o governo dilma frente ao tripé macroeconômico e à direita liberal e dependente

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  • 7/24/2019 O Governo Dilma Frente Ao Trip Macroeconmico e Direita Liberal e Dependente

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    NOVOS ESTUDOS 95 MARO 2012 5

    Quando a presidente Dilma Rousseff foi eleita, no fi-nal de 2010, com o apoio decisivo do presidente Lula, a sociedade bra-

    sileira sups e a nova presidente confirmou que seu governo seria umacontinuao do anterior. Entretanto, como esse governo no foi capazde romper com a poltica do trip macroeconmico dominante noBrasil desde 1999, o governo Dilma s seria bem-sucedido se rompes-se a armadilha de juros altos e cmbio sobreapreciado que caracterizaessa poltica ortodoxa. Algo que, depois de dois anos de governo, ve-mos que ela tentou fazer, mas foi apenas parcialmente bem-sucedida.O que provavelmente explica por que, por enquanto, os resultadosde seu governo foram medocres em termos de crescimento do pib:

    2,7% em 2011 e cerca de 1% em 2012. Mas ser realmente macroeco-nmica a causa desses resultados, como estou sugerindo? Por que, noobstante, a presidente apresenta recordes de aprovao popular quesuperam mesmo os de Lula? E por que essa popularidade tem base nospobres, j que os ricos (a classe alta e a classe mdia superior) e a mdiaque controlam revelam tanta hostilidade em relao presidente?

    GOVERNO LULA

    O governo Lula foi um governo bem-sucedido, como demonstra-ram os altos ndices de popularidade alcanados e a neutralizao dascrticas da direita conservadora. Foi s um ano depois de terminado,em 2012, que o liberalismo conservador e moralista brasileiro se reor-ganizou para critic-lo. O governo Lula teve xito porque logrou quasedobrar a taxa de crescimento, porque diminuiu a desigualdade e me-lhorou o padro de vida de milhes de brasileiros, e porque alcanougrande prestgio internacional. Mas esse sucesso no se deveu po-ltica macroeconmica que adotou, e sim, respectivamente, sortede os preos das commodities exportadas pelo Brasil terem crescido

    extraordinariamente durante seu governo, poltica de salrio m-nimo e de transferncias de renda, e a uma poltica internacionalindependente e criativa.

    O GOVERNO DILMA FRENTE AOTRIP MACROECONMICO E DIREITA LIBERAL E DEPENDENTE

    Luiz Carlos Bresser-Pereira

    OPINIO

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    6 O GOVERNO DILMA FRENTE AO TRIP MACROECONMICO E DIREITA LIBERAL E DEPENDENTE Luiz Carlos Bresser-Pereira

    Mas em relao poltica macroeconmica seu governo no foibem-sucedido. Ele no logrou escapar da armadilha que o tripmacroeconmico herdado dos governos anteriores, e, portanto, nologrou baixar substancialmente a taxa de juros, e, principalmente,

    no logrou neutralizar a tendncia sobreapreciao cclica e crnicada taxa de cmbio que existe no Brasil. Assim, em 31 de dezembro de2010, quando terminou seu governo, a taxa de juros real continuavaelevada em comparao aos demais pases, e a taxa de cmbio estavaabsurdamente sobrevalorizada, a R$ 1,65 por dlar o que inviabili-zava o desenvolvimento do pas.

    O crescimento que se registrou a partir de 2006 foi, portanto,passageiro, foi devido conjuntura internacional favorvel e ao au-mento do mercado interno proporcionado pela elevao dos salrios

    reais e pela ampliao do crdito ao consumidor. Graas ao aumentodo rendimento das camadas pobres, acentuado pela valorizao doreal (no curto prazo a desvalorizao cambial aumenta os salrios),

    vimos a transferncia de uma grande parte da populao brasilei-ra da classe D para a C, formando-se assim no Brasil um consumode massas novo. Dessa forma, a indstria, que se viu impedida deexportar devido valorizao cambial, foi temporariamente com-pensada pelo aumento do mercado interno. Temporariamente porque,com a taxa de cmbio a R$ 1,65 ou mesmo de R$ 2,00 por dlar, a

    maioria das empresas industriais brasileiras competentes tecnolo-gicamente no tem condies de exportar nem de enfrentar a con-corrncia no mercado nacional das importaes.

    Afinal, o governo Lula deixou que sua poltica macroeconmicafosse dominada pelo objetivo do controle da inflao, e, para isso,recorreu a um mecanismo clssico e perverso: a apreciao cambial.Houve apenas dois grandes momentos em que o governo manifestouindependncia foi quando o ministro Guido Mantega estabeleceuum imposto sobre as entradas de capital, rompendo com a ortodoxiaque condenava qualquer controle de capital, e quando, diante da crisefinanceira global de 2008, realizou uma poltica contracclica compe-tente baixando impostos e ampliando substancialmente o crdito dosbancos pblicos. Mas, afinal, o governo se deixou vencer pela tendn-cia sobreapreciao da taxa de cmbio que existe nas economias emdesenvolvimento.

    HERANA MACROECONMICA

    Em consequncia, a herana macroeconmica que a presidente

    Dilma recebeu foi pesada: uma taxa de juros elevada, e uma taxa decmbio altamente sobreapreciada. E no incio de seu governo, em ja-neiro de 2011, o pas j no podia mais contar com aumento dos preos

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    NOVOS ESTUDOS 95 MARO 2013 7

    [1] Cuja criao, alis, foi um gran-

    de erro: pretendendo continuar

    Estados-nao soberanos, os pases

    que o criaram haviam substitudo sua

    moeda nacional (essencial para essa

    soberania) pelo euro, uma moeda

    estrangeira estrangeira porque

    os pases que a adotaram no podem

    nem emiti-la, nem desvaloriz-la.

    das commodities exportadas que haviam tanto beneficiado seu ante-cessor. Entretanto, isso no estava claro para a maioria dos analistas.Como nos oito anos do governo Lula a taxa de crescimento anual dopibpassara de 2,5% para cerca de 4,5%, e como seu principal deter-

    minante, a taxa de investimento, aumentou de 17% para 19%, essesanalistas concluram de forma otimista que o Brasil havia, afinal, re-tomado o desenvolvimento econmico paralisado muito tempo atrs,em 1980. Essa concluso era apressada e sem fundamento terico.Era apressada porque o crescimento econmico durante os dois pri-meiros anos do governo logo a desmentiram. No tinha fundamentoterico porque os otimistas no se deram conta de que o crescimentono governo Lula derivara de condies externas favorveis, no tendosido capaz de superar o obstculo fundamental ao desenvolvimento

    brasileiro: a armadilha da alta taxa de juros em relao aos padresinternacionais e da taxa de cmbio sobreapreciada.

    Alm disso, a situao internacional, que melhorara depois da crisefinanceira global de 2008, voltou a se deteriorar em 2011 devido recuperao insatisfatria da economia americana e, principalmente, grave crise do euro1. Em consequncia, todos os pases ricos apresen-taram taxas de crescimento muito baixas seno negativas em 2012, e ademanda pelos bens exportados pelo Brasil diminuiu.

    GRFICOProduo fsica da indstria geral e volume de vendas do comrcio varejista(ambas com ajuste sazonal)ndice: jan./2000 = 100

    Fontes: IBGE Pesquisa Industrial Mensal Produo Fsica e Pesquisa Mensal de Comrcio.

    220

    200

    180

    160

    140

    120

    100

    80

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    Indstria geralVolume de vendas no comrcio varejista

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    8 O GOVERNO DILMA FRENTE AO TRIP MACROECONMICO E DIREITA LIBERAL E DEPENDENTE Luiz Carlos Bresser-Pereira

    [2] O Novo Consenso Econmico

    um conjunto de polticas macroe-

    conmicas que se tornou dominante

    nos meios universitrios ortodoxos

    ou neoclssicos nos anos 1990, de-

    pois que o monetarismo se revelou

    incapaz de orientar a ao dos bancos

    centrais. Para esse consenso, a pol-tica de metas de inflao central, e o

    nico instrumento legtimo dispon-

    vel a poltica de juros. O pressupos-

    to de que bastaria isso e o equilbrio

    fiscal para que as economias que o

    utilizassem tivessem garantido cres-

    cimento e estabilidade.

    Mas a poltica econmica de Lula no foi desenvolvimentista? No ser desenvolvimentista voltar-se para o mercado interno? E no foiisso o que fez seu governo? O objetivo de qualquer bom governo aumentar o mercado interno, mas em uma economia razoavelmente

    aberta como a brasileira no se logra esse objetivo estimulando-seo consumo de massa enquanto a taxa de cmbio se aprecia. Quandose faz isso, o mercado interno tomado pelos importadores depois deaproximadamente trs anos (o tempo que demora para que importa-dores de bens industriais se organizem para importar), e a indstrianacional perde acesso tanto ao mercado externo quanto ao interno.Foi precisamente o que aconteceu no Brasil. O grfico com a produofsica da indstria e as vendas do varejo mostra com clareza esse fen-meno. Enquanto as vendas aos consumidores continuam a aumentar

    normalmente, a produo industrial sofre uma queda em 2009, e de-pois continua a se distanciar das vendas do comrcio.

    Em outras palavras, o governo Lula no logrou enfrentar os proble-mas de baixo crescimento e de desindustrializao que ocorrem desdeque uma grande crise financeira (a crise da dvida externa dos anos1980) interrompeu o crescimento do Brasil: entre 1930 e 1980 o Brasilcresceu a uma taxa mdia de 4%, a partir de 1981 at 2012, apenas 1%ao ano. Nos anos 1980 a quase estagnao deveu-se prpria crisefinanceira e alta inflao. Depois da abertura comercial e financeira

    de 1990-92 e da estabilizao de preos de 1994, deveu-se armadilhaeconmica representada pelo trip, ou, em outras palavras, pela pol-tica ortodoxa do chamado Novo Consenso Econmico que setornou dominante nos Estados Unidos nos anos 1990 e levou crisefinanceira global de 2008 e que foi aplicada no Brasil por econo-mistas com o devido ph.D. obtido no Norte2.

    Assim, em vez de o pas buscar a estabilidade financeira garantidapor uma taxa de cmbio competitiva, decidiu consumir no curto prazoe apresentar dficits crnicos em conta corrente; e em vez de visar oaumento da produtividade pela industrializao, ou, mais generica-mente, pela transferncia de mo de obra de setores com baixo valoradicionadoper capitapara setores com alto valor adicionadoper capita,que so tecnologicamente mais sofisticados e pagam maiores salrios,o Brasil, desde 1994, aceita reduzir o aumento da produtividade daeconomia atravs da transferncia inversa e a transformao da eco-nomia brasileira na fazenda do mundo.

    Por outro lado, como o setor primrio (agricultura, pecuria e mi-nerao) no tem capacidade de absorver o desemprego industrial (oua falta do aumento de postos ofertados), quem absorve a mo de obra

    o setor de servios, inclusive o setor comercial que alimentado pe-las importaes. E temos assim a situao aparentemente paradoxalde baixo crescimento e pleno emprego. Na verdade, no h nada de

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    NOVOS ESTUDOS 95 MARO 2013 9

    [3] Devo essa frase to sardnica

    quanto significativa a Gabriel Palma.

    [4] Cf. O Estado de S. Paulo, 21 deabril de 2012.

    paradoxal nisso. H simplesmente uma poltica econmica ortodoxaabsurda para a qual no h diferena para o pas entre produzir potatochips e digital chips3.

    A NOVA POLTICA MACROECONMICA

    A presidente Dilma Rousseff comeou seu governo com umaproposta de continuidade do governo Lula; mais do que isso, coma esperana de poder reeditar o desempenho de seu antecessor, quecombinara taxas relativamente elevadas de crescimento com reduoda desigualdade econmica. Mas recebeu para governar um pas cujaeconomia continuava a crescer a uma taxa muito inferior quela que necessria para um verdadeiro catching up, porque seu antecessor no

    havia enfrentado o desequilbrio macroeconmico fundamental aoadotar um trip macroeconmico insistentemente celebrado peloseconomistas ortodoxos.

    O trip macroeconmico ortodoxo (supervit primrio, cmbioflutuante e meta de inflao) constitudo por esses trs conceitosgenricos que, afinal, resultam em doisparmetrose um nico objetivoque interessam a uma coalizo poltica neoliberal formada por capi-talistas rentistas e financistas. Os dois parmetros so uma taxa dejuros nominal a mais alta possvel e uma taxa de inflao a mais baixa

    possvel; o objetivo final uma taxa de juros real elevada, que remunereos capitalistas rentistas e os financistas que administram sua riqueza.H pouca dvida de que o pas deve apresentar um supervit primrio,ou, mais precisamente, ser responsvel do ponto de vista fiscal. J inaceitvel que um pas em desenvolvimento renuncie a uma polti-ca de taxa de cmbio e a deixe flutuar livrementeno mercado quandosabemos que nos pases em desenvolvimento existe uma tendncia sobreapreciao cclica e crnica da taxa de cmbio. E igualmenteinaceitvel que a poltica de metas de inflao subordine os dois ou-tros objetivos que devem ter uma boa poltica macroeconmica: umataxa de cmbio competitiva e um razovel pleno emprego. timoque haja uma meta de inflao, desde que os responsveis pela pol-tica econmica tenham tambm uma meta de cmbio e uma meta decrescimento, e faam os difceis compromissos entre essas trs metas.

    Dilma Rousseff compreendeu desde o incio a necessidade derever a poltica do trip. Ela uma economista desenvolvimentista,e, em discurso de 20 de abril de 2012, por ocasio da formatura denovos diplomatas, declarou que para se desenvolver o Brasil precisa

    equacionar as trs amarras do pas: taxa de juros alta, cmbio e im-

    postos altos4. Quando Alexandre Tombini assumiu a presidnciado Banco Central, o banco voltou a se identificar com os interessesnacionais, e deixou de haver um conflito permanente com o Mi-

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    10 O GOVERNO DILMA FRENTE AO TRIP MACROECONMICO E DIREITA LIBERAL E DEPENDENTE Luiz Carlos Bresser-Pereira

    [5] Marconi, Nelson. The indus-

    trial equilibrium exchange rate in

    Brazil: an estimation.Brazilian Jour-

    nal of Political Economy,32 (4), 2012,

    pp. 656-69.

    [6] Elas comearam de forma siste-

    mtica em 2002 com dois trabalhos:

    Bresser-Pereira, L. C. e Nakano, Y.

    Uma estratgia de desenvolvimento

    com estabilidade.Revista de Econo-

    mia Poltica, 21(3), 2002, pp. 146-77;

    e Bresser-Pereira, L. C. Financia-

    mento para o subdesenvolvimento:

    o Brasil e o Segundo Consenso de

    Washington. In: Castro, Ana Clia

    (org.).Desenvolvimento em debate: pai-

    nis do desenvolvimento brasileiro. Riode Janeiro: Mauad/bndes, 2002,

    vol. 2, pp. 359-98.

    [7] Desde que o empresrio conte

    com financiamento, o investimen-

    to que determina a poupana, e no

    o inverso como pretende a teoria

    econmica neoclssica, mais especi-

    ficamente a teoria do porquinho,

    segundo a qual necessrio, primei-

    ro, poupar, e, depois de bem enchido

    o cofre, investir.

    nistrio da Fazenda, que se tornara desenvolvimentista desde queGuido Mantega passou a dirigi-lo em 2006. Assim apoiada, a pre-sidente logrou reduzir substancialmente a taxa de juros em termosnominais e reais, e esta afinal caiu para cerca de 3% ao ano, e a taxa

    de cmbio se depreciou de R$ 1,65 para cerca de R$ 2,05 por dlar.Mas essas mudanas, especialmente a relativa taxa de cmbio, es-to longe de serem suficientes. A taxa de cmbio competitiva ou deequilbrio industrial no Brasil (a taxa de cmbio que torna compe-titivas empresas utilizando tecnologia no estado da arte mundial) de cerca de R$ 2,75 por dlar, conforme demonstrou Nelson Marco-ni5. De forma que a indstria brasileira no saiu de sua condio decrise permanente e de desindustrializao.

    Por qu? Essencialmente porque no tem o apoio na sociedade

    civil brasileira necessrio para realizar essa mudana no qual opeso de uma direita liberal e dependente muito grande. O que seconseguiu, depois de dez anos de crtica6, foi o apoio da sociedadepara a reduo das absurdas taxas de juros defendidas pela ortodoxiaeconmica. J em relao taxa de cmbio, o que se logrou foi colo-car o problema na agenda nacional. Mas no foi possvel persuadira sociedade quanto necessidade e possibilidade de se adotar umapoltica de taxa de cmbio que faa com que o real flutue no mais emtorno do equilbrio corrente mas do equilbrio industrial, porque os

    cidados tm dificuldade em compreender o papel da taxa de cmbiono desenvolvimento econmico, e porque a hegemonia da ortodoxialiberal ainda muito grande, apesar da desmoralizao causada pelacrise financeira global de 2008. A ortodoxia naturalmente rejeita odiagnstico novo-desenvolvimentista para o baixo crescimento dopas, que o explica pela alta taxa de juros e a taxa de cmbio sobreapre-ciada. Em seu lugar continua afirmando que o problema do Brasil seriaa baixa poupana, e, naturalmente, a falta das reformas institucionaisliberalizantes mgicas que permitiriam tornar os mercados mais li-

    vres e todo o sistema econmico mais eficiente. No perderei tempoem relao a esta segunda tolice. Quanto ao nvel de poupana, noBrasil, de fato, ele baixo, mas, de acordo com a lgica keynesiana, paraque ele aumente preciso que antes aumente o investimento7, o quedepende de duas providncias: primeiro, que a taxa de juros seja mo-derada e a taxa de cmbio seja tornada competitiva, localizada no nveldo equilbrio industrial, porque as empresas s investem quando hoportunidades de investimentos lucrativos para os empresrios algo que se reduz medida que se aprecia a taxa de cmbio e sobem osjuros; segundo, que o Estado realize uma poupana pblica positiva,

    em vez de apenas alcanar um supervit primrio. Ora, no obstanteo avano realizado nos primeiros dois anos do governo Dilma, a taxade juros real ainda continua alta quando comparada com a dos demais

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    NOVOS ESTUDOS 95 MARO 2013 11

    [8] Endividamento do Estado e se-

    tor financeiro no Brasil: interdepen-

    dncias macroeconmicas e limites

    estruturais ao desenvolvimento. In:

    Almeida Magalhes, J. P. e outros.Os

    anos Lula: contribuies para um balan-

    o crtico. Rio de Janeiro: Garamond,

    2012, p. 83.

    pases. E a taxa de cmbio continua substancialmente sobreapreciada,muito distante do equilbrio industrial de R$ 2,75.

    Mais especificamente, o governo tem dificuldade em promover adesvalorizao necessria da taxa de cmbio porque ela conflita com

    interesses. Em primeiro lugar, porque o poder dos exportadores decommodities tem impedido que se imponha um imposto varivel so-bre suas exportaes que permita que a taxa de cmbio se aproximedo nvel de equilbrio industrial. Segundo, porque o governo teme opequeno aumento da inflao que decorrer da depreciao. Terceiro,porque teme as consequncia impopulares da reduo dos salriosque ocorrer no curto prazo, no obstante ela seja temporria (umpouco adiante, com o aumento dos investimentos e do crescimento,os salrios passaro a aumentar fortemente). E, finalmente, porque

    bancos e empresas endividadas em moeda forte no querem ouvir fa-lar de desvalorizao cambial.

    Quanto poupana pblica para financiar os investimentos p-blicos esta continua uma questo fora da agenda do pas, queaceita e cumpre desde 1999 a meta de supervit primrio igual aosjuros reais sobre a dvida pblica menos a taxa de crescimento dopib. Essa meta permite manter a relao dvida pblica/pibcons-tante, e permite que a dvida pblica continue a ser um elementofundamental de liquidez para o sistema financeiro nacional. Mais

    amplamente, e em conjunto com a poltica de aumento de reservasque o governo vem realizando atravs do aumento da dvida p-blica interna, permite que a dvida pblica tenha se tornado, con-forme enfatizou Miguel Bruno, o principal eixo da acumulaorentista-patrimonial do perodo 1991-20088. por meio dela quese garante liquidez ao sistema financeiro brasileiro, e se viabiliza afinanceirizao a multiplicao dos ganhos financeiros atravsdo uso de inovaes financeiras principalmente de derivati-

    vos. Entretanto, essa meta fiscal no viabiliza o financiamento dosinvestimentos pblicos pela poupana pblica, como seria ideal emum quadro em que, neutralizada a doena holandesa e controladasas entradas excessivas de capital, ao invs de apresentar dficit, opas apresentaria um supervit em conta corrente. A meta necessriapara que os investimentos pblicos voltem a ter importncia na for-mao bruta do capital do pas alcanar um resultado fiscal que sejaigual diferena entre a receita pblica e a despesa de consumo, maisos recursos necessrios para financiar os investimentos pblicos, emenos a taxa de crescimento do pib. Dessa forma a dvida pbli-ca permaneceria sob controle e os investimentos pblicos podero

    representar entre 20% e 25% do investimento total um valorcompatvel com a necessidade de investimentos do setor no com-petitivo da economia onde a presena do Estado deve ser dominante.

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    12 O GOVERNO DILMA FRENTE AO TRIP MACROECONMICO E DIREITA LIBERAL E DEPENDENTE Luiz Carlos Bresser-Pereira

    Enquanto no resolver o desequilbrio macroeconmico represen-tado por uma poupana pblica insuficiente e pela sobreapreciaocclica e crnica da taxa de cmbio, alm de no atingir as taxas decrescimento necessrias para o catching up, o pas continuar a se de-

    sindustrializar prematuramente. Em outras palavras, enquanto nocriar boas oportunidades de investimentos para os empresrios, sejamantendo a taxa de cmbio no equilbrio industrial para tornar com-petitivas internacionalmente as empresas que utilizam tecnologiano estado da arte mundial, seja realizando investimentos que criamdemanda para o setor privado, o pas no estar resolvendo o proble-ma do seu desenvolvimento pelo lado da demanda. Em consequn-cia, todos os esforos que o pas vem realizando no lado da oferta, nosentido de desenvolver a educao, a cincia, a tecnologia e investir na

    infraestrutura, sero desperdiados.Tanto para colocar a taxa de cmbio no nvel correto quanto para

    aumentar a taxa de investimento pblico, a presidente enfrenta, por-tanto, problemas econmicos que so, em ltima anlise, polticos,porque nenhum presidente logra governar sem um razovel apoio nasociedade. E esse desafio sempre maior para um presidente de es-querda, dada a violenta oposio de direita. Esta, seguindo uma velhae conhecida lgica, tentou, durante 2011, cooptar a nova presidente.Quando verificou que isso era impossvel que a presidente esta-

    va disposta a fazer compromissos mas no se dispunha a abandonarseus princpios , ela passou para o ataque. Aproveitando o processodo mensalo, atacou mais violentamente o ex-presidente Lula e o pt,mas afinal esse era um ataque a ela. E quando o pibde 2012 se reveloudecepcionante, atacou a competente poltica industrial da presidente,afirmando que eram tantas as medidas adotadas que os empresriosbrasileiros ficavam confusos. Ora, isso no teoria econmica,

    voodoo economics, teoria econmica primitiva de quem no tem ar-gumentos srios a apresentar. verdade que essas medidas no com-pensam o juro alto e principalmente a sobreapreciao do real, masno h dvida de que elas so positivas.

    CONCLUSO

    A presidente Dilma Rousseff enfrenta, portanto, grandes dificul-dades para mudar a equao macroeconmica brasileira. Mas ela tempersonalidade e carter fortes, demonstra sempre um grande espri-to pblico, conhece bem os problemas macroeconmicos que o pasenfrenta, e sabe fazer os compromissos polticos necessrios. Talvez

    essas qualidades somadas afinal lhe permitam retomar o desenvolvi-mento brasileiro. So qualidades diferentes das de seu antecessor. Am-bos so polticos de esquerda moderada, social-desenvolvimentista,

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    NOVOS ESTUDOS 95 MARO 2013 13

    [9] Vianna, Luiz Werneck. O Ca-

    choeira e a gota dgua. O Estado de

    S. Paulo, 22 de abril de 2012.

    ambos so nacionalistas e comprometidos com a construo de umcapitalismo social menos injusto, mas Lula antes um poltico caris-mtico voltado para os trabalhadores ou os pobres, enquanto Dilma uma poltica e uma economista desenvolvimentista dotada de forte

    capacidade administrativa. Conforme afirmou Luiz Werneck Vianna9,mais do que gestora, Dilma investe-se do papel de primeira executivaem geral do capitalismo brasileiro, concebido como um projeto nacio-nal a ser implementado de modo decisionista pelo Poder Executivo esua sofisticada tecnocracia. No sei at que ponto a presidente mais

    decisionista do que so os presidentes brasileiros no quadro do pre-sidencialismo de coalizo vigente no Brasil, mas certamente pensa emliderar um projeto nacional com amplo apoio da sociedade.

    Nessa direo, deu um passo importante quando sensibilizou as

    classes mdias com uma postura tica forte. Sabemos que o capitalis-mo uma forma intrinsecamente corrupta de organizao da socieda-de. O ganho pessoal sob todas as formas possveis faz parte de sua l-gica mais profunda. Por outro lado, a classe capitalista nunca se sente vontade com a democracia. O financiamento privado de campanhaseleitorais foi sempre a estratgia capitalista para manter dependentesos polticos, e acus-los de corrupo, sua estratgia para desmorali-z-los e, assim, limitar a autonomia da democracia. De repente, vimosum governo de esquerda, logo no comeo de sua gesto, preocupar-se

    com a corrupo sem, porm, cair no moralismo conservador voltadopara a desmoralizao da poltica e dos polticos. A firmeza pela quala presidente demitiu ministros foi surpreendente e agradou a classemdia brasileira uma classe que desde a transio democrtica vemabandonando sua postura progressista e votando cada vez mais nospartidos conservadores.

    Por outro lado, a presidente tem buscado reafirmar seu compro-misso e o de seu partido poltico, o pt, com os trabalhadores e os po-bres. cedo ainda para avaliar o governo Dilma, mas h indicaesde que estamos diante de uma estadista em construo. Primeiro, foi afirmeza que vem mostrando em baixar os juros enfrentando para issomuitos interesses, inclusive os de seus eleitores, pequenos poupado-res; em seguida, foi o discurso na instalao da Comisso da Verdade,em que fez uma bela defesa dos direitos humanos e do seu carter su-prapartidrio; finalmente, foi sua deciso histrica de, aplicando a Leide Acesso Informao, publicar os salrios dos servidores do Execu-tivo um direito inconteste dos cidados, que at ento vinha sendonegado. Todos, atos que mostram coragem e firmeza

    Alguns podero dizer que meu julgamento em relao presidente

    apressado. De fato, cedo para dizermos que Dilma Rousseff preen-che as condies muito raras que definem um estadista. Mas nos pri-meiros 26 meses de seu governo ela estava claramente se construindo

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    14 O GOVERNO DILMA FRENTE AO TRIP MACROECONMICO E DIREITA LIBERAL E DEPENDENTE Luiz Carlos Bresser-Pereira

    como estadista; estava demonstrando a firmeza e a coragem que sonecessrias. Mas no basta isso. Conforme disse classicamente Ma-quiavel, alm da virt, o prncipe necessita dafortuna. Virtno significaapenas virtude, e sim competncia em governar, discernimento ao to-

    mar decises, capacidade de fazer compromissos, e, finalmente, bomxito em seu governo; fortuna a sorte. Estadista o governante quetem a viso do todo, olha para o futuro, e tem a coragem de busc-lo,confrontando os interesses de muitos, inclusive dos seus seguidores. quem conhece seu pas, sabe quais so seus grandes problemas, econtribui de forma decisiva para resolv-los. Os estadistas so geral-mente identificados nas guerras em defesa de seu pas, mas podems-lo em momentos decisivos de seu desenvolvimento econmico esocial. O estadista brasileiro do sculo xxfoi Getlio Vargas, porque

    comandou a revoluo nacional e industrial brasileira. A presidenteDilma Rousseff poder ser uma nova estadista, agora em um contextodemocrtico, se lograr vencer os dois grandes males brasileiros: a alie-nao nacional de suas elites e a armadilha da alta taxa de juros e docmbio sobreapreciado.

    Luiz Carlos Bresser-Pereira professor emrito da Fundao Getlio Vargas. Contato: www.

    bresserpereira.org.br.

    Recebido para publicaoem 8 de fevereiro de 2013.

    NOVOS ESTUDOS

    CEBRAP

    95, maro 2013pp. 5-14

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