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A navegação consulta e descarregamento dos títulos inseridos nas Bibliotecas Digitais UC Digitalis, UC Pombalina e UC Impactum, pressupõem a aceitação plena e sem reservas dos Termos e Condições de Uso destas Bibliotecas Digitais, disponíveis em https://digitalis.uc.pt/pt-pt/termos. Conforme exposto nos referidos Termos e Condições de Uso, o descarregamento de títulos de acesso restrito requer uma licença válida de autorização devendo o utilizador aceder ao(s) documento(s) a partir de um endereço de IP da instituição detentora da supramencionada licença. Ao utilizador é apenas permitido o descarregamento para uso pessoal, pelo que o emprego do(s) título(s) descarregado(s) para outro fim, designadamente comercial, carece de autorização do respetivo autor ou editor da obra. Na medida em que todas as obras da UC Digitalis se encontram protegidas pelo Código do Direito de Autor e Direitos Conexos e demais legislação aplicável, toda a cópia, parcial ou total, deste documento, nos casos em que é legalmente admitida, deverá conter ou fazer-se acompanhar por este aviso. O fim da “Riqueza das Nações”? : algumas reflexões a propósito da globalização financeira Autor(es): Pires, Catarina Publicado por: Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra URL persistente: URI:http://hdl.handle.net/10316.2/24788 Accessed : 29-Aug-2021 02:17:37 digitalis.uc.pt impactum.uc.pt

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O fim da “Riqueza das Nações”? : algumas reflexões a propósito da globalizaçãofinanceira

Autor(es): Pires, Catarina

Publicado por: Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

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BOLETIM DE CIÊNCIAS ECONÓMICAS

COIMBRA

UNIVERSIDADE DE COIMBRAFACULDADE DE DIREITO

VOLUME XLIV 2 0 0 1

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O FIM DA “RIQUEZA DAS NAÇÕES”? 243

O FIMDA “RIQUEZA DAS NAÇÕES”?

– ALGUMAS REFLEXÕES A PROPÓSITODA GLOBALIZAÇÃO FINANCEIRA1

“Seria demasiado ridículo, ou mesmo demasiado difícil,tentar provar que a riqueza não consiste no dinheiro,ou no ouro ou na prata; mas naquilo que o dinheirocompra, e que só vale por aquilo que compra. O di-nheiro representa, sem dúvida, uma parte do capitalnacional; mas já se demonstrou que, normalmente, éapenas uma pequena parte, e sempre a mais desvanta-josa”.2

1. A globalização financeira: uma nova imagem daeconomia mundializada

A mundialização da economia3 constitui um processocomplexo que se vem desenvolvendo desde os tempos do

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1 O presente texto corresponde a um trabalho realizado duranteo ano lectivo de 1999-2000, na sequência de uma proposta de pes-quisa dirigida pelo Prof. Doutor Avelãs Nunes aos alunos de Econo-mia do 5º ano.

2 A. SMITH, p. 732 ss.3 Empregamos os termos “mundialização” e “globalização” como

sinónimos. Contudo, esta utilização não é consensual: a “globalização”revela-se, pois, controversa logo ao nível lexical. Sobre a plurisigni-ficação da “globalização” vide CORDELLIER, p. 21-23 e DAGORN,p. 187-204.

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capitalismo mercantil4. Phillip Cerny5 define a globalizaçãoeconómica actual do seguinte modo: “it transforms theinternational economy from one made up of holistic natio-nal economies interacting on the basis of a national“comparative advantage” into one in which a variety of“competitive advantages” are created in ways which arenot dependent on the nation-state as social economic and/or political unit”. Os processos produtivos e as estratégiasde comércio internacional passaram a organizar-se sob mol-des diversos: não é já a “complementaridade produtiva”mas as “vantagens competitivas” que ditam as escolhasquanto ao investimento público e privado. Emerge umaconcorrência generalizada, particularmente intensa ao níveltecnológico6 e ao nível financeiro7.________________________

4 Com opinião idêntica, entendendo que o processo de globa-lização não corresponde a uma nova “época” económica mas a maisuma fase de uma época já inaugurada, veja-se NUNES (Anabela),p. 1 ss. Também outros autores, como Piel (PIEL, p. 162-166) eO’ROURKE/ WILLIAMSON, consideram que a actual mundializaçãoda economia se terá iniciado em 1860. Todavia, parece ser de reco-nhecer alguma diferença entre o grau de integração e o tipo de pro-blemas suscitados pela economia de oitocentos e a situação actual.Para uma análise das diferenças entre a globalização no século XIX eno séc. XX vide EICHENGREEN [1].

5 “Globalization and Other Stories: the Research of a New Para-digm for International Relations”, apud MCQUOCORDALE, p. 735-766.

6 Para uma análise do impacto da novas tecnologias na interna-cionalização da economia vide CASTELLS [1], p. 307-311. Este autor([2], p. 18 a 21) considera que a evolução sócio-económica revelauma sucessão de paradigmas tecnológicos, pelo que as crises econó-micas seriam também explicáveis com base no esgotamento de modelosde progresso tecnológico. Na verdade, a tecnologia é o centro degravidade da “nova economia” e a rivalidade económica entre paísesindustrializados (por exemplo, Japão e Estados Unidos) centra-se, cadavez mais, numa competição pelo domínio de economias-chave e nãotanto no controlo de matérias primas e produtos. A “globalizaçãotecnológica” tem provocado modificações, tanto no conceito de

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Embora não represente uma novidade na vida de umsistema económico vocacionalmente expansivo, a presente“mundialização” exibe marcas de originalidade, em espe-cial no que toca à importância da matéria financeira. Ditode outro modo, no momento que vivemos, a economiamundializada reflecte a imagem da “globalização financeira”8.

O processo de expansão da mobilidade dos factoresprodutivos e dos bens e serviços que esteve na sua ori-gem é já antigo, muito embora conhecesse diferentes con-figurações ao longo do tempo. C. Michalet9 entende serpossível distinguir três fases de mundialização, correspon-dendo a cada uma delas uma “filosofia” económica dis-tinta. Em primeiro lugar, a da economia internacional, pau-tada por uma lógica de trocas de bens e serviços entreEstados-Nação, de acordo com uma orientação de espe-cialização produtiva respeitadora das soberanias estaduais,dando mostras de uma forte ligação entre as trocas comer-ciais e os destinos dos fluxos financeiros. Nessa altura, o

“Estado” (nesse sentido, ARCHIBUGI/MICHIE, p. 13-16), como nafronteira e coordenação entre poderes públicos e poderes privados(ROSENBERG, p. 57-67).

7 A nova competição, centrada na aquisição de vantagens finan-ceiras e tecnológicas, é particularmente nítida nas chamadas indústriasda “nova economia”. Por exemplo, a “AOL” consegue trabalhar com12 100 empregados, apresentar um volume de vendas anual na basedos 948 milhões de contos e montantes de capitalização na ordemdos 28 000 milhões de contos (valor de 1998) – VISÃO, 20 de Ja-neiro de 2000, p. 95. Segundo um estudo elaborado pelo Departa-mento de Comércio dos EUA, as indústrias produtoras de novastecnologias da informação justificam 8,5% do PIB e 35% do cresci-mento dos EUA (AZEVEDO, p. 24).

8 Segundo André Orléans (apud CHESNAIS, [2], p. 305): “leséconomies contemporaines ont pour caractéristiques centrales d’avoirporté le pouvoir financier à un niveau jamais atteint et de l’avoirplacé au centre même de leur régime d’accumulation”.

9 MICHALET, p. 15 ss.

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papel o do Estado na economia é considerado positivo enecessário. Depois, esta fase teria dado lugar à “economiamultinacional” a partir dos anos sessenta, altura em que seiniciam os principais movimentos descolonizadores. Esta novaetapa viria evidenciar, segundo Michalet, uma crescenteimportância concedida aos fluxos de investimentos direc-tos no estrangeiro e à mobilidade e deslocalização das pro-duções. Os esforços congregam-se agora no sentido de umaimplementação do poder das empresas multinacionais e deum desdobramento das suas actividades em vários países10,incentivados por um propósito de difusão do modo de pro-dução capitalista no sentido norte-sul11. Os poderes públi-cos começam a sofrer progressivos constrangimentos nodesempenho das suas funções. Por fim, alcançamos a faseda “economia global”, iniciada na década de oitenta edistinta das demais pelo predomínio do sector financeiro.Agora, a estratégia de organização e gestão empresarial passaa gravitar em torno da ideia de “lucro financeiro”, das van-

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10 J. Mazur (MAZUR, p. 57) estima que das 100 maiores econo-mias do mundo, 51 sejam empresas. A “General Motors”, por exem-plo é, segundo dados do Banco Mundial, a 23ª maior potência eco-nómica mundial, apresentando um volume de negócios que quase queduplica o PIB português. O poder de mercado e de influência dadecisão política das multinacionais tende a fortalecer-se com os pro-cessos de fusões e aquisições, os quais têm vindo a aumentar, ron-dando as 26 mil operações durante o ano de 1998, valor que dupli-ca o do ano anterior (PÚBLICO, 30 de Novembro de 1999, p. 2).

11 A associação entre o modo de produção e sistema econó-mico capitalista e a “globalização” é frequente. Thomas Friedman(FRIEDMAN, p. 33) realça que “a globalização significa a generaliza-ção do capitalismo de mercado livre a praticamente todos os paísesdo mundo”. Wallerstein (apud BECK, p. 57-59 ) defendeu, já na dé-cada de setenta, que o motor da globalização é o próprio capita-lismo. As crises explicar-se-iam, segundo o autor, em virtude das con-tradições à escala mundial provocadas pela universalização do sistemacapitalista.

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tagens competitivas que podem advir da colocação doinvestimento nos sectores do mercado que exibam taxasde rentabilidade mais elevadas e da colocação dos própriosdestinos da empresa ao dispôr dos accionistas. A lógica de“financiarização” empresarial passa a ditar o futuro do inves-timento em cada unidade de produção, bem como a ges-tão das relações salariais.

A integração económica global atinge fundamental-mente o capital: os demais factores de produção ou sãoimóveis ou apresentam um grau de mobilidade bastantereduzido. Assistimos à expansão de um mercado planetá-rio de moeda e crédito, marcado por uma “unidade detempo” e, simultaneamente, por uma “unidade de lugar”12.

Irreversível, segundo uns, transitória, segundo outros13,a “globalização financeira” que marca a nossa época não éuma pura ilusão: as suas consequências estão bastante pre-sentes, tanto na economia, como na sociedade contempo-râneas. É precisamente a análise destas consequências e dareacção que, porventura, devam suscitar que constitui oobjectivo fundamental deste trabalho. O que aconselha aque, antes de mais, se teçam algumas considerações acercadas circunstâncias históricas do aparecimento do novo para-digma da “globalização financeira”. Procuraremos, então,esmiuçar alguns dos aspectos notáveis da história econó-mica das últimas décadas14.

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12 PHLION, [1], p. 10613 Contrariando a tese preconizada por Robert Reich em “The

work of nations”, M. Bienefeld (BIENEFELD, p. 469-495) advoga quea emergência de mercados globais e a erosão da soberania económicanacional das últimas décadas não constituem processos inevitáveis ounecessários. Sobre o problema da (i)rreversibilidade da globalizaçãoem geral vide MADEUF, p. 233-236.

14 Isto é, a partir da IIª Guerra Mundial. Consideramos esteconflito como o início de uma nova fase de evolução, tanto eco-nómica como política. É na “ordem mundial” do pós-guerra que

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2. Breve evolução do sistema monetário e financei-ro internacional

2.1. O declínio do “modelo” de Bretton Woods

A transição de um “modelo” de estabilidade-cresci-mento de Bretton Woods para o modelo liberal da décadade setenta deve ser observada tanto de um ponto de vistasupraestadual, privilegiando as mutações ocorridas no regimemonetário e cambial internacional, como de um ponto devista interno, prestando atenção ao modo como evoluiramas relações entre Estado, economia e sociedade, na teoriae na prática económicas.

Dos anos quarenta até aos anos setenta, as relaçõesmonetárias entre os principais protagonistas do comérciointernacional operaram nos quadros do sistema delineadona conferência de Bretton Woods15. Em vista ao favore-cimento das trocas internacionais de bens e serviços entreespaços económicos fragilizados pela guerra e a uma pro-gressiva liberalização do comércio internacional16, Bretton

emergem as relações de poder que marcariam a vida do Ocidenteaté ao desmembramento do Bloco de Leste e que determinados paí-ses – v.g. os Estados Unidos, com o protagonismo económico que,desde o plano Marshall, lhe é reconhecido, mas também os paíseseuropeus, envolvidos num esforço progressivo de integração econó-mica – se podem afirmar como principais actores das relações finan-ceiras internacionais. É ainda por esta altura que têm início os proces-sos descolonizadores que levam ao aparecimento de novos Estados,muitos deles integrando o núcleo de países subdesenvolvidos, e queas relações internacionais passam a gravitar não já tanto em tornodas expressões da soberania estadual, entendida em termos clássicos,mas dos poderes de organizações internacionais.

15 Sobre o sistema de Bretton Woods e do papel do FMI noseu seio vide CARREAU, p. 329-398.

16 Até porque se entendeu, ainda fresca a memória da guerra,que a solidez das relações e da integração económica entre os Esta-dos favoreceria a manutenção e o fortalecimento da paz no Ocidente.

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Woods veio instituir o sistema de padrão ouro-dólar e criaro Fundo Monetário Internacional (FMI)17 e o Banco Mun-dial18. Ao aderirem ao FMI, os Estados assumiam umaobrigação de fixar uma paridade central da sua moeda porreferência à taxa de conversão do dólar em ouro, compro-metendo-se igualmente a garantir que a sua moeda nãoconhecesse margens de flutuação superiores a 1% relativa-mente à paridade central, excepto se se verificassem situaçõesde “desequilíbrio fundamental da balança de pagamentos”.Em contrapartida, o Fundo disponibilizava determinadasformas de financiamento, nomeadamente empréstimos emdivisa “forte”, para que o país beneficiário pudesse evitarrecessões, quase inevitáveis face à rigorosa obrigação de esta-bilidade cambial assumida. O sistema financeiro emergenteno pós-guerra é predominantemente um sistema de finan-ciamento público dos desequilíbrios nos pagamentos inter-nacionais, seja a nível bilateral, com o “plano Marshall”ou com as ajudas à Coreia do Sul e à Formosa, seja anível multilateral, no âmbito das instituições de BrettonWoods. Numa época em que inexistia um verdadeiro mer-cado internacional de capitais, com proporções compará-veis às actuais, a maioria dos financiamentos eram realizadosem benefício de Estados e sujeitos às restrições impostas

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17 O objectivo essencial do FMI foi o de favorecer as trocasinternacionais sobre uma base monetária multilateral, protegendo a“economia real” das turbulências dos mercados financeiros.

18 Em Bretton Woods, foram apresentados dois projectos deedificação das relações financeiras internacionais: o projecto america-no de White e o projecto inglês de Keynes. O primeiro, que foi oque vingou, privilegiava a prossecução de um objectivo de estabili-dade cambial, através da criação de um fundo que reunisse recursossuficientes para auxiliar os países que se debatiam com problemas dedéfice da balança de pagamentos. Já o projecto de Keynes apontavapara a criação de uma União de Compensação Internacional e deuma unidade monetária internacional.

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pelo FMI, enquanto prestamista19. O controlo económicopermanente do Fundo praticamente arredava a possibili-dade de um endividamento estadual que culminasse numacrise da balança de pagamentos.

Se, ao nível internacional, os Estados se comprome-tiam em honrar compromissos de estabilidade cambial, noplano interno as suas obrigações eram também cada vezmais importantes, com a viragem de um Estado Liberalpara um Estado Social, incumbido de novos “agenda”,como a estabilização da economia20 e a redistribuição dorendimento21. A política económica inspirava-se nas políti-cas keynesianas de pleno emprego. A equação de base dosgovernos tinha por termos o crescimento económico e amaior equidade social, imperativos a garantir por via deuma acção interventora do Estado, a que se associavam osBancos Centrais, então organismos “não neutros” face àsdecisões de política económica dos governos e às oscila-ções da “economia real”. Por outro lado, é nítido o________________________

19 Note-se, contudo, que foi nesta época que se começou aformar um outro tipo de mercado de capitais, alheio aos constrangi-mentos impostos pelas regulações financeiras apertadas, composto porcapitais predominantemente privados (os lucros das empresas multina-cionais norte-americanas na Europa que não regressavam aos EstadosUnidos) e impulsionado pelo crescimento do défice da balança decapitais norte-americana e pela política anti-inflacionista praticada nestepaís: o mercado dos euro-dólares. Sobre o aparecimento deste sis-tema monetário privado sob a forma de “euro mercados” vide CAR-

REAU, p. 471-478. Sobre as causas de aparecimento e de expansãodo mercado dos “eurodólares” vide J. ADDA, [1], p. 140 a 142. Sobreo contributo deste mercado para o aparecimento das perturbaçõesmonetárias da década de setenta pode ver-se DENIZET, p. 58-78.

20 A ideia de que o Estado deve intervir enquanto reguladordas oscilações cíclicas da economia constituiu um dos pontos funda-mentais da doutrina económica dos Estados e do pensamento econó-mico após a crise de 1929-1933, em especial na obra de J. M. Keynes.

21 Esta nova função do Estado é exigida pelo poder da mão--de-obra organizada em sindicatos e em movimentos proletários.

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esforço em dotar o sistema financeiro de uma armadurarobusta que pudesse suster a eclosão de novas “quintas-feirasnegras”: foi tempo de regulamentar os mercados, fixandolimites administrativos à concessão de crédito, estipulandotaxas de juro, restringindo e regulando o acesso às activi-dades económicas.

A estabilidade e prosperidade económica do mundodividido em Yalta assentava num postulado de supremaciaeconómica dos Estados Unidos. Ora, se em 1945 fazia sen-tido um regime de padrão ouro-dólar, pois nessa altura areserva federal norte-americana dispunha de cerca de ¾ dasreservas de ouro mundiais, em 1970 era já manifesta a des-proporção entre o valor do dólar (e a confiança depositadanesta divisa22) e as reservas de ouro nos cofres do Tesouroamericano23. É neste contexto de desadequação do sistemainstituído face à evolução económica internacional que R.Nixon declara, em 15 de Agosto de 1971, a suspensão daconvertibilidade do dólar em ouro24.________________________

22 Desde o início da década de sessenta que a abundância doouro vinha provocando uma crise de confiança nesta divisa, aumen-tando o preço do ouro em termos de dólares, com o incrementodos pedidos de conversão. A situação agrava-se, a partir de Marçode 1968, com a dissolução do “pool” do ouro.

23 As causas apontadas para esta desproporção têm sido várias:desde o esgotamento dos recursos em ouro e depreciação do dólar, àdeterioriação da situação económica global norte-americana (maxime,desajustamentos na balança comercial). Sobre a evolução da balançacomercial norte americana e situação do valor da taxa de câmbio dodólar em 1970 vide SAMUELSON, [1], p. 675 e 725, respectivamente.É discutível se a crise de B. Woods se ficou a dever a uma fraquezada economia americana ou a uma tomada de consciência da fragili-dade do sistema. Para uma explicação das razões da “corrida aos dóla-res” com base na evolução das taxas de inflação em países com taxasrelativamente altas de crescimento económico vide EICHENGREEN, [2],p. 199 a 202.

24 Esta medida surge acompanhada de outras decisões, comoa de congelamento de rendas e salários e compressão de despesas

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Uma leitura atenta dos motivos da falência do modelode Bretton Woods não pode deixar de reparar em doisaspectos fundamentais. Primeiro: um sistema como o dopadrão ouro-dólar só pode funcionar com o apoio de umaestreita cooperação internacional. Segundo: a plena mobili-dade do capital quadra mal com um objectivo de indexa-ção cambial. A partir do momento em que a mobilidadedas operações financeiras internacionais aumenta, torna-seextremamente oneroso para países com “moeda fraca”defender uma certa paridade. Doutra parte, atendendo àvolatibilidade e à dimensão das operações que nestes mer-cados se desenvolvem, poucos países de “moeda forte” esta-rão dispostos a intervir em auxílio daqueles, posto que tran-sigir num tal esforço poderá implicar uma penalização dassuas próprias economias.

O abandono definitivo das taxas de câmbio “fixas”em 1973, assumindo o malogro do Acordo Smithosiano25,constituiu um primeiro passo no sentido da formação deum mercado financeiro à escala mundial, ao abrir caminhoà abolição de controlos sobre os movimentos de capitais eao encorajar um amplo conjunto de medidas destinadas a des-regulamentar e liberalizar as “trocas” financeiras26. A dou-

públicas. A data de 15 de Agosto de 1971 significou a inconverti-bilidade de uma divisa-padrão de uma economia dominante, mastambém um rude golpe especulativo contra aquele que era, então, osímbolo mais poderoso do sistema capitalista (PERROUX, p. 9-10 e14-17).

25 Este acordo consistiu numa das últimas tentativas para salvaro que restava de Bretton Woods, através de uma alteração do preçooficial do ouro, do realinhamento das taxas de câmbio e da amplia-ção das suas margens de oscilação.

26 Há quem considere três etapas fundamentais no processo deliberalização e globalização financeiras. A primeira seria a do aban-dono do sistema de câmbios fixos de Bretton Woods. A segunda, aliberalização dos fluxos de capitais e titularização da dívida pública.

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trina económica monetarista que, na época, beneficiou dofavor dos governos e do aplauso dos economistas, exortouà adopção de um regime de taxas de câmbio flutuantes,em que o valor relativo das moedas depende das forçasde mercado, o mesmo será dizer, das estratégias adoptadaspelos maiores investidores. O monetarismo friedmanianopersuade os decisores políticos em envidar esforços no sen-tido da desregulação e liberalização dos mercados, reduçãoda carga fiscal e desintervencionismo estadual. No engodode uma crença na existência de uma estabilidade automá-tica do sistema, faz-se cair em desestima os conselhos daabordagem económica keynesiana. Esta é agora sujeita auma crítica cerrada, culminante na sua responsabilizaçãopelo incremento das taxas de inflação e pelo novofenómeno de “estagflação”, realidades que, doravante, inte-grariam do dia-a-dia das economias desenvolvidas27. A apo-

Por fim, a terceira consistiria no “big bang” da “city” londrina nadécada de oitenta, traduzido na liberalização e na desregulamentaçãodos mercados accionistas – nesse sentido, CHESNAIS, p. 26-27.

27 Os “chicago boys” aconselham os governos a fazer da infla-ção uma espécie de “inimigo público número um”, atribuindo a culpados fenómenos inflacionistas da década de setenta às políticas keyne-sianas de pleno emprego. O keynesianismo teria convertido os BancosCentrais em financiadores da dívida pública dos governos, prejudi-cando o investimento privado por efeito do “crowding out” da des-pesa privada e estimulando pressões inflacionistas, com prossecuçãode políticas de “cheap money”. Para Friedman, o Estado apenas deve-ria garantir a liberdade económica individual: toda e qualquer inter-venção adicional seria prejudicial, ao introduzir distorções no sistemaeconómico, minando a sua eficiência, e desnecessária, posto que, alongo prazo, a economia se encaminha naturalmente para o equilíbriode pleno emprego. No longo prazo, o sistema de preços flexíveis,assegurado pela eliminação da “ilusão monetária”, afiançaria um equi-líbrio correspondente à “taxa natural de desemprego”. Ora, paraFriedman, as políticas keynesianas provocariam um aumento da taxade inflação sem conseguir alterar a situação do emprego, pois o con-

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logia do sistema de câmbios flexíveis com vista a, junta-mente com a garantia de independência dos Bancos Cen-trais28, assegurar a autonomia na condução da política mone-tária, era tida por essencial a uma defesa das economiascontra as investidas da “nova inflação”, duros golpes na“apregoada” eficiência do sistema que os decisores da polí-tica económica não consentiam em tolerar, ainda que opreço desse inconformismo fosse o de um maior desem-prego29. Em vez da estabilidade cambial, passam a privile-giar-se objectivos de autonomia da política monetária eintegração financeira.30 Se a rescisão do sistema de Bretton

trolo da taxa de desemprego só pode ser realizado de modo dura-douro à custa de uma aceleração da inflação – visão aceleracionistada “curva de Phillips”. Sobre a crítica de Friedman a Keynes videNUNES, [1], p. 38 ss e 120 ss.

Mas a decadência do keynesianismo não se ficou a dever ape-nas à crítica monetarista. Influíram ainda factores como: a degrada-ção do poder de reivindicação sindical, em virtude da persistência dodesemprego estrutural e da segmentação do mercado de trabalho; aimpressividade do fenómeno inflaccionista e dos choques petrolíferos,influenciando os rumos das opções económicas; e a reordenação do“poder económico mundial”, com países como o Japão a imporem ní-veis de competitividade bastante elevados ao resto do mundo. Há quemconsidere ainda a “sufocação do Estado-providência” e a “perda desubstância das formas clássicas de negociação colectiva” – ROSAN-

VALLON, p. 102 a 106.28 Sobre o intenso debate teórico travado em torno do problema

da (in)dependência dos Bancos Centrais vide NUNES, [2], p. 219 a239 e PATRÍCIO, p. 37 ss.

29 Sobre a visão estritamente monetária do fenómeno inflacionistapreconizada por Friedman vide NUNES, [1], p. 259 ss e 327 ss.

30 Deste modo, adquirem particular relevo o risco e a instabili-dade cambial. Aquele risco, tal como o considera Teresa Faria (FARIA,p. 11) “consubstancia-se na possibilidade de ocorrência de perdasresultantes de variações de câmbio de divisas inesperadas” e é analisávelsob três aspectos: o risco económico, traduzido na possibilidade de ovalor actual líquido dos “cash flows” variar devido a uma alteração

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Woods operou por efeito da vontade unilateral dos norte--americanos, a extinção do “modelo” e dos referentes desentido que lhe subjaziam resultaram já de um “mútuoconsentimento” das próprias partes nessa experiência.

O regime cambial consiste num conjunto de regrasque definem o poder de intervenção das autoridades nacio-nais nos mercados cambiais. Os dois pólos opostos são oregime de câmbios fixos e o de câmbios flexíveis31; mas,entre um e outro, existem outras modalidades, como a “pari-dade deslizante”32 (“crawling peg”), a flutuação administra-tivamente controlada33, ou o “currency board”34. Depois deBretton Woods, o sistema de câmbios fixos foi retomado,

das taxas de câmbio; o risco de consolidação, correspondente à even-tualidade de perdas emergentes da consolidação de operações interna-cionais, de acordo com regras contabilísticas pré-determinadas; e orisco de transacção, que consiste nas perdas resultantes da contrataçãode transacções cujos termos são fixados em moeda estrangeira.

31 Num sistema de câmbios flutuantes, o valor da divisa dependedo encontro entre a oferta e a procura em termos de mercado, istoé, o câmbio passa a depender das variações na balança comercial ena balança de capitais do país. Num sistema de câmbios fixos, comoo de Bretton Woods ou o do SME, há definição de uma paridadede referência entre a moeda do país considerado e uma outra divisa(ou conjunto de divisas), comprometendo-se os bancos centrais a inter-vir nos mercados, comprando e vendendo moeda para garantir essaparidade. Sobre a evolução dos câmbios flutuantes nas décadas desetenta e de oitenta vide EICHENGREEN, [2], p. 212 a 229.

32 Apesar de existir uma paridade fixa, o valor de referência éperiodicamente revisto em função de parâmetros pré-estabelecidos.

33 Aqui o princípio é o inverso do do caso anterior: a taxa é,em princípio, flutuante, podendo, todavia, as autoridades efectuar inter-venções pontuais nos mercados cambiais para defender uma paridadeconsiderada desejável.

34 Aqui, para além de uma ligação cambial, prescreve-se umadependência do crescimento da massa monetária no interior do paísrelativamente às reservas em divisas na sua posse.

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no palco europeu, pela experiência do SME35 e, mais tarde,pela UEM36; porém, à parte experiências regionais, a grandetendência mundial tem sido a da flutuação cambial. Claro quenão se trata de uma flutuação total, visto a maioria dospaíses não abdicar de um certo controlo cambial, demons-trando mesmo apreço por medidas de estabilização da res-pectiva moeda por referência a divisas “fortes”, como omarco (euro?), o dólar ou o iéne37. Paralelamente, com oaumento da abertura ao exterior e com a crescente mobi-lidade dos capitais, a coordenação monetária surge cada vezmais difícil, como parece ter ficado provado, mau gradoos Acordos do Plaza e do Louvre38, desde o “crash” dabolsa norte-americana em 1987.

35 O SME começou a ser aplicado após 13 de Março de 1979,com o principal objectivo de controlar as flutuações das moedas, den-tro do que era exigível para um correcto funcionamento do mercadocomum. Consistiu num sistema de definição de taxas centrais fixas,com margens de flutuação apertadas, sustentado por mecanismos deapoio a cargo das autoridades nacionais. Sobre a evolução da políticamonetária europeia vide PORTO, p. 301 a 305 e ANDRADE, p. 251 a278. Sobre o SME, CAMPOS, p. 685 a 690.

36 Sobre as etapas e características da UEM vide CAMPOS, p. 690 ss,SILVA, p. 31 a 63 e 79 a 101.

37 Em 1980, de um total de 140 países, 94 declararam preferirtaxas de câmbio fixas e apenas 34 taxas flutuantes. Já em 1998, paraum total de 145 países, o primeiro valor regride para 55 e o segundoaumenta para 73 (LAHRÉCHE-RÉVIL, p. 96-97). Mas, na prática, oscâmbios não flutuam de acordo com o jogo do mercado, mas nostermos da orientação estipulada pelas autoridades monetárias – à excep-ção, obviamente, de espaços como o “espaço euro”, onde as “mano-bras” deixaram de ser possíveis.

38 Os acordos do Plaza e do Louvre, celebrados em 1985 e 1987,respectivamente, visaram estabilizar o valor do dólar e reagir contra aadopção de uma política proteccionista por parte da reserva federalnorte-americana, empenhada em suster a queda do dólar e em atrairo investimento estrangeiro, nomeadamente o japonês. Sobre os refe-ridos acordos vide EICHENGREEN, [2], p. 224 a 229.

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A discussão teórica em torno do regime cambial quemelhor há-de servir os objectivos de estabilidade e com-petitividade económica continua acesa, avivando-se sem-pre que o mundo vê eclodir uma nova crise financeira.A escolha de um regime cambial reveste-se de grandeimportância no que respeita à margem de manobra e aosmeios ao dispôr dos Estados para estabilizarem as respec-tivas economias, influindo ainda sobre as relações comer-ciais com o exterior, dada à reconhecida “vantagem com-petitiva” de uma moeda depreciada.

O câmbio fixo, se é certo contribuir para uma maiorsegurança na vida económica do país – são menores as varia-ções da produção e do emprego – e apresentar-se comouma estratégia relativamente eficaz quando o objectivo éo de desinflação competitiva39, a verdade é que tambémenvolve alguns inconvenientes. Desde o impedimento emajustar a taxa de câmbio nominal para fazer face a cho-ques assimétricos, à possibilidade de um aumento do nívelgeral dos preços, por via da “inflação importada” e suces-sivas depreciações da moeda. Acresce que, segundo a pers-pectiva dos críticos desta alternativa, qualquer programa deestabilização cambial estaria sempre dependente do “testede mercado”, isto é, da reacção antecipada dos investidoresque o poderá, inclusivamente, invalidar, pelo que a deter-minação do “câmbio de equilíbrio” não deveria ser esti-pulada pelos governos, mas antes determinada pelo pró-prio movimento dos mercados.

Os três grandes argumentos que, por seu turno, têmsido invocados em favor dos câmbios flexíveis são: o dopapel de estabilizador automático da economia das taxasde câmbio40; o da melhor distribuição do poder financeiro

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39 Nesse sentido, GOSH.40 Friedman entendia existirem “virtudes estabilizantes” da espe-

culação monetária.

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à escala internacional que propiciam; e o da salvaguarda daautonomia da política monetária, permitindo operar os reque-ridos ajustamentos no caso de choques externos.41 Mas nãofalta quem lhes aponte também desvantagens: a incertezasobre a evolução dos preços dos bens e serviços em moedaestrangeira; os efeitos perniciosos sobre a competitividadeda oferta nacional, logo, sobre a produção e o emprego;os “surtos especulativos” a que dão lugar, etc42... Diz-se aindaque a recuperação de margens de manobra por parte dapolítica monetária é falaciosa, na medida em que, numcontexto de integração financeira, há um forte condicio-namento externo à fixação das taxas de juro no mercadonacional43. Quer isto dizer, se os câmbios flexíveis propi-ciam reajustamentos económicos menos bruscos, em casode “turbulência” no sector financeiro, não deixam tambémde comunicar aos mercados um elevado grau de volatibi-lidade, posto que fazem depender a estabilidade cambialdas expectativas dos investidores.________________________

41 CROS (p. 19) contesta que a opção por um sistema de câm-bios flexíveis possa verdadeiramente conferir um poder de autonomiaà política monetária. Desde logo, porque os próprios movimentos demercado e a volatibilidade cambial acabam por afectar as escolhas eco-nómicas estaduais.

42 STIGLITZ, p. 544-545. Uma característica íntrinseca aos mer-cados cambiais, em regimes de flutuação, é a de que a incerteza dossujeitos económicos quanto à evolução futura da conjuntura e daspolíticas a realizar conduz a comportamentos de reacção por excesso,muitas vezes baseados na imitação de outros operadores. Ora, daquiresulta, evidentemente, uma apreciação ou depreciação excessiva decerta moeda face àquele que seria o seu valor, em termos de taxa decâmbio de equilíbrio (atendendo às variáveis macroeconómicas). Estavolatibilidade cambial prejudica a actividade económica das empresas,a colocação dos investimentos, a expansão do comércio internacionale o crescimento económico. Para uma crítica ao regime de câmbiosflexíveis vide FELIX, p. 181-186.

43 É o ponto de vista perfilhado por AGLIETTA, [1], p. 318 e321.

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Em bom rigor, não sendo nenhum deles perfeito, aescolha de um regime cambial deverá atentar às semelhançase às diferenças que se estabelecem entre as economias dospaíses cujas moedas se poderão submeter a uma políticade coordenação, bem como à própria estrutura económicado país em causa. Sempre que num certo espaço se veri-fiquem as características de uma “zona monetária óptima”44

haverá, em princípio, todo o interesse em fixar as taxasde câmbio, pois assim se permitirá a realização de objec-tivos atinentes à balança de pagamentos e à própria conjun-tura interna (inflação e desemprego) de modo mais eficaz.

Com a ruína dos pilares de Bretton Woods, o sistemamonetário e financeiro internacional sofre mudanças signi-ficativas ao nível do carácter e do destino dos fluxos decapitais internacionais. Vejamos mais de perto qual o sig-nificado e o alcance deste outro desenvolvimento.

2.2. Os novos movimentos internacionais decapitais

2.2.1 Carácter e destino dos investimentos internacionais

Os movimentos internacionais de capitais, desde mea-dos da década de setenta, têm vindo a modificar-se numtriplo aspecto: quanto à area geográfica em que se concen-tram; quanto à natureza do credor e devedor; e quanto àprópria composição e duração do investimento. Conden-sando estes vários aspectos numa única afirmação podería-mos dizer, em relação às “patologias” do sistema monetário

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44 A existência de uma “zona monetária óptima” prende-se coma presença de integração de mercados (de bens e serviços e financei-ros) e com a correlativa mobilidade de factores de produção. É duvi-doso, nesta perspectiva, que a UEM constitua uma zona monetáriaóptima (AZEVEDO, p. 23).

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e financeiro internacional, que a evolução operada ditouuma passagem de crises de endividamento público para crisesde endividamento privado, primacialmente localizadas emzonas económicas “emergentes” e motivadas pelo afluxo de“investimentos de carteira” a curto prazo. Expendamos, con-tudo, algumas palavras mais sobre cada um destes aspectos.

Quanto ao destino que os movimentos de capitais ten-dem a privilegiar, as alterações têm vindo a registar-se numduplo sentido: o de um progressivo endividamento dos Esta-dos Unidos, outrora “credores”, e o de uma preferênciapor aplicações em países em desenvolvimento. Quanto aoprimeiro aspecto, é de realçar que, se sob égide do sistemado padrão ouro-dólar encontrávamos fluxos de carizinterestatal, saídos dos Estados Unidos em direcção à Europa,na década de oitenta são os próprios norte-americanos quese vêem obrigados a recorrer ao financiamento externo,nomeadamente junto ao Japão e à Europa Ocidental.Já quanto ao segundo aspecto, cumpre destacar o papel das“economias emergentes” da América Latina ou da Ásia que,nos anos noventa, surgem como pólos de atracção docapital privado que circula de mercado em mercado, emfunção das oportunidades de lucro. Estima-se que, de 1991a 1994, os agentes privados tenham investido, em termosde fluxos líquidos de longo prazo, cerca de 500 milmilhões de dólares em regiões em desenvolvimento,número que contrasta com os 120 mil milhões de 1986 a198945. Esta movimentação de capitais é explicável combase em factores variados. Em primeiro lugar, factoresconjunturais, onde se incluem razões atinentes à própria

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45 Segundo a informação de ADDA, [2], p. 57. Outros dadosrelevantes (idem, p. 25) são os de que os investimentos privados em“economias emergentes” suplantam hoje os montantes de auxílio pú-blico ao desenvolvimento, ficando estes reservados aos chamados “paísesde terceiro mundo”.

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conjuntura económica dos países industrializados do Oci-dente – a baixa das taxas de juro e o excesso de poupançaprivada – mas também circunstâncias internas de muitospaíses devedores, nomeadamente, o “boom” no preço dosactivos que acompanhou as elevadas taxas de crescimentodestas zonas em desenvolvimento. Em segundo lugar,factores de índole estrutural, onde são de destacar a pros-secução de políticas de privatização e liberalização dos mer-cados e a criação de condições propícias à entrada de capitalestrangeiro, tanto ao nível da taxa de juro, como das con-dições de acesso de investimento estrangeiro. Há quem con-sidere ainda factores políticos e institucionais, como des-regulação e rápida abertura da conta de capital, garantiaspúblicas ao financiamento, e política de esterilização dasentradas de capital46.

Um aspecto que os analistas têm vindo a assinalar,relativamente a estes fluxos de capitais, é o de que taismovimentos revelam um carácter cíclico, aumentando emfase de forte crescimento económico e diminuindo quandoeste abranda. Para além disso, pode ainda notar-se que omovimento de retirada de capitais de um país em desen-volvimento aquando de um choque financeiro – em espe-cial, no que se refere aos capitais colocados a curto prazo– é cerca de duas vezes mais intenso do que o movimentode sinal oposto que se verifica na fase de prosperidade eco-nómica e alta dos mercados. Traduzindo esta ideia emnúmeros, poder-se-á notar que, de 1968 a 1998, os dadosrelativos a 33 países em desenvolvimento demonstram quea elasticidade da dívida privada de curto prazo é de 0,9 %face ao PIB, em fase de crescimento, e de 1,8 %, em épocade “turbulência” financeira47.________________________

46 Para um exame completo das causas dos fluxos internacio-nais de capitais da década de noventa veja-se CALVO/LEIDERMAN eREINHART, p. 125-128 e DADAUSH/DASGUPTA, p. 1 ss.

47 DADUSH/DASGUPTA, p. 3.

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Quanto ao carácter do credor, a modificação operouno sentido de uma substituição das transferências de capi-tais públicos por colocações de capitais privados. Relativa-mente à natureza do devedor, se a crise mexicana de 1982foi ainda uma crise de endividamento externo48, a crisetailandesa de 1997 ficou já marcada por um sobreendivi-damento privado, como adiante melhor se explicitará49.

Por último, atentando à composição dos capitais inves-tidos, salientam-se dois aspectos. Primeiro: a intermediaçãobancária ocupa um papel cada vez menos relevante, sobre-tudo quando comparado com o que tende a assumir oinvestimento bolsista50. Segundo: os investimentos directos,aos quais ainda preside uma certa lógica produtiva, têmvindo a ser suplantados pelos investimentos de carteira, des-locando-se a duração do investimento do médio-longo parao curto e muito curto prazo51. Estima-se que, em 1997,

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48 Sobre a crise de endividamento externo mexicana vide ADDA,[2], p. 100 a 107. Entre 1960 e 1971, a dívida externa mexicana pro-grediu a uma taxa anual de 10%, crescendo a respectiva economiaao ritmo de 6,7% ao ano (MEDEIROS, p. 181 a 183). De 1972 a1976, a taxa anual de endividamento externo aumentou para 36% e,de 1977 a 1979, para 17%. Foi a esta “velocidade” que a dívidamexicana pôde atingir um volume de 86 biliões de dólares em 1982.A causa primordial deste sobreendividamento foi o funcionamento detransferências de “petrodólares” dos países da OPEP para as econo-mias da América Latina.

49 Infra, p. 33 ss.50 Da totalidade de fluxos financeiros líquidos a mais de um

ano para os países em desenvolvimento, para o período de1990 a 1993, apenas 2% eram por créditos bancários (ADDA, [2],p. 59).

51 Podemos distinguir dois tipos de investimentos realizados pelosagentes privados de países desenvolvidos em países em desenvolvi-mento: aqueles em que os capitais se destinam a financiar projectosindustriais ou se constituem sob a forma de participações nas empre-sas locais e aqueles que correspondem a investimentos de carteira.

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cerca de 60% dos créditos bancários em países em desen-volvimento representavam dívidas com um prazo de matu-ridade inferior a um ano. A dívida de curto prazo dos paí-ses em desenvolvimento terá evoluído de, 1990 para 1997,de acordo com os estudos do Banco Mundial, baseadosno “GDF” (“Global Development Finance Standard of Ori-ginal Maturity”), de 244,6 para 469,3 biliões de dólares52.

A facilidade de movimentação dos capitais e a assunçãoexplícita de uma exclusiva motivação “especulativa” que,no fundo, explicam o destino da colocação dos capitais,são traços que se integram num movimento amplo queafectou tanto países desenvolvidos, como alguns países emdesenvolvimento: a revolução financeira internacional.

2.2.2. A “economia internacional de especulação”

As bases de uma “economia internacional de especu-lação” foram construídas ao longo de um processo de“revolução financeira” iniciado nos anos oitenta, nos paí-ses mais desenvolvidos53. Convém, desde já, notar que este

Estes últimos tendem, cada vez mais, a ser dominantes, o que vemfazer relevar a importância da capacidade dos sistemas do país de aco-lhimento em absorver o investimento e em canalizá-lo para activida-des produtivas.

52 DADUSH/DASGUPTA, p. 2.53 A “revolução financeira” não constituiu um movimento priva-

tivo de países desenvolvidos. Os países em desenvolvimento tambémoptaram por liberalizar e internacionalizar os respectivos mercadosfinanceiros. Apenas com duas especificidades: fizeram-no mais tarde,numa época em que na Europa ou nos Estados Unidos já se ouviamvozes que alertavam no sentido de um regresso à protecção por viada re-regulamentação dos mesmos, e de modo brusco, porventuramesmo precipitado, atendendo à posição das respectivas economiasface ao exterior e à incipiência dos respectivos mercados de capitais.Sobre os caracteres da “revolução financeira” internacional, em geral,vide MARQUES, p. 191 ss. O nosso país também conheceu uma

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fenómeno é, em si mesmo complexo, assumindo configu-rações diversas consoante os países em causa, para além denem sempre ser fácil distinguir uma causa de um efeitodeste novo “paradigma” financeiro. Centrar-nos-emos ape-nas naquilo que, de acordo com o que pudémos apurar,constitui um “legado universal”, comum aos vários mer-cados financeiros nacionais, procurando expôr, sem ordemprecisa, as marcas mais salientes da dita “revolução”.

A filosofia dominante após a crise de 1929-1933, jáo dissemos, foi a de regulamentar os mercados, atendendoà relevância do “interesse público” em assegurar a suarobustez e em minorar o risco e/ou o impacto de crises.Daí que a imagem dos sistemas financeiros, até à décadade oitenta, se pautasse por dois vectores essenciais: espe-cialização-compartimentação e especificidade-regulamenta-ção54. Paralelamente, o “empréstimo bancário” assumia-secomo a principal fonte de financiamento da economia.

Durante os anos setenta, as pressões do dólar, os cho-ques petrolíferos e as divergências dos fenómenos inflacio-nistas no seio da OCDE criaram a ambiência necessária auma mutação dos sistemas financeiros. Confrontados coma elevada volatibilidade de taxas de juro e taxas de câm-bio e com o incremento das operações de “engenharia finan-ceira” de que as entidades actuantes no mercado se serviam

“revolução financeira”, apesar de tardia em relação a países como aGrã-Bretanha ou os Estados Unidos. Sobre as particularidades da evo-lução do sistema financeiro português vide NUNES [2], p. 173 a 209,VILAR, QUELHAS, p. 121 ss, CONSTÂNCIO, p. 19-31, ADEGAS, p. 77a 88 e BARATA p. 138-166.

54 A regulamentação consiste num conjunto de regras apertadasque disciplinam o campo de actividade de cada intermediário financeiro,de modo individualizado e, em regra, proibindo o exercício de váriasactividades financeiras por uma só entidade. Fez-se muitas vezes acom-panhar de um sistema de controlo directo da liquidez da economia.

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para contornar as proibições55, os governos acharam-se obri-gados a retirar os obstáculos à livre iniciativa privada nosmercados de capitais. A lógica passa a ser outra: a liber-dade torna-se a regra e a restrição a excepção. A opçãopública será, doravante, a de uma “não ingerência” naactividade económica dos privados, além do necessário paraassegurar a livre concorrência.

As taxas de juro e os montantes de crédito passam afixar-se pelo jogo do mercado (“mercadização”). Os con-trolos da actividade financeira vão-se desmantelando, querao nível interno, quer quanto aos limites impostos às entra-das e saídas de capitais do país. Prospera a “desinterme-diação financeira”, passando os privados a financiar-semediante os seus próprios meios ou recorrendo ao mer-cado de capitais.

Expande-se o número e diversidade de instituições finan-ceiras não bancárias; acelera-se o processo de internacio-nalização das actividades financeiras tendente a formar umsó mercado financeiro integrado56. Daqui resultou um pro-gresso da mobilidade geográfica dos capitais e da intercom-________________________

55 Saliente-se, contudo, que, a par da motivação de “fuga à proi-bição”, os produtos financeiros desenvolveram-se sob impulso de umanecessidade de os agentes económicos se precaverem contra a insta-bilidade e o risco cambial, crescentes desde o fim da “era” de BrettonWoods. Aliás, foi uma tal insegurança conduziu a que a “especula-ção” se instalasse definitivamente nos mercados cambiais, como estraté-gia dos operadores que aceitam os riscos alheios. Resta saber se estafunção, aparentemente vital, não exige um pagamento de um preçodemasiado elevado.

56 O fenómeno de integração dos mercados financeiros não éprivativo do nosso século. Na segunda metade do século XVIII, ograu de integração dos mercados de capitais europeus era já conside-rável, segundo conclui L. Neal (NEAL, p. 219-226). Ainda assim, osmercados actuais parecem apresentar um grau de integração finan-ceira mais elevado que o das épocas predecessoras – nesse sentido,REY, p. 8.

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plementaridade entre mercados (monetário e financeiro),mas também uma maior concentração das actividades finan-ceiras internacionais.57

O papel do financimento directo amplia-se (inclusiva-mente, no que respeita à dívida pública) e propaga-se umfenómeno de “titularização”58. A fragilidade na garantia doscréditos aumenta, dado que a liquidez passa a dependerem exclusivo da segurança que o mercado puder oferecer,através da respectiva “profundidade”, e da gestão e diver-sificação de carteiras de activos dos investidores.

Os mercados financeiros, em sentido amplo, sofremmutações num duplo nível. De uma parte, ao lado dosmercados “clássicos” de valores mobiliários, emergem os“mercados de derivados”, onde os riscos assumidos são bas-tante superiores, graças ao chamado “efeito de alavanca” eà forte componente especulativa que lhes subjaz59. De outra________________________

57 Nos últimos anos, regista-se uma tendência para a concentra-ção das actividades financeiras em determinadas praças, com o desman-telamento de obstáculos diversos, desde barreiras ligadas aos custosresultantes do distanciamento geográfico e económico, até a limita-ções relacionadas com as diferenças de funcionamento e regulamen-tação entre praças financeiras (CHOPPIN-ANSIDEI, p. 16-19). Por outrolado, a concentração ao nível dos operadores é também crescente.Para uma análise das fusões e aquisições na banca europeia em 1999vide ADJIMAN, p. 52-53. A tendência para a formação de grupos ban-cários representa uma série de desafios às entidades de regulação esupervisão do mercado. Nestas concentrações bancárias desenvolvem--se riscos específicos como “o risco de insolvência sistémica do grupo,o risco de opacidade ou nebulosidade da sua estrutura, o risco de lesãoda livre concorrência e o risco de resolução de conflitos de interessesem detrimento dos do consumidor bancário” (CÂMARA, p. 120).

58 Por exemplo, nos EUA, o peso das transações internacionaissobre títulos, em percentagem do PIB era, em 1975, de 4,2 %, passandopara 36% em 1985, segundo dados fornecidos por ADDA, [1], p. 149.

59 Sobre os riscos dos futuros e das opções vide PEIXOTO,p. 123-136. Sobre a especulação nestes mercados, idem, p. 145-147e 193-197.

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parte, o aparecimento do “princípio do banco universal”60

e a substituição do empréstimo bancário pela dívida titu-lada (“securitização”)61, como traços marcantes da reacçãodos bancos às novas tendências.

As operações financeiras tornam-se cada vez maiscéleres e mais fáceis, com os avanços tecnológicos e coma proliferação de novos canais de distribuição (“e-com-merce”, “PC banking”, internet, “WAP”). Avoluma-se aprocura de produtos financeiros (“democratização”) e, comela, cresce a competição entre operadores, em vista a alcan-çar novas soluções (“inovação financeira”). Desdobram-seos esforços no sentido de maior flexibilidade e proximi-dade do cliente (“tailoring”) e de redução do risco, assimsurgindo instrumentos como os NIF (“note issuance faci-lities”) ou os RUF (“revolving underwritting facilities”) enovos produtos, como os futuros financeiros, os “swaps”ou os “forward”. Estes produtos se, por um lado, repre-sentam um progresso, na medida em que oferecem novaspossibilidades aos investidores trazem, por outro lado, umincremento das possibilidades de ineficiência do sistema.Eles constituem um exemplo típico dos chamados “bensou serviços de confiança”, isto é, bens e serviços cuja qua-lidade nem sempre é imediatamente avaliável após os pri-meiros actos de consumo.62

Os novos sistemas financeiros desinteressam-se, emcerta medida, pela economia propriamente dita. A “eco-nomia financeira” assurgente fica conhecida por uma ver-

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60 Que, no essencial, traduz uma ideia de acesso dos bancos aáreas de onde, noutros tempos, se excluiram, em especial da dos mer-cados de capitais.

61 As novas actividades a que os bancos se dedicam provoca-ram modificações na respectiva estrutura contabilística, através do apa-recimento das chamadas “operações fora do balanço”.

62 Máximo dos SANTOS, p. 99.

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dadeira “exuberância” nos ganhos de capital que propor-ciona, sendo flagrante a desproporção entre a remunera-ção do aforro e a rentabilidade económica do capital imo-bilizado. A desenvolução sofrida nos mercados financeirosabriu as portas a situações como a do célebre fundo “LTCM”norte-americano que, especulando sobre uma base 25 vezessuperior ao seu capital de partida, pôs em perigo a pró-pria praça financeira nova-iorquina, obrigando a uma inter-venção da Reserva Federal. Esta especulação é autónoma,isto é, não possui ligação, directa ou indirecta, com a acti-vidade económica real dos países, nem com o normaldesenvolvimento das relações de troca transfronteiriças.Apesar de o comércio internacional ter vindo a crescer nosúltimos anos, sendo conhecidos os esforços de liberalização,sob impulso da OMC63, o montante global de transacçõesfinanceiras que diariamente se efectua supera com niti-dez o valor das trocas internacionais de bens e serviços.Segundo estimativas do Banco de Pagamentos Interna-cionais, aquele valor revela-se, em média, cerca de cin-quenta vezes superior ao valor do comércio internacionalde mercadorias e serviços64. Estima-se que o volume das________________________

63 O volume de exportações, em percentagem do PIB, dos paísesda OCDE tem vindo a crescer desde o final da IIª Guerra (BAGARD//HERZOG, p. 106, SAMUELSON, [1], p. 547). Muito embora, segun-do D. Felix (FELIX, p. 175) seja de reconhecer que o volume docomércio internacional actual é bastante inferior ao que se verificavana década de sessenta. Sobre os caracteres da globalização comercialvide MEDEIROS, p. 92.

64 Segundo a informação de PHLION, [2], p. 23. Também se-gundo Giddens: “da soma de um trilião de dólares em divisas quemuda de mãos todos os dias, só uma parcela de 5 por cento estárelacionada com o comércio ou outras transacções económicas subs-tantivas. Os 95 por cento restantes são constituídos por especulaçõese arbitragens...” (GIDDENS, p. 130). Chomsky dá-nos conta de que,no sistema de Bretton Woods, cerca de 90% das trocas internacio-nais eram para investimento e comércio e apenas 10% para especulação

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trocas de divisas em 1996 tenha sido de 280 triliões dedólares, o que representa, nesse ano, 10 vezes o PIB mun-dial e 40 vezes o volume de exportação mundial de bense serviços65. Prospera uma verdadeira desconexão entre a“economia de papel” e a “economia real”, uma “autono-mia das finanças” face à produção, própria de uma verda-deira “economia internacional de especulação”.

Os mercados financeiros, evoluindo no sentido de per-mitir aos agentes económicos uma gestão eficaz das incer-tezas da actividade económica caminharam também, algoparadoxalmente, para uma instabilidade generalizada. O olharpara o passado recente das finanças internacionais deixa--nos a imagem de um mercado em livre curso, acometidopela fragilidade e pela instabilidade permanentes66.

2.3. Risco de sistema

De todos os riscos a que os economistas vêm fazendoreferência67, distinguiremos aqui o risco sistémico, por seraquele que verdadeiramente especifica a insegurança e odesassossego inerentes à globalização financeira.

(CHOMSKY, p. 37). Também Felix conclui existir uma desproporçãoentre as trocas da “economia real” e as transacções cambiais internacio-nais em economias globalizadas (FELIX, p. 171-172).

65 SINGH, p. 3.66 Podemos, pois, constatar a existência de uma forte correla-

ção entre os fenómenos associados à desintermediação bancária e “revo-lução financeira” em geral e a instabilidade. Foram nesse sentido aspalavras de Philip Davis na conferência entitulada “Que sistema finan-ceiro para o ano 2000?”, realizada em Lisboa em Dezembro de 1999(ABREU p. 90). Um estudo recente baseado em dados empíricos rela-tivos a cinquenta e três países, entre 1980 e 1995, conclui que libe-ralização financeira aumenta a probabilidade de ocorrência de crisesbancárias KUNT/DETRAGIACHE (p. 32-33).

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Noutros tempos, em que os mercados eram segmen-tados, os operadores financeiros especializados e as taxasde juro elevadas e fixadas administrativamente, o riscojamais atingia a dimensão do sistema. Actualmente, o prin-cípio que vigora é de desimpedimento à livre transacção emovimentação de capitais, daí emergindo o chamado riscode sistema, traduzido na probabilidade de um “acidente”isolado em determinada componente se comunicar às restan-tes, em virtude de um “efeito de contágio”. O fenómenoexplica-se com base em duas considerações. Primeira: aexistência de uma espécie de “repercussão” das perdas queconsiste no facto de os investidores, ao temerem umabaixa da rentabilidade da carteira, se esforçarem por trans-ferir esse encargo para os demais. Segunda: o “efeito deimitação” nas condutas dos operadores. Depois, a utilizaçãode meios informáticos e a rapidez nas comunicações fazcom que as “bolhas especulativas” se propaguem com con-siderável amplitude e celeridade, potenciando a “reflexi-vidade” das posições assumidas pelos investidores68.

O “risco sistémico” cresce sempre que as regulamen-tações e obstáculos à livre colocação dos capitais se enfra-quecem ou extinguem69. Em seguida, a transmissão “relâm-pago” da informação e a imitação de condutas entre osoperadores financeiros garantem o “contágio”. Evidencia--se ainda que o grau de concentração das actividades finan-ceiras internacionais propicia a tomada conjunta de posiçõespelo mercado, logo, a ampliação de tendências e resulta-

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67 Risco de crédito, risco de taxa de juro, risco relativo à evo-lução do mercado, etc...

68 Para uma abordagem mais detalhada das causas do “risco dosistema” vide AGLIETTA, p. 227-242.

69 É possível demonstrar empiricamente uma relação positiva entrea incidência e a extensão do risco sistémico e a amplitude da libera-lização e globalização financeiras (CALVO/MENDONZA, p. 3 ss).

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dos através de movimentos de massas. Observemos umpouco mais de perto os traços deste “capitalismo mono-polista” à escala mundial.

O incremento da concorrência entre instituições esti-mulou a assunção de riscos e impôs, em muitos casos, aconcentração das actividades em grandes “conglomerados”financeiros, o que vem suscitar inúmeros problemas e obs-táculos aos poderes das entidades reguladoras70. Além dosoperadores, também os mercados cambiais e as praças finan-ceiras se encontram geograficamente polarizados: as praçasde Londres, Nova Iorque, Tóquio, Paris e Frankfurt asse-guram a quase totalidade das transacções cambiais mundiais.

Doutra parte, não podemos desconsiderar o facto de,na base de muitas das mutações estruturais ligadas àglobalização financeira, se encontrar o fenómeno de expan-são da gestão colectiva de carteiras. O peso dos investido-res institucionais revela-se crescente: em 1997, o valor dosactivos detidos por investidores institucionais, em percenta-gem do PIB, equivalia a 186%, nos EUA, em França, a97% e no, Reino Unido, a 185%71. Esta expansão foipropiciada, em larga medida, pelo crescimento da “desin-termediação” financeira. Os investidores institucionais for-mam um conjunto heterogéneo onde encontramos

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70 Sobre os problemas que se colocam ao legislador e às enti-dades supervisoras em virtude da existência destes conglomerados videPEREIRA, p. 36-40.

71 Segundo dados recentes da OCDE (OCDE, p. 249). Segundoo 68º relatório anual da BRI, de Junho 1998 (PHLION, ([3], p. 34),estes investidores movimentaram, nos Estados Unidos, montantes pró-ximos dos 10 500 mil milhões de dólares e, na Europa, cerca de 6660 mil milhões de dólares só no ano de 1995. F. Chesnais (CHES-

NAIS ([1], p. 42) refere ainda que, em 1995, o montante de activosfinanceiros dos investidores institucionais dos países da OCDE equi-valeu a 2/3 do valor do PIB mundial.

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várias espécies: os organismos de aplicações colectivas, osfundos especulativos, as companhias seguradoras e os fun-dos de pensões72. Nos Estados Unidos, avulta o papel destesúltimos, enquanto na Europa parece ser maior o relevodos dois primeiros. Os organismos de aplicação colectivasão aqueles que recentemente mais têm vindo a crescer73,destinando-se fundamentalmente ao investimento dosparticulares em valores mobiliários, em regra, em acções.Os fundos especulativos (“hedge funds”) visam já a capta-ção de capitais de investidores com disponibilidade sobremontantes pecuniários ou financeiros elevados e que, porisso, tolerem melhor o risco. No seu seio distinguem-seainda os “macro funds”, que assumem posições em fun-ção da conjuntura económica global, especulando funda-mentalmente sobre taxas de juro e moedas, e os “globalfunds”, que tendem a canalizar os respectivos investimen-tos para zonas de elevado risco. Todos estes fundos apre-sentam, em regra, taxas de internacionalização de carteiras

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72 Os fundos de pensões são investidores vocacionados para ofinanciamento das reformas, adquirindo particular importância em siste-mas de reforma por capitalização como o norte-americano. Sobre orelevo e os problemas suscitados por este sistema de fundos de pen-sões vide “Fonds de pension et nouveau capitalisme”, p. 13 a 113.Sobre as tendências e modelos de reformas nas Europa, veja-se “Lamontée des fonds de pensions”, idem, p. 209 a 246. A importânciados mercados financeiros nos sistemas de reforma começa a ser umarealidade também na Europa. A Holanda apresenta valores relativosaos activos dos fundos de pensões na ordem dos 502 biliões de dóla-res, o que equivale a 127% do PIB, o Reino Unido 1015 biliões dedólares, correspondendo a cerca de 77% do PIB. Em Portugal, exis-tem já 10 biliões de dólares em activos em fundos de pensões, oequivalente a 9% do nosso PIB (MATIAS, p. 86).

73 Os montantes globais detidos em carteira evoluiram, entre1987 e 1996: nos Estados Unidos, de 770 para 3 539 mil milhõesde dólares, no Japão, de 305 para 420 mil milhões de dólares e, naAlemanha, de 42 para 134 mil milhões de dólares – PHLION, [3], p. 35.

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bastante elevadas e variáveis e, na maioria dos casos, assu-mem comportamentos gregários, fazendo com que a pos-sível desordem financeira atinja proporções multiplicadas.

Posto isto, resta questionar se, frente a esta compo-nente “sistémica” da economia actual, o futuro nos reser-va um convívio cíclico com “crises globais”, do tipo daque se gerou na Tailândia há três anos atrás.

3. As “novas” crises financeiras

3.1. As circunstâncias da crise asiática

3.1.1. O “acidente” tailandês

Em 1997, teve início na Tailândia, de modo aparente-mente inexplicável dado aos níveis de crescimento econó-mico, uma crise financeira cuja singularidade foi a de desor-ganizar os mercados a nível mundial. Nunca houvera suce-dido, em perturbações financeiras anteriores, que um aci-dente “regional” pudesse desencadear uma crise económicaà escala global.74

Na primeira metade dos anos noventa, as economiasasiáticas beneficiaram de elevadas taxas de crescimento eco-nómico75, exibindo aquilo que normalmente se considera________________________

74 Nomeadamente, a crise que afectou a América Latina em1994. Para uma aproximação entre a crise asiática e a crise latino--americana vide KAMINSKY/REINHART, p. 444-448.

75 A Indonésia, a Malásia e a Tailândia, entre outros países, cres-ceram, em média, entre 1992 e 1995, a um ritmo de 7% ao ano(EICHENGREEN, [2], p. 277). O “milagre económico” asiático foi,em larga medida, fruto da capacidade de exportação destes países, cujoscustos de produção são reduzidos, em virtude da degradação dossalários e da precaridade dos sistemas de segurança social. WARR

(p. 50-51) revela-nos aquele “boom” não foi acompanhado de uma

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um cenário macroeconómico estável, com taxas de infla-ção moderadas, níveis de endividamento público reduzi-dos e balança de pagamentos sem desequilíbrios preocu-pantes. É também por esta altura que, sob pressão do FMI,os governos asiáticos decidem abandonar os regimes de fixa-ção de limites administrativos à concessão de crédito atéentão prosseguidos e enveredar por políticas de liberalizaçãoe abertura ao exterior do sector financeiro.

Sob este pano de fundo, foi possível que, de 1991 a1996, as entradas de capitais estrangeiros na Tailândia atin-gissem 82 mil milhões de dólares, cerca de 9% do PIBtailandês76. Para além de inexistirem agora limites ao desen-volvimento de uma “economia creditícia”, nem obstáculosà entrada de investimentos estrangeiros, as “economiasemergentes” da zona apresentavam taxas de juro cujos valo-res nominais poderiam rondar os 12%, contra cerca de 6%nos demais mercados internacionais. A escolha pública eraclaramente no sentido de captação de capitais do exterior.Em 1995, foi criado o regime das “Bangkok internationalbanking facilities” destinadas, precisamente, a atrair o capitalestrangeiro77. Do ponto de vista teórico, o processo pare-cia ser bastante simples: a abertura financeira permitiria aospaíses em desenvolvimento beneficiar de fluxos de capitaisestrangeiros para que, juntamente com a poupança nacio-nal (aliás, elevada), se pudesse financiar o investimento pro-dutivo e, deste modo, acelerar o crescimento económico;para os países desenvolvidos, as economias emergentes

melhoria da qualidade do trabalho ou de um aumento de produtivi-dade na região. Excepção feita ao Japão, o crescimento económicodas economias asiáticas não esteve relacionado com um aumento deprodutividade, motivado pela importação de “know-how” e detecnologia do exterior. Para uma visão geral das causas e caracteresdo modelo asiático de crescimento vide CRAFTS, p. 146-155.

76 EICHENGREEN, [2], p. 277.77 NICOLAS, p. 6.

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figuravam como oportunidades de investimento rentável ede diversificação de riscos. Contudo, na prática, o processorevelou-se bem mais complexo. Ensaiaremos expôr, demodo sucinto, os principais acontecimentos que poderãoter estado na origem da brusca depreciação do “bath”tailandês. Destacamos três circunstâncias anteriores à crise:o grau e a estrutura do endividamento destas economias,o sistema cambial prosseguido; e a degradação do saldo dabalança comercial.

A maioria dos investimentos constituíam entradas decapital a curto prazo, consubstanciando, para os devedoreslocais, dívidas denominadas em moeda estrangeira. As ins-tituições de crédito tailandesas, muitas delas integradas emgrupos financeiros,78 recebiam os capitais estrangeiros doexterior, convertiam as divisas em “bath” e emprestavamem moeda local. Os capitais estrangeiros contribuiram parafinanciar investimentos de carácter especulativo, em espe-cial no sector imobiliário ou no mercado bolsista79.É de destacar o papel desempenhado pelos bancos no seiodas instituições financeiras locais: em 1995, a taxa de expan-são do crédito bancário face ao PIB era, na Tailândia, de88,7% e, na Malásia, de 76,9%80. Dos 93 mil milhões de

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78 Para além de outras dificuldades, a dimensão das instituiçõesde crédito contribui, muitas vezes, para um incremento do risco moraldos respectivos credores que baseiam a sua confiança no devedor numargumento de “too big to fail”. Pensa-se que jamais as autoridadespúblicas consentirão em deixar que problemas de liquidez se trans-formem em situação de insolvência de instituições cujo relevo emtermos de mercado possa pôr em risco a globalidade do sistema.

79 NICOLAS, p. 5.80 MEDEIROS, p. 217. Os números apresentados resultaram, em

certa medida, do excesso de riscos assumidos pelos bancos locais. Umatal situação explicar-se-ia pelas necessidades que se impõem à própriasobrevivência dos bancos pois estes, enfrentando problemas de redu-ção das margens de intermediação, seleccionam activos mais arrisca-

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dólares capitais privados que invadiram as economias dos“cinco asiáticos”81, 55,4 mil milhões eram capitais dirigi-dos ao sector bancário local.82

Em segundo lugar, o sistema cambial prosseguido pe-los países da ASEAN e por Hong Kong era um sistemade “paridade deslizante” face ao dólar o que, se encorajouo afluxo de capitais, também permitiu às instituiçõestailandesas contrair dívidas com o exterior em moeda estran-geira sem a mínima cautela face risco cambial. Entretanto,duas circunstâncias vieram desarranjar as flutuações do va-lor da moeda local. Em primeiro lugar, a revalorização dodólar, em meados de 1995, determinou uma apreciaçãoda taxa de câmbio efectiva do “bath”. Em segundo lugar,o modelo de “paridade deslizante”, impondo às autorida-des monetárias a defesa da sua moeda, obrigou à inter-venção em operações em “mercado aberto”, através daemissão de títulos da dívida pública para “esterilização” dasentradas de capitais. Houve que manter a taxa de juro aonível necessário ao respeito da paridade face ao dólar eaos objectivos desinflacionistas. Contudo, esta política deesterilização comporta alguns perigos e, além disso, nãopode durar indefinidamente. Cedo a defesa cambial veioocasionar o esgotamento das reservas em divisas ao dispôrdo Banco Central e a alta da taxa de juro, logo, maioresencargos para o serviço da dívida pública e maior atrac-tividade para os capitais estrangeiros, inaugurando-se umaespécie de “ciclo vicioso” em que as autoridades monetá-rias não possuem capacidades de controlo da conjuntura

dos, em busca de melhor rentabilidade. Segundo N. Rey (REY,p. 12), teve ainda influência o facto de existirem sistemas de garantiapública de depósitos, devido ao incremento do risco moral que selhes associa.

81 Tailândia, Coreia, Malásia, Filipinas e Indonésia.82 PHLION, [3], p. 39.

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interna, vg, para que que possam enfrentar a desaceleraçãodo crescimento interno a longo prazo83. Para que aTailândia pudesse contrariar as tendências do mercado, teriade igualar a taxa nominal de juro norte-americana, o queimplicaria taxas de juro reais negativas. Não obstante, asautoridades tailandesas persistiram até “ao limite” na defesada paridade.

Em terceiro lugar, a balança comercial tailandesacomeça a revelar défices sustentados com as entradas decapitais oriundos do exterior84. A causa deste desequilíbrionão é consensual: há quem a relacione com a perda decompetitividade das exportações, em virtude da apreciaçãodo dólar; há quem a explique com base na baixa de pro-cura internacional de produtos provenientes da região; epor fim, poder-se-á ainda valorizar o facto de a expansãodo consumo privado ter ocasionado uma espiral inflac-cionista, em que a alta de salários responderia pelo decrés-cimo de competitividade dos produtos tailandeses85. Abs-traindo da sua origem concreta, a verdade é que estes acon-

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83 A “política de esterilização” do excesso de oferta de capitaisrevela-se bastante limitada, uma vez que a alta das taxas de juro ten-de a retardar o crescimento interno e a agravar a situação da dívidapública. Apesar disso, foi a política mais amplamente utilizada pelasautoridades face às entradas de capitais que se verificaram tanto naAmérica Latina como na Ásia, na década de noventa (nesse sentido,CALVO/LEIDERMAN/REINHART, p. 133-134). A escolha de medidasadequadas face às entradas maciças de capitais no país (e consequentesinstabilidade e “sobreaquecimento económico”) é, porventura, a “opçãopública” perante o mercado que maiores dificuldades tem suscitado(idem, p. 132-136).

84 Sobre a ligação entre as crises cambiais e as modificações aonível da balança de transacções correntes, veja-se MILESI-FERRETI//RASIN.

85 Sgard e Aglietta (NICOLAS, p. 289) recorrem à segunda expli-cação. De facto, após a criação da NAFTA, cujo acordo entra emvigor em Janeiro de 1994, os Estados Unidos privilegiam as exporta-

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tecimentos fizeram com que, nos mercados internacionais,se criasse a convicção de que as autoridades tailandesas nãopoderiam suster o câmbio ao nível em que se encontravapor muito mais tempo.

Os investidores externos, nomeadamente, os investido-res institucionais, acreditando que o “bath” se depreciaria,retiram os seus investimentos do mercado tailandês. A 7de Maio de 1997, apesar da alta das taxas de juro e dapersistência tailandesa na defesa cambial, foi desencadeadoum forte ataque especulativo sobre o “bath”. A cotaçãodas acções sofre uma quebra na ordem dos 34,4% e temlugar uma súbita depreciação da moeda face ao dólar naordem dos 3%.86

Em Julho do mesmo ano, escasseando já as reservasde câmbio no Banco Central,87 as autoridades tailandesasforam obrigadas a deixar a sua moeda flutuar. Este “aci-dente” depressa surtiu efeitos sobre a economia em geral.O que coloca dois tipos de problemas: o da ligação entrecrises cambiais e crises financeiras 88 e o da articulação entreestas e a economia real do país.

Os bancos e as empresas da zona enfrentam situações

ções mexicanas, nomeadamente as exportações de têxteis (MEDEIROS,p. 178-179), entendendo-se que essa modificação nas trocas afectouas exportações tailandesas.

86 MEDEIROS, p. 221.87 NICOLAS, p. 8.88 Diversos estudos revelam a existência de uma profunda rela-

ção entre crises bancárias internas e “surtos especulativos” sobre amoeda de um país. M. Obstfeld entende que existe uma relação depossível causalidade mútua entre crises bancárias e crises cambiais(OBSTFELD [1]). Note-se ainda que pesquisas recentes apontam nosentido de existir uma intercomplementaridade entre crises cambiais ecrises bancárias ao nível internacional. V. Miller defende que tantouma crise bancária interna num dado país pode provocar uma crisecambial num país distinto, como o inverso. No primeiro caso, bastaque, numa situação de falta de liquidez, se instituam prémios para

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contabilísticas delicadas, devido ao agravamento das suasdívidas em moeda estrangeira e à desvalorização dos créditosdetidos, em virtude da retirada do investimento estrangeiroe da baixa dos mercados imobiliário e bolsista. Segundoestimativas da Banca Asiática de Desenvolvimento, no finalde 1998, 30% dos empréstimos internos das instituiçõestailandesas constituíam crédito mal parado. A falta de liqui-dez depressa degenera em insolvência de muitas instituiçõesbancárias e financeiras e empresas locais. O “estrangu-lamento” do crédito bancário constitui um dos principaiscanais de transmissão do “choque financeiro” à economiareal, não só pelo papel central desempenhado pelos ban-cos no sistema financeiro, enquanto entidades “omnipre-sentes” em todos os mercados (monetário, financeiro ecambial), como pelo processo de “multiplicação negativa”do crédito e efeitos da restrição da liquidez sobre o preçodos activos89.

Além da carestia de oferta de dinheiro, na sequênciada expatriação do investimento estrangeiro terá tido,porventura, influência no desenrolar da recessão tailandesaa intransigência dos programas de estabilização impostospelo FMI90. Este organismo, partindo do pressuposto deque a crise se pode explicar com base em falhas das polí-

depósitos de não residentes, o que pode conduzir a entradas maciçasde capitais nesse país provenientes de um outro (MILLER, p. 439-442).Ora, se este último for uma economia de reduzidas dimensões, podever-se obrigado a desvalorizar a sua moeda para captar investimentos.Por outro lado, para que uma crise cambial no exterior possa moti-var uma crise bancária no seio do país será bastante que, por exem-plo, os bancos tenham emprestado em excesso a empresas com largofactor de exposição perante o exterior ou que tenham, eles próprios,investido (em excesso) em activos denominados na moeda depreciada,sem terem acautelado o risco cambial.

89 LE CACHEUX, p. 51.90 Note-se que constitui um aspecto recorrente na intervenção

do FMI a imposição de uma austeridade monetária e fiscal e de ajus-

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ticas macroeconómicas dos governos (nomeadamente, polí-tica monetária expansionista e défices orçamentais) e emdeficiências específicas das economias asiáticas, prescreveupara a zona91 planos que se pautaram por dois objectivosfundamentais: estabilizar a conjuntura económica e solu-cionar problemas estruturais. A acção conjuntural tradu-ziu-se na concessão de liquidez à economia tailandesa.O montante global dos saques autorizados foi, então, decerca de 3,9 mil milhões de dólares, isto é, 506% da quotada Tailândia junto ao FMI. Esta facilidade teve contrapar-tida na imposição da obrigação de afectar as somas trimes-tralmente sacadas ao re-equilíbrio da balança de transac-ções correntes e à reposição das reservas em divisas juntoao Banco Central. Exigiu ainda o compromisso em pros-seguir uma política restritiva destinada a conter a procurainterna e a relançar a confiança dos investidores externos,assim como uma política de redução do défice orçamentalpara 1,5% do PIB e da taxa de inflação para 4,5%92.Os programas estruturais, por seu turno, passavam, por um

tamentos cambiais. A restrição das despesas públicas, alta das taxas dejuro e limites ao crédito, em especial para o sector público, visamrefrear a expansão da oferta de liquidez e conter o défice orçamentaldentro de determinados limites, aferidos em função do PIB. Todavia,este tipo de intervenção traz também desaceleração do crescimentoeconómico, redução das pressões inflacionistas e quebra nas importa-ções. A depreciação da moeda visa um reequilíbrio da balança depagamentos e uma redução das pressões inflacionistas internas por viada baixa dos preços dos bens transaccionáveis.

91 Os programas do Fundo foram aplicados à Tailândia, à Indo-nésia e à Coreia do Sul. Sobre a especificidade da acção do Fundo eseus programas relativamente a cada um destes países vide GUILLOUET,p. 212-213 e 219-222.

92 GUILLOUET, p. 220. Note-se que os auxílios bilaterais foramnegociados sob condições idênticas às do plano do FMI. Note-se aindaque os valores que apresentamos foram posteriormente revistos pelo

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lado, por uma recapitalização do sector financeiro, endu-recimento da regulação e controlo prudencial e moderni-zação do sistema jurídico e, por outro, pela liberalização eabertura do sector bancário ao capital estrangeiro. No fundo,toda a actuação do Fundo e do Banco Mundial parte dopostulado fundamental de que o controlo da inflação cons-titui um dos factores mais poderosos quando se trata dereduzir as taxas de pobreza e promover a equidade social.93

A actuação do FMI tem sido acusada de ser dupla-mente ineficiente face a crises deste tipo: pelo inêxito nasua prevenção e pelo insucesso na respectiva gestão94.Quanto a este último aspecto, salienta-se o facto de os pro-gramas de estabilização do FMI visarem suster a deprecia-ção da moeda do país, apostando numa política de altadas taxas de juro95.

Fundo, em consonância com os desenvolvimentos ulteriores da situa-ção económica do país.

93 Nesse sentido, HELLER, p. 1.94 Os críticos do FMI, como A. Blinder – (BLINDER, p. 62) e

Krugman, [1], p. 152, salientam a gravosidade e a austeridade dasmedidas do Fundo, inadequadas perante economia à beira da recessão.O “colete de forças” que o FMI impõe, como condição de auxíliofinanceiro, impede os governos de actuarem onde os privados falham,isto é, na dinamização da procura efectiva, essencial à recuperaçãoeconómica do país. Outros salientam ainda a impreparação do Fundopara gerir uma crise originada no sector privado e a assimetria notratamento de credores e devedores (SOROS, p. 208-213). Quanto à“injecção de liquidez” e à “pretensa” função de prestamista de últimainstância internacional do Fundo, referem-se os críticos aos proble-mas de risco moral ou à insuficiência dos montantes adiantados, con-soante os pontos de vista. Para uma apologia do papel do FMI nacrise asiática veja-se NELLOR p. 246-249 e 263-264. Para uma crí-tica da actuação deste organismo pode ainda ver-se SOROS, p. 175-178e PIEPER/TAYLOR, p. 58-59. Sobre as propostas de reforma do FMIvide infra, p. 73 ss.

95 A política de taxas de juro (elevadas) tem constituído objectode amplo debate. Os defensores dessa política valorizam o facto de a

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Os limites à política financeira e a compressão de des-pesas públicas estaduais complicaram a conjuntura recessivaneste país, lançando-o numa recessão que, segundo alguns96,faz lembrar os tempos de 1929-1933.97 Na verdade, se-gundo a avaliação do Banco Mundial, a queda da activi-dade económica, após a crise de 1997-98, trouxe consigoa duplicação do número de pessoas que vivem abaixo deum “limiar mínimo” de subsistência.98

degradação do câmbio poder tornar a dívida externa insustentável(NELLOR, p. 251) e entendem que sem ela a recuperação das econo-mias asiáticas não teria sido possível (DORNBUSCH, [1], p. 12-14).Os que se lhe opõem advogam que a acção interna é ineficaz, umavez que os investidores institucionais tenham decidido reduzir a suaexposição em determinado país ou região (GUILLOUET, p. 218). Na ver-dade, a ligação entre a taxa de juro e a taxa de câmbio é ténue einstável, no caso de se postular um compreensão da crise com basena ideia das “expectativas autorealizáveis (infra, p. 52 ss.). Diz-se aindaque uma tal política tem por efeitos a restrição do investimento e adesaceleração do crescimento económico do país. Por fim, acusam-seos defensores da política de taxas de juro de fazerem assentar o seuraciocínio num pressuposto de que, em situação de crise, há que sustera dívida externa, para recuperar a credibilidade do país nos mercadosinternacionais, pressuposto este que seria altamente falível perante mer-cados instáveis e comandados pelo grau de confiança dos investidores(nesse sentido, WYPLOSZ, p. 15-16 e 18-19). Wyplosz (idem, p. 19)adianta ainda existirem outras formas de impedir o agravamento dadívida externa, como a concessão de uma moratória no respectivopagamento.

96 KRUGMAN, [1], p. 197.97 Na verdade, os factores que “contribuiram para que a eco-

nomia capitalista tenha conseguido livrar-se de depressões profundasforam o grande aumento da percentagem de despesas rígidas incom-pressíveis (...), a resistência dos sindicatos à baixa generalizada dossalários (...) e a intervenção do Estado, isto é, medidas financeiras emonetárias para combater a depressão”- RIBEIRO, p. 421.

98 PHLION, [1], p. 107.

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3.1.2. O contágio da região do sudeste asiático

Depois da depreciação do “bath”, a Malásia, a Indo-nésia, as Filipinas e a Coreia sofreram fortes depreciaçõescambiais e desvalorizações da cotação dos títulos embolsa99. Em 1996, o fluxo líquido de capitais privados comdestino aos cinco países asiáticos ascendia ao montante de97 mil milhões de dólares, mais que duplicando os valo-res de 1994100. Em 1997, aquele valor decai para -19,7mil milhões de dólares, descendo ainda para -45,3 milmilhões de dólares, em 1998101. A crise financeira contagia,por fim, a “economia real” dos países da zona. Os níveisdas taxas de juro e a queda pronunciada da procura inter-na ocasionam ajustamentos negativos ao nível da produ-ção e do emprego. A taxa de crescimento do PIB realpassa de uma média de 5,7%, em 1997, para 3,3% em1998.102

Uma questão muito discutida tem sido a de saberquais foram, afinal, os canais de contágio no sudeste asiá-tico103. Uma explicação possível é a de que terão sido as“desvalorizações competitivas” das moedas daquelas econo-

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99 O “modelo asiático” apresentava, como principais caracte-rísticas, segundo Alain Guillouet, (GUILLOUET, p. 197): a abundânciae a fraca qualidade da mão de obra; uma forte propensão para apoupança e investimento; abertura ao comércio internacional; e, porfim, uma importância considerável das exportações. Sobre as espe-cifidades da turbulência financeira e recessão económica em cada umdos países asiáticos pode ver-se ”EAST ASIA IN CRISIS...”, p. 31-48(Indonésia); 66-84 (Coreia); 85-101 (Malásia); e 146-161 (Filipinas).

100 NICOLAS, p. 7.101 BERTHÉLEMY/CHAUVIN, p. 33.102 Idem, p. 32.103 A previsibilidade e a explicação do “contágio financeiro” são

questões objecto de respostas diversificadas entre os economistas.Sobre estes problemas vide GARNAUT p. 14-16, BAIG/GLODFAJN,p. 167-195 e MASSON, p. 10-11.

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mias que motivaram o estrangulamento de liquidez e arecessão na região. Outra é a de que a “onda de pânico”dos investidores afectou todos os países cujas economias sepensava serem similares, designadamente por terem cres-cido nos últimos anos a ritmos e sob condições relativa-mente idênticas104. Alguns advogam ainda que a extensãoda crise “tailandesa” a outras zonas da região não resultoude um puro efeito de contágio mas de debilidades estrutu-rais que nessas economias se verificavam- vg, a “bolha espe-culativa” no mercado imobiliário e o sobreendividamentoprivado em divisas105.

Segundo nos parece, sem negar evidência aos demaisfactores, merecem particular destaque circunstâncias relati-vas ao sector financeiro, como a volatibilidade das expec-tativas dos investidores e o papel dos “investidores insti-tucionais”, nomeadamente dos “fundos de especulação”.Quando se instala o receio de uma crise financeira, osinvestidores tendem a reduzir as opções das respectivascarteiras, eliminando os investimentos em mercados consi-derados mais arriscados ou sem garantias suficientes deliquidez (“profundidade de mercado”). O risco de sistemaque atrás analisámos explica a incidência e extensão das“novas” crises financeiras.

3.1.3 Economias em vias de recuperação?

As economias do sudeste asiático, na sua maioria aindaem recuperação106, reestruturaram o respectivo sector finan-________________________

104 KRUGMAN, [1], p. 132.105 Nesse sentido, GUILLOUET p. 202.106 Apesar de se manterem ainda desfavoráveis, é de esperar uma

melhoria nos níveis de fluxos líquidos de capitais com destino aospaíses asiáticos afectados. Em 1999, o valor desses fluxos era de -25,7 mil milhões de dólares; em 2000, prevê-se um total de -11,1mil milhões de dólares (BERTHÉLEMY/CHAUVIN, p. 33). As previ-

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ceiro, criando algumas medidas de supervisão e controloprudencial, recapitalizando instituições de crédito, operandofusões de empresas. A balança de pagamentos de muitasdelas parece reequilibrar-se, prevendo-se mesmo saldosexcedentários para 2000-2001107. As taxas de crescimentoanuais do PIB também parecem readquirir algum vigor,prevendo-se para a Tailândia valores na ordem dos 5,5%,para 2000, e 6,1 %, para 2001108. Mas, apesar dos sinaisde “ressarcimento”, mantém-se relativamente incerto o fu-turo desta zona, centrando-se a atenção dos analistas naevolução do iéne e da economia japonesa que, desde oinício da década, conhece uma tendência de desaceleraçãonas indefinições que pesam sobre a economia chinesa 109 ena evolução da taxa de juro norte-americana110.

sões do FMI anunciam mesmo que a Coreia eliminará os derradeirossinais de crise durante o ano de 2000.

107 A Tailândia, por exemplo, apresentará, em 2000-2001, sal-dos da balança de transacções correntes na ordem dos 5,5 a 6,1 milmilhões de dólares, de acordo com as estimativas da OCDE (OCDE,p. 159).

108 Segundo as previsões da OCDE, idem, p. 159. A recupera-ção parece ficar a dever-se, em geral, ao relançamento da procurainterna e ao incremento das exportações e mesmo “superavit” dabalança de transacções correntes, em virtude da desvalorização com-petitiva das moedas locais. Ainda assim, as taxas de desemprego con-tinuam elevadas, persiste a baixa dos salários reais e mantêm-se asrestrições de acesso ao crédito, nomeadamente no que toca ao finan-ciamento do próprio Estado nos mercados internacionais.

109 Nomeadamente, as indefinições que resultam da fragilidadedo respectivo sistema financeiro, em regime de total abertura ao exte-rior, e da tendência para uma diminuição da procura externa de bensprovenientes da China.

110 Nesse sentido, “PERSPECTIVES ÉCONOMIQUES DE L’OCDE”(OCDE, p. 158). O próprio FMI, apesar de se revelar bastante opti-mista, não deixa de demonstrar algumas dúvidas quanto ao futuro daeconomia asiática, designadamente quanto à evolução da situação no

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3.2. Uma crise mundial

Uma das manifestações da “globalização” da econo-mia é a instabilidade dos mercados; a outra, a amplitudedos efeitos do “choque” em que tal instabilidade se tra-duz. A crise iniciada na Tailândia haveria ainda de afectara Rússia e o Brasil, países cujas economias apresentam fra-gilidades estruturais, mas também teve impacto em paísesdesenvolvidos do Ocidente.

3.2.1. Da Rússia ao Brasil...

No sudeste asiático, foi a desconfiança da capacidadedo sistema para manter os índices de endividamento pri-vado com o exterior que provocou a crise; na Rússia eno Brasil, a quebra de confiança resultou já de uma acu-mulação excessiva de défices orçamentais111. Um aspectocomum ao endividamento privado asiático e endividamentopúblico destes países é o de que, em ambos os casos, asdívidas foram contraídas em moeda estrangeira e sob égidede regimes cambiais pouco flexíveis.

Relativamente à Rússia, apesar de se terem podidonotar indícios macroeconómicos de crise, o momento emque esta se desencadeia e a sua amplitude revelaram-se ines-perados, resultando do “contágio financeiro” e do “contá-gio real” provenientes do sudeste asiático. Por um lado,foi a desconfiança dos investidores face a economias comsistemas financeiros frágeis e incipientes que conduziu àretirada do investimento do leste europeu. Por outro, o

Japão e nos EUA, considerando ainda ser possível que a incertezaque pesa sobre a região acarrete um crescimento económico mundialmais lento do que o que consta das previsões – nesse sentido,OUATTARA, p. 2.

111 AGLIETTA, [2], p. 65.

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desequilíbrio da balança comercial russa ficou a dever-se àquebra na procura de matérias primas, resultante das desa-celeração da produção e do crescimento ocasionadas peloepisódio asiático.

As autoridades monetárias reagiram à saída de capitaisimpondo uma alta das taxas de juro e, ao mesmo tempo,utilizando as reservas em divisas para defender o câmbiodo rublo. A 17 de Agosto de 1998, a Rússia anuncia umasérie de medidas destinadas a fazer face às tensões finan-ceiras que pesam sobre o país. Entre elas, destacam-se amaior amplitude concedida à margem de flutuação dorublo, a imposição de uma moratória no pagamento dasdívidas em moeda estrangeira suportada pelos residentes ea restruturação da dívida pública112. Estas medidas pro-vocaram elevados constrangimentos sobre a “economiareal”, como forte depreciação da moeda, fortes pressõesinflacionistas e redução da taxa de crescimento do pro-duto.

O Brasil, por seu turno, enfrenta, a partir de Agostode 1998, saídas de capitais do seu território na ordem dos30 mil milhões de dólares. Na origem da desconfiança dosinvestidores esteve a degradação da dívida pública externado país (na sua maioria indexada ao dólar), agravada coma alta mundial das taxas de juro, mas também, uma vezmais, a falta de credibilidade das “economias emergentes”,em virtude do sucedido na Ásia113. Em 15 de Janeiro de1999, as autoridades brasileiras vêem-se obrigadas a deixarflutuar o real, de onde resultou uma depreciação destamoeda na ordem dos 17,3%114 .

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112 WILD, p. 13-14 e 17-18. Veja-se ainda PIANELLI, p. 44-48.113 SGARD, p. 24.114 GAZIBON, p. 25.

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3.2.2 ...E à zona da OCDE

As economias da OCDE, apesar de conhecerem umatendência de baixa das taxas de juro, sofrem desde há jáalgum tempo uma desaceleração dos níveis de crescimentoeconómico. O crescimento do PIB mundial, em 1998,andou por volta dos 1,9%, aumentando para 2,6% em1999, segundo as estimativas do Banco Mundial. A previ-são do nível de crescimento das economias da OCDE para2000 alcança os 4,0% e 3,1% para 2001, segundo as pers-pectivas económicas da OCDE.115

O “choque” desencadeado pela crise asiática produ-ziu efeitos no seio dos países desenvolvidos, quer por viado comércio internacional, quer por via dos mercados finan-ceiros116. Por um lado, a crise asiática vem produzir efei-tos sobre o comércio externo, a balança de pagamentos eo nível de crescimento económico dos países da OCDE,através dos fluxos internacionais de mercadorias entre zonas.Por outro lado, há que considerar que os efeitos da crisese fazem sentir, com especial rapidez, por via dos merca-dos financeiros integrados. Aqui os canais de transmissãosão vários e os efeitos para as economias ocidentais sãodiversificados. Verifica-se uma restrição da oferta de créditopor parte dos bancos americanos, europeus ou japonesesnos mercados emergentes e as empresas que registaram per-das na zona asiática sofrem uma descida da cotação embolsa. Em simultâneo, desencadeiam-se alterações na estru-tura e na dimensão da procura nos mercados financeiros

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115 OCDE, p. 2.116 Sobre o “canal de transmissão” do comércio internacional

vide DE BOISSIEU, p. 26-28. Sobre o canal de transmissão dos mer-cados financeiros e os respectivos efeitos (“reporte para a liquidez”,“reporte para a qualidade” e “efeito negativo de riqueza” por via docontágio) idem, p. 29-31.

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dos países da OCDE. Beneficiando do facto de os investi-dores privilegiarem a qualidade e a liquidez da carteira deactivos, os mercados bolsistas do Ocidente conhecem umperíodo de alta. Os acontecimentos “periféricos” permiti-ram ainda aos bancos centrais desta zona controlar as pres-sões inflacionistas sem aumentos drásticos das taxas de juro.

Posto isto, cumprirá ainda esclarecer uma derradeirainterrogação: será que as crises financeiras de mercados“globais” são fenómenos que só poderão, de futuro, ocor-rer em “economias emergentes”? A resposta pode ser en-contrada, no passado, mediante uma análise da crise dosmercados bolsistas iniciada em Julho de 1998 ou, se recu-armos um pouco mais, em crises monetárias como a crisedo SME de 1992117, ou ainda no presente, através da ob-servação dos mercados financeiros norte-americanos, cujaeuforia ou “exuberância irracional” alguns comparam mes-mo à situação da Ásia antes da crise118. A crise financeiranão é algo privativo de economias em desenvolvimentomas de mercados financeiros que, por definição, estão sujei-tos a fenómenos de pânico119. É o resultado de duas cir-

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117 Sobre a crise bolsista de 1998 pode ver-se BIACABE, p. 41-48.Sobre a crise monetária na Europa veja-se ADDA, [2], p. 161-170,EICHENGREEN, [2], p. 255-268 e DARREAU/PONDAVEN, p. 261-264.

118 Nesse sentido, CADIOU, p. 11, SAMUELSON, [2], p. 11-12.A economia norte-americana conhece um ciclo contínuo de cresci-mento económico há oito anos, mas isso não invalida a sua vulnerabi-lidade a oscilações cíclicas. Uma das preocupações fundamentais doseconomistas norte-americanos (e não só) é a possibilidade de um “hardlanding” da economia americana, com evidentes repercussões sobrea economia mundial. Vários autores aconselham a uma descida dastaxas de juro pela Reserva Federal para contornar o perigo de recessãoque se avizinha.

119 Concordamos, pois, com Jeffrey Sachs (apud JOLY p. 185)quando considera que: “la crise asiatique est tout d’autant une crisedu capitalisme ocidental que du capitalisme asiatique”. Também Soros

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cunstâncias que desde há muito se reconhecem: a da ins-tabilidade que rodeia a actividade económica, quando a“preferência pela liquidez” se revela altamente irregular, ea da desigualdade, agravada sempre que o motivo princi-pal de uma economia seja a especulação e a acumulaçãodesenfreada de capital120. As bases do capitalismo contempo-râneo obrigam a pensar a “revolução keynesiana” como uma“revolução permanente”, nas palavras de Avelãs Nunes121.

3.3. Explicações para as “novas” crises financei-ras internacionais

Uma perspectiva amplamente divulgada é a de quevivemos hoje crises “inexplicáveis” nos termos de há qua-renta anos atrás122. Até à década de noventa, as crises finan-

(SOROS, p. 22) admite que: “os mercados financeiros são, por defi-nição, instáveis”.

120 Com Keynes, fica demonstrada a incapacidade de o mercadoassegurar por si só o equilíbrio económico. Diz-nos Keynes (apudMENDONÇA, p. 109) que o investimento resulta dos “caprichos deuma eficiência marginal do capital que depende das opiniões pessoaisde indivíduos não conhecedores e especuladores”, pelo que aquele,“nãose pode, sem inconveniente, abandonar à iniciativa privada”.

121 NUNES, [3], p. 326.122 Mcleod distingue “crises antigas” e “crises novas”. As primei-

ras tinham origem em problemas relativos à balança de transacçõescorrentes; as segundas, em dificuldades atinentes à conta de capital.Segundo o autor, as crises actuais podem ocorrer de modo repentinoe mesmo que não se registe qualquer variação significativa no cená-rio macroeconómico – MCLEOD, p. 333-334 e 348-349. Já AlainGuillouet admite que na crise tailandesa tenham influído elementosatinentes a uma explicação “tradicional” das crises, baseada na evolu-ção do saldo da balança comercial (GUILLOUET, p. 197) e dados novos como a imprudência da política monetária, ao permitir taxasde expansão da massa monetária superiores à taxa de crescimento doPIB em 10%, como a irracionalidade do financiamento dos investi-

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ceiras obedeciam a um cenário relativamente constante: ode um país que, prosseguindo um regime de câmbios fixose enveredando por uma política monetária expansionistapara financiar défices excessivos, se vê confrontado comuma inflação crescente, com desequilíbrios da balança comer-cial e com uma apreciação real da sua moeda. A degrada-ção das variáveis macroeconómicas fundamentais ocasiona-ria uma mudança nas expectativas dos investidores o que,juntamente com o esgotamento das reservas em divisas nobanco central, precipitaria a decisão das autoridades mone-tárias de depreciação da moeda, em prejuízo da paridade123.Todavia, este tipo de explicação não poderia esclarecer oscontornos da crise asiática, posto que, neste caso, o cená-rio macroeconómico global não revelava razões suficientespara “desconfiar” dos mercados124. Perante isto, vários au-tores são levados a concluir que a crise que observámosrepresentou um fenómeno verdadeiramente desconhecidodas economias capitalistas até então.

Passemos, pois, a examinar as justificações que têmsido avançadas pelos economistas quanto ao “porquê” dacrise asiática.125. Decomporemos as opiniões em quatro gru-

mentos internos, particularmente os do sector imobiliário, ou comoa insuficiência de regras e controlos prudenciais (idem p. 199). Aindaassim, o autor reconhece que os elementos “novos” assumem um valorprevalecente na explicação da crise (idem p. 205). Outros autores(WYPLOSZ, p. 12) consideram que, no essencial, a crise asiática nãorepresentou um fenómeno novo na história dos mercados financei-ros.

123 Foi essencialmente esta a explicação inicialmente defendidapor KRUGMAN [2].

124 Nesse sentido, NICOLAS, p. 3. Já WYPLOSZ (p. 9 e 13) en-tende que a situação da Tailândia é excepcional pois, neste caso, asvariáveis macroeconómicas fundamentais podiam já indiciar a ocor-rência da crise.

125 Para uma análise das recentes explicações para as crises cam-biais vide EICHENGREEN, [3], p. 258-265.

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pos fundamentais, consoante o factor que se considera pos-suir maior evidência explicativa: o das “expectativas auto-realizáveis” e “equilíbrio múltiplo”; o da rigidez cambial edesequilíbrios da balança de pagamentos; o da assimetriana informação; e o das falhas do capitalismo asiático.

3.3.1. “Expectativas autorealizáveis” e “equilíbrio múltiplo”

Sachs127, Obstfeld127, Soros128 , Stiglitz129 e Krugman130,apesar de reconhecerem certas fraquezas às economias asiá-ticas, não se servem dessa circunstância para explanar a con-juntura local, antepondo uma explicação radicada na ideiade “ataques auto-induzidos”.

São as próprias investidas dos especuladores que desen-cadeiam a mudança no panorama real da economia e obri-gam as autoridades públicas a prosseguir certo caminho,nomeadamente, o da flutuação cambial131. Será nessa medidaque as expectativas do mercado se podem predicar de

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126 RADELET/SACHS.127 Apud EICHENGREEN, [2], p. 268.128 SOROS, p. 25. O autor defende uma ideia de “reflexividade”

para os mercados financeiros, na medida em que eles criariam a pró-pria realidade que, depois, reflectem. É a reflexividade e não o equi-líbrio (ou desequilíbrio) que, segundo o especulador, explica o fun-cionamento dos mercados financeiros (idem, p. 79-90).

129 “Apud JOLY, p. 182-183.130 KRUGMAN, [1], p. 127-129, [3], p. 1. O autor considera

que a crise asiática não pode ser explicada nos moldes tradicionais deuma crise monetária. Avultam, antes, dois factores normalmente negli-genciados nas abordagens tradicionais: o papel dos intermediários e opreço dos activos financeiros (“moral hazard/ asset bubble view”).

131 Krugman, referindo-se aos modelos explicativos de crisesfinanceiras denominados de “segunda geração”, nota que, em taiscasos, “the logic of the crisis (...) arises from the fact that defendinga parity is more expensive (e.g., requires higher interest rates) if themarket believes that defense will ultimately fail; as a result, a speculativeattack on a currency can develop either as the a result of a predicted

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“autorealizáveis”. Sob o pano de fundo desta teorizaçãogenérica podem, depois, observar-se diversas variações,como a dos modelos de “feedback” macroeconómico132 ououtros modelos de “equilíbrio múltiplo”.

Segundo P. Masson133, os recentes acometimentos finan-ceiros surgem melhor clarificados à luz de um modelo de“equilíbrio múltiplo”, assente numa ideia fundamental deimprevisibilidade do preço dos activos financeiros. Os mer-cados financeiros, cujo funcionamento se baseia na inte-racção e no mimetismo entre participantes, admitem múl-tiplos equilíbrios e as crises, fundadas em alterações súbitasde perspectivas, revelam uma dinâmica autoreferencial sendo,por isso, em larga medida, imprevisíveis.

Wyplosz134 e Nicolas135 realçam o facto de a liberali-zação financeira ter por “preço” a exposição das econo-mias a “ataques especulativos” de carácter autopropagador,pelo que a abertura dos mercados em países onde existamcerto tipo de fragilidades económicas estruturais deveria serfeita com um cuidado acrescido.

Qualquer dos autores citados admite que, quando amaioria dos agentes económicos adopta uma posição comum,de acordo com as suas previsões, será efectivamente esse ocaminho seguido pelo mercado, apesar de os factorescondicionantes das percepções dos investidores continua-rem, em larga medida, por explicar. Numerosos estudostêm sido desenvolvidos em torno da questão de saber se

future deterioration in fundamentals, or purely through self-fulfillingprophecy” – KRUGMAN ([3], p. 2).

132 Os modelos de “feedback” macroeconómico preconizam quea alta das taxas de juro, para evitar a depreciação de uma moeda,precipita essa mesma depreciação, por via das expectativas dos inves-tidores.

133 MASSON, p. 18.134 WYPLOSZ, p. 10.135 NICOLAS, p. 11-12.

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as variáveis económicas fundamentais se teriam degradadoao tempo do “surto especulativo”. A questão encontra res-postas díspares136, sendo também diversas as variáveis toma-das em consideração, faltando, no final, uma solução con-cludente ou definitiva137.

3.3.2. A rigidez cambial e os desequilíbrios da balança depagamentos

Barry Eichengreen138 destaca o papel do sistema cam-bial na crise asiática. A liberalização financeira interna,produto de uma viragem de um modelo de “crescimentoextensivo” para um “crescimento intensivo”, baseado nainovação e no capital de risco, traria consigo uma subidada mobilidade internacional do capital, determinando a fra-gilidade das taxas de câmbio controladas.

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136 Para uma análise do poder explicativo dos modelos deKaminsky, Lizondo e Reinhart, Frankel e Rose e Sachs, Tornell eVelasco vide BERG/PATILLO, p. 110 ss e KAMINSY/REINHART, p. 448.O FMI (apud DELALANDE, p. 67) considera uma série de factoresque, de um ponto de vista teórico, podem ter influência navulnerabilidade à crise de um sistema financeiro. Distinguem-se diversasvariáveis consoante o tipo de crise bancária ou cambial. Por exemplo,numa crise cambial determinada pela fraqueza do sector bancário efinanceiro, classificação que muitos têm atribuído à crise asiática, teriamespecial relevo circunstâncias como o crescimento do crédito ao sec-tor privado, as medidas de liberalização financeira, o nível da dívidaexterna a curto prazo ou a variação do preço dos activos financeiros.

137 É a conclusão de BERG/PATILLO (p. 127-129) relativamenteaos modelos referidos. É também esta a consideração que alcançaDaniel Delalande quanto às circunstâncias de vulnerabilidade propos-tas pelo FMI acabadas de mencionar na nota anterior. Diz-nos esteautor: ”Techniquement, il pourrait être possible d’identifier un ensem-ble d’indicateurs capables de prédire une crise. Mais ceux-ci pren-draient immédiatement toute utilité. En effet (...), les marchés les pren-draient en compte et précipiteraient les crises...” (DELALANDE, p. 66).

138 EICHENGREEN, [2], p. 283.

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Blinder139 considera que todas as crises financeiras dadécada de noventa partilham o facto de terem, na sua ori-gem, uma tentativa de fixação cambial combinada com umendividamento excessivo em moeda estrangeira. A pros-secução de um regime de “paridade deslizante” face a umamoeda inegavelmente mais forte que o “bath” ocasionariaum desequilíbrio da balança de pagamentos e uma contra-dição entre a prossecução do objectivo cambial e a satisfa-ção das necessidades internas da economia tailandesa.

3.3.3. Assimetria na informação, selecção adversa e risco moral

F. Mishkin140 perfilha o ponto de vista segundo o quala distribuição assimétrica da informação gera situações derisco moral e de selecção adversa nos sistemas bancários que,depois, determinarão a conjuntura recessiva. Um “choquefinanceiro” resulta sempre, segundo Mishkin,141 de umadisfunção no fluxo de informação disponível aos agenteseconómicos, entendendo ainda o autor que, eliminada essafalha, os mercados financeiros poderiam voltar a funcionarna perfeição, canalizando a poupança para o investimentoprodutivo.

Mishkin chama ainda a atenção para o risco moral epara a adversidade na selecção, como factores explicativosda imperfeição dos mercados de capitais. O risco moralocorre depois da realização de uma operação financeira etraduz-se na probabilidade de o devedor levar a cabo pro-jectos que prejudicam o “bom crédito” da contraparte, pro-babilidade essa que depende da verificação de um certo________________________

139 BLINDER, p. 59.140 Krugman também realça o papel do risco moral no apareci-

mento de situações de sobreinvestimento (“overinvestment”), apon-tando como factor principal o proteccionismo das medidas de garan-tia pública de depósitos – KRUGMAN, ([3], p. 3).

141 MISHKIN, [2], p. 6 e 10.

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estado de espírito, próprio de quem sabe estar protegidocontra as consequências dos seus actos. A selecção adversaé um problema que se coloca antes da transacção e queadvém do facto de o credor possuir um conhecimentofraco ou incompleto acerca das qualidades do devedor edas condições do empréstimo142. Ambas as circunstânciasconduzem a uma restrição do crédito por parte dosaforradores, tanto ao nível interno, como ao nível inter-nacional, o que prejudica o investimento e o crescimentoeconómico do país.

Os factores que, segundo este economista143, contri-buem para um incremento da assimetria na informação euma maior instabilidade financeira são: a deterioração dosbalanços das instituições financeiras e não financeiras, a su-bida das taxas de juro e o aumento da incerteza. Na Ásia,tais circunstâncias teriam sido enquadradas por um sistemabancário dirigido por gestores inconsequentes144, por umasupervisão pública insuficiente e ineficaz e por uma “pro-tecção pública” desresponsabilizadora145, aspectos que, emconjunto, potenciaram o “boom” do crédito bancário, adeterioração da situação contabilística dos bancos e a impru-dência do “ratio” de dívida externa de curto prazo dasinstituições locais.146.

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142 MISHKIN, [4], p. 2-3, [2], p. 4.143 MISHKIN, [2], p. 6-9 e [4], p. 17-24.144 Pense-se, por exemplo, na ausência de qualquer tipo de pre-

caução, nomeadamente, consulta de uma “notação de risco” relativaao cliente por parte das instituições de crédito tailandesas.

145 O sistema implícito de garantia pública dos empréstimosteria motivado comportamentos económicos irreflectidos, baseadosnuma sensação de “imunidade ao risco”, potenciando o “risco mo-ral” nas relações creditícias.

146 MISHKIN, [2], p. 11-12 e 13-17, [3], p. 3-7.

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3.3.4 As falhas do “capitalismo asiático”

A análise de S. Fischer e do FMI147 é a de que fo-ram certas transgressões específicas do “capitalismo asiáti-co” que condicionaram a emergência da crise. De entrevárias, salientam a falta de transparência e de informaçãodo sistema financeiro local e a prossecução de um sistemade “paridade deslizante” face ao dólar, encorajando oendividamento excessivo nesta divisa e o clientelismo e cor-rupção dos poderes públicos. E. Kane148 considera que aliberalização da conta de capital e os fenómenos de pânicobancário constituem um modo de “disciplinar” os gover-nos em sistemas democráticos duvidosos como os asiáti-cos. Este ponto de vista traduz-se, assim, numa combina-ção das explicações analisadas em 3.3.2. e em 3.3.3, a queacresce o factor da impreparação política dos dirigentes.

3.3.5. Conclusão

As circunstâncias que presidem a um fenómeno com-plexo como o de uma crise financeira não são fáceis dedilucidar e qualquer teorização que se aventure em fazê--lo será sempre um mera hipótese, sujeita àquilo que K.Popper designa de um “teste de falsificabilidade”.Perante acontecimentos desta índole, o importante é ten-tar percebê-los como perigo mas, simultaneamente, comooportunidade de mudança e não cair no mesmo erro dosteóricos da “escola clássica” perante a crise de 1929-33,ao insistirem em assumir-se como “geómetras euclidianos”dum “mundo não euclidiano”. É ainda de evitar que adiscussão que nos ocupou se converta numa espécie de“obsessão” em atribuir culpas: aos especuladores, no caso

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147 Apud JOLY, p. 180-181.148 KANE, p. 8 e 15 ss.

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do “equilíbrio múltiplo”, ou aos governos, nas demaisteorizações, caindo em esquecimento a complexidade e apluridimensionalidade que sempre haverão de acompanharos “acidentes” financeiros.

No quadro de mercados financeiros globalizados, ébastante sedutora a explicação oferecida pela “teoria dasexpectativas autorealizáveis”; mas não devemos ignorar queuma visão estritamente financeira da crise revelar-se-á sem-pre redutora e incompleta. A visão do “múltiplo equilí-brio” é, certamente, o único modelo bem sucedido na expli-cação do “contágio” e do desenvolvimento dos acidentesfinanceiros contemporâneos. Mas não os apreende na suaglobalidade: este modelo terá de ser conjugado com umainterpretação baseada nos “ciclos reais da economia”.

As ideias de que os problemas de risco moral e selec-ção adversa são co-naturais aos mercados financeiros e deque estes se intensificarão onde quer que exista uma infor-mação imperfeita afiguram-se-nos, em si mesmas, correc-tas. Todavia, entendemos ser de reconhecer que, apesar daproliferação de agências de informação e dos avançostecnológicos nas comunicações, nunca num mercado finan-ceiro a informação será perfeita e transparente: um certograu de opacidade e secretismo é indissociável destes mer-cados. Mais: mesmo que fosse possível assegurar uma per-feita distribuição da informação, seria duvidoso que os ope-radores se conseguissem precaver contra o risco e adoptarcomportamentos puramente racionais. Os sistemas finan-ceiros são intrinsecamente instáveis: uma informação cor-recta e mais amplamente disseminada pode auxiliar na redu-ção do problemas de risco moral e de selecção adversa masnão pode obstar a que as crises ocorram.

Em nosso entender, se a causa aparente da crise foi afalta de confiança, por detrás deste motivo esteve, pos-sivelmente, a circunstância de os governos não terem tidocondições para manter uma taxa de câmbio ligada a uma

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moeda muito mais forte que a sua. A persistência na defesacambial determinaria o desequilíbrio da balança comercial;o abandono da paridade, por seu turno, ocasionaria a expo-sição de uma economia endividada a curto prazo em moedaestrangeira. A entrada de avultados montantes de capitaisestrangeiros a curto prazo nos mercados asiáticos149 preci-pitou a formação de uma “bolha financeira” sustentada peloirrealismo das expectativas optimistas dos investidores queacabaria por “rebentar”, lançando a economia tailandesa,primeiro, e a região do sudeste asiático, depois, numa crisede falta de liquidez, sem pré-aviso e sem conceder às auto-ridades tempo ou capacidade de reacção para minorar oseu impacto ou acautelar o seu contágio. Queremos comisto dizer que se, por um lado, a crise asiática possui umelemento de continuidade relativamente a crises anterio-res, assente na leitura das condições macroeconómicas ena observação da instabilidade intrínseca aos mercados finan-ceiros, por outro lado, o seu o impacto e propagação sãojá predominantemente explicáveis em termos financeiros,através das expectativas instáveis e autorealizáveis dos inves-tidores150. Neste último aspecto reside a novidade desta criseenquanto “crise do capitalismo global” numa época de

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149 Para N. Rey (REY, p. 7 e 13-15) as crises financeiras actuaissão uma consequência directa do processo de integração financeirainternacional, tal como se desenrolou após os anos noventa. Tam-bém J. P. Landau considera como factor preponderante na explica-ção da crise o papel destabilizador das entradas de capitais em grandeescala (LANDAU, p. 59). Kaminsy e Reinhart (apud FELIX, p. 165-166)determinaram a existência de uma forte correlação entre a liberalizaçãointernacional dos movimentos de capital e a ocorrência de crises empaíses em desenvolvimento.

150 Do facto de as crises actuais se explicarem com base naautorealização das expectativas dos investidores, não podemos deixarde retirar duas conclusões. Primeira, a de que tais crises continuarãoa verificar-se. Segunda, a de que estas continuarão a suceder de modoalgo imprevisto.

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“globalização financeira”: o que verdadeiramente distingueo estádio actual de evolução do sistema económico é acircunstância de um acidente de origem regional se reper-cutir a nível mundial, de modo célere e imprevisto.

4. Os Estados perante a instabilidade e a desigual-dade globais

Chegados a este momento, entendemos ser conve-niente realizar um balanço dos custos e dos benefíciosassociados à liberalização e globalização dos mercadosfinanceiros que caracterizam a etapa actual do processo de“mundialização da economia”151. Por razões expositivas,

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151 Privilegiamos os efeitos que advêm da “globalização finan-ceira” tal qual a caracterizámos anteriormente. Contudo, não ignora-mos as consequências económicas, sociais e políticas que resultam da“mundialização da economia” contemporânea, quando consideradacomo um todo, atendendo, portanto, a aspectos relativos ao desen-volvimento do comércio internacional. É de realçar, em especial, osefeitos da globalização que se fazem sentir sobre o desemprego e mer-cados de trabalho. Na Tailândia, em 1996, cada pessoa trabalhou,em média, 1394 horas por ano, valor que excede em 100 horas ode 1973 (CRAFTS, p. 152). Este número praticamente duplica os valo-res registados na Europa (à excepção dos países do Sul) e tende aaumentar à medida que o comércio internacional se liberaliza. Outroaspecto deste problema é o da degradação do nível dos saláriosauferidos: o crescimento económico asiático foi feito à custa de salá-rios que não alcançam metade do nível salarial médio norte-america-no (KRUGMAN, [1], p. 36). Esta circunstância não pode deixar desuscitar uma ampla reflexão: quer quanto à degradação das condiçõesde trabalho nas economias emergentes – o que, por si só, envolveproblemas delicados como trabalho infantil, regulamentação laboral,segurança social e, em geral, respeito pelos direito humanos –, querainda no que respeita às implicações que daqui resultam para os mer-cados de trabalho de países desenvolvidos. Todavia, à revelia da reali-dade, há quem considere que a globalização, pelo aumento do poder

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dividiremos a apreciação dos ganhos da globalização emduas partes: uma relativa à incidência sobre o crescimentoeconómico e a repartição da riqueza, ao nível interno eao nível mundial; outra respeitante aos dilemas e constran-gimentos que resultam para a política económica estadual.

4.1. Crescimento e repartição da riqueza

As vantagens associadas aos mercados de capitais sãoconhecidas: mobilizar a poupança para o investimento pro-dutivo, facilitar o comércio internacional e reduzir o riscoe a incerteza na actividade económica. Em certa medida,a existência de mercados financeiros descompartimentadospropiciou uma redução dos custos associados às transac-ções e uma mais ampla disseminação do investimento àescala mundial. Contudo, sempre cumprirá indagar quembeneficiou dessa redução de custos e qual o âmbito con-creto da “democratização” das oportunidades de investi-mento.

Quando o assunto é avaliar os ganhos da “globalizaçãofinanceira”, a ortodoxia liberal não hesita em exacerbar asvirtudes do fenómeno, salientando que a criação de ummercado mundial de capitais, garantidas a liberdade eatomicidade de agentes económicos, virá potenciar asvirtualidades do sistema financeiro, permitindo uma melhordistribuição dos capitais, entre países e no interior um país,reduzindo, ao mesmo tempo, os custos do crédito. Na ver-dade, mal podemos imaginar um mundo onde não sepudessem realizar movimentos internacionais de capitais.Pode ainda dizer-se que nem sempre o endividamento sig-nifica apetência para a crise: aliás, muitas vezes, o recurso

de compra dos rendimentos médios e baixos, teria auxiliado a travaras pressões salariais e, com isso, a aumentar o emprego.

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aos capitais estrangeiros constitui a única forma de paísescom taxas de poupança reduzidas relançarem a sua econo-mia. Por exemplo, a Polónia contraíu, durante o períodode 1998-1999, empréstimos externos na ordem dos 6% doPIB152, o que auxiliou consideravelmente o crescimentodeste país que hoje se apresenta como um dos mais sérioscandidatos à adesão à União Europeia. Contudo, é alta-mente duvidoso que a “globalização” tenha provocado umamelhor afectação de recursos, quer ao nível interno de cadaEstado, quer ao nível internacional.153

Ao nível da componente nacional das economias faze-mos notar três aspectos. Em primeiro lugar, a incerteza éhoje maior: o grau de volatibilidade cambial que temacompanhado a expansão dos fluxos internacionais de capi-tais é de molde a provocar distorções nas estratégias deinvestimento que se reflectem, depois, em quebras na pro-dutividade. Em segundo lugar, a alta das taxas de juro154,exigida pela abertura dos mercados, prejudica gravementeo crescimento económico interno. Desde a década de se-tenta que o crescimento económico nos países da OCDEtem vindo a desacelerar-se, arrastando consigo o aumentodo desemprego. De um crescimento mundial na ordem dos5%, em 1959-1964, passamos para uma taxa de 2,8%, em1983-1994. Por outro lado, a instabilidade é também hojemaior: o coeficiente de variação da taxa de crescimentoeconómico tem vindo a crescer desde a década de sessenta 155.Finalmente, a “globalização financeira” trouxe consigo um________________________

152 OBSTFELD, [2], p. 3.153 Contra, salientando que a globalização da economia (comércio

e finanças) não contende com objectivos de crescimento económicoe maior equidade, pode ver-se FRANKEL.

154 Em termos de média anual, a taxa de juro real no conjuntodo G-7 passou de 1,1% em 1959-1964, para 5,4 em 1995 – FELIX

p. 184.155 Idem, p. 173-174.

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incremento substancial do número de crises financeiras: nosúltimos vinte anos, cerca de 125 países conheceram gravesdificuldades económicas internas em virtude de um colapsono sistema financeiro.156

Ao nível internacional, são várias as considerações,umas relacionadas com a situação vivida pelas zonas quebeneficiaram da confiança dos investidores, outras atinentesàs áreas do globo condenadas ao esquecimento.

Em relação às primeiras, é de notar não ser líquidoque a “globalização” tenha podido transferir tecnologiae “know how” para os países em desenvolvimento157.Além de que não nos parece que a aproximação ao Oci-dente em resultado da abertura dos mercados financeirostenha envolvido melhorias na protecção dos direitos so-ciais e políticos nos referidos países. Depois, os movimen-tos de capitais que os atingem são, na sua maioria, tran-sacções financeiras desligadas da produção, como atrástivémos oportunidade de realçar. Por último, a maior vul-nerabilidade das economias às crises cambiais tende a sacri-ficar os países devedores de modo particularmente severo.

Quanto às zonas que não constam dos “roteiros” doinvestimento privado internacional, a situação em nada evo-luiu, mesmo depois de décadas de mutações financeiras158.Os capitais continuam a não chegar onde são mais precisos:países como os da África subsaariana permanecem conde-nados à sobrevivência abaixo de limiares mínimos de sub-sistência. As diferenças entre os indicadores económicos fun-damentais dos diversos países, marcadas por um forte con-

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156 “COUNCIL ON FOREIGN RELATIONS”, p. 57).157 Vide supra, p. 33, nota 75.158 Os investimentos privados internacionais privilegiaram, du-

rante a década de noventa, os países que revelavam taxas internas depoupança elevadas, como é o caso dos Estados asiáticos – PHLION

[1], p. 108.

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traste, tendem a agravar-se. Nas perspectivas do BancoMundial de Dezembro de 1999 estimava-se um aumentodo número de pessoas que, no continente africano, vivemcom menos de 197 escudos por dia159. Esta exclusãoinumana não nasceu com o “mito do capital sem frontei-ras”, mas cresceu com ele, tornando-se cada vez mais into-lerável à medida que a civilização progride e se torna mani-festa a posse de meios para um exercício de solidariedadeeconómica e social. Os países subdesenvolvidos ficamdependentes dos financiamentos públicos estaduais que, emregra, se revelam escassos e insuficientes, além de se associa-rem a planos de pagamento e restruturação extremamentepenosos. De presente, seria puro farisaísmo afirmar que aglobalização financeira pôde contribuir de modo eficaz parauma aplicação dos recursos disponíveis à escala mundial,favorecendo o crescimento no longo prazo160. Cumpre repen-sar estratégias de desenvolvimento económico que passempor uma participação destes países nos mercados mundiais,para que a ideia de “património comum da Humanidade”que propôs estabelecer, no plano internacional, o que noplano interno, correspondeu ao “Welfare State”, finalmente,possa adquirir alguma efectividade161.

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159 A situação acabada de expôr não suscita grande espanto, pos-to ser um facto notório o de que às empresas multinacionais e aosinvestidores financeiros não interessa a “ajuda ao desenvolvimento” quenão tenha por efeito uma maximização de lucros. Mas será já, por-ventura, suficiente para pôr em causa a imagem mírifica dos mercadosfinanceiros globalizados.

160 PHLION, [1], p. 108.161 CASSESE, p. 349.

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4.2 Constrangimentos e dilemas da política eco-nómica

G. Soros caracteriza a nossa época como a de um“fundamentalismo de mercado” que procura “abolir osprocessos de tomadas de decisão colectivas e impôr a supre-macia dos valores do mercado sobre todos os valores sociaise políticos”162. Em mercados financeiros globalizados, osmovimentos de capitais e a evolução do preço dos activosconstituem, simultaneamente, uma resposta e um constran-gimento às opções políticas dos governos. Esta constataçãopode ser objecto de duas leituras: a de que, hoje, os merca-dos conseguem impôr uma disciplina aos governos, impe-dindo-os de incorrer nos excessos de outrora163, ou a deque os Estados, perante o poder dos mercados, se achamperante graves dilemas de política económica que, em úl-timo termo, podem mesmo pôr em causa a governabilidadedo país e a sobrevivência de um regime democrático.

O “mal-estar” que vem perturbando o normal exer-cício de funções públicas decompõe-se em três aspectosfundamentais, todos eles correlacionados: a dicotomia entreEstado e cidadãos; a demissão estadual do exercício de acti-vidades indispensáveis à satisfação das necessidade sociais; eos constrangimentos com que se debatem os poderes pú-blicos.

Juntos, a “fuga” para experiências de integração supra-nacional, a “agonia” das democracias e o renascer da velhadoutrina liberal do “minimal state” concorrem para umaerosão dos poderes públicos164, para um apagamento das

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162 SOROS, p. 29.163 Nesse sentido, KANE, p. 1.164 Inscreve-se claramente nesta tendência de alheamento do

Estado relativamente à satisfação das necessidades sociais dos cidadãos,a “privatização da Segurança Social” e sua substituição por sistemas

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“soberanias nacionais”165 e para uma crescente separaçãoentre o Estado e a “sociedade civil”.

As dificuldades com que se defrontam as autoridadespúblicas são cada vez maiores, num contexto de mobili-dade de capitais. Desde logo, a da escolha de um instru-mento de política económica entre a taxa de câmbio e ataxa de juro. Depois, o enfraquecimento dos instrumentosde controlo da liquidez numa economia financeira desinter-mediada e onde a indistinção entre agregados monetáriose moeda e quase moeda é cada vez maior.

O próprio regime cambial a adoptar não deixa de serum desafio. Perante os constrangimentos impostos pelo “tri-ângulo de incompatibilidade” de Mundell166, os Estadosdevem hoje escolher uma de três vias possíveis: “autarciafinanceira” (câmbios fixos e autonomia da política mone-tária), “união monetária” (mobilidade de capitais e câm-bios fixos) e câmbios flexíveis (mobilidade de capitais eautonomia da política monetária). A Europa escolheu a viada estabilidade cambial e liberalização dos fluxos de capi-

de reforma por capitalização, como o norte-americano. Esta lógicaprivatizadora não pode deixar de suscitar alguma preocupação, prin-cipalmente quando associada aos fenómenos de expansão ilimitada dopoder financeiro dos “fundos de pensões” e demais investidoresinstitucionais e à “gestão financeira” das empresas enquanto determi-nante da organização laboral e salarial. Os Estados contemporâneosdesempenham um papel de meros garantes da criação e manutençãode um meio atractivo para os capitais estrangeiros (assim, MICHALET,p. 101 a 109). Malcom Waters considera a evolução actual no sentidode uma globalização política, propiciada pela ascensão da social demo-cracia liberal ao nível mundial e pelo enfraquecimento e descentrali-zação dos poderes do Estado (WATERS, p. 93-118).

165 Há mesmo quem não hesite em invocar uma “morte doEstado-nação” e da emergência de “Estados-região” – nesse sentido,OHMAE, p. 79 a 100.

166 Sobre o modelo “Mundell-Flemming” vide DORNBUSH//FISHER, [2], p. 167 a 170.

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tais, sacrificando a autonomia da política monetária e cam-bial167 e, em parte, da política orçamental168. A discussãosobre a pertinência dessa escolha está longe de ser pacífica169.As vozes críticas apontam duas objecções fundamentais aomodo como tem sido decidida a integração económicaeuropeia: a insensibilidade face ao problema do desem-prego170 e a falta de meios ao dispôr dos Estados da Coe-são para enfrentar um “choque assimétrico”171.________________________

167 Sobre a condução da política monetária pelo BCE vide SIL-

VA p. 47-64. Sobre a definição da política cambial da zona euro peloECOFIN, idem, p. 65-68. A actual Lei Orgânica do Banco de Portu-gal (dl 337/90 de 30 de Outubro, alterado pelo dl 231/95 de 12 deDezembro e lei 5/98 de 31 de Janeiro) dispõe o seguinte, no seuartigo 15: “No âmbito da sua participação no SEBC, compete aoBanco a orientação e fiscalização dos mercados monetários e cambi-al”. Trata-se, pois, de um mero poder de controlo, que não de con-dução da própria política monetária e cambial e, ainda assim, limi-tado na medida da participação na integração monetária europeia.

168 As restrições impostas pelos critérios de convergência deMaastricht e, depois, pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento.Sobre os critérios de convergência vide SILVA, p. 31-43, sobre o Pactode Estabilidade, idem p. 81-84. Para uma visão crítica dos constran-gimentos e das sanções prescritas pelo referido Pacto pode ver-seCADILHE, p. 18-27.

169 SILVA, p. 22-25 e 136-139 e PORTO, p. 414-430.170 Octávio Teixeira (TEIXEIRA, p. 12-16) salienta que o baixo

nível de produtividade da economia portuguesa, conjugado com aperda dos instrumentos monetário e cambial, faz com que o neces-sário reforço da competitividade seja feito à custa do emprego.

171 O problema dos choques assimétricos tem sido muito discu-tido, quer quanto à susceptibilidade da sua verificação no seio de umespaço económico integrado, quer quanto aos meios para lhes fazerface. Os mais críticos salientam que o actual orçamento da UE deveriapossuir uma função de estabilização, dado inexistirem outros meca-nismos correctores susceptíveis de serem utilizados na “zona euro”(nomeadamente, ajustamentos nos preços e deslocação dos factores deprodução, em especial, da mão-de-obra). Assim sendo, serão as eco-nomias nacionais a suportar os efeitos do choque à custa de desem-

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Um outro desafio é, sem dúvida, o de garantir meiosde financiamento estadual, numa altura em que a tendênciainternacional isenta de tributação as transacções financei-ras. O receio de avançar para uma “fiscalidade do capi-tal”172 e as dificuldades que suscita173 não devem ser con-tornados à custa de uma injusta sobrecarga tributária dosrendimentos do trabalho, nem de uma compressão indis-criminada das despesas públicas. Ambas as alternativas com-prometem de modo inaceitável imperativos de Justiçasocial. Há que procurar meios de garantir uma coordena-ção internacional para que se recupere internamente ummínimo de equidade e de igualdade fiscal.174

prego e menor crescimento. Outros entendem que, no momento pre-sente e pelo motivo em causa, não se divisam razões suficientes paraprosseguir por uma via de federalismo orçamental. Primeiro, porquea maior convergência entre economias a alcançar por via da coesãoeconómica e social – e também por via das receitas orçamentais daUnião – deve ser de molde a evitar os referidos choques. Segundo,porque existem outros meios para enfrentar essa situação, como ofundo de estabilização finlandês ou a maior integração dos mercadosfinanceiros europeus.

172 Desde logo, o medo de um “esvaziamento” financeiro dopaís, num contexto de plena liberdade de movimentação de capitais.Depois, o receio de comprometer o financiamento da dívida pública.Esta circunstância conduz-nos a outra discussão que é a de saber see em que medida a redução da dívida pública pode conferir aos gover-nos uma mais ampla margem de manobra frente à actual “ditadurade credores”, na expressão de J. P. Fitoussi (FITOUSSI, p. 50).

173 Pense-se no problema de “direito internacional privado finan-ceiro” colocado por M. Teresa Faria (FARIA, p. 76): “Se uma socie-dade portuguesa realiza em Tóquio uma operação financeira de cober-tura de uma outra operação financeira contratada em Londres poruma sua sucursal nos Estados Unidos, suscita-se imediatamente a ques-tão sobre que país irá tributar e o quantum dessa tributação”.

174 M. Obstfeld considera que este dilema (suprimir áreas deprestação pública em virtude da diminuição de receitas ou mantê-lasà custa da tributação dos rendimentos laborais) poderá ser transitoria-

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5. Propostas de defesa do sistema económico

A crise asiática teve por único mérito o de reacendera discussão teórica em torno do sistema financeiro inter-nacional, das suas armadilhas e incompletudes, a qual seveio a desenrolar a vários níveis, dos quais salientaremoscinco: o das relações monetárias internacionais (5.1.); o dareforma da “arquitectura financeira” internacional (5.2.); oda reconsideração das circunstâncias da liberalização finan-ceira, em especial, a análise de formas de liberalização pro-gressiva e gradual, acompanhadas de um incremento dasupervisão e regulação do sistema financeiro (5.3.); o daimplementação de controlos temporários sobre os movi-mentos internacionais de capitais em economias cujos siste-mas financeiros internos não ofereçam garantias de estabi-lidade (5.4.); e, por fim, o da tributação de determinadasoperações financeiras (5.5).

5.1. Sistema Monetário Internacional

A questão do sistema cambial continua a dividir asopiniões entre os defensores de um maior ou de um menorgrau de controlo cambial, tudo dependendo da “esperança”que depositem no mercado, enquanto mecanismo autoregu-lador de oscilações cíclicas. Blinder175 preconiza ser prefe-

mente ultrapassado com uma solução de tributação do consumo(OBSTFELD, [2], p. 17). Todavia, uma tal tributação revela-se regres-siva e, portanto, insatisfatória do ponto de vista da equidade fiscal.Na verdade, se a tributação do consumo se pode ter por vantajosado ponto de vista da eficiência e da simplicidade num contexto deglobalização da economia, só uma tributação do rendimento podegarantir os princípios fundamentais da equidade e progressividade tri-butárias – TEIXEIRA, p. 42.

175 BLINDER, p. 58-59.

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rível os Estados adoptarem políticas de flutuação controla-da ou de flexibilidade cambial, para obrigar os devedoresa internalizar alguns dos custos relacionados com uma ele-vada assunção de riscos cambiais176.

Outro ponto de vista que se faz notar é o de que háque prosseguir por uma via de criação de “zonas-alvo”(“target zones”) entre o dólar, o euro e o iéne, para con-trolar a variabilidade das paridades entre estas moedas.177

Quanto ao aparecimento de “novos actores” no sis-tema monetário internacional, não podemos deixar de fazerreferência à experiência da UEM. A relação entre a moedaúnica e os mercados monetários e financeiros pode anali-sar-se a dois níveis: o nível interno, em que se conside-ram os efeitos daquela moeda sobre o funcionamento dosmercados dos Estados membros e o nível externo, em quese atende ao impacto do “euro” no sistema e coordena-ção monetária internacional.

Quanto à primeira abordagem, é de sublinhar que,se por um lado a moeda única traz consigo uma integraçãode mercados de capitais e uma maior liquidez na zona eurosusceptível de reduzir o impacto dos choques externos178

significa, por outro lado, uma concreta exigência de maiorcoordenação entre poderes supervisores e de harmonizaçãodas funções reguladoras das actividades financeiras ao nível

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176 Sobre as críticas ao regime de câmbios flutuantes, vide suprap. 18.

177 Contra a criação de “target zones” invocam-se os seguintesargumentos: a afectação das taxas de juro à prossecução de objec-tivos cambiais, o que pode verificar-se contrário às necessidades inter-nas; e o facto de essa medida depender da verificação de duas condi-ções essenciais (para que haja consenso sobre o valor da paridade dereferência) que são a redução dos desiquilíbrios internacionais, em espe-cial, da dívida externa norte-americana, e a melhoria da coordenaçãointernacional das políticas económicas (DE BOISSIEU, p. 85-86).

178 SILVA, p. 25-27.

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europeu, v.g.,em atenção à livre circulação de capitais nazona e à tendência de internacionalização das actividadesfinanceiras.

Já ao nível internacional, questiona-se, de uma parte,o papel do BCE como instância de coordenação da polí-tica monetária e cambial ou como impulsionador de medi-das de reforma e, de outra, o estatuto de moeda interna-cional do euro, quer quanto ao seu valor e utilização179,quer quanto à sua influência na estabilização cambial inter-nacional.180

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179 A expectativa em torno da credibilidade internacional do eurotem crescido nos últimos tempos, marcados por desvalorizações destamoeda face ao dólar. O BCE parece abandonar a estratégia de “negli-gência benigna”, servindo-se das taxas de juro de curto prazo na zonapara suster a queda do euro. Cavaco Silva entende que: “a longoprazo, o euro será uma moeda sólida e estável, podendo apreciar-seem relação ao dólar” (SILVA, p. 73). A verdade é que, se são escassasas dúvidas quanto à susceptibilidade de o euro desempenhar as fun-ções de uma moeda internacional (LELART, p. 51-53), é já discutívelem que medida é que, enquanto tal, a divisa europeia poderá fazerconcorrência ao dólar (idem, p. 54-57).

180 Jérôme Creel destaca cinco elementos susceptíveis de atrairos investidores para uma divisa: o seu rendimento, a sua liquidez, apreocupação de diversificação de carteira, o risco cambial, e os meiosde se prevenir contra ele (CREEL, p. 113). Bénassy Quéré destacatrês características do euro que são susceptíveis de influenciar negati-vamente, num período de transição, a estabilidade cambial interna-cional: o facto de a política monetária europeia ser conduzida porum banco central (o BCE), servindo um objectivo primordial de esta-bilidade dos preços na zona (e não de estabilidade cambial face aodólar); o aparecimento do euro como moeda internacional alterna-tiva ao dólar; e a modificação dos poderes monetários a nível inter-nacional, em virtude do papel da UEM (QUÉRÉ, p. 77). Ainda assim,as incertezas que pesam sobre o futuro da “zona euro” não permi-tem antecipar se, a longo prazo, o grau de estabilidade cambial euro//dólar será maior do que o que se verificava, antes de 1999, entredólar/marco alemão (idem, pág. 78).

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5.2. Arquitectura financeira internacional

Em termos de restruturação da “arquitectura finan-ceira internacional”, distinguem-se as soluções que se cen-tram numa remodelação de modalidades de intervenção oude instituições já existentes (5.2.1.) das que apostam na cria-ção de novas entidades e/ou funções ao nível internacio-nal (5.2.2.).

5.2.1. Soluções de reforma na continuidade

Certos autores consideram que a solução para as cri-ses financeiras actuais reside na criação de um prestamistade última instância internacional: só uma “injecção deliquidez” na zona afectada poderá repôr a confiança dosinvestidores e evitar o “pânico financeiro”181. Depois, háainda quem defenda a presença de uma tal entidade asso-ciada à imposição de determinados “standards” de regulaçãoe supervisão prudencial. Mishkin considera que a incapa-cidade dos bancos centrais em países em desenvolvimentopara repôr a liquidez necessária após o “choque” finan-ceiro faz com que se torne imprescindível a intervençãode um prestamista de última instância internacional, muitoembora se deva acautelar o “risco moral” que daí poderesultar, através de uma eficaz regulação e supervisão pru-dencial das instituições financeiras locais que estão autori-zadas a conceder empréstimos.182

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181 Enquanto defensores da ideia de um prestamista de últimainstância internacional, encontramos F. Mishkin (MISHKIN, [5]) e J.Garten (apud ROGOFF, p. 24-25). Sobre o fundamento e limites daintervenção das autoridades monetárias para garantir a liquidez nosmercados, de acordo com as teses clássicas e monetaristas, veja-seFIGUET, p. 58-64.

182 MISHKIN, [3], p. 8-17.

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Têm sido apresentados vários argumentos a desfavordeste expediente de garantia subsidiária da liquidez. Desde oaumento do “risco moral”, ao pânico financeiro que podedesencadear a sua intervenção, enquanto espécie de “ates-tado” de mal-estar financeiro.

Outra linha de reforma recomenda alterações no quetange aos poderes do FMI183. Esta orientação genérica é,depois, explanável sob diversos pontos de vista. Um delesaponta para uma intervenção do FMI centrada sobretudonuma acção “ex ante”. Clark184 preconiza uma inversãodo papel desta instituição, traduzida numa passagem de regu-lador conjuntural a conselheiro de reformas estruturais, euma alteração dos meios de concessão de liquidez ao seudispôr185. Há sublinhe ainda que o Fundo deve prescindirda pretensão de ser um prestamista de última instânciainternacional186 para se dedicar à promoção da negociação

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183 Desconsideramos soluções parciais como a da criação um“fundo monetário asiático” pois parece-nos que para um problemaglobal a resposta não pode ser regional.

184 CLARK, p. 3.185 A impreparação do FMI no desempenho de uma função de

prestamista de última instância não é consensual. S. Fisher (apudFIGUET, p. 68) considera que as competências e os recursos actual-mente disponíveis pelo Fundo são suficientes para uma gestão eficazdas crises financeiras.

186 O argumento principal desta tese é o de que o Fundo nãopossui liquidez necessária para fazer frente às crises financeiras actuais.Desde logo, porque não lhe assiste poder de emissão de moeda.Depois, porque toda e qualquer intervenção enquanto prestamista deúltima instância que se volva na utilização dos direitos de saque espe-ciais está condicionada à autorização dos Estados-membros. Acresce queessa função induz a uma maior negligência das autoridades nacionaisno exercício da supervisão financeira (ROGOFF, p. 29). Assim sendo,seria preferível que aquele papel fosse desempenhado pelos bancos cen-trais (nesse sentido, vejam-se LE CACHEUX, p. 55, DE BOISSIEU

p. 86 e FIGUET p. 72-73). J. Sachs entende que o próprio espectro

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entre credores e devedores, designadamente quanto à pos-sibilidade de concessão de moratórias para pagamento dasdívidas187, e ao aconselhamento à política económica dosgovernos188. Esta orientação depende, antes de mais, de afunção de prestamista de última instância poder ser desem-penhada pelos bancos centrais, v.g., pela Reserva Federale pelo BCE.

A instituição de Bretton Woods, mau grado o im-pacto do colapso asiático, não assumiu as devidas respon-sabilidades, nem expressou qualquer desejo de reformulaçãoda sua actuação futura, salvo no que respeita ao reconhe-cimento de que há que reforçar a estrutura e a supervisãodos sistemas bancários nacionais, em vista a eliminar asdistorções de mercado e a controlar a assunção de riscos189.O FMI como que ficou prisioneiro das suas próprias dou-trinas: incentivou uma liberalização apressada nos países emdesenvolvimento e, agora, vê-se confrontado com crisespotencialmente globais, perante as quais os meios ao seu

da acção do FMI deve ser reduzido, sob pena de incentivo à propa-gação da instabilidade na economia mundial (SACHS, p. 15)

187 Wyplosz (WYPLOSZ, p. 16 e 19) e J. Sachs (apud JOLY,p. 188-189) destacam ainda o papel a desempenhar, em crises futu-ras, por uma estratégia de dilação do pagamento da dívida externa,através da concessão de uma moratória sancionada pelo FMI ao paísem causa. A renegociação dos termos dos contratos foi uma estra-tégia seguida na Coreia, o que suscitou algum interesse pela conside-ração da inclusão de cláusulas de renegociação nos contratos queenvolvam empréstimos a “economias emergentes” como uma formade enfrentar a crise financeira. O referido país renegociou 24 biliõesde dólares da dívida externa de curto prazo para períodos de um atrês anos (MEDEIROS, p. 222).

188 DELALANDE, p. 72. C. Giannini entende que o FMI é ainstância a quem assistem, por natureza, as qualidades que deve pos-suir um prestamista de última instância, mas salienta também que estaentidade deve hoje ser vista mais como um “gestor internacional dacrise” do que como um repositor de liquidez (GIANNINI).

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dispôr deixaram de ser suficientes. Em tempos de globali-zação financeira, perdem sentido as palavras de HenryMorgenthau, em Bretton Woods: “the FMI would drivethe usurious money lenders from the temple of inter-national finance”.190

5.2.2. Soluções inovadoras

M. Aglietta191 propõe a criação de um “observatóriodo risco sistémico”, cuja missão é de analisar os processosde contágio e apoiar os bancos centrais nacionais nas suasintervenções no mercado monetário e financeiro192.

Num sentido já não preventivo mas reactivo, G. Soros193

preconizou a criação de uma empresa internacional deseguro de crédito: considerando que os mercados são, emregra, comandados por comportamentos de “pânico” ban-cário e financeiro, haveria de instituir um sistema de garan-tia dos depósitos para “acalmar” a desconfiança dos interve-nientes194. É, todavia, discutível se essa cobertura do riscode crédito apadrinhada pelos poderes públicos não negli-gencia os problemas de “risco moral” e o correlativo incre-mento da irresponsabilidade na actuação dos credores195.________________________

189 Nesse sentido, veja-se, enquanto esboço de uma futura acçãoreguladora e de supervisão da actividade bancária, FMI, em especialp. 47-51.

190 OBSTFELD, [2], p. 11.191 SOROS, [3], p. 133-138.192 Contudo, dizem os críticos, esta medida revelar-se-ia rela-

tivamente ineficaz para suster o âmbito de incidência das crises finan-ceiras pois estas continuam, em larga medida, imprevisíveis, para alémde que ser duvidosa a possibilidade de os bancos centrais dos paísesvirem a desempenhar funções de prestamista de última instância inter-nacional.

193 Apud SOROS p. 205.194 É também o entendimento de DIAMOND/ DYBVIG, p. 401-419.195 Sendo ainda discutível a própria escolha pública em assegu-

rar essa cobertura de riscos, sabendo que o “preço” das “operações

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J. Sachs196 considerou a hipótese da criação de umtribunal internacional de falências. Esta solução permitiriauma maior protecção dos devedores do que aquela que ojogo do mercado lhes proporciona, nomeadamente, atra-vés de uma suspensão temporária do pagamento da dívida.Contudo, esta proposta suscita numerosas dificuldades doponto de vista jurídico e depara com variados entraves doponto de vista político. Não nos parece viável num futuropróximo uma solução em que um tribunal internacionalpossa exercer prerrogativas de autoridade sobre empresas(financeiras ou não) de um determinado país.

5.3. Fortalecer e liberalizar os mercados finan-ceiros

Uma opinião relativamente consensual entre os eco-nomistas é a de que há que instituir dispositivos prudenciaise mecanismos de controlo dos sistemas financeiros suscep-tíveis de reduzir a exposição ao risco dos operadores e,deste modo, de limitar a incidência de crises197.

de salvamento” aquando das crises financeiras chega a atingir 9% doPIB, em países em desenvolvimento, e 4% do PIB, em países indus-trializados. Ao que acresce o facto de o favor prestado aos credoresdas instituições de crédito operar em prejuízo dos cidadãos em geral.Ao nível da CE, a opção foi a da instituição de sistemas de garantiade depósitos – entre nós existe um Fundo de Garantia de Depósitos,pessoa colectiva de direito público incumbida da garantia do reem-bolso dos depósitos constituídos nas instituições de crédito que nelaparticipam (arts. 154 e 155 dl 298/92 de 31 de Dezembro (RGIC)).Existe ainda um “Sistema de Indemnização aos Investidores” cuja fun-ção é, grosso modo, a da cobertura de créditos de que seja sujeitopassivo uma entidade participante no sistema, a fim de esta reembol-sar os investidores pelo que lhes seja devido (art. 3 dl 222/99 de 22de Junho).

196 ROGOFF, p. 30.197 A. Kunt e E. Detragiache, apesar de concluirem empirica-

mente que a liberalização aumentou a frequência de crises financeiras,

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Os autores cuja leitura dos movimentos dos merca-dos financeiros assenta numa teoria de “assimetria da infor-mação”, do tipo da de F. Mishkin que atrás se explanou,propõem, depois, coerentemente, a adopção de políticasestaduais para uma melhoria da qualidade da informação epara uma “democratização” da mesma pelos agentes finan-ceiros197. Mas, para além dos adeptos desta teorização, mui-tos outros autores, mesmo que defendendo outras medidas,não excluem a pertinência de uma melhoria da supervisãoe regulação prudencial.

É abundante a literatura acerca da necessidade deimplementar reformas neste sentido em países em desen-volvimento199. Em causa está a ideia de que o esforço defortalecimento da supervisão e regulação devem antecederou, pelo menos, acompanhar a liberalização e abertura domercado ao investimento externo. Há mesmo quem con-clua que a afluência de capitais a certa economia só seráexcessiva se ultrapassar a capacidade doméstica de controlodo sistema financeiro. As “economias emergentes” deve-riam reforçar a “tutela” sobre o mercado antes de se expo-rem às suas vicissitudes, sendo mesmo desejável que ade-rissem ao Banco das Regularizações Internacionais (BRI)e que fossem incluídas nas orientações concertadas doComité da Basileia.

No âmbito da OCDE, apesar dos maiores esforçospara implementar sistemas financeiros robustos e “transpa-rentes”, é ainda nítido o grau reduzido de controlo dasactividades de investidores institucionais, que continuam a

não deixam de notar que a presença de uma regulação e supervisãogarantidas por um sistema institucional forte puderam, muitas vezes,atenuar a verificação e o impacto daquelas crises (KUNT/DETRAGIA-

CHE, p. 32-33; veja-se também ROSSI, p. 20-21).198 Nesse sentido, MORRIS/SHIN, p. 587-597.199 NIGHT, p. 8 a 22, WYPLOSZ, p. 17, NICOLAS, p. 12.

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assumir riscos desproporcionados, colocando em perigo osistema financeiro no seu conjunto200.

Ao nível interno, as soluções reguladoras experimen-tadas têm sido várias, movendo-se numa escala entre asecundarização e o respeito pelo jogo do mercado. As téc-nicas são variadas: rácios capital-activos; limites de crédito;rácios reservas-depósitos; limites à exposição ao risco cambiale ao risco da taxa de juro; regras relativas ao saneamentode instituições bancárias e de crédito201. A instabilidade finan-ceira recente suscita, no entanto, algumas críticas aos sis-temas praticados e desafia à procura de novas formas deregulação prudencial.202

Ao nível internacional, têm sido dados alguns avan-ços nos últimos anos. É de destacar o papel dos princípiosadoptados pelo Comité de Supervisão Bancária203, os Acor-dos da Basileia204, a actividade da Organização Internacio-

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200 Pense-se no recente episódio do LCTM norte-americano.201 Para uma análise das técnicas de regulação prudencial em

relação aos países asiáticos atingidos pela crise vide FRANE, p. 288-303.202 J. Couppey defende uma reforma da regulação a pautar-se

por aquilo que apelida de “tríptico regulador”: regulação (sob a for-ma de uma coerção gradual e flexível, adaptável ao dinamismo dopróprio mercado), controlo interno e disciplina de mercado (COUPPEY,p. 37-55).

203 Trata-se de cerca de vinte e cinco princípios, adoptados emSetembro de 1997, relativos a condições, licenças, estrutura, regulaçãoprudencial, métodos de supervisão e informação nos sistemas bancá-rios. Para mais desenvolvimentos vide FMI, p. 52-71.

204 Relativos a condições de fortalecimento do sistema bancá-rio, nomeadamente, “ratios” de adequação de capital. A metodologiado Comité baseia-se, desde 1988, numa prescrição de um “ratio”mínimo de capital-risco na ordem dos 8%. Contudo, os fenómenosda inovação financeira, da securitização e da proliferação de instru-mentos financeiros derivados vieram lançar novos desafios a estametodologia clássica. Sobre as propostas de reforma nesta matéria, veja--se KARACADAG/TAYLOR.

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nal de Comissões de Valores (OICV)205 e a cooperação entrepraças financeiras e entidades reguladoras206. Desde 1999, fun-ciona ainda o “Fórum para a Estabilidade Financeira”, cujomandato consiste essencialmente na identificação e elimi-nação de falhas de regulação207.

R. Dornbusch208 preconiza uma reforma do FMI nosentido de exigir, como condição de participação no Fundo,a adopção de medidas de controlo da exposição ao riscoda economias (“value at risk”). Outros autores, como HenryKaufmann209, reivindicam a criação de uma instância regu-ladora mundial.

No seio da Comunidade Europeia, a harmonizaçãodas actividade bancária e financeira é imposta pela exis-tência de uma livre circulação de capitais210. Estão hojereguladas por directiva comunitária211 matérias como o acesso

205 Os princípios que presidem à OICV, aprovados em Setem-bro de 1998, guiam-se por três objectivos fundamentais: proteger osinvestidores, garantir a transparência e a eficiência dos mercados ereduzir o risco sistémico.

206 Esta coordenação situa-se essencialmente a dois níveis: promo-ção da transparência e da qualidade da informação relativa a dadoscontabilísticos e luta contra a fraude. Para maiores desenvolvimentosvide CHAMPARNAUD, p. 103-107.

207 Contudo, apesar destes esforços, continua a ser nítido odesfazamento entre os avanços da globalização e o grau de concen-tração dos mercados financeiros e as possibilidades de uma regulaçãoe supervisão eficazes. Nesse sentido, BALINO/UBIDE, p. 49.

208 Apud JOLY, p. 191.209 Apud ROGOFF, p. 21.210 Directiva 88/361 do Conselho de 1988.211 Nomeadamente, a directiva 89/646 do Conselho de 15 de

Dezembro de 1999 e outras directivas que a complementaram, comoa directiva 93/6/CEE do Conselho de 15 de Março de 1993, rela-tiva à fiscalização dos riscos de mercado incorridos pelas instituiçõesde crédito ou a directiva 94/19/CE do Parlamento Europeu e doConselho de 16 de Maio de 1994, relativa aos sistemas de garantiade depósitos.

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à actividade das instituições de crédito e as condições fun-damentais do seu exercício, a prestação e apresentação decontas, o “ratio” de solvabilidade, a adequação de fundospróprios, o controlo dos grandes riscos e a supervisão embase consolidada. Em Maio de 1999, foi aprovado peloConselho ECOFIN um novo plano de acção denominado“Financial Services: Implementing the Framework forFinancial Markets”, ao qual se seguiram algumas propostasda Comissão, como a que respeita aos capitais de risco212.Há pouco tempo, o relatório comité de sábios presididopor Alexandre Lamfalussy veio alertar os ministros dasfinanças dos quinze para a necessidade de combater asubalternização dos mercados europeus face às praças norte--americanas, entendendo ainda que o maior desafio eco-nómico a curto prazo é o da realização de um mercadoeuropeu aberto de serviços financeiros e de capitais.A Comissão Europeia, por seu turno, não exclui a possi-bilidade avançar com a criação de uma autoridade de super-visão mobiliária única.213

Não desconsideramos a importância de tais medidas.Nem duvidamos de que uma política reguladora possa serexercida sem uma restrição insustentável da concorrênciaentre operadores214. Do que não estamos certos é da sufi-

212 A posição da União Europeia a propósito dos mercados decapitais europeus é, nas palavras da Comissão (COMISSÃO) a de que“devem ser levantadas certas restrições regulamentares desnecessáriaspara os investidores institucionais, de modo a apoiar a taxa cada vezmais rápida de integração dos mercados de capitais. Ao mesmo tempo,as regras de transparência, de fiscalização e prudenciais devem ser adap-tadas às realidades do novo mercado, conforme proposto no Planode Acção para os Serviços Financeiros”.

213 Esta estratégia não é consensual. J. Nunes Pereira (PEREIRA,p. 64) entende ser desnecessária e insusceptível de concretização, nofuturo próximo, a instituição de uma supervisão europeia.

214 Num estudo sobre as formas de regulação do mercado,H. Dumez e J. Jeunemaitre distinguem cinco formas de regulação:

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ciência de um controlo prudencial215. Esta intervenção podeassegurar uma maior estabilidade dos sistemas nacionais einternacionais, em condições normais de funcionamento,mas não é certo que assegure continuamente a liquidezem mercados financeiros “globalizados”216. Além disso, osucesso da política de regulação dependerá, em boa me-dida, do seu carácter universal, pois, doutro modo, sem-pre os investidores deslocarão as suas poupanças para paí-ses onde as restrições sejam menores. No fundo, o queestá em causa é admitir que os problemas globais nãopodem receber respostas parciais, o que, antes de mais,requer que os sistemas de supervisão e as normas deregulação deixem de ser vistos como formas de tutela domercado nacional face ao exterior, para passarem a ser con-siderados como modos de defesa do “mercado global”.

regulação sectorial independente; “sunshine regulation”; regulação porautodisciplina; regulação tranversal “main légère” e regulação quasejurisdicional. Cada uma dessas formas constituíria uma possibilidadede concertação entre o jogo do mercado e o interesse público subja-cente à actividade em causa (DUMEZ/JEUNEMAITRE, p. 19-28).

215 J. Sachs (apud JOLY, p. 188) nota que as crises financeirastambém se verificam em países com sistemas de regulação prudencialavançados, pelo que a prevenção da crise há-de residir na capacidaderestringir os fluxos de capitais de curto prazo sem prejudicar os delongo prazo. J. M. Figuet, apesar de defender um reforço das regrasde regulação prudencial a harmonizar pela acção ampliada da BRI(FIGUET, p. 70-71), não deixa de admitir (idem p. 73) que: “quelleque soit la réglementation prudentielle, les opérations financièrescomporteront toujours un risque de déclenchement d’une crise”.

216 Pode, aliás, questionar-se como é que se poderá controlar aliquidez em mercados abertos, sendo esta “um imaginário colectivodos participantes e não uma realidade objectiva”, como bem notaAglietta (AGLIETTA [1], p. 66).

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5.4. Os controlos temporários dos movimentosde capitais

A imposição de restrições à mobilidade do capital empaíses em desenvolvimento tem sido bastante discutida apósa crise asiática217. Quer quanto à sua eficácia no controlodo “contágio” financeiro, quer quanto aos seus efeitos paraa actividade económica. Wyplosz218 e F.Nicolas219 enten-dem que o controlo dos movimentos de capitais incidentesobre os fluxos de curto prazo neste tipo de países fun-ciona como um “travão de emergência” que auxilia a mino-rar o impacto da crise220. Outros autores apoiam esta me-dida não já no sentido de uma intervenção “ex post”, mascomo estratégia preventiva. Em qualquer dos casos, a impo-sição revela-se transitória, circunscrita ao tempo necessáriopara criar um sistema de regulação e supervisão prudenciaisresistente aos “surtos especulativos”. Não se duvida de quea liberalização absoluta da conta de capital é condição deflorescimento da economia: o que se diz é que aquela deveconcretizada paulatinamente para que, a cada momento, sepossam acautelar os riscos da fase seguinte. A prática parece,quanto a este aspecto, acompanhar a teoria. Na realidade,se existem algumas restrições à plena movimentação doscapitais é porque se crê que o processo de liberalizaçãofinanceira deve ser realizado em dois tempos: primeiro, aliberalização dos movimentos de longo prazo e só depoisa abertura às transacções de curto prazo. O objectivo final________________________

217 Referimo-nos aos controlos de movimentos de capitais emsentido amplo, integrando taxas, subsídios e restrições quantitativassobre as entradas e/ou saídas de capitais do país.

218 WYPLOSZ, p. 17.219 NICOLAS, p. 12.220 Sobre outros motivos que têm conduzidos os Estados à adop-

ção de controlos temporários sobre os movimentos de capitais videJOHNSTONN/TAMIRISA, p. 3 e 13-16.

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é o da plena abertura, partindo-se do pressuposto de que,a longo prazo, qualquer controlo criará distorções na acti-vidade económica.221

P. Krugman222 considera que a imposição de controlosde saídas de capitais é o melhor meio de combater os “ata-ques especulativos” à moeda nacional. Contudo, a propostade Krugman esbarra com a crítica de que o impedimentoà saída de capitais conduziria a um verdadeiro desincentivoao investimento futuro, para além de que consentir numaentrada irrestrita para depois fechar as portas à saída, poderser visto como uma espécie de “venire contra factumproprium”. B. Eichengreen223 prefere, por isso, a imposi-ção de restrições à entrada de capitais, em termos próxi-mos aos praticados no Chile onde, em 1991, foi criadauma reserva não remunerada junto ao Banco Central paraos créditos externos, com a qual foi possível manter o ní-vel das taxas de juro sem correr o risco de um invasão decapitais a curto prazo de finalidade puramente espe-culativa224.

Outros autores não admitem restrições à liberalização,nem sequer a título transitório, questionando a sua eficá-cia num contexto de globalização financeira. Num relató-rio recente, o Banco Mundial, depois de considerar as des-vantagens de determinados fluxos de capitais incontrolados,em especial, a fragilização do sistema financeiro local ea vulnerabilidade face a “surtos especulativos”, afastou limi-narmente qualquer possibilidade de se introduzirem con-trolos nos movimentos de capitais, qualificando-os de

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221 Nesse sentido, MISHKIN, [3], p. 19.222 Apud ROGOFF, p. 34.223 Idem, p. 21.224 S. Edwards conclui que, aquando da crise mexicana, o Chile,

ao contrário da Argentina, conseguiu ficar imune ao contágio finan-ceiro, o que seria explicável pela adopção restrições à livre circulaçãode capitais (EDWARDS, p. 22)

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225 De acordo com o relatório do Banco Mundial, BANCO MUN-DIAL, p. 6. Pode aí ler-se: “Putting the genie of foreign capital backin the bottle is not possible-and ultimately not desirable. But suchcapital comes with a challenge: to divise policies and institutions thattip the balance so that capital mobility benefits developing economiesrather than injuring them”.

226 Aliás, no seio da União Europeia, aquela possibilidade nãoé afastada: o art. 59 TCE permite a adopção de medidas restritivasexcepcionais face às entradas de capitais estrangeiros.

227 Em Setembro de 1998, este país fixou unilateralmente a taxade câmbio do “ringgit” face ao dólar e, entre outras medidas paraprevenir a fuga de moeda do país, estabeleceu, para os estrangeiros,uma obrigação de não revender as acções e obrigações nacionais du-rante um prazo de um ano (JETIN, p. 59).

228 Dany Rodrik (apud ROGOFF, p. 23) e Jagdisch Bhagwati(idem, p. 23) consideram que se tem vindo a exagerar acerca dosbenefícios da integração dos mercados de capitais e que estes se têmvindo a liberalizar em excesso, o que prejudica a estabilidade da vidaeconómica.

ineficazes.225 Contudo, parece-nos que a realidade econó-mica desmente este ponto de vista ortodoxo226. Na verda-de, a imposição de um controlo sobre os movimentos decapitais tem, por diversas vezes, constituído um poderosomeio de garantir o crescimento do sistema financeiro nacio-nal sem incorrer em riscos excessivos. Por exemplo, as me-didas restritivas adoptadas na Malásia, em Setembro de1998,227 permitiram a este país pôr termo à especulaçãosobre activos e moeda locais e, assim, recuperar algumaautonomia na condução da política económica e imple-mentar uma política de baixa das taxas de juro sem ter desofrer a saída em massa de capitais e o colapso do “ringgit”.

5.5. A “taxa Tobin”

É de questionar se uma liberalização indiferenciada,regida por um princípio maximalista, não será excessiva e,por isso, prejudicial à eficiência da economia em geral228.

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229 Proposta enunciada, pela primeira vez, em 1978, no artigoentitulado “A proposal for international monetary reform”. Esta pro-posta encontra as sua raízes na teoria keynesiana. Keynes considerarajá, no capítulo XII da “Teoria Geral”, em relação às Bolsas de valo-res, que a criação de um imposto estadual atingindo as transacçõesde Wall Street seria a melhor maneira de atenuar o predomínio daespeculação sobre a actividade produtiva nos Estados Unidos (CHES-

NAIS, [1], p. 60).230 O mecanismo é, nas palavras de F. Chesnais, o seguinte:

“Suponhamos que um operador financeiro converte o franco em dólar.Ele pagaria, por exemplo, uma taxa de 0,1% sobre a transacção.

Volvido mais de meio século, parece-nos que a lição deBretton Woods conserva a sua actualidade: a livre circula-ção de capitais não pode “per si” garantir a segurança navida económica, nem evitar o aumento das taxas de desem-prego. Se assim é, só restam duas vias a seguir: a da esta-bilidade cambial ou a da imposição de restrições à livrecirculação dos capitais. Sobre a primeira, julgamos já terdito o suficiente. Vejamos, agora, quais as hipóteses ofere-cidas pela segunda.

5.5.1. Noção e potencialidades

Tendo em conta o cenário que se vem descrevendo,a via das medidas de controlo das transacções financeirasinternacionais parece-nos ser um caminho de que não de-vemos afastar liminarmente, como vem sendo hábito.

Neste âmbito, cabe recordar uma antiga proposta deJames Tobin229. No final da década de setenta, este eco-nomista advertiu para o facto de que a componenteespeculativa dos mercados financeiros, que, já então, ten-dia a assumir-se como dominante, conduziria o mundo auma economia de baixo crescimento, desemprego eprecaridade salarial. Tais considerações levam-no a propôra criação de uma taxa sobre as operações cambiais, em fun-ção da duração e do montante da transacção230. Esta taxa

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destinava-se a penalizar as operações cambiais de curto prazo,sem afectar as transacções associadas ao comércio interna-cional e ao investimento produtivo no estrangeiro. O objec-tivo essencial desta medida era, segundo palavras do pró-prio autor, o de introduzir “grãos de areia na engrenagemdo sistema financeiro internacional”231: as operações cam-biais de curto prazo, moldadas por finalidades de rápida acu-mulação de capital, deixariam de se revelar lucrativas o sufi-ciente e a componente especulativa associada, desde o fimde Bretton Woods, ao sistema monetário internacional, per-deria muita da sua força. Paralelamente, as políticas mone-tárias nacionais recuperariam uma margem de autonomia,deixando de ser necessário sacrificar as taxas de juro pe-rante o objectivo cambial e os governos passariam a auferirmaiores receitas fiscais.

A independência da política macroeconómica e nãoa preparação de um fortalecimento do mercado para quese pudesse logradamente liberalizar a conta de capital, é agrande motivação que preside à adopção da taxa Tobin.Em 1987, H. Bourguinat232 veio retomar esta ideia, pro-pondo a aplicação de uma taxa de 0,5% sobre as transac-ções em divisas de montante superior a 300 mil milhõesde dólares por ano. Alegou razões idênticas às de Tobin:pelo montante reduzido em que se traduz, este tributo per-mitiria um desencorajamento da colocação de capitais acurto prazo, sem afectar a actividade produtiva e as tran-sacções comerciais.

Se ele convertesse em seguida o dólar em franco, pagaria de novo amesma taxa de 0,1%. Se ele realizar estas operações de “vaivém” umavez por dia, o montante anual da taxa a pagar chegará a 48%. Se asfizer semanalmente, o montante anual não passará de 10% e será de2,4% em caso de operações mensais” (CHESNAIS, [1], p. 61-62).

231 DE BOISSIEU, p. 83.232 Apud CROS, p. 23.

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A actividade financeira internacional surge hoje comoactividade autónoma num duplo sentido: o de actividadeindependente da esfera produtiva e o de actividade regidapor comportamentos autoreferenciais. Esta independênciaartificial é contrária a uma lógica de crescimento e plenoemprego, facto que as soluções de defesa do sistema finan-ceiro global que atrás se expuseram parecem olvidar.Essas propostas limitam-se a perpetuar um “status quo” semacautelar devidamente o salutar funcionamento do sistemaeconómico.

Reconhecendo-se que a maioria das operações cam-biais realizadas são de curto e de muito curto prazo233, aimposição de uma taxa sobre as transacções financeiras in-ternacionais, abaixo de 1%, poderá desencorajar os movi-mentos a curto prazo e reduzir a volatibilidade das taxasde câmbio234. As vantagens que oferece parecem-nos irrecu-sáveis: os mercados recuperariam a estabilidade e os gover-nos o seu poder de condução da política económica. Alémdisso, a economia achar-se-ia menos vulnerável a recessõesdo tipo da tailandesa235. Chesnais236 considera ainda que,________________________

233 Os relatórios do BRI revelam, durante a década de noventa,um nítido predomínio das operações cambiais de duração igual ouinferior a uma semana (apud FELIX, p. 191). Também F. Chesnaisestima que 80% das transacções cambiais correspondem a “idas e vindasde duração inferior a uma semana” (CHESNAIS, [1], p. 59).

234 Um estudo de 1996 de Bensaid e Jeanne (apud MASSON,p. 18) conclui que a imposição de uma taxa sobre determinado tipode transacções pode reduzir a volatibilidade do mercado financeiro.Idêntica conclusão é alcançada por Kavaljit Singh (SINGH).

235 Além destes aspectos, que foram já considerados por JamesTobin, salientamos ainda um outro, que é a obtenção de receitas fis-cais que podem ser direccionadas, por exemplo, para o auxílio pú-blico ao desenvolvimento das zonas excluídas da “globalização finan-ceira” ou para a concretização de políticas de protecção ambiental (nessesentido, PASSET, p. 211)

236 CHESNAIS, [1], p. 67-68.

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atendendo à concentração existente nos mercados cambiais,poucas seriam as dificuldades técnicas a esta tributação.

5.5.2. Críticas à “taxa Tobin” e sua apreciação

Apesar das inegáveis potencialidades da referida taxa,muitas têm sido as críticas que sobre ela se têm abatido237.Por um lado, afirma-se que penalizará a especulação, nasua função de estabilizadora dos mercados financeiros, eque reduzirá a liquidez nos mesmos, distorcendo as estru-turas de mercado. Por outro, faz-se notar que esta taxa é,em si mesma, insuficiente para fazer frente à enorme ins-tabilidade e inovação nos mercados financeiros “globali-zados”238. Por fim, acusa-se os seus defensores de “irrealismopolítico” e de querer minar as bases da “economia de mer-cado”239. Qual o peso desta argumentação?

Quanto ao primeiro aspecto, não nos parece que asexpectativas dos investidores antecipem com total correc-ção o “estado real” de uma economia, pelo que dificil-mente a especulação poderá desempenhar uma função“estabilizadora” ou “sancionadora” dos excessos do mer-cado240. A crítica da redução da liquidez não é, também,________________________

237 Para uma apreciação crítica da “taxa Tobin” vide LE CACHEUX,p. 53, LANDAU, p. 61 e DE BOISSIEU, p. 82-83. Paul Degrauwe, nasua intervenção na conferência “Que sistema financeiro para o ano2000” realizada em Lisboa, em Dezembro passado, defendeu que asrestrições aos movimentos de capitais são ineficazes face à propaga-ção das crises, podendo mesmo ampliá-las. O autor baseia tais afir-mações na ideia de que a maioria das operações cambiais são opera-ções de cobertura estabilizadoras do mercado (apud ABREU, p. 91).

238 PASSET, p. 209.239 SPAHN.240 Isto porque os agentes financeiros, no seu conjunto, não

possuem um acesso directo a uma informação correcta e porque o“homo oeconomicus” não é um ser puramente racional. A tomadade decisões dos investidores é, por vezes, dominada por o que Keynesdesignava de “animal spirits”.

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aceitável se considerarmos ser admitir um “trade-off” entrecapitais disponíveis e estabilidade e crescimento econó-mico241. O que se visa é limitar as “manobras de diver-são” financeira e não impedir que o país se desenvolvacom auxílio dos capitais estrangeiros: a liquidez que se afastanão garante o equilíbrio económico de um país. Pelo con-trário, afasta-se o perigo da “liquidity run” e consequenterecessão económica, ao tornar os mercados menos depen-dentes dos ímpetos especulativos dos operadores interna-cionais.

Já quanto à segunda crítica, reconhecemos-lhe umacerta pertinência. De facto, a “taxa Tobin” não é umamedida de carácter geral sobre o sistema monetário e finan-ceiro internacional: deixa de fora outros aspectos, tambémeles dignos de consideração. Tomando esta circunstânciaem linha de conta, os actuais seguidores de Tobin preco-nizam outras medidas para acautelar o sucesso da tributa-ção das operações cambiais242. É o caso de H. Watchwell243

que defende a criação de três taxas para controlar o capi-tal: uma taxa sobre as operações cambiais, outra sobre osinvestimentos directos no exterior e uma terceira sobre oslucros. Outros autores invocam estratégias alternativas, comoa interdição dos créditos bancários em moeda local e em

241 Na verdade, estudos da própria Reserva Federal norte-ame-ricana (apud CHOMSKY, p. 38) admitem que cerca de metade dadesaceleração do crescimento económico mundial, a partir dos anossetenta, se deve ao incremento da especulação.

242 Para além disso, haverá que reconhecer que, quanto maiorfor o número de países que aplicam a taxa, menores serão as pos-sibilidades de “evasão fiscal. Chesnais aconselha a uma tributação dasoperações cambiais a partir do “trading site” o qual, em regra, sesitua num dos países do G7. Os custos de deslocamento dos “tradingrooms” auxiliares funcionariam como garantia da sua permanência dolocal de negociação naqueles países (CHESNAIS, [1], p. 69).

243 Apud CHESNAIS, [1], p. 18.

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divisa no estrangeiro, como taxas sobre as compras e reven-das de acções e obrigações, como a imposição de regrasde transparência e de prudência obrigatórias ou ainda comoa imposição de períodos ou montantes mínimos para acompra de acções ou obrigações por estrangeiros.244

Note-se ainda que, actualmente, rara será a medidadisciplinadora do mercado que não suscite o empenho dosoperadores em contorná-la. O que, por si só, não devedissuadir à respectiva aplicação.

Quanto à terceira objecção, a acusação de irrealismo polí-tico resulta do facto de o sucesso desta taxa postular umauniversalidade na sua aplicação, o que implicaria, desde logoa inexistência de “paraísos fiscais”. Contudo, esta argu-mentação não convence por vários motivos. Primeiro, por-que, em bom rigor, a exigência de aplicação universal nãoé privativa das medidas de controlo de capitais, mas detoda e qualquer medida que se proponha melhorar a situa-ção presente do sistema financeiro internacional. Segundo,porque a imposição da referida taxa pode ser feita de modogradual, começando, por exemplo, por uma aplicação na“zona euro”, incidindo sobre as transacções financeiras como exterior245. Terceiro: porque existem formas de coagir

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244 JETIN, p. 62245 Há quem considere que, numa primeira fase, a imposição

da “taxa Tobin” pode ser garantida pelo acordo do G7 ou mesmoda União Europeia (CHESNAIS, [1], p. 68). Quanto à sua iniciativada sua aplicação na “zona euro”, a ideia surge a partir de três consi-derações: a existência do dispositivo do art. 59 TCE; a presença deuma forte coordenação institucional e de um espaço económico uni-ficado; e o apelo das necessidades orçamentais da UE. Nesse sentido,NGOC/HUFFSCHMID, p. 71-75. Contudo, não devemos ignorar quea criação de um “quinto recurso” para a União e a harmonizaçãofiscal têm constituído dois verdadeiros “calcanhares de Aquiles” daintegração económica europeia. Logo, o mais provável é que o futu-ro (próximo) de uma tributação dos capitais não se apresente, tam-bém ele, muito sorridente.

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os países a adoptarem a taxa, como, por exemplo, a impo-sição de uma penalização nas transacções financeiras cujaordem de compra ou de venda neles tenha sido emitida.Contudo, se nos parece exagerada a acusação de “irrealismopolítico”, não podemos deixar de concordar com o factode que o maior obstáculo à implementação “da taxa Tobin”não é de ordem económica mas de índole política246, umavez que a sua plena eficácia ficará, em último termo, depen-dente do grau de cooperação e regulação supranacional daeconomia mundial247, isto é, da construção de uma socie-dade que se possa predicar, também ela, de global.248

Diga-se ainda que o preço de uma restrição das “liber-dades fundamentais” do mercado não é injusto, nem inva-lida uma tutela do direito de iniciativa privada, constitu-cionalmente consagrado em vários países. Trata-se apenasda limitação de um direito justificada pela presença do inte-resse público na estabilidade económica249 e concordante

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246 GIDDENS, p. 131.247 ADDA, [2], p. 169-170.248 Invoquemos as palavras de Kenneth Rogoff a propósito, jus-

tamente, das propostas de reforma do sistema financeiro: “It is easyto fall into the trap of thinking that the big institutional changes areunrealistic or infeasible, especially in the United States wheremacroeconomic policy institutions have generally evolved only slowlyfor the past few decades. But not so long ago, the prospects for asingle european currency seemed more likely than those for thebreakup of the Soviet empire (...). Even if none of the large-scaleplans is feasible in the present world political environment, afteranother crisis or two, the impossible may start seeming realistic”(ROGOFF, p. 28).

249 De resto, é frequente o direito de iniciativa (e propriedadeprivada) poder ser objecto de limitações, desde que se respeite o seunúcleo essencial e um princípio de proporcionalidade (SANTOS, p. 49a 54). A nossa Constituição reconhece o devido espaço à “econo-mia de mercado” e à liberdade dos privados no exercício da activi-dade económica mas, nem por isso, abdica de uma exigência de

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com a ideia de regulação pública da economia, enquanto“conjunto de medidas legislativas, administrativas e conven-cionadas através as quais o Estado (...) determina, contro-la, ou influencia o comportamento de agentes económicos,tendo em vista evitar efeitos desses comportamentos quesejam lesivos de interesses socialmente legítimos e orientá-los em direcções socialmente desejáveis”250.

Pela observação da realidade das novas crises finan-ceiras, parece-nos ser possível concluir que a ordem finan-ceira é, por si só, incapaz de gerar referências estáveis quegarantam o seu equilíbrio. Se assim é, exige-se um movi-mento capaz de criar um contrapeso ao “fundamentalismode mercado” e de garantir a dialéctica do sistema, sendoque esse movimento não poderá partir de outra entidadeque não os poderes públicos251. Mas, logo aqui, surgem osproblemas, pois a “desordem” em que habitamos não ésó económica: é também a desordem da legalidade, da polí-tica e da sociedade.252

Em primeiro lugar, os poderes políticos democráticosencontraram-se, eles próprios, em crise253 e, portanto, enfra-

complementaridade entre esses princípios e a solidariedade económicae social, nem de uma subordinação do poder económico ao poderpolítico democraticamente constituído – FRANCO [2], p. 342-343.

250 SANTOS, p. 223251 A sobrevivência do sistema capitalista depende da tensão entre

dois princípios: o individualismo/desigualdade e a sociedade/igualdade(FITOUSSI, p. 219). Ora, a nossa época é a do “triunfo do modeloamericano em todas as ordens”, o que representa a negação de um“mínimo de espírito de solidariedade” e a cedência perante uma“lógica conquistadora, competitiva e uniformizante” dos “mecanismosda economia capitalista” (LOURENÇO, p. 56-57).

252 René Passet, depois de abordar as circunstâncias do funcio-namento da “economia financeira” contemporânea, não deixa de con-cluir que “Il n’y a donc pas de panacée en la matière: la maîtrise dela finance n’est pas seulement un problème de finance mais aussi desociété” (PASSET, p. 208).

253 Numa “era do vazio” (G. Lipovetski), as democracias ocidentais

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quecidos na sua autoridade para que possam “avocar” ospoderes que delegaram nos privados.

Em segundo lugar, a sociedade internacional e o seudireito, apesar (ou por causa?) de uma considerável evolu-ção desde o pós-guerra, ainda apresentam numerosas debi-lidades e incoerências254. Uma plena democraticidade domovimento de “globalização” económica e financeira, dis-tintivo das sociedades pós-industriais, não se poderá jamaisimplementar sem um mínimo de conjugação de poderespolíticos à escala mundial. Porém, à revelia desta exigên-cia, o que a História nos reserva é um tempo marcadopelo renascer de antagonismos bélicos de índole regional,pelo progresso de diversos “tribalismos” ou “nacionalismos.

Só numa nova política e numa nova sociedade inter-nacional se poderão reunir esforços para enfrentar a insta-bilidade e a desigualdade da “economia mundial”255, nas

padecem de um “profundo conformismo”, de um “receio de quebrarconsensos”, degenerando numa “demagogia moderna, alicerçada nasmudanças sociais e tecnológicas” onde “as ideias estão cansadas e aspessoas pacificadas” (Pacheco PEREIRA p. 27 e 47). Alain Minc des-creve-nos um estado de “embriaguez democrática” que acompanha-ria o declínio da democracia social e da democracia representativatradicional. Para além dos antigos paradoxos, como o que emerge dacontradição entre a concentração da riqueza e a produção de exclu-são, os Estados defrontam-se com novas antinomias, como a que opõea autonomia e a dignidade do indivíduo, enquanto condições éticasde qualquer ordem democrática, à “heterodeterminação” dos sujeitosno âmbito das modernas sociedades de massas.

254 CASSESE, p. 347-350.255 Ignatio Ramonet, referindo-se à preversão de sentido hoje

dominante no mundo das finanças, observa que “le mécanisme quipeut arrêter cette course au désastre, dans la phase de glaciationmondialisatrice à laquelle nous sommes parvenus, est celui d’unedissidence impliquant progressivement une masse critique de citoyensdécidés á faire prévaloir leurs droits élémentaires et favoriser l’avène-ment d’une vraie société politique” (RAMONET, p. 92-93).

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suas vestes de “globalização financeira” e se poderá partirpara soluções que devolvam à Economia o seu verdadeirosentido, como a que consta da proposta de James Tobin.

6. Em jeito de síntese

• A “globalização financeira” constitui a etapa actualdo processo de mundialização da economia;

• O aparecimento de uma “economia mundial” pri-mordialmente financeira foi possível ao longo de uma evo-lução iniciada na década de setenta, com o fim do sistemade Bretton Woods; desde então, os valores relativos dasmoedas encontram-se permanentemente em mudança e estainstabilidade emerge como fonte de risco e como “portaaberta” à especulação;

• Os contornos de uma economia de base especulativanitidificaram-se ao longo da década de oitenta, com a “revo-lução financeira” internacional;

• Ao mesmo tempo, as preferências dos investidorestêm vindo a modificar-se; a procura do risco como fontede ganhos determina o investimento em “economias emer-gentes” da América Latina e da Ásia;

• Esses movimentos financeiros privados caracterizam--se pela sua instabilidade; as operações financeiras encon-tram-se geograficamente concentradas e as tendências dosmercados são ditadas por um grupo reduzido de investi-dores, onde avulta o papel dos investidores institucionais;

• A volatibilidade das expectativas dos investidores eos dilemas da política cambial numa era de “finanças glo-bais” foram factores determinantes na crise tailandesa;

• Esta crise fica conhecida pela sua amplitude: atravésdo “contágio” financeiro, pôde propagar-se a praticamentetodas as áreas do globo. Dela resultaram uma forte recessãona Ásia e uma perturbação económica generalizada;

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• As crises do “capitalismo global” repercutem-se nocrescimento do produto e no emprego, penalizando demodo particularmente gravoso os países devedores;

• Esta e outras circunstâncias, como a inequidade narepartição do capital, o aumento das desigualdades à escalaglobal e os constrangimentos que afectam os poderes esta-duais na prossecução do interesse público, levam-nos a reflec-tir sobre as possibilidades de reforma do sistema monetá-rio e financeiro internacional;

• De entre as várias propostas que se debatem, possuium mérito inegável a ideia de uma tributação das transac-ções cambiais de curto prazo avançada por James Tobin;

• A filosofia que subjaz a esta medida é a de permi-tir aos Estados recuperarem a margem de manobra na con-dução das políticas económicas, diminuindo, do mesmopasso, a componente especulativa nas transacções financei-ras internacionais, sem prejudicar a produção e o cresci-mento;

• A “taxa Tobin” potenciaria ainda receitas que podemser canalizadas para áreas particularmente carenciadas, comoa “ajuda pública ao desenvolvimento” ou a política ambiental;

• Essa taxa deveria ser complementada com um forta-lecimento das políticas de regulação prudencial e de super-visão e com uma maior coordenação de políticas monetá-rias de modo a que os mercados possam recuperar algumaestabilidade ao nível financeiro e cambial;

• Uma e outras, enquanto soluções para um problemaglobal, devem poder ascender a uma eficácia, senão uni-versal, pelo menos o mais ampla possível, o que ficarádependente dos avanços da democracia e da “sociedadepolítica” global;

• Depositamos esperanças em que a União Europeia,enquanto espaço de integração institucional e económicaavançada e enquanto projecto democrático a cumprir, possa

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prosseguir consensos internos e comunicá-los ao resto doMundo, em matérias tão delicadas quanto vitais, como ado salutar funcionamento da economia financeira e mone-tária internacional.

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Catarina PiresFaculdade de Direito de Coimbra