o fund amen to de validade do direito em kant

16
 O fundamento de validade do direito em Kant Vitor Amaral Medrado Resumo: A pergunta a respeito do fundamento de validade do direito é inerente a uma abordagem reflexiva ao direito. Em meio ao dogmatismo da axiologia jusnaturalista e o formalismo relativista da abordagem juspositivista acreditamos, nos apoiando em Alexandre Travessoni Gomes, que Kant fornece uma solução ainda hoje viável a este problema. Kant não se filia nem ao materialismo jusnaturalista e nem ao formalismo  juspositivista repres entando verdadei ro avanço sintético ao po sitivismo, apesar de que cronologicamente seja anterior ao mesmo.[1] Palavras-chave: Fundamento de validade do direito; Kant; pós-positivismo jurídico; validade transcendental. Abstract: The question about the foundation of validity of the law is inherent to a reflexiv boarding by the law. Between the dogmatism of the jusnaturalist axiology and the relativ formalism of the juspositivist approach, we believe, in accord with Alexandre Travessoni Gomes’s view, that Kant provides a solution to this problem that is still nowadays viable. Kant do not adopt neither the jusnaturalist materialism vision nor the  juspositivist formal ism point of view representin g a real synthetical advan ce to the  positivism, even though he’s ch ronologically prior of it. Keywords: Fundament of Validity of the Law; Kant; juridical post-positivism; Transcendental Validity. Sumário: 1. Epistemologia kantiana; 2. A filosofia prática; 3. O Direito em Kant, 3.1. Os dois conceitos de Direito, 3.2. O fundamento de validade do Direito em Kant; Considerações finais; Referências Bibliográficas; 1 INTRODUÇÃO A questão do fundamento de validade do direito vem sendo abordada já há muito na história da jusfilosofia. Sendo assim, para uma melhor compreensão do tema importa compreender, de forma sumaríssima, como o problema da validade material do direito foi abordado desde a filosofia antiga até Kant, o qual é o nosso objeto mais imediato de trabalho. A validade do direito foi entendida até o XIX como advinda de uma ordem superior que deveria determinar o direito positivo de sorte que, através desde direito natural, seria possível um julgamento do direito positivo como justo ou injusto, válido ou inválido [2]. O direito positivo até este século, portanto, tinha o seu conteúdo determinado por outro direito, de origem supostamente diversa do direito positivo e que, por constituir em um paradigma ao direito positivo, o vinculava e lhe prestava fundamento de validade.

Upload: grazidtna7560

Post on 20-Jul-2015

81 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: O Fund Amen To de Validade Do Direito Em Kant

5/17/2018 O Fund Amen To de Validade Do Direito Em Kant - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/o-fund-amen-to-de-validade-do-direito-em-kant 1/16

O fundamento de validade do direito em Kant

Vitor Amaral Medrado

Resumo: A pergunta a respeito do fundamento de validade do direito é inerente a umaabordagem reflexiva ao direito. Em meio ao dogmatismo da axiologia jusnaturalista e oformalismo relativista da abordagem juspositivista acreditamos, nos apoiando emAlexandre Travessoni Gomes, que Kant fornece uma solução ainda hoje viável a esteproblema. Kant não se filia nem ao materialismo jusnaturalista e nem ao formalismo

 juspositivista representando verdadeiro avanço sintético ao positivismo, apesar de quecronologicamente seja anterior ao mesmo.[1] 

Palavras-chave: Fundamento de validade do direito; Kant; pós-positivismo jurídico;validade transcendental.

Abstract: The question about the foundation of validity of the law is inherent to areflexiv boarding by the law. Between the dogmatism of the jusnaturalist axiology andthe relativ formalism of the juspositivist approach, we believe, in accord with AlexandreTravessoni Gomes’s view, that Kant provides a solution to this problem that is still

nowadays viable. Kant do not adopt neither the jusnaturalist materialism vision nor the juspositivist formalism point of view representing a real synthetical advance to the positivism, even though he’s chronologically prior of it.

Keywords: Fundament of Validity of the Law; Kant; juridical post-positivism;Transcendental Validity.

Sumário: 1. Epistemologia kantiana; 2. A filosofia prática; 3. O Direito em Kant, 3.1.Os dois conceitos de Direito, 3.2. O fundamento de validade do Direito em Kant;Considerações finais; Referências Bibliográficas;

1 INTRODUÇÃO 

A questão do fundamento de validade do direito vem sendo abordada já há muito nahistória da jusfilosofia. Sendo assim, para uma melhor compreensão do tema importacompreender, de forma sumaríssima, como o problema da validade material do direitofoi abordado desde a filosofia antiga até Kant, o qual é o nosso objeto mais imediato detrabalho.

A validade do direito foi entendida até o XIX como advinda de uma ordem superior quedeveria determinar o direito positivo de sorte que, através desde direito natural, seriapossível um julgamento do direito positivo como justo ou injusto, válido ou inválido[2]. 

O direito positivo até este século, portanto, tinha o seu conteúdo determinado por outro

direito, de origem supostamente diversa do direito positivo e que, por constituir em umparadigma ao direito positivo, o vinculava e lhe prestava fundamento de validade.

Page 2: O Fund Amen To de Validade Do Direito Em Kant

5/17/2018 O Fund Amen To de Validade Do Direito Em Kant - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/o-fund-amen-to-de-validade-do-direito-em-kant 2/16

Por oposição, o juspositivismo apenas se estruturou como corrente jusfilosófica no finaldo século XIX e início do século XX. Para o positivismo jurídico, cujos expoentes são,entre outros, Kelsen, Bobbio e Hart, a validade do direito é meramente formal, i.e,inerente à própria forma da lei e não, como no naturalismo jurídico, inerente aoconteúdo, à materialidade da lei.

O positivismo jurídico, assim, é alheio às determinações axiológicas próprias deconcepções naturalistas e valorativas do Direito, estas últimas muito saudadas nacontemporâneidade, na medida que propõe um fundamento de validade do direitomeramente, por assim dizer, jurídico-positivo.

O etinerário deste trabalho o da análise crítica da filosofia kantiana, partindo daformação do conhecimento até as suas consequências últimas no mundo jurídico, comvistas a demontrar que a tese kantiana a respeito do fundamento de validade do direito édiversa das concepções jusfilosóficas suprareferidas, e mais, as supera em termos deadequação aos anseios da pós-modernidade em Direito.

2 Epistemologia KANTIANA 

Para se compreender melhor a filosofia kantiana, e assim também o fundamento devalidade do direito em Kant, é importante em caráter introdutório atentar para o lugar dopensamento deste filósofo na história da filosofia, no sentido de assinalar quais são ascorrentes de pensamento a que este pensador de filia e quais ele pretende combater.Ademais, importante se compreender quais as inovações que Kant propõe naepistemologia e qual é o telos a que este visa.

O século XVIII europeu foi marcado pelas inovações no campo da ciência. O avanço dométodo científico a partir do século XVII resultou em uma ciência mais bemsolidificada, a qual explicava de maneira inequívoca, segundo o pensando da época, osfenômenos naturais. Neste rol de evolução de diversas ciências uma se destaca aos olhosde Kant: a Física newtoniana.

Além da Física, tanto a Matemática, como a Lógica pareciam gozar de um status quo diferenciado em meio às demais ciências, uma vez que os conhecimentos oriundosdestas ciências tinham traços de rigorosa universalidade e necessidade.

A Metafísica, no entender de Kant, apesar da sua enorme tradição não havia ainda

enveredado pelo caminho da certeza científica, ao contrário da Matemática, da Física eda Lógica[3]. Tal conclusão advém principalmente do assentimento, parcial[4], éverdade, que Kant dá às críticas de David Hume ao racionalismo clássico, cujosexpoentes são, dentre outros, Descartes, Leibniz e Wolff.

Com efeito, entende Hume que toda idéia é copia de uma impressão ou de umsentimento[5], daí a conclusão de que se não há impressão, também não há idéia. Estanoção será crucial para o entendimento de que nos casos singulares não há idéia depoder ou conexão necessária, ou seja, não há noção de causalidade, ao passo que taisidéias estarão presentes quando da reiteração da experiência (hábito), justamente porsurgir daí um sentimento.

Page 3: O Fund Amen To de Validade Do Direito Em Kant

5/17/2018 O Fund Amen To de Validade Do Direito Em Kant - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/o-fund-amen-to-de-validade-do-direito-em-kant 3/16

Dessa forma, procura mostrar que não temos conhecimento do objeto, ou do atributo deum objeto, que faz com que seja necessária a ocorrência de um determinado evento (quechamamos efeito) quando da presença de outro evento (que chamamos causa). Poroutras palavras, a partir de determinada idéia simples não é possível estabelecer osefeitos necessários da mesma, não sabemos como a causalidade é possível[6]. 

Kant, assim, não é alheio a esta crítica de Hume à causalidade, mas sustenta que oinglês se equivocou ao considerar que a relação causal é fruto da nossa imaginação.Caso assim fosse, não poderia existir qualquer ciência, pois não haveria necessidadeobjetiva, mas apenas necessidade subjetiva, o que não condiz com o que se espera dosconhecimentos oriundos das ciências, mas que sejam necessários e universais, pois queadvindos de juízos sintéticos a priori, como se verá[7]. 

Resta então a questão: como são possíveis os conhecimentos a priori na Matemática, naFísica e na Lógica? Seriam eles também possíveis na Metafísica?

O itinerário de Kant, assim, será o da reflexão crítica a respeito das possibilidadesmesmas da razão enquanto principal agente de conhecimento. Nesse sentido, cabeassinalar que a idéia de crítica é usada por Kant no seu sentido etimológico maiselementar: o de “discernir” ou “distinguir” o que a razão pode fazer do que ela é incapaz

de fazer. Não se trata, todavia, de uma crítica destrutiva como o fazem os céticos, masuma crítica que visa o exame das possibilidades da razão[8]. 

Mais propriamente, Joaquim Carlos Salgado ensina ser a filosofia de Kant uma filosofiada reflexão, na medida em que se constitui como um processo interiorização do sujeitotranscendental, entendido como o sujeito enquanto portador das formas puras a priori, apartir da sucessiva aplicação das formas puras a priori da sensibilidade e doentendimento.[9] 

Kant, assim, se propôs a fazer uma revolução na filosofia tal como, entre outros,Copérnico e Galileu o fizeram com relação à ciência[10]. 

Nesse sentido, Kant propõe a mudança de perspectiva em teoria do conhecimento: daênfase no objeto para a ênfase no sujeito. Epistemologicamente, tal mudança deperspectiva equivale a dizer que se trata de uma conversão da hipótese do realismo paraa do idealismo. Assim, enquanto a hipótese realista afirma que uma realidade nos édada, a qual o nosso conhecimento deve modelar-se, no idealismo, ao contrário, o

espírito intervêm ativamente no processo de elaboração do conhecimento, sendo o real,assim, uma construção a que uma parte nos cabe[11]. 

Cabe aqui a devida explicação do que se deve entender por conhecimentos a priori e a

 posteriori. Com efeito, segundo Kant o conhecimento a priori é aquele que independeda experiência, i.e, que é anterior a mesma[12]. Ao contrário, os conhecimentos tidoscomo a posteriori são aqueles que decorrem necessariamente da experiência.

Diante de tal diferenciação conceitual, podemos avançar dizendo que todoconhecimento, para Kant, significa dar forma a uma matéria dada. Com efeito, para todoobjeto passível de conhecimento notamos elementos que dependem do próprio objeto e

constituem a matéria do conhecimento e os elementos que dependem do sujeito e

Page 4: O Fund Amen To de Validade Do Direito Em Kant

5/17/2018 O Fund Amen To de Validade Do Direito Em Kant - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/o-fund-amen-to-de-validade-do-direito-em-kant 4/16

constituem a forma do conhecimento. Evidente, assim, a conclusão de que a forma é a

 priori enquanto que a matéria é a posterior i[13]. 

E mais, gozamos de um critério infalível para a diferenciação entre os conhecimentos a

 priori e os conhecimentos a posteriori. Assim, as proposições a priori são aquelas que

são necessárias e universais; necessárias porque não poderiam ocorrer de outra maneirasob pena de contradição e universais porque, ao contrário dos conhecimentos empíricos,não advém de uma observação da experiência, sempre singular, mas da própria razão,fonte de conhecimento[14]. 

Sobre isso diz Kant que

“Necessidade e rigorosa universalidade se constituem então nos sinais seguros de umconhecimento a priori e são inseparáveis uma da outra” (KANT, Immanuel. Crítica darazão pura. São Paulo: Martin Claret, p. 46)

No entanto, nem todo conhecimento a priori tem o mesmo valor. Para expor estaquestão de maneira clara é mister entender a diferença entre juízos analíticos e juízossintéticos.

Os juízos analíticos são aqueles que se restringem a explanar um conceito, analisando oseu conteúdo sem fazer referência a nenhum elemento novo. Com efeito, os juízosanalíticos apenas expõem de maneira mais clara o que já estava contido em umconceito. Por exemplo, o juízo “todos os corpos são extensos” é um juízo analítico, pois

a partir do conceito de corpo eu posso deduzir a priori o predicado extenso. Sendoassim, o predicado nada acrescenta ao sujeito, mas apenas o explana de maneira maisevidente.

Os juízos sintéticos, por sua vez, são aqueles em que há um acréscimo do conceito dosujeito mediante a ligação de um predicado que não estava contido no conceito dosujeito. Por exemplo, o juízo “todos os corpos são pesados” é um juízo sintético, uma

que vez que o predicado “pesados” não está de forma alguma contido a priori noconceito de “corpos”[15]. 

Assim, podemos dizer que todos os juízos da experiência são juízos sintéticos já que aexperiência nos ensina a ligar determinados atributos que conseguimos com ela a outrosconceitos. Em contrapartida, os juízos analíticos são a priori já que não preciso recorrer

à experiência para esmiuçar um determinado conceito que já possuo.

Entretanto, é mister salientar que, se apenas estes dois tipos de juízos existissem,estaríamos em terrenos infecundos com relação ao conhecimento. Assim, temos que,por um lado, os juízos analíticos, apesar de necessários e universais, não representamuma progressão de conhecimento, uma vez que, como dito, o predicado já estavacontido no sujeito, sendo apenas melhor explanado por tal predicado. Por outro lado, os

 juízos sintéticos, apesar de representarem um verdadeiro acréscimo de um elementonovo a um conceito dado, não são necessários e universais, mas contingentes eparticulares, uma vez que a experiência nada nos pode dar de necessário e universal[16]. 

Ainda resta, não obstante, as certezas alcançadas pela Física e Matemática a que todasas pessoas concordam e aceitam. Como seriam possíveis, pois, tais certezas?

Page 5: O Fund Amen To de Validade Do Direito Em Kant

5/17/2018 O Fund Amen To de Validade Do Direito Em Kant - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/o-fund-amen-to-de-validade-do-direito-em-kant 5/16

A novidade em Kant é a introdução de uma terceira categoria de juízos, quais sejam os juízos sintéticos a priori. Estes possuem a universalidade dos juízos analíticos e, noentanto, não derivam imediatamente da experiência. Por exemplo, o juízo “a linha reta é

a menor distancia entre dois pontos” é um juízo sintético a priori, já que a partir doconceito de “linha reta” não posso deduzir o predicado “menor distância entre dois

 pontos”, sendo este predicado, ao contrário, totalmente novo ao conceito do sujeito. Nãoobstante, esse juízo é necessário e universal por decorrer apenas da razão e não daexperiência propriamente dita[17]. 

Portanto, é a existência dos juízos sintéticos a priori que explica a certeza alcançada nosconhecimentos da Física e da Matemática[18]. 

Os juízos sintéticos a priori, para Kant, decorrem justamente das formas puras quepossuímos e que, pelas quais, determinamos a matéria de conhecimento.

Em Kant, para conhecer um determinado objeto faz-se necessária a interação entre a

matéria do conhecimento, quais sejam, a parte dos fenômenos ligada à sensação, e aforma do conhecimento, a qual é dada pelas chamadas formas puras a prior i[19]. Asformas puras do conhecimento são esquematicamente divididas em formas puras dasensibilidade e formas puras do entendimento, conforme pertençam, respectivamente, àestrutura da sensibilidade (faculdade das intuições) ou a estrutura do entendimento(faculdade dos conceitos)[20]. 

Tais formas puras a priori fazem parte da constituição subjetiva do chamando sujeitotranscendental, posto como diverso do sujeito empírico, são divididas em conceitospuros do entendimento e intuições puras a priori, conforme façam parte,respectivamente, da estrutura do entendimento ou da estrutura da sensibilidade.

Não obstante, o fato de compartilhamos destes institutos transcendentais de formainequívoca torna possível a universalidade e a necessidade do conhecimento. Assim, oconhecimento para os homens tomam a seguinte forma: caso tais conhecimentosrefiram-se exclusivamente ao sujeito transcendental, tais conhecimentos são universais enecessários para toda a humanidade em geral[21]. 

O sujeito empírico, por sua vez, está ligado às determinações da natureza e é o que faz,mais propriamente, sermos diferentes uns dos outros. Ao sujeito empírico é atribuída,desde Platão, a falibilidade e a determinação pela natureza e pelas paixões da alma.

Como se verá na filosofia prática: o sujeito empírico pertence ao âmbito da natureza, aopasso que o sujeito transcendental é do âmbito da liberdade na medida em que a razãovê-se como razão prática (vontade).

Como já dito, as formas puras a priori da sensibilidade são de crucial importância parao conhecimento vez que não há conhecimento possível sem as intuições apreendidaspela sensibilidade transcendental. A ciência própria para abordar os princípios puros a

 priori da sensibilidade chama-se estética transcendental, ou seja, trata-se do estudo dasformas puras da sensibilidade (intuições puras a priori) na medida em que estas sãocondições de possibilidade do conhecimento para o homem[22]. 

Page 6: O Fund Amen To de Validade Do Direito Em Kant

5/17/2018 O Fund Amen To de Validade Do Direito Em Kant - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/o-fund-amen-to-de-validade-do-direito-em-kant 6/16

São duas as intuições puras a priori: o espaço e o tempo. Com efeito, para Kant nãopodemos conceber nada que não seja no espaço e no tempo. O espaço se relaciona como sentido exterior: não podemos conhecer objeto algum se não como localizado emdado espaço; ao passo que o tempo se relaciona com o sentido interior: não podemosconhecer os nossos estados de alma senão em uma determinada fração de tempo[23]. 

A intuição pura a priori do tempo, não obstante, é entendida como condição depossibilidade do sentido interno, por possibilitar o conhecimento dos estados da alma,mas também indiretamente dos sentidos externos, pois por determinar o conhecimentoânimo (Gemüt), também determinará a possibilidade da inscrição na alma dos dados daintuição pura a priori do espaço. Este, por sua vez, é condição de possibilidade dosentido externo[24]. 

A forma pura do espaço justifica os juízos sintéticos a priori na Matemática, enquantoque a forma pura do tempo justifica os juízos sintéticos a priori na Física. Justificamporque é o espaço e o tempo são formas puras e são ao mesmo tempo os principais

objetos de tais ciências[25]. 

A faculdade dos conceitos, por sua vez, trabalha na constante tentativa de unificar emconceitos o múltiplo advindo das intuições sensíveis. Para tanto, o entendimento écomposto por categorias, as quais são propriamente as formas puras doentendimento[26]. 

Não podemos, por exemplo, entender uma série de fenômenos senão a partir dacategoria que se relaciona com a causalidade. Fica clara, aqui, a unificação do múltiploem conceitos no entendimento: à série de fenômenos será imposta uma noção decausalidade que propicia o nosso conhecimento do múltiplo da experiência.

As categorias, todavia, são heterogêneas com relação aos fenômenos advindos dasensibilidade. Assim, faz-se necessário o que Kant chama de “condição formal e pura da

sensibilidade a que o conceito do entendimento está restringido no seu uso”[27], ouseja, faz-se necessário o “esquema” que há de ser fornecido pela imaginação com o fim

de possibilitar a subsunção do fenômeno às categorias do entendimento.

O entendimento, no entanto, por vezes atua na busca pelo incondicionado, quer dizer,um conhecimento que transcende totalmente a experiência. Ao entendimento nestabusca ilegítima pelo incondicionado chama-se razão e aos conceitos obtidos por ele

nesta busca chama-se idéias.

No que tange as idéias, todavia, é forçoso concluir que elas não propiciam umconhecimento científico, já que são construções da razão pura que se caracterizam

 justamente pela não interação com as intuições da sensibilidade[28]. Ora, por sernecessária ao conhecimento a sua matéria proveniente da sensibilidade, e por serem asidéias justamente as formas puras da razão, as quais não interagem com esta matéria,conclui Kant que as idéias não fornecem conhecimento, pois que são ideais da razão, osquais, todavia, desempenham importante papel regulativo no processo deconhecimento[29]. 

Este processo regulativo dá-se na medida em que as idéias da razão, por visarem oincondicionado, o inicio da série causal, forçam o entendimento a se aplicar na busca

Page 7: O Fund Amen To de Validade Do Direito Em Kant

5/17/2018 O Fund Amen To de Validade Do Direito Em Kant - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/o-fund-amen-to-de-validade-do-direito-em-kant 7/16

pela maior unidade possível do múltiplo da experiência. Assim, a regulação representaum ideal do trabalho de unificação, apesar de inatingível.

A crítica a essa pretensão da razão teórica de conhecer o incondicionado é subsumidaprincipalmente nos problemas advindos da dualidade entre natureza e liberdade[30]. 

A crítica na dialética transcendental à razão teórica dá lugar à outra faceta da mesmarazão, qual seja a razão prática. A razão prática usará das idéias da razão, as quais,apesar de não poderem ser conhecidas, podem ser pensadas, principalmente a idéia deliberdade, causa livre, incondicionada, para fazer valer a autonomia da vontade humana,a qual deve poder se determinar o agente moral livremente, ou seja, sem a interferênciados móbiles sensíveis[31]. 

3 A FILOSOFIA PRÁTICA

Ficou provado na dialética transcendental[32] que a razão pura é incapaz de conhecer os

objetos que não são dados na experiência, mas que apenas pode pensá-los, já que todoconhecimento, para Kant, é a junção da forma e matéria, esta é dada com a experiênciaenquanto aquela é introjetada nos fenômenos a partir das formas puras a priori doentendimento (conceitos puros a priori) e da sensibilidade (intuições puras a priori).

Mas como produzir uma ciência da moral uma vez que a idéia da liberdade não pode serconhecida?[33] 

Ora, a crítica da razão pura mostrou que não podemos conhecer a liberdade, mas issonão pode ser confundido com uma afirmação de nós agimos sem liberdade, ou seja, semmoralidade possível. A idéia de liberdade, apesar de não poder ser conhecida, pode serpressuposta.[34] 

Pressupor o homem como livre (e também todos os seres racionais em geral) significapressupô-lo como portador de uma vontade pura, ou seja, uma vontade capaz de agirsegundo princípios práticos que ela mesma se impõe, ou seja, a vontade é determinadasimplesmente pela razão, independente dos móbiles sensíveis[35]. 

Em outras palavras, o homem é entendido como autônomo, uma vez que é capaz de sedeterminar por princípios práticos cuja fonte causal é a razão do mesmo homem. Assim,a razão pura, na medida em que é também legisladora, torna-se prática[36]. 

Todavia, os princípios práticos são as proposições que determinam em geral avontade[37]. Caso esteja estão ligados a objetos da faculdade de desejar que lheservissem como fundamentos materiais de determinação da vontade são empíricos e,portanto, não oferecem necessidade e universalidade. Isso porque a matéria dafaculdade de desejar (objeto cuja realidade é desejada) está ligada ao prazer oudesprazer na representação deste objeto ao sujeito e o prazer e desprazer não sãoconhecidos a priori, mas, ao contrário, somente podem ser conhecidos após aexperiência[38]. 

Os princípios práticos que possuem a validade conhecida pelo sujeito apenas para a sua

vontade são chamados princípios práticos subjetivos ou máximas[39]. Além de poderemreferir-se a representação da realidade do objeto (matéria), as máximas podem referir-se

Page 8: O Fund Amen To de Validade Do Direito Em Kant

5/17/2018 O Fund Amen To de Validade Do Direito Em Kant - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/o-fund-amen-to-de-validade-do-direito-em-kant 8/16

simplesmente à forma das leis práticas, ou seja, como se verá adiante, à validadeuniversal ou universalidade da legislação[40]. 

Os princípios práticos que são considerados válidos para todo ser racional, ao contrário,são chamados leis práticas e, portanto, possuem validade objetiva. Possuir realidade

objetiva significa dizer que os princípios práticos objetivos são validos universalmentepara todo ser racional. Todavia, a existência de princípios práticos objetivos estácondicionada à possibilidade de a própria razão poder determinar a priori avontade[41]. 

A determinação a priori da vontade pela razão pura é explicada por Kant com base é emuma evidência, um fato da razão pura, a lei moral ou lei fundamental. Com efeito, a leimoral é imposta por si mesma a nós como uma proposição sintética a priori segundo aqual, devido à universalidade da legislação, as máximas da vontade devem serconfrontadas com a vontade pura (prática a priori), a qual condiciona a ação àconformidade com o principio segundo o qual a máxima desta ação possa ser

universalizada.[42] 

A vontade pura, assim, diferencia-se da vontade sensivelmente determinada por nãopossuir como fundamento de determinação (matéria) o princípio de felicidade, mas, aocontrario, o principio de determinação da vontade pura é a lei moral, ou seja, acapacidade da máxima de se tornar principio em uma legislação universal[43]. 

As máximas, portanto, são os princípios subjetivos da ação e, assim, são válidas, aprincipio, apenas para o sujeito agente[44]. A lei moral, todavia, é uma principio práticode universalização de máximas, de sorte que algumas máximas possam ser válidas, nãoapenas para o sujeito que a elege como principio de sua ação, mas para todos os seresracionais que virtualmente se encontrem na mesma situação deste sujeito[45]. 

Em um ser que fosse apenas dotado de vontade pura a lei moral seria apenas descritiva,uma vez que, pela natureza deste ser, ele invariavelmente agiria de acordo com a leimoral, i.e, as máximas de suas ações seriam sempre passíveis de se tornarem leisuniversais[46]. 

Como o homem é dotado não apenas de vontade pura, mas também de uma vontadepassível de ser determinada pelos móbiles sensíveis, a lei moral, para nós, toma a formade imperativo categórico, o qual ordena de forma incondicionada e necessária o

seguinte princípio: “Age de tal modo que a máxima de tua vontade possa valer semprecomo princípio de uma legislação universal”.[47] 

Além do imperativo categórico, Kant ensina que existem outros imperativos ditoshipotéticos, pois estão ligados a um fim específico e ordena uma ação enquanto boapara se alcançar tal fim, enquanto o imperativo categórico, como se viu, ordena umaação incondicionalmente, pois é boa em si mesma.[48] 

A dependência da vontade em relação ao imperativo categórico chama-se obrigação,enquanto a ação determinada pela coação intelectual da razão pura através doimperativo categórico é chamada dever  [49] . 

Page 9: O Fund Amen To de Validade Do Direito Em Kant

5/17/2018 O Fund Amen To de Validade Do Direito Em Kant - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/o-fund-amen-to-de-validade-do-direito-em-kant 9/16

O imperativo categórico, assim, é possível porque diante da pressuposição da idéia daliberdade tomamos conhecimento que fazemos parte também de um mundo inteligível,possuindo, por isto, uma vontade que, sendo pura, pode ser lei para si mesma (razãoprática), i.e, uma vontade autônoma[50]. Todavia, a vontade[51] possui tambémrealidade sensível, logo, não necessariamente está em consonância com a lei moral, daí 

se explica a necessidade do imperativo categórico[52]. 

Como o imperativo categórico impõe à vontade o dever categórico de agir emconformidade com a lei moral é mister atentar para o fato de que esse dever categórico éuma proposição sintética a priori, pois está-se ligando uma vontade enquantoempiricamente determinada à vontade enquanto autolegisladora[53], i.e, a própria razãopura é causa eficiente de determinação da vontade.[54] 

Como toda ação possui uma máxima correspondente, o procedimento da Éticakantiana[55] será inicialmente o de identificação da máxima da ação para,posteriormente, verificar se tal máxima pode ser erigida em lei universal, i.e, se tal

máxima possui a forma de lei prática.

O imperativo categórico, por sua vez, na medida em que coage a vontade a agir, exigeobjetivamente a ação em conformidade com o dever. Entretanto, subjetivamente o que éexigido é o respeito pela lei moral, de sorte que a ação seja não apenas emconformidade com o dever , mas por dever . Assim:

“O motivo da ação moral é o próprio dever, que gera no homem o sentimento moral.

Esse sentimento moral não é externo, não vindo da sensibilidade (inclinações): é opróprio respeito pela lei moral, que é o motivo da ação, o que o caracteriza como umsentimento produzido pela razão” (TRAVESSONI GOMES, Alexandre. OFundamento de Validade do Direito: Kant e Kelsen, p. 127)

Segundo Kant, o sentimento moral ou respeito pela lei moral advém da vislumbração dalei moral, na medida em que esta expõe o sujeito humano agente à evidência dasuperioridade da sua constituição inteligível ou transcendental face à sua constituiçãosensível[56]. 

O fundamento da moral em Kant, portanto, é a idéia da liberdade, a qual apesar de nãopoder ser conhecida (por ser forma pura a priori da razão) pôde ser pressuposta e, emverdade, provou a sua realidade objetiva para o uso prático da razão já que é meio para

o imperativo categórico, vez que através dela foi possível a proposição sintética a priori constitutiva deste.[57] 

Segundo ensina wolfgang kersting a teoria da obrigatoriedade de Kant estácondicionada à possibilidade de a razão ser ela mesma o único fundamento dedeterminação da vontade. Faz-se necessário, assim, pressupor a razão pura comoportadora de um princípio prático, uma racionalidade livre, no sentidotranscendental.[58] 

4 o direito em kantKant estabelece as diferenças entre as legislações ética e jurídica, entre a ação conforme

o dever e a ação por dever. Para Kant, toda legislação apresenta duas facetas: por umlado, representa uma ação como objetivamente necessária (tornando-a um dever), por

Page 10: O Fund Amen To de Validade Do Direito Em Kant

5/17/2018 O Fund Amen To de Validade Do Direito Em Kant - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/o-fund-amen-to-de-validade-do-direito-em-kant 10/16

outro, subjetivamente necessita de um fundamento de determinação da vontade. Alegislação que acolhe o dever como motivo da ação é uma legislação ética, enquanto alegislação que não acolhe o dever como fundamento da ação, mas, ao contrario, acolheoutros móbiles, é chamada legislação jurídica[59]. 

A ação conforme o dever (legalidade) faz parte da legislação jurídica, já que ofundamento da ação, neste caso, não é o dever, ao passo que a ação por dever(moralidade) faz parte da legislação ética, pois, além da conformidade com o dever, faz-se deste o próprio motivo da ação[60]. Isso significa que o direito coage somente a ação(o dever), portanto não atua diretamente sobre a vontade[61]. A legalidade e amoralidade, assim, não se confundem com as leis jurídica e moral, pois que estas sãoformas da legislação, ao passo que aquelas são atitudes do homem.[62] 

4.1 Os dois conceitos de Direito 

Em “A metafísica dos costumes”, em sua parte dedicada à doutrina do direito, Kant

conclui:

“Quando o objetivo de alguém não é ensinar virtude, mas somente expor o que é o

direito, não é permissível e nem deveríamos representar aquela lei do direito como elamesmo sendo o motivo da ação” (KANT, Immanuel. A metafísica dos costumes.

Bauru: Edipro, p. 77)

Ainda neste livro Kant dar a ver o que chama de  princípio universal do direito:

“Qualquer ação é justa se for capaz de coexistir com a libe rdade de todos de acordo comuma lei universal, ou se na sua máxima a liberdade de escolha de cada um pudercoexistir com a liberdade de todos de acordo com uma lei universal” (KANT,

Immanuel. A metafísica dos costumes. Bauru: Edipro, p. 76-77)

A princípio poder-se-ia pensar que Kant sugere aqui um conceito liberal de direito. Estainterpretação esta embasada no entendimento de que a “liberdade” de que trata este

trecho é a liberdade de agir, essência da liberdade de escolha. Todavia, segundo ensinaJean-Christophe Merle, Kant está defendendo neste trecho, assim como em toda adoutrina do direito, um conceito de direito derivado do imperativo categórico. Comefeito, a liberdade aqui deverá ser entendida como liberdade da vontade(autonomia)[63]. 

Além do conceito de direito como derivado da lei moral, defendido como dito na obra“A metafísica do costumes”, Kant defende também um conceito de direito pautada noconvívio das liberdades externas segundo um principio de igual tratamento, ou seja, umconceito liberal de direito, em outras obras, tais como “A paz perpétua” e “Crítica da

Razão pura”.[64] 

Ainda ensina Merle que o conceito liberal de direito é mais plausível que o conceito dedireito pautada na lei moral, já que aquele coaduna melhor com as ordens jurídicasconsideradas justas. Ademais, o conceito liberal de direito reproduz melhor aindependência do direito da moral.[65] 

Page 11: O Fund Amen To de Validade Do Direito Em Kant

5/17/2018 O Fund Amen To de Validade Do Direito Em Kant - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/o-fund-amen-to-de-validade-do-direito-em-kant 11/16

O conceito liberal do direito é, portanto, autônomo da moral e, assim, não deriva o seuconteúdo do imperativo categórico[66], quer dizer, não há aqui a necessidade de seremeter aos fundamentos últimos da moral em Kant como o é no conceito de direitoderivado da lei moral que se funda em última instância, como se verá, na liberdadetranscendental.

Em conformidade com Merle entendemos haver dois diferentes conceitos de direito emKant, ou, ao menos, dois aspectos do direito kantiano. Todavia, por razões dedelimitação e consecução do nosso objeto de pesquisa, trataremos do conceito de direitobaseado na lei moral, o que podemos chamar de conceito transcendental do direito, namedida em que este aspecto do direito em Kant se fundamenta, assim como a moral, naidéia transcendental da liberdade.

4.2 O fundamento de validade do direito em Kant 

Como o objetivo deste artigo é analisar a fundamentação transcendental do direito em

Kant, nos caberá agora a explicitação, a partir da base teórica construída nos capítulosanteriores, do fundamento transcendental de validade do direito, no que tange a suapossibilidade e a sua relevância para o atual debate doutrinário sobre a questão dofundamento de validade do direito.

O direito em Kant possui uma dupla fundamentação: por um lado, a máxima de açãoque diz que devemos obedecer à ordem jurídica passa pelo teste do imperativocategórico, por outro, o imperativo categórico, mesmo sendo formal, constitui-se emteste para a legitimação dos conteúdos da ordem jurídica[67]. 

Com relação à primeira fundação, trata-se de uma conseqüência lógica do que foiexposto no capítulo sobre a filosofia prática de Kant. Com efeito, afirmamos naquelaoportunidade que o imperativo categórico era a forma da lei moral para o homem eordenava a ação com base no principio segundo o qual a máxima desta ação pudesse sererigida em lei universal.

Ora, a máxima segundo a qual devemos obedecer à ordem jurídica é uma máxima quepode ser erigida sem contradição à lei universal. Pois que, pensando na máxima oposta(segundo qual não devemos obedecer à ordem jurídica) fica evidente que tal máximanão poderia ser erigida em lei universal, já que entraria em contradição consigo mesmaao eliminar aquilo que lhe serve de premissa, i.e, a validade da ordem jurídica. Com

efeito, caso ninguém obedecesse à ordem jurídica a mesma deixaria de ter validade[68]. 

A segunda fundamentação leva em conta a possibilidade de o imperativo categóricoservir como critério legitimador do conteúdo das leis jurídicas[69], já que Kant admite anecessidade de que as condutas exigidas pela legislação jurídica (ou seja, externa) seadéqüem às exigências materiais da lei moral no que tange a realização do reino dos finse da consideração da pessoa como fim em si mesmo[70]. 

Trata-se, portanto, de uma fundamentação quanto à materialidade das normas jurídicas:não se admite qualquer conteúdo, mas apenas aqueles capazes de valerem como leiuniversal.

Page 12: O Fund Amen To de Validade Do Direito Em Kant

5/17/2018 O Fund Amen To de Validade Do Direito Em Kant - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/o-fund-amen-to-de-validade-do-direito-em-kant 12/16

Com efeito, pode-se dizer que os níveis de fundamentação transcendental do direito emKant dão ênfase a diferentes aspectos do direito. A fundamentação pautada napossibilidade de universalidade da máxima segundo a qual se deve obedecer à ordem

 jurídica tem em vista principalmente, a nosso ver, a fundamento formal de validade dodireito. Nesse sentido, este nível de fundamentação do direito apenas nos revela a

necessidade de obediência à ordem jurídica como um dever moral, sem atentar para oconteúdo deste direito.

A fundamentação do direito pautada no imperativo categórico como critério legitimadorda materialidade do direito, por sua vez, leva em conta principalmente o aspectomaterial, o conteúdo do direito e não a sua forma. Portanto, em uma mesma teoria se daconta da fundamentação material e formal do direito.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Com os jusnaturalistas justificou-se o direito segundo um direito superior e imutável

chamado Direito Natural cujo conteúdo determinaria a validade material do direitopositivo[71]. Trata-se, nesse sentido, de uma postura dogmática. Em contrapartida, o

 juspositivismo, estruturado no relativismo filosófico, apresenta-nos um fundamentoformal de validade para o direito. No entanto, tal fundamentação não é cabível nos diasde hoje, pois incitaria suspensão de juízos de valor a respeito de atrocidades do séculoXX, tal como o nazismo.

Portanto, tendo em vista que uma das dificuldades da atual discussão doutrinária arespeito do fundamento de validade do direito é a superação de tais correntes e, alémdisso, a reunião em uma mesma teoria do fundamento material e formal do direito sem,contudo, apelar para o juspositivismo (forma) ou jusnaturalismo (matéria), a duplafundamentação transcendental pode ser apontada como uma solução possível.

Em Kant, enfim, já se encontrava uma saída para o atual embaraçamento da Filosofia doDireito pós-positivista com relação ao problema do fundamento de validade do direito.A filosofia do direito kantiana, é claro, não encerra o assunto, mas se coloca como umapossibilidade real de solução ou, ao menos, como um constructo jurídico-teórico de talvalor que se possa dizer que qualquer discussão elementar quanto ao fundamento devalidade do direito deva passar primeiro por Kant.

Referências HUME, David. Tratado de la natureza humana. Edição eletrônica: Libros En La Red,2001.KANT, Immanuel. A metafísica dos costumes. Bauru: Edipro, 2003.KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. São Paulo: Martin Claret, 2003.KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Martin Claret, 2006.KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo: MartinClaret, 2002.KERSTING, Wolfgang. O Fundamento de Validade da Moral e do Direito em Kant. In:TRAVESSONI GOMES, Alexandre (Coordenador.). Kant e o Direito, Belo Horizonte:

Mandamentos, 2009.

Page 13: O Fund Amen To de Validade Do Direito Em Kant

5/17/2018 O Fund Amen To de Validade Do Direito Em Kant - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/o-fund-amen-to-de-validade-do-direito-em-kant 13/16

MAIA NETO, J. R. Anotações do curso de História da Filosofia Moderna I,ministrado no curso de graduação em Filosofia da Univerdade Federal de Minas Gerais.Belo Horizonte, 2009.MATA-MACHADO, Edgar de Godoi da. Elementos de teoria geral do direito:

introdução ao direito. Belo Horizonte: Líder, 2005.

MERLE, Jean-Christophe; TRAVESSONI GOMES, Alexandre. A moral e o direitoem Kant: ensaios analíticos. Belo Horizonte: Mandamentos, 2007.PASCAL, Georges. Compreender Kant. Petrópolis: Vozes, 2008.SALGADO, Joaquim Carlos. A idéia de justiça em Kant: seu fundamento naliberdade e na igualdade. Belo Horizonte: UFMG, 1986.Salgado, Karine. A Paz Perpétua de Kant. Belo Horizonte: Mandamentos, 2008.TRAVESSONI GOMES, Alexandre. O Fundamento de Validade do Direito: Kant eKelsen. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004.VIEIRA, Leonardo Alves. Anotações do curso de História da Filosofia Moderna II,ministrado no curso de graduação em Filosofia da Univerdade Federal de Minas Gerais.Belo Horizonte, 2009.

Welzel, Hans. Introducción a la filosofia del derecho  – 

 Derecho natural y justiciamaterial. Traducción Felipe González Vion. Madrid: Agulhar, 1974.

Notas: [1] Artigo elaborado a título de iniciação científica com financiamento do PROBIC(Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica) da PUC Minas e soborientação do Prof. Dr. Alexandre Travessoni Gomes.[2] TRAVESSONI GOMES, Alexandre. O Fundamento de Validade do Direito: Kante Kelsen, p. 31-32. 2004.[3] KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Martin Claret, p. 25-27.2006.[4] KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Martin Claret, p. 55-56.2006.[5] HUME, David. Tratado de la natureza humana. Edição eletrônica: Libros En LaRed, p. 20-21. 2001.[6] MAIA NETO, J. R. Curso de História da Filosofia Moderna I. Anotações.UFMG. 2009.[7] KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Martin Claret, p. 46-55.2006.[8] PASCAL, Georges. Compreender Kant. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2008. 206 p.[9] SALGADO, Joaquim Carlos. A idéia de justiça em Kant: seu fundamento na

liberdade e na igualdade, p. 81. 1986.[10] KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Martin Claret, p. 30. 2006.[11] KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Martin Claret, p. 29. 2006.[12] KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Martin Claret, p. 44-47.2006.[13] SALGADO, Joaquim Carlos. A idéia de justiça em Kant: seu fundamento naliberdade e na igualdade, p. 81-82. 1986.[14] KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Martin Claret, p. 45-46.2006.[15] KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Martin Claret, p. 49-50.2006.

[16] SALGADO, Joaquim Carlos. A idéia de justiça em Kant: seu fundamento naliberdade e na igualdade, p. 88-89. 1986.

Page 14: O Fund Amen To de Validade Do Direito Em Kant

5/17/2018 O Fund Amen To de Validade Do Direito Em Kant - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/o-fund-amen-to-de-validade-do-direito-em-kant 14/16

[17] KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Martin Claret, p. 51-52.2006.[18] KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Martin Claret, p. 52-55.2006.[19] KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Martin Claret, p. 65-67.

2006.[20] KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Martin Claret, p. 89-90.2006.[21] Kant vai além ao entender que os conhecimentos racionais válidos para todos oshomens (pois que referentes ao sujeito transcendental) são válidos também para todo serracional em geral.[22] KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Martin Claret, p. 65-67.2006.[23] KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Martin Claret, p. 67-77.2006.[24] VIEIRA, Leonardo Alves. Curso de História da Filosofia Moderna II.

Anotações.[25] KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Martin Claret, p. 82-87.2006.[26] SALGADO, Joaquim Carlos. A idéia de justiça em Kant: seu fundamento naliberdade e na igualdade, p. 103-104. 1986.[27] KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Martin Claret, p. 169-170.2006.[28] TRAVESSONI GOMES, Alexandre. O Fundamento de Validade do Direito:Kant e Kelsen, p. 102-103.[29] SALGADO, Joaquim Carlos. A idéia de justiça em Kant: seu fundamento naliberdade e na igualdade, p. 82-83. 1986.[30] KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Martin Claret, p. 30-31.2006.[31] KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Martin Claret, p. 35-37.2006.[32] KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Martin Claret, p. 479-482.2006.[33] Segundo Salgado, Kant foi o primeiro filósofo a centralizar seus esforços naresolução do problema da liberdade enquanto condição de possibilidade da eticidade(Cf. SALGADO. A idéia de justiça em Kant: seu fundamento na liberdade e naigualdade, p. 14-15, 1986).

[34] KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo:Martin Claret, p. 79-80, 2002.[35] KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo:Martin Claret, p. 81, 2002[36] KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo:Martin Claret, p. 86-87, 2002.[37] KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. São Paulo: Martin Claret, p. 27,2003.[38] KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. São Paulo: Martin Claret, p. 29-30,2003.[39] KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. São Paulo: Martin Claret, p. 27.

2003.

Page 15: O Fund Amen To de Validade Do Direito Em Kant

5/17/2018 O Fund Amen To de Validade Do Direito Em Kant - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/o-fund-amen-to-de-validade-do-direito-em-kant 15/16

[40] KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. São Paulo: Martin Claret, p. 36.2003.[41] KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. São Paulo: Martin Claret, p. 27.2003.[42] KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. São Paulo: Martin Claret, p. 40-43,

2003.[43] KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. São Paulo: Martin Claret, p. 42,2003.[44] KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. São Paulo: Martin Claret, p. 27-28.2003.[45] KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo:Martin Claret, p. 82-83, 2002.[46] KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo:Martin Claret, p. 86-87, 2002.[47] KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. São Paulo: Martin Claret, p. 40-43,2003.

[48] SALGADO, Joaquim Carlos. A idéia de justiça em Kant: seu fundamento naliberdade e na igualdade, p. 212-214, 1986.[49] KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. São Paulo: Martin Claret, p. 42,2003.[50] KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo:Martin Claret, p. 84-85, 2002.[51] Segundo Salgado, a vontade em Kant é unitária, mas aparece de formas diferentes.(Cf. SALGADO. A idéia de justiça em Kant: seu fundamento na liberdade e naigualdade, p. 161.1986).[52] KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo:Martin Claret, p. 86-87, 2002.[53] KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo:Martin Claret, p. 87-88, 2002.[54] KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. São Paulo: Martin Claret, p. 57-60.2003.[55] Adota-se aqui a terminologia de Travessoni Gomes. (Cf TRAVESSONI GOMES,Alexandre. O Fundamento de Validade do Direito: Kant e Kelsen, p. 128-130. 2004).[56] KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. São Paulo: Martin Claret, p. 92-99.2003.[57] TRAVESSONI GOMES, Alexandre. O Fundamento de Validade do Direito:Kant e Kelsen, p. 127-128, 2004.

[58] KERSTING, Wolfgang. O Fundamento de Validade da Moral e do Direito emKant. In: TRAVESSONI GOMES, Alexandre (Coordenador.). Kant e o Direito , p.157-159, 2009.[59] KANT, Immanuel. A metafísica dos costumes. Bauru: Edipro, p. 71-72, 2003.[60] KANT, Immanuel. A metafísica dos costumes. Bauru: Edipro, p. 72, 2003.[61] MERLE, Jean-Christophe; TRAVESSONI GOMES, Alexandre. A moral e odireito em Kant: ensaios analíticos, p. 82. 2007.[62] Salgado, Karine.A Paz Perpétua de Kant , p.73-74. 2008. [63] MERLE, Jean-Christophe; TRAVESSONI GOMES, Alexandre. A moral e odireito em Kant: ensaios analíticos, p. 111-113. 2007.[64] MERLE, Jean-Christophe; TRAVESSONI GOMES, Alexandre. A moral e o

direito em Kant: ensaios analíticos, p. 117-118. 2007.

Page 16: O Fund Amen To de Validade Do Direito Em Kant

5/17/2018 O Fund Amen To de Validade Do Direito Em Kant - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/o-fund-amen-to-de-validade-do-direito-em-kant 16/16

[65] MERLE, Jean-Christophe; TRAVESSONI GOMES, Alexandre. A moral e odireito em Kant: ensaios analíticos, p. 117-119. 2007.[66] MERLE, Jean-Christophe; TRAVESSONI GOMES, Alexandre. A moral e odireito em Kant: ensaios analíticos, p. 112-113. 2007.[67] MERLE, Jean-Christophe; TRAVESSONI GOMES, Alexandre. A moral e o

direito em Kant: ensaios analíticos, p. 82-83. 2007.[68] MERLE, Jean-Christophe; TRAVESSONI GOMES, Alexandre. A moral e odireito em Kant: ensaios analíticos, p. 82-83. 2007.[69] MERLE, Jean-Christophe; TRAVESSONI GOMES, Alexandre. A moral e odireito em Kant: ensaios analíticos, p. 83. 2007.[70] SALGADO, Joaquim Carlos. A idéia de justiça em Kant: seu fundamento naliberdade e na igualdade, p. 223-224, 1986.[71] Destaca-se que a corrente denominada jusnaturalista não se apresenta de umaforma uníssona ao longo da história. Portanto, deve-se ressalvar que o jusracionalismo,ou o jusnaturalismo moderno, não pretende uma fundamentação supra positiva para odireto dos homens, mas, sim, pretendem a própria fundamentação do Direito Moderno,

conforme nos ensina Edgar da Mata Machado.

Informações Sobre o Autor

Vitor Amaral Medrado

Mestrando em Teoria do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e graduandoem Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Advogado