vila e chefe policialresidente.Todoso chamavamdeGulabe suaposiçãona comunidadeeramuito sólida. Ele deixou claro que o Talibã não me levaria enquanto eleestivesseenvolvidonaquestão.

Eraumcaraextremamentelegal,enósnostornamosbonsamigos,ouo mais próximo que se pode ser quando a barreira do idioma é quaseintransponível. Tentávamos nos comunicar mais sobre as famílias e euentendi que ele tinha uma esposa e seis ilhos e só Deus sabe quantosprimose tios.Transmitirqueeu tinhaum irmãogêmeo idêntico foidi ícil,então me contentei em dizer que era só um irmão, mais porque Gulabpensava que Morgan fosse eu. Como tanta gente pensara, ao longo dosanos.

Gulab tinha um amigo com ele que também era um homem sólido,simplesmenteapontadocomoumhomemdeguarda.Revezando,nuncamedeixavamsozinho.A essa altura, eu já sabiaomotivo.A vila inteirahaviaicadomuito constrangidaquandoos talibãsentraramali, armadosatéosdentes, para conduzir o interrogatório, apesar do desejo das pessoas.Aqueles guerreiros estiveramprestes a causar amáxima retribuição sobas leis dolokhay, o que teria obrigado a vila a entrar em guerra até oúltimohomem,porminhacausa.

Eu ainda não compreendia totalmente as implicações do lokhay,massabiaqueeraimportantequeeunãofosseentregue.Eagoraeutinhaumguarda em tempo integral em meu quarto. Isso não impedia que outros

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visitantes entrassem, e o primeiro que recebi, naquelamanhã, emminhanovacasa,foiummenininho,detalvezoitoounoveanos.

Ele se sentou na beirada da cama e tentou me ensinar uma oraçãomuçulmana:LaLaeLaLa–MuhammaddelLasuLaLa.Eulogoaprendierepeti comele.Elevibrou,bateupalmase riu, e saiu correndopelaportaparajuntarumaporçãodeoutrosgarotos.Gulabtentoumeinformarquearepetição daquela oração signi icava que eu agora era ummuçulmano. Equase imediatamente o primeiro menininho entrou correndo pela porta,com todos os seus amiguinhos, uns vinte, todos empolgados com o novotexanoconvertido.

Tentei explicar que era médico e eles logo entenderam isso, ecomeçaram a repetir, sem parar: “Olá, Dr. Marcus”, rindo muito e sejogando para os lados, como fazem as crianças. Dava pra ver que elesrealmente gostavam de mim e eu peguei uma caneta hidrográ icaemprestadadeumdeleseescrevionomedecadaum,eminglês,emseusbraços.Depoisdeixeiqueescrevessemseusnomesnomeubraço.

Trocamos palavras para orelhas, nariz e boca. Depois água ( uba) ecaminhar (ducari), palavras que achei úteis. No im, eles foram embora,mas outros tribais locais vieram falar com Gulab e eu comecei, com seuincentivo, a conversar com os caras que caminhavam com as cabras, oshomens que entendiam sobre as distâncias. Lentamente, ao longo do dia,concluímosquehaviaumapequenabaseamericanaapoucomaisde trêsquilômetrosdedistância.

Apontaramparaforadajanela,diretamenteparaumamontanhaqueparecia fazerpartedacadeiamontanhosa.Posicionava-sealtiva,acimadenós,umaimensaparededegranitoquefariaumpastordecabrasrecuar.“Ali, dr. Marcus, no ladomais longe”, um deles conseguiu dizer. E, se eunem conseguia chegar até a janela, até a montanha, então, nem pensar.Portanto,deixeiaqueleplanoemcompassodeespera,porenquanto.

EstavamsereferindoàviladeMonagee,nodistritodeManrogai,ondeeusabiaquehaviaumpostomilitaramericano.Masagoraestava foradequestão.Eunãopoderiachegar lá,nememqualqueroutro lugar, até queminhapernamelhorasse.Apesardisso,ospastoresdecabrastinhamboasinformações sobre o terreno e as distâncias até as várias vilas e basesamericanas. Esses caras caminham pelas montanhas comomeio de vida.Conhecimentolocal.Issoéumfator-chaveparatodososSEALsemserviço,principalmenteumqueestavaplanejandoumtipodefuga,comoeu.

Com os pastores de cabra e a partir da cena do campo de batalhaoriginal, onde os outros haviammorrido, naquela noite terrível de 28 de

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junho, tive a possibilidade de calcular que percorrera mais de onzequilômetros,seisandandoecincorastejando.Onzequilômetros! Nossa!Eunãopodiaacreditarnisso.Masessespastoresconheciamsuaterra.E,comotodomundo,eles sabiamtudosobreabatalhadoCumedeMurphy,ondeelasederaeondehaviamocorridograndesperdassofridaspeloTalibã…“Vocêatira,dr.Marcus?Vocêatira?”

Eu?Atirar?Nunca.Souapenasummédico tentandocuidardosmeuspacientes. Mas eu estava muito orgulhoso de ter percorrido onzequilômetros pela montanha, nas condições surradas em que meencontrava,depoisdabatalha.

Pegueiminha caneta esferográ ica emarquei as distâncias, desenheimapas, izdiagramasdasmontanhas,tudoemminhacoxadireita.Quandoela icoumuitoescrita, tenteiusaraesquerda.(Merda!Aquilodoeu.Doeumesmo!).

Aomeio-dia,osgarotosvoltarampararezar,trazendocomelesváriosadultos, claramente ávidos para conhecer o novo americano convertido,nãomais um in iel. Rezamos juntos para Alá, ajoelhados – emmeu caso,dolorosamente – no chão. Depois disso, todos apertamos asmãos e achoqueelesmederamasboas-vindasemsuaspreces.Éclaroquenãodissenada a eles, mas, enquanto rezava, iz uma prece ao meu próprio Deus,imaginando,respeitosamente,seElenãodeixariaqueeutivessemeuri ledevolta,semmuitademora.

Todos eles voltaram para as preces da tarde, às 17 h e, novamente,quandoosolsepôs.Osmenininhos,meusprimeirosamigos,tiveramqueirpara a cama logo depois disso, mas lembro que todos eles vieram meabraçarantesdesair.Poraindanãoteremaprendidoadizer“atélogo”ou“boanoite”,repetiamsuaprimeirafraseamericana,aodeixaremoquarto:“Olá,dr.Marcus”.

As criançasmais velhas, jovensadolescentes, tinhampermissãoparaicar e conversar comigo por um tempo. Gulab os ajudava a secomunicarem e éramos amigos quando nos despedimos. O problema eraqueagoraeuestava icandodoenteecomeçavaamesentirrealmentemal,não apenas as dores pelos ferimentos,mas um tipo de gripe, só que umpoucopior.

Quando as crianças inalmente partiram, recebi a visita do próprioancião da vila. Ele me trouxe pão, deu-me água fresca, depois sentou-seporumastrêshoras,enquantodiscutimos,damelhorformapossível,comoeupoderia chegar àbase americana.Estava claroque eu eraumgrandeproblema na vila. Eles já estavam recebendo ameaças do Talibã, que

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informavaàpopulaçãodavilaoquantoeraurgentequemeentregassem,imediatamente.

Ovelhosenhormedisseisso,masdavaparaverqueeunãoestavanamenorcondiçãodeviajarequesimpli icariaaquestãoseummembrodesuatribopashtun izessea jornada,apé,atéamaiorbaseamericana,emAsadabad, e os informasse quanto aomeu paradeiro. Naquelemomento,eunão faziaamenor ideiadequeelepróprioestavasepreparandoparafazer a jornada de cinquenta a sessenta quilômetros, sozinho, pelasmontanhas.

Ele me pediu que escrevesse uma carta para que a levasse aAsadabad. Escrevi:Este homem me deu abrigo e comida e precisa serajudado a todo custo . Naquele momento, eu tinha a impressão de quefaríamosa jornada juntos,possivelmentecomumacompanhanteealgunscaras que ajudassem ame carregar. A hora da partida foimarcada para19h30,logoapósaprecenoturna.

Maseuentenderamal.Ovelhinhonãotinhaintençãodeviajarcomigo,ponderando, corretamente, que eu seria um incômodo muito maior natrilha sobre as montanhas do que se icasse ali deitado. Além disso, oTalibãdescobririaquenóspartíramose icaríamosaltamentesuscetíveisaumaemboscada.Eununcamaisovi,paraagradecer-lheporsuagentileza.

Esperei a tarde inteira e metade da noite, para que ele viesse emandasse me levar. Mas, é claro, ele não veio. Não pela primeira vez,lembrode ter icadoprofundamentedecepcionado, pornãohaverplanosmaisdefinidosparaaminhapartida.

Acertaaltura,duranteanoite,oslíderestribaisvierametiveramumareuniãoemmeuquarto.Apenassesentaramnochãoeconversaram,masme trouxeramnovamente aquela pequena xícara de prata que eu usara,na primeira casa. E serviram várias xícaras daquele chá chai que elesbebem e parece não ser muito plantado ali no alto. A cerimônia incluíadoces,quevocêpodecomerenquantotomaochá.Eaquilotinhaumsaborótimo, depois de minha dieta forçada com aquele pão achatado e muito,muitoassado.

Gulab icou comigoeestavamaisalegrequenunca,masele tambémnãopodiaresponderàsperguntassobreseupaiouseusplanosimediatos.Acho que os líderes tribais pensavam sermelhor que eu não soubesse –informações secretas, ao estilo pashtun. O trabalho do ancião era defornecersomenteainformaçãonecessária.Eujáestavameacostumandoaficardefora.Querodizer,daporcariadocírculofechadodetodos,issosim.

Gulab passou boa parte da noite tentandome explicar osmeandros

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complexosqueunemastribospashtuneaal-Qaeda,aindatrabalhandoemconjunto com o exército talibã. Os Estados Unidos estavam muitoempenhados em tentar tirar todos eles do Afeganistão, há quatro anos,comumsucessoapenaslimitado.

Os partidários dojihad parecem ter algum tipo de controle daslealdades tribais, usandouma série de táticas ao estiloma ioso.Às vezes,presentes,àsvezes,dinheiro,àsvezes,prometendoproteção,àsvezes,comameaças diretas. No entanto, a verdade era que nem a al-Qaeda nem oTalibã podiam funcionar sem a cooperação das vilas pashtuns. E,frequentemente,noâmagodascomunidades,háantigos laçosdefamíliaejovensquesimpatizamcomamentalidadedeguerradoschefesdoTalibãe da al-Qaeda. Garotos que mal saíram do ensino fundamental –brincadeira,elesnãotêmescolasdeensinofundamental láemcima–sãoatraídos pelo romantismo dos cortadores de gargantas que declararamquelutarãocontraoexércitoamericanoatéquenãosobreninguém.

Acho que existe algo muito fascinante nisso, para alguns garotos.Potenciais recrutas talibãs são vistos em qualquer vila. Vi dúzias deles,jovensdemaisparatrazeremtantoódioeassassínionosolhosecorações.Cristo, um daqueles pequenos bastardos havia sentado em minha cama,instigandooitohomensarmadosametorturarem.Legal.Elenãodeviatermaisdoquedezesseteanos.

Mas há outro lado nisso. Era óbvio que Sabray era governadasabiamente,pelopaideGulab.Ehaviaumsensodeleieordemedisciplinanaquelaterraessencialmentesemlei.Aal-Qaedaéproprietáriaefetivadegrandes extensões de terra na província de Kunar, que fora meu lardurante amaiorpartedaqueles trêsmeses. E issoocorremaispor contadoterreno.

Quero dizer, de quemaneira se impõe um governo nacional em umlugarcomoesse?Semestradas,eletricidadeouserviçopostal,omínimodecomunicação, onde a indústria principal é o leite de cabras e o ópio, aprincipal empresa de água é o córrego da montanha e boa parte dascargas é transportada por carroças de mulas, incluindo o ópio. Nem seiluda,nuncavaiacontecer.

A al-Qaeda circula em plena luz do dia, na maior parte do tempofazendo o que bem entende, até surgirmos e enxotarmos os merdinhaspara a fronteira do Paquistão. Onde eles icam uns dez minutos, atélançaremsuaincursãoseguinterumoaessasmontanhas,regidasporseusancestraisháséculos.

Hojeemdiahámenospresentesemaismedo.OTalibãtemumper il

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cruel, cujos instintos quanto amatar seus inimigos pouco semodi icaramnos últimos dois mil anos. A essa altura, eles já deveriam ter ameaçadomuitomeu amigo Gulab e seu pai,mas, pelo que vejo, não tiveram êxito.Simplesmente existe algo in lexível quanto a eles, uma determinaçãoausteradeseguirleismilenaresdospashtuns–leisqueaindaprovamserfortesdemaisatémesmoparaoTalibãeaal-Qaeda.

Mas, deminhaperspectiva, naquela salinha enfumaçadadeumadascasas do alto de Sabray, conversando com o policial da vila, não é bemassim que corre a maré. E, até que os Estados Unidos decidammanejaralgumtipodeapoio,alinoalto,aogovernoeleitopelopovo,emCabul,nãovejo nenhuma mudança signi icativa tão cedo. O inimigo está preparadoparairatéondeforprecisoparaobteravitória,aterrorizandoseuprópriopovoe,senecessário,recorrendoapráticasbárbarascontraseusinimigos,incluindoadecapitaçãoemutilaçãodaspessoas.

Não temos permissão para lutar com eles nesses termos. Nemgostaríamos. No entanto, podemos lutar de uma forma bem maisimpiedosa, separarmosdenospreocuparem fazerque todosnosamem.Se izéssemos isso, provavelmente teríamos ganhado, emaproximadamenteumasemana,tantonoAfeganistão,quantonoIraque.

Masnãosomosautorizadosafazerisso.Eachoqueémelhorquenosacostumemos às consequências, permitindo que os liberais americanosesperneiematéanossaderrota inal.Acreditoquesejaesseonomeaserdado,quandovocêtemquearrumarasmalaseirparacasa,quandoumaguerralutadasobseusprópriostermos“civilizados”éinvencível.

Somosmaisvalentes,maisbemtreinados,maisorganizados,maisbemarmados, com acesso a um armamento que não pode ser combatido. Asforças armadas americanas representam a maior força de guerra que omundo já viu, e estamos sempre apanhando de um monte de ladrõesassassinosilegaisqueprecisamserexterminados.

Olhe para mim, nesse momento, em minha história. Impotente,torturado,alvejado,explodido,commeusmelhoresamigostodosmortos,etudoporquetememososliberaisemnossopaís,receandofazeroqueerapreciso para salvar nossas vidas. Com medo dos advogados civisamericanos. Eu só tenho um conselho: se você não quer entrar numaguerra onde as coisas dão errado, onde as pessoas erradas às vezes sãomortas, onde gente inocente às vezes tem que morrer, então ique foradela,paracomeçar.

Porqueissoéoqueacontece.Emtodasasguerras,aolongodetodosos anos da história. Injustiças terríveis, a morte de pessoas que não

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mereciammorrer.Aguerraéisso.E,sevocênãopodelidarcomisso,nãoafaça.

Enquanto isso, eu estava ali, empacado na casa, esperando que oancião aparecesse, quando ele já estava a quilômetros de distância,andandopelasmontanhas,percorrendoquasesessentaquilômetrosrumoa Asadabad. Uma vez, fui até o lado de fora, quando ninguém estavaolhando, e tentei encontrá-lo. Mas ele parecia ter desaparecido. Nemnaquele momento eu podia sonhar que o próprio homenzinho haviaseguido,apé,paraAsadabad.

Não dava realmente para saber, mas eu sentia que algo estavadeixando os caras nervosos. E por volta de dez ou onze horas, naquelanoite,nósnosdeslocamos.Eleshaviamacabadodemetrazeráguafrescaepão, o que consumi gratamente, depois fui instruído a arrumar minhascoisasepartir.Aessaaltura,aminhapernaestavaumpouquinhomelhor,emboradoesse,mas,comalgumauxílio,euconseguiaandar.

Seguimos caminho pela escuridão, descendo até outra casa e saímosda trilha, subindo no telhado. Tínhamos um tipo de lençol e nós trêsdeitamos juntos,paranosaquecermos.Estavamuito,muito frio,masachoqueelespressentiamalgumperigo, caso continuássemosnoponto antigo.Talvez suspeitassem de alguém na vila, ou estivessem preocupados quealguém pudesse delatar meu paradeiro ao Talibã. Mas, o que quer quefosse, aqueles caras não correriam riscos. Se os atiradores do Talibãinvadissemaminhaantigacasa,elesnãomeencontrariam.

Eu estava ali em cima, naquela porcaria daquele telhado, amontoadocomGulab e seu companheiro,morrendo congelado,mas seguro. E,maisuma vez, eume surpreendia com o silêncio, o silêncio damontanha. NãohaviaumúnicosomemtodaaviladeSabraye,paraumocidental, issoéalgobemdifícildeimaginar.

Gulab e seu amigonão emitiamqualquer som.Eumal podia ouvi-losrespirando. Quando fazíamos qualquer coisa, eles me diziam shhhhh,mesmoquandoeuachavaqueestavasendosilenciosocomoumtúmulo.Aliem cima é outromundo. Tão silencioso que desa ia a lógica dos ouvidosocidentais.Talvez sejapor issoqueninguém jamais conseguiu conquistaraquelasmontanhasdostribaisafegãos.

Dormieacordeiaolongodanoite,aliemcimadotelhado.Umavez,eume atrevi a mudar de posição e você acharia que liguei um alarme deincêndio, pela reação dos meus novos amigos. “Shhhhhh, dr. Marcus…Quieto.” Aquilo simplesmente demonstrava o quanto eles estavamapreensivos,comoestavamnervososemrelaçãoaosassassinosdoexército

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talibã.Aoamanhecer,arrumamosascoisasevoltamosparaacasa.Euqueria

dormirmais um pouco,mas havia uma árvore do lado de fora da janelaque dava vista para a descida damontanha e, naquela árvore,morava ogalomaisbarulhentodomundointeiro.Aquelecretinopoderiaacordarumcemitério. E ele não estava nem aí com o amanhecer, a alvorada, e tudomais. Ele botava pra quebrar a partir de meia-noite e não parava mais.Houve várias vezes que, se eu tivesse que jogar a moeda para escolherSharmakouogalo,facilmenteteriapoupadoSharmak.

Os chefes da tribo voltaram por volta das sete horas, para fazer asprecesmatinaisemmeuquarto.Claroqueeuosacompanhei,recitando aspartes que havia aprendido e, quando os adultos saíram, a porta foiescancaradaeummontedecriançasentrougritando:“Olá,dr.Marcus”.

Eles nunca batiam, simplesmente entravam correndo,me agarrando,meabraçando.Eeraassimaolongododia.Sarawadeixaraseu kitmédicoemmeuquartoeeucuidavadoscortesearranhõesdosgarotos,eelesmeensinavammaiscoisasemsualíngua.Eramótimos.Jamaisosesquecerei.

Até aquela manhã de sábado, 2 de julho, eu ainda estava sentindomuita dor; meu ombro, minhas costas e a perna estavam me matando.Gulab sabiadissoemandouumanciãodavila irmever.Ele chegou comumsacoplástico cheiode fumodeópio, queparecemassa verdedepão.Deu-meosaquinhoepegouumpunhadodotroço,colocouemmeulábioeesperou.

Estou aqui para lhe dizer, aquilo foi um milagre. A dor lentamentedesapareceu, completamente. Foi a primeira vez que eu experimentavadrogas e adorei! Aquele ópio me restaurou, me libertou. Eu me sentimelhor do que já me sentira desde que havia caído da montanha. Comaquelas precesmuçulmanas e agorame tornando umdevoto do bagulholocal, euestavaentrandonavidadeumcamponêsafegão.Hooyah, Gulab,certo?

Ovelhodeixouosacocomigoeaquilomeajudouapassarpelashorasseguintes,mais do que posso dizer. Quando você convive commuita dor,porváriosdias,oalívioémaravilhoso.Pelaprimeiravez,entendiopoderdaqueladroga,queé,obviamente,aqueoTalibãeaal-Qaedausamparaabasteceroshomens-bomba,antesdeseexplodiremelevaremjuntotudoqueestánosarredores.

Não há nada heroico quanto aos homens-bomba. A maioria ésimplesmentede garotosbobos, depois de lavagens cerebrais, totalmentedoidões.

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Doladodeforadacasa,pudeveroshelicópterosamericanosvoandoacima, os Black Hawk 60 e os MH-47, obviamente procurando algumacoisa.Esperançosamente,pormim.PeloqueoTalibãdissera,eusabiaqueumdoshelicópteroshaviasidoabatido,mas,obviamente,nãosabiaquemestava a bordo, nem que oito dos meus companheiros do Pelotão Alfaestavammortos,incluindoShanePatton,JamesSuheochefeHealy.

TambémnãosabiaqueoscorposdeMikey,DannyeAxenãohaviamsido encontrados, e que os helicópteros estavam circulando a área,tentando encontrar qualquer vestígio dos quatro que haviam sidomandados, originalmente, para a malfadada Operação Redwing. Atripulaçãonãosabiasealgumdenósestariavivooumorto.E,lánosEUA,amídiaoscilavaentremortosedesaparecidos,dependendodoquegerasseamelhorhistóriadodia,euacho.IssonãoajudavamuitonolestedoTexas,possodizer.

Dequalquerforma,quandoviaqueleshelicópteros,saícorrendoparao lado de fora. Tirei a camisa e a sacudi acima de minha cabeça: “Aquiestou,pessoal!Estoubemaqui.Soueu,Marcus!Bemaqui,pessoal!”.

Mas eles simplesmente se afastaram, me deixando como umabandonado, do lado de fora da casa, tentando colocar a camisa enovamenteimaginandosealguémalgumdiaviriameresgatar.

Durante todo o tempo, eu compreendia o dilema para os militaresamericanos. Quatro SEALs, lutando por suas vidas, haviam feito a últimacomunicação de que estavam morrendo lá em cima. Desde então, nãohouveramaissinal,nemqualquersinaldenósquatro.

Sob a óticamilitar, havia váriaspossibilidades, sendoque aprimeiraera de que todos estivéssemos mortos. A segunda era de que aindaestivéssemosvivos.A terceiraeradeque fôssemossobreviventes,ouquehouvesse ao menos um sobrevivente, que estaria em algum lugar,possivelmente ferido, nesse território íngreme, onde quase não hápossibilidadedefazerumpousosegurodequalqueraeronave.

Acho que a última possibilidade seria de que havíamos sido feitosprisioneiros e que embreve surgiria algumbilhetedepedidode resgate,exigindoumaenormequantiaaserpaga,emespécie,ouumatransmissãopela televisão, mostrando-nos como prisioneiros e depois sendoexecutados.

A última opção era improvável quando se tratava de SEALs.Habitualmente, não somos capturados. Oumatamos nosso inimigo ou elenos mata. SEALs não erguem as mãos, nem acenam bandeiras brancas.Pontofinal.OpostodecomandoemAsadabad,ouBagram,sabiadisso.

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Elesnãoestariamesperandoumcomunicadodealgumtalibãdizendoque SEALs haviam sido capturados. Há um antigo mote SEAL que diz:Nuncapresumaqueumhomem-rãestámorto,amenosqueencontreseucorpo.Todossabemdisso.

Excluindo a possibilidade de todos estarem mortos, o cenário maisprováveleraqueumoumaisRedwingestivesseferido,semcomunicaçãoeincapazdeestabelecercontato.Oproblemaeraalocalização.Ondeestaria?Comopoderiaserencontrado?

Basicamente, o Talibã não estava dizendo nada; portanto, eles nãotinhamprisioneiros.Damesmaforma,osSEALsdesaparecidosnãodiziamnada. Mortos? Provavelmente. Feridos em combate e ainda semantendonasmontanhas, semcontato?Àmedidaqueosdias iampassando, issosetornavaomenosprovável.

Aessaaltura,GulabmedissequeseupaipartiraapéparaAsadabad,sozinho. Todas as minhas esperanças estavam depositadas nos passossuavesdaquelehomempequenino,porémtãopoderoso.

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11RELATOSMUITOEXAGERADOSDEMINHAMORTE

Eleliteralmentemepuxouatéqueeu icassedepé…depois… Ele estava correndo e tentando me fazeracompanhá-lo, gritando, sinalizando,repetidamente:Talibã! O Talibã está aqui! Na vila!Corra,dr.Marcus,peloamordeDeus,corra!

Gulab agora se tornara a igura principal de minha vida. Era ele quemdava as coordenadas de segurança, se certi icando de que eu tivessecomidaeáguae,emminhamente,eraoeloentrenóseseupai,oanciãoqueavançavalentamenteporentreasmontanhas,rumoaAsadabad.

Opolicialafegãonãodemonstravaqualquersinaldeestresse,masmerevelouqueumacartaforarecebidamaiscedo,docomandantedasforçastalibãs.EraumaexigênciaporescritoparaqueoscamponesesdeSabrayentregassemoamericano,imediatamente.

A exigência vinha do o icial do exército talibã do nordeste, o“comodoro Abdul”, braço direito de Sharmak, e um sujeito que,basicamente,viaasimesmocomoumtipodeCheGuevaradoOriente.Suareputaçãoaparentementecrescia,comoumlíderememboscadaseo icialespecialistaemtrazernovosrecrutasatravésdaspassagens.

Eununcasoube,masnãomesurpreenderiaemsaberqueeletivesseestado na linha de frente do exército que confrontara a equipe no cume,embora não houvesse dúvidas de que a estratégia havia sido planejadapelohomemmaisimportante,Sharmak,quejáfizeramuitoestrago.

No entanto, eles não perturbaram Gulab. Ele e o pai tinhamrespondidoquenãofaziadiferençaoquantooTalibãqueriaoamericano,não iam tê-lo. Quando Gulab me contou, fez um gesto muito corajoso edeterminado. E passouum tempo tentandome convencer de sua posiçãopessoal:Eles não podem me amedrontar. Minha vila está bem armada etemos nossas próprias leis e direitos. O Talibã precisa de nosso apoiomuitomaisdoqueprecisamosdodele.

Ele era um homem nobre e con iante, ao menos na super ície. Maspercebi que ele não deixava nada ao acaso diante da possibilidade dachegada do Talibã. Acho que foi por isso que acabamos dormindo notelhado.

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Também não tinha o menor interesse em recompensa. Ofereci meurelógio,emretribuiçãoporsuaimensadecênciaparacomigo.Implorei-lhequeaceitassemeurelógio,poisera tudoqueeu tinhaaoferecer.Maselesempre se recusou a aceitá-lo. Quanto a dinheiro, de que valeria? Nãohavianadaemquegastar.Nãohavialojaseacidademaispróxima icavaaquilômetrosequilômetrosdedistância,umajornadaquetinhadeserfeitaapé.

Algunsgarotosmaisirônicospediramdinheiro,adolescentesdetalvezdezesseis ou dezessete anos. Mas eles estavam planejando ingressar noTalibãedeixarSabray,paralutarpela“liberdade”.Gulabmedissequenãotinhaqualquer intençãodepartir.Eeucompreendiaaquilo.Eleeraparteda formação da vila. Um dia seria o mais velho da vila. Sua família iacrescerali.Eratudoqueeleconhecia,tudoquesemprequisera.Esselindocanto do Hindu Kush era o lugar ao qual ele pertencia. De que serviriadinheiroparaMuhammadGulab,deSabray?

Os últimos garotos deixaram o meu quarto e eu estava ali deitado,contemplandoomundo,quandoumchutenaportaquaseaarrancoudasdobradiças. Ninguém chuta uma porta daquela forma, exceto algummembrodoTalibãnumataque. Foi tudoquepude imaginar.Mas,por ali,ondeasportasnãoseencaixam,umaboabatidacomasandáliaéaúnicaformadefazerafilha-da-putaabrir,emvezdemachucaroombro.

Masochoquesúbitodeumaportasendochutadaaummetroemeiodesuacabeçaéumaexperiênciaenervante.Eatéhoje souneuróticoporcausadisso.Porqueo somdabatidanaporta foioqueouvi antesde sertorturado. Isso às vezes domina meus sonhos. Acordo suando, com umatremendabatidaecoandoemminhamente.E,independentementedeondeeuesteja,precisoolharafechaduradaportaantesdevoltaradormir.Hávezesemqueissosetornamuitoinconveniente.

De qualquer forma, não era o Talibã. Era apenas o meu pessoalabrindoaporta,quedeviatersidofechadacommuitaforçapelosgarotos.Meucoraçãopegounotrancoemeuquartopermaneceuquietoatéomeiodamanhã, quando a porta foi aberta com uma batida violentabum! quesacudiu a porcaria da montanha, imagine o quarto. E, mais uma vez, euquase pulei para fora da minha roupa afegã. E dessa vez eles estavamgritando comigo. Eu não conseguia entender o que era, mas algoacontecera,ascoisasestavamagitadas.JesusCristo!Euprecisavaacalmaro grupo. Havia adultos e crianças, todos misturados, e eles gritavam amesma coisa: “Paraquedas! Paraquedas! Paraquedas! Dr. Marcus, venha,rápido!”.

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Fui até lá fora, o tempo todo com dor, olhando para o céu. Resolvitomaroutradosedaqueleópioassimquevoltasse,mas,poragora,todososolhosestavamvoltadosparaoalto,diretonocéuazul-claro,semnuvens.Oque poderíamos ver? O que tivesse caído, estava no chão e iquei alitentando fazer com que eles entendessem que eu precisava saber sehouveraumhomemnapontadaqueleparaquedase, sepositivo,quantosparaquedas eram. Será que essa seria uma zona para que meuscompanheirosaterrissassemparavirmebuscar?

Odesfechodisso tambémdeu emnada.Os tribais simplesmentenãoconseguiammeentender.Pudedetectarqueforamascriançasaavistaremoparaquedas,ouosparaquedas,eelasestavamsimplesmenteperplexas.Todasashorasdeestudoquefizéramosjuntosnãoresultaramemnada.

Houveumasúbitaconferênciaeamaioriadosadultoslevantouesaiu.Volteiparadentro.Elesvoltaram,unsquinzeminutosdepois,etrouxeramtodo o meu equipamento, que fora escondido dos olhos do Talibã.Devolveram-meori leeamunição,meucoletecomapochete,meurádioPRC-148,cujofonedeouvidoeuperdera.Eleaindatinhaumapilhafracaepodiaoperarnasinalizaçãodeemergência.

Eutinhaconsciênciadeque,sepegasseotouropeloschifresefosselápara fora comesse equipamento de comunicação, voltaria a ser um sinalvivo que os americanos poderiam captar, ao passar de helicóptero. Poroutro lado, o Talibã, escondido nas colinas, di icilmente deixaria de medetectar.Acheiissoumligeirodilema.

Mas os caras do rearmamento de Sabray também me trouxeram omeu laser e a câmera descartável. Pegueimeu ri le e o segurei como seacaricia uma amante depois do regresso. Essa era a arma que Deusmeconcedera. E, pelo que eu podia ver, ainda queria que eu tivesse.Percorrêramos, juntos, um longo caminho, e eu provavelmente mereciaalgum tipo de prêmio por alpinismo, talvez o Grand Prix Hindu Kush,concedido ao Guia Expedicionário Marcus. Desculpe, esqueça isso tudo.Quero dizer o Grand Prix do Tombo, concedido ao Guia ExpedicionárioMarcus,oCambaleante.

Láfora,vestimeucolete,traveiecarregueiori leemeprepareiparaqualquercoisaquepudesseestarànossaespera.Mas,aoreceberocoletedevolta,euaindatinhaalgoafazercomosgarotos.Alidentroestavameucadernoetínhamosacanetaesferográficadavila.

Voltei com eles para casa e cuidadosamente desenhei doisparaquedasnumafolha.Noprimeiro,desenheiumhomempendurado.Nosegundo, desenhei uma caixa. Mostrei os dois desenhos às crianças e

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perguntei:Qualdeles?Eunsvintededinhosapontaramparaoparaquedascomacaixa.

Lindo.Eutinhaauxíliodainteligência.Algumtipodesuprimentohaviasido despejado. E como os tribais locais não usam aeronaves nemparaquedas,essessuprimentostinhamdeseramericanos.Elestambémsópodiamtercomoalvoosremanescentesdeminhaequipe.Todososoutrosestavammortos.Eueraoremanescente.

Pergunteiaosgarotosexatamenteemquelocalosparaquedashaviamdeixado cair a caixa e eles simplesmente apontaram amontanha. Depoissaíramcorrendopara lá,achoquepara tentarmemostrar.Fiqueiempé,do lado de fora, vendo-os correr, ainda meio confuso. Será que meuscompanheiros teriam me encontrado, de alguma forma? Teria o anciãochegadoaAsadabad?Dequalquermodo,eraumacoincidênciaetantoqueos americanos tivessem despejado suprimentos a apenas algumascentenas de metros de onde eu estava escondido. As montanhas eraminfinitaseeupodiaestaremqualquerlugar.

Voltei paradentroda casaparadescansarminhaperna e conversarumpoucocomGulab.Elenãoviraolançamentodoparaquedasenãofaziaideiadadistância jápercorridapor seupai.Emminhacabeça, eu sabiaoque todo soldadonaativa sabe,queo exércitodeNapoleãoavançava1,5km, rumo a Moscou, a cada quinze minutos. São 6 km por hora, certo?Dessaforma,oanciãodaviladeviaterchegadoláemonzehoras.

Excetopordoisfatores:(1)eletinhaunsduzentosanose(2)peloqueeu podia ver, a montanha que ele estava atravessando era um morroligeiramente mais íngreme do que o Monumento de Washington. Se ovelhinho da vila conseguisse chegar para o ramadã de 2008, eu já teriasorte.

Uma hora depois, novamentebum! Aquelamaldita porta abriu comouma bomba. Até Gulab deu um pulo. Mas não tão alto quanto eu. E lávieram as crianças, acompanhadas por um grupo de adultos. Elascarregavam um documento branco que parecia uma bola de neve numaminadecarvão,sóquealiapalavralixosimplesmentenãoexiste.

Eu o peguei e percebi que era um pan leto de instruções para umtelefonecelular.“Ondediabosvocêspegaramisso?”,eulhesperguntei.

“Bemali,dr.Marcus.Bemali fora.”Todosestavamapontandoparaaencostadamontanhaeeunãotivedificuldadeementenderatradução.

“Paraquedas?”,perguntei.“Sim,dr.Marcus.Sim.Paraquedas.”Eu osmandei lá para fora novamente, tentando deixar claro que eu

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precisavaqueelesprocurassemnaencosta,poralgoparecidocomaquilo,qualquercoisaquepudessetercaídodoparaquedas.

Meupessoal nãodespeja pan letos de telefones celulares,maspodiaestar tentandome lançarumcelular eopan letoveio junto.Dequalquerforma,eunãopoderiaencontrá-loporminhaconta,então,tivequepediraeles que o izessem por mim. Gulab icou, mas os outros foram com osgarotos,comoumamultidãodefãsdegolfeatrásdaboladeTigerWood.

Gulab e eu nos acomodamos. Tomamos uma xícara de chá com umpouco daqueles doces deliciosos, depois nos espalhamos nas almofadas.Subitamente,bum!Aportaquasecaiu.Derrameichánotapeteelávinhamtodos,novamente.

Dessa vez, haviam encontrado uma pilha de rádio 55-90 e umarefeição (instantânea). Os caras deviam pensar que eu estava faminto.Correto. Mas a pilha não servia no meu rádio PRC-148, o que foi umadroga, pois, se servisse, eu poderia ter enviado um sinal direto ao céu,acima da vila. Do jeito que as coisas estavam, eu não tinha certeza se ofracosinaldomeurádiochegariamuitoalémdostelhados.

Eu não precisava mais interrogar as crianças. Se houvesse maisalguma coisa namontanha, eles teriam achado. Obviamente não havia. Oque tivesse sido lançado, o Talibã teria pegado antes deles. A única boanotíciaeraquehaviatelefone,outelefonescelulares,eelesprovavelmentetentariamusá-los.EtodoosistemadevigilânciaamericanodaprovínciadeKunarestariaouvindo,prontoparalocalizarachamada.

Mas depois notei algo que fez meu sangue ferver. Quase todos osgarotos estavam machucados. Eles tinham hematomas nos rostos, lábioscortados e narizes sangrando. Aqueles cretinos haviam batido em meusgarotos, socaram seus rostos, para fazer com que parassem de pegar ascoisasquehaviamcaído.Nãohálimitesparaessagente,atéondevãoparaganharessaguerra.

Enuncavouesqueceroque izeramaosgarotosdeSabray.Passeioresto do dia fazendo curativos, todos aqueles garotinhos corajosos,tentando não chorar. Quase acabei com todo o suprimento da caixa demedicamentos de Sarawa. Sempre que ouço a palavra talibã, pensoprimeironaqueledia.

Sob uma ótica mais estratégica, realmente parecia que os militaresamericanosachavamquehaviaaomenosumSEALvivoali.Aquestãoera:eagora?NinguémqueriaarriscarmandaroutrohelicópteroMH-47,jáqueoTalibãpareciatersetornadobemhábilemderrubá-los.Sóparaconstar,eles tinhammuitaprática,desdeaépocaemqueusavamaquelesantigos

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mísseisStingerparaderrubarosrussosdocéu.Etodossabíamosqueopontodeperigoeraaaterrissagem,quandoa

rampaestavaabaixada,prontaparaumainserção.Eranessahoraqueoshomens das montanhas miravam seus RPGs direto na traseira, paraexplodirem dentro da área do tanque de combustível. E acho que ostripulantes americanos nunca podiam ter certeza quanto a qualquer vilaafegã, quem podia estar ali, que tipo de armamentos poderiam ter, e oquantoeramhábeisaousá-los.

Eu sabia que precisariam de um grupo aéreo muito bom paraprimeiro sentir o terreno, depois entrar para me pegar. Estavadesesperadoparalhesdaralgumtipodeguia.Ligueiosinalizadordomeurádiopara transmitirpela janelaaberta.Não fazia ideiadequanto tempoaindahaviadefuncionamentodapilha,então,apenasliguei,aponteiparaoaltoedeixeialinoparapeitodajanela,torcendoparaterminhalocalizaçãocaptadaporqualquervoodaforçaaéreaoupelosNightStalkers.

Para minha surpresa, a reação americana aconteceu muito maisrápidodoqueeuesperava.Naquelatarde.Aforçaaéreaamericanaentroudetonando,despejandobombasdemeiatoneladanaencostadamontanha,abaixo da vila, exatamente onde o Talibã pegara as coisas deixadas peloparaquedas.

As explosões foram incríveis. Emminha casa, bem, achei que toda aedi icação estivesse caindo. Pedras e pó choviam dentro do quarto. Umadasparedesamparouumagrandefalhanaestrutura,conformeexplosõesrepetidas sacudiam a montanha do topo à base. Lá fora, as pessoasgritavam e as bombas batiam e explodiam; telhados de palha voavam;havia uma tempestade de poeira. Mães e crianças corriam em busca deabrigo,ostribaisestavamcompletamenteperdidos.Todosjátinhamouvidofalardopoderdefogoamericano,masjamaishaviamvistodessaforma.

Na verdade, nenhuma das bombas, acho que por estratégia, atingiuSabray. Mas passaram perto. Muito perto. Todas ao redor do perímetro.Aquilodeviaterservidocomoumagrandelição.Umaliçãobemsimples.SevocêpermitirqueoTalibãe a al-Qaedamontemacampamentodentroouaoredordesuavila,issonãovaiserbom.

Noentanto,issonãofoimuitoconsoloparaopovodavila,quetentavaarrumar a bagunça, refazer as paredes e telhados, acalmar as criançasassustadas,cujamaioriativeraumdiamuitoruim.Tudoporminhacausa.Olheioladodefora,paraadevastaçãoaomeuredor,esentiumaprofundatristeza. E Gulab entendeu o que eu estava sentindo. Ele veio até mim epassou o braço àminha volta e disse: “Ah, dr.Marcus, Talibãmuitomau.

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Nóssabemos.Nóslutamos”.Jesus. Era tudo de que eu precisava. Uma batalha novinha em folha.

Nós dois entramos na casa e sentamos um pouco, tentando traçar umplanoparamim,quecausasseamenorquantidadepossíveldeproblemasaoscamponesesdeSabray.

Parecia evidente que minha presença ali estava causando umcomportamento cada vezmais ameaçadorporpartedoTalibã, e a últimacoisa que eu queria era causar dor e infelicidade àquela gente que meabrigara.Mas agora asminhas opções eram escassas, apesar de parecerque os americanos estavam vindo em meu rastro. Um dos principaisproblemas era que o pai de Gulab não izera contato conosco, pois nãohaviameio. E não tínhamos como saber se ele conseguira chegar à basemilitar.

O Talibã provavelmente não estava muito empolgado com obombardeio disparado pelas forças armadas americanas e talvez tivessemuitas baixas ali nas montanhas. Eu e Gulab achamos que a palavravingança poderia não estar longe dos lábios dos odiosos muçulmanosfanáticoseeupoderiaseroalvomaisconveniente.

Isso representavaumgrandeproblemaeprovavelmente aperdadevida das pessoas de Sabray. O próprio Gulab estava sob pressão, já quereceberaaameaçadoTalibã.Eletinhaesposa, ilhosemuitosparentesemquem pensar. No im, a decisão foi tomada por si só. Era óbvio que euprecisava partir, apenas para evitar que a vila se transformasse numcampo de batalha. Olokhay funcionara bem, mas nós dois nosperguntávamosseofolcloredatriboseriamantidoindefinidamente,diantedoTalibãincomodadoedecombatentesferidosdaal-Qaeda.

O bombardeio americano na encosta damontanha reavivaraminhasesperançaseexpectativas.A inal,aquiestavammeuscaras,arrebentandoesses tribaismilenares,pegandopesadocomartilhariadealta tecnologia.Issotemqueserbom,certo?

Masnemtudoébom.Aretaliaçãocontramimemeusprotetoreseraoimperativo em minha mente. Acho que foi o barão mão de ferro dopetróleo John Paul Gettty que uma vez observou que, para cada sinalpositivo existente no mundo, há, em algum lugar, um sinal negativo. Eleestavacerto.

Aperguntaera:paraondeeudeveria ir?E, ali,minhasopçõeserammuito limitadas. Eu jamais conseguiria concluir a longa caminhada até abase de Asadabad e, de qualquer forma, isso parecia insano, já que oancião da vila estaria lá, ou quase chegando. E o único local de refúgio

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próximo era o posto americano de Monagee, a pouco mais de 3 km dedistância,passandopelamontanhaíngreme.

Eu nãomorria de amores pelo plano, nem os caras que precisariammeajudarnessa jornada.Masatéagora,peloqueeueGulabvíamos,nãohaviamaisnadaquepudéssemosfazer,excetonosprepararmosparaumataque do Talibã, e eu realmente não queria fazer ninguém passar porisso.Principalmenteascrianças.

Dessa forma, resolvemos que eu deveria caminhar com ele e outrosdois, subindo a montanha, até a vila de Monagee, que parece um nomeirlandês, mas é estritamente pashtun e presta colaboração aos militaresamericanos.Oplanoeraesperarotemposu icientedepoisdeescurecereentão sair, sorrateiramente, subindo as pastagens por volta de 23 h,passando ocultos, por debaixo dos narizes dos vigias talibãs, queprovavelmenteestariamdormindo.

Eu só torcia para que minha perna aguentasse a jornada. Haviaperdido muito peso, mas ainda era um cara grande para ser meiocarregadopordoistribaisafegãosmagrinhos,cujamaiorianãopassavade1,70m,comcercade55kgcoladosaosossos.MasGulabnãopareciamuitopreocupado, e nós nos acomodamos para esperar as longas horas deescuridão,atéasonze,quandopartiríamos.

Anoitecaiubruscamente,comoocorrealinospicos,depoisqueosolseescondeportrásdeles.Nãoacendemosnenhumlampião,paranãodarpistasaoTalibã.Apenas icamosalisentados,noescuro,bebericandocháeesperandoomomentooportunoparapartir.

Subitamente,donada,começouumatempestadecolossal.Achuvacaíacom força, uma chuva abundante que se deslocava de lado sobre amontanha. Era uma chuva que raramente se vê, daquele tipo quegeralmente caracteriza os tufões e ica sendo reprisada no canal dameteorologia.

EladesceucomtudosobreaviladeSabray.Todasasjanelaseportasforambatidas,bem fechadas,poisessaeraumachuvadasmonções, e seaproximava,vindodiretodosudoeste.Ninguémcolocavaopéparaforadecasa, pois aquele vento e a chuva levariam qualquer um, varrendo-o decimadamontanha.

Lá fora,osarbustosgrandeseaáguadesciamemcascatapela trilhaprincipaldavila.Osomdavaaimpressãodequeestávamosnomeiodeumrio, a água escorrendo com força diante da porta. É claro que uma áreacomo essa não tem como ser inundada, não ali em cima, por causa dodeclivetãoíngremequenãoretémaágua.Masmolhatudo.

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Tínhamos um telhado seguro, de barro e pedras, mas iqueiimaginando se algumas casas abaixo estariam irmes. Tudo ali eracomunitário, incluindo a cozinha, portanto, acho que todos estavamsimplesmentejuntos,nascasasnãodanificadas,foradachuva.

Acima de nós, os cumes das montanhas eram acesos por raiosbifurcados de um azul gélido, um néon elétrico no céu. Os trovõesestrondavam pelo Hindu Kush. Gulab e eu nos aproximamos da paredegrossadepedra,nofundodocômodo,porquenossaprópriacasanãoeravedadaàentradadeágua.Masachuvanãoestavapassandopelasfendasdas pedras e do barro. Nosso canto estava seco, mas estávamosensurdecidosedeslumbradospelaatrocidadedanaturezarugindodoladodefora.

Esseníveldetempestadepodeserenervante,mas,quandoduratantotempoquantoessa,vocêseacostumaàsua fúria.Todavezqueeuolhavapelajanela,osrelâmpagosreluziameestouravamacimadospicos.Mas,devez em quando, eles iluminavam o céu atrás da cadeia de montanhas eaquilo parecia a visão mais assustadora que já se viu, como se a bruxamalvada do Kush estivesse prestes a sair voando pelo céu em suavassoura.

Verastrovoadasdefrente,nuaseviolentas,eraumacoisa.Masraiosocultos da visão, transformando o céu num azul estranho e eletrizado,faziam a paisagemnão parecer desta terra, com cumes negros diante douniverso.Eraumavisãoproibidaparaumguerreiroferido,maishabituadoàsgrandesplaníciesdoTexas.

Mas fui me acostumando lentamente e inalmente peguei no sono,esticado no chão. Nosso horário de partida de 23 h veio e foi, e a chuvacontinuava a cair. Meia-noite chegou e, com ela, uma nova data nocalendário, domingo, 3 de julho, que, nesse ano, seria o ponto central doimdesemanade4de julho,horadecomemoraçãopor todososEstadosUnidos, ou ao menos em grande parte, exceto naqueles lares pesarosospelasperdasdosmembrosdasforçasespeciais.

Enquanto eu estava sentado, esperando a chuva passar, o astral emminha casa, no sítio, segundo minha mãe, era muito depressivo. Eu jáestava desaparecido há cinco dias. A multidão no quintal da frente jásomavamaisdetrezentaspessoas.Elesnão iamembora,mascomeçavamaficarmuitosérios.

Ainda havia um cordão de isolamento da polícia ao redor dapropriedade.Osxerifeslocaissejuntaramajuízeseàpolíciaestadual,que

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proviaacompanhamentoespecialàfrenteeatrásdosSEALs,durantesuasduascorridasdiáriasdetreinamento.

Participando das preces diárias havia bombeiros, trabalhadores daconstrução, fazendeiros, donos de livrarias, engenheiros, mecânicos,professores,dois capitãesdebarcosdepesca.Haviavendedores, agentesfunerários, advogados de Houston e locais. Todos eles lutando contra aminhapossívelmorte,damelhorformaquesabiam.

Minhamãedizqueolugartodoficavaacesoanoiteinteira,pelasluzesdoscarros.Alguémtrouxeraatécabinesmontáveise,paraaspessoas,nãopareciahaver sentidoem ir a lugaralgum.Nãoatéque soubessemseeuaindaestavavivo.Segundominhamãe,elasestavamseparadasemgrupos,um fazendo preces a cada hora, outros cantando hinos, outros bebendocerveja. As senhoras locais, que conheciamMorgan e eu a vida toda, nãoconseguiam conter as lágrimas. Todas elas só estavamali por ummotivo,consolarmeuspaisseopiorfosseanunciado.

Nãoseimuitodeoutrosestados,poisminhaexperiêncianaCalifórniafoi estritamente no complexo do SPECWARCOM. Mas, em minha opinião,aquela vigília de quase uma semana, ocorrida daquela forma tãoimprovisada pelo povo do Texas, diz muito sobre essa gente, suacompaixão, generosidade e seu amor pelos vizinhos acometidos pelatristeza.

Meuspaisnão conheciam todos,masninguémesquecedomotivodesua visita. Eles só queriam ajudar da forma que pudessem, só queriamestar ali, pois um dos seus havia sido perdido num campo de batalhadistante.

E,àmedidaqueo imdesemanaavançava,nãohavialistraseestrelastremulando. Acho que eles não tinham certeza se deveriam hastear abandeiraameiomastro.Meupaidizqueeraclaroqueaspessoasestavamcomeçando a icar desanimadas – a regularidade do sinal telefônico deCoronado: “Nenhuma novidade”. A perversidade da mídia ao anunciarcoisasdotipo:“AesperançapelosSEALsdesaparecidosestáseesvaindo…parecequeosprimeirosrelatossobreamortedosquatroseráprovada…AfamíliadoTexasestáempesarpelaperda…AMarinhaaindaserecusaaconfirmarasmortesdosSEALs…”.

Não dá pra entender. Comomilitares, se não sabemos algo, dizemosque não sabemos e icamos de boca calada até sabermos. Algunscharlatões altamente bem pagos da mídia acham absolutamente normalarriscarumpalpitedaverdadeedizemaalgunsmilhõesdepessoasqueumfatoestásacramentado,semtercerteza.

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Bem, espero que estejam orgulhosos de si mesmos, porque quasepartiram o coração da minha mãe e, se não fosse pela autoridade dotenente o icial sênior Chris Gothro, acho que ela poderia ter tido umcolapsonervoso.

Naquela manhã, ele a encontrou na casa, chorando recolhida, eexatamente naquele momento o chefe Gothro interviu. Ele a levantou eordenouqueelaoolhassenosolhos.“Ouça,Holly”,disseele.“Marcusestádesaparecido em combate. Só isso. Desaparecido quer dizer o que apalavra diz. Signi ica que não podemos localizá-lo neste momento. Nãosigni icaqueele estejamorto.E elenãoestarámortoatéqueeu lhedigaqueestá,entendeu?”.

“Não temos um corpo.Mas temos uma ação se deslocando em terra.Neste instantenãopodemosdizerdequemse trata, ouquantos são.Masninguém, eu repito, ninguém no SPECWARCOM acredita que ele estejamorto.Euqueroquevocêentendaisso,claramente.”

As palavras severas de um pro issional devem ter feito cair a icha.Depois disso, minha mãe se refez, confortada por Morgan, que aindaalegava que ele estava em contato comigo e, independentemente do queestivesseacontecendo,eunãoestavamorto.

A essa altura, eram trinta e cinco SEALsnapropriedade, incluindoocomandante Jeff Bender, o relações-públicas do almirante Maguire e umincentivo fantástico para todos. Trey Vaughn, capelão naval SEAL, foi opilarespiritualde força.Todosqueriamfalarcomele,que lidoucomtudocom otimismo e esperança. Quando o astral começava a icar mórbido ehavia gentedemais emprantos, elepediaque agissemde formapositiva.“Parem de chorar agora mesmo… precisamos de vocês… precisamos desuas preces… e Marcus precisa de suas preces. Porém, acima de tudo,precisamos de sua energia. Nada de desistir, ouviram?” Ninguém jamaisesqueceráoTreyVaughn.

Tambémhavia dois capelões navais do comando local, que surgiramdonada.OchefeBruceMisex,chefederecrutamentodeHouston,quemeconheciahámuitotempo,chegouenãofoimaisembora.Conformeosdiaspassavam, carregamentos de frutos do mar começaram a chegar dosportos do golfo, para o sul: camarão fresco, lampreias e outros peixesbrancos. Uma senhora levava uma quantidade imensa de sushi,diariamente.EasfamíliasquehaviampassadogeraçõesnoSulmantinhama forte tradiçãode trazer travessascobertas, com frangoebolinhos,paraumfuneral.

Meupai achouqueeraumpoucoprematuro,mashaviamuitagente

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paraalimentareeleassumiuocontroledacomida.Todosestavamgratospor tudo.Eledissequeeraestranho,masnãohaviaqualquercomentáriode ninguém quanto a ir para casa. Eles apenas icariam ali, para o quedesseeviesse.

Enquantoisso,devoltaàporcariadatempestade,maisde13kgmaismagrodoquequandopartiraparaessamissão,euestavadormindocomouma criança. Gulab disse que às três horas já chovia há quase seis, semdiminuir. Eu estava fora do mundo. Pela primeira vez, em uma semana,dormiaprofundamente,alheioaoclima,alheioaoTalibã.

Dormianoitetodaeacordeicoma luzdodia,depoisdachuva.OlheimeurelógioedepoisparaGulab.EudeveriaestaremMonagee,peloamorde Cristo, por que ele não havia se certi icado de que isso acontecesse?Quetipodeguiaeraele,medeixandodormiralémdahora?

Gulab icouvermelho.E,jáqueestávamos icandomuitoe icientesemnossacomunicação,elefoicapazdemedizerquesabiaqueeraaprimeiravez que eu conseguia dormir, em tanto tempo, e achou que seriamelhorme deixar. De qualquer forma, disse, não poderíamos ter saído naqueleclima,poiseraperigosodemais.AcaminhadanoturnaatéMonageeestavaforadequestão.

Deumaformaoudeoutra,encareiaquilomuitomal.Naverdade,saída casa como uma bala, tomado por outra decepção; depois de oshelicópteros jamais terem vindo, o súbito desaparecimento de Sarawaenquanto eu estava na caverna, o ancião da vila partindo sem mim. E,agora,aviagematéMonageequeforaporáguaabaixo.Cristo.Seráqueeupodiaacreditarnumasópalavradoqueessagentedizia?

Eu dormira por tanto tempo que resolvi me deleitar com umademorada mijada. Caminhei até lá fora, vestindo meu colete com umaexpressãomuitoazeda,temporariamenteesquecendoporcompletoqueeudevia minha vida ao povo dessa vila. Deixei meu ri le para trás elentamentedesciacolina,queagoraestavamuitoescorregadia,porcausadachuva.

Ao terminar essa operação, subi umpedacinhoda colina e sentei nagramaseca,sobretudoporquenãoqueriasermaisrudecomGulabdoquehavia sido, mas também porque só queria icar ali sentado, sozinho commeuspensamentos.

Ainda achava que a minha melhor opção seria encontrar a basemilitar americana mais próxima. E essa ainda era Monagee. Olhei paracima, a montanha imensa que teria de atravessar, a chuva e o orvalho

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agora cintilando sob o sol do começo damanhã, e acho que visivelmenterecuei.

Realmente seria uma escalada e tanto, e minha perna já estavadoendo,nãoempensar,masportercaminhadocemmetros; ferimentosabala tendem a levar algum tempo para cicatrizar. Também, apesar dosesforçosde Sarawa, eu sabiaque aperna estava cheiade fragmentosdegranada,oquenãomeajudariamuitoaterumacaminhadasemdoratéocume.

De qualquer forma, apenas iquei ali sentado, na encosta damontanha, e tentei limpar minha mente, decidir se havia alguma outracoisa que eu pudesse fazer, além deme sentar e esperar por uma novanoite,quandoGulabeoscaraspudessemmeajudarachegaratéMonagee.O tempo todo iquei pesando a possibilidade de o Talibã chegar numataquevingativo,emretaliaçãoaobombardeiodeontem.

O fato era que eu era um alvo vivo, assim como um sinalizador. Láestava o poderoso Sharmak, com seu segundo comandante, o comodoroAbdul,eumexército imensoetreinado, todoscomessencialmentenadaafazer,excetomematar.E, seconseguissementrarnavilaechegaràcasaonde eu estava, eu teria sorte se os rechaçasse, evitando uma pequenaviagematéoPaquistão,paraapublicidadeeaexecução.

Cristo,nãohaverianadanomundoqueaquelescarasadorariammaisdo quemepegar e anunciar às estações árabes de televisão que haviamderrotado uma dasmelhores equipes de SEALs americanos. Não apenasderrotado,masqueosarrasaramnabatalha,esmagaramoesquadrãoderesgate, explodiram o helicóptero, executaram os sobreviventes e aliestavaoúltimo.

Quanto mais eu pensava naquilo, mais insustentável se tornava aminha posição. Será que os pastores de cabra de Sabray poderiam lutarombroaombroparamesalvar?Ouosassassinosbrutaisdaal-QaedaedoTalibã acabariam fazendo as coisas de seu jeito? Era estranho, mas euainda não assimilava o poder total dolokhay. Ninguém me explicarainteiramenteacoisa.Eusabiaquehaviaalgo,masaquelaleitribalmilenaraindaeraummistérioparamim.

Euolhava emvolta, paraos vales,masnão vianinguém forada vila.Gulabeseupessoalsempresecomportavamcomoseaprópriaencostadamontanhaestivesse fervilhandodeperigosocultos e,mesmonão fazendograndealarde,poroutrolado,eletinhadeserumespecialistanaáreadosbandidosquecircundavasuaSabray.

Foiassim,comcrescentepreocupação,queviGulabdescercorrendoo

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valeemminhadireção.Eleliteralmentemepuxouatéqueeu icassedepé,depoisme levou pela trilha que conduzia à partemais baixa da vila. Eleestavacorrendoe tentandome fazeracompanhá-lo, gritando, sinalizando,repetidamente:Talibã! O Talibã está aqui! Na vila! Corra, dr. Marcus, peloamordeDeus,corra!

Ele ergueu seu ombro direito e o colocou embaixo de meu braçoesquerdo,paraampararmeupesoeeumeiomancava,meiocorria,quasecaindo pela ribanceira. Claro que, pelos meus padrões recentes, issopareciaumpasseionapraia.

Subitamentepercebiquepoderíamosterquelutar,eeudeixarameuri lenacasa.Tinhaminhamuniçãoemeucolete,masnãotinhanada comqueatirar.Eagorafoiaminhavezdegritar:“ Gulab!Gulab!Pare!Pare!Eunãoestoucomaminhaarma”.

Elerespondeualgoemafegãoqueeuachoquedevetersidoparecidocom:“Masqueporradeidiotacompletovocêsetornou”.

Masoqueo amedrontara continuavaali, e elenão tinha intençãodeparar, até localizar um refúgio para nós. Abaixamo-nos e mergulhamospelas trilhasdavila,atéqueeleencontrouacasaqueestavaprocurando.Gulabchutouaportaparaabri-la,bateuparafecharemeajudouaabaixarnochão.Ealiestavaeu,sentado,desarmado,totalmenteinútilealtamenteapreensivoquantoaoquepoderiaacontecernahoraseguinte.

Gulab,semdarumapalavra,abriuaportada frenteepartiuemaltavelocidade. Passou pela janela como um foguete, subindo o declive,possivelmente em busca do recorde de cemmetros da corrida doHinduKush.SóDeussabeparaondeeleestavaindo.

Trêsminutosdepois,elechutouaportaparaabri-laeentrounacasacomo um tufão. Estava trazendo omeu ri le e seu AK-47. Eu ainda tinhasetentaecincobalas.Achoqueeletinhamaisqueissoemseucinto.Elemeentregoumeuri leMark12muitosérioesimplesmentedisse:“Talibã,dr.Marcus.Nóslutamos”.

Elepareciamaissériodoqueeujamaisovira.Nãotemeroso,apenascheiodedeterminação.Láemcima,naquelamontanha,quandoSarawamevira,tomaraadecisão,juntocomseuscompanheiros,dequeo lokhayseriadado a mim, um americano ferido. Desde o primeiro momento, pertodaquele rio montanhoso, o médico sabia perfeitamente que a situaçãopoderiachegaraisso.Mesmoqueeunãosoubesse.

Foiumadecisãoqueafetouatodosnavila,desdeoinício.Achoqueamaioria das pessoas aceitou e, obviamente, foi endossada pelo ancião davila. Eu havia visto alguns rostos repletos de ódio, mas eles não eram a

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maioria.EagoraMuhammadGulab,chefedaleiedaordemnavila,estavaprontoamanteraquelejuramentosilenciosoqueseupovomefizera.

Ele o fazia não por ganho pessoal, mas por um senso de honra quevoltava por várias gerações no tempo, por dois mil anos de tradiçãoPashtunwalai: Você defenderá seu convidado até a morte. Eu observavaGulabcuidadosamente,conformeelecarregavaumnovocartuchoemseuAK. Tratava-se de um homem pronto para tudo. E eu vi aquela luz debondadeemseusolhosescuros,daformacomosevêquandoalguémestárealizandoumaaçãodebravuraeabnegação.

Agradeci a Gulab e encaixei outro pente em meu ri le. Olhei pelajanela,observandoocampodebatalha.Estávamosnumaáreaquaseplanaebaixa,masoataquedoTalibãseria lançadodeumterrenomaisalto,daformasemprepreferidaporeles.FiqueiimaginandoquantasoutrascasasemSabrayestariamabrigandohomensprontosparalutar.

A situação era séria, mas não medonha. Tínhamos uma coberturaexcelenteeeuachavaqueoinimigonãosabiaexatamenteondeeuestava.Peloqueeupodiaver,abatalhapeloCumedeMurphyrepresentavaumafaca de dois gumes. Antes de tudo, os tribais podiam estar furiosos porcontadonúmerodosseusquehaviamsidomortosporMikey,Axe,Dannye eu. Isso poderia até representar um homem-bomba ou um ataque tãoimprudente que eles arriscariam qualquer número de combatentes sóparamepegar.Eunãoestavaansiosocomnenhumadasopções.

Por outro lado, eles poderiam estar ligeiramente receosos diante daperspectivadeenfrentarapenasum,daquelaminúsculaequipeamericanaque varrera possivelmente cinquenta por cento de uma tropa de ataquetalibã.

Claro, eles sabiam que eu estava ferido, mas também sabiam queestavabemarmadopelosaldeões,mesmosetivesseperdidomeuri le.Euachavaqueeles viriamcom tudopara cimademim,que sedanassemasconsequências,ouchegariamcommuitacalma,lutandoeabrindocaminhopelavila,decasaemcasa,atéencurralarGulabeamim.

Masumataque iminenteexigeumplanejamentovelozedeexpertise.Eu precisava atuar rápido e fazer com que Gulab entendesse nossastáticas. Ele logo abriu caminhoàminha experiência, o queme fezpensarquenunca chegaraaaceitarahistóriadequeeu fosseummédico. Sabiaqueeu lutaranocumeenaquele instanteestavaprontopara fazeroqueeudissesse.

Tínhamosduasáreasacobrir,aportaeajanela.Nãoadiantariamuitoeu detonar os talibãs pela janela, se um daqueles escrotinhos entrasse

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escondidopelaportadafrenteemedesseumtiropelascostas.Expliqueiqueacoberturadaentrada icavaporcontadeGulab,para

que ele se certi icasse de que eu teria uma fração de segundo para mevirar e derrubá-los antes que pudessem abrir fogo. De preferência,gostariaqueelemeavisassecomantecedênciaqueoinimigoestavavindo.Dessaforma,poderiameencobrirnasombraenoscantosepegarunsseisdeumasóvez,emvezdeapenasderrubarolíder.

Idealmente, eu gostaria de ter ummóvel pesado para colocar diantedaporta da frente, só paramedar umpouquinho amais de tempo.Masnão havia móveis, só aquelas almofadas grandes que, obviamente nãoerampesadasobastante.

De qualquer forma, Gulab entendeu a estratégia e acenou a cabeçaveementemente, da forma como sempre fazia, quando tinha certeza dealgo. “Certo, Marcus”, disse ele. E não deixei de perceber que ele haviadeixadodeladoodr.

Quandoabatalhacomeçasse,Gulabcobririaaáreada janelaque lhedava a melhor visualização da porta. Eume concentraria no ataque queviesse da frente. Teria que atirar de forma constante e certeira, semqualquer desperdício, exatamente como Axe e Danny izeram namontanha,enquantoMikeydavaascoordenadas.

Tentei dizer a Gulab que icasse calmo e atirasse direito, nada dehisteria. Dessa forma, nós venceríamos ou, na pior das hipóteses,causaríamosumrecuodesordenadodostalibãs.

Ele pareceu ligeiramente vago. Dava para ver que não estavaentendendo. Então, eu disse a frase que sempre usamos antes de umconflito:“Certo,rapazes,vamosaorockandroll”.

Na verdade, foi pior. Gulab achou que eu estava prestes a lhe daraulasdedança.Teriasidoengraçado,seasituaçãonãofosseséria.Então,nósdoisouvimososprimeirostiros,lánoaltodavila.

Erammuitos.Demais.Ovolumedotiroteioeraabsurdo,amenosqueo Talibã estivesse planejando varrer toda a população de Sabray. E eusabia que eles não considerariam isso, pois uma chacina como essacertamente colocaria im ao apoio dos aldeões tribais ali do alto dasmontanhas.

Não,elesnãofariamisso.Queriamamim,masjamaismatariamoutroscemafegãos,incluindomulheresecrianças,paramepegar.OTalibãeseubando da al-Qaeda eram impiedosamente cruéis, mas esse tal de BenSharmaknãoeraburro.

Alémdisso,nãodetecteinenhumritmodetirosdecampodebatalha.

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Aquilo não estava sendo conduzido com os intervalos curtos de tirosdisparados por homens treinados em busca de um alvo. Vinham emsaraivadas prolongadas e eu ouvia atentamente. Não havia um claroretornodofogoe,então,eusoubeoqueestavaacontecendo.

Esses lunáticos haviam vindo correndo, do meio das árvores paradentroda vila, disparando aleatoriamente, para o ar, semmirarnada, daforma como costumam fazer, todos pulando e gritando: “Morte ao in iel” .Unsbabacas.

Seuobjetivosempreédarumsustodemortenaspessoas,enaquelemomentopareciamestar conseguindo. Eupodia ouvirmulheres gritando,criançaschorando,masnadadetirosrevidadospelostribaisdeSabray.Eusabiaprecisamentecomoseriaosomenãoestavaouvindo.

OlheiparaGulab.Eleestavaprontoparaaação,debruçadona janelacomigo, de olho na porta da frente. Nós dois destravamos os pinos desegurançadenossasarmas.

Aindapodíamosouvirosgritoslánoalto.Osbestinhasprovavelmenteestavambatendonascrianças.Oquepoderiatermeinspiradoasubiratéláeencararsozinhotodooexército jihad,masmesegurei,segureiostiroseesperei.

Esperamos por uns quarenta e cinco minutos e depois icou tudoquieto.Comoseelesnunca tivessemestadoali.Aquela calma jamaisvistada vila voltara, não havia qualquer sensação de pânico ou sinal de genteferida. Essa eu deixei por conta de Gulab. “Talibã partiu”, disse ele,simplesmente.

“Eagora,oquevaiacontecer?”,perguntei-lhe.“Bagram?”Gulabsacudiuacabeça.“Bagram”,disseele.Depoiselesinalizou,pela

milionésimavez.“Helicópterovem”.Revireiosolhosparaocéu.Jáouviraessepapofuradodehelicóptero

antes.EeutinhanovidadesparaGulab.“Helicópteronãovem.”,eudisseaele.

“Helicópterovem”,respondeuele.Comosempre,eunãotinhacomosaberoqueGulabsabia,nemcomo

eleteriadescobertooqueestavaacontecendo.Mas,naquelemomento,eleacreditavaqueoTalibãhaviaentradonacasaondeeuestiveraeviuqueeu havia sumido. Ninguémme traíra e eles não se atreveram a realizarumabuscadecasaemcasaportemeremseindisporcomopovodavilae,emparticular,comoancião.

Essa gangue armada de tribais, decidida a tirar os americanos dogoverno, não poderia operar inteiramente sozinha, ali no alto, sob a

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proteção das montanhas. Sem o apoio local de sua linha de suprimentoprimitivo pereceria, e rapidamente perderia seus recrutas. Exércitosnecessitamdealimento,coberturaecooperação,eoTalibãsópodia iratéumcerto limitedeprovocação,antesqueessespoderosos líderesaldeõesdecidissemquepreferiamacompanhiadosamericanos.

Por isso haviam acabado de evacuar Sabray. Ainda cercariam a vila,esperando pela chance de me pegar, mas não arriscariam uma grandeinterferência no dia a dia do povo. Agora eu estava ali há cinco noites,incluindoanoitenacaverna,eoTalibãhaviaultrapassadoasfronteirasdeSabray duas vezes, uma delas por algumas horas de violência, tarde danoite,eagoraportalvezumahora.

Gulabestavacertodequeeleshaviampartido,mas igualmentecertodequenãopodíamosnosatreveravoltarparaacasa.Aessaaltura,eramquasedezdamanhãeGulab sepreparavapara sair eme levar comele,maisumavez,rumoàsmontanhas.

NoTexas,passavademeia-noiteeavigíliaemnossosítiocontinuava.AmídiaaindatransmitiasuaopiniãodequeaequipeSEALestavamorta,eaúltimaligaçãodeCoronadohaviasidorecebida.Aindanãohavianotíciasminhas. Todos eles sabiam que haveria outra ligação às quatro horas, etodos esperaram lá, naquela noite quente de julho, segundominha mãe,comasesperançasdiminuindoconformeashoraspassavam.

Aspessoascomeçavamaespecularcomoeupoderia ter sobrevivido,seninguémnabaseamericanasabiaondeeuestava.Masasnotíciaserammuito escassas, exceto pela parte que alguns membros da mídiainventavam.Eopessoalcomeçavamadesanimar.

Exceto, aparentemente, por Morgan e os outros SEALs, que jamaisacharamqueeuestivessemorto.Aomenoseraoqueelesdiziama todososoutros.Desaparecidoemcombate.Elenãoestámortoatéquedigamosqueestá.

Morgancontinuavaadizeratodosqueestavapensandoemmimeeuestava pensando nele. Ele estava em contato, mesmo que ninguém maisestivesse.Eo chefe sêniorGothroestavadeolhoemminhamãe, casoeladesmoronasse.

Mas ela se lembradessa noite até hoje, e da forma como as pessoasiam icandotristesacadaminuto.EcomoosSEALspermaneceramjuntos,os capelães, o iciais, os não combatentes, alguns exigindo, outros

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implorando,mastodospedindoquemantivessemafé.“Marcusprecisa de vocês!” , o capelão Trey Vaughn dizia à multidão

variada. “E Deus o está protegendo e agora repitam, depois de mim, aspalavrasdoSalmo23.‘Aindaqueeuandepelovaledasombraedamorte,nãotemereimalnenhum,porquetuestaráscomigoeoteubordãoeoteucajadomeconsolam.’”

Alguns dos homens mais valentes das forças armadas americanasestavamombroaombrocomocapelãoSEAL,cadaumdelespensandoemmim como um velho amigo e, espero, companheiro de equipe. Cada umdeles,naquelesmomentos,sozinhocomseuDeus.Eeuestavacomomeu,ameiomundodedistância.

ÀsquatrohorasveioaligaçãodeCoronado.Nenhumanotícia,ainda.Eos SEALs começaram todo o processo novamente, incentivando,compartilhandoseuotimismo,explicandoqueeuhaviasidoespecialmentetreinadoparasuportartalprovação.“SeháalguémquepodesairdissoéoMarcus”,diziaocapelãoVaughn.“Eelesentiráaenergiadesuaspreces–e vocês lhe darão força – e eu os proíbo de desistirem dele –Deus o traráparacasa.”

Eali,emmeioàspastagenssecasdoverão,cercadospormilharesdecabeças de gado, as palavras do hino da Marinha dos Estados Unidosecoavam noite adentro. Não havia vizinhos acordados. Todos, emquilômetros dos arredores, estavam em nosso quintal da frente. Minhamãedizquetodosestavamali,naquelanoite,novamente,quasetrezentaspessoas.Eospoliciaisejuízesexerifeseoutrossejuntaramaminhamãeemeupai,cantandoaplenospulmões:“Oh,ouça-nosaclamar,PelosSEALsemvoo,emterra,ounomar…”.

Devolta a Sabray.Gulab e eu estávamosprestes apartir.Agarradosaosnossosri les,deixamosnossopequenoredutodebarroepedranaruabaixa e seguimos descendo a montanha. Dolorosamente, andei os quaseduzentosmetros e cheguei a um campo plano que havia sidopreparadorecentemente.Agora ele era só terra,mashavia sido revolvidoedeixadoprontoparaumanovaplantação.

Eujáviraessecampoantes,dajaneladacasadois,daqualpodiavertalvez uns 350 metros montanha acima. Acho que o campo tinhaaproximadamenteo tamanhodedoiscamposde futebolamericano;haviaumabordadepedrascircundandotodaasuaextensão.Eraumlocalidealparaopousodeumhelicóptero,pensei,certamenteaúnicaáreaadequadaqueviraaliemcima.EraumlugarondeumpilotopodiapousarumMH-47semarriscarcolidircomasárvores,ousairrolandoporumprecipício,ou

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pousarnomeiodeumaarmadilhatalibã.Por alguns instantes, considerei escrever um SOS gigante na terra,

masGulabestavaansiosoeelemeamparavaparasairdocampo,devoltaàscolinas.Ali,eleencontrouumlocalparaqueeudescansasse,na lateralda trilha, onde eupodiausarumarbusto como cobertura. E aquilo aindateveumbônus,poisoarbustoestavacarregadodeamoras.Eumedeiteialinasombra,medeliciandocomasamoras,queaindanãoestavammaduras,mastinhamumgostobomdemaisparamim.

Agoraestavanovamentetranquiloemeuouvidotreinadodeatirador,talvez melhor do que nunca, detectou um som incomum vindo de baixo.Nãofoiumgalhosequebrando.Nãohaviasombraalgumaportrásdeumaárvore.Nada.

Esperamos por um tempo curto, antes que Gulab se levantasse e seafastasseumpouquinho, depois ele se virou e sussurrou. “Agora vamos.”Pegueimeu ri le e virei para o ladodireito, pronto parame levantar, ummovimentoqueexigiamuitoesforçoeconcentraçãonessasemana.

Nãoseiporqueaconteceu.Masalgomedisseparaolharparacimaeeu pousei os olhos na colina atrás de nós. E bem ali, sentado,silenciosamente, seu olhar ixo emmim, sem qualquer expressão, estavaSharmak,olídertalibã,ohomemaquemeuvieracapturaroumatar.

Eu só o vira numa fotogra ia muito granulada e ruim, mas foi osu icienteparamim.Tivecertezadequeeraele.Eachoqueelesabia queeusabia.Eraumsujeitoesguio, como todoseles,quarentaepoucosanos,comumabarbacompridaenegra,pontilhadaderuivo.Vestiaumaroupaafegãpreta,umcoleteavermelhadoeumturbantepreto.

Recordo-me que ele tinha olhos verdes, repletos de um ódio quepoderia derreter um tanque de guerra americano. E olhava diretamentepara mim, sem dizer uma palavra. Notei que ele estava desarmado esegurei irmemeuMark12,e lentamenteovireiparaele,atéqueocanoficassemiradobemnomeiodeseusolhos.

Ele não estava com medo. Não recuou, nem se moveu, e tive uminstintomuito forte de dar um tiro ematar aquele bastardo, bem ali, namontanha.A inal,foiparaissoqueeutinhavindo;isso,oucapturá-lo,masessaúltimapartenãoiaacontecer.

Sharmak estava cercado por seu exército. Se eu o matasse, nãodurariavintesegundos.SeuscarasteriammeexterminadoeaGulab,semcontarque teriammassacradoavila inteira, incluindoas crianças.Penseinissoedescarteiaideiadematá-lo.

Também considerei que Sharmak claramente não estava prestes a

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atiraremmim.ApresençadeGulabtornaraaquiloumcompletoimpasseeSharmak não chamaria seu pessoal para atirar no ilho mais velho doanciãodaviladeSabray.Damesmaforma,eunãomesentiatãoinclinadoacometersuicídio.Todosevitaramatirar.

Sharmak apenas icou ali sentado, e depois Gulab acenou a cabeçapara o chefe do Talibã, que inclinou discretamente a cabeça, como umlançadordebeisebolquereconheceosinaldeumapanhador.Então,Gulabcaminhoulentamenteparair falarcomele,Sharmaklevantou-seeelesseviraramdecostasparamim,seguindoumpoucomaisacima,namontanha,forademinhavisão.

Sóhaviaumassuntoquepoderiamestardiscutindo.SeráqueopovodeSabrayagoraconcordariaemmeentregar?EeunãotinhacomosaberatéondeGulabeseupaiiriamparamedefender.

Apenas iqueisentadoembaixodoarbustodeamoras, incertoquantoao meu destino, incerto quanto ao que esses tribais decidiriam. Porquecada um deles, a seu próprio modo, até agora provara ser in lexível emseus princípios. O matador implacável, um homem que via a si mesmocomo o guerreiro salvador do Afeganistão, agora em conferência com opolicial da vila, um homem que parecia preparado para arriscar tudoapenasparamedefender.

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12DOIS-DOIS-OITO!ÉODOIS-DOIS-OITO!

Emsuamente,sópoderiahaverummotivopossívelparaaligação…Eleshaviamencontradomeucorpona montanha… E veio uma voz na linha queperguntou:“Afamíliaestáreunida?”.

Elesseforamporcincominutosevoltaramjuntos.BenSharmak icoumeencarando alguns minutos, depois se afastou, de volta ao seu exército.GulabdesceuacolinaemminhadireçãoetentouexplicarqueSharmaklhedera um bilhete que dizia: “Ou você entrega o americano, ou todos osmembrosdesuafamíliaserãomortos”.

Gulabfezseuconhecidogestodeterminado,enósdoisnosviramoseicamos olhando o líder talibã descer emmeio às árvores. E o policial davila me estendeu a mão, me ajudou a descer o declive íngreme, semprecauteloso com minha perna esquerda ferida, até que chegássemos numleitosecodorio.

E ali descansamos. Ficamos olhando, em busca de atiradores talibãs,masnãoapareceuninguém.Aonossoredor,emmeioàsárvores,comseusAKs prontos, surgiram os rostos familiares de Sabray, prontos para nosdefenderem.

Esperamosporpelomenosquarentaecincominutos.Depois,naquelesilênciodamontanha,maisdoiscarasdavilachegaram.Era óbvioqueelesestavamsinalizandoparaquepartíssemosnaqueleinstante.

Cadaumdelesapoiouporbaixodeumbraçoeelesmelevaramparadentro das árvores, rumo à escarpa emdeclive. Tenho de admitir que jánão sabia o que estava se passando, para onde estava indo ou o que euestava fazendo.Percebiquenãopodíamosvoltarparaavila, e realmentenãogosteidotomdaquelebilhetequeGulabenfiaranobolso.

Eali estavaeu, sozinho, comaqueles tribais, semumplano coerente.Minha perna estava me matando, eu mal podia encostá-la no chão e oscarasquemecarregavamestavamsegurandotodoomeupeso.Chegamosa uma pequena escada de degraus de pedra esculpida na escarpa. Elesficaramatrás,meempurrandocomosombros.

Fui o primeiro a subir o degrau e, ao fazê-lo, dei de cara com umcombatenteafegãoarmadoquejamaisvira.EleestavacomumAK-47,em

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posiçãodedisparoe,quandomeviu,eleoergueu.Olheiparaseuchapéuehaviaememblemacompalavrasquequase izerammeucoraçãoparar–BUSHPARAPRESIDENTE!

Ele era das forças especiais afegãs e fui tomadopelo pânico, pois euestavavestidocomasroupasdostribaisafegãos,idênticasaquelasusadaspelostalibãs.Mas, logoatrásdele,correndopelosolo,vieramdois rangersdo exército americano, de uniforme de combate, ri les erguidos, sendo olíderumcaranegro,grande.Atrásdemim,comumaincrívelpresençadeespírito, Gulab gritava meu número de classe BUD/S, que ele vira emminhatatuagemvodudetridente:“Dois-dois-oito!ÉoDois-dois-oito!”.

Orostodorangersubitamenteseacendeu,comumsorrisogigantesco.Ele deu uma olhada em meu porte de 1,94 m e disse: “Americano?”,somente a tempodequeeuacenasseque sim, antesque ele soltasseumgrito que ecoou pela encosta da montanha: “É o Marcus, pessoal! Nós oachamos,nósoachamos!”.

Eorangerveiocorrendoemminhadireçãoemeagarrounosbraços,e pude sentir o cheiro de seu suor, sua roupa de combate, seu ri le, ocheiro do lar, os cheiros com os quais estou acostumado a conviver.Cheiros americanos. Tenteimemanter estável, sem cair, mais porque osSEALsjamaisdemonstramfraquezadiantedeumranger.

“Ei,bro”,eudisse.“Quebomtever.”A essa altura, a montanha estava um caos. Os caras do exército

estavamaparecendode todo lado,saindoda loresta.Viqueelesestavambem surrados, vestindo roupas de combate, todos com barba de váriosdias. Estavam cobertos de lama, descabelados e sorriam abertamente.Imaginei que estivessempor láprocurandominha equipedesde aúltimaquarta-feira de manhã, o que era verdade. Caramba, eles estavam ládurante aquela tempestade. Não era de se admirar que estivessem tãodesgrenhados.

Agora era domingo. E, Jesus, como foi ótimo ouvir a língua inglesanovamente, simplesmente as palavras do dia a dia, os vários sotaquesamericanos, a familiaridade. Estou lhe dizendo, quando você passa umtempo num ambiente hostil e estrangeiro, sem ninguém a quem possaexplicar nada, ser salvo pelos seus compatriotas – caras valentes,con iantes, organizados, pro issionais, duramente treinados, armados atéos dentes, prontos para qualquer coisa, transbordando amizade – bem, éuma sensação da maior alegria possível. Mas eu não recomendaria apreparaçãoparatalmomento.

Eles imediatamente entraram em ação. Um capitão do exército

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ordenou que a equipeme levasse para a loresta, para um terrenomaiselevado. Carregaram-me subindo a colina eme sentaram ao lado de umcercado de cabras. Um médico alistado do Exército imediatamentecomeçou a cuidar de meus ferimentos. Ele removeu as antigas atadurasque Sarawa me colocara, aplicou uma nova pomada antisséptica e pôsnovasbandagens.Deu-meágualimpaeantibióticos.Quandoeleterminou,eujámesentiaquasehumano.

A atmosfera era inevitavelmente animada, porque todos os carassentiam que sua missão havia sido cumprida. Todos os americanos emcombateentendemessasensaçãodecomemoração,re letindo,comotodosnós fazemos, que muita coisa poderia ter dado errado, muito havia sidoevitadodevidoaonossopróprioknow-howdecampodebatalha.

Essesrangers e os boinas-verdes não são diferentes. De algumaforma, em centenas de quilômetros quadrados de terreno, haviam meencontrado vivo. Mas eu sabia que eles não compreendiam realmente oextremo perigo que todos corríamos. Expliquei-lhes sobre o número deguerreirostalibãsquehaviaporlá,quantoshouveranoCumedeMurphy,a presença de Sharmak e todo seu exército, tão perto, talvez nosobservando… não, esqueça isso. Muito provavelmente nos observando.Estávamos todos juntos e formaríamos uma força de combate, casofôssemos atacados, mas éramos em número muito menor, e agoraestávamosdentrodocercodoTalibã.Nãoapenaseu.

Relatei tudo omais detalhadamente possível. Primeiro, para explicarquemeuscompanheiros,Mikey,AxeeDanny,estavamtodosmortos.Tiveumadi iculdademaioremfazerisso,poisaindanãohaviaditoaninguém.Nãohouveraninguémaquemeupudesserelatar,decididamenteninguémque pudesse entender o que aqueles caras signi icavam para mim e ovazioquedeixariamemminhavida,pelorestodosmeusdias.

Consultei minhas coxas, onde ainda tinha anotações claras de rotas,distâncias e terreno. Mostrei-lhes as áreas onde eu sabia que o Talibãestavaacampado,ajudei-osamarcarseusmapas.Aqui,aquieaqui,pessoal.Éondeelesestão.O fatoeraqueosbastardosestavampor todaparte,emtoda nossa volta, esperando por uma chance. Eu tinha uma sensação deque Sharmak poderia estar cauteloso quanto a bater de frente com opoderdefogoamericano.Elejátiverametadedeseuexércitoexterminadasobre o cume por apenas quatro de nós. Agora éramos em número bemmaior, reunidos ao redor dos cercados de cabras, enquanto Travis davacontadeseurecado.

Pergunteiaocapitãorangerquantoscaraseletinha.Eelerespondeu:

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“Estamosbem,somosvinte”.Emminhavisão issoera ligeiramentepouco, jáqueSharmakpoderia

facilmente ter voltado à força total de sua tropa, com 150 a 200combatentes,reforçadospelaal-Qaeda.

“Temos aeronaves de artilharia, Apaches 64, a postos”, disse ele.“Qualquercoisaqueprecisarmos.Estamosbem.”

Maisumavez, friseique,semdúvida,estávamos totalmentecercadoseelerespondeu:“Entendido,Marcus.Vamosagirdeacordo”.

Antesdepartirmos,eulhespergunteicomohaviammeencontrado.Eacabousendoosinaldeemergênciadeixadonajaneladapequenacasadepedra,namontanha.Asequipesdevooocaptaramquandosobrevoavamedepois rastrearamatéavila.Elesestavamcertosdequeodonodo rádioPRC-148eraalguémdaequipeoriginaldosSEALs,mastiveramquelevaremcontaofatodequepoderiatersidoroubadopeloTalibã.

No entanto, nesse caso, eles não achavam que estivesse sendooperado por um tribal afegão e imaginaram que seria improvável que osinalizador tivesse sido acionado e direcionado ao céu por caras que nãotivessemamenorideiadesuautilidade.

Assim,chegaramàconclusãodequeumdosSEALsestavabemali,navilaoumuitoperto.Então,oscarassimplesmenteforamchegandoatémim,de alguma forma passando com sua rede direto pela do Talibã. E,subitamente, lá estava eu, vestido como o segundo cara em comando deOsama bin Laden, com os braços ao redor de dois tribais, como trêsbêbados caindo na subida da colina, e o policial da vila gritando atrás:“Dois-dois-oito!”.

LideradosporGulab,partimosparaavilaevoltamosparaasegundacasa, aquela em que icáramos durante a tempestade. O Exército haviainstituídoumperímetrodesegurançaaoredordeSabray.Carregaram-mepassando por aquela imensa árvore, até o cômodo principal. Percebi queaquele galo estava bem ali, na árvore; estranhamente, ele estava quieto,maslembrardelemedeuvontadedeestourarseusmiolos.

Oscaras izeramumcháesentamo-nosparaumrelatodetalhado.Erameio-diaemSabrayeareuniãoeradeumgrupomuitosériodemembrosdo Exército, de capitães para baixo, a maioria rangers e boinas-verdes.Antes de começarmos, fui obrigado a lhes dizer que esperava serresgatado pelos SEALs, pois agora eu decididamente teria que aturarmuito papo furado deles, me dizendo: “Está vendo, o SEAL se mete emconfusãoe,comosempre,precisammandaralguémdoExércitoparatirá-lo”.

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Isso gerou uma alegria ruidosa, mas não disfarçou minha eternagratidãoaeleseoquehaviamarriscadoparamesalvar.Eramcarasmuitobons e assumiram absoluto controle da situação, da maneira maispro issional. Primeiro, passaram um rádio para a base, dizendo que euhavia sido encontrado, quemeu estado era estável e não corria risco demorrer,mas, lamentavelmente,osoutrostrêsmembrosdaequipehaviammorrido em combate. Eu os ouvi con irmando que estavam comigo emsegurança, mas que estávamos numa vila afegã potencialmente hostil,cercados pelas tropas do Talibã e da al-Qaeda. Estavam solicitando aevacuaçãoassimqueanoitecesse.

O relato seguiu por um longo tempo e tentei explicar os detalhes deminhasaçõesdentroeforadocampodebatalha.E,duranteotempotodo,as crianças entravam correndo para me ver. Estavam por toda parte,pendurados em meu braço, com os braços ao redor do meu pescoço,falando, gritando, rindo. Os adultos da vila também vieram e eu tive queinsistirquepodiam icar,principalmenteSarawa,queressurgira,eGulab,quenuncafoiembora.Eudeviaaminhavidaacadaumdeles.

Até então, ninguém havia encontrado os corpos de Mikey, Danny eAxe.Epassamosumbomtemporevendoas fotosdosatélite,paraqueeuapontasse precisamente os lugares onde eles haviammorrido. O pessoaldo Exército tinha algumas informações sobre a batalha, mas pudeacrescentar muita coisa. Principalmente explicando como havíamosrecuado, sob o comando de Mikey, e nos mantivemos recuando; comojamais tivemos opção, exceto estabelecer nossa defesa descendo amontanha,sempredescendo.

Contei como Axe havia mantido nosso lanco esquerdo com tantabravura e como Danny, depois de alvejado tantas vezes, continuouatirando, tentandomanter nosso lanco direito, até seu último suspiro. Ecomo, no inal, simplesmente havia muitos deles, com poder de fogodemais,muitasgranadasrussas,aquelasque inalmenteexplodiramAxeeeu,tirando-nosdabatalha.

AsmortesdoTalibã forammuitas, é claro.Pareciaque todos sabiamdisso.Achoquetodosnósnaquelasalinha,incluindoGulab,achávamosqueo Talibã não arriscaria outro ataque frontal aos americanos. Assim,esperamos até que o sol baixasse atrás dasmontanhas eme despedi detodas as crianças, algumas chorando. Sarawa apenas se afastou,sorrateiramente.Nuncamaisovi.

Gulabnosconduziuatéaquele campoplanonabasedavilae, comosistema de comunicação em operação, icamos esperando. A guarda de

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segurança dosrangersestavaemformaçãoaoredordoperímetro,casooTalibã resolvesse uma última investida. Eu sabia que eles estavam ali enunca tirava os olhos daquela montanha, enquanto estávamos todossentados, cerca de vinte membros do Exército e talvez dez aldeões, oscarasqueestavamcomigodesdeoinício.

Apenas icamos sentadosno escuro, encostadosnaparededepedra,olhandoocampo,simplesmenteesperando.Bemalémdohorizonte,poucodepoisde22h,pudemosouvirosominconfundíveldograndehelicópteroamericano,ressoandoporcimadasmontanhas.

Nós o vimos circulando, distante das escarpas, onde eu acreditavaestarem acampadas as principais tropas do Talibã e da al-Qaeda. E,subitamente,Gulabagarroumeubraço,dizendo:“Marcus!Marcus!Talibã!”.

Eu olhava a escarpa acima e lá no alto, na escuridão, podia ver asluzes brancas movendo-se rapidamente, atravessando a encosta damontanha. “Talibã, Marcus! Talibã!” Eu podia ver que Gulab estavarealmenteinquietoechameiocapitãodoExércitoeaponteioperigo.

Todos reagimos instantaneamente. Gulab, que estava desarmado,pegoumeuri leeeleedoisdeseusamigosmeajudaramasubiromuroepular para um lado bem mais baixo. Alguns dos aldeões corriam comoloucos, subindo a colina, rumo às suas casas de pedra. Gulab, não. Eleassumiuumaposiçãoatrásdomuro,mirandomeu ri lediretonadireçãonoinimigo,naencosta.

OscarasdacomunicaçãodoExércitoentraramemação, ligandoparaafrotadosEstadosUnidosquesabíamosestaraliperto–bombardeirosehelicópteros, prontos para atacar a montanha, caso houvesse a menorimpressãodequeoTalibãpudessetentaratingirohelicópteroderesgate.

Eu achava óbvio que eles planejassem uma última ofensiva, umaúltimatentativademematar.Pegueiunsóculosdevisãonoturnaeassumiminhaposiçãoatrásdomuro, tentando localizaroshomensnamontanha,tentando,deumavezportodas,acabarcomeles.

Ainda podíamos ver o helicóptero de resgate a distância, quando asforçasarmadasamericanas,que jáestavamatéopescoçocomaporradoBenSharmak, inalmentemandaramver.Vieramdetonandopelosvalesdamontanha, mandando explosões infernais: bombas, foguetes, tudo quetinham. Foi uma tempestade de explosivos assassinos. Ninguém poderiatersobrevividoali.

As luzes do Talibã se apagaram naquela noite. Todas aquelaslanterninhas,seus lampiões– tudoseapagou.Eeusó iqueialiagachado,passando as informações sobre as localizações do Talibã para o cara de

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comunicações, aomeu lado, coisas que sou treinadopara fazer.Agora euestava em pé, com um sorriso no rosto, vendo meu pessoal pulverizaraquelesbastardinhosquebateramnasminhas crianças ematarammeuscompanheirosdeequipe.Elesquesefodam,certo?

Eraumsorrisomelancólico,admito,masessescarasmeperseguiram,metorturaram, icaramnomeuencalço, tentarammematarquatrocentasvezes, me explodiram, quase me raptaram, ameaçaram me executar. Eagora o meu pessoal estava mandado ver em cima deles. Lindo. Vi umrelatório con irmandoque trintaedoismembrosdoTalibãedaal-Qaedamorreramnaquelanoite.Nãoeraobastante.

OestrondonoaltodoHinduKushparou.Aofensivaaéreaamericanahaviaterminado.Azonadepousoestavalimpaehaviasidoassegurada,eohelicópteroderesgateveioressoandodosul.

Os boinas-verdes ainda estavam em comunicação e falavam com opiloto, no campo da vila, que tinha ópio recém-plantado. Lembro que ashélices do helicóptero faziam uma estática verde luminescente no arnoturno.

E podia ouvi-lo vindo em nossa direção, uma aparição da forçaamericanananoite.Eraumrufarcompassado,ensurdecedor,estrondandomais do que ecoando, por entre os picos do Hindu Kush. Nenhumhelicóptero jamais rompeu a barreira de som com mais brutalidade. Osilênciodaquelasmontanhasrecuoudiantedoataquenoturnodedecibéis.Ochãotremeu.Apoeiraserevolvianumatempestadedeareia.Osmotoresrufavamemmeioaoarpurodamontanha.Foiosommaisbeloquejáouvinavida.

O helicóptero veio lentamente e pousou a alguns metros de nós. Oloadmasterpulouaosoloeabriuaportaprincipal.OscarasmeajudaramaentrarnacabineeGulabse juntouamim.Decolamos instantaneamenteenenhumdenósdoisolhouparaaescuridãoládefora,navilaapagadadeSabray. Eu, por saber que não conseguiríamos ver nada, e Gulab, pelaincertezadequandopoderiavoltarapassarporali.AsameaçasdoTalibãtantoaelequantoàsuafamíliaforammuitomaissériasdoqueelechegouaadmitir.

Eletinhamedodehelicópteroe icouagarradoaomeubraçodurantetoda a curta jornada até Asadabad. E, ali, ambos desembarcamos.Eu iaparaBagram,mas, por enquanto,Gulabdeveria icarnessabase, em seupróprio país e ajudar osmilitares americanos da forma que pudesse. Eulhe dei um abraço de despedida, nesse tribal tão impenetrável quearriscaraavidapormim.Elenãopareciaesperarnadaemretribuiçãoefiz

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minha última tentativa para lhe dar meu relógio. Mas ele recusou, comofizeranasquatrovezesanteriores.

Nossadespedidafoidolorosaparamim,porqueeunãotinhapalavrasemsualínguaparaexpressaraminhagratidão.Jamaissaberei,mastalvezele também teria dito algo a mim, se ao menos soubesse as palavras.Poderia ter sido algo afetuoso, como… bem… “Seu bastardo barulhento,vocêandaquenemumelefante, seu ilho-da-mãe ingrato.”Ou: “Oquehádeerradocomonossomelhorleitedecabra,seucuzão?”.

Masnãohavianadaquepudesseserdito.Euestavaindoparacasa.Eele talveznuncapudessevoltarparaasua.Nossoscaminhos,quehaviamse cruzado tão subitamente e com tanta intensidade, num encontro quemudaranossasvidas,estavamprestesaseseparar.

SubiabordodoimensoC-130rumoaBagram,devoltaàminhabase.Pousamosnapistaàs23h,exatamenteseisdiasequatrohorasdesdequeMikey,Axe,Dannye euhavíamosocupadoessemesmo local, deitadosnochão, olhando os picos nevados distantes, rindo, brincando, sempreotimistas, sem sabermos da prova de fogo que nos esperava no altodaquelasmontanhas.Menosdeumasemana.Pareciammilanos.

Fui saudado por quatro médicos e recebi toda a ajuda possível.Tambémhaviaumpequenogrupodeenfermeiras,aomenosumaquemeconhecia demeu trabalho como voluntário no hospital. As outras icaramestarrecidas ao me verem, mas essa enfermeira me deu uma olhada doaltodarampaecaiuemprantos.

De tãohorrívelqueeuestava.Perdera17kg,meu rostoestava todoralado pela queda da montanha, meu nariz quebrado precisava serconsertado, eu estava morrendo de dor em minha perna, meu pulsoquebradolatejava horrivelmente, assim como minhas costas, comoacontecequandovocêfissuratrêsvértebras.

A enfermeira apenas gritou: “Oh, Marcus!”, e se afastou chorando.Recuseiumamacaemeapoieinomédico, ignorandoador.Maselesabia.“Venha,companheiro”,disseele.“Vamoscolocá-lonamaca.”

Mas novamente sacudi a cabeça. Eu já havia tomado uma injeção demor inaetentei icarempésozinho.Virei-meparaomédico,olheiemseusolhosedisse:“Chegueiaquiandando,vouemboraandando,sozinho.Estouferido,masaindasouumSEALeelesnãomeliquidaram.Euvouandando”.

Omédicoapenasbalançouacabeça. Jáconheceramuitoscarascomoeuesabiaquediscutirnãoiaadiantarnada.Achoqueeleentendeuquesóhaviaumpensamentoemminhamente,queera:QuetipodeSEALeuseriase tivesse de ser ajudado a descer de uma aeronave? Não, senhor. Não vou

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concordarcomisso.Então,maisumavez,volteiaminhabaseoriginal,deslocando-mebem

devagaraodescerarampa,emmeupróprioritmo,atétocarosolo.Aessaaltura, notei que outras duas enfermeiras também estavam chorando. Elembro-me de ter pensado:Graças aDeus queminhamãe ainda não podemever.

Bem ali, acho que cedi. Os médicos e enfermeiras saíram correndoparameajudaremecolocaramnamacaedentrodeuma van, ediretoaumacamadehospital.Ahoradeatosheroicosjápassara.Euhaviaaturadotudo que essa porra desse país podia jogar em mim, passara por outraSemanaInfernal,comdezvezesapotênciaeagoraestavasalvo.

Na verdade, eu me sentia particularmente duro. A mor ina não eraboa como o ópio que haviam me dado. E a porra toda doía. Tinha meencontrado formalmente como líder SEAL, o comandanteKent Pero, queestavaacompanhadopelomeumédico,ocoronelCarlDickens.

Ele seguiu comigo navan, comandante Pero, um o icial SEAL de altapatente que sempre lembravameu primeiro nome, desde a primeira vezque nos encontráramos. Ele sentou-se ao meu lado, pegou meu braço eperguntoucomoeuestava.Lembro-mededizeraele: “Sim,senhor,estoubem”.

Masdepoisoouvidizer:“Marcus”.Eelebalançouacabeça.Epercebique aquele sujeito profundamente valente, chefe do meu chefe, tinhalágrimasrolandoporseurosto, lágrimasdealívio,acho,poreuestarvivo.Éengraçado,mas foi aprimeiravez, emmuito tempo,queeuestava comalguém que realmente se importava comigo, a primeira vez, desde queMikey,DannyeAxehaviammorrido.

Eacheiaquilo sufocante, edesmoroneialidentroda van.Quandomerecompus, o comandante Pero estava me perguntando se havia algo dequeeuprecisasse,pois,nãoimportavaoquefosse,eleconseguiria.

“Sim, senhor”, respondi, secando osmeus olhos no lençol. “Acha quepossoconseguirumcheeseburger?”

NoinstanteemquechegueiaBagram,liberaramainformaçãodemeuresgate.Euestavanasmãosdosmilitares faziaalgumashoras,mas sabiaqueaMarinhanãoqueriaqueninguémcomeçassea comemoraratéqueestivessebemeverdadeiramenteseguro.

A ligação percorreu o mundo como um míssil guiado: Bagram –Bahrein – SATCOMpara SPECWARCOM, emCoronado – com linha diretaparaosítio.

Aligaçãohabitualhaviasidofeita,àumahora,eelesesperavamoutra

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“sem notícias”, às quatro. Mas agora o telefone estava tocando às três.Cedo. E, segundo meu pai, quando o chefe Gothro foi até lá fora parachamar minha mãe, no meio da multidão, ela quase desmaiou. Em suacabeça,sópoderiahaverummotivopossívelparaaligaçãoeseriaamortedeseuanjinho(quesoueu).

O chefe Gothromeio que a carregou para dentro de casa e, quandochegaramaoquartoondeotelefoneestavainstalado,aprimeiracoisaqueela viu foi Morgan e meu outro irmão, Scottie, abraçados, chorandodescontroladamente.Todosachavamqueconheciamosmilitares.Sópodiahaver um motivo para a ligação. Eles haviam encontrado meu corpo namontanha.

O chefe Gothro foi quem levouminhamãe até o telefone e lhe disseque, independentementedoque fosse,ela teriadeenfrentar.Umavozdooutroladodalinhaperguntou:“Chefe,afamíliaestáreunida?”.

“Sim,senhor.”“Sr.esra.Luttrell?”“Sim”,sussurrouminhamãe.“Nós o encontramos, senhora. Encontramos o Marcus. E ele está

firme.”Minhamãe foicaindobemali,noquarto.Scottie foi rápidoe impediu

que ela caísse no chão.O tenente JJ Jones saiu correndopela porta, icouempénavarandaepediusilêncio.Depoiselegritou:“Elesoencontraram,pessoal!Marcusfoisalvo”.

Eles me contaram que o rugir que explodiu no meio daquelaspastagens solitárias, no interior do leste texano, podia ser ouvido emHouston, a quase cem quilômetros de distância. Morgan diz que não foiapenas um grito normal, foi espontâneo. Ensurdecedor. Todos juntosgritando,aplenospulmões,numextravasardealívioeprazer,paraminhamãe,meupaieminhafamília.

Aquilo sinalizou a conclusão de uma vigília de cinco dias, na qual foifeitoumzilhãodeprecesporumpessoaltementeaDeus;elesentendiamque, naquela fração de segundo depois do comunicado, aquelas preceshaviam sido atendidas. Para eles, foi uma con irmação de sua fé, daesperançaecrençaindestrutíveisdocapelãoSEALTreyVaughnetodososoutros.

Imediatamente, hastearam a bandeira, e as listras e estrelastremulavam no vento quente. E os SEALS deram os braços com aminhafamília,meusamigosemeusvizinhos,gentequetalveznuncamaisvolteasever,masqueagoraestavairrevogavelmenteligadaparaorestodeseus

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dias.Porque,segundominhamãe,ninguémpoderiaesqueceraquelebrevemomento que eles compartilharam, aquele instante tão esperado delibertação,quandoforampostosdeladoostemores.

Eu estava vivo. Acho que só precisava disso. E todos aqueles carasincríveis, comcorações imensoscomoaspradariasdoTexas, subitamenteexplodiramnocanto:“GodblessAmerica,landthatIlove…(DeusabençoeaAmérica,terraqueeuamo…)”.

Eramasra.Herzoggesuas ilhas;BillyShelton;ochefeGothro;minhamãe emeu pai; Morgan e Scottie; o tenente Andy Haffelle e sua esposa,Kristina; Eric Rooney; o comandante Jeff Bender; o Sargento Daniel; otenenteJJJonesetodososoutrosqueeujámencionei.Elesesperaramporissodurantecincodiasecinconoites.Eláestavaeu,asalvo,numacamadehospital, a 128 mil quilômetros de distância, pensando neles como elesestavampensandoemmim.

E, falando nisso, naquela hora, eu estava só pensando em algumaresposta esperta para dar para o Morgan, pois eles me disseram queestavaprestesaserconectadocomminhafamília,portelefone.Euachavaque Morgan estaria lá e, se eu pudesse arranjar algo que fosse bemesperto e casual, ele teria certeza de que eu estava bem. Claro que falarcomelenãoera tão importantequanto falar comaminhamãe.Morganeeu estivéramos ligadosdurante todoo tempo, da forma comogeralmenteacontececomirmãosgêmeos.

Por volta dessa hora,me designaram um acompanhante, o o icial deprimeiraclasseJeffDelapenta(EquipeSEAL10),quejamaissairiadomeulado.E,lembre-se,quasetodomundonessabasequeriavirbaterumpapo.Pelomenos,eraissoquepareciaparamim.MasJeffnãoquerianemsaber.Ficavadeguardaemmeuquartocomoumpastoralemão,dizendoqueeuestavamuito doente e precisava de paz e descanso e ele, PO1 Jeff, tinhaqueassegurarisso.

Médicos e enfermeiras, tudo bem. Comandantes SEALs de altapatente, bem… tudo bem. Mas só. Qualquer outro podia esquecer. JeffDelapenta recusou generais! Dizia-lhes que eu estava descansando, nãopodia serperturbado sobnenhumacircunstância. “Ordensexpressasdosmédicos…Senhor,deixá-loentrarnaquelequartocolocaráminhacarreiraemrisco.”

Converseiemparticular comminha família, ao telefone, emeabstivedemencionaràminhamãequehaviacontraídoalgumtipodebactérianasmontanhas afegãs que atacara o meu estômago como a “Vingança deMontezuma”, que se pega noMéxico. Juro por Deus, aquilo veio daquela

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porradaquela garrafadePepsi.Aquelaporcariapoderia ter envenenadotodaapopulaçãodoHinduKush.

Mas não fez com que eu deixasse de amar aquele primeirocheeseburger. E, logo que eu estava descansado, começou um intensorelato.Foialique iqueisabendodetodasasrami icaçõesdo lokhay,queopovo de Sabray estava realmente preparado para lutar pormim até quenãohouvessemaisninguémvivo.Umdoscarasdainteligênciamecontou,emdetalhes,oqueeususpeitara,masnuncativeracerteza.

Essas reuniões de relato revelaram dados su icientes para apontarprecisamenteolocalondeestavamoscorposdemeuscompanheiros.Efoimuitodi ícil paramim. Sóde olhar as fotogra ias,me torturando, reviver,de uma forma que ninguém poderia compreender, o lugar onde meumelhoramigotombou,novamenteimaginandoseeupoderiatê-losalvado.Será que eu poderia ter feitomais? Naquela noite, pela primeira vez, euouviMikegritar.

Emmeu terceiro dia no hospital, os corpos deMikey eDanny foramtrazidos das montanhas. Não conseguiram encontrar Axe. Disseram-meissoe,maistarde,naqueledia,eumevesti,sódecamisaejeans,paraqueodr.Dickensmedesseumacaronaatéacerimônia,umadasmaissagradastradiçõesSEAL,naqualdamosumadeusformalaumirmãoperdido.

Foi a primeira vez que alguém me via fora de meu uniforme eprovavelmente receberam um grande choque. Eu estava limpo earrumado,mas não muito como o Marcus que eles conheciam. E estavadoente por conta domeu encontro brutal com aquelamaldita garrafa dePepsi.

O C-130 estava estacionado na pista, com a rampa abaixada. Haviacerca de duzentos membros militares presentes, quando os Humveeschegaram,trazendooscaixões,cadaumdelesembrulhadocomabandeiraamericana.Etodos icaramemposiçãodesentido, instantaneamente,semquehouvessevozdecomando, conformeosSEALsseapresentaramparareceber seus irmãos. Lentamente, com imensa dignidade, ergueram oscaixões ao alto, depois carregaramos corposdeMikey eDanny, ao longodoscinquentametrosatéarampadaaeronave.

Eu me posicionei bem na traseira e os observei cuidadosamentelevando meus companheiros em seus primeiros passos de regresso aosEstados Unidos. Mil lembranças passavam ali à minha frente, como achoqueocorreriacomqualquerumquetivesseestadonocumedeMikey.

Danny despencando montanha abaixo, com o polegar arrancado,ainda atirando, alvejado repetidamente, levantando, enquanto eu o

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arrastava para longe, erguendo seu ri le paramirar o inimigomais umavez, ainda atirando, desa iador, um guerreiro até o último suspiro. E lávinhaele,naquelecaixãodemadeirapolida.

Na frente, estavao caixãoque traziaMikeMurphy,nossoo icial, queadentraraatempestadedetirosparafazeraúltimaligaçãodeseutelefonecelular, aquela que o colocaria em perigo mortal, a chance que eleacreditavanossalvariaatodos.

Alvejado pelo Talibã nas costas, com o sangue escorrendo em seupeito, o telefone caiu na poeira e ele o pegou. “Entendido, senhor.Obrigado.”Houvealguémmaiscorajosoqueele?Lembro-medeter icadoimpressionadopelaformacomoeleselevantouecaminhouatémim,altoeereto,aturandoostirosatéqueeles inalmentearrancaramumpedaçodesuacabeça.“Marcus,issotáumabosta.”

Naquelemomento,eleestavacerto.Eestácertoagora.Eraumabosta.Conforme levavam Mikey para o avião, eu tentava pensar num epitá iopara o meu melhor amigo, e só pude pensar no poema escrito peloaustraliano Banjo Paterson, imagino que para um de seus ídolos, comoMikeyeraomeu:

Eleeraduro,valenteede ibra–dotipoquenãotransmiteaideiadamorteHaviacoragememseupassorápidoeimpaciente;Etraziaoemblemadadisposiçãoemseusolhosdebrilhoferoz,E,nacabeça,altivezeorgulholatente.

Esse era precisamente o tenente Michael Patrick Murphy. Podecon iaremmim,quantoaisso.Moreicomele,treineicomele,luteicomele,ri com ele e quase morri com ele. Cada palavra desse poema foi escritaparaele.

E agora o estão carregando, passando pela multidão, por mim, esubitamente meus comandantes vieram e me disseram que seriaapropriado que eu icasse ao lado da rampa. Então, fui até lá e iquei omaiseretoqueminhascostaspermitiam.

Ocapelãoseaproximoudarampaeoscaixõesforamdeslocadosparadiante,eelecomeçou,solenemente.Seiquenãoeraumfuneral,nãooquesuas famílias fariam em nossa terra, nos Estados Unidos. Esse era nossofuneral,momentoemquenós, suaoutra família, todosservindo juntosnoexterior, daríamos nosso último adeus a dois grandes homens. A voz dopadre era suave, perto da aeronave. Ele icou ali falando da vida deles e

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pedindoaDeusumúltimofavor:“Quealuzeternabrilhassesobreeles…”Fiquei olhando, enquanto setenta pessoas, SEALs,rangers e boinas-

verdes, se aproximavam e passavam vagarosamente, entravam naaeronave, paravam, saudavam com grande solenidade, depoisdesembarcavam.Fiqueinosoloatéoúltimopassar.Depois,tambémsubiarampalentamente,atéolugarondeestavamoscaixões.

Ládentro,atrásdoSEALqueestavaacompanhandooscaixões,viumcombatente veterano muito valente, o o icial Ben Saunders, um dosmelhores amigos de Danny, chorando descontroladamente. Ben era umgarotodurãodasmontanhasdooestedaVirginia,especialistaemtrilhasealpinista,meio espiritual em relação à terra selvagem. E agora ele estavana antepara, triste demais para sair, arrasado demais para descer osdegraus.(EleeradaEquipeSDV2,assimcomoDanny.)

EumeajoelheipertodoscaixõesedeimeuadeusaDanny.Depoismevirei aoque continhaMikey e coloqueimeusbraços ao redor e achoquedisse: “Sinto muito. Sinto muito, mesmo”. Não lembro muito claramente.Maslembrocomomesenti.Lembroquenãosabiaoquefazer.Lembroemterpensadoque os restos deMikey logo seriam levados e como algumaspessoas iriamesquecê-lo, outras lembrariamdele ligeiramentee algumaslembrariambem,comafeição,queeusei.

Mas a morte de Mikey não afetaria ninguém como afetaria a mim.Ninguém sentiria sua falta da mesma forma que eu. Nem sentiria a suador, nem ouviria o seu grito. Ninguém encontrariaMikey namadrugada,em seus piores pesadelos, como eu. E aindame importo comele, e aindameperguntosehaviamfeitoosuficienteporele.Comoeufaço.

Saí da aeronave e caminhei sem auxílio até o último degrau. O dr.Dickensmelevoudevoltaatéohospital.Fiqueiali,ouvindoadecolagemdoC-130,escutandoseurugirpelapista,levandoMikeyeDannyrumoaosolpoente,milhasemilhasmaispertodocéu.

Easpalavrasdemilfuneraissurgiamemminhamente:“Otemponãovaimudá-los, nem os anos condená-los. Iremos nos lembrar deles com onascereopôrdosol”.Bemali, emminhacama,emBagram,Afeganistão,euestavafazendominhaprópriahomenagemmilitaraosmeusdoisamigosmortos.

Minha nova preocupação era Axe. Onde estava ele? Certamente nãoteriasobrevivido.Masoscarasnãoconseguiamencontrá-loeissoeramau.Eumostraraoburacoondenósdoisdescansávamos,aguardandoamorte,enquantooTalibãabriafogocontranós,portrásdasrochas,e inalmentenosexplodiu,acéuaberto.

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Eu havia sobrevivido,mas não tinha sido alvejado cinco vezes, comoAxe.Esabiamilimetricamenteondeeleestavadaúltimavezemqueovira.Falei novamente comos caras e o comando SEALnão ia deixá-lo ali. Elesiam voltar. Dessa vez, com a maior quantidade possível de informaçõesmaispessoalemaisorientaçãolocal.

Sugeri que encontrassem o ancião de Sabray, se ainda morasse lá.Porque,detodasaspessoas,eraelequemcertamentepoderialevá-losatéo SEAL morto. Foi quando soube do pessoal da inteligência que ocavalheiro a quem eu me referia era o cabeça das três vilas que nósobservávamos.EleeraumhomemaltamentereverenciadonoHinduKush,pois aquela cultura não venera a juventude e a celebridade televisivabarata.Aquelestribaislouvam,acimadetodasascoisas,oconhecimento,aexperiênciaeasabedoria.

Imediatamenteocontatamose,algunsdiasdepois,omesmovelhinho,pai de Gulab, meu protetor, caminhou pelas montanhas novamente, portalvezseisouoitoquilômetros.DessavezeleestavaliderandoumaequipeSEAL, do Pelotão Alfa, que tinha vários dos meus companheiros, Mario,Corey, Garrett, Steve, Sean, Jim e James. (Sem sobrenomes. Caras deOperaçõesEspeciaisnaativa,certo?)

Também havia um grupo do Pelotão Echo. Eles passaram o dia todopercorrendo a encosta da montanha íngreme e levaram água e comidaextra,casolevassemaistempo.MasdessaveznãovoltariamsemAxe.Não,senhor.Nuncadeixamosninguémsozinho.

Oidosomal faloucomeles.Masos levouaoexato localondeestavaocorpodeMatthewGeneAxelson.Seurostohaviasidodes iguradocomostiros a curta distância, daquela forma singular e antiga que oTalibã faz,quando encontra um americano ferido mortalmente. A propósito, sealguém se atrever a dizer as palavras Convenção de Genebra enquantoestouescrevendoisso,possoperderocontrole.

Dequalquerforma,encontraramAxe,combalasderi lequeoTalibãdetonaraemseurostoenquantoelemorria,damesmaformacomohaviamfeito comMikey.MasAxe estava num lugar diferente de onde eu pensei.Seiqueambosfomosjogadosparaforadoburacopelagranada,poiseucaínoprecipício.MasAxeestavaalgunsmetrosadiante.Ninguémsabecomoelefoipararlá.

Axe ainda tinha três pentes para sua pistola quando a granada nosatingiu.Mas, quandoo encontraram, ele estavanoúltimo.E isso sópodiasigni icar uma coisa: Axe deve ter continuado a lutar, depois de terrecobrado a consciência após a explosão, partindo para cima daqueles

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bastardos novamente, talvez disparando mais trinta tiros neles;provavelmente os deixou malucos. Acho que deve ter sido por isso que,quandoelesucumbiuaosseusterríveisferimentos,eleslhederamaquelebárbarofimtribal.

EuachavaqueAudieMurphyeraomáximodoguerreiroamericano.Agora não. Não mais. E isso me entristece mais do que posso dizer,pensandonoqueeles izeram,no im.MikeyeAxe.IssoentristecedemaisoMorgan, ninguém pode sequermencionar o nome de Axe sem que elesaia da sala. Acho que você teria de conhecê-lo para entender isso. NãohaviamuitoscomoMatthewAxelson.

Bem,quando trouxeramAxe, eu já tinhapartido.Elesmemandaramnumvoo, nodia 8 de julho, noBoeingmilitar C-141, numa longa jornadaaté a Alemanha. Jeff Delapenta me acompanhou, jamais saindo do meulado. E, lá, dei entrada no centro médico da base da força aérea, emLanstuhl, próximo à fronteira oeste com a França, a aproximadamentenoventaquilômetrosasudoestedeFrankfurt.

Fiqueilácercadenovedias,merecuperandoerecebendotratamentoemmeus ferimentos e terapia ortopédica para a coluna, ombro e punho.Mas aquele germe da garrafa da Pepsi não saía de meu estômago.Demonstrougranderesistênciadurante longosmesese tornoudi ícilqueeu recuperasse meu peso. Mas superei aquilo e inalmente deixei aAlemanha para a jornada de 64mil quilômetros de volta aos EUA.Dessavez, o tenente Clint Burk, meu parceiro de nado no BUD/S meacompanhou, junto com o dr. Dickens. Clint e eu sempre fôramos amigospróximos,eajornadapassoubemrápido.ViajamosnoC-17,umcargueiro,láemcima,naprimeiraclasse…bem,quase.Masestávamosempoltronas.Foiótimo.E,novehorasdepois,pousamosemMaryland.DepoisaMarinhanosarranjouumacaronanojatodeumsenador.

E acho que regressei com certo estilo, ao aeroporto de San Antonio,Texas,que icaaquase320quilômetrosaoestedeHouston,descendopelaRoute10,sobreorioColorado.AchoquefalaramalgosobremelevarparaSan Diego, mas, aparentemente, Morgan simplesmente disse: “Podeesquecertudoisso.Elevempracasaeeuvoubuscá-lo”.

Morgan, meu irmão caçula Scottie e os SEALs tenentes JJ e JTentraram na caminhonete da família e atravessaram o estado da EstrelaSolitáriaparapegaro irmãoque amídia lhesdisseraquehaviamorrido.Não pude acreditar quando vi todos eles ali,me esperando, quandomeujatoparticularpousou.

Houve algumas lágrimas de todos nós. Acho que eram lágrimas de

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felicidade,poiselestodostinhamvividosobamaissombriadasameaças,adequejamaisvoltaríamosanosver.Tenhodeadmitirqueaideiatambémpassouporminhacabeçaalgumasvezes.

Mas eu me lembro mais do riso. “Jesus, você está horrível”, disseMorgan. “A mãe vai ter um colapso nervoso quando te vir.” Aquilo melembrou o que eu havia dito a Axe quando ele foi ferido fatalmente, namontanha:“Ei,cara,vocêtátodofodido”.

Éapenasaformacomofalamosunscomosoutros.Lembre-sedequeMorganéumSEALe suaspalavras,mesmopara seu irmãogêmeo, eramrepletasdehumor, como todasaspalavrasque trocamos.Umdia, poderáserMorgan o encurralado namontanha, e eu esperandopor ele, fora demimdetantapreocupação, temendoporsuavida.Maseume lembroqueeledissequemeamava,assimcomoScottie.Eaquilosigni icoumuitoparamim.

Na ausência do comandante Pero, Scottie se apressou a buscar umsaco cheio decheeseburgers paraa jornadade cincohoras até emcasa, efomosgargalhandopelocaminho,atravésdoTexas;eu,diminuindominhaprovação, dizendo que não fora tanto assim, o que nenhum delesacreditava. Acho que seria impossível icar com uma aparência tão ruimquantoaminhaserealmentenãotivessesidotantacoisa.

Mas nós nos divertimos e, no inal, eu lhes contei um pouco do ladosério e horrendo. Morgan chorou como uma criança quando lhe conteisobreAxe.Todos icamosmuitoquietosenquanto issoacontecia,poisnãohaviapalavrasquepudessemconfortá-lo,nadaquepudesseserditoparaaliviarsuatristeza.Demeupontodevista, jamaishaverá.ÉomesmoqueeueMikey.

Acabamos chegando aonosso cantinhodo leste doTexas. Estávamostodosjuntosquandoentramosdecarroporaquelaestradalarga,deterravermelha, que dava no sítio, o lar que pensei que jamais voltaria a ver.Aqueles carvalhos imensos dominando o lugar e os cães do papai vindocorrendo para nos encontrar, latindo que nem malucos, com a Emmasemprenafrente,abanandoorabo,comosesoubessedealgumacoisaqueosoutrosnãosabiam.

Comoeradeseesperar,minhamãedesabouemlágrimasaomever,pois eu ainda estava cerca de dezessete quilos mais magro do que naúltima vez em que ela me vira. E acho que parecia estar muito doente.Nunca contei a ela sobre a maldita garrafa cheia de tifo da Pepsi. Haviamuitagentedasredondezasaguardandoparamecumprimentar.

Na época, eu não sabia que aquelas pessoas haviam formado o

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alicercedavigíliadecincodiasqueocorreranapropriedade,enquantoeuestavadesaparecido.Umavigíliaparaaqualninguémhaviasidoconvidadoeninguémsabiaqueosoutrosestariamlá;umavigíliaquenasceudapuraamizade e preocupação, que começou com a profecia melancólica eesperanças tênues, mas terminou com a terra iluminada pelo sol e aspreces atendidas. Eu mal pude acreditar quando ouvi o que tinhaacontecido.

Ainda assim, ali, à minha frente, estava a prova viva do amor queessestexanostiverampormimepeloqueeutentavafazerpormeupaís.Eveio na forma de uma casa de pedras novinha em folha, erguida numanova parte asfaltada do quintal, talvez a seis metros da casa principal.Tinha dois andares, com uma varanda larga no andar de cima, ao redordosquartos,comumchuveiroalto,parededepedras, feitoespecialmenteparamim.Pordentro,acasaestavaperfeitamentedecorada,acarpetadaemobiliada,comumaimensatelevisãoplasma.

“Comoéque isso veioparar aqui?”, perguntei àminhamãe. E o queelame disse, me deixou pasmo. Aquilo começara com uma visita, depoisque a vigília havia terminado, deum texanomaravilhoso, donode terras,chamado ScottWhitehead. Ele era apenas umdos tantos que vieram vermeuspaiseexpressarsuafelicidadeporeutersidoencontrado.Aliás,elenãoconheciaminhafamília.

E antes de partir ele explicou que tinha um amigo muito próximo,dono de uma construtora de Houston, e perguntou se havia algo queMarcuspudessegostar,quandovoltasseparacasa.

Minhamãe explicou que eu sempre quisera um pequeno espaço sópara mim, onde eu poderia… bem… icarrelax, como o falecido ShanePattonsemdúvidasdiria.Etalvezumapequenaampliaçãodemeuquartotérreo fosse legal. Ela estavapensando emalgo barato que talvez ela e opapaipudessempagar.

Disseelaqueoqueaconteceuaseguirfoiachegadadosdoismaiorescaminhões que ela já vira na vida, acompanhados por uma escavadeiramecânica, alguns arquitetos e engenheiros e só Deus sabe o que mais.Então, diz minha mãe, uma equipe de trinta caras, trabalhando vinte equatrohoraspordia,emturnos,meconstruíramumacasaemtrêsdias!

ScottWhiteheaddissequeestavaorgulhosoporterfeitoumpequenofavoraumgrandetexano(Cristo!Achoqueeleestavafalandodemim).Eainda liga para minha mãe todos os dias, só para ver se estamos todosbem.

Dequalquer forma,Morganeeunosmudamospara lá,deixandoum

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espaço para a quantidade de SEALs que vinham nos ver. E eu iquei emcasacoma família,descansandoporduassemanas, tempoemqueminhamãetravouumadurabatalhacomogermedagarrafadePepsi, tentandofazercomqueeuganhassealgumpeso.

Os rapazes de Scott Whitehead haviam pensado em tudo. Eles atéligaram o telefone da casa com a minha nova residência, e a primeiraligação que recebi foi uma grande surpresa. Atendi ao telefone e a vozdisse:“Marcus,aquiéoGeorgeBush.Eufuioquadragésimoprimeiro”.

Jesus! Era o quadragésimo primeiro presidente dos Estados Unidos.Eusoubedissoimediatamente.OpresidenteBushmoraemHouston.

“Sim,senhor”,respondi.“Euseiexatamentequeméosenhor.”“Bem, só ligueiparadizeroquantonós todosestamosorgulhososde

você. E meu ilho está muito orgulhoso e quer que você saiba que osEstados Unidos estão muito orgulhosos de você, de sua bravura emcombate.”

Minhanossa,decaradavaparaverqueeleeraummilitar.Eusabiasobre seu histórico como piloto de bombardeiros-torpedo no Pací ico, naSegundaGuerraMundial,derrubadopelos japoneses, condecoradocomaFlyingCross.OhomemqueindicouogeneralColinPowellcomopresidenteda Joint Chiefs (agência que presta consultoria ao presidente sobrequestõesmilitares).VencedordaguerradoGolfo.

Você está brincando! “SouoGeorge, quadragésimoprimeiro, ligandopara dizer que estou orgulhosode você!”Aquela realmentemequebrou.Ele disse que, se eu precisasse de alguma coisa, independentementedoque fosse, devia ligar para ele. Depoisme deu seu telefone. Que tal? Eu,Marcus? Quero dizer, Jesus, ele não precisava fazer isso. Os texanos nãosão as pessoasmais legais domundo? Talvez você não ache,mas apostoqueentendeoquequerodizer.

Fiquei vibrando pela ligação do presidente Bush. E lhe agradeci,sinceramente.No inal,euapenasdisse:“Seprecisar,podedeixarquevouligar,senhor.Sim,senhor.”

Porvoltademeadosdeagosto,aindanaMarinhaamericana,tivequevoltarparaoHavaí (EquipeSDV1).Duranteasminhasduas semanas lá,recebi uma visita do chefe de operações navais, almirante Mike Mullin,vindodiretodoPentágono.

Ele me pediu que fosse até o escritório do o icial de comando e mepromoveu alimesmo,me tornando um tenente o icial de primeira classe,sempapofurado.

EleéocabeçadaMarinha.Eaquelafoiamaiorhonraqueeujáhavia

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recebido.Foiummomentoque jamaisesquecerei,ali,empé,napresençado almiranteMullin. Eleme disse que estavamuito orgulhoso demim. Enãodáparairmuitomaislongequeisso.Euquasetiveumtroço.

Talvez os civis possam não entender por que uma honra como essasigni icaomundopara todosnós;aquelereconhecimentosagradodequevocê serviu bem ao seu país, de que cumpriu seu dever e, de algumaforma,atendeuàsmaisaltasexpectativas.

Embora isso possa parecer um ritual estranho numa tribo de paísestrangeiro,meiocomoo lokhay,provavelmente,esperoquevocêentendaoquequerodizer.

De qualquer forma, ele me perguntou se havia alguma coisa quepudesse fazer por mim e lhe disse que só havia uma coisa. Eu traziacomigooemblemadoTexas,queusaranopeito,ao longodomeuserviçonoAfeganistão,lutandocontraoTalibãeaal-Qaeda.Éoemblemaquetraza Estrela Solitária. Ele estava queimado por causa da explosão daúltimagranada, e ainda havia respingos de sangue, embora eu tivesse tentadolimpar.MaseuoembrulheiemplásticoedavaparaveraEstreladoTexasclaramente.EpergunteiseoalmiranteMullinpoderiadá-loaopresidentedosEstadosUnidos.

Ele respondeu que certamente o faria e que acreditava que opresidenteGeorgeW.Bushficariahonradoemtê-lo.

“Você gostaria de mandar uma breve carta ao presidente, paraacompanharoemblemadabatalha?”,perguntouoalmiranteMullin.

Maseulhedissequenão.“Ficariagratoseosenhorapenaslhedesseisso,senhor.OpresidenteBushétexano.Eleentenderá.”

Eu também tinha outro pedido a fazer, mas me restringi aos meussuperioresdiretos.EuqueriavoltaraoBahreinereencontrarmeupessoalda Equipe SDV 1, e inalmente trazê-los para casa, após a conclusão denossamissão.

“Parti comeles equerovoltar comeles”, eudisse, emeubomamigoMario,o icialencarregadopeloPelotãoAlfa,achouqueseriaapropriado.E,em12desetembrode2005,euvoeidevoltaaoOrienteMédio,pousandona base aérea americana na ilha deMuharraq,mesmo lugar de onde euhavia partido com Mikey, Axe, Shane, James e Dan Healy, rumo aoAfeganistão,cincomesesantes.Eueraoúnicoquehaviasobrado.

Elesmelevaramdecarroatéaestrada,devoltaàbaseamericana,napontanordestedopaís,naperiferiaoestedacapitaldoBahrein,Manama.Seguimosdecarroatéa regiãocentraldacidade,passandopelos lugaresondeaspessoasdeixavamclarooódioquesentiampornóseadmitoque

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dessavezhaviaumcertoreceioemminhaalma.Agoraeusabiaoqueeraoódiodosjihadistas.

Euestavareunidocommeupessoale iqueinoBahreinatéo inaldeoutubro. Então, todos voltamos ao Havaí, enquanto me preparava paraoutra jornada árdua, a que prometera amimmesmo e aosmeus amigosque haviam partido, em minhas preces, e prometera às famílias. Eupretendia ver todos os parentes e explicar a conduta exemplardemonstradaportodososseus ilhos,maridoseirmãos,nalinhadefrentedebatalha,contraoterrormundial.

De certa forma, suponho que estivesse preenchendo uma parteminha,queeuperderaaovertodoopesartransbordando,conformemeuscompanheiros de equipe voltavam, um a um, do Afeganistão. Eu haviaperdido os funerais, cuja maioria ocorreu antes de meu regresso. E ashomenagens póstumas, impecavelmente conduzidas pela Marinha, aosmeuscamaradasfalecidos.

O funeral do tenente Mikey Murphy, por exemplo, em Long Island,Nova York, foi enorme. Eles fecharam estradas inteiras, estradasmovimentadas. Havia cartazes pendurados pela via expressa, na LongIslandExpressway, emmemóriadoSEALquepagaraopreçomáximonalutacontraoscombatentesdaal-Qaeda.

Havia escolta policial para o cortejo e milhares de pessoas comunsapareceram para prestar suas últimas homenagens a um ilho local, quedera tudopor seupaís. E eles nem sequer sabiamumquartodoque elehaviadado.Ninguémsabia.Excetoeu.

Vi uma fotogra ia do enterro, ao lado do túmulo. A cerimôniaaconteceu sobuma chuva torrencial, todos estavamensopados, os SEALs,com seus rostos petri icados, de uniforme de gala, solenes, imóveis sob atempestade,enquantobaixavamMikeynosilêncioeternodasepultura.

Todos os corpos haviam vindo em voos com acompanhantes SEALsuniformizadosmantendo guarda ao ladodo caixão cobertopela bandeiraamericana. Como eu já falei, mesmo na morte, jamais deixamos alguémparatrás.

Fecharam o aeroporto Internacional de Los Angeles para a chegadado avião que trazia James Suh. Pousos e decolagens foram proibidosenquanto a aeronave fazia a aproximação para pouso. Nada, até que oacompanhantetivessetrazidoocaixãoatéocarrofunerário.

OestadodoColoradoquasefechouparaachegadadocorpodeDannyDietz, pois a história de seu heroísmo na montanha havia, de algumamaneira, vazado para a imprensa. Mas, como os bons cidadãos de Long

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Island, o povo do Colorado jamais soube nem um quarto do que aqueleguerreiropoderosofizeradiantedoinimigo,emnomedenossanação.

E realmente fecharam toda a cidade de Chico, no nordeste daCalifórnia,quandoAxechegou.Éumacidadepequena,situadaacercade120 quilômetros ao norte de Sacramento, com seu próprio aeroportomunicipal.Oacompanhante foiencontradoporumaguardadehonraquecarregou o caixão diante de uma imensa multidão, e o funeral, um diadepois,paroutudo,causandoterríveisengarrafamentos.

Simplesmenteeramapenaspessoasquetentavamprestarsuaúltimahomenagem. O mesmo acontecia em todos os lugares. Fico com aimpressão de que, independentemente de quanta hostilidade sejadirecionada a nós pela imprensa liberal, o povo americano simplesmentenãoacredita.Eles icamcorretamenteorgulhososdas forçasarmadasdosEstadosUnidos da América. Possuemum entendimento nato daquilo quefazemos. E, não importa a quantidade de veneno sobre nossa alegadabrutalidade, desrespeito à Convenção de Genebra e abuso dos direitoshumanosdos terroristas, issonão irámudar a forma comoamaioriadaspessoaspensa.

Duvido que qualquer editor da mídia fosse ganhar uma recepçãocomoosSEALsganharam,emboraessescombatentestenhamobtidoseusmomentos de ápice na privacidade impingida do Hindu Kush. Talvez amídia tenha oferecido ao público americano um cálice envenenado edepoiselesmesmosacabarambebendo.

Alguns membros da mídia pensam que podem fazer uma lavagemcerebral nopúblico, a qualquer hora quedesejarem,mas eu sei quenãopodem.Aqui,não.NãonosEstadosUnidosdaAmérica.

Em nossa longa jornada para visitar os parentes, certamente fomosrecebidos apenas com ternura, amizade e gratidão, como representantesda Marinha americana. Acho que nossa presença naqueles laresespalhados por todo o país demonstrou, de uma vez por todas, que aslembrançasdaqueles homens amados sempre serão guardadas comcarinho, não apenas pelas famílias, mas pela Marinha em que elesserviram. Porque a Marinha dos EUA se preocupa profundamente comessasquestões.Acrediteemmim,elesrealmentesepreocupam.

No momento em que sugeri aos meus superiores que os membrosrestantes do Pelotão Alfa deveriam fazer a jornada, a Marinha ofereceuseuapoioe imediatamenteconcordouquetodosnósdeveríamos ir,equepagariaporcadadólarqueaviagemcustasse.

ChegamosdevoltaaSanDiegoealugamostrêscaminhonetes.Depois

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dirigimosatéLasVegas,paraencontrarafamíliadomeuassistente,ShanePatton,quemorreunaexplosãodohelicóptero,namontanha.ChegamosnoDia dos Veteranos. Fizeram-nos convidados de honra na cerimôniafúnebre.Foimuito tristeparamim.OpaideShanehavia sidoumSEALeeleentendiaoquantoeuconheciaseufilho.Fizomelhorquepude.

Então, pegamos um voo atéNova York, para ver amãe e a noiva deMikey, e depois segui paraWashington,D.C., para ver os pais do tenentecomandante Eric Kristensen, nosso comandante em exercício, o SEALveteranoeo icialdecomandoquelargoutudoqueestavafazendonaquelatardeesaiucorrendoparaohelicóptero,juntocomopessoal,en iandoumpenteemseuri leedizendoaelesqueMikeyprecisavadetodasasarmasquepudesseconseguir.AchoquefoicomEricqueMikeyfalou,quandofezaquelaúltimaefatalligaçãotelefônica.

Eu disse ao almirante Kristensen, seu pai, que Eric sempre foi umherói paramim, como era para todos aqueles quemorreram com ele namontanha.NossocomandantefoienterradonaAcademiaNavalAmericana,emAnnapolis.

Depois, seguimosparao cemitérionacionaldeArlington,paravisitaros túmulos do tenenteMikeMcGreevy Jr., e do o icial de primeira classeJeff Lucas, de Corbett, Oregon. Ambos morreram no helicóptero e foramenterrados ladoa lado,emArlington,da formacomomorreramnoHinduKush.

Aseguir,pegamosumvoo,atravessandoopaísparavisitara imensafamília do o icial James Suh. Todos foram ao cemitério fazer uma preceparaumdoscarasmaispopularesdopelotão.

OchefeDanHealyestáenterradonocemitériomilitaremPointLoma,San Diego, não muito longe de Coronado. Todos izemos a jornada até onortedaCalifórniaparaversuafamília.DepoisfomosdecarroatéChico,econteiaCindy,esposadeAxe,sobreacoragemcomqueele lutou,oheróiqueera,equesuasúltimaspalavrasparamim,foram:“DigaaCindyqueaamo”.

Danny Dietz era do Colorado e foi enterrado lá. Mas sua famíliamorava emVirginia, próximo à base deVirginiaBeach. Fui ver sua lindaesposade cabelos escuros, Patsy, e tentei omelhorpara explicar opapelessencial que ele tivera em nossa equipe e a forma como, no inal, eletombou lutando com a coragemmáxima de umhomemque já servira asforçasarmadasamericanas.

MasumpesarcomooquePatsysentiaémuitodi ícildeabrandar.Seiqueelasentiaquesuaperdadespedaçarasuavidade forma irrevogável,

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mastentariarecompô-la.EstavacomosdoiscachorrõesdeDannye,antesque eu saísse, ela disse: “Eu simplesmente sei que jamais haverá outrohomemcomoDanny”.

Nãotenhodúvidaalgumaquantoaisso.Conforme o ano foi terminando, meus ferimentos melhoraram, mas

permanecerame fuimandadodevoltaaCoronado.DeixeiaEquipeSDTV1e ingresseinaEquipeSEAL5,naqual fuidesignadoo icialde liderançado Pelotão Alfa. Como todos os pelotões SEAL, há o o icial responsável, ochefeencarregadoeodeliderançaéqueoadministra.Elesatémederamuma mesa e o o icial em comando, o comandante Rico Lenway,instantaneamente se tornou um pai para mim, assim como o chefe PeteNaschek,umsupercaraeveteranodetudoquantoélugar.

Masfoiumaépocademuitare lexãoparamim,voltandoaCoronado,ondeeunãoviveradesdeoBUD/S,seteanosantes.Volteiatéapraiaondeaprendi a realidade da vida de um SEAL e o que era esperado que eutolerasse;ofrio,ofriocongelanteeador;ahabilidadedeobedeceraumaordem instantaneamente, sem questionar, sem rancor, os alicerces denossadisciplina.

Ali, eu havia corrido, pulado, levantado, feito lexões, nadado, medebatido,emeesforçaraatéo limitedeminhavida.Dealguma forma,euhavia seguido em frente, enquanto outros caíam aomeu lado.Ummilhãode esperanças e sonhos haviam sido destroçados bem ali, nessas areiasmolhadaspelomar.Masnãoosmeus,eeutinhaumasensaçãoengraçadadeque,paramim,essapraiaseriaeternamenteassombradapelojovemeesforçadoMarcusLuttrell,trabalhandoparasemanteremforma.

Caminhei até as primeiras barracas e quase pulei para fora dasminhasbotasquandoaquelealto-falanteuivantedaplataformaentrouemação. E fui até o moedor, onde os comandantes SEALs inalmente mecumprimentaram ternamente, apósme concederemmeu Tridente. Onde,pelaprimeiravez,aperteiamãodoalmiranteJoeMaguire.

OlheiosinosilenciosoemfrenteaoescritóriodoBUD/Seolugarondeos desistentes colocavam seus capacetes. Logo haveria muitos capacetesali, quando a nova turma do BUD/S começasse. Da última vez que euestiveraaqui,vestiameuuniformedegala,juntocomumgrupoimpecáveldenovosSEALs,commuitosdosquaisservi,logodepois.

Emeocorreuquequalquerumdeles,emqualquerdia, teria feitoasmesmascoisasqueeu iz, emminhaúltimamissãode combate,noHinduKush.Eunãoeradiferenteemnada.Esperavaapenasseromesmogarototexano do interior que passara pelo maior sistema de treinamento do

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planeta, comosmelhores caras que alguémpode conhecer.Os SEALs, osguerreiros, a linha de frente do músculo militar dos Estados Unidos. Euaindaficocomumbolonagargantaquandopensoemquemsomos.

Lembroqueminhascostasdoíamumpouquinho,enquantoestavaaliem pé, no moedor, perdido em meus pensamentos, e meu punho, comosempre, doía, por causa de outra operação. E suponho que no fundosoubesse que jamais seria omesmo isicamente, nuncamais poderia sertãoduroemcombatecomoforaantes,porquenãodoucontadascorridaseescaladas.Masnuncativeumnívelolímpico!

Noentanto,vivimeusonhoeumpoucomais,eachoquesempreirãome perguntar se tudo isso acabou valendo a pena. E minha respostasempreseráamesmaqueeufrequentementedava,emmeuprimeirodia.

“A irmativo, senhor.” Porque passei por tudo e tenho minhaslembrançasenãotrocarianada,nempelomundointeiro.EusouumSEALdosEstadosUnidos.

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EPÍLOGO:ESTRELASOLITÁRIA

Em 13 de setembro de 2005, Danny Dietz e Matthew Axelson foramcondecoradoscomamaisaltahonraquepodeserconcedidaaalguémpelaMarinhaoupelosFuzileirosNavaisdosEstadosUnidos–aCruzNavalporheroísmoemcombate.FuiatéaCasaBrancaparareceberaminha,em18dejulhodoanoseguinte.

Estavaacompanhadodosmeusirmãos,MorganeScottie,minhamãeemeupai,emeugrandeamigoAbbie.OcomandanteLenwayechefe-mestrePeteNaschek,ambosdaEquipeSEAL5,tambémestavamlá,comotenenteDrexler,assistentedoalmiranteMaguire.

Emtrajedegalaazul,commeubrochedecoraçãoroxopresonopeito,perto demeuTridente, entrei no SalãoOval. GeorgeW.Bush, presidentedosEstadosUnidos,selevantouparamecumprimentar.

“Éumahonraconhecê-lo,senhor”,eudisse.E o presidente me deu aquele seu sorrisinho, que interpretei como

“Somos ambos texanos, certo?”. E ele disse, com um ar sabedor: “É umprazerconhecê-lo,filho”.

Ele olhou o gesso em meu punho esquerdo e eu lhe disse: “Estoutentandovoltaràluta,senhor”.

Aperteisuamãoeeletinhaumapertodemãoforte.Olhou-medentrodos olhos, com um olhar forte, ixo. A última vez que alguémme olharaassimforaBenSharmak,noAfeganistão.Masaqueleeraumolharnascidodoódio.Esseeraumolharentrecamaradas.

Nossoapertodemãofoidemoradoe,paramim,profundo.Aqueleerameu comandante supremo e agora eu tinha toda a sua atenção, como euteria, toda vez que ele falasse comigo. O presidente Bush faz isso comnaturalidade,falandocomosenãohouvessemaisninguémnasala.Aqueleeraumhomempoderoso.

Lembro que queria lhe dizer que todos os meus amigos o amam,acreditamnele,equeestamosprontosparafazertudoporele,aqualquerhora que precise.Mas ele sabe disso. Ele é o nosso cara. Até Shane, comseu casaco de pele de leopardo, reconhecia nosso comandante supremo

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comoumverdadeiro“compadre”.OpresidenteBushpareciasaberoqueeuestavapensando.Eeleme

deuumtapanoombroedisse: “Obrigado,Marcus.Estoumuitoorgulhosodevocê,filho”.

Nãotenhopalavrasparadescreveroqueaquilosigni icouparamim,o quanto foi importante. Fiquei atento enquanto o tenente Drexler leuminha citação. E o presidente,mais uma vez, veio atémim. Ele tinha nasmãos a fabulosa Cruz Naval, com seu laço azul-escuro que é traçado nomeioporumalistrabrancaquesignificaaabnegação.

Acruz,emsi,exibeumnaviodaMarinhacercadoporumaguirlanda.OpresidenteaprendeudiretamenteabaixodemeuTridente.Eeledisse,novamente: “Marcus, estou muito orgulhoso de você. E gosto muito dosSEALs”.

Eunovamentelheagradeci.Então,elemeviuolharsuamesaesobreela estavao emblemadabatalhaque eupedira ao almiranteMullinparalhedar.Opresidenteriuedisse:“Lembradisso?”.

“Sim,senhor.”Ora,seeulembrava.Euesconderaaquelabelezinhaemminhas calças afegãs, só para ter certeza de que aqueles bastardos doTalibãnãoiampegá-la.Eagoraestavaali,novamente,emcimadamesadopresidente dos Estados Unidos, a Estrela Solitária do Texas, gasta pelabatalha,masaindaali.

Conversamosemparticularporalgunsminutose icouclaroparamimqueopresidenteBushsabia tudosobreabatalhanoCumedeMurphy.Ecomoeuconseguirasairdali.

Ao inal de nossa conversa, estiquei amão e peguei o emblema, emnome dos velhos tempos. E o presidente subitamente disse, naquelesotaquetexano:“Agorapodesoltarisso,garoto!Issojánãolhepertence”.

Nósdoisrimoseelemedissequemeuantigoemblemadebatalhavaipara seu futuro museu. Quando eu estava saindo do Salão Oval, ele medisse: “Se houver qualquer coisa de queprecise,Marcus.Qualquer coisa.Podemeligar,paracá,nessetelefone,entendeu?”.

“Sim, senhor.” E, para mim, foi a sensação de dois texanos seencontrandopelaprimeiravez.Umdeles,meiopaternal, compreensivo.Ooutro, absolutamente apavorado na presença de um grande presidentedosEstadosUnidosemeucomandantesupremo.

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UMAPALAVRAFINALDEPATRICKROBINSON

Nooutonode2006,MarcusLuttrellvoltouasereencontrarcomaEquipeSEAL5,noIraque.Às9hdesexta-feira,5deoutubro,36delesdecolaramnumaviãomilitar,oBoeingC-17,daNorthAirStation,emCoronado,rumoaArRamadi,basemilitaramericanalocalizadaaquasecemquilômetrosaoestedeBagdá–umanotóriaregiãodecon lito,éclaro.Por issoéqueosSEALsestavamindo.

O fato de a Marinha ter voltado a enviar seu herói das montanhasafegãs, ferido e condecorado, foi uma grande surpresa paramuita gente,poisamaioriapensavaqueelefossedeixaroSPECWARCOMporumavidacivil, menos perigosa. Porque, após mais de um ano, suas costas aindadoíam, seu punho não estava nada perfeito e ele ainda sofria por contadaquelabactériaestomacalafegãcontraídadagarrafadePepsi.

Mas o deslocamento de Marcus Luttrell foi uma questão pessoal. Opedido partiu dele mesmo, não da Marinha. Seu contrato com os SEALsaindatinhaváriosmesespelafrenteedeformaalgumaeledesistiria.Achoquejáfalamosdisso,nãohádesistêncianele.Marcusqueria icar,cumprirsuasobrigaçõescomooo icialdeliderança(PelotãoAlfa),umaposiçãoqueenvolvegrandesresponsabilidades.

Paramim, ele disse: “Eu não quero quemeu pessoal siga semmim.Porque, sealgumacoisaacontecer comelese eunãoestiver lá, achoquenãovoumeperdoar.”

E, assim, Marcus Luttrell voltou para a guerra. O C-17 estavacarregado com os pertences da Equipe SEAL 5, de metralhadoras atégranadasdemão.Abordodovooestavaoo icialMorganLuttrell(PelotãoBravo),umnovopostoquenãodavagarantiaabsolutadeagradaramãedeles.

Marcustinhaumnovoemblemanopeito,idênticoaoqueestavasobreamesadopresidente,noSalãoOval.“Éporissoqueestoulutando,garoto”,elemedisse.“MeupaíseoestadodaEstrelaSolitária.”

As últimas palavras que o SEAL consumadome disse, foram: “Estouindoemboracommeupessoal,poralgunsmeses.DeusqueajudeoinimigoeabençoeoTexas”.

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SOBREOSAUTORES

O tenente o icial Marcus Luttrell foi criado no sítio dos pais, no Texas.IngressounaMarinhadosEstadosUnidosemmarçode1999,recebeuseuTridente como SEAL treinado para combate em janeiro de 2002, eingressounaEquipe SEAL5, emBagdá, emabril de 2003.Naprimaverade2005,foienviadoaoAfeganistão.Em2006,foicondecoradocomaCruzNavalporheroísmoemcombate,pelopresidenteBush.

PatrickRobinsonéconhecidoporseusromancescampeõesdevendasbaseadosnaMarinhaamericana,maisnotavelmenteporNimitzClass,Kilo-Class eSeawolf. A biogra ia do almirante Sir Sandy Woodward, de suaautoria, intituladaOne Hundred Days, foi um campeão de vendasinternacional. Vive na Inglaterra, mas passa os verões em Cape Cod,Massachusetts, onde ele e Marcus Luttrell escreveram O únicosobrevivente.

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Numanoitelímpidado imdejunhode2005,quatrosoldadosamericanosdogrupodeoperaçõesespeciaisdaMarinhadosEstadosUnidos,osSEALs,deixaramsuabasenonordeste do Afeganistão em direção à fronteira montanhosa paquistanesa. A missãodeles era capturar oumatar um líder da al-Qaeda que, segundo informações, estavaabrigado numa fortaleza talibã protegida por um pequeno grupo de combatentesfortemente armados. Menos de 24 horas depois, só um daqueles SEALs permaneciavivo.

Neste livro, o Líder de Equipe Marcus Luttrell narra como se tornou o únicosobreviventedaOperaçãoRedwingeosdetalhesdabatalhadesesperadaqueacaboulevandoàmaiorperdadevidasnahistóriadosSEALs.

Em um relato emocionante, Marcus Luttrell lembra de seus companheiros deequipe que lutaram ferozmente ao seu lado, até que só restasse ele – inconsciente,após a explosão de uma granada que o arremessou de um penhasco, mas aindaarmado e respirando. Durante quatro dias, gravemente ferido e dado como morto,Luttrell lutou contra seis assassinos da al-Qaeda que foram enviados para liquidá-lo,depoisrastejouporonzequilômetrosantesdeseracolhidoporumatriboPashtun,quearriscoutudoparaprotegê-lodocercodematadorestalibãs.

Texano de 1,90 metro, Luttrell conduz o leitor por cada uma das etapas dotreinamentobrutaldaelitedecombateamericanaparadepoiscolocá-lonocentrodeumabatalhamonstruosaemqueacoragemeahonraestãoacimadetudo.

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OOficialLíderdeEquipeMarcusLuttrellingressounaMarinhaamericanaem1999ese tornouumSEAL treinadoemcombate em janeirode2002.Após servir emBagdá,elefoitransferidoparaoAfeganistãonaprimaverade2005.Em2006,foicondecoradocomaNavyCross(CruzNaval)peloheroísmoemcombate,concedidapelopresidenteGeorgeW.Bush.PatrickRobinson é conhecidoporseus romancessobreaMarinhaamericanaepelaautobiogra iadoAlmiranteSir SandyWoodward, intitulada OneHundredDays,queeleco-escreveu e com a qual se tornoubest-seller internacional. Elemorana Inglaterra epassaosverõesemCapeCod,Massachusetts,ondeeleeLuttrellescreveramestelivro.