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    Do sublime

    Autor(es): Longino, Dionsio; Vrzeas, Marta Isabel de Oliveira, trad.

    Publicado por: Imprensa da Universidade de Coimbra

    URLpersistente: URI:http://hdl.handle.net/10316.2/38162

    DOI: DOI:http://dx.doi.org/10.14195/978-989-26-1093-1

    Accessed : 28-Jul-2018 03:28:07

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  • Srie Autores Gregos e Latinos

    Do Sublime

    Dionsio Longino

    IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRACOIMBRA UNIVERSITY PRESS

    ANNABLUME

    Traduo do grego, introduo e comentrio Marta Isabel de Oliveira Vrzeas

  • Srie Autores Gregos e Latinos

  • Estruturas EditoriaisSrie Autores Gregos e Latinos

    ISSN: 2183-220X

    Diretoras Principais Main Editors

    Carmen Leal Soares Universidade de Coimbra

    Maria de Ftima Silva Universidade de Coimbra

    Assistentes Editoriais Editoral Assistants

    Elisabete Cao, Joo Pedro Gomes, Nelson Ferreira Universidade de Coimbra

    Comisso Cientfica Editorial Board

    Adriane Duarte Universidade de So Paulo

    Aurelio Prez Jimnez Universidad de Mlaga

    Graciela Zeccin Universidade de La Plata

    Fernanda Brasete Universidade de Aveiro

    Fernando Brando dos Santos UNESP, Campus de Araraquara

    Francesc Casadess Bordoy Universitat de les Illes Balears

    Frederico Loureno Universidade de Coimbra

    Joaquim Pinheiro Universidade da Madeira

    Luca Rodrguez-Noriega GuillenUniversidade de Oviedo

    Jorge Deserto Universidade do Porto

    Maria Jos Garca Soler Universidade do Pas Basco

    Susana Marques PereiraUniversidade de Coimbra

    Todos os volumes desta srie so submetidos a arbitragem cientfica independente.

  • Do Sublime

    Traduo do grego, introduo e comentrio

    Marta Isabel de Oliveira Vrzeas

    Universidade do Porto

    Srie Autores Gregos e Latinos

    IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRACOIMBRA UNIVERSITY PRESS

    ANNABLUME

    Dionsio Longino

  • Srie Autores Gregos e Latinos

    Trabalho publicado ao abrigo da Licena This work is licensed underCreative Commons CC-BY (http://creativecommons.org/licenses/by/3.0/pt/legalcode)

    POCI/2010

    Ttulo Title Do SublimeOn the Sublime

    Autor AuthorDionsio Longino Dionysius Longinus

    Traduo do Grego, Introduo e comentrio Translation from the Greek, Introduction and CommentaryMarta Isabel de Oliveira Vrzeas

    Editores PublishersImprensa da Universidade de CoimbraCoimbra University Press

    www.uc.pt/imprensa_uc

    Contacto Contact [email protected]

    Vendas online Online Saleshttp://livrariadaimprensa.uc.pt

    Annablume Editora * Comunicao

    www.annablume.com.br

    Contato Contact @annablume.com.br

    Coordenao Editorial Editorial CoordinationImprensa da Universidade de Coimbra

    Conceo Grfica GraphicsRodolfo Lopes, Nelson Ferreira

    Infografia InfographicsNelson Ferreira

    Impresso e Acabamento Printed byhttp://www.simoeselinhares.net46.net/

    ISSN2183-220X

    ISBN978-989-26-1092-4

    ISBN Digital978-989-26-1093-1

    DOIhttp://dx.doi.org/10.14195/978-989--26 -1093-1

    Depsito Legal Legal Deposit

    Annablume Editora * So PauloImprensa da Universidade de CoimbraClassica Digitalia Vniversitatis Conimbrigensis http://classicadigitalia.uc.ptCentro de Estudos Clssicos e Humansticos da Universidade de Coimbra

    Novembro 2015

    Obra publicada no mbito do projeto - UID/ELT/00196/2013.

  • Dionsio Longino Dionysius Longinus

    Do SublimeOn the Sublime

    Traduo, Introduo e Comentrio porTranslation, Introduction and Commentary byMarta Isabel de Oliveira Vrzeas

    Filiao AffiliationUniversidade do Porto University of Oporto

    ResumoData do sc. X o mais antigo cdice com o tratado Do Sublime. Durante muito tempo atribudo a Cssio Longino (sc. III), o opsculo hoje geralmente con-siderado obra do sc. I, escrita por um annimo ou por um Dionsio Longino do qual muito pouco se sabe. Ignorado, ao que parece, na Antiguidade e na Idade Mdia, s em 1554, em Basileia e pela mo de Francesco Robortello, veio o texto a conhecer a sua editio princeps, tendo sido depois sucessivamente editado e traduzido, primeiro para latim e, posteriormente, para vrias lnguas europeias, a comear pela clebre verso francesa de Boileau que, na Europa Ilustrada, se tornou a principal via de acesso ao tratado. Na linha de uma viso da arte retrica mais prxima do que entendemos por crtica literria, o Peri Hypsous afasta-se da abordagem estilstica consagrada nos tratados de Retrica para definir o Sublime como uma qualidade dos discursos que suscita nos ouvintes e leitores no tanto a persuaso quanto o assombro e o xtase. Ora precisamente esta ideia de assom-bro e estremecimento suscitados pela linguagem literria que h-de inspirar as obras de Burke (A Philosophical Enquiry into the origin of our Ideas of the Sublime and Beautiful, 1757) e de Kant, entrando, assim, definitivamente o Do Sublime na histria da Esttica ocidental.

    Palavras-chaveSublime, literatura, esttica, retrica

    Abstract Comes from the 10th century the oldest codex with the treatise On the Sublime. For a long time attributed to Cassius Longinus (third century ), the text is now generally considered a first century work, written by an anonymous or a Dionysius Longinus whose life and work is unknown. Ignored, as it seems, in Antiquity and the Middle Ages, the text came to meet its editio princeps only in 1554, in Basel and by the hand of Francesco Robortello. It was then successively edited and

  • translated, first into Latin and later into several European languages, starting with the famous French version of Boileau that for a long time was the main source for the knowledge of the treatise in Europe. Peri Hypsous moves away from the stylistic approach of ancient rhetorical books and presents a definition of Sublime as a quality of discourse which produces in the hearers and readers not persuasion but wonder and ecstasy. It is precisely this idea of wonder and shudder that has inspired the works of Burke (A Philosophical Enquiry into the origin of our Ideas of the Sublime and Beautiful, 1757) and Kant, by whose hands the treatise On the Sublime entered the history of Western Aesthetics.

    KeywordsSublime, Literature, Aesthetics, Rhetoric

  • Autora

    Marta Isabel de Oliveira Vrzeas Professora Auxiliar na Faculdade de Letras do Porto e investigadora do Centro de Estudos Clssicos e Humansticos da Universidade de Coimbra. Doutorada em Literatura Grega pela Universidade de Coimbra (2006), tem publicado vrios trabalhos na rea da Literatura Grega, nomeadamente do Teatro trgico e da Poesia. Como autora ou editora publicou Silncios no Teatro de Sfocles, Lisboa, Cosmos, 2001;A Fora da Palavra no Teatro de Sfocles. Entre Retrica e Potica, Lisboa, FCG/FCT, 2009; Retrica e Teatro A Palavra em Aco, Porto, Editora UP, 2010; As Artes de Prometeu, Porto, FLUP, 2009. No mbito da traduo de textos clssicos, traduziu Plutarco, Vidas de Demstenes e Ccero (Classica Digitalia, 2010) e Sfocles, Antgona (TNSJ, Hmus, 2011). membro fundador da Sociedade Portuguesa de Retrica.

    Author

    Marta Isabel de Oliveira Vrzeas is a professor at the Faculty of Arts and Humanities of the University of Oporto; she has a PhD on Greek Litera-ture (University of Coimbra, 2006). As an author or editor, she published Silncios no Teatro de Sfocles, Lisboa, Cosmos, 2001;A Fora da Palavra no Teatro de Sfocles. Entre Retrica e Potica, Lisboa, FCG/FCT, 2009; Retrica e Teatro, Porto, Editora UP, 2010; As Artes de Prometeu, Porto, FLUP, 2009; Plutarco. Vidas de Demstenes e Ccero,Coimbra, Classica Digitalia, 2009; Sfocles. Antgona (introduo, traduo e notas), Porto, TNSJ, Humus, 2011. She is a researcher at the Centre of Classical and Humanistic Studies of the University of Coimbra (Centro de Estudos Clssicos e Humansticos da Universidade de Coimbra), and a member of several scientific associations, such as the Sociedade Portuguesa de Retrica.

  • (Pgina deixada propositadamente em branco)

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    Sumrio

    Introduo 11Autoria e data de composio 11O tema 14Estrutura da obra 23O texto e sua transmisso 26

    Bibliografia 29

    Do Sublime 33

    ndice de autores e passos citados 105

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    Introduo

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    Introduo

    Autoria e data de composio

    At ao sc. XIX parecia no existirem dvidas acerca da autoria do tratado Do Sublime. O nico cdice (Parisinus 2036) de que derivam todos os manuscritos que conhecemos, datado do sc. X, apresentava no ttulo o nome do autor Dionsio Longino que, durante muito tempo, se sups ser o filsofo e crtico literrio do sc. III da nossa era, Cssio Longino, ministro da rainha Zenbia, de Palmira1. As dvidas surgiram quando, em 1809, se descobriu num manuscrito da Biblioteca Vaticana (Vaticanus 285) um pequenssimo pormenor que veio pr em causa as anteriores suposies: a separar aqueles dois nomes, uma conjuno disjuntiva assinalava as incertezas acerca do verdadeiro autor do opsculo. De acordo com esta informao2, o tratado seria de Dionsio ou de Longino, o que significa que, j no sc. X, se desconhecia a identidade do escritor e se atribua a obra a um dos grandes crticos literrios do perodo imperial: o primeiro, Dionsio de Halicarnasso, conhecido retor que viveu em Roma na poca de Augusto, e o segundo, Cssio Longino, morto no ano 273

    1 Russell (1964: xxiv), porm, informa que j algum, na poca do Renascimento, se refere ao autor do tratado como annimo. Da obra de Cssio Longino restam apenas alguns fragmentos.

    2 Tambm o Parisinus 2036 contm essa indicao, no no ttulo, mas na sua primeira folha, o que tem sido entendido como o acrescento de algum erudito bizantino, pretendendo talvez corrigir o que pensou ser um erro, isto , a associao de um nome grego a um latino. Cf. Russell (1964: xxiii) e Eire (2002:147-148).

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    d.C, por ordem do imperador Aureliano. Ambas as hipteses passaram a ser testadas pelos estudiosos do texto, sem que se tenha chegado a uma posio consensual, embora a tendncia seja, actualmente, para defender ou uma autoria annima ou a existncia de um autor de nome Dionsio Longino, mas cuja vida e obra se desconhece3.

    As razes que tm levado rejeio daqueles crticos antigos decorrem da anlise da obra e da sua comparao com o estilo e as ideias desenvolvidas nos escritos remanescentes de cada um deles. Segundo Eire4 o pensamento e o estilo do autor do tratado nada tem que ver nem com os que apreciamos nos ensaios de Dionsio de Halicarnasso nem com os que se vislumbram no que resta da Retrica de Cssio Longino. Com efeito, os textos de Dionsio de Halicarnasso que chegaram at ns carecem daquele entusiasmo e vivacidade que ressaltam no Do Sublime e dele fazem uma obra singular dentro do universo dos escritos helensticos sobre retrica. Alm disso, como muito bem nota Russell (1964: xxiv), Longino refere-se a outros livros seus, nomeadamente, uma monografia sobre Xenofonte e uma obra em dois livros Sobre a Composio, que no so compatveis com a autoria de Dionsio de Halicarnasso5.

    No que respeita a Cssio Longino, alm das diferenas es-tilsticas, o principal argumento que tem sido utilizado para o

    3 Cf., entre outros, Alsina Clota (1977), Matelli (1988), Donadi (1991), Guidorizzi (1991), Garcia Lpez (1996). Russell, na sua edio de 1964, mostra-se cauteloso no que respeita s concluses a tirar sobre o assunto, e opta por se referir ao autor do tratado com aquilo a que chama the non-committal symbol L. Num texto recente, Halliwell (2013: 327) declara-se agnstico relativamente vexata quaestio da autoria e data da obra. Ao contrrio destes e da maioria dos estudiosos, Heath (1999) veio de novo defender uma identificao com Cssio Longino.

    4 (2002: 148). Tal como a maioria dos autores modernos que se de-dicam ao estudo de Do Sublime, Eire recupera e sintetiza a anlise e a argumentao de Russell (1964) sobre este assunto.

    5 Este escreveu, como sabemos, um tratado Sobre a composio das palavras mas apenas em um livro.

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    Introduo

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    excluir como autor do tratado funda-se na incompatibilidade entre alguns dados presentes no Do Sublime e o sc. III d.C, poca em que Cssio viveu. A discusso final (44) acerca das causas da decadncia da oratria aponta para o ambiente cultu-ral e intelectual do sc. I da nossa era, altura em que este tema surge em textos de vrios autores, entre os quais, Petrnio, S-neca, Quintiliano e Tcito. Semelhanas muito relevantes com Flon de Alexandria e com Plnio no que respeita concepo de hypsos,6 e a inexistncia de qualquer aluso a autores posteriores poca de Augusto, sugerem a mesma concluso. A prpria polmica com Ceclio de Calacte que constitui o pretexto da obra, parece mais verosmil numa data no muito distante do aparecimento do seu livrinho sobre o sublime (finais do sc I a.C.) contra o qual Longino se posiciona.

    Por estas razes me parece ser de aceitar uma data algures no sc. I d.C. para a composio do tratado Peri Hypsous e, apesar de todas as incertezas, chamar ao seu autor Dionsio Longino, de acordo com o ttulo contido no Parisinus 2036.

    6 Apontadas por Russell (1964: xl-xli).

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    O tema7

    O tratado Do Sublime ocupa um lugar parte na histria da retrica antiga pela original abordagem do seu tema. Nele no encontramos o tratamento de questes estilsticas que, sobretudo a partir do sc. I a.C., estiveram no centro das discusses retri-cas. Com efeito, se em Aristteles aquela era a arte de discernir os meios de persuaso mais pertinentes a cada caso8, no Perodo Helenstico e Romano passa a ser, segundo a formulao de Quintiliano (2. 15. 38), bene dicendi scientia, a cincia de bem falar, e, em boa medida, desloca o seu centro de interesse da inventio, a descoberta dos argumentos, para a elocutio, a elocu-o. Da a ateno particular dada s questes relacionadas com a composio literria, com o estilo das obras modelares, numa perspectiva que j mais a da crtica literria do que a da retrica stricto sensu. Os escritos de Dionsio de Halicarnasso e a obra de Demtrio, pese embora no sabermos precisar a data da com-posio desta ltima, so um testemunho claro desse interesse.

    A ideia da existncia de diferentes estilos discursivos, correspon-dentes a gneros literrios distintos e a distintos objectivos de co-municao, de acordo com o princpio essencial da adequao ou da convenincia (prepon), era bem mais antiga, mas a sua primeira formulao terica ter sido feita por Teofrasto num tratado perdi-do, onde o autor proporia a existncia de trs estilos: o humilde, o mdio e o elevado9. Ao longo do Perodo Helenstico, num processo

    7 Recupero aqui, com alteraes, algumas ideias desenvolvidas numa conferncia sobre As emoes no tratado Do Sublime que apresentei na Universidade Federal de Minas Gerais, em Outubro de 2013, e cujo texto se encontra no prelo.

    8 Retrica 1355b. A traduo de Alexandre Jnior (1998).9 no tratado de Teofrasto Sobre o estilo que Ccero se inspira para

    escrever o seu Orador; e tambm Dionsio de Halicarnasso o cita no tratado sobre o estilo de Demstenes (Demstenes 3). Quintiliano outro autor que refere a teoria dos trs estilos. Cf. Kennedy (1994: 84-86).

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    Introduo

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    cujos desenvolvimentos e protagonistas ignoramos, mas se realizou muito provavelmente no contexto da escola Peripattica, a questo adquiriu contornos mais definidos, apoiada numa terminologia estilstica ainda flutuante, mas que se foi generalizando10. Assim se chegou ideia de uma correspondncia entre os trs estilos de Te-ofrasto e os officia oratoris11: o humilde assentava numa linguagem simples e clara, desprovida de ornatos, e visava o docere; o mdio, tambm chamado florido, era o estilo elegante que tinha por fim o delectare; o elevado, sublime ou grandiloquente, caracterizava-se por uma linguagem ornada, escolhida de acordo com a elevao dos assuntos tratados, e com a qual se pretendia movere12.

    No este o entendimento que o nosso autor faz do sublime, a que, de resto, nunca se refere como character13; chama-lhe, antes, entre outras designaes sinnimas, hypsos e define-o como o cume e a excelncia dos discursos (1.3).

    A mudana de perspectiva evidente logo no incio do tratado, composto nos termos de uma polmica com Ceclio de Calacte, historiador e mestre de retrica, contemporneo de Dionsio de Halicarnasso, e que fora autor de uma obra sobre o mesmo assunto. Longino critica esse livro por no estar altura de tema to elevado e por omitir os mtodos que conduzem sublimidade, deixando por mostrar de que modo podemos con-duzir a nossa prpria natureza a um certo grau de elevao (1.1).

    10 A primeira sistematizao da doutrina dos trs estilos surge j no perodo romano, na Retrica a Hernio, um tratado do sc. I a.C. de incerta autoria.

    11 A ideia de uma correspondncia entre os estilos ou genera dicendi e os officia oratoris proposta, como defende Douglas (1957), por Ccero no Orador 21. 69.

    12 Dionsio de Halicarnasso d como exemplo do estilo simples o orador Lsias, do estilo mdio Iscrates e Plato, e do estilo grandioso Tucdides e Demstenes. Cf. Demstenes 1-3.

    13 O substantivo character, acompanhado de adjectivos como ischnos, mesos ou hypselos designava cada um dos estilos.

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    Estas palavras so sintomticas do desvio operado pelo autor relativamente ao modo como tradicional e retoricamente a sublimidade literria era concebida apenas em termos estilsti-cos, limitada descrio e anlise do hypselos character; e fazem prever que as consideraes que far acerca de hypsos relevam mais da tica do que da retrica ou da estilstica14. De facto, grande relevo dado natureza do homem, cuja grandeza se apresenta como a condio fundamental para a criao do su-blime literrio, pois, como afirma em outro passo, o sublime o eco da grandeza interior (9.2).

    Hypsos definido como a qualidade dos enunciados o cume e a excelncia dos discursos (1.3) responsvel pela imortalidade que alguns escritores alcanam. Por outro lado, no se restringe poesia, mas pode encontrar-se em textos no poticos. E sobre-tudo importa, porque produz um poderoso efeito no receptor. Os termos usados para descrever esse efeito ekstasis e ekplexis so muito significativos do alcance profundamente emocional da experincia da sublimidade, e da sua quase proximidade com a do sagrado. O sentimento de assombro e de xtase a resposta natural sublimidade literria, constituindo um fim em si mesmo. Trata-se de um forte impacto que se produz ao nvel da psyche (7.2), aparentemente acompanhado por uma espcie de suspenso da racionalidade, j que o autor afirma que o ouvinte no tem qualquer controle sobre o processo (1.3):

    O extraordinrio no leva os ouvintes persuaso mas ao xtase; e o maravilhoso, quando acompanhado de assombro, prevalece sempre sobre o que se destina a persuadir e a agradar;

    14 Note-se a pertinente observao de Eire (2002: 158): O sublime no , como o esteticamente belo na retrica tradicional, uma qualidade esttica que necessrio tornar tica, mas, ao contrrio, o sublime uma qualidade tica susceptvel de converter-se em esttica.

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    Introduo

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    pois se, em geral, a persuaso depende de ns, o sublime im-pe-se com fora irresistvel e fica acima de qualquer ouvinte.

    A recepo do sublime no , pois, da ordem do racional, no se desenvolve por raciocnios, nem se traduz em conceitos. Antes, pressupe uma fora superior que toma conta de quem ouve (ou l), deixando-o possudo. Tal estado de possesso, porm, no confundvel com uma qualquer cegueira metaf-rica. Estamos longe do nefasto poder psicaggico da poesia que justificava a expulso dos poetas da Repblica ideal de Plato. Pelo contrrio, o sublime uma iluminao e actua de forma avassaladora: produzido no momento certo, faz tudo em pedaos como um raio e, num instante, mostra toda a fora do orador (1.4). Contudo, apesar do seu carcter instantneo, a experincia do sublime no se revela fugaz nem passageira. Ela tem repercusses ao nvel do pensamento (dianoia), pois exige a busca continuada de nveis de sentido mais profundos (7.2)15:

    Verdadeiramente grande aquilo que suporta reflexo conti-nuada, aquilo a que difcil, ou melhor, impossvel resistir, que permanece e no se apaga da memria.

    Apesar da confessada polmica com Ceclio de Calacte, este no o nico alvo das crticas de Longino. Com a distino inicial entre o fim para que tende o discurso construdo segundo os preceitos da retrica a persuaso e o efeito da sublimidade o xtase , o autor, de forma que podemos considerar pro-gramtica, subtrai o sublime ao mbito da retrica, preparando assim o terreno para poder reclamar para hypsos o estatuto de arte (2). Na sua perspectiva, a criao de momentos sublimes

    15 Cf. Halliwell (2013: 342).

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    nos discursos implica necessariamente uma techne que, no sen-do totalmente coincidente com a retrica, no a pode dispensar, visto que ela mesmo o seu necessrio ponto de partida (8.1) 16:

    Cinco so, por assim dizer, as fontes mais capazes de produzir discursos sublimes, embora antes delas e servindo de funda-mento comum a todas esteja a capacidade de expresso sem a qual nada valem.

    A condio prvia criao do sublime , portanto, o dom-nio do logos; e nisto pode residir o ponto de convergncia entre as duas artes. Contudo, aquele, porque tem as suas razes na alma humana e a ela se dirige procurando o xtase e o assombro, est para alm da aprendizagem formal. Da que resista a ser apropriadamente definido, analisado e ensinado com os instru-mentos e os mtodos da retrica tradicional. Assim se explicam no apenas as crticas directas aos manuais, pontualmente realizadas ao longo do tratado, mas ainda o modo inovador e criativo com que Longino trabalha conceitos e categorias tradicionais veiculados nos escritos sobre potica e retrica17. Exemplo disso o passo em que apresenta aquilo a que chama as fontes do sublime (8. 1). O autor parece criar propositadamente a expectativa de uma correspondncia com as cinco partes da re-trica, para logo nos deixar perceber que estamos perante coisas distintas. De facto, se existe uma aparente semelhana entre as fontes do sublime e algumas partes da techne rhetorike, a verdade que o esquema de Longino substancialmente diferente: a fonte primeira e a mais importante a capacidade de conceber

    16 Cf. Russell (1964: 86): A techne de hypsos pressupe uma capacida-de j antes desenvolvida pela retrica.

    17 Sobre a concepo longiniana de sublime e a sua relao com a tradio retrica vide Russell (1964: xxx-xlii).

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    Introduo

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    pensamentos elevados; a segunda a de criar uma emoo forte e inspirada; as restantes trs englobam alguns tipos de figuras, uma expresso nobre e a composio das palavras.

    Os pontos de divergncia so claros: as trs ltimas, que o autor diz dependerem da techne, esto, no esquema retrico tradicional, englobadas na elocutio. J as duas primeiras se apresentam no como produto da arte mas da natureza. A capa-cidade de conceber pensamentos elevados inata, mas esse dom tem de ser desenvolvido, sendo necessrio, como afirma o autor, alimentar a alma com vista grandeza e fazer com que ela esteja sempre prenhe de uma nobre exaltao. E isto s pode alcanar-se pelo contacto assduo com os grandes autores Homero, Tucdides, Plato, Demstenes imitando-os, deles recebendo inspirao, tal como a Pitonisa em Delfos, ao inspirar os vapores que vinham da terra, comeava a cantar os orculos (13.2).

    Por seu lado, pathos, de largo uso na tradio retrica, no , como em Aristteles, um meio de persuaso, juntamente com ethos e logos. Em Longino uma forma poderosa de produzir no ouvinte o assombro e o xtase; mas, sendo uma fonte de sublime, no um elemento obrigatrio, pois muitas coisas su-blimes se produzem sem emoo (8. 2). Em clara descontinuidade com a teoria das emoes que se fora desenvolvendo a partir do livro II da Retrica de Aristteles, o autor chega a excluir da experincia da sublimidade emoes particulares como a compaixo, o medo e a dor, consideradas tapeina baixas (8.2). Por isso, e como que para sublinhar a diferena de perspectiva, recorre linguagem metafrica vinda da esfera do religioso para descrever o modo como pathos funciona (8.4):

    ... nada to grandiloquente como uma nobre emoo que surge quando precisa, e como se uma espcie de loucura e sopro di-vino inspirassem as palavras e as animassem dos dons de Apolo.

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    A linguagem metafrica parece ser um recurso de que Longino lana mo para descrever um fenmeno para o qual no possui vocabulrio tcnico. Todavia, mais do que a resoluo de uma carncia lexical, o uso de metforas uma opo discursiva, que surge como a boa alternativa ao registo tapeinoteron, demasiado baixo de Ceclio de Calacte a que o autor se refere na frase de aber-tura. Mas essa escolha ainda sintomtica de que, na perspectiva longiniana, o sublime no redutvel a preceitos tcnicos, e muito menos definvel por meio da linguagem formalizada da retrica.

    Percebe-se, pois, que o terreno que pisa o nosso autor muito mais movedio do que o da preceptstica retrica. Ele mesmo mostra ter conscincia das dificuldades, em particular, da de discernir o verdadeiro sublime, pois, como afirma, a ca-pacidade de ajuizar sobre composies literrias o resultado final de uma longa experincia (6.1). Por isso no possui uma frmula para a sua definio, preferindo falar dos sinais que permitem distingui-lo e reconhec-lo:

    nenhuma coisa pode ser grande se o desprez-la for sinal de grandeza (7. 1); quando algo que ouvido muitas vezes por um homem inteligente e com cultura literria no dispe a alma grandeza de sentimentos, nem deixa no pensamento matria para reflexo que v alm do que foi dito ... isso ento no poder ser o verdadeiro sublime... (7.2.); o belo e verdadeiro sublime aquilo que agrada sempre e a todos (7. 3).

    Um dos sinais do sublime , por conseguinte, um senti-mento de prazer e de exaltao que deriva de um movimento ascensional da alma. No se trata de uma simples sensao de agrado, mas de um prazer com importantes consequncias, pois leva o ouvinte a sentir como seu aquilo que ouve (7.2). Nos ter-mos em que Longino a apresenta, a assimilao do que alheio

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    Introduo

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    resulta de uma experincia radicalmente diferente da que est implicada na adeso mais ou menos racional a um conjunto de argumentos; e muito distinta tambm da fruio emocional da poesia, tal como Aristteles a concebeu na Potica. Sem que-rer enveredar pela complexa discusso do conceito de katharsis, no ser muito arriscado afirmar que a experincia do sublime no de tipo catrtico, no sentido que lhe d Halliwell (1998: 201), de um alinhamento tico entre as emoes e a razo, uma harmonizao das emoes com as percepes e os juzos do mundo. O sublime traduz-se num estado de arrebatamento e de exaltao, incompatvel com o relaxamento emocional; e tambm nada tem a ver com emoes particulares, ao contrrio da katharsis. Trata-se de um poderoso impacto que se produz na alma do ouvinte / leitor e o leva apropriao das ideias contidas no texto, viso das imagens (phantasia) e identificao com o pensamento sugerido nas palavras. nesse patamar superior ao qual a alma se eleva que se d uma experincia de conhecimen-to, ou, se quisermos, de reconhecimento, dado que o ouvinte se encontra com as palavras e os pensamentos que respondem ao seu prprio desejo de perceber e sua inata paixo irresistvel por tudo o que sempre grande e mais divino do que ns (35.2).

    Daqui decorre aquilo que j Boileau defendia acerca do concei-to de sublime, no Prefcio da sua traduo do texto de Longino18:

    ...par Sublime Longin nentend pas ce que les Orateurs apel-lent le stile sublime: mais cet extraordinaire et ce merveilleux qui frape dans le discours, et qui fait quun ouvrage enleve, ravit, transporte. Le stile sublime veut toujours de grands mots; mais le Sublime se peut trouver dans une seule pense, dans une seule figure, dans un seul tours de paroles. Une chose

    18 A traduo foi feita em 1674 em Paris.

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    peut estre dans le stile sublime et nestre pourtant pas Sublime, cest dire navoir rien dextraordinaire ni de surprenant.

    Por isso Longino d como exemplo extremo de pensamento grandioso o silncio de jax, na Odisseia, mais sublime do que qualquer discurso (9. 2); ou ilustra a maneira sublime de dizer a divindade com a citao do relato da criao contido no livro do Gnesis (9.9):

    O mesmo se diga tambm do Legislador dos Judeus que no um homem qualquer, pois compreendeu o poder divino e exprimiu-o como devido, ao escrever logo no incio das Leis: Disse Deus, o qu? Haja luz, e houve luz; haja terra e houve a terra.

    Esta famosa citao, rara na literatura pag antiga, como nota Russell19, alm de nos permitir identificar o seu autor como algum prximo da cultura judaica20, bem expressiva do assombro e do espanto produzidos por um pensamento extra-ordinrio, formulado numa linguagem simples, muito distante do hypselos charakter. Assombroso e extraordinrio porque capaz de dar um vislumbre do impossvel, do que est para alm da medida humana, do que sai dos limites daquilo que nos rodeia (35. 3). Esse o sublime de Longino: a grandeza que, na sua perspectiva, nenhuma outra arte, seno a literria, pode criar, pois s a linguagem, enquanto faculdade natural do homem ligada prpria alma (39.3) pode ser trabalhada de modo a aproximar-se do que est acima do humano (36.3).

    19 Cf. Russell (1964: xxix).20 Cf. Norden (1954).

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    Introduo

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    Estrutura da obra

    Captulos 1-2: Introduo: Justificao do tratado e apre-sentao da perspectiva sob a qual vai ser tratado o tema.

    O texto dirige-se a Postmio Terenciano e apresenta-se como uma proposta de abordagem do tema do sublime diferente da de Ceclio de Calacte, cuja obra no estaria altura de assunto to elevado. Define-se hypsos pelo efeito que provoca nos ouvintes o xtase distinguindo-o implicitamente da arte retrica cujo fim a persuaso. Ao contrrio de quem defendia que o Sublime resulta apenas da natureza (physis), o autor reconhece nele o estatuto de arte (techne), com base na ideia de que o talento natural poten-cialmente perigoso quando no refreado pelo mtodo (2).

    Captulos 3-8: Caracterizao do SublimeO Sublime caracterizado atravs da descrio dos defeitos

    em que frequentemente caem aqueles que buscam a novidade de pensamento: inchao, puerilidade, emoo despropositada e inconsequente (3-5). Seguidamente (6-7) apresentam-se alguns dos sinais que o definem, pela negativa e pela positiva. O cap-tulo oitavo enuncia as fontes de que hypsos deriva:

    - a capacidade de conceber pensamentos elevados; - uma emoo (pathos) forte e cheia de entusiasmo; - um particular modo de construo de figuras;- uma forma de expresso nobre;- uma composio das palavras digna e elevada.O autor afirma que as duas primeiras dependem da natureza,

    enquanto as restantes implicam tambm o domnio da tcnica.

    Captulos 9-15: Fontes naturais de hypsos: grandeza de pensamentos e emoes

    Pensamentos e emoes sublimes so exemplificados com versos de Homero que exprimem a grandeza de deuses e heris, e

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    com um passo do livro do Gnesis onde o Legislador dos Judeus mostra ter compreendido e formulado devidamente o poder de Deus. Compara-se a Ilada e a Odisseia a partir da polaridade pathos / ethos. Segue-se a indicao de outras vias para o sublime de pensamentos e emoes: a seleco e organizao do material, com exemplos de Safo e de Homero (10); a amplificao, que d ensejo a uma comparao entre Demstenes e Ccero (11-12); a imitao dos grandes autores, desencadeada por uma citao de Plato (13-14); e a criao de imagens mentais phantasia ilustradas com passos dos Trgicos (15).

    Captulos 16-29: Terceira fonte: as figurasExemplificao e anlise do uso de algumas figuras (sche-

    mata) com vista criao de momentos sublimes, onde se defende a necessidade de evitar um emprego artificial destes recursos (17). As figuras escolhidas so a de juramento (16); a pergunta e a resposta (18); o assndeto (19); assndeto combi-nado com anfora (20); o polissndeto (21); o hiprbato (22); o poliptoto e o uso do plural pelo singular (23); o singular pelo plural (24); o emprego do presente em vez do passado (25); a apstrofe (26); a sbita mudana da pessoa verbal (27); a perfrase (28-29).

    Captulos 30-38: Quarta fonte: nobreza de expressoDefende-se a ntima ligao entre pensamento e expresso e,

    consequentemente, a importncia da escolha das palavras (30), que no implica necessariamente o uso exclusivo de vocbulos solenes e grandiosos, mas admite, de acordo com o critrio da expressividade, o emprego de palavras de uso corrente e vulgar (31). Demstenes e Plato so escolhidos como exem-plos ilustrativos do bom uso das metforas (32). A evocao destes autores, bem como de alguns dos seus defeitos, referidos

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    Introduo

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    principalmente a Plato, d azo um excurso sobre o que se deve valorizar quando esto em apreo obras literrias: a mediania sem falhas ou a grandeza com imperfeies (33). A este prop-sito compara-se a perfeio de Hiperides com a sublimidade de Demstenes (34). Explica-se a perenidade das obras de gnio, cujos erros so resgatados por um nico momento sublime, com a humana apetncia para o extraordinrio e transcendente; e defende-se a supremacia da arte literria sobre as artes visuais (35-36). Mostra-se como o smile (37) e a hiprbole (38) podem engrandecer o discurso.

    Captulos 39-43: Quinta fonte: a composio (synthesis)Consideraes acerca dos efeitos emocionais do ritmo para

    justificar a importncia do arranjo das palavras, dos membros da frase e dos perodos, dada a capacidade natural da harmonia para produzir sublimidade(39). Afirma-se que alguns escritores conseguem criar momentos sublimes nas suas obras pela sim-ples combinao e harmonizao dos sons das palavras (40). Indicam-se depois aspectos da composio que diminuem o sublime, como um ritmo quebrado e uma cadncia muito regu-lar (41), expresses demasiado sincopadas (42) e a baixeza dos vocbulos (43).

    Captulo 44: Concluso: as causas da decadncia da oratria.Sob a forma da narrativa de uma conversa entre o autor e

    um filsofo seu contemporneo, reflecte-se sobre as causas da decadncia da oratria. Os motivos apontados e os argumentos utilizados retomam o essencial do que se defendeu ao longo do tratado. A sublimidade literria no compatvel com pensamentos e actividades mesquinhas; o amor s riquezas e ao prazer impedem a criao de obras capazes de provocar o xtase e assegurar a fama futura.

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    O texto e sua transmisso

    Da Antiguidade nenhuma notcia nos chegou da obra de Longino, autor que, sem que se percebam as razes, parece ter sido completamente ignorado. O manuscrito mais antigo (Pa-risinus 2036) que contm o tratado Do Sublime (Peri Hypsous) juntamente com algumas partes dos Problemata de Aristteles data do sc. X e encontra-se na Biblioteca Nacional de Paris. As restantes cpias de que dispomos derivam directa ou indirec-tamente daquele cdice do sc. X e foram feitas j na poca do Renascimento (sculos XV e XVI). O texto apresenta extensas lacunas que perfazem cerca de um tero do original.

    De 1554 a editio princeps, feita em Basileia, por Francesco Robortello que, alguns anos antes, havia publicado o primeiro comentrio da Potica de Aristteles. Seguem-se as edies de Manuzio, em Veneza, um ano depois, e a de Francesco Porto, em Genebra, em 156921. A edio de Porto foi a que conheceu maior difuso nos sculos seguintes. Apesar do intenso trabalho editorial, em alguns casos acompanhado do de traduo para latim, foi em 1674, com a traduo francesa de Boileau, da qual se vieram a fazer posteriormente verses para outras lnguas, que a obra ocupou lugar de destaque na cultura europeia, entrando para a histria da Esttica sobretudo com a obra de Burke, A Philosophical Enquiry into the origin of our Ideas of the Sublime and Beautiful, de 1757, e de Kant, na Crtica do Juzo (1790) e nas Observaes sobre o sentimento do belo e do sublime (1764).

    Em Portugal, tal como acontecia por toda a Europa ilus-trada, o tratado era conhecido principalmente pela traduo de Boileau. S em 1771, e no contexto da reforma pedaggica pombalina, saiu a pblico a primeira verso portuguesa feita

    21 Uma lista de todas as edies do texto de Longino at ao sc. XX encontra-se em Russell (1964).

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    Introduo

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    directamente do grego pelo Padre Custdio Jos de Oliveira. Trata-se da primeira abordagem verdadeiramente original da obra de Longino em Portugal, no que respeita ao especfico trabalho de traduo e anlise do texto. Alguns anos mais tarde, em 1816, publica Filinto Elsio em Paris, includa nas suas Obras Completas, uma outra verso portuguesa do tratado, mas que o prprio confessa ter feito a partir do texto francs de Boileau, dado o seu desconhecimento do grego e o facto de s muito tardiamente ter tido notcia do trabalho de Custdio Oliveira22.

    Depois do desinteresse mais ou menos generalizado a que a obra foi votada no sc. XIX, edies crticas e tradues para vrias lnguas europeias vieram a lume durante o sculo XX, assistindo-se agora a um recrudescimento do interesse por este tratado, bem visvel nos estudos que tm sido publicados em volumes e revistas cientficas por prestigiados especialistas, quer na rea dos Estudos Clssicos quer nas da Teoria e Crtica Literrias e na da Filosofia.

    A traduo que agora se apresenta tem por base o texto gre-go editado em Oxford, por Donald Russell, em 1964, e muito aproveitou dos seus preciosssimos comentrios.

    22 As obras completas de Filinto Elsio encontram-se na Biblioteca Nacional e esto tambm acessveis em formato digital.

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    Bibliografia

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    Do Sublime

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    1. 1.23 O pequeno tratado que Ceclio24 comps sobre o su-blime25, meu caro Postmio Terenciano26, quando em conjunto o analismos, como sabes, pareceu-nos no estar altura27 do assunto que trata e no tocar os aspectos essenciais, no sen-do, pois, de grande utilidade ao contrrio do que deve ser o principal objectivo de quem escreve. Alm disso, no cumpre os dois requisitos que qualquer tratado tcnico deve observar: em primeiro lugar, apresentar o seu assunto, em segundo e este o mais importante mostrar de que maneira e por que mtodos podemos chegar a ele. Ora Ceclio tenta explicar de mil e uma maneiras o que o sublime como se o desconhecssemos mas,

    23 A diviso em captulos foi feita por Francesco Porto na sua edio de 1569.

    24 Ceclio de Calacte (Siclia) foi um historiador e mestre de retrica da poca de Augusto. Amigo de Dionsio de Halicarnasso era, como ele, defensor da simplicidade e pureza da oratria tica, que tinha por modelos Lsias e Demstenes, por oposio ao novo estilo desenvolvido na poca Helenstica, conhecido por asianismo, e que, em geral, se caracterizava pela procura de uma expresso empolada e artificiosa, de frases de efeito e de um ritmo muito marcado. Ter escrito alguns tratados sobre questes de retrica, entre os quais este aqui referido por Longino, mas que no chegaram at ns seno em alguns fragmentos. Este mesmo autor cen-surado por Plutarco, por ter cometido a imprudncia de publicar uma comparao entre a eloquncia de Demstenes e a de Ccero (Plut. Dem. 3.2). Sobre as diferenas entre a concepo de sublime de Ceclio e a de Longino, vide Innes (2002). Os fragmentos de Ceclio de Calacte foram recolhidos por Ofenloch (Caecilii Fragmenta, Stutgart, Teubner, 1967).

    25 O vocbulo grego hypsos. Outras palavras ocorrem, ao longo do tratado, para exprimir a mesma ideia de elevao e grandeza megethos, por exemplo, ou hyperphua que, abaixo (1.4), traduzo por extraordinrio.

    26 A identidade do destinatrio do tratado desconhecida mas, a julgar pelo forma como o autor se lhe refere, seria um jovem romano culto e de nobre famlia.

    27 No estar altura traduz o comparativo tapeinoteron, cuja tradu-o literal seria mais baixo, mais humilde. O adjectivo usado ao longo do tratado como antnimo de hypsos e seus correlatos, sendo, por isso, muito significativo que o autor o empregue nesta frase de abertura para caracterizar o tratado de Ceclio com o qual mantm este tom polmico at ao final.

  • Dionsio Longino

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    no sei porqu, deixa por dizer, como se no fosse necessrio, de que modo podemos conduzir a nossa prpria natureza a um certo grau de elevao. 2. Mas talvez no devamos acus-lo pelas omisses, e antes louvar o mrito do seu projecto e do empenho que nele ps. E j que muito tens insistido para que tambm eu, em teu benefcio, rena algumas notas acerca do sublime, vejamos, ento, se as minhas reflexes te parecem ser teis aos homens com responsabilidades pblicas28. E tu prprio, meu amigo, sobre cada ponto ajuizars com a maior sinceridade, como teu natural e como convm. Pois falou com acerto quem disse que as boas aces e a verdade so aquilo que temos em comum com os deuses29. 3. E como escrevo para ti, carssimo, homem instrudo e culto, estou de certa maneira dispensado de fundamentar previamente e de forma extensa que o sublime , por assim dizer, o cume e a excelncia dos discursos e que foi da e de nenhum outro lado que os maiores poetas e prosadores chegaram ao primeiro lugar e com a sua fama abraaram a eternidade. 4. O extraordinrio no leva os ouvintes persuaso mas ao xtase30; e o maravilhoso, quando acompanhado de

    28 Em grego politikois. A palavra designa os homens de estado, cuja in-terveno na vida pblica se fazia por meio da palavra, quer nos tribunais quer nas assembleias espaos prprios da oratria forense e deliberativa.

    29 Arsnio (1465-1535), arcebispo de Monembsia, no seu livro de apotegmas (Ionia) atribui esta afirmao a Demstenes.

    30 A palavra ekstasis, no muito habitual na tradio retrica para descrever o efeito do discurso potico sobre os ouvintes (cf. Halliwell 2013: 332), designa um estado emocional que implica, de acordo com a sua etimologia, uma sada de si. Tradicional era o uso de metforas tira-das da experincia da possesso divina e tambm da magia para descrever a fora emocional e psicolgica do logos potico sobre os ouvintes. J na Odisseia o narrador se refere ao efeito causado pelas narrativas dos aedos como encantamento ou enfeitiamento (e.g. 13.2). Grgias, no Encmio de Helena, serve-se dessa linguagem metafrica e o mesmo faz Plato no on, embora, no contexto platnico, a aceitao da viso tradicional dos poetas como inspirados e possudos pela divindade sirva para negar sua actividade a natureza de arte (techne). Outra a viso de Longino,

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    Do Sublime

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    assombro31, prevalece sempre sobre o que se destina a persuadir e a agradar; pois se, em geral, a persuaso depende de ns, o sublime impe-se com fora irresistvel e fica acima de qualquer ouvinte. E enquanto a mestria na inveno, a disposio e o arranjo do material32 no saltam vista facilmente ao fim de um ou dois passos mas no conjunto da obra, o sublime, produzido no momento certo, faz tudo em pedaos como um raio e, num instante, mostra toda a fora do orador. Mas penso que estas e outras consideraes semelhantes tu prprio, meu bom Teren-ciano, as poderias fazer, dada a tua experincia.

    2. 1. Devemos comear por perguntar se existe uma arte do sublime ou do profundo33, pois pensam alguns que se engana

    para quem a ekstasis, manifestando-se no autor e nos ouvintes, define a essncia mesma da arte do sublime.

    31 Em grego ekplexis. A palavra tem algumas afinidades semnticas com a noo de temor phobos. Traduz um efeito de choque, de es-tupefaco, um estado que pode ser de terrfico espanto ou de exaltante deslumbramento. Longino h-de voltar a us-la no tratado, bem como alguns dos seus cognatos.

    32 O autor evoca os termos que designavam as duas primeiras partes em que se dividia a arte retrica: heuresis ou, na tradio latina, inventio, a descoberta dos argumentos; e taxis ou dispositio, a sua disposio no discurso.

    33 Em grego bathous. Apesar de ser esta a lio dos cdices, alguns crticos preferem consider-la um erro de leitura e substitu-la por pathous emoo, paixo. As razes so pertinentes: a palavra bathos no tem tradio retrica e, no que resta deste tratado pelo menos, ocorre uma nica vez, o que poder dificultar o seu entendimento como sinnima de hypsos; tambm no se deve entender como sua antnima dado que o sentido contrrio de hypsos em Longino geralmente expresso pelo adjectivo tapeinos e, de resto, no faria sentido falar de arte a propsito de algo entendido como defeito. Por outro lado, a leitura conjectural pathous parece ser mais consentnea com o contexto deste captulo e com a frequente associao que, ao longo do tratado, se faz entre hypsos e pathos. Sobre esta polmica vide Russell (1964: 63); argumentos em defesa da correco para pathous podem encontrar-se em Guidorizzi (1991:139-140).

  • Dionsio Longino

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    completamente quem reduz estas coisas a preceitos tcnicos34. A grandeza inata dizem , no se ensina, e a nica arte para a alcanar ter nascido com ela. As obras da natureza, segundo pensam, ficam piores e muito mais pobres, pois as regras as tor-nam secas e descarnadas como esqueletos. 2. Mas eu afirmo que ficar demonstrado o contrrio, se considerarmos que, apesar de a natureza ser quase sempre autnoma quando esto em causa grandes emoes, ainda assim no se d com o acaso nem com a total ausncia de mtodo; em tudo ela o elemento primeiro e arquetpico da criao, mas o mtodo necessrio para deter-minar a quantidade e a ocasio oportuna35 de cada coisa e bem assim para ajudar prtica e ao uso mais correcto. Sem este conhecimento a grandeza fica entregue a si mesma, sem apoio nem lastro, e torna-se muito perigosa, abandonada apenas aos impulsos e a uma audcia irreflectida; pois se frequentemente precisa de aguilho com a mesma frequncia precisa de freio. 3. Por isso afirma Demstenes, a propsito da vida humana em geral, que o melhor dos bens ter boa sorte e depois saber tomar boas decises coisa no menos importante j que, no existin-do este, tambm aquele desaparece completamente. O mesmo poderamos dizer das composies literrias, substituindo a boa sorte pela natureza e as boas decises pela arte. Mas o mais importante que o prprio facto de alguns aspectos dos escritos literrios dependerem apenas da natureza s o ficamos a saber com a ajuda da arte e de nenhum outro modo. Portanto, como

    34 A polaridade physis / techne, que em latim se traduzir por natura (ou ingenium) / ars, era um tpico de discusso j antigo no contexto da retrica e da potica.

    35 Discernir o momento ou ocasio oportunos kairos central na concepo longiniana de sublime. S a percepo do kairos permite refrear a espontaneidade selvagem do talento natural, e essa capacidade de discernimento, apesar de tambm residir na physis do poeta ou orador, adquire-se com a aprendizagem do mtodo, o que releva, pois, da techne.

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    eu dizia, se quem censura os que procuram instruir-se reflectisse sobre estas coisas decerto no julgaria suprfluo e intil o estudo do tema proposto.

    (lacuna)36

    3. 1. e que eles detenham o imenso claro da lareira; pois, se eu vir um s que seja de guarda ao lar, espalhando uma espiral de fogo torrencial incendiarei a casa e reduzi-la-ei a cinzas. Porm, agora, ainda no gritei o nobre canto.37

    Espiral de fogo, vomitar para o cu, fazer de Breas um tocador de flauta e o resto que se segue, nada disto trgico, isto uma pardia de tragdia; a expresso baa e as imagens, em vez de impressionarem, causam rudo; cada uma delas, se examinada a fundo, logo passa de aterrorizadora a desprezvel. Ora se at na tragdia, que por natureza empolada e aberta linguagem enftica, no se desculpa o inchao inoportuno, ainda menos, penso eu, se poderia ele adequar aos discursos que tm a ver com coisas reais. 2. Por isso, so ridculas as palavras de Grgias de Leontinos, quando diz: Xerxes o Zeus dos Persas e os abutres, tmulos vivos 38. O mesmo se diga de algumas

    36 No manuscrito principal esta lacuna de duas folhas comea antes, no passo que, na presente traduo, tem incio em substituindo a boa sorte. As linhas seguintes foram recuperadas em dois manuscritos de poca posterior e introduzidas na edio de Toll (1694), da serem conhe-cidas por fragmentum tollianum. Vide Russell (1964: 66).

    37 Fragmento de uma tragdia perdida de squilo (fr. 281 Nauck) que tratava do rapto de Oritia, filha de Erecteu, rei de Atenas, por Breas, o vento norte. Os versos aqui citados so ditos por Breas enraivecido.

    38 Estas expresses so retiradas de um discurso fnebre Epitaphios que o sofista Grgias ter proferido talvez em 421 a.C. em honra dos soldados atenienses mortos em combate. Desse discurso conhecemos

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    expresses de Calstenes39, to elevadas que ficam a pairar entre os astros; e, mais ainda, as de Clitarco40, um homem superficial que, como diz Sfocles, sopra

    em pequenas flautinhas, sem a faixa.41

    Coisas semelhantes encontram-se tambm em Anfcrates42 e Hegsias43 e ainda em Mtride44, que, muitas vezes, se julgam inspirados, mas o delrio que os anima no divino, pueril. 3. Em geral, a tendncia para o inchao das coisas mais di-fceis de evitar, pois de certa forma natural que, para fugir acusao de aridez e de falta de vigor, quem busca a grandeza caia nele, persuadido de que tropear nas alturas uma falha nobre. 4. Porm, sendo balofo e falso, o peso mau, tanto para o corpo como para os escritos, e muitas vezes nos conduz ao

    apenas um fragmento, includo na edio crtica de Diels-Kranz e tradu-zido em portugus por Barbosa & Castro (1993).

    39 Calstenes de Olinto, historiador, sobrinho de Aristteles. Entre outros escritos historiogrficos, comps uma obra sobre os feitos de Alexandre Magno.

    40 Clitarco, talvez de Alexandria, viveu no sc. III a.C. e foi tambm historiador de Alexandre Magno. Ele a fonte da vulgata acerca dos feitos de Alexandre.

    41 Sfocles fr. 701 Nauck. O verso alude ao costume de os tocadores de aulos, instrumento de sopro que habitualmente se traduz por flauta mas est mais prximo do moderno obo, usarem por vezes volta da boca uma faixa phorbeia que ajudava a manter os lbios unidos e, portanto, a regular a sada do som. Cf. Hesquio (s.v. phorbeia). Sobre este acessrio e o seu uso vide Mathiesen, Thomas J.: Apollos Lyre (Nebraska, 1999).

    42 Historiador grego do sc. I a. C. cuja obra se desconhece. 43 Hegsias da Magnsia (sc. III a. C.) foi historiador e orador.

    Tambm escreveu uma Histria sobre Alexandre de que restam alguns fragmentos. Representante do asianismo, o seu estilo foi alvo de crticas muito negativas, sobretudo a partir da poca de Ccero.

    44 Mtride de Tebas viveu provavelmente no sc. III a. C.. Escreveu hinos e encmios no estilo do asianismo.

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    efeito contrrio; como se costuma dizer, nada mais seco que um hidrpico. No entanto, se o inchao ainda pretende ultra-passar o sublime, a puerilidade o oposto directo da grandeza: completamente rasteira e mesquinha e no h dvida de que se trata do defeito mais ignbil. Mas o que , afinal, a puerilidade? o pensamento escolar, cuja mincia exagerada resulta em frieza. Deste gnero de defeito padecem aqueles que, buscando uma expresso extraordinria, muito trabalhada e, sobretudo, agradvel, caem num tom pretensioso e afectado. 5. A ele se liga o terceiro tipo de vcio, relacionado com o pattico e a que Teo-doro chamava parentirso45: trata-se de uma emoo inoportuna e v pois, ou surge quando no necessria, ou desmesurada quando se requer moderao. Com efeito, alguns deixam-se muitas vezes tombar, como brios, em emoes particulares, emoes de escola, e que em nada se ligam ao assunto; e depois fazem m figura perante ouvintes impassveis, e compreende-se, pois apresentam-se alterados frente a quem o no est. Mas para o tratamento do pattico outro lugar foi reservado.

    4. 1. Exemplos desse defeito de que falvamos, ou seja, da frieza46, abundam em Timeu47, um autor bastante talentoso em

    45 Teodoro de Gdaros, famoso mestre de retrica, foi professor de Tibrio, que haveria de ser imperador de Roma. Parentirso a translite-rao da palavra grega parenthyrson, criada por Teodoro, e que se pode traduzir por falso entusiasmo dionisaco.

    46 J Aristteles (Retrica 3.3) se refere frieza do estilo (ta psychra) com exemplos que, em geral, manifestam desadequao entre o pensamento e a sua expresso, especialmente quando esta demasiado grandiosa ou potica para o assunto que trata. Segundo Demtrio (Sobre o Estilo 2. 114), Teofrasto t-la-ia definido como aquilo que ultrapassa a expresso apropriada. O prprio Demtrio dedica algumas linhas a este assunto, apontando a frieza como o contrrio do estilo sublime e assimilando-a a uma atitude de presuno (cf. 2. 119: alazoneia).

    47 Timeu (c.350-260 a.C.) de Tauromnio, na Siclia, foi o primeiro historiador grego a fazer uma avaliao crtica de quase todos os escritores

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    muitos aspectos e a quem por vezes no faltam recursos para produzir grandeza literria, revelando erudio e capacidade imaginativa. No entanto, sendo extremamente crtico dos erros alheios, incapaz de reconhecer os prprios e, fora de querer apresentar sempre ideias novas, acaba por cair nas maiores in-fantilidades. 2. Citarei apenas um ou dois desses exemplos, pois Ceclio j adiantou a maior parte deles. Para louvar Alexandre Magno, disse: Ele, que tomou a sia inteira em menos tempo do que o que Iscrates levou a escrever o panegrico pela guerra contra os Persas. Mas que bela comparao esta do Macednio com o sofista! Por essa ordem de ideias, Timeu, os Lacede-mnios eram muito inferiores a Iscrates em coragem, pois tomaram a Messnia em trinta anos e ele comps o panegrico apenas em dez. 3. E como se refere aos Atenienses capturados na Siclia? Eis o que diz: Foram castigados por terem come-tido impiedade contra Hermes, mutilando as suas esttuas, mas no o foram menos por causa de um homem que tinha laos de parentesco com o ofendido Hermcrates, filho de Hrmon48. E eu fico estarrecido, meu bom Terenciano, por ele no ter tambm escrito contra Dionsio algo assim: foi por ter sido mpio para com Zeus e Hracles que Don e Heraclides o expulsaram do trono.49 4. Mas para qu falar de Timeu se

    que o antecederam. Segundo Diodoro Sculo (5.1), os seus alegados exa-geros valeram-lhe a alcunha de Epitimaios Difamador.

    48 Aluso aos graves acontecimentos ocorridos em Atenas na vspera da expedio Siclia (415-413 a.C.) e que consistiram na mutilao dos Hermas, pilares em pedra com um falo no centro e encimados pela cabe-a do deus Hermes, que se encontravam espalhados pela cidade. Timeu atribui a subsequente derrota dos Atenienses frente aos Sicilianos a um castigo do deus, executado por Hermcrates, um general siracusano que desempenhou um importante papel na derrota de Atenas, e cujo nome est etimologicamente relacionado com o daquela divindade.

    49 Longino censura o inconsequente jogo etimolgico de Timeu e sublinha o seu ridculo exemplificando com um semelhante: tambm a deposio do tirano Dionsio II de Siracusa por aco de Don e

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    at aqueles heris que saram da escola de Scrates refiro-me a Xenofonte e a Plato , por gracinhas to fceis s vezes se esquecem de quem so. Um escreve o seguinte na Constituio dos Lacedemnios: Seria mais difcil ouvires a voz deles do que a de esttuas de pedra, e mais facilmente farias mover os olhos a esttuas de bronze; e pensarias que eram ainda mais pudicos do que as prprias virgens dos olhos50. Dizer que as meninas dos olhos so virgens puras coisa de Anfcrates51 no de Xenofonte. Por Hracles!, como acreditar que as meninas dos olhos de todos sem excepo so pudicas, quando se diz que em nenhum outro stio como nos olhos se nota a desvergonha de alguns homens? Aquiles, por exemplo, insulta a falta de pudor nos olhos de Aga-mmnon, dizendo: Pesa-te o vinho, e tens olhos de co52. 5. Mas Timeu no deixou esta frieza com Xenofonte, agarrou-se a ela como a um objecto roubado. Por isso, a respeito de Agtocles que raptou a prima, levando-a da festa de casamento onde j tinha sido dada a outro53, diz o seguinte: Quem faria isto, se no um homem que, em vez de meninas, tivesse rameiras nos olhos? 6. E que dizer de Plato, divino em tantas coisas, mas que, querendo falar das tabunhas das leis, diz: Depois de as

    Heraclides poderia ser, afinal, um castigo de Zeus e Hracles, divindades cujos nomes contm os mesmos timos dos causadores da aco contra Dionsio (o nome Zeus forma-se a partir da raiz Di-, visvel nos casos oblquos).

    50 3.5 . Xenofonte refere-se aos bons resultados da educao austera dos jovens espartanos.

    51 Vide supra n. 42.52 Ilada 1. 225.53 Agtocles (361/360- 289/288 a.C.) foi tirano de Siracusa. O texto

    refere um dos rituais das festas de casamento anakalypteria em que a noiva ficava pela primeira vez sem o vu frente do noivo e dele rece-bia presentes. Para mais informaes sobre a cerimnia do casamento na Grcia antiga, vide Hornblower, Simon & Spawforth, Antony: The Oxford Classical Dictionary (Oxford, 2003).

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    escreverem, deporo em templos estas memrias de cipreste54. E ainda: Acerca das muralhas, Megilo, eu concordaria com Esparta em deix-las dormir deitadas no cho e em no as erguer55. Herdoto tambm no anda longe disto, quando chama s mulheres belas dor dos olhos56. Neste caso, porm, existe uma atenuante, pois as palavras so ditas por brbaros e em estado de embriagus. Mas, ainda assim, no bom que se d posteridade uma imagem inconveniente, por causa da baixeza de personagens como estas.

    5. 1. Todos estes defeitos ignbeis nascem nos discursos por um nico motivo: a procura da novidade de pensamento, pela qual muito deliram os escritores actuais. que habitualmente os nossos defeitos tm precisamente a mesma origem das nossas virtudes. Por isso, como a beleza do estilo, a sublimidade e o deleite que as acompanha contribuem para o sucesso de uma composio, estas mesmas coisas, que so a causa e o funda-mento do xito, igualmente se revelam a causa e o fundamento do seu contrrio. O mesmo se diga das variaes, das hiprboles e do uso do plural57. Adiante mostraremos o perigo que pode existir nestes recursos. Mas agora o que necessrio colocar discusso de que modo podemos evitar os vcios que andam misturados no sublime.

    6. 1. E isso possvel, meu amigo, se em primeiro lugar adquirirmos um conhecimento claro que nos permita discernir o que o verdadeiro sublime. A empresa, porm, difcil, pois a

    54 Leis 741c.55 Leis 778d.56 Herdoto 5. 18.57 Refere-se ao uso do plural pelo singular, figura de que falar mais

    frente, no captulo 23.

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    capacidade de ajuzar sobre composies literrias o resultado final de uma longa experincia. Contudo, para podermos enun-ciar alguns preceitos, talvez no seja impossvel chegar a esse discernimento a partir do que se segue.

    7. 1. preciso saber, carssimo, que nenhuma coisa pode ser grande se o desprez-la for sinal de grandeza. o que acontece na vida comum. Por exemplo, riquezas, honrarias, celebridade, poderio e todas as outras coisas que tm um grande aparato exterior, um homem sensato no as pode ter por bens superio-res, pois o prprio facto de as desprezar que representa um bem no pequeno. E a verdade que no so os que possuem estas coisas que causam maior admirao, mas antes aqueles que, podendo t-las, as desprezam por grandeza de alma. Assim tambm quando se trata da grandiosidade nos poemas e nos discursos se deve considerar se alguns deles no tm aquela aparncia de grandeza feita de muitas coisas inventadas sem propsito, mas quando desmontados, se revelam ocos e mais dignos de desprezo do que de admirao. 2. De facto, o que est de acordo com a natureza que, sob o efeito do verdadeiro sublime, a nossa alma se eleve e, adquirindo uma espcie de esplndida altivez, se encha de prazer e de exaltao, como se ela mesma tivesse criado o que ouviu. 3. Por conseguinte, quando algo que ouvido muitas vezes por um homem inteligente e com cultura literria no dispe a alma grandeza de sentimentos, nem deixa no pensamento matria para reflexo que v alm do que foi dito mas, pelo contrrio, medida que se vai examinan-do uma e outra vez diminui o seu valor, isso ento no poder ser o verdadeiro sublime, pois no fica na lembrana aps a sua audio. Verdadeiramente grande aquilo que suporta reflexo continuada, aquilo a que difcil, ou melhor, impossvel resistir, que permanece e no se apaga da memria. 4. Em suma, fica a

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    saber que o belo e verdadeiro sublime aquilo que agrada sem-pre e a todos. Pois, quando acerca das mesmas coisas, pessoas diferentes nos seus costumes, gneros de vida, gostos, idades e linguagem emitem todas o mesmo parecer, ento essa espcie de juzo consensual, proveniente de to diferentes pessoas, confere ao objecto que se admira uma credibilidade forte e incontestvel.

    8. 1. Cinco so, por assim dizer, as fontes mais capazes de produzir discursos sublimes, embora antes delas e servindo de fundamento comum a todas esteja a capacidade de expresso, sem a qual nada valem. A primeira e mais importante a ca-pacidade de conceber pensamentos elevados, tal como a defini nos escritos sobre Xenofonte58. A segunda uma emoo forte e cheia de entusiasmo. Estes dois elementos do sublime so, em geral, inatos, mas os restantes resultam tambm da arte: uma certa forma de construo de figuras que podem ser de pen-samento e de linguagem ; uma forma de expresso nobre, que inclui a escolha dos vocbulos, o uso de tropos e uma linguagem elaborada; a quinta causa de grandeza e que engloba as anteriores uma composio59 digna e elevada. Examinemos, ento, o que est contido em cada uma destas espcies, comeando por notar que Ceclio deixou algumas das cinco partes por tratar, tendo descurado, por exemplo, a emoo60. 2. Se o fez por entender

    58 A obra desconhecida.59 A palavra synthesis, que traduzo por composio de acordo com

    a forma que assumiu em latim (compositio), tem uma acepo tcnica que se percebe na prpria etimologia. Trata-se da colocao das palavras, dos membros da frase e dos perodos numa ordem determinada pela sonoridade e pelo ritmo. A definio do conceito e o tratamento extenso deste tema encontra-se em Dionsio de Halicarnasso, Da composio das palavras 6. 2.1.

    60 Apesar de se criar a expectativa de pathos vir a ser analisado em parte independente, no isso que acontece. Todas as outras fontes do sublime so consideradas em separado, excepto esta. Fica por saber se em

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    que ambas as coisas o sublime e o pattico so uma s, pois andam sempre juntas e tm a mesma natureza, enganou-se. que algumas emoes, como compaixes, desgostos, medos, esto longe do sublime e a um nvel mais baixo; por outro lado, muitas coisas sublimes se produzem sem emoo. Notem-se, entre muitssimos outros exemplos, aqueles versos ousados que o Poeta diz acerca dos Alodas61:

    O Ossa sobre o Olimpo planearam colocar, e sobre o Ossao Plion de agitada folhagem, para que o cu fosse escalado.

    E o que se segue ainda mais grandioso:

    E t-lo-iam feito

    3. certo que na oratria os discursos encomisticos, os de celebrao e os epidcticos possuem grandeza e solenidade mas, em geral, carecem de emoes. Por isso que os oradores com veia pattica so piores na composio de encmios e, por seu lado, os que compem encmios so os menos hbeis na expres-so das emoes. 4. Mas, se Ceclio pensou que o pattico no pode mesmo contribuir para o sublime e, por esse motivo, o no julgou digno de meno, est completamente enganado. Com efeito, posso afirmar sem receio que nada to grandiloquente como uma nobre emoo que surge quando precisa, e como se uma espcie de loucura e sopro divino inspirassem as palavras e as animassem dos dons de Apolo.

    alguma das extensas lacunas da obra o assunto seria analisado. Contudo, no h dvida de que ao longo do texto o tema de pathos nunca deixa de estar na mira do autor. Sobre este problema e suas solues, vide Russell (1964: xiii-xiv; 1981); Lebgue (1965: xvi-xviii); Bompaire (1973).

    61 Odisseia 11. 315-317.

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    9. 1. Sendo a primeira parte grandeza inata a mais im-portante, preciso, tanto quanto possvel, e embora se trate de um dom e no de algo adquirido, alimentar a alma com vista grandeza e fazer com que ela esteja sempre, por assim dizer, prenhe de uma nobre exaltao. 2. De que maneira? pergun-tars. Escrevi algures o seguinte: o sublime o eco da grandeza interior62. por isso que, mesmo sem palavras, um pensamen-to n pode ser admirado por si s, pela sua elevao, como, por exemplo, o silncio de jax na Nekuia, que grandioso e mais sublime do que qualquer discurso63. 3. Portanto, absolu-tamente necessrio comear pela questo fundamental de saber donde vem o Sublime, pois o verdadeiro orador no pode ter uma maneira de pensar ch e ignbil. No possvel que quem passa toda a sua vida entregue a pensamentos mesquinhos e a ocupaes servis produza algo espantoso e digno de fama para sempre. Grandiosos s podem ser os discursos de quem tenha robustez de pensamento. 4. Razo pela qual o extraordinrio surge em homens particularmente superiores. A Parmnion que lhe dizia: eu contentar-me-ia64

    (lacuna)

    62 Traduzo por grandeza interior a palavra megalophrosyne, que engloba o sentir e o pensar.

    63 Nekuia o nome porque ficou conhecido o episdio da descida de Ulisses ao Hades no canto 11 da Odisseia. A o heri encontra jax e tenta falar-lhe, mas este afasta-se em silncio, dando mostras do seu ressenti-mento pela traio de que fora vtima. O conflito entre jax e Ulisses, que acaba com o suicdio do primeiro, dramatizado por Sfocles na tragdia jax.

    64 General macednio, brao direito de Alexandre Magno, Parmnion dissera, a propsito das ofertas de paz de Dario, que se fosse Alexandre as aceitaria; ao que o Macednio ter respondido que tambm ele faria o mesmo se fosse Parmnion. O episdio contado por Plutarco em Vida de Alexandre 29. Neste ponto do tratado segue-se uma enorme lacuna, equivalente a cerca de nove pginas impressas.

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    a distncia que vai da terra ao cu. E poder-se- dizer que essa medida mais a de Homero do que a de ris65. 5. Bem diferente o passo de Hesodo acerca da Escurido (se que o Escudo pode ser atribudo a Hesodo)66:

    Das narinas escorre o muco

    O que ele constri no uma imagem terrfica mas repelen-te. E Homero, como que ele engrandece a divindade?

    Tal a distncia de bruma que abarcam os olhos de um homemsentado na atalaia, olhando o mar cor de vinho,assim era a que saltavam os divinos cavalos relinchantes. 67

    O Poeta mede o salto dos cavalos pela extenso do universo. Quem, pois, perante esta hiprbole de grandeza, no diria com acerto que, se os cavalos divinos saltassem duas vezes seguidas, j no encontrariam lugar no mundo? 6. Extraordinrias so tambm as imagens da Teomaquia68:

    Ao redor, ressoa o vasto cu e o Olimpo;

    65 A descrio da deusa ris encontra-se em Ilada 4. 440-443.66 O Escudo de Hracles, que integra as edies dos Poemas de Heso-

    do apesar de no ser considerado autntico, um poema narrativo sobre a luta de Hracles com Cicno. A autoria de Hesodo, aceite na poca Clssica, foi contestada por Aristfanes de Bizncio no sc. II a.C.. Lon-gino faz aqui eco dessa questo crtica.

    67 Ilada 5. 770-772.68 A Teomaquia, literalmente, Combate dos deuses, o nome por que

    ficou conhecido o canto 20 da Ilada, no qual Zeus d ordens aos restan-tes deuses para que participem nos combates entre Aqueus e Troianos aps o regresso de Aquiles ao campo de batalha. Os versos aqui citados no correspondem exactamente sequncia dos versos homricos. O primeiro uma mistura de 21. 388 e 5. 750; os restantes pertencem a 20. 61-65.

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    e nas profundezas estremeceu o senhor dos mortos, Edoneu.Saltou do trono e gritou, receando que Poseidon,o que abala a terra, voltasse a fender o solo,mostrando a mortais e imortais a morada terrvel, bolorenta, que at os deuses odeiam.

    Vs, meu amigo, como abalada a terra desde os seus alicerces, o prprio Trtaro desnudo e o universo inteiro em convulso, todas as coisas a um tempo cu e Hades, mortais e imortais travam o mesmo combate, expondo-se aos mesmos perigos? 7. No entanto, todas estas coisas terrficas, se no forem tomadas como alegoria, so completamente mpias e imprprias. Pois parece-me que Homero, atribuindo aos deuses ferimentos, con-flitos, vinganas, lgrimas, grilhetas e toda a espcie de paixes se esfora por fazer dos homens que combateram em Tria deuses e dos deuses homens. Mas, enquanto para os nossos so-frimentos a morte um porto de abrigo, ao criar deuses eternos no foi a sua natureza que ele eternizou mas a sua infelicidade. 8. Porm, muito melhores do que os passos da Teomaquia so aqueles em que a divindade aparece como verdadeiramente imaculada, grandiosa e pura; como este, a respeito de Poseidon (passo que j outros trataram antes de mim): 69

    ... Tremiam as altas montanhas e as florestas,os cumes, a cidade dos Troianos e as naus dos Aqueussob os ps imortais de Poseidon em marcha.Conduzia o carro sobre as ondas, e debaixo dele, de toda a parte, saltavam os monstros marinhos, saindo dos esconderijos,

    69 Mais uma vez a sequncia dos versos um pouco diferente da do texto original. O primeiro verso, aqui incompleto, de Ilada.13. 18; o segundo o v. 60 do canto 20; os restantes correspondem a. 13. 19 e 27-29.

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    pois no desconheciam o seu senhor. De jbilo o mar se abria e eles voavam.

    9. O mesmo se diga tambm do Legislador dos Judeus70 que no um homem qualquer, pois compreendeu o poder divino e exprimiu-o como devido, ao escrever logo no incio das Leis: Disse Deus, o qu? Haja luz, e houve luz; haja terra e houve terra . 10. Espero no te parecer enfadonho, meu amigo, se aduzir mais um exemplo do Poeta, agora a respeito do mundo dos homens, para mostrar como ele costuma abordar a grande-za dos heris. De sbito surge a nvoa e uma densa escurido suspende o combate dos Helenos. Ento, jax, sem nada poder fazer, diz:71

    Zeus pai, tira da bruma os filhos dos Helenos,torna claro o ar, d viso aos olhos,destri-nos, mas luz do dia.

    Este que o verdadeiro sentimento de um jax: no pede a vida prece ignbil para um heri mas como, na treva ini-bidora, no tem como orientar a sua coragem para algo nobre, revolta-se por no poder ir luta e pede que a luz venha depressa, para lhe ser possvel ir ao encontro de um tmulo digno da sua valentia, ainda que seja Zeus o seu opositor. 11. Mas se na Ilada Homero respira o ar dos combates e ele mesmo experimenta nada menos do que aquilo que descreve:

    70 Referncia a Moiss, que se supunha ser o autor do Pentateuco, o conjunto dos primeiros cinco livros da Bblia conhecidos entre os Judeus como a Lei. O passo citado pertence ao relato da criao do mundo no livro do Gnesis (1. 3).

    71 Ilada 17. 645-647.

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    Enlouquece como Ares brandindo a lana ou como, nas montanhas e nas profundezas de uma densa floresta, alastra o fogo enlou-quecido;e a espuma surge volta da sua boca. 72

    J na Odisseia (que por vrias razes tambm deve ser analisada) ele mostra que o gosto pela narrativa prprio de uma natureza genial quando comea a entrar em declnio, na velhice. 12. evidente que ele comps este Poema em segundo lugar, como mostra, alm de muitos outros indcios, o facto de ter introduzido como uma espcie de episdios ao longo da Odisseia acontecimentos da guerra de Tria que ficaram por contar na Ilada; e ainda, por Zeus!, o facto de acrescentar aos nomes dos heris expresses de lamento e compaixo, como se eles fossem j conhecidos. De facto, a Odisseia no seno o eplogo da Ilada:

    L jaz o belicoso jax, l Aquilese Ptroclo, semelhante aos deuses em conselho;l jaz tambm o meu filho querido. 73

    13. E eu penso que por este mesmo motivo por ter sido escrito no auge da inspirao que todo o corpo da Ilada dramtico e cheio de energia enquanto o da Odisseia mais nar-rativo, como prprio da velhice. Por isso se poderia comparar o Homero da Odisseia ao pr-do-sol cuja grandeza permanece, embora lhe falte o vigor. De facto, a ele j no conserva a mesma intensidade dos cantos da Ilada, aquela sublimidade

    72 Ilada 15. 605-607. O ltimo verso est incompleto.73 Odisseia 3. 109-111.

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    constante, sem quebra, nem o contnuo extravasar de emoes umas sobre as outras, nem a versatilidade de registo mais oratrio, ou condensado por imagens tiradas da vida real. Mas como o Oceano, quando se retrai sobre si mesmo e se isola nos seus prprios limites, os refluxos e as divagaes pelo fabuloso e incrvel mostram um resto de grandeza. 14. Ao dizer isto, porm, no estou esquecido das tempestades na Odisseia, nem do episdio do Ciclope, ou outros; que eu falo de velhice, mas da velhice de Homero. No entanto, em todos estes episdios o fabuloso prevalece sobre a aco. Fiz esta digresso, dizia, para mostrar como os grandes gnios em declnio por vezes se desviam por caminhos banais, como o episdio do odre, o dos homens transformados em porcos no palcio de Circe a quem Zoilo74 chamou leitezinhos chorosos o de Zeus alimentado por pombos tal um passarinho, o do nufrago que fica dez dias sem comer e as inacreditveis histrias acerca do massacre dos Pretendentes. 15. Pois, que poderamos ns chamar a isto seno autnticos sonhos de Zeus75? Mas uma segunda razo me levou a referir tambm exemplos da Odisseia: para notares como o declnio da emoo nos grandes prosadores e poetas os leva representao de costumes76. As descries da vida familiar na

    74 Zoilo de Anfpolis, filsofo cnico (sc. IV a. C.), conhecido pelas severas crticas a Homero, fundadas em critrios de probabilidade ou verosimilhana e compiladas num livro intitulado Contra Homero. Aristteles ter respondido a esses ataques numa obra perdida, Aporemata Homerika.

    75 Segundo Russell (1964: 98), esta expresso parece aludir a um provrbio ou a um passo de obra conhecida na poca . Outra interpre-tao possvel, segundo o mesmo autor, a de que Longino se refira aos deslizes de Homero Zeus dos poetas tendo um sentido semelhante ao conhecido reparo de Horcio quandoque bonus dormitat Homerus.

    76 Em grego ethos. O autor evoca uma distino j antiga entre pathos e ethos, usada no mbito da retrica e da crtica literria. Aristteles (Po-tica 1459b) usa os mesmos conceitos para distinguir a Ilada e a Odisseia; Dionsio de Halicarnasso (Demstenes 8) liga-os a especficos estilos

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    casa de Ulisses, por exemplo, so como que uma comdia de costumes.

    10. 1. Passemos agora a examinar se existe alguma outra coisa capaz de tornar sublimes os discursos. Pois bem, j que a todas as coisas esto por natureza associados determinados elementos que so inerentes matria, o que nos far chegar ao sublime tem de ser a capacidade de escolher sempre, den-tre esses elementos, os mais apropriados, de os combinar uns com os outros e fazer deles como que um s corpo. Uma coisa atrai o ouvinte com a seleco dos argumentos, a outra com a condensao dos elementos escolhidos. Safo, por exemplo, trata os sofrimentos que acompanham o delrio amoroso, partindo das circunstncias e da prpria realidade. E como mostra ela a sua excelncia? Na mestria com que escolhe os mais extremos e intensos e os liga uns aos outros:

    2. Semelhante aos deuses me parece o homem sentado na tua frente;de perto ele ouve teu doce falar, teu apetecvel riso; e dentro do peitotreme meu corao.Pois basta olhar-te um instante e j minha voz no soa,

    oratrios; e Quintiliano (6. 2.20) associa pathos (ou, latina, affectum) tragdia e ethos comdia. Mas para Longino, o ethos, enquanto marca de descries literrias mais realistas, mais prximas da experincia do quotidiano, implica ausncia de emoes intensas e, porque conduz a um certo relaxamento, contrrio ao sublime. Da a preferncia do autor pelo pathos e a sua associao a situaes extremas e quilo que ultrapassa a medida humana. Para uma anlise mais aprofundada do uso destes conceitos na tradio retrica e literria desde Aristteles, vide Gill (1984).

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    a lngua se me quebra; e logo um fogo subtil me corre flor da pele;nada vejo com os olhos, zumbem os ouvidos,um suor frio me percorre, e o tremorme toma toda, mais verde do que a ervae sem fora bem perto de morrerpareo estar Mas tudo de suportar, pois nada posso77

    3. No espantoso como convoca ao mesmo tempo a alma e o corpo, os ouvidos e a lngua, os olhos e a pele, como se todas estas partes lhe fossem estranhas e estivessem perdidas? E como, em movimentos contrrios, sente frio e calor ao mesmo tempo, sai da razo e mostra sensatez pois ora tem medo ora est perto de morrer de tal forma que nela se manifesta no apenas uma emoo mas o encontro de vrias emoes? Tudo isto acontece a quem ama mas, como dizia, foi a escolha dos elementos mais extremos e a sua ligao numa unidade que alcanou a excelncia. precisamente isto, julgo eu, que faz o Poeta na descrio de tempestades: daquilo que lhes prprio, escolhe os aspectos mais terrveis. 4. J o autor da Arimaspeia78 julga que os seguintes versos causam terror:

    Grande maravilha esta para ns e para o nosso esprito.

    77 Este um dos mais longos fragmentos de Safo (Lesbos, sc. VII a. C.), preservado graas citao de Longino. O poema foi imitado pelo poeta latino Catulo no sc. I a.C. (Ille mi par esse deo uidetur).

    78 Trata-se de Aristeias de Proconeso (sc. VII a. C.), uma ilha do Pro-ponto (actual mar de Mrmara). Herdoto (4. 13 sqq.) a principal fonte de informao sobre este autor. A Arimaspeia era um poema composto em hexmetros que narrava as suas viagens fantsticas at ao extremo norte. Cf. Bolton , J. D.: Aristeas of Proconnesus (Oxford, 1962).

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    Homens habitam as guas no mar alto, longe da terra;desventurados so, pois grandes penas sofrem,com os olhos nos astros e a alma no mar;e quantas vezes, de mos erguidas, fazem precesaos deuses com as entranhas revoltas.

    Mas para qualquer um evidente, creio eu, que estas palavras tm mais encanto79 que pavor. 5. Como faz Homero? Refira-se apenas um exemplo entre muitos:

    Sobre eles se abateu, como quando uma onda impetuosa,alimentada pelo vento, das nuvens se abate sobre a nau veloz,e toda ela se cobre de espuma, e as rajadas do vento, medonhas, rugem nas velas, e os marinheiros tremem de medo nos seus coraes, pois a custo so trazidos do fundo da morte.

    6. Arato80 tambm tentou exprimir esta ltima ideia:

    Um pequeno lenho detm o Hades

    mas f-la apenas breve e graciosa81, em vez de terrvel. Alm

    79 A palavra grega anthos flor, oposta aqui a deos medo, pavor. Evocando a ideia de beleza e fragilidade naturalmente associada s flores, o autor critica implicitamente a falta de vigor e de nervo, por assim dizer, de uma descrio incapaz de apavorar o ouvinte. Vide infra n. 81.

    80 Poeta helenstico (sc IV-III a.C.). A nica obra de Arato que chegou at ns um poema sobre astronomia, muito famoso na Anti-guidade, intitulado Phaenomena. Ccero autor de uma das tradues latinas desse poema.

    81 Em grego glaphyron. Este adjectivo designava, na tradio retrica, o estilo mdio mesos charakter tambm chamado antheron (cf. anthos flor), por oposio a deinon que, em Demtrio, designa o estilo vigoro-so. Opondo-o aqui a phoberon, que provoca terror, Longino pretende sublinhar o mero jogo de palavras patente no verso de Arato, desprovido de intensidade emocional, da fora aterrorizadora que permite ao ouvinte ultrapassar o nvel do discurso.

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    disso, ao dizer um lenho detm o Hades pe limites ao perigo, pois o lenho uma barreira morte. O Poeta, pelo contrrio, no limita o terror a uma s vez, mas desenha imagens de ho-mens que continuamente e quase a cada onda esto muitas vezes prestes a morrer. Alm disso, comprimindo preposies que por natureza no esto juntas (hypek thanatoio do fundo da morte) e obrigando-as unio, torturou a palavra para a assemelhar ao sofrimento que se abateu sobre eles82. E atravs da compresso das palavras representou a emoo de forma magnfica, e como que gravou na expresso o carcter especfico do perigo: so trazidos do fundo da morte. 7. Outra coisa no fez Arquloco83 a propsito do naufrgio, ou Demstenes84 sobre a chegada das notcias, quando diz: era j tarde. Os aspectos mais impor-tantes depuraram-nos, por assim dizer, e combinaram-nos, sem lhes misturarem no meio nada de superficial, indigno ou aca-dmico, pois estas coisas danificam o todo, produzindo como que fissuras e fendas que destroem a grandeza que se alicera na relao entre as partes.85

    11. 1. Relacionada com as qualidades acima referidas est aquela a que chamam amplificao. Esta ocorre quando, em matrias ou debates que permitem pausas e comeos em cada perodo, se vo introduzindo em crescendo elementos gran-diosos empilhados uns sobre os outros sucessivamente. 2. E

    82 Hypek resulta da juno, completamente estranha prosa grega, de duas preposies hypo e ek.

    83 Arquloco de Paros (sc. VII a.C.), poeta imbico e elegaco, de cujos poemas se conhecem vrios fragmentos. Desconhece-se a descrio do naufrgio aqui referida.

    84 Demstenes, Orao da Coroa 18. 169. Trata-se do passo em que o orador descreve a reaco dos Atenienses notcia da ocupao de Elateia por Filipe da Macednia, em 339 a.C..

    85 A sintaxe deste passo pouco clara. Sigo a interpretao de RUSSELL (1964 e 1972).

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    quer isto acontea pelo emprego de lugares-comuns, quer pelo exagero ou intensificao de factos ou argumentos, quer ainda pela acumulao das aces ou das emoes pois, de facto, so inmeras as formas da amplificao necessrio que o orador saiba que nenhuma destas coisas, por si s, poder alcanar a perfeio sem o sublime. Exceptuando os casos em que se pre-tende suscitar a compaixo ou menosprezar, nas outras formas de amplificao, se lhes retirares o sublime, como arrancares a alma do corpo, pois logo o seu vigor enfraquece e fica reduzido a nada se no fortalecido pelo sublime. 3. Para que fique mais claro, preciso explicar em poucas palavras como se distinguem os preceitos agora referidos daquilo que antes foi dito (quando eu falava da definio das ideias principais e da sua composio numa unidade) e, em geral, em que que a sublimidade difere da amplificao.

    12. 1.A definio dos autores dos tratados no me agrada. Segundo eles, a amplificao um recurso discursivo que d grandeza aos assuntos. Mas esta definio, na verdade, pode aplicar-se igualmente ao sublime, emoo e aos tropos, pois tambm estas coisas do ao discurso uma certa grandeza. Quanto a mim, parece-me que a diferena a seguinte: o su-blime define-se pela elevao, e a amplificao pela quantidade. Por isso, muitas vezes aquele est num s pensamento, enquanto esta sempre indissocivel da quantidade e de uma certa redun-dncia. 2. Definindo de forma concisa: a amplificao consiste em esgotar todos os aspectos e tpicos inerentes a um assunto, reforando o argumento pela insistncia, e distingue-se da prova pelo facto de esta demonstrar aquilo que objecto de inquirio [lacuna]86

    86 Longa lacuna de duas folhas. O texto retomado no