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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS CURSO DE DIREITO – NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
O EXCESSO DE PRAZO NA INSTRUÇÃO CRIMINAL
JEAN CARLOS DE ANDRADE CARNEIRO
São José, 15/10/2007
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS CURSO DE DIREITO – NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
O EXCESSO DE PRAZO NA INSTRUÇÃO CRIMINAL
Monografia apresentada como requisito para obtenção do grau em Direito na Universidade do Vale do Itajaí.
JEAN CARLOS DE ANDRADE CARNEIRO
Orientador: Professor Msc. Jádel da Silva Júnior
São José, 15/10/2007
AGRADECIMENTO
A Deus por ter me acolhido e amparado nos momentos difíceis, e por ter ajudado a suportar o fardo por vezes pesado da saudade.
A minha família pela confiança, o amor, a dedicação, e sobretudo, pelo sacrifício financeiro e emocional.
Ao meu amado primo Hendry Carlos (in memoriam), com quem aprendi que a imortalidade consiste numa espécie de vida que adquirimos na memória das pessoas que amamos.
Ao meu professor, orientador e amigo Dr. Jádel da Silva Júnior, cujo vasto conhecimento em processo penal foi essencial para conclusão deste trabalho.
DEDICATÓRIA
Ao meu Pai, Almir, pelo referencial de sabedoria, humildade e ética profissional, à minha Mãe, Val,
pela compreensão, carinho, e amor incondicional, à minha irmã Janaina, e aos meus amigos, testemunhas oculares de minhas vitórias e derrotas, e, em especial à Lívia, pelo amor,
companheirismo, e sobretudo, pela paciência nestes 10 (dez) meses de pesquisa e
desenvolvimento monográfico.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo
aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
São José, 15/10/2007
Jean Carlos de Andrade Carneiro Graduando
ROL DE ABREVIATURAS OU SIGLAS
BA – Bahia
C/C – Combinado com
CE – Ceará
CEDH – Convenção Européia de Direitos Humanos
Cf. – Conforme
CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil
Des. – Desembargador
DF – Distrito Federal
DJU – Diário de Justiça da União
ES – Espírito Santo
EUA – Estados Unidos da América
GO – Goiás
HC – Habeas Corpus
MA – Maranhão
MS – Mandado de Segurança
MT – Mato Grosso do Sul
PE - Pernambuco
Rel – Relator
RHC – Recurso em Habeas Corpus
RJ – Rio de Janeiro
RN – Rio Grande do Norte
RS – Rio Grande do Sul
SC – Santa Catarina
SE – Sergipe
SP – São Paulo
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ – Superior Tribunal de Justiça
TEDH – Tribunal Europeu de Direitos Humanos
TJ – Tribunal de Justiça
RESUMO
Para analisar-se o excesso de prazo na instrução criminal, mister se faz a
definição de um prazo máximo de conclusão para a formação da culpa, para que
uma vez extrapolado possa ser configurado o constrangimento ilegal passível de
correção pela via do habeas corpus. No entanto, o tema acerca do prazo de
duração do processo é bastante controvertido tanto na doutrina, quanto na
jurisprudência. Isso se deve em grande parte ao legislador pátrio, que não
estipulou no Código de Processo Penal, um prazo razoável para a formação da
culpa e por conseguinte ao excesso. Na tentativa de suprir esta lacuna processual
surgiram no ordenamento jurídico pátrio três teorias relacionadas à duração do
processo: a primeira teoria se refere à construção jurisprudencial do prazo de 81
(oitenta e um) dias para o encerramento da instrução criminal; a segunda teoria
defende a adoção de critérios da razoabilidade para a duração do processo; e a
terceira teoria mais recente, defende a aplicação do prazo previsto na Lei
9.034/95, que trata sobre a Repressão ao Crime Organizado a todos os demais
crimes, valendo-se para isso do princípio da analogia e da aplicabilidade da
norma mais benéfica ao réu. Analisar-se-á estas três teorias para que se possa
definir o prazo máximo de duração da instrução criminal e conseqüentemente os
critérios para a configuração do excesso de prazo.
Palavras chave: EXCESSO DE PRAZO; RAZOABILIDADE; DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO....................................................................................................3 2. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E O PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE .......7
2.1 BREVE HISTÓRICO SOBRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS...................7
2.2 PRINCÍPIOS JURÍDICOS E SEU CRITÉRIO NORMATIVO........................12
2.2.1 O Critério Normativo Dos Princípios..................................................14
2.3 PRINCÍPIOS ORIENTADORES DO DIREITO PROCESSUAL PENAL .......15
2.3.1 Princípio do Devido Processo legal ...................................................17
2.3.2 Princípio da Legalidade ou da Reserva Legal. ..................................20
2.3.3 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.......................................22
2.3.4 Princípio da Razoabilidade..................................................................26
2.3.4.1 O princípio da razoabilidade e a constituição de 1988. ....................27
2.3.4.2. O princípio da razoabilidade e a Emenda Constitucional n°.45.......29
2.4. O DIREITO DE SER JULGADO EM UM PRAZO RAZOÁVEL ...................30
3. A PERSECUÇÃO PENAL BRASILEIRA E O PRAZO RAZOAVEL DE DURAÇÃO DO PROCESSO ................................................................................35
3.1 BREVE INTRODUÇÃO ................................................................................35
3.2 FORMA DA CONTAGEM DO PRAZO.........................................................38 3.2.1 Termo inicial e final da contagem.......................................................39
3.2.2 As Duas Formas de Contagem do Prazo: Isolada e Global..............42
3.3 FORMAS PROCEDIMENTAIS.....................................................................46
3.4 A PRISÃO CAUTELAR E O PRAZO RAZOÁVEL........................................48
3.5 A PROBLEMÁTICA DA DEFINIÇÃO DOS CRITÉRIOS PARA DURAÇÃO
DO PROCESSO ................................................................................................52
3.5.1 As Conseqüências do Extrapolamento Diante do Comportamento e
da Contribuição das Autoridades Públicas Para o Prolongamento Excessivo do Processo ................................................................................54
3.5.2 Conseqüências do Extrapolamento do Prazo Diante do Comportamento Processual do Imputado. .................................................57
4. AS TENTATIVAS DE DEFINIÇÃO DO PRAZO PARA O ENCERRAMENTO DO PROCESSO ...................................................................................................62
4.1 A TENTATIVA JURISPRUDENCIAL DE FIXAR EM 81 DIAS O PRAZO
PARA O ENCERRAMENTO DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. ...............................62
4.1.1 Críticas À Jurisprudência Que Estabeleceu o Prazo de 81 Dias .....64
4.2 O PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE COMO CRITÉRIO INTEGRADOR.....66
4.2.1 Circunstancias em Que Restam Patenteados os Excessos de Prazo
na Instrução Criminal, Perante os Nossos Tribunais. ...............................68
4.2.2 Circunstancias em Que Nossas Cortes de Justiça Consideram Justificados os Excessos De Prazo na Instrução Criminal.......................73
4.2.3 Críticas à aplicação do princípio da razoabilidade como critério norteador .......................................................................................................77
4.3 A FIXAÇÃO DO PRAZO NA LEI DO CRIME ORGANIZADO ......................78
4.3.1 Breve Introdução..................................................................................78
4.3.2 Características das Organizações Criminosas. ................................79
4.4 O PRAZO FIXADO NA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS COMO
REFERÊNCIA PARA O ENCERRAMENTO DA INSTRUÇÃO CRIMINAL AOS
DEMAIS CRIMES ..............................................................................................83
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................86 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................99 ANEXOS ............................................................................................................107
1. INTRODUÇÃO
O direito fundamental de ser julgado em um prazo razoável decorre do
princípio constitucional do devido processo legal. Sendo materializado pela
primeira vez com a edição da 6° Emenda à Constituição Americana em 1791, no
qual consagrou-se, entre outros, o direito a um julgamento público e rápido
(speedy and public trial), direito este decorrente do devido processo legal (due
process of law). 1
O direito ao prazo razoável voltou a lume em 4 de novembro de 1950, com
a assinatura da Convenção do Conselho da Europa para a salvaguarda dos
Direitos Humanos, conhecida popularmente como a Convenção Européia dos
Direitos Humanos - CEDH , que trazia em seu artigo 5º, § 3º, a previsão de que
toda pessoa presa ou detida teria direito a ser julgada num prazo razoável, ou
posta em liberdade durante o processo.
Posteriormente, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos,
aprovado em 16 de dezembro de 1966 pela Assembléia Geral das Nações
Unidas, igualmente assegurou o direito a um processo sem dilações indevidas e
ao julgamento dentro de um prazo razoável.2
Destas celebrações internacionais, destaca-se a Convenção Americana
sobre Direitos Humanos, conhecida como “Pacto de São José da Costa Rica”,
celebrada em 22 de novembro de 1969, e posteriormente ratificada pelo Brasil3, o
qual garantia em seu artigo 8° o direito ao acusado de ser ouvido, com as devidas
garantias e dentro de um prazo razoável°.4
1 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Lumn Júris, 2006. p 17 2 O Pacto Internacional de direitos Civis e Políticos, foi aprovado em 16 de dezembro de 1966, pela Assembléia Geral das Nações Unidas. Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Lumn Júris, 2006. p 22 3 O Pacto de São José da Costa Rica, foi Ratificado no Brasil, através do Decreto Legislativo n° 27, de 25 de setembro de 1992, e promulgada pelo decreto nº 678/92. Cf. 4 Cf. RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005, p 45.
4
No Brasil, com a entrada em vigor da Emenda Constitucional n°45 que
tratava da Reforma do Poder Judiciário, tivemos entre outras mudanças, a
inserção no art 5° do inciso LXXVIII, que previu expressamente o direito a todos
os cidadãos seja no âmbito administrativo ou na esfera judicial, de ter assegurado
o direito a razoável duração do processo e a todos os meios que garantam a
celeridade de sua tramitação.5
No entanto, a falta de previsão legal sobre o prazo máximo, tem maculado
o direito fundamental à duração razoável do processo.
A falta de previsão legal quanto à duração do processo esbarra ainda nas
dificuldades da instrução criminal. Estas dificuldades, como critérios
determinadores da duração do processo, podem ser analisadas por dois prismas
distintos: a complexidade objetiva e a complexidade estrutural.
A complexidade objetiva ocorre em relação a certos tipos de delitos como
os delitos falimentares e econômicos. A necessidade de realização de perícias e
diligências pode também justificar um tempo mais longo de duração do processo.6
A complexidade estrutural decorre das características do processo, como o
grande número de acusados ou co-réus, ou até mesmo a incidência no inter
processual, de uma fase instrutória autônoma.
Esta omissão legislativa tem propiciado a formação de teses antagônicas
relacionadas à duração do processo.7 A doutrina e a jurisprudência divergem
quanto ao prazo para a instrução criminal, podendo-se afirmar que existem
atualmente 3 (três) teorias que buscam a solução para a duração do prazo do
processo ou da instrução criminal.
5 Cf. BRASIL, Constituição (1988). Emenda constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, que altera dispositivos dos arts. 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, e acrescenta os arts. 103-A, 103B, 111-A e 130-A, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc45.htm, Acesso em 15/03/2007. 6 Neste sentido ver no capítulo 3 as situações em que nossas cortes autorizam a aplicação da teoria da razoabilidade como critério integrador. 7 Cf. SOUZA, Sérgio Ricardo de. O razoável prazo de duração da prisão cautelar e a jurisprudência dos 81dias . Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 759, 2 ago. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7092>. Acesso em: 22 abr. 2007
5
A primeira teoria se baseia na construção jurisprudencial dos 81 dias, para
o encerramento da instrução criminal
A segunda teoria carreada pela doutrina, defende a adoção de critérios da
razoabilidade para definir a duração do processo;
E, por fim, a terceira teoria surgida com o advento da Lei 9.034/95, que
trata sobre a Repressão ao Crime Organizado, advoga a aplicação dos prazos
previstos para a instrução criminal de forma analógica a todos os demais crimes
valendo-se ainda da aplicabilidade da norma mais benéfica ao réu.
Assim, a presente pesquisa tem como objetivo analisar estas três
teorias para que se possa definir o prazo máximo de duração da instrução criminal
e, assim sendo, estabelecer os critérios para a configuração do excesso de prazo.
Além de objetivar entender, até que ponto a doutrina e/ ou a jurisprudência têm
razão em suas teorias e refletir qual seria a mais apropriada para nortear o
processo penal nos dias atuais.
Para tanto, inicia-se no primeiro capítulo, tratando-se das questões
referentes aos direitos fundamentais e, em especial, o direito de ser julgado em
um prazo razoável.
No segundo capítulo estuda-se o fenômeno da persecução penal brasileira,
analisando-se suas características em relação ao prazo razoável da duração do
processo.
No terceiro capítulo destacam-se as 03 (três) teorias relacionadas às
tentativas de definição do prazo para o encerramento da instrução criminal.
A presente monografia se encerra com as Considerações finais, nas quais
são apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação à
continuidade dos estudos e das reflexões sobre a definição do prazo para o
encerramento do processo, e por conseguinte a caracterização do excesso de
prazo na instrução criminal.
6
Finalmente quanto à Metodologia empregada, foi utilizado o Método
Indutivo e as diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas, do
Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica8.
É conveniente ressaltar, enfim, que, seguindo as diretrizes metodológicas
do Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica- CPCJ/UNIVALI,
no presente trabalho as Categorias fundamentais são grafadas, sempre, com a
letra inicial maiúscula e seus Conceitos Operacionais apresentados ao longo do
texto.
8 Quanto às Técnicas mencionadas, vide PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica. cit.- especialmente p. 61 a 71,31 a 41, 45 a 58, e 99 125, nesta ordem.
7
2. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E O PRINCÍPIO DA
RAZOABILIDADE
2.1 BREVE HISTÓRICO SOBRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS.
O reconhecimento dos direitos naturais teve sua origem ligada sobretudo
as questões de ordem religiosa, atribuindo-se ao Cristianismo, a idéia inicial da
criação do homem à imagem e semelhança de Deus, vislumbrando com isso o
conceito de igualdade natural entre todos os homens.9
De fato, as concepções cristãs medievais ao fazerem a distinção entre leis
divinas, leis naturais e leis positivas, trilharam a necessidade de conciliarem o
direito positivo às normas jurídicas naturais.10 No entanto, como os homens
dependiam da própria consciência para ajustar o direito positivo ao direito divino,
afastavam-se as questões relativas às leis justas para além da consciência
individual, sempre passível de erros. 11
Do ponto de vista prático não tardou para que acontecessem as primeiras
conquistas em relação aos direitos fundamentais frente ao Poder Monárquico,
pois os Reis na Idade Média, objetivando o reconhecimento de seus poderes
pelos seus súditos, faziam acordos oferecendo algumas concessões. A mais
conhecida destas cartas, foi editada pela nobreza inglesa, pelo Rei João Sem
Terra, em 1215, quando se viu enfraquecido diante das derrotas militares que
havia sofrido.12
9 Cf. GSCHWENDTNER, Loacir. Direitos Fundamentais. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 51, out. 2001. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2075. Acesso em: 19 de jan. De 2007. 2 Cf. GSCHWENDTNER, Loacir. Direitos Fundamentais. 2001. Disponível em: http://jus2.uol.com .br/doutrina/ texto.asp?id=2075. Acesso em: 19 de jan. De 2007. 11 Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6. ed. Lisboa : Gráfica de Coimbra, 1998, p. 94 12 Cf. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, 21 ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 166.
8
A primeira declaração de direitos do Homem da época moderna, foi a
declaração do Estado da Virgínia, em 12 de junho de 1776,13 servindo de escopo
para as demais declarações no continente norte-americano.14 No entanto, a mais
influente foi a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão" 15, aprovada no
dia 26 de agosto de 1789, na França, que em seu preâmbulo destacava:
Os representantes do Povo Francês, constituídos em Assembléia Nacional, considerando que a ignorância, o esquecimento e o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção dos governos, resolveram expor numa Declaração solene os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem, a fim de que essa Declaração, constantemente presente a todos os membros do corpo social, lhes recorde incessantemente seus direitos e deveres; a fim de que os atos do poder legislativo e os do poder executivo, podendo ser comparados a todo instante com a finalidade de cada instituição política, sejam mais respeitados; a fim de que as reclamações dos cidadãos, baseadas daqui por diante em princípios simples e incontestáveis, redundem sempre na manutenção da constituição e na felicidade de todos.[...] 16
Assim, faz-se necessário ressaltar que apesar das conquistas substanciais
realizadas no século XVII, o grande marco para o surgimento definitivo das
liberdades públicas, foram o movimento iluminista da França do século XVIII e a
Independência Americana.
Certamente que as liberdades públicas têm hoje uma configuração muito
mais complexa do que no fim do século XVIII.
É evidente que este quadro inicial de liberdades públicas sofreu várias
transformações, no intuito de se adaptar aos novos desafios e ameaças trazidos
pelos séculos XIX e XX. Apesar de sofrerem uma profunda metamorfose,
perdendo inclusive seu caráter absoluto, os direitos clássicos não desapareceram,
13 A primeira declaração dos direitos dos Homens da época moderna é aquela do estado da Virginia (EUA), escrita por George Mason e adotada pela Convenção de Virgínia em 12 de junho de 1776, Cf. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, 25 ed., São Paulo: Saraiva, 1999, p. 281. 14 Cf. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, 1999, p. 281. 15 FRANÇA. Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos. Disponível em: http://www.direitoshumanos .usp.br/counter/Doc_Histo/texto/Direitos _homem_cidad.html. Acesso em: 10/10/2007 16 A íntegra da Declaração dos direitos do Homem e do cidadão encontra-se no anexo deste trabalho.
9
persistindo através dos tempos, ganhando características mais relativas diante da
necessidade de se compatibilizarem com outros princípios constitucionais.17
Por outro lado, caminhando no sentido oposto ao do individualismo
exacerbado, surgiram as primeiras constituições republicanas que contemplaram
direitos coletivos, referentes a grupos sociais, o que de fato não ocorria nas
primeiras declarações, reconhecendo o direito de associação, garantindo com
isso a própria liberdade individual.18
As primeiras manifestações neste sentido foram a Constituição Mexicana
de 1917, a Constituição Alemã de 1919 e a Espanhola de 1931.19
Os direitos individuais, pela sua própria natureza, ultrapassaram as
fronteiras dos Estados, tornando-se uma questão de interesse internacional, e o
modus operandi escolhido, tem sido a declaração destes direitos no âmbito
transnacional.20
A Declaração Universal dos Direitos do Homem21 de 1948 preocupou-se
em conceituar e dividir em quatro ordens os direitos individuais, destacando no
início os direitos pessoais do indivíduo: como o direito à liberdade, à vida, e à
segurança. Bem como um segundo grupo onde estão expostos os direitos do
indivíduo em face das coletividades: como direito à livre circulação, à
nacionalidade, de residência, tanto no interior como no exterior, e o direito à
propriedade. Num terceiro grupo são tratados as liberdades públicas e os direitos
públicos: como a liberdade de pensamento, de consciência e religião, de opinião e
de expressão, de reunião e de associação, e no último grupo encontram-se os
17 Cf. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 2000, p. 171:172. 18 Cf. GSCHWENDTNER, Loacir. Direitos Fundamentais. 2001. Disponível em: http://jus2.uol.com .br/doutrina/ texto.asp?id=2075. Acesso em: 19 de jan. De 2007. 19 Cf. GSCHWENDTNER, Loacir. Direitos Fundamentais. 2001. Disponível em: http://jus2.uol.com .br/doutrina/ texto.asp?id=2075. Acesso em: 19 de jan. De 2007. 20 Cf. GSCHWENDTNER, Loacir. Direitos Fundamentais. 2001. Disponível em: http://jus2.uol.com .br/doutrina/ texto.asp?id=2075. Acesso em: 19 de jan. De 2007. 21 A Declaração Universal dos Direitos Humanos, foi adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. Cf. informações do site das Nações Unidas no Brasil Disponível em : http://www.onubrasil.org.br/documentos_direitos humanos.php. Acesso em: 12/10/2007
10
direitos econômicos e sociais: como o direito à educação, ao trabalho, à
sindicalização, e ao repouso.22
Em suma, a Declaração Universal representa a própria consciência
histórica que a humanidade teve dos valores fundamentais vividos na segunda
metade do século XX, consistindo em uma síntese do passado e uma verdadeira
inspiração para o futuro. No entanto é necessário assegurar sua aplicação, pois
sem ter o homem seus direitos protegidos e reconhecidos, não há democracia, e
sem democracia não existem as mínimas condições para a solução dos conflitos,
de forma pacífica.23
Torna-se necessário traçar algumas diferenças, entre as expressões:
“direitos do homem” e “direitos fundamentais”. Tomando-se por base a origem,
podemos afirmar que os direitos do homem, são direitos aplicados a todos os
povos e em todos os tempos. Os direitos fundamentais, por sua vez, são os
direitos do homem, organizados juridicamente, garantidos e limitados no espaço,
e aplicados num determinado período. Os direitos do homem têm seu nascedouro
na própria natureza humana, resultando em seu caráter inviolável, atemporal e
universal; os direitos fundamentais seriam por sua vez, os direitos vigentes numa
ordem jurídica concreta.24
Necessário também analisar os direitos fundamentais formalmente
constitucionais e os direitos fundamentais sem assento constitucional.
Os direitos consagrados e reconhecidos pela Constituição são
denominados como direitos fundamentais formalmente constitucionais, em virtude
de estarem previstos e tutelados por normas constitucionais. Mas a própria
Constituição admite outros direitos fundamentais constantes em leis e nas regras
aplicáveis ao direito internacional, em decorrência de não estarem enunciadas na
Constituição, estes direitos são denominados de materialmente constitucionais.
No entanto, tanto os direitos formalmente como os materialmente constitucionais,
22 Cf. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 2000, p. 175. 23 Cf. BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, 10 ed., Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 34. 24 Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 1998, p. 369.
11
exercem as funções de defesa ou de liberdade, função de prestação social,
função de proteção perante terceiros e função de não discriminação, todas essas
são funções primordiais dos direitos fundamentais. 25
No Brasil, foi incorporada às Constituições Federais esta nova acepção dos
direitos individuais, enunciando em seu texto legal os princípios fundamentais que
regem a República Federativa do Brasil.
A primeira Constituição a contemplar no bojo de seu texto esta inspiração,
foi a constituição de 1934 que restou seguida pelas demais26. As constituições
anteriores a 1934, ainda consagravam o apego à concepção individualista dos
direitos fundamentais.27
Por sua vez, a Constituição brasileira vigente, de 1988, foi a que melhor
sintetizou esta visão atual sobre os direitos fundamentais, consagrando em seu
texto não só os "direitos e deveres individuais e coletivos", como também inaugura
um novo capítulo para contemplar os Direitos Sociais.28
25 Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 1998, p. 379. 26 As Constituições posteriores à de 1934 foram: a Constituição de 1946: Promulgada no governo de Eurico Gaspar Dutra, após o período do Estado Novo, restabeleceu os direitos individuais e extinguiu a censura e a pena de morte. Instituiu eleições diretas para presidente da República, com mandato de cinco anos. Restabeleceu o direito de greve e o direito à estabilidade de emprego após 10 anos de serviço. Retomou a independência dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e a autonomia dos estados e municípios. Retomou o direito de voto obrigatório e universal, sendo excluídos os menores de 18 anos, os analfabetos, os soldados e os religiosos. E Constituição de 1988: Retomada do pleno estado de direito democrático após o período militar. Ampliação e fortalecimento das garantias dos direitos individuais e das liberdades públicas. Retomada do regime representativo, presidencialista e federativo. Destaque para a defesa do meio ambiente e do patrimônio cultural da nação. Garantia do direito de voto aos analfabetos e aos maiores de 16 anos (opcional) em eleições livres e diretas, para todos os níveis, com voto universal, secreto e obrigatório. Cf. MONTELLATO, Andréa et allis. História Temática: O Mundo dos Cidadãos. Ed. Scipione, SP, 2000. Disponível em :http://br.geocities.com /historiamais /constituicoes.htm. Acesso em: 12/10/2007 27 As Constituições anteriores à 1934 foram às Constituições de 1824 promulgada por Dom Pedro Outorgada por D. Pedro I após a dissolução da Assembléia Constituinte de 1823, e a Constituição de 1891 Promulgada pelo Congresso Constitucional que elegeu indiretamente para a Presidência da República o marechal Deodoro da Fonseca. Cf. MONTELLATO, Andréa et allis. História Temática: O Mundo dos Cidadãos. 2000. Disponível em :http://br.geocities.com /historiamais /constituicoes.htm. Acesso em: 12/10/2007 28 Cf. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 1999, p. 285.
12
Portanto, os direitos fundamentais correspondem ao que o
constitucionalismo denomina de princípios constitucionais fundamentais, que são
os princípios que guardam os valores fundamentais da ordem jurídica.
Atualmente, apesar do reconhecimento e da proteção dos direitos
fundamentais do homem encontrar-se na base das principais Constituições
modernas democráticas, os direitos do homem não foram totalmente
reconhecidos.
Portanto, trata-se de uma questão de suma importância ressaltar o status
Constitucional dos Direitos Fundamentais, alicerçados no mais alto degrau das
fontes dos direitos: A Constituição Federal.
2.2 PRINCÍPIOS JURÍDICOS E SEU CRITÉRIO NORMATIVO
Antes de se desenvolver um raciocínio, acerca da função dos princípios em
nosso ordenamento jurídico, faz-se necessário compreender suas diferentes
concepções, que segundo o dicionarista Aurélio Buarque de Holanda Ferreira
define este vocábulo como sendo: Princípio. (Do lat. Principiu.) s.m. 1. Momento ou local ou trecho em que algo tem origem [...] 2. Cauda primária. 3.Elemento predominante na Constituição de um corpo orgânico. 4. Preceito , regra, lei. 5. P. ext. Base; germe [...] 6. Filos. Fonte ou causa de uma ação. 7. Filos. Proposição que se põe no início de uma dedução, e que não é deduzida de nenhuma outra dentro do sistema considerado, sendo admitida, provisoriamente, como inquestionável.29
Destas acepções, a palavra princípio pode ser entendida vulgarmente
como o início, a origem das coisas, ou ainda como verdades iniciais.
Toda sociedade é gerida por determinados valores, sejam eles morais,
materiais e/ou filosóficos, e é justamente a comunhão destes valores que indica
os anseios que se pretendem alcançar. Neste contexto, o Direito, busca efetivar
estes valores com o objetivo de atingir seu ideal de justiça, em decorrência direta,
29 Cf. HOLANDA Aurélio Buarque de. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p. 1393.
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surge o ordenamento jurídico como o conjunto de normas que proclamam os
valores de uma sociedade.30
Os princípios correspondem a este conjunto de preceitos ou regras de
valores genéricos, que servem como base de validade para as demais normas
jurídicas, orientando aplicação prática.31
Nesse sentido a lição de Celso Antonio Bandeira de Melo:
Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.32
Sobre os princípios assevera Jorge Miranda:
Exercem uma ação imediata, enquanto diretamente aplicáveis ou diretamente capazes de conformarem as relações político-constitucionais. E exercem também uma ação mediata tanto num plano integrativo e construtivo como num plano essencialmente prospectivo. [...] A ação mediata dos princípios consiste, em primeiro lugar, em funcionarem como critérios de interpretação e de integração, pois são eles que dão a coerência geral do sistema. E, assim, o sentido exato dos preceitos constitucionais tem de ser encontrado na conjugação com os princípios e a integração há de ser feita de tal sorte que se tornem explícitas ou explicitáveis as normas que o legislador constituinte não quis ou não pôde exprimir cabalmente.33
A cerca da função dos princípios em nosso ordenamento jurídico tem-se:
[...] torna-se evidente o seu papel fundamental na ordem jurídica, já que expressam os valores e o sentido pelo qual um ordenamento existe. A lógica jurídica parte dos princípios em direção às regras. Os princípios constituem a substância do direito, o que lhes confere plena normatividade, uma vez que orientam a interpretação das regras
30 CF. DWORKIN, Ronald. Los Derechos en Sereo. Traduzido por Marta Guastavino. Barcelona: Ariel, 1989, p. 72. 31 Cf. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 19.ed. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 300 e 312. 32 Cf. MELLO, Celso Antônio Bandeira. Elementos de direito administrativo. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1981, p. 230. 33 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Limitada, 1988. t. II, p. 199-200.
14
jurídicas, permitem ou proíbem condutas. Todo o aparato jurídico-político encontra-se vinculado aos valores postos nos princípios.34
Os princípios constituem as fontes basilares para qualquer ramo do Direito,
influenciando tanto a sua formação quanto a sua aplicação.
2.2.1 O CRITÉRIO NORMATIVO DOS PRINCÍPIOS
Atualmente, é assente em nossa doutrina e jurisprudência o caráter
normativo dos princípios, atribuindo aos mesmos, positividade e vinculatividade,
fazendo com que sirvam de base para a interpretação e aplicação de outras
normas jurídicas.35
Diante desta normatividade, os princípios delineiam qual a conduta a ser
seguida, e o fim a ser atingido.
Nesta esteira os ensinamentos de Luís Roberto Barroso:
A dogmática moderna avaliza o entendimento de que as normas jurídicas, em geral, e as normas constitucionais, em particular, podem ser enquadradas em duas categorias diversas: as normas princípios e as normas-disposição. As normas-disposição, também referidas como regras, têm eficácia restrita às situações específicas as quais se dirigem. Já as normas-princípio, ou simplesmente princípios, têm, normalmente, maior teor de abstração e uma finalidade mais destacada dentro do sistema.36
Faz-se necessário afastar de vez, a noção inserida pela “Lei de Introdução
ao Código Civil” 37 de que os princípios gerais de direito correspondem a meros
auxiliares do direito, e, portanto, deveriam ser utilizados pelos magistrados apenas
quando a lei , a analogia e os costumes falharem.38
34 SAVADINTZKY, Larissa. O Critério Valorativo dos Princípios Penais Como Fonte de Legislação. P. Disponível em http://www.tex.pro.br/wwwroot /01de2006/ocriterio _larissasavadintsky.pdf. Acesso em 19 de janeiro de 2007. 35 Cf. ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. São Paulo: RT, 1999, p. 55. 36 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 141. 37 O Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, que trata sobre a “Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro”, em seu artigo 4° prescreve, “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.,” (grifo nosso) 38 Cf. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1980. v. 1, p.78
15
Os princípios possuem ampla recepção no ordenamento jurídico, seja pelo
significado político de seu aparecimento, sejam pelas funções sociais que
exerçam, ou pela reconhecida importância de sua situação jurídica, sendo de
grande valia para o Estado Democrático de Direito, constituindo-se em um
patamar indeclinável, com ilimitado valor para compreensão de todas as normas
positivas.39
2.3 PRINCÍPIOS ORIENTADORES DO DIREITO PROCESSUAL PENAL
O Estado Democrático de Direito, expresso na Constituição Federal, sugere
que a política criminal tenha como fundamentos a legalidade, a liberdade e a
dignidade humana, devendo caminhar no sentido de conceder o máximo de
liberdades para os indivíduos, estabelecendo garantias para que o Estado exercite
seu controle punitivo, baseado em argumentos que o justifiquem.40
Para assegurar a correta e justa aplicação da lei penal, nossa Carta Magna
contemplou em seu texto, uma série de princípios especificamente penais. Alguns
estão expressos em seus artigos, e outros tácitos, decorrendo do contexto das
normas constitucionais.41
A maioria dos princípios penais está alocada no artigo 5º da Constituição
Federal, que trata Dos Direitos e Garantias Fundamentais. Entre estes princípios
destacam-se o princípio da legalidade, do devido processo legal, da garantia do
contraditório, da ampla defesa, da presunção de inocência, além dos princípios da
culpabilidade, da intervenção mínima, da humanidade, da ofensividade, da
lesividade e da insignificância.
O princípio da legalidade é uma garantia de ordem penal e criminal,
garantindo que ao indivíduo só será atribuído crime ou aplicada pena, se ao
39 Cf. BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. 8. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002, p. 65 40Cf. GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. O princípio da proporcionalidade no Direito Penal. São Paulo: RT,2003, p. 73. 41Cf. LUISI, Luis. Os princípios Constitucionais Penais. 2. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003.
16
tempo do fato existir uma lei que os defina, insere assim o conceito de
anterioridade, proporcionando ao cidadão, segurança jurídica.42
O princípio do devido processo legal, ao prescrever que sem ele ninguém
será privado da liberdade ou de seus bens, limita claramente o poder do legislador
em virtude de não poder impor a sanção, atribuição esta concernente ao Poder
Judiciário.
Na mesma esteira do devido processo legal, outros, como o princípio de
que a lei não excluirá nenhuma lesão ou ameaça a direito, da apreciação do
Poder Judiciário, e a garantia de que os litigantes, tanto em processo
administrativo como judicial, terão direito ao contraditório, a ampla defesa e os
recursos a ela inerentes.
Do princípio da presunção de inocência, extrai-se o conceito de que
ninguém será considerado culpado até sentença condenatória transitada em
julgado, ou seja, até se esgotarem as vias recursais, em virtude da inocência
presumida, ninguém será preso a não ser em flagrante delito, ou por ordem
escrita e fundamentada de autoridade competente, salvo nos casos de
transgressões militares ou crimes propriamente militares definidos em lei.
O princípio da culpabilidade trata da ligação entre a conduta do autor e o
resultado produzido, servindo como parâmetro para a dossimetria penal, de sorte
que sem culpabilidade não há que se falar em pena.
A intervenção mínima propõe um sistema penal normativo que atue apenas
quando se mostre indispensável para a tutela de determinados bens jurídicos,
antevendo a predileção da aplicação de soluções extrapenais para o controle
social, consistindo numa intervenção mínima do Estado na vida do cidadão,
garantindo-lhe a máxima liberdade.
O princípio da proporcionalidade, consiste num sistema de valoração, pois
muitas vezes para se garantir um direito, faz-se necessário restringir outro,
portanto para se justificar tal medida o direito tutelado deve ser materialmente
42Cf. MIRABETE, Fabbrini Mirabete. Manual de Direito Penal, vol.1, 13.ed. São Paulo: Atlas, 1998, p. 53/54
17
superior ao direito restringido.43 Correspondendo a clara adequação entre a
finalidade da norma e os meios empregados para atingí-los.44
Em relação ao princípio da humanidade, trata-se de um dos mais
importantes princípios tutelados constitucionalmente, englobando todas as
relações em direito penal. Este princípio almeja impedir o Estado de aplicar penas
que violem a dignidade da pessoa humana, em quaisquer de suas modalidades,
além de estar umbilicalmente ligado a todos os demais direitos previstos e
resguardados pela Carta Magna, atribuindo confiança ao cidadão e ao sistema
jurídico-penal.
Estes princípios penais, funcionam como um verdadeiro limitador do ius
puniendi do Estado, servindo como garantia ao cidadão, de que não se verá
privado de sua liberdade, sem o devido processo legal.45
Os princípios ilustrados, sem prejuízo de outros importantes, exercem um
relevante papel na garantia do ordenamento jurídico.
Tratar-se-á com mais vagar sobre os princípios do devido processo legal,
da legalidade e, da dignidade da pessoa humana, por considerá-los
fundamentais para melhor compreensão do trabalho.
2.3.1 PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL
O princípio do devido processo legal teve origem no Direito Inglês com a
assinatura da Magna Carta, em 1215, durante o reinado do Rei João Sem-Terra.
Neste documento o Rei comprometeu-se a respeitar os direitos, imunidades e
franquias que ali foram concedidos, entre estas garantias estava a cláusula due
process of law. O devido processo legal, evidenciado de forma inequívoca,
garantia em seu § 39, conhecido como a cláusula do law of the land, que
nenhuma pessoa, por mais importante que fosse, estaria acima da lei.46
43 STUMM, Raquel Denise. Princípio da Proporcionalidade no direito Constitucional Brasileiro. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1995, p. 81 44 MORAES, Guilherme Braga Peña de. Dos Direitos Fundamentais: contribuição para uma teoria. São Paulo, LTR,1997 45 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, vol.1, p. 9 46Cf. SILVEIRA, Paulo Fernando. O Devido Processo Legal – Due process of law: Del Rey, 1996, p. 22-27
18
Acompanhando esta evolução, o Direito Americano em 1791, com os
virginianos Thomaz Jefferson, Madison e Mason, propuseram ao Congresso
emendas à Constituição, objetivando criar controles legais ao governo nacional, o
que ficou conhecido como Bill of Rights. 47
Após a Guerra Civil, já em 1866, o Congresso pó meio da emenda n. XIV,
aprovou os direitos consagrados no Bill of Rights, entre os quais se destacam: a)
que todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos são
cidadãos americanos, e proibindo qualquer Estado a criar ou executar lei que
restrinja os privilégios ou imunidades destas pessoas; b) a proibição expressa a
todos os Estados, de privar qualquer pessoa de sua vida, sua liberdade ou sua
propriedade, sem o devido processo legal; e, c) garantindo que qualquer pessoa
sujeita a sua jurisdição terá igual proteção das leis.48
No Brasil, somente com a promulgação da Constituição Federal de 1988,
encontramos expressamente o princípio do devido processo legal, como garantia
às liberdades civis, ao dispor em seu art 5° inciso LVI, a idéia de que ninguém
será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal,
sendo complementado pelo inciso LV, do qual se garante aos acusados em geral
o direito ao contraditório e ampla defesa, com os recursos a ela inerentes.
O princípio do devido processo legal, em sentido formal, abarca a ampla
defesa, com seus persecutórios, quais sejam: a citação válida, a ampla produção
de provas, e publicidade de todos atos, inclusive, da sentença, o contraditório e as
demais garantias enunciadas na Carta Magna. Já no sentido material, cuida-se
em observar o princípio da razoabilidade, a proteção à vida, à liberdade e a
propriedade.49
47 Cf. SILVEIRA, Paulo Fernando. Op. Cit., p.15 48 Cf. SILVEIRA, Paulo Fernando. Op. Cit. P. 16 49Cf. CARVALHO, Kildare Gonçalves, Direito Constitucional, Teoria do Estado e da Constituição / Direito Constitucional Positivo, 11ª ed. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2005, p. 461.
19
Não há em nosso ordenamento jurídico uma definição clara e objetiva
sobre o conteúdo do princípio do devido processo legal50, portanto, buscar-se-á na
doutrina fundamentos que definam o conteúdo e a abrangência deste instituto.
O professor Humberto Theodoro Júnior, define o due process of law como
uma garantia de que o processo será ordenado segundo a lei, representando uma
garantia constitucional de direito ao processo, sem que haja discriminação das
partes, contemplando a garantia de defesa, com o contraditório, o duplo grau de
jurisdição, a publicidade dos atos entre outros.51
Neste mesmo norte, é o posicionamento de José Cretella Neto ao afirmar
que o devido processo legal consiste na necessidade de aplicação judicial da lei
por meio do processo, sendo este o único instrumento legítimo para fazê-lo. No
entanto, este conceito não deve ser restringido à simples garantia das formas
processuais, mas à própria substância do processo, objetivando afastar quaisquer
procedimentos que possam violar os direitos fundamentais, garantindo assim total
aplicabilidade da lei.52
José de Albuquerque Rocha assevera que, para se efetivar o devido
processo legal é necessário não só garantir às partes o direito de acesso ao
judiciário, mas também a adoção de um processo que respeite na íntegra os
direito fundamentais do cidadão.53
Ada Pellegrini Grinover et allis ao abordarem o devido processo legal
afirmam:
Entende-se, com essa fórmula, o conjunto de garantias constitucionais que, de um lado, asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais e, do outro, são indispensáveis ao correto exercício da função jurisdicional. Garantias que não servem apenas aos interesses
50 Cf. BARCELLOS, Ana Luiza Berg. Algumas considerações sobre os princípios do devido processo legal e do contraditório e as provas no direito processual pátrio. Rev. Esc. Direito, Pelotas, 6(1): 5-38, Jan.-Dez.2005 P. 16. Disponível em: <http://antares.ucpel.tche.br/direito/revista/vol6/01AnaLuiza.pdf>. Acesso em: 19 janeiro de 2007. 51 Cf. THEODORO JUNIOR, Humberto. Princípios gerais do direito processual civil, Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), Porto Alegre, v.34, ano XII,jul, 1985. p 179 52 Cf. CRETELA NETO, José. Fundamentos Princípiológicos do Processo Civil. Rio de janeiro: Forense, 2002. p. 44/50 53 Cf. ROCHA, José Albuquerque da. Teoria Geral do Processo. 6 ed., São Paulo: Malheiros, 2002. p. 53
20
das partes, como direitos públicos subjetivos (ou poderes e faculdades processuais) destas, mas que configuram, antes de mais nada, a salvaguarda do próprio processo, objetivamente considerado como fator legitimante do exercício da jurisdição.54
O constitucionalista Alexandre de Moraes ao debater sobre o devido
processo legal, afirma que o mesmo se apresenta como dupla proteção ao
indivíduo, operando no âmbito material como proteção aos direitos fundamentais,
e no âmbito formal estabelecendo ao indivíduo igualdade de condições frente ao
Estado persecutor, garantindo a plenitude de sua defesa efetivada através do
direito à citação, à defesa técnica, à produção ampla de provas, de ser
processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à revisão criminal, entre
outras garantias.55
Em relação ao Direito Processual Penal, Nelson Nery Junior atribui ao
princípio do devido processo legal status de superprincípio, pois, a partir dele
decorrem naturalmente todas as demais garantias processuais aos litigantes,
correspondendo ao gênero do qual todos os demais princípios são espécies:
Não restam dúvidas que o devido processo legal, aliado a garantia do acesso ao Poder Judiciário, prevista no art. 5º, XXXV, Constituição Federal, têm um importante papel na concretização da almejada Justiça, pois de nada adiantaria garantir o acesso ao judiciário, sem ter em contrapartida, regras que garantam a legalidade de seu andamento, com vistas ao respeito das garantias fundamentais. 56
O devido processo legal está intrinsecamente ligado ao princípio da
legalidade, que será analisado a seguir. 2.3.2 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE OU DA RESERVA LEGAL
Com o surgimento do Iluminismo no século XVIII, e a difusão do ideal de
igualdade, nasce o conceito de Legalidade ou da reserva legal, objetivando evitar
que o Estado exercesse seu jus puniendi, de forma arbitrária e ilimitada, tal qual
ocorria no regime absolutista.
54 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Teoria Geral do Processo, 8ª ed, São Paulo, RT, 1991, p. 78. 55 Cf. MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 6 ed., São Paulo: Atlas, 1999. p.112 56 Cf NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. Coleção de Estudo de Direito Processual Enrico Tullio Liebman, v. 21, 6 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p 41
21
O princípio da Legalidade consiste em uma garantia ao indivíduo, de que a
ele, só será imputada a prática de um crime, se preexistir uma lei que defina sua
conduta como delitiva, assegurando que não lhe será imposta pena sem lei que
previamente a estabeleça.
Em decorrência da importância em nosso ordenamento jurídico, esta definição
encontra-se fundamentada no art 1° do Código Penal Brasileiro. O princípio da
legalidade revela-se norma básica de Direito Penal Moderno, inscrito no rol das
garantias constitucionais.
A Constituição Federal, de 1988, consagrou o princípio da legalidade, nullum
crimen nulla poena sine lege, como cláusula pétrea em seu art 5 inciso II, c/c art.
60 § 4º, inciso IV, quando assegurou que ninguém será obrigado a fazer ou se
abster de fazer alguma coisa, senão por força de lei. O Princípio da Legalidade
também está explicito no art. 37º, caput, da CF, que vincula à administração
pública a agir segundo o princípio da legalidade.
Sobre o significado do princípio da legalidade, leciona o Prof. Damásio
Evangelista de Jesus:
O Princípio da Legalidade (ou de reserva legal) tem significado político, no sentido de ser uma garantia constitucional dos direitos do homem. Constitui a garantia fundamental da liberdade civil, que não consiste em fazer tudo o que se quer, mas somente aquilo que a lei permite. À lei e somente a ela compete fixar as limitações que destacam a atividade criminosa da atividade legítima. Esta é a condição de segurança e liberdade individual. Não haveria, com efeito, segurança ou liberdade se a lei atingisse, para os punir, condutas lícitas quando praticadas, e se os juízes pudessem punir os fatos ainda não incriminados pelo legislador.57
O Princípio da Legalidade ou da Reserva Legal, limita o poder de punir do
Estado, combatendo todas as formas de poder autoritário, afirmando que
ninguém, nem mesmo os detentores do poder, estão acima da Lei.
Diante desta primazia da lei, em detrimento aos caprichos dos governantes,
e, considerando-se que a lei é a expressão do anseio coletivo, o um princípio da
legalidade aparece como um poderoso instrumento de cidadania.
57 JESUS, Damásio Evangelista. Direito Penal – Parte Geral. 15ª ed. Saraiva:, São Paulo 1991, p. 51.
22
2.3.3 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Através da filosofia kantiana, vislumbrou-se a idéia de que o homem
enquanto ser racional, não poderia consistir em um objeto, em um meio para as
coisas, mas, um fim em si mesmo, este conceito diferencia o homem dos outros
seres desprovidos de razão.58
É justamente em função da pessoa ter condições de viver com autonomia e
de orientar-se pelas suas próprias regras, que toda pessoa possui dignidade, e
não um preço como os objetos.59
A dignidade da pessoa humana representa um valor moral e espiritual
inseparável da pessoa, e que traz em si o anseio ao respeito mútuo,
representando o mínimo inabalável que todo ordenamento jurídico deve garantir,
não podendo jamais menosprezar o apreço que todas as pessoas merecem
enquanto seres humanos.60
A dignidade da pessoa humana, está consagrada no atual sistema
constitucional brasileiro,61 no art 1° constituindo-se em um dos mais importantes
princípios fundamentais, compondo um dos alicerces da República Federativa do
Brasil.62
Vale dizer que, em decorrência desta positivação, o princípio da dignidade
da pessoa humana deixa de ser um valor moral e espiritual, para transformar-se
58 Cf KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. (Trad) Lourival de Queiroz Henkel. São Paulo: Martin Claret, 2005. 59 Cf. CARVALHO, Kildare Gonçalves, “Direito Constitucional, Teoria do Estado e da Constituição / Direito Constitucional Positivo”, 11ª ed. Belo Horizonte: Editora DelRey, 2005, p. 384. 60 Cf MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 2ª ed São Paulo: Ed. Atlas. 2003. p.129. 61 As Constituições anteriores, (de 1967 e de 1969) não contemplavam este princípio. 62 Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição de 1988.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001 p. 69. No mesmo sentido BENDA, Ernest. Dignidad Humana y Derechos de la Personalidad. In Konrad Hesse, Manual de Derecho Constitucional, Madrid: Marcial Pons. 1996, p. 118, e COSTA, José Manoel M. Cardoso. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana na Constituição e na Jurisprudência Constitucional Portuguesas. In Estudos em Homenagem a Manoel Gonçalves Ferreira Filho. São Paulo: Dialética, 2001, p. 191.
23
em norma de direito positivo, gerando efeitos como quaisquer outras normas do
ordenamento jurídico-constitucional.
Assim, podemos afirmar que o princípio da dignidade da pessoa humana
tem uma relevância ímpar, pois ecoa sobre todo o ordenamento jurídico, atraindo,
norteando e sobrepondo seu conteúdo a todos os demais direitos fundamentais.63
Neste sentido seguem-se os ensinamentos do Prof. Uadi Lammmêgo
Bulos: A dignidade da pessoa humana é o valor supremo que agrega em torno de si a unidade dos demais direitos e garantias fundamentais do homem, expressos nesta Constituição. Daí envolver o direito à vida, os direitos pessoais tradicionais, mas também os direitos sociais, os direitos econômicos, os direitos educacionais, bem como as liberdades públicas em geral.64
Entre estes reflexos, podemos citar: o respeito ao direito à vida, pois o
direito à vida condiciona todos os demais direitos relativos a personalidade,
estando intimamente ligado ao direito de um meio ambiente ecologicamente
equilibrado, permitindo uma vida saudável, disposição prevista no art 225, caput,
da Constituição de 1988; impõem limites ao desenvolvimento da ciência, que
apesar de ser consagrada no art 5°,IX da Carta Magna a liberdade científica
independentemente de censura, os cientistas encontram no princípio da dignidade
humana, talvez a oposição mais ferrenha à clonagem de seres humanos; uma
ordem econômica que assegure a todos uma existência digna, (art 170, CF); uma
ordem social que possibilite a concretização da justiça social (art.193); a função
social da propriedade (art 5°, XXIII), seja urbana (art 182, §2°) ou fundiária (art
183); a função social do contrato; impenhorabilidade do bem de família (Lei
n.8009/90), decorrente do direito fundamental à moradia (art 6 da CF),
ressalvados os casos excepcionais em que se autorizam a penhora do bem de
família; o direito à educação e preparo da pessoa para o exercício da cidadania
(art 205 da CF), entre vários outros.65
63 Cf. BESTER, Gisela Maria, Direito Constitucional, Fundamentos Teóricos.Vol 1., São Paulo: 2005, p. 289. 64 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição federal anotada. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 81. 65 Sobre os reflexos do princípio da dignidade da pessoa humana, nos demais princípios fundamentais ver BESTER, Gisela Maria, Direito Constitucional, Fundamentos Teóricos. p. 289-293.
24
A Constituição reflete-se no sistema penal, vinculando todo o seu
funcionamento, e nele se concretiza. Pois nada adianta, proclamar direitos se não
for possível materializá-los.
Concretizar estas normas e valores aludidos na Constituição, significa
alcançar a finalidade jurídica a que ela se destina, atendendo os anseios da
sociedade, e atingindo o objetivo nuclear do sistema jurídico.66
Para que um Estado seja genuinamente um Estado Social e Democrático
de Direito, é necessário que a Constituição seja respeitada, e que o princípio da
dignidade da pessoa humana seja reverenciado em sua plenitude.
Nesta atmosfera de valores penais fundamentais, que influenciam a
dogmática e a política criminal estão os princípios que orientam o Estado
constitucional, organizados no Título I, artigos 1° ao 4° , ainda os princípios
implícita e expressamente penais, alocados em vários incisos do art 5°, e todas
as demais normas constitucionais.
Deste modo, a dignidade da pessoa humana deve consistir na espinha
dorsal do sistema penal, no qual a promoção e proteção da dignidade humana
encontra sua origem e fundamento.67
O princípio da dignidade humana, tem por objetivo basal, garantir que o
Estado ao utilizar seu jus puniendi com a finalidade de restaurar a paz social, não
se afaste dos limites impostos pela condição humana do acusado da prática do
delito.
Nesta esteira a doutrina de Ingo Wolfgang Sarlet:
Todos – mesmos os maiores criminosos – são iguais em dignidade, no sentido de serem reconhecidos como pessoas – ainda que não se portem de forma digna nas relações com seus semelhantes[...]68
66 BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de Suas Normas. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 85 67 CARVALHO, Márcia Dometila Lima. Fundamentação Constitucional do Direito Penal. Porto Alegre: Fabris, 1992, p.24-28. 68 SARLET, Ingo Wolfgang, Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Costituição Federal de 1988. 2001. p. 42
25
O autor continuando seu raciocínio:
Atributo intrínseco da pessoa humana, expressando seu valor absoluto, sua dignidade não pode ser desconsiderada, mesmo cometendo as ações mais indignas e infames. 69
A Constituição Federal, no art. 5°, que trata dos direitos individuais, traz
uma série de pressupostos e garantias que o Estado deve observar na aplicação
da sua função punitiva, dos quais uma vez desrespeitados, restaria patente a
ameaça à dignidade da pessoa humana. Assim podemos destacar dentre estas
garantias: a) a proibição de submeter qualquer pessoa à tortura ou ao tratamento
desumano ou degradante (inciso. III); b) a garantia de que não haverá juízo ou
tribunal de exceção( inciso. XXXVII); c) o princípio da legalidade, do qual se extrai
que não há crime sei lei anterior que o defina nem pena sem prévia cominação
legal (inciso. XXXIX); d) o preceito de que nenhuma pena passará da pessoa do
condenado (inciso. XLV); e) a individualização da pena ; f) a proibição de penas
capitais, cruéis ou de trabalhos forçados (inciso. XLVII); a garantia ao preso do
respeito a sua integridade física e moral (inciso. XLIX), g) o julgamento pela
autoridade competente (inciso LIII); h) que sem o devido processo legal, ninguém
será privado dos seus bens ou de sua liberdade, (inciso LIV); i) o direito ao
contraditório e a ampla defesa, e a todos os recursos inerentes (inciso. LV); a
inadmissão de provas obtidas por meios ilícitos (inciso LVI); j) que ninguém será
considerado culpado até o transito em julgado da sentença condenatória, (inciso
LVII) de onde decorre que a prisão de acusado só se justifica por medidas
excepcionalíssimas, previstas em lei entre outras.70
Abordar-se-á com mais vagar, o princípio da razoabilidade.
69 SARLET, Ingo Wolfgang, Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Costituição Federal de 1988. 2001. p. 43 70 Cf. BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília 5.out.1988. Disponivel em: < http://www.planalto.gov.br /CCIVIL_03/Cons tituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>Acesso 12 jan 2007.
26
2.3.4 PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE
Segundo o entendimento de alguns doutrinadores o princípio da
razoabilidade teve sua gênese na garantia do devido processo legal, como sendo
um instrumento para restringir o direito estatal. 71
Importante ressaltar que em sua origem britânica a cláusula do devido
processo legal tinha caráter puramente processual, garantindo sobre tudo a defesa
do acusado em sede de processo penal, sendo posteriormente estendida aos
demais ramos do direito.72
É também relevante notar que, nos últimos anos, os tribunais brasileiros
vêm aplicando o princípio da razoabilidade em decisões da área administrativa,
tributária e ambiental, com maior freqüência.
Por ser um princípio de natureza abstrata, o princípio da razoabilidade
encerra em si grande carga de subjetividade, e para uma aplicação adequada
deste princípio, torna-se imperioso buscar elementos mais objetivos para
caracterizar a razoabilidade dos atos do Poder Público, sobretudo, para lhe
atribuir um cunho normativo, e evitar que seu conteúdo se perca, diante de tal
abstração.73
Extrai-se deste princípio que a Administração pública, ao exercer seu
poder discricionário, terá de observar a critérios admissíveis do ponto de vista
racional, em sintonia com o senso comum de pessoas equilibradas.74
71 Cf. CRETTON, Ricardo Aziz. Os Princípios da Proporcionalidade e da Razoabilidade e Sua Aplicação no Direito Tributário. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, pp. 43-44.) e GOUVÊA, Marcos Antônio Maselli de Pinheiro. O Princípio da Razoabilidade na Jurisprudência Contemporânea das Cortes Norte-Americanas. In Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro. Volume V: Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, pp. 94-95 72 CRETTON, Ricardo Aziz. Op.Cit. pp. 44-46 73 Cf BARROSO, Luís Roberto. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Disponível em http://www.acta-diurna.com.br/biblioteca/doutrina/d19990628007.htm - acesso em: 19.03.2007, p. 5 74Cf MELLO, Celso Antônio Bandeira de Curso De Direito Administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 91
27
É certo que o Estado, quando cria normas jurídicas, habitualmente o faz
levando em consideração as circunstancias concretas do fato, a utilização de
determinados meios para ao final atingir certos objetivos, não se afastando
porém dos valores fundamentais da organização estatal, como a ordem, a
segurança, a paz, a solidariedade, enfim, a justiça. A razoabilidade consiste,
exatamente, na harmonia que deve existir entre estes elementos.75
A constatação desta razoabilidade deve ser observada de dois prismas
distintos. O primeiro versa sobre a razoabilidade interna, ou, de dentro da lei, na
qual a relação entre motivos, meios e fins, devem atender a critérios razoáveis e
proporcionais. Após restar evidenciada a razoabilidade interna, torna-se
imperioso verificar a razoabilidade externa, ou seja, verificar se os motivos meios
e fins empregados, então em conformidade com o preconizado pelo texto
constitucional.76
2.3.4.1 O PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E A CONSTITUIÇÃO DE 1988
Apesar da Constituição de 1988 não prever expressamente o princípio da
razoabilidade, pode-se afirmar que o mesmo encontra-se implicitamente,
projetando-se em alguns dispositivos do ordenamento jurídico brasileiro, estando
inclusive consagrado como princípio constitucional geral e explícito de tributação,
com previsão constitucional no art 150,IV, o qual impede a tributação com efeitos
de confisco77. Ademais, o princípio da razoabilidade vem sendo consagrado nos
tribunais pátrios através de suas diversas jurisprudências.
Cabe ressaltar que o princípio da razoabilidade, em sua faceta processual,
encontra-se positivado no artigo 5º, inciso LIV da Constituição Federal,
entranhado no devido processo legal. Igualmente, no que se refere à
75 Cf BARROSO, Luís Roberto. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Disponível em http://www.acta-diurna.com.br/biblioteca/doutrina/d19990628007.htm - acesso em: 19.03.2007, p. 3 76 Cf. BARROSO, Luís Roberto. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Disponível em http://www.acta-diurna.com.br/biblioteca/doutrina/d19990628007.htm - acesso em: 19.03.2007, p.4 77 Cf Silva, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19ª Ed.São Paulo: Malheiros, 2001. pp. 695-696
28
processualística penal , tem previsão no inciso XXXIX do artigo retrocitado
expondo a idéia nuclear do "nullum crimen, nulla poena, sine lege".78
A Assembléia Nacional Constituinte, da qual resultou a Constituição de
1988, fez referencia ao princípio da razoabilidade no texto que ao final foi aprovado
pela Comissão de Sistematização, onde se lia no caput do artigo 44:79
A administração pública, direta ou indireta, de qualquer dos Poderes obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, exigindo-se, como condição de validade dos atos administrativos, a motivação suficiente e, como requisito de sua legitimidade, a razoabilidade. (grifo nosso)
A redação final da Constituição de 1988, entretanto, afastou a menção
expressa ao princípio da razoabilidade. Contudo, previu expressamente, a cláusula
do due process of law.no inciso LIV, de seu artigo 5º.
Frente a esta constatação, Luís Roberto Barroso:80
[...]abrem-se duas linhas de construção constitucional, uma e outra conducentes ao mesmo resultado: o princípio da razoabilidade integra o direito constitucional brasileiro, devendo o teste de razoabilidade ser aplicado pelo intérprete da Constituição em qualquer caso submetido ao seu conhecimento. A primeira linha, mais inspirada na doutrina alemã, vislumbrará o princípio da razoabilidade como inerente ao Estado de direito, integrando de modo implícito o sistema, como um princípio constitucional não-escrito. De outra parte, os que optarem pela influência norte-americana, pretenderão extraí-lo da cláusula do devido processo legal, sustentando que a razoabilidade das leis se torna exigível por força do caráter substantivo que se deve dar à cláusula.
Portanto, a razoabilidade revela-se como um princípio geral de
interpretação, que visa impedir a prática de atos intoleráveis, objetivando com isso
78 Cf. SOUZA, Carlos Affonso Pereira de. & SAMPAIO, Patrícia Regina Pinheiro. O Princípio da Razoabilidade e O Princípio Da Proporcionalidade: Uma Abordagem Constitucional. Disponível em: http://www.puc-rio.br/sobrepuc/depto/direito/pet_jur/cafpatrz.html - acesso em: 20.03.2007, p. 1. 79 Cf. BARROSO, Luís Roberto. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Disponível em http://www.acta-diurna.com.br/biblioteca/doutrina/d19990628007.htm - acesso em: 19.03.2007, p.4 80 BARROSO, Luís Roberto. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Disponível em http://www.acta-diurna.com.br/biblioteca/doutrina/d19990628007.htm - acesso em: 19.03.2007, p.8
29
a efetivação não só do devido processo legal, mas de todos os princípios e
garantias tutelados pelo ordenamento jurídico brasileiro.81
2.3.4.2. O PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E A EMENDA CONSTITUCIONAL N°.45
Em 31 de dezembro de 2004, com a entrada em vigor da Emenda
Constitucional n°45, que tratava da Reforma do Poder Judiciário, trouxe, entre
outras mudanças, a inserção no art 5° do inciso LXXVIII, que previu
expressamente o direito a todos os cidadãos, seja no âmbito administrativo ou na
esfera judicial, de ter assegurado o direito à razoável duração do processo e a
todos os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.82
Não existia no Título II, que trata do rol dos direitos e garantias
fundamentais, menção ao direito de ser julgado em um prazo razoável. Esse novo
direito se coaduna e se complementa com os demais fundamentos previstos no
texto constitucional, tendo como finalidade fazer prevalecer o Estado Democrático
de Direito e o respeito à cidadania e à dignidade da pessoa humana. 83
O legislador preocupou-se em definir regras com força constitucional para
que de forma cabal, a prestação administrativa e/ou judicial seja feita no menor
tempo possível. Esta garantia atua como um verdadeiro postulado84, não
admitindo qualquer interpretação que a restrinja devendo atuar com a
integralidade da força imperiosa que possui. 85
81 PONTES, Helenilson Cunha. O princípio da proporcionalidade e o direito tributário. São Paulo: Dialética, 2000, p. 83. 82 Cf. BRASIL, Constituição (1988). Emenda constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, que altera dispositivos dos arts. 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, e acrescenta os arts. 103-A, 103B, 111-A e 130-A, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc45.htm, Acesso em 15/03/2007. 83Cf DELGADO, José Augusto. Reforma do Poder Judiciário: art 5°, LXXVIII da CF. Disponível em http://bdjur.stj.gov.br/dspace/bitstream/2011/1902/1/Reforma_do_Poder_Judici%C3%A1rio.pdf, acesso em 20/03/2007, p. 2. 84 Postulado em seu sentido jurídico representa uma verdade 85 Cf DELGADO, José Augusto. Idem. p. 4
30
O fato do dispositivo legal inserido pela Emenda Constitucional n° 45 trazer
em seu bojo a expressão “prazo razoável”, não lhe atribui caráter de norma
imprecisa ou vaga, que exija para a sua efetivação uma legislação especifica que
a complemente. Parece ser uma norma precisa e auto-aplicável, garantindo a
duração razoável do processo, e para tanto, valendo-se dos meios já existentes e
de outros que possam surgir para infligir maior celeridade à sua tramitação.86
2.4. O DIREITO DE SER JULGADO EM UM PRAZO RAZOÁVEL
O direito fundamental de ser julgado em um prazo razoável foi consagrado
internacionalmente através das Declarações de Direitos 87. A primeira Declaração,
conhecida como Convenção de Roma, estabeleceu em seu art 6, § 1°, como regra
geral aplicável aos processos de qualquer natureza, sejam eles cíveis ou penais:
§ 1°.Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, eqüitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de caráter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. [...] (Grifo nosso) 88
Já o artigo 5° § 3° da referida Convenção de Roma, estabelece a regra
especial destinada ao processo penal em que figure preso o acusado:
§3° Qualquer pessoa presa ou detida nas condições previstas no parágrafo 1, alínea c), do presente artigo deve ser apresentada imediatamente a um juiz ou outro magistrado habilitado pela lei para exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada num prazo razoável, ou posta em liberdade durante o processo. A colocação em liberdade pode estar condicionada a uma garantia que assegure a comparência do interessado em juízo. 89(Grifo nosso)
86 Cf DELGADO, José Augusto. Reforma do Poder Judiciário: art 5°, LXXVIII da CF. Disponível em http://bdjur.stj.gov.br/dspace/bitstream/2011/1902/1/Reforma_do_Poder_Judici%C3%A1rio.pdf, acesso em 20/03/2007, p. 4. 87 O primeiro documento a fazer menção ao direito de ser julgado em um prazo razoável foi a Convenção do Conselho da Europa para a salvaguarda dos Direitos Humanos, subscrita em 4 de novembro de 1950, e conhecida popularmente como Convenção Européia dos Direitos Humanos- CEDH. Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Lumn Júris, 2006. p 20 88 Cf Artigo 6, parágrafo 1° da Convenção Européia dos Direitos Humanos- CEDH.. disponível em: http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhregionais/conv-tratados-04-11-950-ets-5.html. Acesso em 20/07/2007. 89 Cf Artigo 5, parágrafo 3° da Convenção Européia dos Direitos Humanos- CEDH.. disponível em: http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhregionais/conv-tratados-04-11-950-ets-5.html. Acesso em 20/07/2007.
31
Posteriormente a Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos também
previu o direito a um processo sem dilações indevidas e ao julgamento dentro de
um prazo razoável.90
A Convenção Americana de Direitos Humanos, em seu art 14° n° 13-c,
dispõe:
3. Toda pessoa acusada de um delito terá direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: a) a ser informada, sem demora, em uma língua que compreenda e de forma minuciosa, da natureza e dos motivos da acusação contra ela formulada; b) a dispor do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa e a comunicar-se com defensor de sua escolha; c) a ser julgada sem dilações indevidas.91 (grifo nosso)
Esta mesma Convenção em seu artigo 9°, n° 1 estabeleceu:
Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência e a todos os atos do processo, se necessário for, para a execução da sentença.92 (Grifo nosso)
Apesar da Emenda Constitucional n° 45, acrescentar o inciso LXXVIII, ao
rol de garantias fundamentais do art 5° da Constituição Federal, tal fato, não
trouxe nenhum tipo de inovação ao ordenamento jurídico, já que o princípio da
razoável duração do processo, já se encontrava inserido desde a ratificação do
Pacto de São José da Costa Rica, feita através do Decreto Legislativo n° 27, de
25 de setembro de 1992, e promulgada pelo decreto nº 678/92.93
90 O Pacto Internacional de direitos Civis e Políticos, foi aprovado em 16 de dezembro de 1966, pela Assembléia Geral das Nações Unidas. Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Lumn Júris, 2006. p 22 91 Cf Convenção Americana de Direitos Humanos Convenção, art 14° n° 13-c Disponível em: http://www.aids.gov.br/legislacao/vol1_2.htm. Acesso em : 20/07/2007 92 Cf Convenção Americana de Direitos Humanos Convenção, art 9° n° 1 Disponível em: http://www.aids.gov.br/legislacao/vol1_2.htm. Acesso em : 20/07/2007 93 Cf. RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005, p 45.
32
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da
Costa Rica), celebrada em São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969,
assegura em seu art 8° :
Artigo 8º - Garantias judiciais
1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.94 (grifo nosso)
Na doutrina, desde Beccaria, já havia a preocupação em se conceber um
processo célere, sem dilações indevidas, para assegurar a rápida aplicação da
pena, e garantir que a mesma seja mais útil e justa.95
A primeira previsão legal, em que se ventilou a preocupação com a
celeridade dos julgamentos se deu com a edição da 6° Emenda à Constituição
dos Estados Unidos da América, datada de 1791, consagrando entre outras
garantias, o direito a um julgamento público e rápido (speedy and public trial),
garantias estás decorrentes do devido processo legal (due process of law). 96
As principais justificativas para uma célere instrução criminal estão
pautadas no respeito à dignidade da pessoa do acusado, no interesse da
sociedade no correto funcionamento das instituições e, em conseqüência direta,
na própria confiança da justiça em resolver os conflitos que lhe são levados.97
Vale lembrar, que por se tratar de direito fundamental, o direito de ser
julgado em um prazo razoável goza de aplicabilidade imediata 98, prescinde da
edição de novos diplomas legislativos e revoga qualquer legislação em contrário.99
94 Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, Pacto de San José da Costa Rica. Disponível em: <http://www.tex.pro.br/wwwroot/documentos/pactodesaojosedacostarica.htm> Acesso em 20/03/2007 95 Cf BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: Edipro, 2000, p. 59. 96 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Lumn Júris, 2006. p 17 97 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Lumn Júris, 2006. p 14 98 A característica fundamental das garantias fundamentais está em sua aplicabilidade imediata, prevista no artigo 5°, parágrafo 1° da Constituição da República Federativa do Brasil.
33
Assim, o Estado figura neste contexto como o principal responsável para
assegurar o direito fundamental à duração razoável do processo, uma vez que,
cria deveres para o Estado-Juiz com seu Impulso Oficial, bem como para o
Estado-Legislador com a obrigação de produzir e promulgar um sistema normativo
material, processual e até mesmo orgânico, para que a Justiça seja administrada
de forma efetiva, sem que para isso obrigue o acusado a cooperar com esta
instrução criminal, já que o mesmo é protegido pelo privilégio da não imputação100
A celeridade processual penal, deve ser interpretada de forma diversa da
processual civil, levando-se em consideração a epistemologia constitucional penal
de proteção ao réu, constituído em um direito processual penal do imputado.101
Neste sentido é que a celeridade processual da instrução criminal não deve
ser confundida com a celeridade acima de tudo, uma vez que esta rapidez deve
ser observada respeitando-se todas as garantias ao amplo direito à defesa.102
Note-se, que para efeitos de incidência, o direito de ser julgado em um
prazo razoável abrange as três formas de persecução penal: a das investigações
preliminares exteriorizadas pelo inquérito policial; a fase do juízo de primeiro grau
de jurisdição; e a fase recursal.103
No entanto, o fato do artigo 5° do inciso LXXVIII trazer em seu bojo a
expressão “prazo razoável”, não lhe atribui caráter de norma imprecisa ou vaga,
que exija para a sua efetivação uma legislação específica que a complemente.
Parece ser uma norma precisa e auto-aplicável, garantindo a duração razoável do
99 Cf. DONNINI, Thiago Lopes Ferraz. Direito fundamental à duração razoável do processo. Disponível em: www.direitonet.com.br/artigos/x/24/08/2408/ - 25k. Acesso em 11/07/2007 100 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Lumn Júris, 2006. p 16 101 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Lumn Júris, 2006. p 16 102 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Lumn Júris, 2006. p 18 103 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Lumn Júris, 2006. p 84
34
processo, e para tanto, valendo-se dos meios já existentes e de outros que
possam surgir para infligir maior celeridade a sua tramitação.104
A ineficácia da prestação jurisdicional, não causa insegurança jurídica
apenas àqueles que estão sob litígio, ao contrário, reflete seus efeitos em toda a
sociedade que se desestabiliza perante a não resolução dos conflitos.105
As hipóteses e as conseqüências da violação do direito fundamental ao
direito fundamental de ser julgado em um prazo razoável serão trabalhadas no
decorrer deste trabalho.
Analisar-se-á agora, a questão dos prazos aplicáveis a persecução penal e
sua forma de contagem.
104 Cf DELGADO, José Augusto. Reforma do Poder Judiciário: art 5°, LXXVIII da CF. Disponível em http://bdjur.stj.gov.br/dspace/bitstream/2011/1902/1/Reforma_do_Poder_Judici%C3%A1rio.pdf, acesso em 20/03/2007, p. 4. 105 Cf. ROSA. Alexandre Moraes da. Et allis. Constituição, Garantismo Penal e Limites da Prisão Cautelar. .. p 16. Disponível em : <http://www.abdconst.com.br/arquivos/Artigo%20Grupo%20 Joinville.pdf > Acesso em 13/02/2007
35
3. A PERSECUÇÃO PENAL BRASILEIRA E O PRAZO RAZOÁVEL DE
DURAÇÃO DO PROCESSO
3.1 BREVE INTRODUÇÃO
Convém inicialmente explicar que prazo é o intervalo de tempo fixado em
lei ou pelo juiz, para a realização de determinado ato processual, balizado entre o
termo inicial e o final.106
Os prazos são orientados por dois princípios básicos: o da igualdade de
tratamento, no qual atos idênticos devem ter idênticos prazos, e o princípio da
brevidade, que garante concisão aos prazos processuais, assegurando que o
procedimento se desenvolva em um determinado lapso temporal, evitando que a
demanda se estenda indefinidamente no tempo.107
Em consonância com o princípio da brevidade estão: o princípio da
continuidade, segundo o qual, em regra, não se interrompe a contagem do prazo,
salvo se houver impedimento do juiz do Juízo, força maior ou obstáculo judicial
oposto pela parte contrária; o princípio da improrrogabilidade, no qual os prazos
não podem ser dilatados; o princípio da irredutibilidade, ou seja, os prazos não
podem ser reduzidos; e por fim, o da preclusão que resulta na impossibilidade de
se praticar os atos que deixaram de ser realizados no momento oportuno, este
princípio em especial encontra assento no art 798 do Código de Processo
Penal.108
106 Cf. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 594. 107 Cf . TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2006 p.473 108 Cf .TOURINHO FILHO, Fernando da Costa Manual de Processo Penal. 2006. p.473 e OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 2004 p. 594
36
Por sua vez, o prazo de um ato processual se refere à distância temporal
balizada entre dois atos ou fatos processuais, no qual um marca o início do prazo
(dies a quo) e o outro assinala o dia do encerramento (dies ad quem).109
Estes prazos podem ser divididos em : comuns, particulares, próprios,
impróprios, legais ou judiciais.
Os prazos comuns são aqueles que fluem ao mesmo tempo para ambas as
partes,110 um exemplo de prazo comum é o oferecimento de alegações finais
quando houver pluralidade de réus e/ou patronos, nestes casos o prazo para a
apresentação das referidas alegações são comuns às defesas, devendo os autos
permanecerem em cartório em observância do art. 500, § 1°, do Código de
Processo Penal.111
Nesse sentido, a decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, no
acórdão da lavra do Desembargador Jorge Mussi, reconheceu a aplicabilidade do
prazo comum em se tratando de oferecimento de alegações finais, onde figurem
no pólo passivo dois ou mais réus representados por dois ou mais advogados:
PROCESSUAL-PENAL - ALEGAÇÕES FINAIS - APRESENTAÇÃO - DENÚNCIA OFERTADA CONTRA TRÊS ACUSADOS - AGENTES DEFENDIDOS POR ADVOGADOS DIFERENTES - MULTIPLICIDADE DE DEFESAS - PRETENDIDA CONCESSÃO DE PRAZO SUCESSIVO PARA A OFERTA DAS DERRADEIRAS ALEGAÇÕES - DESCABIMENTO - EXEGESE DO ART. 500, § 1°, DO CPP, QUE ESTABELECE O PRAZO COMUM NO CASO DE DOIS OU MAIS RÉUS COM ADVOGADOS DIVERSOS - PARIDADE DAS PARTES - PRINCÍPIO RESPEITADO - LAPSO PARA O CUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL QUE, ADEMAIS, FOI ELASTECIDO PELA AUTORIDADE IMPETRADA - PARTICULARIDADES DE CADA PÓLO DA DEMANDA ADEQUADAMENTE OBSERVADAS - AUSÊNCIA DE
109 Cf. FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 97. 110 Exemplo de prazo comum é o oferecimento de alegações finais quando houver pluralidade de réus e/ou patronos, em que o prazo para a apresentação das referidas alegações são comuns às defesas, devendo os autos permanecerem em cartório em observância do art. 500, § 1o, do Código de Processo Penal Cf TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 2006 p.474. 111 Cf. Recurso em Habeas Corpus 13.018-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 27/4/2004, disponível em; http://www.tc.df.gov.br/MpjTcdf/informativos.php?TIPO=STJ&PAGINA=/www/html/ mptcdfjurislegis/stj/infoSTJ206.TXT acesso em 19/04/207
37
DIREITO LÍQUIDO E CERTO A SER AMPARADO PELA VIA DO MANDAMUS - SEGURANÇA DENEGADA. 112 (grifo nosso)
Já os prazos particulares são aqueles que fluem apenas para uma das
partes, como é o caso do art 514 do Código de Processo Penal, no qual fixa o
prazo de 3 (três) dias para arrolar testemunhas.113
Por conseguinte, os prazos próprios são aqueles concedidos às partes, e
que uma vez descumpridos acarretam a preclusão, ou seja, a perda do direito de
praticá-los, um bom exemplo é o que ocorre via de regra no art 593, I do Código
de Processo Penal referente ao prazo de 05 (cinco) dias para apelar da sentença
definitiva de condenação proferida por juiz singular.114
Em relação aos prazos impróprios, são aqueles cujo descumprimento não
resulta na perda do direito de praticar o ato115. São concedidos em regra ao juiz e
aos serventuários da justiça, cujo desrespeito pode ensejar as penalidades do art
801 do CPP. As partes, excepcionalmente, podem ter prazos impróprios, como o
prazo sucessivo de 03 (três) dias para que o Ministério Público e o defensor do
réu apresentem suas alegações finais, nos moldes do art 500 do Código de
Processo Penal.
Nesse sentido o doutrinador Guilherme de Souza Nucci, ao tratar dos
prazos para a apresentação das alegações finais, evidencia que a apresentação
desta fora do prazo não acarreta a perda do direito de oferecê-la :
O prazo de três dias não é fatal. Descumprido, o máximo que cabe ao juiz providenciar é a busca e apreensão do processo, caso estejam os autos fora de cartório, em poder da parte. A juntada, posteriormente, das alegações termina por obrigar o magistrado a conhecê-las.116
Nesta mesma esteira, a jurisprudência Catarinense que, tratando do
oferecimento das razões finais, assevera:
112 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Mandado de Ssegurança 2007.014879-6-SC, Rel Des. Jorge Mussi, julgado em 22/05/2007 disponível em; http://tjsc6.tj.sc.gov.br/jurisprudencia/PesquisaAvancada.do acesso em 19/04/207 113 Cf .TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 2006 p.474. 114 Cf .TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 2006 p 474. 115 Cf .TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 2006 p 475. 116 NUCCI, Guilherme de Souza Código de Processo Penal Comentado. 4. ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: RT, 2005, p. 797
38
Não se trata, na espécie, de prazo preclusivo, cuja não observância decorre a perda da faculdade processual, pois a apresentação das razões finais fora do prazo legal constitui mera irregularidade, não acarretando qualquer penalidade, nem mesmo o desentranhamento da peça serôdia.117
No que condiz aos prazos legais, são todos aqueles previstos no
ordenamento jurídico brasileiro118, exemplos não faltam: prazo do Ministério
Público para oferecimento da denúncia119, prazo para a ouvida das testemunhas
de acusação,120 entre outros.
E por fim, prazo judicial é o prazo estabelecido pelo Juiz, como na hipótese
do art 93 §1° do Código de Processo Penal, no qual o Juiz estabelecerá o prazo
de suspensão do processo que depender da solução de controvérsia sobre o
estado civil das pessoas, desde que esta questão seja de difícil reparação.121
3.2 FORMA DA CONTAGEM DO PRAZO
No tocante à contagem do prazo no processo penal, estes são fixados em
minutos122, horas123, dias124, meses125 ou anos126 pelo calendário comum, sendo
que os prazos fixados em meses ou anos quando houver correspondência com o 117 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Criminal n. 2003.014514-1. relator. Des. Jorge Mussi, julgado em 18-11-03 Disponível em: http://tjsc6.tj.sc.gov.br/júrisprudencia /VerIntegra.do?pid=AAAG5%2FAAHAAAF2BAAI&p_query=2005.04062453-8&corH=FF0000. Acesso em: 20/05/2007 118 Cf .TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 2006 p.475. 119 Este prazo está previsto no artigo 46 do Código de Processo, sendo de 05 (cinco) dias para o réu preso e 15 (quinze) dias para réu solto. 120 Este prazo está previsto no artigo 401 do Código de Processo, sendo de 20 (vinte) dias para o réu preso e 40 (quarenta) dias para réu solto. 121 Cf .TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 2006 p 475. 122 A propósito ver artigo 554 do Código de Processo Penal, que prescreve prazo de 10 (dez) minutos para o defensor ou o Ministério público produzirem as alegações orais, após as inquirições das testemunhas, nos processos de aplicação de medida de segurança por fato não criminoso. 123 Neste viés, ver artigo 100 do Código de Processo Penal, no qual designa prazo de 24 (vinte e quatro) horas para que o magistrado que não se considerar suspeito, encaminhe os autos devidamente instruídos ao juiz, ou tribunal competente para julgar o pedido de suspeição. 124 Ver artigo 10 do Código de Processo Penal, que institui prazo de 10 (dez) dias para a conclusão do inquérito policial quando o acusado for preso em flagrante. 125 Assim, ver artigo 38 do Código de Processo Penal, que estabelece prazo de 06 (meses) contados a partir do conhecimento da autoria do crime, para que o ofendido ou seu representante legal ofereça a queixa-crime ou a representação. 126 Nesta esteira, ver artigo 743 do Código de Processo Penal, no qual determina prazo de 04 (quatro) anos de cumprimento da pena principal para que seja requerido o pedido de reabilitação do condenado.
39
Código Penal127 computam-se incluindo o dia do início seguindo a regra do artigo
10 do Código Penal, quando não houver correspondência aplicam-se as regras do
artigo 798 § 1° do Código de Processo Penal (dies a quo non computatur in
termino e dies ad quem computatur in termino), ou seja, excluindo-se o dia do
começo e incluindo-se o dia do término.128
Quando o prazo for fixado em horas, sua fluência se dá de minuto em
minuto, seguindo a regra subsidiária do artigo 125, § 4° do Código de Processo
Civil. Nos outros casos aplicam-se as regras do artigo 798, §§ 1°, 3° e 4° do
Código de Processo Penal.129
Tanto o dia do início quanto o do término da contagem dos prazos
processuais deveram ocorrer em dias úteis130, e neste sentido é o posicionamento
da súmula 310 do Supremo Tribunal Federal:
Quando a intimação tiver lugar na sexta-feira, ou a publicação com efeito
de intimação for feita nesse dia, o prazo judicial terá início na segunda-
feira imediata, salvo se não houver expediente, caso em que começará
no primeiro dia útil que se seguir.131
A seguir abordar-se-á a questão da determinação do termo inicial e final da
contagem dos prazos no processo penal.
3.2.1 TERMO INICIAL E FINAL DA CONTAGEM
Questão deveras importante em relação à contagem do prazo é a
determinação do dia do início da contagem. O artigo 798, § 5°, do Código de
Processo Penal estabelece as regras gerais para a fixação do dies a quo132 como
sendo: da intimação; da audiência ou sessão em que for proferida a decisão, se a
127 Neste sentido, o art 749 do Código de Processo Penal, e art. 94 do Código Penal, que tratam do pedido do prazo para o requerimento do pedido de reabilitação. 128 Cf .TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 2006 p.475. 129 Cf .TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 2006 p 475. 130 Cf. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 2004, p. 2006 596. 131 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n°310. Disponível em: http://www.dji.com.br/ normas _inferiores / regimento_interno_e_sumula_stf/stf_0301a0330.htm, acesso em 20/05/2007. 132 Termo em latim, que significa “Termo inicial do prazo”. Disponível em: http://www.direitonet.com.Br /dicionario_latim/x/35/66/356/ Acesso em 20/05/2007
40
ela estiver presente a parte; do dia em que a parte manifestar nos autos ciência
inequívoca da sentença ou despacho.
Como ressalva a regra do artigo 798, § 5°, explicitada acima, tem-se o
artigo 800, § 2°, inciso III, do Código de Processo Penal, que trata do marco inicial
da contagem do prazo para o Ministério Público, contando-se a partir do termo de
vista, exceto para a interposição de recurso, hipótese esta em que se aplica a
regra geral.133
Neste afã, o Ministério Público goza da prerrogativa de que as intimações
dos atos processuais devem ser feitas pessoalmente, conforme disciplina o artigo
236 § 2° do Código de Processo Civil, e portanto, somente a partir do “ciente” do
procurador o prazo para recurso começaria a fluir.134
No entanto, a decisão do Plenário do Supremo Tribunal, por maioria dos
votos mudou este entendimento, considerando o ingresso dos autos no Ministério
Público como marco inicial para a contagem do prazo recursal, ao invés da data
da aposição do seu ofício, evitando com isso, que uma das partes determine o
termo a quo do prazo.135
Neste sentido o Agravo de Instrumento n° 608.742/SP, da lavra do relator
Ministro Teori Albino Zavascki destaca:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TERMO INICIAL
DO PRAZO RECURSAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL.
INTIMAÇÃO PESSOAL (CPC, ARTIGO. 236, § 2º). RECEBIMENTO
DOS AUTOS PELO ÓRGÃO. 136 (Grifo nosso)
Ainda em relação a fixação do dies a quo, o Tribunal Europeu de Direitos
Humanos – TEDH, estabeleceu o direito de ser julgado em um prazo razoável 133 Cf. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 2004 p. 598. 134 Cf. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 2004 p.. 598. 135 Cf. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 2004 p. 598. 136 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo De Instrumento Nº 608.742-SP.RELATOR : Ministro Teori Albino Zavascki. Julgado em 25 de abril de 2005. Disponível em: http://www.stj.gov.br/SCON /decisoes/doc .jsp?acao=imprimir&livre=(AG+e+608742).nome.+e+20050511.dtpb.&&b=DTXT&p=true&t=&l=10&i=1 Acesso em 20/05/2007.
41
com o seu termo inicial, a partir do momento em que as suspeitas sobre
determinada pessoa comece a acarretar repercussões importantes em sua
posição jurídica. 137
Estas repercussões se evidenciam quando são tomadas medidas que
privam a liberdade do indivíduo, ou com o início formal das investigações, que por
mais das vezes, são concluídas com a acusação em face do indivíduo.138
Em sede de prisão preventiva fica clara a aplicação do artigo 7°, n° 5 da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos, já que o direito a ser julgado em
um prazo razoável resta expressamente consignado, sendo remetido à data da
prisão, o dies a quo, mesmo que não se tenha de fato iniciado o processo, tão
somente com o início da ação penal.139
Por outro lado, é possível a fixação do dies a quo, mesmo antes do início
do processo penal, já que a instauração de um inquérito policial ou o indiciamento
do acusado acarretam invariavelmente restrições aos direitos do indivíduo.140
O direito de ser julgado em um prazo razoável corresponde ao direito a um
processo justo e tempestivo, com seu termo final ou dies ad quem,
correspondendo ao momento em que há o julgamento definitivo141 sobre o mérito
da acusação.142
Entretanto, com a edição, pelo Superior Tribunal de Justiça, da Súmula n°
52, o termo final que anteriormente se dava com o trânsito em julgado da
137 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Lumn Júris, 2006. p 89 138 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Lumn Júris, 2006. p 90 139 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Lumn Júris, 2006. p 90 140 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Lumn Júris, 2006. p 90. 141 Uma decisão definitiva, é aquela em que não caiba mais nenhuma espécie de recurso. 142 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Lumn Júris, 2006. p 93
42
sentença, foi antecipado, passando a ser caracterizado a partir do término da
instrução criminal. 143
Todavia, este encurtamento do dies ad quem, mostra-se incompatível com
o direito de ser julgado em um prazo razoável, já que o simples término da
instrução processual com a oitiva das testemunhas de defesa, não termina com o
Processo, este prossegue com todos os demais atos144, restando a fase do artigo
499 do Código de Processo Penal, para a eventual realizações de diligencias
complementares requeridas pelas partes e deferidas pelo Juízo, as alegações
finais das partes, as próprias diligências requeridas ex officio145 pelo Juízo, e
finalmente o prazo para a prolatação da sentença.146
3.2.2 AS DUAS FORMAS DE CONTAGEM DO PRAZO: ISOLADA E GLOBAL
Como visto anteriormente a todo cidadão é assegurado o direito de ser
julgado em um prazo razoável, esta garantia prevista na Carta Magna em seu
artigo 5° inciso LXXVIII, encontra amparo no princípio constitucional do devido
processo legal e a sustentação da prisão cautelar quando extrapolado este prazo
submete o acusado a constrangimento ilegal passível de correção pela via heróica
do habeas corpus. 147
Assim o processo criminal não pode ficar sobre a cabeça do acusado,
como a espada de Dâmocles, a se perpetuar no tempo. O prazo de duração da
prisão cautelar de um acusado, não pode ficar ao livre-arbítrio do magistrado.148
143 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Lumn Júris, 2006. p 110 144 Os prazos e procedimentos aplicados a instrução criminal serão abordados com mais vagar no decorrer do segundo capitulo deste trabalho monográfico. 145 A expressão em Latim ex officio significa Por obrigação do ofício. Cf Dicionário de latim Direitonet. Disponível em: http://www.direitonet.com.br/dicionario_latim/x/39/66/396/ Acesso em 13/04/2007 146 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Lumn Júris, 2006. p 110 147 No anexo deste trabalho, segue um modelo de habeas corpus, argüindo o excesso de prazo na instrução criminal. 148 BOSCHI, José Antonio Paganella. A Nova Lei Antitóxicos – Primeiras Impressões, disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br/institu/c_estudos/doutrina/lei_antitoxicos.php?PHPSESSID=c81d774c13875446e4 ab6f3adee98 5b0>. Acesso em 28/05/2007.
43
Os prazos para a conclusão da instrução criminal variam de acordo com o
procedimento aplicável à espécie. No entanto, questão deveras importante para a
caracterização do constrangimento ilegal é a forma da contagem dos prazos.
Para tanto a contagem dos prazos para o encerramento da instrução
criminal pode ser feita de forma individual ou global.
A corrente que entende que a contagem dos prazos deve ser feita de forma
individual, isoladamente, um a um, não se podendo compensar o atraso em uma
determinada fase pela agilização em outra. O excesso se configuraria
imediatamente. Esta afirmação se baseia na análise dos julgados abaixo
colacionados.
Este é o posicionamento esposado no Tribunal de Justiça Cearense:
EMENTA: CONSTITUCIONAL - PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS - EXCESSO DE PRAZO NO OFERECIMENTO DA DENÚNCIA - EXORDIAL RECEBIDA E PACIENTE INTERROGADO – CONSTRANGIMENTO SUPERADO. I - Pelo que contêm as informações da autoridade dita coatora, o representante do Ministério Público com assento junto naquela Unidade Judiciária já ofereceu a denúncia em desfavor do paciente, a qual foi recebida no dia 04 de março e o paciente interrogado no dia 14 do mesmo mês, restando, assim, removido o constrangimento alegado, visto que é assente na Jurisprudência Nacional, notadamente a do Supremo Tribunal Federal, que os prazos devem ser contados separadamente. II- Ordem denegada – Decisão unânime.149(Grifo nosso)
No corpo do acórdão supracitado extrai-se:
[...]A jurisprudência do STF é no sentido de que os prazos contam-se separadamente, não sendo possível considerar-se que o constrangimento ilegal surja apenas quando se fizer excedido o total dos prazos, de modo que o excesso de uns possa ser compensado pela economia de outros. (RTJ 33/91 E 785, 35/585, 39/368 E 544) (STF - RHC 48.900 - Rel.Amaral Santos - DJU 24.09.71, pg.5.133).150 (grifo nosso)
149 CEARÁ. Tribunal de Justiça. Habeas corpus nº 2002.0000.2027-0. Rel DES. JOSÉ EDUARDO M. DE ALMEIDA, julgado em 2 de abril de 2002. Disponível em; <http://tjce-scm-02.tj.ce.gov.br/pdf/revista _jurisprudencia _17.pdf> acesso em 19/05/2007. p. 307. 150 CEARÁ. Tribunal de Justiça.Op. Cit. p. 309
44
Outro exemplo de prazo que ensejaria a configuração do constrangimento
ilegal mesmo sendo extrapolado de forma individual, é o prazo destinado para a
oitiva das testemunhas de acusação previstos no artigo 40 do Código de Processo
Penal, no qual seu extrapolamento configura de per si o constrangimento ilegal,
não podendo ser compensado com o adiantamento do ato subseqüente.
No entanto, a corrente predominante, entende que a contagem dos prazos
para a configuração de eventual excesso deve ser feita de maneira global,
considerando a totalidade do prazo previsto para sua conclusão, levando-se em
consideração as peculiaridades de cada caso.
Este é o entendimento prevalecente na jurisprudência Catarinense:
HABEAS CORPUS - EXCESSO DE PRAZO - INEXISTÊNCIA - SUPERVENIÊNCIA DA DENÚNCIA - CONTAGEM GLOBAL DOS INTERREGNOS PARA FORMAÇÃO DA CULPA.PRISÃO EM FLAGRANTE - RELAXAMENTO COM DECRETAÇÃO DA CUSTÓDIA CAUTELAR - EVENTUAL CONSTRANGIMENTO DA SEGREGAÇÃO PRIMÁRIA ABORTADO. ORDEM DENEGADA.151 (Grifo nosso)
Em julgado de 2002, assim dispôs a Câmara de Férias Criminal de Santa
Catarina:
HABEAS CORPUS. NARCOTRAFICÂNCIA. EXCESSO DE PRAZO NO INÍCIO DA INSTRUÇÃO. INTERROGATÓRIO JÁ REALIZADO. CÔMPUTO GLOBAL DOS PRAZOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL INOCORRENTE. ORDEM DENEGADA.152 (grifo nosso)
Para esta corrente sistemática, o extrapolamento do prazo de um ato, não
importa constrangimento ilegal quando não extrapolado o prazo previsto para todo
o procedimento, um eventual excesso de prazo em um determinado ato, pode ser
compensado com a agilização de outro.
Neste mesmo prisma, julgou o Tribunal de Justiça de Santa Catarina:
151 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça.-SC, Habeas corpus n° 2003.015043-9 Rel Des. José Carlos Carstens Köhler., julgado em 29/07/2003 Disponível em; <http://tjsc6.tj.sc.gov.br/jurisprudencia/VerIntegra Avancada .do.> Acesso em 19/04/2007 152 SANTA CATARINA. Câmara de Férias Criminal do TJSC Habeas corpus n. 2002.012311-6 Rel. Des. Newton Janke, julgado em 29/07/2003. Disponível em; <http://tjsc6.tj.sc.gov.br/jurisprudencia/VerIntegra .Do?p_id=AAAG5%2FAAHAAAAd%2BAAL&p_query=2002.012311-6+&corH=FF0000. Acesso em 16/04/2007.
45
HABEAS CORPUS - NARCOTRAFICÂNCIA - PRISÃO EM FLAGRANTE - INTERROGATÓRIO JÁ REALIZADO - CONSIDERAÇÃO DOS PRAZOS PROCESSUAIS EM CONJUNTO - EVENTUAL EXCESSO SUPERADO - CONSTRANGIMENTO INOCORRENTE - INVIABILIDADE DA APRECIAÇÃO DAS PROVAS NA VIA ESTREITA DO WRIT - CULPABILIDADE A SER DISCUTIDA NO ÂMBITO DA AÇÃO PENAL - CRIME EQUIPARADO A HEDIONDO - VEDAÇÃO DA CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA - INTELIGÊNCIA DO ART. 2º, II, DA LEI .072/90 - ORDEM DENEGADA. 153(grifo nosso)
Nesta esteira, tem-se o entendimento do Tribunal de Justiça catarinense:
HABEAS CORPUS - ALEGADO EXCESSO DE PRAZO NA INSTRUÇÃO PROCESSUAL - PRAZO DE 81 DIAS PARA ENCERRAMENTO DA INSTRUÇÃO - CONTAGEM QUE NÃO PODE SER DETERMINADA DE FORMA INDIVIDUALIZADA, DEVENDO SER DETERMINADA DE FORMA CONJUNTURAL, NÃO PODENDO CONSIDERAR-SE COMO SIMPLES CONTA ARITMÉTICA DOS PRAZOS CODIFICADOS - PROCESSO EM FASE DE ALEGAÇÕES FINAIS - FINDA A INSTRUÇÃO PROCESSUAL, NÃO HÁ FALAR-SE EM EXCESSO DE PRAZO - ORDEM DENEGADA.154 (grifo nosso)
Vista as formas de contagem, e antes de se adentrar especificamente na
questão dos prazos e na problemática da definição dos critérios para a duração do
processo, faz-se necessário diferenciar processo de procedimento e abordar os
diferentes tipos de procedimentos e seus respectivos prazos.
Estes termos jurídicos embora pareçam sinônimos, guardam distinções
entre si. O termo processo vem do latim pro cedere, que significa ir adiante,
avançar155, resultando na atividade exercida pelo Estado-Juiz com o objetivo de
satisfazer a pretensão de uma das partes, aplicando a lei ao caso concreto.156
Enquanto procedimento é a maneira com que o Estado-Juiz alcançará este
objetivo.157
153 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça.-SC, Habeas corpus n° 98.016226-2 Rel Des. Jorge Mussi. Julgado em 19/03/99. Disponível em; <http://tjsc6.tj.sc.gov.br/jurisprudencia/VerIntegra Avancada .do.> Acesso em 19/04/2007 154 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça.-SC, Habeas corpus n° 01.000743-1 Rel Des. Solon d'Eça Neves., julgado em 06.01.2001disponível em; <http://tjsc6.tj.sc.gov.br/jurisprudencia/VerIntegra Avancada .do.> Acesso em 19/04/2007 acesso em 19/04/2007 155 Cf. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 2006 p.646 155 Cf. RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 2005, p.486. 156 Cf. RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 2005, p.472 157 Cf. RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 2005, p. 472
46
Traçada a diferença entre o processo e o procedimento, analisar-se-á
alguns procedimentos próprios do processo de conhecimento.
3.3 FORMAS PROCEDIMENTAIS
A legislação processual penal divide os procedimentos em comuns ou
ordinários, previstos no Título I, do livro II, do Código de Processo Penal,
subdividindo-se em procedimentos ordinários, e procedimentos sumários comuns
e especiais, com previsão no Título II, do livro II do Código de Processo Penal.
No entanto, notar-se-á que, no que se refere ao Código de Processo Penal,
o legislador utilizou equivocadamente a terminologia em relação a procedimentos,
uma vez que atribuiu ao processo comum o processo dos crimes da competência
do Tribunal do Júri, que, a rigor, é especialíssimo, pois difere dos demais ritos
previstos no ordenamento jurídico; e trata ainda como especiais, procedimentos
que se afastam muito pouco do ordinário.158
Adotar-se-á a temática utilizada no Código de Processo Penal em relação
aos procedimentos, sendo abordado com mais vagar o procedimento ordinário
dos crimes apenados com reclusão, por serem mais relevantes ao objetivo do
trabalho e analisando, posteriormente, de forma bastante perfunquitória, os
procedimentos especiais.
O procedimento ordinário está previsto nos artigos 394 usque 405 e 498
usque 502, parágrafo único, ambos do Código de Processo Penal, aplicando-se
como procedimento-regra aos crimes apenados com reclusão, embora existam
exceções.159
Correspondem a estes procedimentos ordinários os seguintes atos
processuais160: a) denúncia161; b) inquérito162; c) defesa prévia163; d) oitiva das
158 Cf. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 2004 p. 640. 159 Cf. RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 2005. p.473. 160 Cf. RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 2005 p.473. 161 A denúncia deve ser oferecida pelo representante do M.P observando o prazo de 05 (cinco) dias quando o réu estiver preso e 15 (quinze) dias se estiver solto, conforme preconiza o art. 46 do Código de Processo Penal devendo ainda preencher todos os requisitos do art. 41 do Código de
47
testemunhas de acusação164; e) oitiva das testemunhas de defesa165; f) diligências
do artigo 499 166; g) alegações finais167; e h) sentença168.
Os chamados procedimentos especiais são aqueles procedimentos
aplicados especificamente a determinadas infrações penais, sendo que seus atos
se diferem em algum momento dos atos do procedimento comum.169
O procedimento especial está previsto no Código de Processo Penal170 e
em legislação extravagante.
Processo Penal, trazendo em seu bojo, a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou os esclarecimentos pelos quais se possa identifica-lo, a classificação do crime e, quando necessário o rol de testemunhas. Cf. RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 2005 p. 474. 162 O juiz ao receber a denúncia profere o despacho liminar positivo, e designa data para interrogatório, convocando o réu para exercer seu direito constitucional de defesa, providencia a notificação do Ministério Público, e se necessário do querelante ou do assistente para comparecer ao interrogatório do acusado. Ressalta-se que o interrogatório representa o primeiro ato da instrução criminal, já que ao final o juiz indaga as partes se restou algum fato controverso, concedendo a oportunidade de se formular as perguntas que acharem pertinentes Cf. MARCÃO, Renato Flávio. Interrogatório: primeiras impressões sobre as novas regras ditadas pela Lei nº 10.792/2003 . Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 163, 16 dez. 2003. Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4614. Acesso em: 24 abr. 2006. 163 Logo após o interrogatório, ou no prazo de 03 dias, o réu poderá oferecer sua defesa prévia, requerendo às diligências que achar cabíveis e o principal arrolando suas testemunhas, pois se o acusado não as arrolar nessa fase, restará precluso seu direito de faze-las. Tratando se de defensor público o prazo de 03 dias para a apresentação da defesa prévia é computado em dobro, seguindo as inteligências dos artigos 89, I c/c 128, I da Lei Complementar 80/1994. Cf. RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 2005. p.485 164 Estando o réu preso, o prazo para a ouvida das testemunhas de defesa será de 20 dias, sob pena de caracterização de constrangimento ilegal passível de habeas corpus, conforme art 648, II do Código de Processo Penal. O número máximo de testemunhas que podem ser arroladas no procedimento ordinário é de 08, por força do art 398 do lei processual penal. Cf. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 2006 p.653 165 Após a ouvida das testemunhas de acusação, é designada audiência para a ouvidas as testemunhas arroladas pela defesa, seguindo as mesmas regras aplicadas às testemunhas de acusação, explicitadas acima. 166 O Prazo para requerimento dessas diligencias é de 24 horas, abrindo o prazo primeiramente ao querelante ou ao Ministério Público, e depois, sem interrupção, dentro de igual prazo aos réus, em consenso com o art. 499 do Código de Processo Penal. Cf. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 2006 p.654. 167 Findado o prazo para a apresentação das alegações finais, o processo é imediatamente concluso ao juiz, que dentro de 5 dias, poderá ordenar as diligências que julgar necessárias para suprir qualquer nulidade ou pra elucidar a verdade dos fatos. Cf. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 2006 p.654. 168 após o prazo destinado as alegações finais o juiz é instado a proferir o ato final de todo processo: a sentença. 169 Cf. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 2004 p. 747 170 São estes os crimes previstos no Código de Processo Penal em seu título II do livro I, e submetidos ao procedimento especial: a) Crimes falimentares (artigos. 503 usque 512 do CPP); b) Crimes funcionais (artigos 513 usque 518 do CPP); c) Crimes contra a honra (artigos 519 usque 523 do CPP); d) Crimes de propriedade imaterial (artigos 524 usque 530 do CPP);
48
Cabe ressaltar, que entre outros crimes submetidos ao procedimento
especial, e previstos na legislação extravagante, destacam-se a título
exemplificativo: a) crimes contra a economia popular - (Lei n° 1.521/51); b) crimes
de tráfico de entorpecentes - (Lei n° 11.343/06); c) crimes de imprensa - (Lei n°
5.250/67); d) crimes de abuso de autoridade - (Lei n° 4.898/65); e) crimes
eleitorais - (Lei n° 4.737/65); f) crimes contra a ordem tributária - (Lei n° 8.137/90);
g) crimes contra o meio ambiente - (Lei n° 9.605/98); h) crimes contra o sistema
financeiro nacional - (Lei n° 7.492/86); i) crimes contra a previdência social - (Lei
n° 8.212/91); j) crimes relativos ao crime organizado - (Lei n° 9.034/95);
Cada um dos crimes submetidos ao procedimento especial possui uma
particularidade específica no tocante ao rito processual, seja em relação a algum
ato ou a todo o procedimento e, em virtude disso, não se analisará
pormenorizadamente cada uma dessas peculiaridades, por se afastar do objetivo
deste estudo.
Em relação ao Procedimento sumário, apesar da Lei 9.099/95, que criou os
Juizados Especiais Criminais ter abraçado a maior parte das contravenções e dos
crimes para os quais não há previsão de pena de reclusão, o artigo 66 parágrafo
único, atribui ao Juízo comum a competência para julgar as causas em que não
for possível a citação pessoal do réu, devendo seguir o procedimento sumário,
que não deixa de ser comum, em face ao procedimento especial.171
Na continuação deste trabalho serão abordadas as questões referentes à
prisão cautelar e a problemática em torno de sua duração.
3.4 A PRISÃO CAUTELAR E O PRAZO RAZOÁVEL
A termo prisão pode ser definido como forma de restrição ao direito de ir e
vir, tendo por finalidade punir o indivíduo, restringindo sua liberdade de
locomoção.172
171 Cf. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 2004 p. 651. 172 Cf. BRANCO, Tales Castelo. Da Prisão em Flagrante. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 04.
49
Em sentido jurídico, o termo prisão corresponde à privação da liberdade
individual imposta ao delinqüente, cumprida mediante clausura em
estabelecimento prisional, em virtude de algum ato ilícito173
O sistema processual penal brasileiro distingue dois tipos de prisões, quais
sejam, a prisão com pena e a prisão sem pena. 174
A prisão com pena consiste na segregação decorrente de sentença penal
condenatória transitada em julgado, oriunda de processo crime, e utilizada com a
finalidade de reprimir os crimes e contravenções, possuindo caráter punitivo. 175
A prisão resultante de sentença condenatória transitada em julgado, é
imposta através de um processo criminal conduzido sob a luz dos princípios
constitucionais, visando assegurar um julgamento justo e eficaz.
Ao final, se esgotadas todas as vias recursais para a modificação da
sentença, o Estado impõe ao condenado, a execução da pena que a ele foi
imposta.
Por prisão sem pena entende-se toda forma de prisão provisória ou
cautelar em sentido amplo, imposta a um indivíduo sem que haja uma sentença
definitiva. 176
Estas prisões sem pena, também conhecidas como prisões cautelares, são
medidas de extrema urgência e têm por objetivo resguardar o processo de
conhecimento, visando garantir a execução ulterior da pena. Estas prisões podem
173 Cf. CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p.227. 174 Cf. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 543. 175 São exemplos de prisões com pena: a) pena de reclusão e pena de detenção no CP; b) a prisão no art. 240 do CPPM c) prisão simples prevista na Lei de Contravenções Penais e d) a prisão especialíssima dos jornalistas de que cuida o parágrafo único do art. 66 da Lei n. 5.255 de 9.2.1967 Cf . Cf. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 545 176 São exemplos de prisão sem pena: a) a prisão civil, prevista no Código Civil, no Código de Processo Civil e na Lei de Falências; b) prisão administrativa, prevista nos incisos I e II do artigo 319 do Código de Processo Penal; c) prisão cautelar de natureza administrativa, pertinente à expulsão de estrangeiros e à extradição, prevista no Decreto-Lei n° 66.689 de 11 de junho de 1970; d) prisão cautelar de natureza constitucional, admitida durante o estado de sítio; e, e) prisão cautelar de natureza processual penal, que é objeto do nosso estudo.
50
ser decretadas ou cassadas a qualquer tempo em virtude de sua precariedade, já
que não decorrem de sentença penal transitada em julgado.177
Neste sentido destaca-se a doutrina de Afrânio Silva Jardim:
Não pode restar a menor dúvida de que a prisão em nosso direito tem a natureza acauteladora, destinada a assegurar a eficácia da decisão a ser prolatada afinal, bem como a possibilitar regular instrução probatória. Trata-se de tutelar os meios e os fins do processo de conhecimento e, por isso mesmo, de tutela da tutela.178
Ressalte-se que a prisão cautelar, em qualquer de suas modalidades, deve
vir acompanhada dos seus dois pressupostos básicos: fumus bonis iuris179 e
periculum in mora180, e, não pode ser utilizada com o objetivo de promover a
antecipação satisfativa da pretensão punitiva do Estado, sob pena de subverter-se
a finalidade da prisão preventiva, resultando grave comprometimento do princípio
da liberdade.181
Imperioso ressaltar que todas as formas de prisões cautelares, sejam elas
prisões em flagrante, preventivas, temporárias, decorrentes da prolação de
sentenças condenatórias recorríveis e as de pronúncia, ocorrem antes do trânsito
em julgado da sentença condenatória, e por isso, pairam sobre os acusados o
princípio constitucional da presunção de inocência. Devendo tais ações basear-se
em razões objetivas que demonstrem cabalmente a necessidade desta medida
extrema, que implica no sacrifício do status libertatis do individuo, passível de ser
177 Cf. CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 1999. p.228. 178 Cf.
JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p.
360. 179 Expressão em Latim que significa Fumaça de bom direito, aparência de bom direito (diz-se quando a pretensão parece ter fundamento jurídico).Cf. Pequeno dicionário de Latim Disponível em : http://www.multcarpo.com.br/latim.htm#F. Acesso em: 10/10/2007 180Expressão em Latim que significa Perigo de mora, ou perigo na demora. Cf. Pequeno dicionário de Latim Disponível em : http://www.multcarpo.com.br/latim.htm#F. Acesso em: 10/10/2007 181 Cf. PEREIRA, Fabio Martins. e PEREIRA,
Fernanda Simões Viotto BREVES APONTAMENTOS SOBRE AS MODALIDADES DE PRISÃO CAUTELAR NO SISTEMA PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO. Disponível em: http://www.uel.br/cesa/direito/doc/procpenal/F%E1bio %20Martins .pdf .Acesso em: 1010/2007
51
corrigido com a impetração de Habeas Corpus, conforme preceitua o artigo 648, II
do Código de Processo Penal.182
Neste sentido é a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:
EMENTA: HABEAS CORPUS - ALEGAÇÃO DE COAÇÃO ILEGAL POR EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA - PACIENTE PRESO HÁ MAIS DE VINTE MESES - DEMORA NA CONCLUSÃO DO PROCESSO QUE ULTRAPASSOU OS LIMITES DA RAZOABILIDADE - EXCESSO NÃO JUSTIFICADO - CARACTERIZAÇÃO DO CONSTRANGIMENTO ILEGAL - ORDEM CONCEDIDA - EXTENSÃO, DE OFÍCIO, DO BENEFÍCIO AO CO-RÉU NÃO RECORRENTE "O excesso de prazo na prestação jurisdicional configura constrangimento ilegal, sobretudo quando o acusado em processo-crime está sob custódia cautelar por mais de 02 (dois) anos. Caso prevaleça o entendimento da Súmula 21 do STJ após a decisão de pronúncia, seria considerar que não existe um prazo razoável para submeter o preso cautelar a julgamento do Tribunal do Júri. WRIT CONCEDIDO para determinar a imediata soltura do Paciente"183 (grifo nosso)
Ademais, este próprio Tribunal já decidiu:
EMENTA: HABEAS CORPUS - ALEGADO CONSTRANGIMENTO ILEGAL DECORRENTE DO EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA - PACIENTES PRESOS HÁ MAIS DE CINCO MESES - PROCESSO NA FASE DE INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS DE ACUSAÇÃO - DEMORA NA CONCLUSÃO DO PROCESSO QUE ULTRAPASSOU OS LIMITES DA RAZOABILIDADE - EXCESSO DE PRAZO NÃO JUSTIFICADO - CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO - ORDEM CONCEDIDA (Grifo nosso)184
A situação no Brasil é gravíssima, pois além de faltar previsão sobre o
prazo para a duração do processo penal, não existe limitação para o prazo
182 Cf SIQUEIRA FILHO, Élio Wanderley de. Repressão ao Crime Organizado: Inovações da Lei 9.034/95. Curitiba: Juruá, 2005. p. 98. 183 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Habeas corpus n° 2005.036068-8. Relator Des. Torres Marques. 29/11/2005. Disponível em: http://tjweb.tj.sc.gov.br/institucional/diario/a2006/20061181800.PDF. p. 46. Acesso em 20/05/2007 184 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Habeas corpus n° 2005.036068-8. Relator Des. Torres Marques. 29/11/2005. Disponível em: http://tjsc6.tj.sc.gov.br/jurisprudencia/VerIntegra.do? pid=AAAG5% 2FAAHAAAF2BAAI&p_query=2005.040623-8&corH=FF0000. Acesso em: 20/05/2007
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máximo de duração nas prisões cautelares,185 e, em especial, a modalidade de
prisão preventiva, a mais abrangente de todas.186
Para que o direito a ser julgado em um prazo razoável seja plenamente
efetivado, torna-se imprescindível à fixação de um prazo máximo para a instrução
criminal.187 O legislador deveria estabelecer um prazo claro e preciso do que seria
razoável à instrução processual, a exemplo do Código de Processo Penal Militar
que em seu artigo 390, traz expresso e bem delimitado o prazo máximo para o
encerramento da instrução, que serão contados do recebimento da denúncia pelo
juiz-auditor:
Art. 390. O prazo para a conclusão da instrução criminal é de cinqüenta dias, estando o acusado preso, e de noventa, quando solto, contados do recebimento da denúncia.188
Outro exemplo de previsão legal sobre o prazo máximo para a instrução
criminal encontram-se na lei 9.034/95, que trata sobre a repressão ao crime
organizado que com as modificações impostas pela lei 9.303/96 definiu o prazo de
120 (cento e vinte) dias para o réu solto e 81 (oitenta e um) dias em se tratando
de réu preso. 189
3.5 A PROBLEMÁTICA DA DEFINIÇÃO DOS CRITÉRIOS PARA DURAÇÃO DO
PROCESSO
A fixação de um prazo para o término da instrução criminal, deriva do
princípio basilar constitucional do “devido processo legal” 190, no qual todo cidadão
tem o direito de ser processado e julgado dentro do prazo que a lei estabeleça,
185 Apenas à modalidade de prisão provisória tem seu prazo definido em lei, à qual prevê duração de 05 (cinco) dias, (art. 2° da Lei nº 7.960/89) e de 30 (trinta) dias (art. 3° da Lei nº 8.072/90) prorrogáveis pelos mesmos períodos. Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável, 2006. . p 102 186 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável, 2006. p 87 187 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável, 2006. p 104 188 Cf Código de Processo Penal Militar, Disponível em: http://www.dji.com.br/decretos_leis/1969-001002-cppm/cppm__0384a0395.htm Acesso em 25/08/2207 189 Cf. GOMES, Abel Fernandes. Et allis. Crime Organizado e suas conexões com o poder público: comentários à lei 9.034/95: considerações críticas. Rio de Janeiro: Impetus, 2000, p. 90 190 O conceito já foi trabalhado em nosso capitulo 1.
53
configurando constrangimento ilegal a manutenção da prisão cautelar quando
extrapolado este prazo.191
Diante da falta de previsão tanto em nossa Constituição como em Leis
Ordinárias, que imponham limites claros e precisos para a duração dos processos,
torna difícil a definição do que seria um prazo razoável192. A aferição do que seria
um prazo razoável para a prisão processual, não comporta uma única resposta,
haja vista, as particularidades de cada caso submetido ao judiciário, recheados de
pormenores que impedem uma resposta exata e definitiva.
Ante a vagueza do conceito do que seria um prazo razoável, o Tribunal
Europeu de Direitos Humanos, em 1968, julgando o caso “Wehoff”, deu o passo
inicial em direção à adoção de certos critérios para caracterizar o que seria uma
dilação indevida.193
Nesta ocasião, a Comissão Européia de Direitos Humanos, sugeriu que
seria necessário considerar 07 (sete) critérios, para caracterizar a razoabilidade
da prisão cautelar, e conseqüentemente a dilação indevida, quais sejam: 1) a
duração da prisão cautelar; 2) a duração da prisão cautelar em relação à natureza
do delito, à pena fixada e à provável pena aplicada em caso de condenação; 3) os
efeitos pessoais que o imputado sofreu, tanto de ordem material como moral e
outros; 4) a influência da conduta do imputado em relação à demora do processo;
5) as dificuldades para a investigação do caso levando-se em consideração à
complexidade dos fatos, quantidade de testemunhas e réus, dificuldades
probatórias, entre outros; 6) a maneira como a investigação foi conduzida; 7) a
conduta das autoridades judiciais.194
Estes critérios deveriam ser analisados em conjunto, com valores e
importâncias relativas para aferir o excesso de prazo na instrução criminal. No
191 TUCCI, Rogério Lauria. Devido Processo Legal e Tutela Jurisdicional. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1993. p. 105/106. 192 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável, 2006. . p 39 193 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável, 2006. . p 39 194 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável, 2006. . p 39
54
entanto, esta doutrina dos 07 (sete) critérios não foi expressamente acolhida pelo
TEDH como referencial decisivo, mas contribuiu em muito, como inspiração para a
construção de um referencial mais enxuto denominado de Teoria dos 3 (três)
critérios, tendo por base: 1) a complexidade do caso; 2) a atividade do imputado;
3) a conduta das autoridades judiciárias.195
3.5.1 AS CONSEQÜÊNCIAS DO EXTRAPOLAMENTO DIANTE DO COMPORTAMENTO E DA
CONTRIBUIÇÃO DAS AUTORIDADES PÚBLICAS PARA O PROLONGAMENTO EXCESSIVO DO
PROCESSO
O excesso de prazo é preconizado pela hipótese de alguém se encontrar
preso, por tempo superior ao determinado em lei. Sendo injustificável a
manutenção da prisão do acusado sem que o mesmo tenha contribuído para a
demora.
Neste sentido é o entendimento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina
julgando pedido de habeas corpus:
A demora na realização do exame toxicológico, quando inimputável à defesa, não descaracteriza o constrangimento ilegal. Verificado, impõe-se a concessão do habeas corpus, pois não pode o Judiciário respaldar situação manifestamente ilegal, provocada por deficiência de aparelho estatal incumbido da produção da prova técnica, mantendo réus presos por lapso de tempo muito superior ao previsto para conclusão da instrução criminal.196
Assim, as hipóteses de coação ilegal estão elencadas no artigo. 648 do
Código de Processo Penal, trazendo no bojo de seu inciso II, prevenindo a
possibilidade de alguém ficar preso por mais tempo do que permite a lei. Estando
presentes quaisquer hipóteses aventadas no artigo. 648 do CPP, resta
configurado o constrangimento ilegal.
195 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável, 2006. . p 40 196 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Habeas corpus n° HC n. 12.668. Relator Des. Newton Trisotto. Julgado em 14/02/96. Disponível em: http://tjsc6.tj.sc.gov.br/jurisprudencia/VerIntegra.do ?p_id=AAAG5%2FAAHAAAB qRAAO&p_query=20 02.012800-2&corH=FF0000 .Acesso em 20/05/2007
55
Este tem sido o entendimento Tribunal de Justiça Catarinense:
EMENTA: HABEAS CORPUS - AÇÃO PENAL - NULIDADE ABSOLUTA - POSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO NO ÂMBITO DO REMÉDIO HERÓICO - EXEGESE DO ART. 648, VI, DO CPP. DEFENSORA CONSTITUÍDA QUE NÃO FOI MAIS ENCONTRADA, SOBREVINDO A NOMEAÇÃO DE DATIVO SEM ESGOTAMENTO DAS VIAS POSSÍVEIS E EXIGÍVEIS DE CIENTIFICAÇÃO DO PACIENTE - VIOLAÇÃO DA LIBERDADE DE ESCOLHA DO DEFENSOR QUE REDUNDA EM CERCEAMENTO INESCONDÍVEL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA PELA PENA DA CONDENAÇÃO ANULADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. ORDEM CONCEDIDA. 197 (grifo nosso)
Nestes casos em que há injustificável demora na formação da culpa, a
legislação processual penal, em seu artigo 647, prevê a impetração do habeas
corpus, como remédio heróico para sanar eventual coação ilegal.
A conseqüência do excesso de prazo na instrução criminal debitada à
conta do Poder Judiciário acarreta o relaxamento da prisão do acusado, com sua
imediata soltura, no entanto, não extingue a punibilidade. O procedimento
prossegue, com o acusado respondendo em liberdade, até que surja novo fato
ensejador de nova decretação de prisão cautelar ou sentença condenatória
transitada em julgado.198
Neste norte é a decisão do Supremo Tribunal Federal julgando habeas
corpus:
PRISÃO PREVENTIVA - EXCESSO DE PRAZO - EFEITO. Uma vez verificado o excesso de prazo na instrução criminal, incumbe colocar em liberdade o acusado, mormente quando a ordem de prisão repousa única e exclusivamente na imputação feita com a denúncia. A gravidade em si da acusação não é de molde a afastar a ordem jurídica no que impõe prazos para a realização dos atos processuais, valendo notar que em prol de qualquer acusado milita a presunção de inocência e não a de culpa - Inciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal. 199 (grifo nosso)
197 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Habeas corpus n. 2003.026462-. Relator Juiz José Carlos Carstens. Julgado em 16/12/2003. Disponível em: http://tjsc6.tj.sc.gov.br/jurisprudencia/VerIntegraAvancada.do. Acesso 20/05/2007. 198 Cf SIQUEIRA FILHO, Élio Wanderley de. Repressão ao Crime Organizado: Inovações da Lei 9.034/95. 2005. p 100. 199 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus n. 69.172/RJ.RELATOR : Ministro Marco Aurélio. Julgado em14.08.92. Disponível em: http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/nova/pesquisa.asp Acesso em 20/05/2007.
56
O retardamento da instrução processual, no que diz respeito à condução do
processo, pode ter seu nascedouro tanto na carência de meios, de recursos, ou
de organização dos Tribunais dos Estados como na deficiência na direção do
processo pela autoridade judiciária.200
Em qualquer uma destas hipóteses, não há dúvidas da responsabilidade do
Estado perante o cidadão, pois a àquele cumpre a obrigação de estruturar
eficientemente sua organização judiciária para garantir a este o direito de ser
julgado em um prazo razoável, sem dilações indevidas.201
O próprio Tribunal Europeu de Direitos Humanos, têm admitido a hipótese
de problemas circunstanciais que possam acarretar uma maior duração do
processo, mas, nestes casos devem ser adotadas medidas emergenciais para
sanar e/ou minimizar os problemas específicos ou provisórios. Como medida
objetivando superar as dificuldades momentâneas temos: a ordem de escolha dos
processos pautada não pela ordem cronológicas de suas distribuições, mas sim,
pelo grau de urgência e interesse jurídico debatido. Porém, se tais circunstâncias
se perdurarem no tempo evidenciando não um problema momentâneo e sim
estrutural, em que estas medidas não sejam suficientes, e não podendo serem
adotadas medidas eficientes para resolver a questão, o Estado responderá pelo
retardamento do feito.202
No dia-dia forense, corriqueiramente se verifica a existência e a ocorrência
de “tempos mortos”, entre uma atividade processual e outra, ou entre as várias
fases processuais. As mais comuns são as demoras para a conclusão do inquérito
policial, para o oferecimento da denúncia, para a citação do réu, para a intimação
das testemunhas, realização de diligências e sobretudo no gigantesco “tempo
morto” despendido nas pilhas dos cartórios.203
200 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Lumn Júris, 2006. p 68 201 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Lumn Júris, 2006. p 69 202 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Lumn Júris, 2006. p 70 203 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Lumn Júris, 2006. p 71
57
O TEDH tem sido rigoroso com relação à demora na prestação jurisdicional
decorrentes de atrasos na adoção de medidas que objetivem maior celeridade no
trâmite processual, entre outras medidas destacam-se o desaforamento204, e o
desmembramento de processos em que figurem vários réus. Este Tribunal
também pronunciou que o excessivo número de processos, greves de advogados,
ou, ainda, a dificuldade em se combater determinada forma de criminalidade não
podem ser justificativas para os “tempos mortos”.205
No entanto, em decorrência lógica do que foi esplanado acima, há aquelas
hipóteses em que a demora na formação do sumário de culpa, não é causada em
decorrência da disídia do Poder Judiciário ou do Ministério Público. Nesses casos
as conseqüências do excesso de prazo serão diversas das já apresentadas aqui.
3.5.2 CONSEQÜÊNCIAS DO EXTRAPOLAMENTO DO PRAZO DIANTE DO COMPORTAMENTO
PROCESSUAL DO IMPUTADO
Além das hipóteses já narradas, existem casos em que o eventual excesso
de prazo se encontra plenamente justificado, por ser atribuído à defesa ou ao
acusado. Uma situação em que o excesso de prazo pode ser atribuído à defesa, é
quando esta faz algum requerimento que a beneficia, e em virtude deste
requerimento extrapola-se o prazo para a formação da culpa. Nestes casos a
defesa não pode utilizar-se desta situação para pretender a liberdade do acusado.
Do Supremo Tribunal Federal apanha-se:
204 O artigo 424, parágrafo primeiro do Código de Processo Penal, prevê a possibilidade de desaforamento para os processos do Tribunal do Júri, quando o julgamento não se realizar no período de 1 (um) ano contado do recebimento do libelo, desde que a demora não possa ser atribuída ao acusado ou a defesa. O Código de Processo Penal Militar, em seu artigo 108, inciso III, também prevê a modalidade de desaforamento do processo, ante a impossibilidade de se constituir o Conselho de Justiça, ou quando a dificuldade de constitui-lo ou mante-lo atrase de forma demasiada o curso do processo. 205 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Lumn Júris, 2006. p 72
58
Não procede o protesto, em habeas corpus, contra o excesso de prazo que se produz no interesse da própria defesa por ter requerido incidente de insanidade mental no curso da instrução.206 (grifo nosso)
Esta dilação do prazo para o encerramento da instrução criminal no
interesse da própria defesa pode ocorrer das mais variadas formas, seja no
arrolamento de testemunhas inexistentes ou localizadas em áreas de difícil
acesso, ensejando a expedição de Cartas Precatórias para a inquirição das
testemunhas de defesa, ou, até mesmo a expedição de Cartas Rogatórias no
caso das testemunhas residirem fora do País; requerimento de perícias;
requerimento de exame toxicológico do acusado do crime de tráfico; exame de
sanidade mental; e até meios nitidamente protelatórios, que fatalmente acarretam
o extrapolamento dos prazos previstos para a persecução criminal.
Neste sentido o Tribunal de Justiça Catarinense:
EMENTA: HABEAS CORPUS. Homicídio qualificado. Excesso de prazo na instrução criminal. Paciente submetido a exame de insanidade mental. Oitiva da última testemunha de defesa designada, tendo havido dificuldade na localização da mesma em virtude de ter sido arrolada com endereço genérico. Demora não atribuível ao aparelho judiciário. Instrução já encerrada. Constrangimento ilegal não caracterizado. Ordem denegada. - Se a eventual demora na instrução criminal deveu-se à necessidade de ser o réu submetido a exame de insanidade mental e de ter quedado dificultada a oitiva de uma última testemunha de defesa por dificuldades havidas na sua localização, tais fatos não podem ser levados à conta de excesso de prazo justificador para a concessão da ordem, se os atos foram realizados em benefício da defesa.207
(grifo nosso)
Esta mesma corte em situação análoga decidiu:
EMENTA: PROCESSO-CRIME - INSTRUÇÃO - EXCESSO DE PRAZO - ROUBO CIRCUNSTANCIADO E FORMAÇÃO DE QUADRILHA - NECESSIDADE DE EXPEDIÇÃO DE CARTAS PRECATÓRIAS PARA INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS - VÁRIOS REQUERIMENTOS DA DEFESA AO LONGO DO PROCESSO - CRITÉRIO DA RAZOABILIDADE - PROCESSO NA FASE DO ART. 499 DO CPP - CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE - ORDEM DENEGADA. "Os prazos para a instrução criminal não devem ser
206 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus n. 69.528-1/DF.Relator : Ministro Francisco Rezek Julgado em 25/9/92. Disponível em: http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/nova/pesquisa.asp Acesso em 20/05/2007. 207SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Acórdão: Habeas corpus 98.002154. Relator Des. Alberto Costa... Julgado em 31/03/1998 Disponível em: http://tjsc6.tj.sc.gov.br/jurisprudencia/VerIntegra Avancada.do. Acesso 20/05/2007. .
59
computados com radicalismo pois, dependendo das circunstâncias e das peculiaridades do caso concreto, o seu não cumprimento não deve redundar na soltura daqueles que merecem estar presos, mas em maior atenção do juiz processante quanto à celeridade processual" (JC 66/441). Não há constrangimento ilegal se o excesso de prazo para o encerramento do processo é justificado (RT, 589/395), quando provocado por incidentes processuais não imputáveis ao juiz (RT, 645/290 e 597/3570), resultante de diligências demoradas (como necessidade de expedição de cartas precatórias, problemas com condução do paciente e análise de requerimentos da defesa). 208 (grifo nosso)
O excesso de prazo na instrução criminal atribuído à própria defesa ou ao
acusado, não caracteriza constrangimento ilegal209, acarretando na manutenção
da prisão do acusado, assunto pacificado pela Súmula 64 do Superior Tribunal de
Justiça210
Imperioso destacar, que o comportamento do acusado deve ser analisado
em face do direito de defesa, e a utilização dos meios legais para que demonstre
sua inocência não deve e nem pode lhe causar gravame.211
Afinal, de nada adiantariam às garantias ao Direito de defesa, se o
imputado pudesse ser punido por estar exercendo-o regularmente.
É justamente a evidente má fé, no (ab)uso deste direito de defesa, que
poderá sobrevir conseqüências negativas para o acusado. A regra, portanto, é a
plenitude de defesa. Somente em casos excepcionalíssimos, em que restarem
patentes a má fé na utilização de recursos claramente protelatórios e que almejem
208 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Acórdão: Habeas corpus n. 00.000741. Relator Des. Nilton Macedo Machado.. Julgado em 31/01/2000. Disponível em: http://tjsc6.tj.sc.gov.br/jurisprudencia/VerIntegra Avancada.do. Acesso 20/05/2007. 209 Precedentes do Supremo Tribunal Federal sobre a não configuração do constrangimento ilegal em decorrência de atraso atribuído à defesa Precedentes: HC nº 86.947/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, decisão monocrática, DJ de 26.10.2005; HC nº 86.618/MT, 2ª Turma, unânime, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 28.10.2005; HC nº 85.298/SP, 1ª Turma, maioria, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ acórdão Min. Carlos Britto, DJ de 04.11.2005; HC nº 86.789/SP, de minha relatoria, 2ª Turma, unânime, DJ de 24.03.2006; HC nº 88.229/SE, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, maioria, julgado em 10.10.2006; e HC nº 88.905/GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, unânime, DJ de 13.10.2006 210 Súmula n° 64 - Constrangimento Ilegal - Excesso de Prazo na Instrução: Não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução, provocado pela defesa. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n° 64. Disponível em:.http://www.dji.com.Br/normas_ inferiores /regimento_interno_e_sumula_stj/stj__0061a0090.htm. Acesso em 20/05/2007 211 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável, 2006. . p 165
60
exatamente esta finalidade, é que a conduta do imputado poderá lhe ser
prejudicial.212
Importante ressaltar que uma vez encerrada a instrução criminal, resta
superado o constrangimento ilegal conforme súmula 52 do Superior Tribunal de
Justiça.
A jurisprudência catarinense também tem entendido que uma vez
terminada a inquirição das testemunhas e estando o processo na fase do artigo
499 do Código de Processo Penal, ou seja, na fase de requerimento de
diligências, resta encerrada a instrução criminal.
Neste sentido, julgou o Tribunal de Justiça de Santa Catarina:
EMENTA: HABEAS CORPUS - EXCESSO DE PRAZO - PROCESSO QUE SE ENCONTRA NA FASE DO ART. 499 DO CPP - INSTRUÇÃO ENCERRADA - EVENTUAL EXCESSO DE PRAZO SUPERADO - PRECEDENTES - ORDEM DENEGADA.213
Neste mesmo prisma a Corte catarinense decidiu:
EMENTA:CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL - HABEAS CORPUS ROUBO CIRCUNSTANCIADO PRISÃO AUTELAR UNDAMENTADA - PRESSUPOSTOS DO ARTIGO 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL PRESENTES - GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA - INDÍCIOS SUFICIENTES DA AUTORIA-ANÁLISE PROFUNDA DA PROVA INVIÁVEL - EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA - INSTRUÇÃO ENCERRADA - CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE - ORDEM DENEGADA É cediço que em sede de habeas corpus não é possível analisar suposta inocência, pois necessita de exame profundo da prova, a ser efetuado pelo juízo competente. O conceito de garantia da ordem pública vem sendo alargado para abarcar a hipótese de roubo, crime de repercussão social, com reflexos negativos e traumáticos sobre a vida das vítimas. "Encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento por excesso de prazo" (Súmula n. 52 do Superior Tribunal de Justiça)..[GrifoNosso] 214
212 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável, 2006. . p 65 213 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Acórdão: Habeas corpus 2003.015107-9. Relator Des. Torres Marques.. Julgado em29/07/2003. Disponível em: http://tjsc6.tj.sc.gov.br/jurisprudencia/VerIntegra Avancada.do. Acesso 20/05/2007 214 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Acórdão: Habeas corpus 2006.048086-6. Relator Des. Amaral e Silva. Julgado em 30/01/2007. Disponível em: http://tjsc6.tj.sc.gov.br/jurisprudencia/VerIntegra Avancada.do. Acesso 20/05/2007
61
Analisadas às prisões cautelares e sua duração razoável, bem como, a
problemática em relação a definição de critérios quanto a duração do processo,
abordar-se-á as tentativas encontradas no ordenamento jurídico brasileiro para
suprir a lacuna quanto a duração do prazo na instrução criminal.
62
4. AS TENTATIVAS DE DEFINIÇÃO DO PRAZO PARA O
ENCERRAMENTO DO PROCESSO
Diante da falta de previsão legal para a duração do processo, a
jurisprudência, a doutrina, e os próprios legisladores buscaram alternativas para
suprir esta lacuna processual, este é o assunto do presente capitulo que abordará
as origens fundamentos e críticas relacionadas a estas alternativas.
4.1 A TENTATIVA JURISPRUDENCIAL DE FIXAR EM 81 DIAS O PRAZO PARA
O ENCERRAMENTO DA INSTRUÇÃO CRIMINAL.
O prazo de 81 dias para o encerramento da instrução criminal originou-se
da tentativa encontrada pelos tribunais para sistematizar os prazos relativos ao
procedimento comum ordinário, previsto nos artigos 394 usque 405 do Código de
Processo Penal.215
A consolidação desta interpretação jurisprudencial desenvolveu-se nas
décadas de 1960-1980, partindo de uma opção utilitarista, visando sistematizar os
prazos previstos em nosso ordenamento processual penal, com vistas à contagem
global, evidenciando a inquietação de seus formuladores com a possibilidade de
reconhecer o direito ao status libertatis do indivíduo, que teve sua prisão
devidamente justificada, em virtude da dificuldade de se cumprir os exíguos
prazos estipulados no Código de Processo Penal.216
Neste sentido, verifica-se que o prazo de 81 dias decorre da soma
aritmética dos prazos dos principais atos previstos para o procedimento comum
ordinário, conforme se depreende do quadro abaixo:217
215 Cf. SOUZA, Sérgio Ricardo de. O razoável prazo de duração da prisão cautelar e a jurisprudência dos 81dias . Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 759, 2 ago. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7092>. Acesso em: 22 abr. 2007 216 Cf. SOUZA, Sérgio Ricardo de. O razoável prazo de duração da prisão cautelar e a jurisprudência dos 81dias . 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/ texto.asp?id=7092>. Acesso em: 22 abr. 2007 217 Prazos aplicáveis ao procedimento ordinário conforme SÃO PAULO. Tribunal de Justiça- TACRIM. Acórdão: HABEAS-CORPUS n° 355036-9 Relator: Manoel Pedro Pimentel. Julgado em 15/02/2001 . Disponível em: http://www.tacrim.sp.gov.br/pesqjuris.asp. Acesso 20/05/2007
63
Procedimento Ordinário Previsão Legal Prazo para Conclusão Inquérito Policial
Art. 10 do CPP 10 Dias
Oferecimento da denúncia
Art. 46 do CPP 05 Dias
Apresentação da defesa prévia
Art. 395 do CPP 03 Dias
Oitiva das testemunhas de acusação
Art. 401 do CPP 20 Dias
Realização de diligências Art. 499 do CPP 02 Dias
Despacho das diligências
Art. 499 do CPP 10 Dias
Alegações finais
Art. 500 do CPP 06 Dias
Diligências de ofício (requeridas pelo juiz)
Art 502 do CPP 05 Dias
Sentença
Artigo 800, I e § 3° do CPP 20 Dias
TOTAL 81 Dias
A interpretação dada por nossos tribunais, ainda que encontre dificuldade
em se justificar diante da literalidade com que o legislador fixou os prazos para a
prática dos principais atos procedimentais, revela-se como uma forma de correção
frente à omissão do legislador em determinar um prazo razoável para a efetiva
conclusão da instrução criminal, especialmente a dos réus presos, garantindo
assim a duração razoável do processo. Observa-se com isso, a regra da
provisoriedade das prisões cautelares, não podendo serem aplicadas como
antecipação de pena.218
Apesar da criação jurisprudencial dos 81 dias ter agregado um parâmetro
para que os aplicadores do direito pudessem evitar o excesso de prazo na
instrução criminal, ficou aquém de criar um mecanismo de tempo afinado com as
218 Cf. SOUZA, Sérgio Ricardo de. O razoável prazo de duração da prisão cautelar e a jurisprudência dos 81dias . 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/ texto.asp?id=7092>. Acesso em: 22 abr. 2007
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dificuldades enfrentadas pelo Estado brasileiro, em relação aos vários órgãos e
agentes que atuam nessa fase instrutória.219.
Como se observa, a jurisprudência que consolidou o prazo de 81 dias para
o término da persecução criminal minorou o problema do excesso de prazo, mas
passou longe de solucioná-lo. Destaca-se que, na época em que se formou essa
jurisprudência, podia-se considerá-la compatível com as circunstâncias que
envolviam a instrução criminal, no entanto, não é isso o que se constata em
relação à época atual, especialmente aos crimes submetidos a processos de
maior complexidade. 220
4.1.1 CRÍTICAS À JURISPRUDÊNCIA QUE ESTABELECEU O PRAZO DE 81 DIAS
Como explanado acima, o prazo de 81 dias é alcançado mediante a
seguinte metodologia: Inquérito: 10 dias (artigo. 10 do CPP); denúncia: 5 dias
(artigo. 46); defesa prévia: 3 dias (artigo. 395); inquirição de testemunhas: 20 dias
(artigo. 401); requerimento de diligências: 2 dias (artigo. 499); para despacho do
requerimento: 10 dias (artigo. 499); alegações das partes: 6 dias (artigo. 500);
diligências ex officio: 5 dias (artigo. 502); sentença: 20 dias (artigo. 800); soma: 81
dias.
As criticas à jurisprudência dos 81 dias perpassam pela sistemática que a
criou, em virtude de não ter incluído em seu cômputo geral para o encerramento
da instrução criminal, os prazos para realização de relevantes atos processuais,
entre eles221:
a) interrogatório do réu, previsto no artigo. 185 do Código de Processo
Penal, considerado obrigatório para se garantir ao acusado o direito de se
219 Cf. SOUZA, Sérgio Ricardo de. O razoável prazo de duração da prisão cautelar e a jurisprudência dos 81dias . 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/ texto.asp?id=7092>. Acesso em: 22 abr. 2007 220 Cf. SOUZA, Sérgio Ricardo de. O razoável prazo de duração da prisão cautelar e a jurisprudência dos 81dias . 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/ texto.asp?id=7092>. Acesso em: 22 abr. 2007 221 Cf. SOUZA, Sérgio Ricardo de. O razoável prazo de duração da prisão cautelar e a jurisprudência dos 81dias . 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/ texto.asp?id=7092>. Acesso em: 22 abr. 2007
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autodefender, exercício do princípio da ampla defesa, consagrado por sua vez no
artigo. 5º, inciso LV da Constituição Federal;
b) o prazo para os despachos ordinatórios e cartorários, dos atos tidos
como indispensáveis e integrantes do prazo de 81 dias, dos quais fazem
referência o artigo 800 do Código de Processo Penal e seus incisos;
c) o prazo para a ouvida das testemunhas de defesa, uma vez que, o
prazo de 20 dias do artigo 401 do Código de Processo Penal, integrante do
somatório dos 81 dias, refere-se expressamente à ouvida das testemunhas de
acusação;
d) prazo para realização das diligências requeridas e deferidas, pois não
há sentido consignar prazo para as diligências ex oficio do artigo 499 do Código de
Processo Penal, e não prever prazos para as diligências requeridas pela defesa;
e) o prazo para os procedimentos posteriores à sentença de primeiro grau,
e nos crimes dolosos contra à vida, os procedimentos posteriores a sentença de
pronúncia.222
Indubitavelmente, a construção jurisprudencial que aclamou o prazo limite
de 81 dias para conclusão da instrução criminal nos procedimentos comuns
ordinários, prestou um valioso serviço ao estabelecer um parâmetro para o
encerramento do sumário de culpa, mas esse critério, por si, é insuficiente para
suprir a lacuna de um comando legal que estabeleça um prazo razoável para a
duração das diversas modalidades de prisão cautelar, sejam elas: as da prisão em
flagrante, a preventiva, a temporária, a decorrente da prolação de sentença
condenatória recorrível ou a de pronúncia.223
222 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável, 2006. . p 104 223 Cf. SIQUEIRA FILHO, Élio Wanderley de. Repressão ao Crime Organizado: Inovações da Lei 9.034/95. 2005. p 100.
66
4.2 O PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE COMO CRITÉRIO INTEGRADOR.
O princípio da razoabilidade ganhou status constitucional com a edição da
Emenda Constitucional n° 45 que acrescentou ao rol de garantias do artigo 5° de
nossa Carta Magna, a razoabilidade da duração do processo e os meios que
garantam a celeridade de sua tramitação, seja no âmbito administrativo seja no
judicial.224
Na tentativa de se materializar a agilidade da prestação jurisdicional, em
busca da efetivação da garantia da duração razoável do processo, faz-se
necessário à conjugação com os demais princípios e garantias constitucionais já
tratadas no presente trabalho, com destaque especial para o devido processo
legal, o acesso ao poder judiciário, e a dignidade da pessoa humana.225
Nossos tribunais têm cada vez mais utilizado o princípio da razoabilidade
para fundamentar, tanto a concessão quanto à denegação da ordem de habeas
corpus, visando o a caracterização da coação ilegal e o conseqüente relaxamento
da prisão processual.
A propósito, nossas Cortes, de longa data, já firmaram jurisprudências no
sentido de se aplicar o juízo de razoabilidade para constatar possível
constrangimento ilegal no prazo de duração da prisão processual.
Nesse sentido o Supremo Tribunal Federal decidiu:
EMENTA:. PRISÃO PROCESSUAL: INEQUÍVOCO EXCESSO DE PRAZO, SEM O ENCERRAMENTO DA INSTRUÇÃO CRIMINAL, QUE NÃO PODE SER ATRIBUÍDO AOS RECORRENTES E QUE SOBREPUJA OS TEMPERAMENTOS ADMISSÍVEIS À LUZ DO JUÍZO DE RAZOABILIDADE E PREJUDICA EVENTUAL FUNDAMENTO CAUTELAR DA PRISÃO. 2.LIBERDADE PROVISÓRIA CONCEDIDA AOS RECORRENTES, MAS NÃO ESTENDIDA AO CO-RÉU EM RAZÃO DE CUJA DEFESA A INSTRUÇÃO NÃO SE FINDOU (...).226 (grifo nosso)
224 Cf. RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005, p. 44 225 Estes princípios constitucionais, foram anteriormente tratados no capítulo 1 e 2 da presente monografia. 226 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso em Habeas corpus n. 88339/ES. Relator Ministro Sepúlveda Pertence. Julgado em : 22/08/2006 Disponível em: <http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/nova/ pesquisa.asp> Acesso em 20/05/2007
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Ainda, neste norte, o Supremo Tribunal Federal deliberou:
EMENTA: PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. EXCESSO DE PRAZO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE I. - O princípio da razoabilidade impõe o reconhecimento do excesso de prazo da prisão preventiva, quando a delonga no curso processual não for atribuível à defesa. II. - Habeas corpus concedido.227 (Grifo nosso)
Nesta esteira , é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
EMENTA: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. ART. 157, § 2º, INCISOS I E II, E 288, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO PENAL. PRISÃO EM FLAGRANTE. EXCESSO DE PRAZO. RAZOABILIDADE. I - As peculiaridades da causa tornam razoável e justificada a demora na formação da culpa, de modo a afastar, por ora, o alegado constrangimento ilegal. (Precedentes ). II - "Não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução, provocado pela defesa" (Súmula nº 64-STJ). Ordem denegada.228 (grifo nosso)
Ademais, o Tribunal de Santa Catarina, em situação análoga:
EMENTA: HABEAS CORPUS - PRISÃO EM FLAGRANTE - TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO - EXCESSO DE PRAZO PARA A FORMAÇÃO DA CULPA JUSTIFICADO PELA COMPLEXIDADE DO FEITO, COM INSTAURAÇÃO DE EXAME DE INSANIDADE MENTAL E ADIAMENTO, PELA PRÓPRIA DEFESA, DE AUDIÊNCIA DE INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA - INCIDÊNCIA, NA HIPÓTESE, DO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE NA CONTAGEM DOS PRAZOS PROCESSUAIS - CONSTRANGIMENTO ILEGAL INOCORRENTE - ORDEM DENEGADA229 (grifo nosso)
No entanto, o excesso de prazo para o encerramento da instrução criminal,
segundo pacífico magistério jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, deve
ser aferido dentro dos limites da razoabilidade, considerando as circunstâncias
227 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus n. 87776/SP. Relator Ministro Ricardo Lewandowski. Julgado em : 29/06/2006 Disponível em: <http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/nova/ pesquisa.asp> Acesso em 20/05/2007 228 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas-corpus nº 46219/SE Rel. Min. Felix Fischer, DJU de 26.05.97.Disponível em : <http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia /doc.jsp?livre= excesso+de+prazo+de negado &&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=23 >. Acesso em: 1904/2007 229 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça.-SC, Habeas corpus n° 2006.015030-3 Rel Gaspar Rubik., julgado em 30/05/2006 disponível em; <http://tjsc6.tj.sc.gov.br/jurisprudencia/VerIntegra Avancada .do.> Acesso em 19/04/2007
68
excepcionais que venham a retardar a instrução criminal e não se restringindo à
simples soma aritmética de prazos processuais.
EMENTA: HABEAS CORPUS. PRISÃO CAUTELAR DECRETADA HÁ MAIS DE TRÊS ANOS. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO. O prazo para a conclusão da instrução probatória não pode ser a mera soma aritmética dos prazos de cada ato processual. De outra sorte, é inadmissível que a prisão provisória - como o próprio nome diz - perdure sem nenhuma limitação. A duração da custódia cautelar deve ser a mais breve possível, mas sempre vista sob o prisma da razoabilidade. Precedentes.230 (grifo nosso)
Assim também tem entendido o Tribunal de Justiça catarinense:
EMENTA: PROCESSUAL PENAL - HABEAS CORPUS - QUADRILHA ARMADA E PORTE ILEGAL DE ARMA - EXCESSO DE PRAZO NA INSTRUÇÃO - INOCORRÊNCIA - PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS Para fins de habeas corpus os prazos processuais não podem ser observados formalmente, com rigor matemático, mas com a prudência que o zelo pela liberdade e preservação da ordem e segurança públicas recomendam em cada caso (...) 231 (grifo nosso)
4.2.1 CIRCUNSTANCIAS EM QUE RESTAM PATENTEADOS OS EXCESSOS DE PRAZO NA
INSTRUÇÃO CRIMINAL, PERANTE OS NOSSOS TRIBUNAIS.
Constitui constrangimento ilegal a manutenção da prisão por prazo maior
do que determina a lei. O agente não pode pagar com sua liberdade de
locomoção pelas deficiências do Estado, por mais grave que tenha sido o crime
praticado.
No entanto, mostra-se igualmente difícil, a tarefa de padronizar as
circunstancias ensejadoras do excesso de prazo diante dos nossos Tribunais.
Para tanto, colacionar-se-á determinados julgados que enfrentaram a matéria em
questão.
230 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus n. 87275/BA. Relator Ministro Joaquim Barbosa. Julgado em : 19/09/2006. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/nova/ pesquisa.asp> Acesso em 20/05/2007 231 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça.-SC, Habeas corpus n° 01.018518-0 Rel Des. Amaral e Silva., julgado em 30/10/2001 disponível em; <http://tjsc6.tj.sc.gov.br/jurisprudencia/VerIntegra Avancada .do.> Acesso em 19/04/2007
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O Tribunal de Justiça de Santa Catarina julgando o habeas corpus n°
00.020310-6, onde o paciente se encontrava segregado há mais de 01 (um) ano e
09 (nove) meses, sem que se encerrasse a instrução, vez que nem mesmo todas
as testemunhas de acusação foram inquiridas, entendeu estar latente o excesso
de prazo e decidiu por conceder a ordem, implicando na soltura imediata do
acusado.
EMENTA: HABEAS CORPUS - PRISÃO PREVENTIVA - INSTRUÇÃO CRIMINAL - DEMORA NA INSTRUÇÃO - INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO PARA O TÉRMINO DO PROCESSO - EXCESSO DE PRAZO CARACTERIZADO SEM CULPA DA DEFESA-ORDEM CONCEDIDA. 232 (Grifo Nosso)
Esta mesma Corte, julgou procedente os autos de habeas corpus n.
00.007901-4, em virtude de o acusado estar preso por 05 (cinco) meses sem que
sequer houvesse sido interrogado. Ademais, o inquérito policial foi devolvido à
delegacia para diligências complementares a requerimento do Ministério Público,
que ofereceu a denúncia 03 (três) meses após ter vistas, extrapolando o prazo
de 05 (cinco) dias previsto no artigo 46 do Código de Processo Penal, para
ofertar a exordial acusatória, quando se tratar de réu preso, motivo pelo qual,
restou evidenciado o excesso de prazo para o encerramento da instrução
criminal:
EMENTA: HABEAS CORPUS - PROCESSUAL PENAL - PRISÃO PREVENTIVA - CADERNO INDICIÁRIO CONCLUSO AO MINISTÉRIO PÚBLICO - RETORNO À DELEGACIA DE POLÍCIA PARA DILIGÊNCIAS, À REQUERIMENTO DO ÓRGÃO MINISTERIAL - DENÚNCIA - OFERECIMENTO - INÍCIO DO PRAZO QUE SE CONTA DA PRIMEIRA VISTA DO INQUÉRITO POLICIAL AO PARQUET A QUO - EXORDIAL ACUSATÓRIA APRESENTADA TRÊS MESES APÓS, QUANDO O PACIENTE JÁ ESTAVA PRESO HÁ QUASE CINCO MESES - EXTRAPOLAMENTO DE QUALQUER LIMITE DE RAZOABILIDADE - EXCESSO DE PRAZO EVIDENCIADO - AFRONTA AO DISPOSTO NO ART. 10 C/C ART. 46 DO CPP - COAÇÃO ILEGAL PATENTEADA - ORDEM CONCEDIDA233 (Grifo nosso)
232 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça.-SC, Habeas corpus n° 00.020310-6 Rel Nilton Macedo Machado.., julgado em 31/10/2000 disponível em; <http://tjsc6.tj.sc.gov.br/jurisprudencia/VerIntegra Avancada .do.> Acesso em 19/04/2007 233 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça.-SC, Habeas corpus n° 00.007901-4. Rel Jorge Mussi, julgado em 30/05/2000 disponível em; <http://tjsc6.tj.sc.gov.br/jurisprudencia/VerIntegra Avancada .do.> Acesso em 19/04/2007
70
Neste outro recurso em habeas corpus, o paciente se encontrava
preso há mais de 20 (vinte) meses sem que fosse encerrada a instrução criminal,
a Corte catarinense decidiu por conceder a ordem e a estende-la de ofício ao co-
réu não recorrente, para que respondam o processo em liberdade:
EMENTA: HABEAS CORPUS - ALEGAÇÃO DE COAÇÃO ILEGAL POR EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA - PACIENTE PRESO HÁ MAIS DE VINTE MESES - DEMORA NA CONCLUSÃO DO PROCESSO QUE ULTRAPASSOU OS LIMITES DA RAZOABILIDADE - EXCESSO NÃO JUSTIFICADO - CARACTERIZAÇÃO DO CONSTRANGIMENTO ILEGAL - ORDEM CONCEDIDA - EXTENSÃO, DE OFÍCIO, DO BENEFÍCIO AO CO-RÉU NÃO RECORRENTE.(...)234 (grifo nosso)
Outro caso em que é comum a configuração do excesso de prazo na
formação da culpa diz respeito ao momento de oferecimento da denúncia235, urge
salientar que nosso Tribunal enfrentou por diversas vezes o tema.
Neste sentido o Tribunal Catarinense, ao julgar o habeas corpus n°
98.015774-9 , em que a paciente havia sido presa em flagrante, por haver
infringido o artigo 12, da Lei 6.368/76236. No entanto, a mesma se encontrava
segregada há mais de 24 (vinte e quatro) dias, sem que a denúncia tivesse sido
oferecida, caracterizando o constrangimento ilegal:
EMENTA: HABEAS CORPUS. AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE TESTEMUNHADO APENAS POR POLICIAIS. VALIDADE. FLAGRANTE FORJADO. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME DE PROVA NA VIA ESTREITA DO HABEAS CORPUS. PRESENÇA DOS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO É ÓBICE À MANUTENÇÃO DA PRISÃO EM FLAGRANTE DEVIDAMENTE HOMOLOGADA. EXCESSO DE PRAZO. PACIENTE PRESA A MAIS DE 24 (VINTE E QUATRO) DIAS SEM QUE A DENÚNCIA TENHA SIDO OFERECIDA. PEDIDO DE
234 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça.-SC, Habeas corpus n° 2005.036068-8. Rel Torres Marques, julgado em 29/11/2005. Disponível em; <http://tjsc6.tj.sc.gov.br/jurisprudencia/VerIntegra Avancada .do.> Acesso em 19/04/2007 235 O prazo para o oferecimento da denúncia no procedimento ordinário será de 15 (quinze) dias para o réu solto e 05 (cinco) dias para o réu preso conforme o disposto no artigo 46 do Código de Processo Penal, prazo este já tratado no capitulo anterior. 236 A Lei 6.368/76 trata sobre os crimes de entorpecentes, em seu artigo 12 prescrevia como crimes: Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica,sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar; Esta lei foi recentemente revogada pela Lei n° 11.343/2006, entanto, manteve o seu conteúdo no artigo 33.
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DILIGÊNCIAS QUE NÃO OBSTA O OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. OCORRÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA.237 (Grifo nosso)
Neste sentido, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina concedeu a ordem
de habeas corpus no processo n° 02.007933-8, em virtude de o réu estar preso
há mais de 80 (oitenta) dias sem que tenha sido, sequer, oferecida a denúncia:
EMENTA: HABEAS-CORPUS - EXCESSO DE PRAZO PARA FORMAÇÃO DA CULPA CARACTERIZADO - PACIENTE PRESA HÁ MAIS DE 80 (OITENTA) DIAS SEM QUE TENHA SIDO, SEQUER, OFERECIDA DENÚNCIA - LIMINAR CONFIRMADA - WRIT CONCEDIDO.238
Ainda, neste prisma, foi a decisão da nossa Corte ao conceder a ordem de
habeas corpus, para que respondesse o processo em liberdade o paciente que
estava preso a mais de 90 dias sem ter sido ofertada a respectiva denúncia:
EMENTA: HABEAS CORPUS - PRISÃO PREVENTIVA - DESPACHO CARENTE DE FUNDAMENTAÇÃO - EXCESSO DE PRAZO - PACIENTE PRESO HÁ MAIS DE TRÊS MESES - DENÚNCIA AINDA NÃO OFERTADA - ORDEM CONCEDIDA 239 (Grifo nosso).
Há, contudo, situações excepcionais, em que o próprio Ministério Público
requer o retorno dos autos à delegacia de polícia para diligências
complementares, indispensáveis para o oferecimento da denúncia, nestes casos,
permanece o prazo legal para o oferecimento da exordial acusatória, contados a
partir da nova vista do inquérito policial ao Órgão Ministerial, sob pena de se
configurar constrangimento ilegal em virtude do excesso de prazo.240
237 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça.-SC, Habeas corpus n° 98.015774-9 Rel Álvaro Wandelli., julgado em 01/12/1998 disponível em; <http://tjsc6.tj.sc.gov.br/jurisprudencia/VerIntegra Avancada .do.> Acesso em 19/04/2007 238 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça.-SC, Habeas corpus n° 02.007933-8 Rel Des. Sérgio Roberto Baasch Luz., julgado em 28/05/2002 disponível em; <http://tjsc6.tj.sc.gov.br/jurisprudencia/VerIntegra Avancada .do.> Acesso em 19/04/2007 239 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça.-SC, Habeas corpus n° 2002.008638-5 Rel Des. Genésio Nolli.., julgado em 11/06/2002 disponível em; <http://tjsc6.tj.sc.gov.br/jurisprudencia/VerIntegra Avancada .do.> Acesso em 19/04/2007 240 Cf. MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Comentado, 5ª ed., São Paulo: Atlas, 1997, p. 111.
72
Amolda-se com perfeição, a decisão dos autos de habeas corpus n°
00.007901-4, em que figurava preso o paciente. O Ministério Público requereu o
retorno dos autos à Delegacia de Policia para diligências complementares, no
entanto, ofertou a denúncia somente após 3 (três) meses da data em que teve
vista do inquérito policial, ocasião em que já se encontrava preso o paciente há
mais de 5 (cinco) meses, extrapolando o prazo legal previsto no artigo 10 c/c com
o artigo 46 do Código de Processo Legal, configurando a coação ilegal pelo
excesso de prazo:
EMENTA: HABEAS CORPUS - PROCESSUAL PENAL - PRISÃO PREVENTIVA - CADERNO INDICIÁRIO CONCLUSO AO MINISTÉRIO PÚBLICO - RETORNO À DELEGACIA DE POLÍCIA PARA DILIGÊNCIAS, À REQUERIMENTO DO ÓRGÃO MINISTERIAL - DENÚNCIA - OFERECIMENTO - INÍCIO DO PRAZO QUE SE CONTA DA PRIMEIRA VISTA DO INQUÉRITO POLICIAL AO PARQUET A QUO - EXORDIAL ACUSATÓRIA APRESENTADA TRÊS MESES APÓS, QUANDO O PACIENTE JÁ ESTAVA PRESO HÁ QUASE CINCO MESES - EXTRAPOLAMENTO DE QUALQUER LIMITE DE RAZOABILIDADE - EXCESSO DE PRAZO EVIDENCIADO - AFRONTA AO DISPOSTO NO ART. 10 C/C ART. 46 DO CPP - COAÇÃO ILEGAL PATENTEADA - ORDEM CONCEDIDA. 241 (Grifo nosso) .
Nesta mesma esteira, a decisão do habeas corpus n° 00.013348-5, em que
o paciente estava preso há 2 (dois) meses, e a denúncia ainda não havia sido
ofertada, sendo remetido à Delegacia de Policia o caderno indiciário, para
diligências complementares:
EMENTA: HABEAS CORPUS - PRISÃO PREVENTIVA - DESPACHO CARENTE DE FUNDAMENTAÇÃO - ORDEM CONCEDIDA. (...) PROCESSO PENAL - PRISÃO PREVENTIVA - EXCESSO DE PRAZO - RETORNO DOS AUTOS À DELEGACIA DE POLÍCIA PARA DILIGÊNCIAS - DENÚNCIA AINDA NÃO OFERECIDA - PACIENTE PRESO POR MAIS DE DOIS MESES - CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENTE - ORDEM CONCEDIDA. Estando preso o paciente, seja em função de flagrante ou preventiva, os autos em princípio não devem retornar à Delegacia de Polícia para novas diligências; mas, uma vez necessárias, não pode exceder ao prazo do art. 10, do CPP, nada impedindo que a denúncia seja oferecida no prazo legal.242
241 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça.-SC, Habeas corpus n° 00.007901-4 Rel Des. Jorge Mussi., julgado em 30/05/2000 disponível em; <http://tjsc6.tj.sc.gov.br/jurisprudencia/VerIntegra Avancada .do.> Acesso em 19/04/2007 242 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça.-SC, Habeas corpus n° 00.013348-5 Rel Des. Nilton Macedo Machado., julgado em 15/08/2000 disponível em; <http://tjsc6.tj.sc.gov.br/jurisprudencia/VerIntegra Avancada .do.> Acesso em 19/04/2007
73
Analisar-se-á as circunstancias em que nossos tribunais têm mitigado a
questão do excesso de prazo na instrução criminal.
4.2.2 CIRCUNSTÂNCIAS EM QUE NOSSAS CORTES DE JUSTIÇA CONSIDERAM
JUSTIFICADOS OS EXCESSOS DE PRAZO NA INSTRUÇÃO CRIMINAL
Há hipóteses em que resta patente a complexidade processual, seja em
decorrência da pluralidade de réus, seja em função de testemunhas arroladas em
locais de difícil acesso, e/ou do fato de que as práticas supostamente criminosas
tenham sido realizadas em diversas unidades da federação ou até mesmo fora do
País, o que ensejaria a expedição de cartas precatórias, e rogatórias, diligências
sabidamente demoradas.243
Diante destes casos, as jurisprudências de nossos pretórios, pautadas pelo
juízo de razoabilidade, vêm considerando justificável o eventual excesso de prazo
da prisão processual.
Neste sentido o Supremo Tribunal Federal, em recentíssima decisão em
habeas Corpus, de relatoria do ministro Eros Grau, impetrado contra o Superior
Tribunal de Justiça decidiu:
EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. LATROCÍNIO, FORMAÇÃO DE QUADRILHA E PORTE ILEGAL DE ARMAS. PRISÃO PREVENTIVA. EXCESSO DE PRAZO. CONCORRÊNCIA DA DEFESA. RAZOABILIDADE: NÚMERO DE ACUSADOS E COMPLEXIDADE DO FEITO. A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que o excesso de prazo para o término da instrução criminal mostra-se razoável quando o feito é complexo e é grande número de acusados. Ademais, há elementos nos autos demonstrando que a defesa concorreu para esse excesso com artifícios protelatórios. Ordem denegada.244 (grifo nosso)
243 Precedentes do Supremo Tribunal Federal sobre a excepcional prorrogação do prazo de instrução frente complexidade do caso: Precedentes: HC nº 71.610/DF, Pleno, Unânime, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 30.03.2001; HC nº 82.138/SC, 2ª Turma, Unânime, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 14.11.2002; HC nº 81.905/PE, 1ª Turma, Maioria, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 16.05.2003; HC nº 85.679/PE, 1ª Turma, maioria, Rel. Min. Carlos Britto, DJ de 31.03.2006; HC nº 86.577/ES, Rel. Min. Ricardo Lewandowisk, 1ª Turma, maioria, julgado em 12.09.2006; e HC nº 88.905/GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, unânime, DJ de 13.10.2006. 244 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus n. HC 88443 / BA. Relator Ministro EROS GRAU. Julgado em : 08/05/2007 Disponível em: http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/nova/pesquisa.asp Acesso em 20/05/2007
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Esta mesma Corte, ao decidir um processo em que a denúncia foi oferecida
contra quatorze acusados, investigados por vários crimes, com a peça acusatória
contendo doze vítimas e onze testemunhas a comprovar os fatos, entendeu ser
razoável a demora na instrução criminal, não caracterizando com isso o
constrangimento ilegal:
EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. EXCESSO DE PRAZO. AFRONTA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO E CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADOS. COMPLEXIDADE DA CAUSA. DEMORA RAZOÁVEL. PRECEDENTES DAS TURMAS DESTE SUPREMO. HABEAS CORPUS A QUE SE DENEGA A ORDEM. 1. Denúncia oferecida contra quatorze acusados, na qual conta estar em processo ininterrupto de investigação pelo menos nove fatos delituosos. Peça acusatória com rol de doze vítimas e onze testemunhas a comprová-los, residentes nas mais diversas localidades da região onde os crimes foram cometidos. 2. Decisão do Superior Tribunal de Justiça que guarda perfeita consonância com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, no sentido de não haver constrangimento ilegal por excesso de prazo quando a complexidade da causa, a quantidade de réus e de testemunhas justificam a razoável demora para o encerramento da ação penal. Precedentes.245 (grifo nosso)
Nesta mesma esteira, o Superior Tribunal de Justiça, julgando um caso em
que havia mais de vinte e um acusados em crimes diversos, valeu-se da aplicação
do princípio da razoabilidade, de modo a afastar, na hipótese, o alegado
constrangimento ilegal:
EMENTA: PROCESSUAL PENAL - HABEAS CORPUS – INSTRUÇÃO CRIMINAL - EXCESSO DE PRAZO JUSTIFICADO – PROCESSO COMPLEXO - PLURALIDADE DE RÉUS E DE CRIMES – ENVOLVIMENTO DE POLICIAIS MILITARES COM O CRIME ORGANIZADO – CRIMES HEDIONDOS - PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE – CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO DEMONSTRADO - ORDEM DENEGADA.246 (grifo nosso)
245 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus n. 88975 / RS. Relator Ministro Carlos Britto. Julgado em : 05/12/2006 Disponível em: <http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/nova/ pesquisa.asp> Acesso em 20/05/2007 246 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas-corpus nº 41885/RJ Rel. Min. Paulo Medina, DJU de 12/09 /2005 .Disponível em : <http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=excesso+de +prazo+de negado &&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=23 >. Acesso em: 19/04/2007
75
Neste norte, o Superior Tribunal de Justiça, analisando habeas corpus,
considerou justificado o excesso de prazo na instrução criminal em virtude da
complexidade da causa pluralidade de réus e expedição de várias cartas
precatórias.
EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. NEGATIVA DE AUTORIA. ANÁLISE DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. PREVENTIVA.FUNDAMENTOS. AMEAÇA ÀS TESTEMUNHAS. FUGA DO DISTRITO DA CULPA. DECISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. EXCESSO DE PRAZO. NÃO OCORRÊNCIA. FEITO COMPLEXO. EXPEDIÇÃO DE INÚMERAS CARTAS PRECATÓRIAS. PLURALIDADE DE RÉUS.247 (grifo nosso)
A Corte de Justiça catarinense coaduna-se neste sentido:
EMENTA: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL - HABEAS CORPUS - HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO, ROUBO CIRCUNSTANCIADO E OCULTAÇÃO DE CADÁVER - MATERIALIDADE COMPROVADA E INDÍCIOS SUFICIENTES DA AUTORIA - PRESSUPOSTOS DO ARTIGO 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL CONFIGURADOS - GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA, CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL E APLICAÇÃO DA LEI PENAL - EXCESSO DE PRAZO INEXISTENTE - PROCESSO COMPLEXO - VÁRIOS RÉUS - ORDEM DENEGADA Não há constrangimento ilegal se a prisão cautelar está devidamente fundamentada, nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal. Não se cogita de excesso de prazo na formação da culpa se o processo não se encontra paralisado injustificadamente, mas tem o andamento dificultado pela complexidade da causa e pelo número de acusados. Há que se ter presente o princípio da razoabilidade. 248 (grifo nosso)
Nunca é demais lembrar, que não se caracteriza o constrangimento ilegal
quando a demora na instrução criminal for atribuída exclusivamente à defesa e/ou
ao acusado, seguindo a aplicabilidade da súmula n° 64 do Superior Tribunal de
Justiça.
Neste rumo é o entendimento o Supremo Tribunal Federal:
247 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Habeas-corpus nº 21392/RN Rel. Ministra Laurita Vaz, DJU de 13.08.2007 p. 390 Disponível em : <http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia /doc.jsp?livre= excesso+de+prazo+de negado &&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=23>. Acesso em: 20/08/2007 248 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça.-SC, Habeas corpus n° 2006.048404-6 Rel Des. Amaral e Silva., julgado em 30/01/2007disponível em; <http://tjsc6.tj.sc.gov.br/jurisprudencia/VerIntegra Avancada .do.> Acesso em 19/04/2007
76
EMENTA. AÇÃO PENAL. Excesso de prazo. Não caracterização. Pendência de diligências e recursos da defesa. Retardamento não imputável a deficiência da máquina judiciária. HC denegado. Precedentes. Não caracteriza constrangimento ilegal o excesso de prazo que decorra só de culpa da defesa e da complexidade do processo. 249 (grifo nosso)
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, ao julgar recurso o Habeas corpus
n° 98.002361-0, decidiu por denegar o remédio heróico, em virtude do excesso de
prazo na formação da culpa decorrer de requerimento de exame de insanidade
mental formulado pela defesa:
EMENTA: HABEAS CORPUS - EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA - EXAME DE SANIDADE MENTAL - REQUERIMENTO FORMULADO PELA DEFESA APÓS INQUIRIÇÃO DE SUAS TESTEMUNHAS - PERÍCIA COM DATA JÁ MARCADA PARA SUA REALIZAÇÃO - CONSTRANGIMENTO ILEGAL INOCORRENTE - ORDEM DENEGADA."Não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução, provocado pela defesa" (STJ - Súmula 64)250 (Grifo nosso)
Nas hipóteses acima mencionadas, malgrado o atraso na instrução
criminal, este se justificaria, considerando-se as peculiaridades da causa.
Tratando-se sob o prisma da razoabilidade processos inequivocamente
complexos, diversos crimes, com elevado número de acusados, várias vítimas e
testemunhas, emissão de cartas precatórias. A demora atribuída à defesa, não
caracteriza o constrangimento ilegal, logo, torna-se insuscetível de correção pela
via heróica do Habeas corpus.
249 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus n. 90540/MT. Relator Ministro Cezar Peluso. Julgado em : 13/03/2007 Disponível em: <http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/nova/ pesquisa.asp> Acesso em 20/05/2007 250 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça.-SC, Habeas corpus n° 98.002361-0 Rel Nilton Macedo Machado.., julgado em 31/03/1998 disponível em; <http://tjsc6.tj.sc.gov.br/jurisprudencia/VerIntegra Avancada .do.> Acesso em 19/04/2007
77
4.2.3 CRÍTICAS À APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE COMO CRITÉRIO
NORTEADOR
Como demonstrado acima, não há no ordenamento jurídico pátrio, um limite
temporal claro e preciso sobre a duração dos processos, já que pela redação do
inciso, LXXVIII, da Constituição Federal, ao consagrar o “direito de ser julgado em
um prazo razoável”, encerra em si uma grande carga de subjetividade, fazendo
com que exista uma indefinição quanto a critérios e conceitos, e diante desta
vagueza, restou consolidada a doutrina do “não-prazo”.251
As críticas a esta doutrina perpassam pela ampla discricionariedade com
que cada Julgador, ao avaliar alternativamente as particularidades de cada caso,
como às condutas das partes envolvidas, à complexidade da causa, às
conseqüências da demora na prestação jurisdicional, e o prejuízo ao jus libertatis
do acusado, decidida se está diante de uma a dilação indevida, ou se a demora
na instrução do processo está justificada.252
Diante desta falta de referencial quanto à duração da instrução criminal, os
Tribunais brasileiros afiançam a demora judicial, com os mais frágeis argumentos,
tais como: complexidade do fato, gravidade, clamor público, ou ainda a rotulação
do delito como crime hediondo, como se esta definição, de per si justificasse
qualquer ato repressivo253
Ora, se inteligentemente, não se atribui aos juízes o poder de determinar o
conteúdo das condutas puníveis, o tipo de punição à ser aplicada, a duração da
prisão sem limites mínimos e máximos, e, tão pouco às regras de natureza
251 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável, 2006. . p 41 252 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável, 2006. . p 86 253 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável, 2006. . p 107
78
procedimental, não há razão para atribuir-se a eles, a determinação do que seria
um prazo razoável de duração para a instrução do processo penal.254
O processo penal consiste em um exercício de poder estatal, e portanto,
deve estar judicialmente regulado com toda a precisão e detalhes, pois, assim
como o direito penal está estritamente limitado pelo princípio da legalidade, e o
procedimento pelas normas que o regulam, também a duração dos processos
deve ser alvo de regulamentação normativa, clara e objetiva.255
4.3 A FIXAÇÃO DO PRAZO NA LEI DO CRIME ORGANIZADO 4.3.1 BREVE INTRODUÇÃO
As organizações criminosas256 remontam os séculos como um fenômeno
mundial, seus integrantes se uniam com o objetivo de praticar crimes de maneira
organizada e hierárquica. Exemplos clássicos dessa forma de organização são os
piratas, que pilhavam e saqueavam navios carregados de mercadorias, o que nos
dias atuais se assemelha aos roubos de cargas.
No Brasil, o crime organizado257 teve sua gênese no movimento do
cangaço, ocorrido no sertão do Nordeste entre os séculos XIX e XX, e
personificados pela figura de Virgulem Ferreira da Silva, o Lampião.258 O Bando
tinha estrutura hierarquizada e atuava em várias modalidades delitivas, entre as
quais se destacam: a) saquear pequenas cidades, vilas e fazendas; b) extorquir
dinheiro sob promessa de ataque; c) seqüestrar pessoas importantes para exigir
resgate.259
254 Cf. PASTOR, Daniel R. El Plazo Razonable en el processo Estado de Derecho.Buenos Aires: Editorial Ad hoc. 2002, apud LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável, 2006. . p 86 255 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável, 2006. . p 86 256 As origens históricas, das organizações criminosas estão esposadas no anexo deste presente trabalho. 257 Toda a origem e o desenvolvimento das organizações criminosas no País, bem como, a problemática em torno de sua conceituação está contida no anexo deste trabalho. 258 Virgulino Ferreira da Silva, “O Lampião” viveu entre 1897 e 1938, ao lado de sua companheira Mária Bunita”assombrou o Nordeste brasileiro com seu Bando de cangaceiros. Cf. SILVA, Eduardo Araújo. Crime Organizado. São Paulo: Atlas, 2003. p.24 259 Cf. SILVA, Eduardo Araújo. Crime Organizado. 2003. p.25
79
4.3.2 CARACTERÍSTICAS DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS
O crime organizado pode ser caracterizado como um negócio sistemático, à
luz do que seria uma atividade econômica bem sucedida260, administrada por um
chefe, operando muitas vezes de forma impessoal, dificultando a identificação de
seus integrantes, e atuando em várias frentes criminosas tais como: a) tráfico de
drogas, b) tráfico de mulheres, c) tráfico de animais, d) prostituição, e) jogo, f)
usura, g) extorsão, entre outros.261
Para Alberto Silva Franco o crime organizado tem como características: a)
a adoção de um padrão constante na forma de agir; organização hierárquica,
permitindo tirar proveito das deficiências estruturais do sistema penal; a utilização
de recursos tecnológicos avançados; interação com outros grupos delinquenciais;
expansionismo de sua área de atuação; e sobretudo, a capacidade de intervenção
nos Poderes Estatais262
Segundo Marco Antônio de Barros, as organizações criminosas, em regra,
possuêm uma estrutura organizacional firme, operando de forma sistemática, com
divisão de tarefas, objetivando a obtenção de vantagens econômicas, políticas e
sociais. Para isso empregam métodos alternados de praticas lícitas e ilícitas
geralmente amparadas por suportes tecnológicos avançadíssimos e com gestão
similar às grandes empresas legais, sendo comum estas organizações criminosas
apresentarem estruturalmente as seguintes características263:
a) estrutura hierárquico-piramidal, estabelecida no mínimo em três níveis,
com a presença de um chefe, sub-chefe/conselheiro, gerentes e partícipes
de outros escalões subalternos;
260 Cf. MAIEROVITCH, Walter Fanganiello. As associações criminosas transnacionais. In: PENTEADO, Jaques de Camargo (Coord.). Justiça penal: críticas e sugestões, v. 3. São Paulo: RT, 1995. p. 58. 261 Cf BARRETTO, Artur de Lima. O crime organizado: diligências investigatórias do Ministério Público. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 370, 12 jul. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5422>. Acesso em: 23 set. 2007. 262 Cf. FRANCO, Alberto Silva. O difícil processo de tipificação. Boletim IBCCrim 21, p. 5. Apud FERNANDES, Antônio Scarance. O crime organizado e a legislação brasileira. In: PENTEADO, Jaques de Camargo (Coord.). Justiça penal: críticas e sugestões, v. 3. São Paulo: RT, 1995. p. 37. 263 Cf. BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de capitais e obrigações civis correlatas. com comentário, artigo por artigo, à Lei 9613/98, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 35
80
b) divisão de tarefas entre os membros da organização, como decorrência
da diversificação de atividades;
c) restrição dos componentes apenas a pessoas de absoluta confiança,
para melhor controlar a atuação individual, condição de sobrevivência e
manutenção da própria organização criminosa;
d) envolvimento de agentes públicos; exercendo alto poder de corrupção
atuando nas três esferas estatais, (Poder Executivo, Legislativo e
Judiciário), garantindo a sensação de segurança e impunidade ao seus
integrantes;
e) domínio territorial da área de atuação, para garantir maior segurança e
estabilidade nas operações;
f) busca constante de lucro e poder – objetivo primordial dessas
organizações;
g) “lavagem de dinheiro” diante da necessidade de "legalizar" o lucro
obtido ilicitamente, utilizando para tanto os paraísos fiscais.264
Além das características apontadas acima, o professor Luiz Flávio Gomes
destaca ainda:265
a) planejamento empresarial, com sofisticados sistemas contábeis;
b) alto poder de intimidação, no qual impera lei do silêncio mantida pelo
emprego de meios cruéis de violência.;
c) uso de meios tecnológicos avançados;
d) alta capacitação para a fraude;
e) oferta de prestações sociais, o que facilita a integração com a
comunidade local possibilitando inserção no meio político-social;
f) recrutamento de pessoas para atuarem nas mais variadas frentes
criminosas.
264 São chamados de paraísos fiscais Estados ou regiões autónomas onde a lei facilita a aplicação de capitais de origem desconhecida, protegendo a identidade dos proprietários desse dinheiro, ao garantirem o sigilo bancário absoluto. 265 Cf. GOMES, Luiz Flávio. Crime organizado: que se entende por isso depois da Lei nº 10.217/01? (Apontamentos sobre a perda de eficácia de grande parte da Lei 9.034/95). Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 56, abr. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2919>. Acesso em: 22 set. 2007.
81
Diante das argumentações expostas, conclui-se ser inadequada a
tentativa de se estabelecer um rol exaustivo de delitos praticados pelo crime
organizado, pois qualquer relação seria incompleta, diante da imensa variedade
de delitos cometidos por estas organizações. Delitos estes que vão desde a
indústria da pirataria ao tráfico de seres humanos, passando necessariamente
pela lavagem de dinheiro e o tráfico internacional de drogas e armas, bem como,
pela obstrução da justiça, através da intimidação e corrupção de seus agentes,
isso sem mencionar a extorsão por telefone e a cobrança de taxas de segurança
de presos e familiares, delitos amplamente praticados por facções criminosas no
Brasil.266
Em 4 de maio de 1995 foi publicada no Diário Oficial da União, a lei
ordinária n°. 9.034/95,267 que versava sobre a repressão ao crime organizado,
nesta lei estabeleceu-se o prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias para a
duração da prisão processual. A não observância deste prazo poderia configurar
a coação ilegal, passível de ser remediada pelo instituto do habeas corpus.268
Como o legislador não distinguiu qual a modalidade de prisão processual
estaria vinculada àquele prazo máximo, todas as formas de prisões cautelares
restaram abarcadas pela lei, seja ela flagrante, temporária preventiva, sentença
condenatória recorrível ou por pronúncia nos casos de crimes de competência do
tribunal do Júri .269
Importante ressaltar que durante a vigência da redação original do artigo 8 °
da lei 9.034/95, o lapso temporal compreendido entre a data do início da prisão
cautelar e o trânsito em julgado, deveria ser de 180 (cento e oitenta) dias, sob
266 Cf. KAHN, Túlio. Crime Organizado - este inimigo desconhecido. Fórum Brasileiro de Segurança Pública Disponível em: <http://www.forumseguranca.org.br/artigos/crime-organizado-este-inimigo-desconhecido> Acesso em: 22 jul de 2007 267 Ver integra da lei no anexo I da presente monografia. 268 Cf. GOMES, Abel Fernandes. Et allis. Crime Organizado e suas conexões com o poder público: comentários à lei 9.034/95: considerações críticas. 2000, p. 92 269 Cf SIQUEIRA FILHO, Élio Wanderley de. Repressão ao Crime Organizado: Inovações da Lei 9.034/95. 2005. p 98
82
pena de tornar a prisão ilegal o que acarretaria no relaxamento da custódia do
acusado. 270
No entanto, em 5 de setembro de 1996, com o advento da lei 9.303/96271, o
artigo 8° da lei 9.034/95 passou a vigorar com a seguinte redação:
Art. 1º: O art. 8° da Lei n° 9.034, de 3 maio de 1995, passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 8° O prazo para encerramento da instrução criminal, nos processos por crime de que trata esta Lei, será de 81 (oitenta e um) dias, quando o réu estiver preso, e de 120 (cento e vinte) dias, quando solto272. (grifo nosso)
Esta significativa alteração serviu para corrigir uma verdadeira aberração,
pois o prazo de 180 dias para a duração da prisão cautelar discrepava muito dos
prazos habitualmente utilizados em nosso processo penal.273
Com o advento da Lei 9.303/96, harmonizou-se a legislação processual
com a orientação jurisprudencial, já que as nossas Cortes de Justiça já haviam
pacificado o entendimento de que o prazo máximo para o encerramento da
instrução criminal, é de 81 (oitenta e um) dias, com extrapolamento deste prazo,
deverá ser o acusado, imediatamente, posto em liberdade. 274
Ademais, considerando-se que nosso legislador, ao tratar dos crimes
perpetrados pelas ditas Organizações criminosas, crimes estes extremamente
complexos, envolvendo em geral vários delitos, vários autores e participes, várias
vítimas, consumados em vários Estados, entre outras situações igualmente
complexas, considerou que o prazo máximo razoável para o encerramento da
instrução criminal seria de 81 (oitenta e um) dias para o réu preso, e 120 (cento e
270 Cf. GOMES, Abel Fernandes. Et allis. Crime Organizado e suas conexões com o poder público: comentários à lei 9.034/95: considerações críticas. 2000, p. 92 271 A lei 9.303/96 altera a redação do art. 8° da Lei n° 9.034, de 3 de maio de 1995, que "dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas". 272 BRASIL. Lei Ordinária n° 9303 de 5 se setembro de 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Leis/L9303.htm acesso em 25 mar 2007 273 Cf. MAIA, Rodolfo Tigre. O estado desorganizado contra o crime organizado. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1997, p. 115-117. 274 Cf. PEDROSA, Ronaldo Leite. Crime organizado: mais uma “Lei Hedionda”. Rio de Janeiro: Instituto de direito, 1996 p. 560
83
vinte) dias para o réu solto, mostrando-se lógica a aplicação deste referencial aos
crimes ditos comuns ou ordinários. 275
Entretanto, existe àqueles que afirmam, que o prazo estabelecido pela lei
9.034/95 para o encerramento da instrução criminal somente se aplicam aos
crimes perpetrados pelas organizações criminosas, não admitindo sua
interpretação extensiva aos crimes comuns, insistindo em não considerarem o
excesso de prazo na instrução criminal com sendo uma coação ilegal, pois o
preso, em virtude de ter cometido a ação delitiva, deveria suportar toda a angústia
e sofrimento a ele imposto.276
Abordar-se-á na seqüência a possibilidade de aplicação deste regramento
de forma extensiva, aos crimes não previstos na Lei 9.034/95.
4.4 O PRAZO FIXADO NA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS COMO REFERÊNCIA
PARA O ENCERRAMENTO DA INSTRUÇÃO CRIMINAL AOS DEMAIS CRIMES
A lei processual penal deve ser interpretada levando-se em consideração a
finalidade da Lei, para que se verifique possível nulidade do processo. No entanto,
imperioso lembrar que a interpretação da lei jamais poderá ser feita em prejuízo ao
réu, não podendo em hipótese alguma diminuir a amplitude de defesa ou restringir
as garantias processuais estabelecidas em nosso ordenamento jurídico. Pois o
processo penal possui dupla finalidade, a primeira essencial, estabelecida em prol
do interesse social, dedicando-se a coibir a prática delitiva punindo os infratores; e
a segunda correlata, cuidando dos interesses pessoais dos acusados, em especial
às garantias fundamentais dentre as quais se destacam: o direito à liberdade e à
dignidade da pessoa humana, garantias estas que caracterizam o Estado
Democrático de Direito.277
275 Cf FERNANDES, Antonio Scarance. Novo prazo máximo de prisão cautelar: 180 dias, in Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ano 3, nº 32, agosto de 1995, pág. 3 276 Cf OLIVEIRA, Luiz Carlos de. Do excesso de prazo para o encerramento da instrução criminal e a obrigatória revogação da custódia . Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 50, abr. 2001. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2009>. Acesso em: 27 jul. 2007. 277 ROSA, Inocêncio Borges da. Processo Penal Brasileiro, Porto Alegre, Livraria do Globo, 1942, vol. I, págs. 99 e 100
84
O artigo 5° inciso XL da Carta Magna assevera: “a lei penal não
retroagirá, salvo para beneficiar o réu” 278(grifo nosso). Portanto, a interpretação
extensiva da lei só será proibida quando cominar pena ou agravar a situação do
réu. No caso em espécie, a aplicabilidade da regra esculpida no artigo 8° da Lei
9.034/95, com a nova redação imposta pela lei 9.303/96, em que estabelece prazo
máximo para o encerramento da instrução criminal, como sendo o de 81 (oitenta e
um ) dias quando se tratar de réu preso e 120 (cento e vinte ) dias quando o
mesmo estiver solto, evidencia-se como mais benéfica ao acusado, em virtude de
possibilitar ao réu um julgamento célere, não deixando que o prazo da prisão
cautelar fique ao bel-prazer do Estado.279
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, cauteloso diante da situação
dos réus presos, vem decidindo de forma sistemática sobre a possibilidade de se
estender aos crimes comuns, a regra forjada no artigo 8º da Lei 9.034/95, em que
se estabelece o prazo de para o encerramento da instrução criminal:
PRISÃO PROVISÓRIA. EXCESO DE PRAZO. OCORRÊNCIA. PRAZO DE ENCERRAMENTO DA INSTRUÇÃO. PREVISÃO EM LEI ESPECIAL EXTENSIVA ÀS DEMAIS HIPÓTESES. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. [omissis]. Por mais grave que seja o delito cometido, e na hipótese não o é, o trâmite do procedimento deve ser rápido, pois a prisão provisória é uma medida excepcional que antecede à decisão condenatória, comprometendo o jus libertatis e o status dignitatis do cidadão. Ademais, embora previsto para os processos de réus soltos, o art. 8º da Lei. 9.034/95, ao estabelecer o prazo de cento e vinte dias para o encerramento dos processos, acabou por fixar o tempo máximo de prisão provisória para todas as hipóteses de procedimento (art. 648, II, CPP), uma vez que a lei processual penal é omissa a respeito. Assim, temos o prazo de oitenta e um dias como marco na avaliação de eventual constrangimento ilegal pelo excesso. E o de cento e vinte dias como limite máximo para o encerramento. Neste caso, não se admite qualquer justificativa para o atraso, ainda que em razão de situações especiais DECISÃO: Habeas corpus concedido. Unânime.280 (grifo nosso)
278 Cf BRASIL. Constituição Federal de 1988, artigo 5° inciso XL. (grifo nosso) Disponível em : http://www6.senado.gov.br/co n1988/CON1988 _05.10.1988/art_5_.htm Acesso em: 27 jul 2007. 279 Cf. MAXIMILIANO, Carlos Hermenêutica e Aplicação do Direito, 19ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2001 pág. 329 280 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça, Habeas Corpus nº 70012437638, rel. Des. Sylvio Baptista Neto, julgado em: 25/08/2005. disponível em: http://www.tj.rs.gov.br/site_php/consulta /exibe_documento .php?ano=2005&codigo = 621 499 Acesso em 27 jul 2007.
85
Por tanto, a lei penal mais benéfica deve ser aplicada em favor do acusado,
seja ela especial, específica ou genérica. Devendo prevalecer a regra do artigo 8°
da Lei 9.034/95 com as alterações feitas pela Lei 9.303/96, para todos os crimes,
independentes de serem ou não perpetrados por organizações criminosas.
86
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo desta pesquisa acadêmica foi o de contribuir para a definição de
um prazo máximo para a duração da instrução criminal, o qual, uma vez
desrespeitado, configura constrangimento ilegal sanável pelo instituto do habeas
corpus, previsto no artigo 5º, LXVIII, da Constituição Federal, bem como pelos
artigos 647 a 667 do Código de Processo Penal. Esta lacuna é resultante da
omissão legislativa em definir critérios claros e precisos sobre a duração do
processo.
Para isso, foi necessário proceder ao estudo inicial dos direitos
fundamentais e em especial o direito de ser julgado em um prazo razoável.
Traçou-se um breve escorço histórico sobre a origem dos direitos
fundamentais e naturais, e diante da analise das expressões: “Direitos do
Homem”, e “Direitos Fundamentais”, concluiu-se que os direitos fundamentais são
os direitos do homem, organizados juridicamente, garantidos e limitados no
espaço, e aplicados num determinado período.
Viu-se que estes direitos fundamentais integram o ordenamento jurídico
pátrio, e se distinguem entre direitos fundamentais formalmente constitucionais e
direitos fundamentais sem assento constitucional.
Analisou-se os princípios jurídicos, sua importância e seu critério normativo,
definido-os como o conjunto de preceitos ou regras de valores genéricos, que
servem como base de validade para as demais normas jurídicas, orientando
inclusive sua aplicação.
Ultrapassada a tarefa conceitual, passou-se a analisar os princípios
orientadores do Direito Processual Penal, com especial destaque para o direito
fundamental de ser julgado em um prazo razoável.
Vislumbrou-se que o Estado Democrático de Direito, expresso na
Constituição Federal de 1988, sugere que a política criminal tenha como
fundamentos o devido processo legal, a legalidade, a liberdade e a dignidade
87
humana, devendo caminhar no sentido de conceder o máximo de liberdades para
os indivíduos, estabelecendo garantias para que o Estado exercite seu controle
punitivo, baseado em argumentos que o justifiquem.281
Colacionou-se o magistério de Humberto Theodoro Júnior, que define o
due process of law como uma garantia de que o processo será ordenado segundo
a lei, representando uma garantia constitucional de direito ao processo, sem que
haja discriminação das partes, contemplando a garantia de defesa, com direito ao
contraditório, ao duplo grau de jurisdição, e a publicidade dos atos, entre outros.282
Foi abordado o princípio da legalidade, como uma garantia de ordem penal
e criminal, assegurando que ao indivíduo só será atribuído crime ou aplicada
pena, se ao tempo do fato existir uma lei que os defina, inseriu assim o conceito
de anterioridade, proporcionando ao cidadão, segurança jurídica.283
Observou-se que o princípio da dignidade da pessoa humana está
consagrado no atual sistema constitucional brasileiro, em seu artigo 1°,
representando um valor moral e espiritual inseparável da pessoa, e que traz em si
o anseio ao respeito mútuo, representando o mínimo inabalável que todo
ordenamento jurídico deve garantir, não podendo jamais menosprezar o apreço
que todas as pessoas merecem enquanto seres humanos.284
Afirmou-se ainda, que para o Estado ser considerado genuinamente um
Estado Social e Democrático de Direito é necessário que sua Constituição seja
respeitada, e que o princípio da dignidade da pessoa humana seja reverenciado
em sua plenitude.
Assim, analisou-se a relevância ímpar atribuída ao princípio da dignidade
da pessoa humana, pois este ecoa sobre todo o ordenamento jurídico, atraindo,
281Cf. GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. O princípio da proporcionalidade no Direito Penal. São Paulo: RT,2003, p. 73. 282 Cf. THEODORO JUNIOR, Humberto. Princípios gerais do direito processual civil, Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), Porto Alegre, v.34, ano XII,jul, 1985. p 179 283Cf. MIRABETE, Fabbrini Mirabete. Manual de Direito Penal, vol.1, 13.ed. São Paulo: Atlas, 1998, p. 53/54 284 Cf MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 2ª ed São Paulo: Ed. Atlas. 2003. p.129.
88
norteando e sobrepondo seu conteúdo a todos os demais direitos
fundamentais.285
Abordou-se também o princípio da razoabilidade, sua origem decorrente do
devido processo legal e sua conceituação, da qual pode-se extrair que o Estado
quando utiliza seu poder discricionário, o deve fazer observando os critérios
admissíveis do ponto vista racional, em sintonia com o senso comum de pessoas
equilibradas.286
Apesar da Constituição de 1988 não prevê-lo expressamente, este princípio
restou contido no próprio conceito de devido processo legal, positivado no artigo
5° inciso LIV, e expondo a idéia central do brocardo jurídico “nullum crimen, nulla
poena, sine lege”287 .
Por outro lado, a entrada em vigor da Emenda Constitucional n°45, que
tratava da Reforma do Poder Judiciário, acarretou, entre outras mudanças, a
inserção no artigo 5° do inciso LXXVIII, prevendo expressamente o direito a todos
os cidadãos tanto no âmbito administrativo quanto na esfera judicial, do direito de
ter assegurado a razoável duração do processo e a todos os meios que garantam
a celeridade de sua tramitação.288
Tratou-se, finalmente, do direito fundamental de ser julgado em um prazo
razoável. Apontou-se a primeira previsão legal, através da 6° Emenda
Constitucional Americana, datada de 1791, consagrando entre outras garantias, o
285 Cf. BESTER, Gisela Maria, Direito Constitucional, Fundamentos Teóricos.Vol 1., São Paulo: 2005, p. 289. 286Cf MELLO, Celso Antônio Bandeira de Curso De Direito Administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 91 287 Cf. SOUZA, Carlos Affonso Pereira de. & SAMPAIO, Patrícia Regina Pinheiro. O Princípio da Razoabilidade e O Princípio Da Proporcionalidade: Uma Abordagem Constitucional. Disponível em: http://www.puc-rio.br/sobrepuc/depto/direito/pet_jur/cafpatrz.html - acesso em: 20.03.2007, p. 1. 288 Cf. BRASIL, Constituição (1988). Emenda constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, que altera dispositivos dos arts. 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, e acrescenta os arts. 103-A, 103B, 111-A e 130-A, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc45.htm, Acesso em 15/03/2007.
89
direito a um julgamento público e rápido (speedy and public trial), garantias estas
decorrentes do devido processo legal (due process of law).289
A inquietação com a morosidade da justiça fez com que a celeridade
processual fosse elevada a condição de direito humano fundamental.290 No âmbito
mundial adquiriu tamanha importância que passou a ser objeto de tratados
internacionais291, os mais relevantes foram o Pacto Internacional de direitos civis e
políticos, e Pacto de São José da Costa Rica, posteriormente ratificado pelo Brasil
através do Decreto Legislativo n° 27, de 25 de setembro de 1992, e promulgada
pelo decreto nº 678/92.292
Afirmou-se que por se tratar de um direito fundamental, o direito de ser
julgado em um prazo razoável goza de aplicabilidade imediata,293 prescinde da
edição de novos diplomas legislativos e revoga qualquer legislação em
contrário.294 Estas garantias atuam como um verdadeiro postulado295, não
admitindo quaisquer interpretações que as restrinjam, devendo atuar com a
integralidade da força imperiosa que possui. 296
Nisto residiu o objeto deste capitulo, discorrer sobre os direitos
fundamentais e em especial o de ser julgado em um prazo razoável.
No segundo capítulo, passou-se a analisar as características em relação à
persecução penal brasileira e o prazo razoável da duração do processo.
Foi avaliado inicialmente, o conceito de prazo, sendo conceituado como à
distância temporal balizada entre dois atos ou fatos processuais, no qual um 289 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Lumn Júris, 2006. p 17 290 Cf. ZDANSKI, Claudinei. Da aplicabilidade reflexa do princípio da razoável duração do processo ao inquérito policial. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, nº 172. Disponível em:<http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1183> Acesso em: 18 jun. 2007 291 Cf. ZDANSKI, Claudinei. Da aplicabilidade reflexa do princípio da razoável duração do processo ao inquérito policial. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, nº 172. Disponível em:<http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1183> Acesso em: 18 jun. 2007 292 Cf. RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005, p 45. 293 A característica fundamental das garantias fundamentais está em sua aplicabilidade imediata, prevista no artigo 5°, parágrafo 1° da Constituição da República Federativa do Brasil. 294 Cf. DONNINI, Thiago Lopes Ferraz. Direito fundamental à duração razoável do processo. Disponível em: www.direitonet.com.br/artigos/x/24/08/2408/ - 25k. Acesso em 11/07/2007 295 Postulado em seu sentido jurídico representa uma verdade 296 Cf DELGADO, José Augusto. Idem. p. 4
90
marca o início do prazo (dies a quo) e o outro assinala o dia do encerramento
(dies ad quem).297
Após a conceituação, foi feita a distinção entre os diferentes tipos de prazo
divididos em: comuns, particulares, próprios, impróprios, legais ou judiciais.
Depois de discorrer sobre cada um deles, foram estudadas as formas de
contagem dos prazos no sistema processual penal brasileiro, e as questões
referentes à fixação do termo inicial e final de contagem dos prazos.
Abordou-se também a problemática em torno da definição de critérios para
a duração do processo. Inicialmente foi traçada a diferença entre o processo e o
procedimento, e, em seguida se analisou as questões referentes às formas
procedimentais.
Sobre as formas procedimentais, foi visto que a legislação processual penal
as divide em processos comuns e especiais. Os processos comuns estão
previstos no Título I, do livro II da legislação processual penal, enquanto os
processos especiais estão previstos, no Título II, do livro II do Código de Processo
Penal. Os processos ditos especiais correspondem aos procedimentos aplicados
especificamente a determinadas infrações penais, com seus atos se diferenciando
em algum momento dos atos do procedimento comum.298
Depois desta diferenciação, discorreu-se com mais vagar sobre os atos
processuais previstos para o procedimento ordinário, por julgá-los mais relevantes
para a pesquisa.
Após a análise dos atos previstos para o procedimento ordinário, trouxe a
lume, de maneira bastante perfunquitória, algumas modalidades de
procedimentos especiais, previstos no Código de Processo Penal e na legislação
extravagante.
297 Cf. FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 97. 298 Cf. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 2004 p. 747
91
Foram abordadas as questões relacionadas à prisão cautelar, e a sua
duração razoável, e feita à conceituação de prisão e as distinções entre a prisão
com pena da prisão sem pena.
Ressaltou-se a gravíssima situação da legislação processual penal
brasileira, que não previu um prazo máximo razoável de duração das prisões
cautelares, em especial a modalidade de prisão preventiva, a mais abrangente de
todas.
Observou-se que a única exceção em relação à falta de previsão de um
prazo máximo para as prisões cautelares, refere-se à modalidade de prisão
temporária.
Em seguida, anotou-se as louváveis iniciativas tanto do Código de
Processo Militar, quanto da Lei 9.034/95 que trata da repressão ao crime
organizado, em preverem de forma expressa e bem delimitada os prazos de
duração da instrução criminal.
Após estas observações, discorreu-se sobre a problemática definição dos
critérios para a duração do processo.
Para isso, e ante a vagueza do conceito do que seria um prazo razoável,
colacionou-se a teoria dos 07 (sete) critérios, adotada pelo Tribunal Europeu de
Direitos Humanos, em 1968, julgando o caso “Wehoff”, servindo de marco inicial
na busca de critérios para caracterizar o que seria uma dilação indevida.299
Nesta ocasião, a Comissão Européia de Direitos Humanos, sugeriu que
seria necessário considerar para caracterizar a razoabilidade da prisão cautelar, e
conseqüentemente caracterizar à dilação indevida, os seguintes critérios: 1) a
duração da prisão cautelar; 2) a duração da prisão cautelar em relação à natureza
do delito, à pena fixada e à provável pena aplicada em caso de condenação; 3) os
efeitos pessoais que o imputado sofreu, tanto de ordem material como moral e
outros; 4) a influência da conduta do imputado em relação à demora do processo;
299 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável, 2006. . p 39
92
5) as dificuldades para a investigação do caso levando-se em consideração à
complexidade dos fatos, quantidade de testemunhas e réus, dificuldades
probatórias, entre outros; 6) a maneira como a investigação foi conduzida; 7) a
conduta das autoridades judiciais.300
Anotou-se que para serem aplicados, estes critérios deveriam ser
analisados em conjunto, com valores e importâncias relativas para auferir o
excesso de prazo na instrução criminal.
Apontou-se a importância desta doutrina dos 07 (sete) critérios, que apesar
de não ter sido amplamente utilizada pelo TEDH, serviu como uma importante
inspiração para a construção de um referencial mais enxuto, este denominado de
Teoria dos 3 (três) critérios, considerando: 1) a complexidade do caso; 2) a
atividade do imputado; 3) a conduta das autoridades judiciárias.301
Após ter sido abordada a problemática em relação aos critérios, analisou-
se as conseqüências da extrapolação do prazo de instrução, diante do
comportamento e da contribuição das autoridades públicas para o prolongamento
do processo.
Foi demonstrado, que o constrangimento ilegal surge em decorrência do
indivíduo estar preso por tempo superior ao determinado em lei, anotando-se às
hipóteses de incidências previstas no artigo 648 do Código de Processo Penal.
Comentou-se que o retardamento da instrução processual no que diz
respeito à condução do processo, pode ter seu nascedouro tanto na carência de
meios, recursos, ou de organização dos Tribunais dos Estados, como na
deficiência na direção do processo pela autoridade judiciária.302
Nestes casos, em que a responsabilidade na demora não pode ser
imputada ao acusado ou a defesa, não há duvidas da responsabilidade do Estado
300 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável, 2006. . p 39 301 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável, 2006. . p 40 302 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Lumn Júris, 2006. p 68
93
perante o cidadão, pois àquele cumpre a obrigação de estruturar eficientemente
sua organização judiciária para garantir a este o direito de ser julgado em um
prazo razoável, sem dilações indevidas.303
Conclui-se, portanto, que nestes casos em que o extrapolamento do prazo
de duração da instrução criminal se mostra injustificável, resta plasmada a
caracterização do constrangimento ilegal, sendo passível de correção pela via
heróica do habeas corpus, previsto no artigo 5º, LXVIII, da Constituição Federal.
Destacou-se que o excesso de prazo na instrução criminal debitada à conta
do Poder Judiciário acarreta o relaxamento da prisão do acusado, com sua
imediata soltura, sem que, contudo, extinga a punibilidade. O procedimento
prossegue com o acusado respondendo em liberdade, até que surja novo fato
ensejador de nova decretação de prisão cautelar ou sentença condenatória
transitada em julgado.304
Após analisar-se as questões referentes ao excesso de prazo debitado à
conta do Estado, cuidou-se das hipóteses em que a demora possa ser atribuída
ao acusado e/ou a defesa.
Analisou-se as hipóteses em que dilações do prazo para o encerramento
da instrução criminal ocorrem no interesse da própria defesa. Este é o caso dos
requerimentos de perícias; requerimentos de exames toxicológicos dos acusados
dos crimes de tráfico; exames de sanidade mentais; e até meios nitidamente
protelatórios, que fatalmente acarretam o extrapolamento deste prazo, como nos
casos de arrolamento de testemunhas inexistentes ou localizadas em áreas de
difícil acesso, ensejando a expedição de Cartas Precatórias para a inquirição das
testemunhas de defesa, ou até mesmo a expedição de Cartas Rogatórias no caso
das testemunhas residirem fora do País, entre outras.
303 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Lumn Júris, 2006. p 69 304 Cf SIQUEIRA FILHO, Élio Wanderley de. Repressão ao Crime Organizado: Inovações da Lei 9.034/95. 2005. p 100.
94
Conclui-se que o excesso de prazo na instrução criminal atribuído à própria
defesa ou ao acusado, não caracteriza constrangimento ilegal,305 consoante o
entendimento do Superior Tribunal de Justiça externado pela Súmula 64,306
acarretando na manutenção da prisão do acusado.
Cuidou-se em demonstrar que o comportamento do acusado deve ser
analisado em face do direito de defesa, e que a utilização dos meios legais para
demonstrar sua inocência não deve e nem pode lhe causar gravame. Afinal, de
nada adiantariam às garantias ao Direito de defesa, se o imputado pudesse ser
punido por exercê-las regularmente.307.
Portanto, constatou-se que é justamente a evidente má fé, no (ab)uso
deste direito de defesa, que poderá sobrevir conseqüências negativas para o
acusado. A regra, portanto, é a plenitude de defesa. Somente em casos
excepcionalíssimos, em que restarem patentes a má fé na utilização de recursos
claramente protelatórios e que almejem exatamente esta finalidade, que a conduta
do imputado poderá lhe ser prejudicial.308
Portanto, o escopo deste capítulo constituiu na análise das prisões
cautelares e sua duração razoável, bem como, a problemática em relação à
definição de critérios quanto à duração do processo.
Vencida a constatação do direito fundamental de ser julgado em um prazo
razoável traçada no primeiro capítulo, bem como, a abordagem em relação à falta
de previsão legal da duração do processo e a problemática da adoção dos 305 Precedentes do Supremo Tribunal Federal sobre a não configuração do constrangimento ilegal em decorrência de atraso atribuído à defesa Precedentes: HC nº 86.947/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, decisão monocrática, DJ de 26.10.2005; HC nº 86.618/MT, 2ª Turma, unânime, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 28.10.2005; HC nº 85.298/SP, 1ª Turma, maioria, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ acórdão Min. Carlos Britto, DJ de 04.11.2005; HC nº 86.789/SP, de minha relatoria, 2ª Turma, unânime, DJ de 24.03.2006; HC nº 88.229/SE, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, maioria, julgado em 10.10.2006; e HC nº 88.905/GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, unânime, DJ de 13.10.2006 306 Súmula n° 64 - Constrangimento Ilegal - Excesso de Prazo na Instrução: Não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução, provocado pela defesa. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n° 64. Disponível em:.http://www.dji.com.Br/normas_ inferiores /regimento_interno_e_sumula_stj/stj__0061a0090.htm. Acesso em 20/05/2007 307 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável, 2006. . p 165 308 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável, 2006. . p 65
95
critérios para a duração do processo aludidas no segundo capitulo, partiu-se no
terceiro capítulo para a análise das tentativas encontradas no ordenamento
jurídico brasileiro, para suprir a lacuna quanto a duração do prazo na instrução
criminal.
A primeira das teorias analisadas foi a construção jurisprudencial dos 81
dias para duração do processo.
Em um primeiro momento, foi traçado um breve histórico sobre a origem da
construção jurisprudencial dos 81 dias e constatou-se que a mesma resulta da
soma aritmética dos principais atos procedimentais previstos para o processo
ordinário, quais sejam: inquérito: 10 dias (artigo 10 do CPP); denúncia: 5 dias
(artigo 46); defesa prévia: 3 dias (artigo 395); inquirição de testemunhas de
acusação: 20 dias (artigo. 401); requerimento de diligências: 2 dias (artigo 499);
prazo para o despacho do requerimento: 10 dias (artigo 499); alegações das
partes: 6 dias (artigo 500); diligências ex officio: 5 dias (artigo 502); sentença: 20
dias (artigo 800); que somam: 81 dias.
Cumpre destacar, que a jurisprudência dos 81 dias apesar de não ser mais
utilizada pelas Cortes de Justiça, cumpriu um importante papel a exemplo da
teoria dos 07 (sete) critérios, no sentido de criar um parâmetro para definir o prazo
na instrução criminal.
Em seguida foram exposadas às criticas contra esta orientação
jurisprudencial, que resultaram no abandono deste entendimento pretoriano. A
principal delas incide sobre a falta de previsão de alguns prazos previstos na
legislação processual, com destaque para a omissão em relação ao prazo para a
oitiva das testemunhas de defesa, bem como, os prazos dedicados à realização
das diligências da fase do artigo 499 do Código de Processo Penal, e ainda, os
prazos para despachos ordinatórios e cartoriais
Passou-se então, a analisar a teoria do Princípio da razoabilidade como critério norteador.
Verificou-se que esta segunda teoria, carreada por grande parte da
doutrina, defende a adoção de critérios de razoabilidade na duração do processo,
96
baseada, sobretudo, nas Convenções Internacionais de Direitos Humanos. Estas
convenções foram pioneiras na consagração do direito de ser julgada num prazo
razoável309.
As críticas quanto a esta teoria decorrem da grande carga de subjetividade
atribuída ao termo “razoável”, o que obriga esta teoria a caminhar pelos tortuosos
caminhos da discricionariedade do julgador, para que ao avaliar as
particularidades de cada caso310 , decida se está diante de uma dilação indevida,
ou se a demora na instrução do processo se encontra justificada.311
Constatou-se ainda, que diante desta falta de referencial quanto aos
critérios da razoabilidade como elemento integrador da duração da instrução
criminal, os Tribunais brasileiros acabam por afiançar a demora judicial, com os
mais frágeis argumentos. 312
E, por fim, analisou-se a terceira e mais recente teoria em relação à
duração do processo, surgida com a edição da Lei 9.034/95 que trata da
repressão ao crime organizado, na qual há previsão expressa do prazo máximo
para a instrução criminal, consignando o prazo de 81 (oitenta e um) dias para o
réu preso e 120 (cento e vinte e um) dias para o réu solto.
309 O princípio da Razoabilidade é recepcionado no ordenamento jurídico brasiLeiro nos Art. 3º, inciso I, e Art. 5º, inciso LXXVIII da Carta Magna, o dicionarista Houaiss nos fornece seis acepções para o adjetivo razoabilidade: "a) logicamente plausível; racionável, como uma dedução; b) o aceitável pela razão; racional, quando, por exemplo, consideram-se as exigências feitas; c) que age de forma racional, que tem bom senso; sensato, como uma pessoa razoável; d) o que é justo e compreensível por se basear em razões sólidas, como um julgamento, uma decisão razoáveis; e) não excessivo; moderado, módico, como os preços assim reputados; e f) que é bom, mas não excelente; aceitável, suficiente, bastante, como um vinho de qualidade razoável, um salário razoável". Os operadores do direito devem, portanto, obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional no momento de escolher o sentido mais adequado de aplicação da norma constitucional, devendo ser aplicado em sua justa medida, assegurando o direito do cidadão de ver suas pretensões apreciadas pelo Judiciário num prazo razoável de tempo, mas,flexibilizando o prazo de 81 dias para a instrução criminal nos casos em que a demora não pode ser atribuída a dissidia do Estado. 310As particularidades da causa dissem respeito: a)às condutas das partes envolvidas; b) à complexidade da causa; c) às conseqüências da demora na prestação jurisdicional; d) o prejuízo ao jus libertatis do acusado, entre outras. Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável, 2006. . p 86 311 Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável, 2006. . p 86 312 Entre o tais argumentos destacam-se: a) complexidade do fato; b) a gravidade do delito; c) o clamor público, e ainda, d) a rotulação do delito como crime hediondo, como se esta definição, de per si justificasse qualquer ato repressivo. Cf LOPES Jr. Ary, BANDARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável, 2006. . p 107
97
Verificou-se que a Lei 9.034/95, dispõem sobre a utilização de meios
operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações
criminosas, cuidou de prever um prazo máximo para conclusão da instrução
criminal. Imperioso notar que o legislador ao prever tal prazo conhecia as
características destes delitos extremamente complexos praticados pelas
organizações criminosas, quais sejam: elevado número de autores e partícipes;
diversas vítimas envolvidas; delitos consumados em vários Estados, entre outras
situações igualmente complexas, no entanto, considerou que o prazo máximo
razoável para o encerramento da instrução criminal seria de 81 (oitenta e um) dias
para o réu preso, e 120 (cento e vinte) dias para o réu solto, portanto, mostra-se
lógica a aplicação deste referencial aos crimes ditos comuns ou ordinários. 313
Todavia, aqueles que não admitem em hipótese alguma, a ocorrência de
constrangimento ilegal, tendo em vista que o preso deverá suportar eventuais
excessos já que cometeu uma infração penal, asseveram que indigitada lei só se
aplicaria aos crimes organizados.314
Esquecem-se, contudo, que no ordenamento jurídico pátrio deve ser
aplicada em favor do acusado a Lei mais benéfica, seja ela genérica, especial ou
específica.315
Esta pesquisa incentiva à aplicação do prazo para o encerramento da
instrução criminal fixado na Lei 9.034/95, que trata da repressão ao crime
organizado, a todos os demais crimes apenados com reclusão e sujeitos a
competência do juízo monocrático, utilizando para tanto a analogia316 e o princípio
da aplicabilidade da norma mais benéfica ao réu.
313 Cf FERNANDES, Antonio Scarance. Novo prazo máximo de prisão cautelar: 180 dias, in Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, 1995, pág. 3 314 Cf OLIVEIRA, Luiz Carlos de. Do excesso de prazo para o encerramento da instrução criminal e a obrigatória revogação da custódia. 2001. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2009>. Acesso em: 27 jul. 2007. 314 ROSA, Inocêncio Borges da. Processo Penal Brasileiro, Porto Alegre, Livraria do Globo, 1942, vol. I, págs. 99 e 100 315 Cf OLIVEIRA, Luiz Carlos de. Do excesso de prazo para o encerramento da instrução criminal e a obrigatória revogação da custódia. 2001. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2009>. Acesso em: 27 jul. 2007. 316 O princípio da analogia encontra fundamento no art 3° do código de Processo penal o qual dispõem: A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como
98
Deste modo, tem-se como alcançado o objetivo desta pesquisa que, ao
discorrer sobre o excesso de prazo na instrução criminal onde figure preso o
acusado, constatou a existência de um prazo legal para o encerramento da
instrução criminal e, portanto, a manutenção da prisão do acusado por tempo
superior ao que dispõem o artigo 8° desta Lei317, sem que a instrução do processo
esteja devidamente concluída. Observada as hipóteses em que a demora não
possa ser atribuída ao acusado e/ou à defesa, configura-se constrangimento
ilegal, sanável pela via heróica do habeas corpus, devendo ser restaurado o
status libertatis do acusado, sem prejuízo para o prosseguimento do feito.
o suplemento dos princípios gerais de direito. Cf. GOMES, Luis Flávio. Constituição Federal – Código Penal – Código de Processo Penal. São Paulo: Ed. RT, 2003 p 394. 317 Estabelece o artigo 8° da Lei 9.034/95 que o prazo para encerramento da instrução criminal será de 81 (oitenta e um) dias para o réu preso e 120 (cento e vinte e um) dias para o réu solto.
99
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107
ANEXOS
1. Evolução do crime organizado no Mundo
2. A evolução histórica sobre o crime organizado no Brasil
3. Modelo de Habeas Corpus
108
ANEXO I
Evolução do crime organizado no Mundo
Na China em 1644, um movimento popular para expulsar os invasores do
Império Ming fez surgir às chamadas Tríades Chinesas. Seus integrantes
migraram para Hong Kong logo após ser colonizada pelos ingleses em 1842, lá
chegando incentivaram os camponeses a cultivarem a papoula para a extração do
ópio, atividade na época lícita, e posteriormente foram para Taiwan. No século
seguinte com a proibição do comércio de ópio, passaram a ser os maiores
produtores de heroína do mundo.318
No Japão feudal, ainda no século XVIII surgiu a Yakuza, que passou a
concentrar suas atividades de duas maneiras distintas, a primeira lícita: com a
manutenção de casas noturnas, eventos esportivos e industria cinematográfica, e
a segunda ilícita envolvendo Tráfico de drogas, de armas, de mulheres, além de
cassinos, pratica de usura, lavagem de dinheiro e mais recentemente passaram a
praticar extorsões corporativas, nas quais adquirem lotes de ações de
determinadas empresas e sob a ameaça de revelarem os segredos industriais aos
concorrentes, passam exigir lucros excessivos.319
Na Itália medieval, surgiu a famosa Máfia Italiana, nesta época a Itália
consistia em uma região basicamente rural com grandes latifúndios, e muitos
camponeses sem-terra. Diante desta perspectiva, passaram a ocorrer inúmeras
depredações, assaltos a gado e às sedes das fazendas, e como o Estado ainda
estava se estruturando não podia coibir tais atos. Em virtude disso, surgiram
pessoas que ofereciam proteção a estes senhores feudais. Com o decorrer do
tempo, e o desenvolvimento das cidades, esses grupos de pessoas cada vez mais
organizados, passaram a oferecer proteção aos comerciantes urbanos.320
318 Cf. SILVA, Eduardo Araújo. Crime Organizado. São Paulo: Atlas, 2003. P.20 319 Cf. SILVA, Eduardo Araújo Op.Cit. P.20 320Cf BORGES FILHO, Francisco Bismarck. Crime Organizado Transnacional - Tráfico De Seres Humanos. Disponível em : http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/default.as p?action= doutrina&iddoutrina=2187#topo. Acesso em 20/07/2007
109
A máfia é uma instituição organizada que atua à margem do Estado, com o
objetivo de auferir lucros ilegais e para tanto se concentram nas seguintes áreas:
a) fornecendo proteção aos fazendeiros e comerciantes; b) corrompendo agentes
públicos com a finalidade de participar dos negócios do Estado,e garantir a
impunidade de seus crimes; c) assassinatos por encomenda d) prática de
contrabando; e) tráfico de drogas.321
A Máfia Italiana se expandiu em todo o planeta e as mais conhecidas são:
a) Cosa Nostra, atua nos Estados Unidos; b) Na’drangheta original da região da
Calábria; d) Camorra da região de Nápoles; e) Sagrata Corona Pugliesa, da
região da Apúlia.322
Nos Estados Unidos da América, no final da década de 20 com a vigência
da Lei Seca, surgiram vários grupos denominados Gangs, que exploravam o
contrabando de bebidas alcoólicas, estas gangs travaram batalhas sangrentas
pelo domínio da atividade ilícita. Pós a Segunda Guerra Mundial, com o
desenvolvimento da economia americana, essas gangs se associaram com a
Máfia Italiana, e passaram a operar também no tráfico de drogas o que originou a
chamada Máfia Ítalo-Americana.323
No Oriente Médio os grupos criminosos têm como pano de fundo a religião,
sobretudo, a luta pela independência de estados Islâmicos. Estes grupos cultivam
adeptos devido ao conflito gerado entre a influência ocidental imposta
principalmente pelos Estados Unidos da América, sobre a cultura islâmica.
Entre os principais grupos atuantes no Oriente Médio destacam-se: a) o
Hesbollah, organização islâmica nascida em1980 com a finalidade de combater a
influência ocidental e formar um Estado islâmico no Líbano; b) a All Quaeda,
criada em 1990, pelo fanático religioso Osama Bin Laden, que recebeu apoio
321 Cf SILVA, Ivan Luiz da. Crime Organizado: aspectos jurídicos e criminológicos (Lei n o 9034/95). Belo Horizonte: Nova Alvorada, 1998. p 51 322 Cf OLIVEIRA, Luciano Francisco de. Crime Organizado: a geada negra. 2004. 89 f. Monografia (final de curso) – Curso de Graduação em Direito, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2004. Disponível em: http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/Anais/Lidiany%20Mendes%20Campos%20e%20Nivaldo%20dos%20Santos.pdf. Acesso em: 20/07/2007 323 Cf. SILVA, Eduardo Araújo. Crime Organizado. São Paulo: Atlas, 2003. P.24
110
financeiro e militar do Estados Unidos da América na Guerra do Afeganistão, e
hoje se concentra em lutar contra a interferência Norte – Americana no Mundo
Islâmico, sendo o grupo responsável pelo maior ataque terrorista da historia dos
Estados Unidos324; c) Grupo Armado Islâmico, criado na Argélia em 1992, com o
escopo de instituir um grupo islâmico.325
Na Rússia, em meados do século XIX na Sibéria surgiu a máfia russa,
grupos que atuavam em várias frentes criminosas, das quais se destacam o trafico
de mulheres, desvio de dinheiro público, corrupção, extorsão, roubos, tendo
grande aceitação pela população local, e sendo formada por diversos nichos da
sociedade, especialmente após a extinção da União Soviética, com a adesão de
antigos militares bem como de policiais de carreira que optaram pela vida do
crime.326
ANEXO II
A evolução histórica sobre o crime organizado no Brasil
No Brasil, o crime organizado teve sua gênese no movimento do cangaço,
ocorrido no sertão do Nordeste entre os séculos XIX e XX, e personificados pela
figura de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião.327 O Bando tinha estrutura
hierarquizada e atuava em várias modalidades delitivas, entre as quais se
destacam: a) saquear pequenas cidades, vilas e fazendas; b) extorquir dinheiro
sob promessa de ataque; c) seqüestrar pessoas importantes para exigir resgate.328
324 Atribui-se a Al-Quaeda o ataque terrorista às torres gêmeas do Word Trade Center,em Nova Iorque, no dia 11 de setembro de 2001, milhares de mortos e feridos. 325 Cf MARMORO, Denise Aparecida Ferreira. Meios de Prova no Crime Organizado. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito)- FEMA- Fundação Educacional do Municipio de Assis, Assis, 2002. p 8. Disponível em: http://www.fema.edu.br/cursos/graduacao/dir/tcc2005/denise.pdf. Acesso em 20/07/2007 326 Cf. SILVA, Eduardo Araújo. Crime Organizado. São Paulo: Atlas, 2003. P.23 327 Virgulino Ferreira da Silva, “O Lampião” viveu entre 1897 e 1938, ao lado de sua companheira Mária Bunita”assombrou o Nordeste brasileiro com seu Bando de cangaceiros. 328 Cf. SILVA, Eduardo Araújo. Crime Organizado. São Paulo: Atlas, 2003. P.25
111
Posteriormente, com a proibição do “jogo do bicho” se fortaleceu a idéia de
organização na atuação dos grupos criminosos, já que a prática desta conduta, se
mostra bastante eficiente na implementação de um sistema de lavagem de
dinheiro, não obstante, sabemos que ao se analisar isoladamente a prática do
“jogo do bicho”, esta não pode ser considerada tecnicamente como ‘crime
organizado’ já que se trata de uma contravenção penal conforme o artigo 58 da
Decreto lei 3688/41.329
Nas décadas de 70 e 80, surgiram dentro dos presídios brasileiros,
organizações criminosas motivadas sobretudo, pelo descontentamento em relação
ao sistema carcerário. Este cenário pode ter sido influenciado em grande parte em
conseqüência da aplicação da Lei de Segurança Nacional, vigente à época da
Ditadura Militar, e que obrigou os presos políticos a dividirem o mesmo espaço
com criminosos comuns. O saldo desta convivência pode ter sido o aprendizado
por parte dos presos comuns de formas de organização, comando hierárquico,
táticas de guerrilhas, ensinamentos este, lecionados pelos presos políticos.330
Assim, diante de tais conhecimentos, os presos comuns quando postos em
liberdade, passaram a praticar delitos de forma organizada e cuidadosamente
planejada, o que garantia o sucesso na demanda criminosa. 331
As Organizações Criminosas no Brasil
Nas décadas de 70, 80 e meados da década de 90, surgiram nas prisões
do Rio de Janeiro e de São Paulo as mais violentas organizações criminosas do
país, podendo ser assim elencadas:
1. Falange Vermelha – formada no Presídio de segurança máxima de Ilha
Grande, conhecido como o Caldeirão do Diabo, em alusão ao presídio de Caiena, na Ilha do Diabo, nas Guiana Francesa, surgiu durante os anos da
329 Cf GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl. Crime Organizado: Enfoques criminológico, jurídico (Lei 9.034/95 e político-criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995 .p 63 330 Cf. SANTOS, Pedro Sérgio dos. Direito Processual Penal & A insuficiência Metodológica: alternativa da mecânica quântica. Curitiba: Juruá, 2004.p 90. 331 Cf. SANTOS, Pedro Sérgio dos Op Cit. p. 90
112
Ditadura Militar, tendo como fundadores chefes de quadrilhas especializadas em roubos a bancos após conviverem por quatro anos com presos políticos e guerrilheiros da luta armada, esta convivência forçada incorporaram as táticas de guerrilha e organização.332
2. Comando Vermelho – formado no Presídio de Ilha Grande como uma versão da Falange Vermelha, e dedicada essencialmente ao Tráfico de Drogas em larga escala, tiveram entre seus fundadores verdadeiras “celebridades do crime”, entre eles os detentos: José Carlos dos Reis Encina, o “Escadinha”, posteriormente considerado o “Todo-Poderoso” do Morro do Juramento; José Carlos Gregório o “Gordo”; William de Silva Lima, o “Professor” e José Francisco Viriato de Oliveira, o “Japonês” além do tráfico intenso de drogas se dedicavam ao contrabando de armas e seqüestros, tendo íntima ligação com os cartéis colombianos tendo atualmente como seu maior expoente o mega-traficante Fernando Elias da Costa o “Fernandinho Beira-Mar”.333
3. Terceiro Comando – foi arquitetado também no Presídio de Bangu 1, sendo um desmembramento do Comando Vermelho, e a partir daí se tornou seu pior oponente. O Terceiro Comando se fortaleceu após a prisão de Mauro Reis Castellano o “ Gigante da Nova Holanda” o que resultou em brigas internas dentro da facção do Comando Vermelho, abrindo espaço para que ocupassem vários pontos de drogas no Complexo da Maré, no inicio se aliou com outra facção criminosa a ADA – Amigos dos Amigos. Hoje esta aliança está rompida.334
4. PCC – Primeiro Comando da Capital – foi criado no dia 31 de agosto de
1993 no interior do Presídio de Segurança Máxima anexo à Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, tendo por objetivo patrocinar rebeliões e resgates de presos, entretanto seus objetivos foram distorcidos e passaram a atuar também em roubos a bancos e a carros de transporte de valores, extorsão mediante seqüestro e extorsões de familiares de presos e tráfico ilícito de entorpecentes, possuem “estatuto” e cobram mensalidade de seus “associados”. 335
5. Amigos dos Amigos – ADA – esta facção foi formada pelos traficantes
Celso Luiz Rodrigues o “ Celsinho da Vila Vintém”, e Ernaldo Pinto Medeiros o “Uê”. Este último foi considerado pela policia como um dos traficantes mais perigosos do país, tendo sido expulso da facção Comando Vermelho após ter tramado a morte de outro integrante o “Orlando Jogador” na época responsável pelo tráfico no Complexo do Alemão. Ernaldo Pinto
332 VELOSO, Adriana. A diplomata marginal explica o “crime organizado” no Brasil. Disponível em: <http://www.narconews.com./Issue29/artigo727.html>. Acesso em: 13 out. 2004. 333 Cf. PORTO, Roberto. Crime Organizado e Sistema Prisional. São Paulo: Atlas, 2007 p. 86-92 334 Cf. PORTO, Roberto. Crime Organizado e Sistema Prisional. São Paulo: Atlas, 2007 p. 92-93 335 PORTO, Roberto. Crime Organizado e Sistema Prisional. São Paulo: Atlas, 2007 p. 73
113
Medeiros o “Uê” foi assassinado e seu corpo carbonizado dentro da Penitenciaria de Bangu II, por integrantes da quadrilha chefiada por Luiz Fernando da Costa o “Fernandinho Beira Mar”. Atualmente a facção mantém contato com traficantes colombianos através de Wanderley Soares, cunhado do fundador Ernaldo Pinto Medeiros o “Uê” .336
6. Seita Satânica – foi criada em 1994 na Casa de Detenção de São Paulo
pelo detento Ildefonso José de Souza, seus integrantes são adoradores do demônio e pregão o sacrificio humano dentro dos presídios, seus integrantes apresentam em uma de suas palmas uma cicatriz, em virtude de queimadura de charuto realizada durante o ritual de iniciação, costumam punir infrações de seus integrantes com a amputação da falange do dedo mínimo, em clara alusão à máfia japonesa.337
7. CRBC – Comando Revolucionário Brasileiro da Criminalidade – a facção surgiu em 1999, na Penitenciaria José Parada Neto, em Guarulhos, como uma dissidência do PCC, possuindo a mesma estrutura estatutária, porém, com o objetivo de financiar o resgate de seus comandados das prisões brasileiras.338
Imperioso ressaltar, que toda essa proliferação de organizações
criminosas, só foi possível ante a mais completa falta de políticas criminais
apropriadas e que permitissem a reabilitação dos presos, na verdade, a política
penitenciária atual fecha os olhos para a realidade prisional, e nossos presídios se
tornam verdadeiras “universidades do crime” dando condições favoráveis à
instalação e crescimento das facções criminosas dentro e fora de nossa prisões.
Em nosso ordenamento jurídico não havia uma definição precisa sobre
organização criminosa. A Lei 9.034 de 3 de maio de 1995339, que “dispõe sobre a
utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações
praticadas por organizações criminosas”; versava sobre ilícitos decorrentes de
ações praticadas por quadrilhas ou bandos remetendo portanto àquela do art.
288 do Código Penal Brasileiro tendo sido posteriormente com o advento a Lei
10.217 de 11 de abril de 2001 que deu nova redação aos artigos 1º e 2º da Lei
336Cf. PORTO, Roberto. Crime Organizado e Sistema Prisional. São Paulo: Atlas, 2007 p. 91-92 337Cf. PORTO, Roberto. Crime Organizado e Sistema Prisional. São Paulo: Atlas, 2007 p. 84-85 338 Cf. PORTO, Roberto. Crime Organizado e Sistema Prisional. São Paulo: Atlas, 2007 p. 80-84 339 Cf. BRASIL. Lei Ordinária 9.034 de 3 de maio de 1995. Dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas. Presidência da República. Disponível em: <https://www.presidencia.gov.br/ccivil_03/Leis/L9034.htm>. Acesso em: 02.jul.2007.
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9.034/95, acrescentou a terminologia organizações ou associações criminosas
de qualquer tipo340.
Para Luis Flávio Gomes o fato da norma se omitir em definir o que seria
crime organizado, viola o princípio da reserva legal, não podendo ser aplicada às
organizações criminosas pois não se sabe ao certo o que significariam.341
Diante desta lacuna sobre o que seria exatamente uma organização
criminosa, a doutrina não mediu esforços para tentar definir um conceito preciso
sobre o tema, dos quais destacam-se:
Segundo Manoel López Rey, citado por Luiz Flávio Gomes, um dos
conceitos de organização criminosa seria a batizada Norte - Americana - Italiana :
Organização bastante rígida, uma certa continuidade ‘dinástica’, pelo afã de respeitabilidade de seus dirigentes, severa disciplina interna, lutas internas pelo poder, métodos poucos piedosos de castigo, extensa utilização da corrupção política e policial, ocupação tanto em atividades lícitas como ilícitas, simpatia de alguns setores eleitorais, distribuição geográfica por zonas, enormes lucros e outras características.342
No epítome de Hassmer, referenciado por Luiz Flávio Gomes, a
criminalidade organizada vai além da simples organização lapidada, perpassa
sobretudo pela adoção de um sistema de corrupção pública:
[...] não é apenas uma organização bem feita, não é somente uma organização internacional, mas é, em última análise, a corrupção da legislatura, da Magistratura, do Ministério Público, da Polícia, ou seja, a paralisação estatal no combate à criminalidade... é uma criminalidade difusa que se caracteriza pela ausência de vítimas individuais, pela pouca visibilidade dos danos causados bem como por um novo modus operandi (profissionalidade, divisão de tarefas, participação de “gente
340 Cf BRASIL. Lei Ordinária n.º 10.217, 11 abr 2001. Altera os arts. 1o e 2o da Lei no 9.034, de 3 de maio de 1995, que dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas. Disponível em <www.planalto.gov.br>. Acesso em 02 jul. 2007. 341 Cf. GOMES, Luiz Flávio. Crime organizado: que se entende por isso depois da Lei nº 10.217/01? (Apontamentos sobre a perda de eficácia de grande parte da Lei 9.034/95). Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 56, abr. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2919>. Acesso em: 22 set. 2007. 342 Cf GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl. Crime Organizado: Enfoques criminológico, jurídico (Lei 9.034/95 e político-criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995 p. 73-74
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insuspeita”, métodos sofisticados etc.). Ainda mais preocupante, para muitos, é fruto de uma escolha individual e integra certas culturas.343
Em 15 de novembro de 2000, foi celebrada a Convenção da ONU contra o
Crime Organizado Transnacional, também conhecida por Convenção de Palermo,
que definiu em seu artigo 2°:
Para efeitos da presente Convenção, entende-se por: a) "Grupo criminoso organizado" - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material; b) "Infração grave" - ato que constitua infração punível com uma pena de privação de liberdade, cujo máximo não seja inferior a quatro anos ou com pena superior; c) "Grupo estruturado" - grupo formado de maneira não fortuita para a prática imediata de uma infração, ainda que os seus membros não tenham funções formalmente definidas, que não haja continuidade na sua composição e que não disponha de uma estrutura elaborada;” [...]344
No Brasil, o texto entrou em vigor por intermédio do Decreto n.º 5.015, de
12/3/04, tendo força de lei ordinária, e recentemente, sua importância foi
ressaltada no Superior Tribunal de Justiça, por iniciativa do Ministro Gilson Dipp
que alterou a resolução nº 314 do Conselho da Justiça Federal (CJF) para
autorizar as varas especializadas em lavagem de dinheiro à processar e julgar os
crimes praticados por organizações criminosas, adotando o conceito de crime
organizado estabelecido na Convenção de Palermo, independentemente do seu
caráter transnacional.345
Percebe-se, diante das ponderações acima, que o conceito de crime
organizado varia conforme a visão daquele que o estuda, conservando, outrossim,
os seus aspectos principais,.
343 HASSEMER, Winfried. Segurança pública no estado de direito. Revista Brasileira de Ciências Criminais 5, p. 59. Apud FERNANDES, Antônio Scarance. O crime organizado e a legislação brasileira. In: PENTEADO, Jaques de Camargo (Coord.). Justiça penal: críticas e sugestões, v. 3. São Paulo: RT, 1995. p.37 344 DANTAS, Marcus Vinicius da Silva. O necessário aperfeiçoamento legislativo sobre o crime organizado - uma visão do PLS 150/2006. Jus Vigilantibus, Vitória, 4 out. 2006. Disponível em: <http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/22618>. Acesso em: 27 set. 2007 345 Essas alterações foram consubstanciadas no art 1° da Resolução nº. 517, de 30.06.2006, do CJF, publicada no Diário Oficial da União I no dia 06.07.2006.
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ANEXO III MODELO DE HABEAS CORPUS
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA.346
PROCESSO Nº XXXX
ACUSADO: XXXX
ADVOGADO, brasileiro, solteiro, advogado, inscrito na OAB/SC sob o nº 0000, com endereço profissional na Avenida das Flores, nº 259, Centro, São José/SC, CEP: 88.101-000, telefones (48) xxxx-xxxx, onde recebe avisos e intimações, vem “mui” respeitosamente perante V. Exa., com fundamento nos artigos 647 e 648 do Código de Processo Penal e artigo 5º, inciso LXVIII da Constituição da República, impetrar a presente ordem de
HABEAS CORPUS, em favor de
XXXXX, brasileiro, amasiado, autônomo, residente e domiciliado na Rua XXXX, na Cidade de Navegantes/SC, CEP: 00.000-000, tendo em vista as seguintes razões de fato e de direito a seguir expostos.
DOS FATOS
346 Modelo de habeas corpus de autoria de Beatriz de Oliveira Mesquita, retirado da internet. Disponível em: http://www.boletimjuridico.com.br/pecas/peticao.asp?id=98 Acesso em: 20/05/2007
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O Paciente encontra-se preso desde o dia XXX, em razão de “flagrante”, por infringência ao disposto no art. 12 da Lei 6368/76.
Referida prisão em flagrante aconteceu em razão de que supostamente naquela data, por volta das 21:30 hs, o mesmo adquiriu 01 (uma) buchinha de substância entorpecente, vulgarmente conhecida como “Maconha”, pesando aproximadamente 03 (três) gramas e 05 (cinco) buchinhas de substância entorpecente, vulgarmente conhecida como “Crack”, pesando aproximadamente 02 (dois) gramas, de um terceiro a ser identificado na instrução processual, transportando-as no seu veículo Parati.
Ao ser surpreendido por policiais que, após dar uma busca no interior do veículo, localizaram as substâncias entorpecentes e deram voz de prisão ao Acusado, o encaminhando para a Delegacia de Polícia de Navegantes/SC, sendo posteriormente conduzido à Penitenciária da Cidade de Itajaí/SC.
DOS BONS ANTECEDENTES DO PACIENTE e DO DIREITO À LIBERDADE PROVISÓRIA
Cumpre ressaltar Exa., antes de qualquer coisa, e acima de tudo, que o Acusado XXXXX é pessoa íntegra, de bons antecedentes e que jamais respondeu a qualquer processo crime.
Não bastassem os antecedentes, a biografia, e a conduta do Acusado, que, como já dito anteriormente goza do mais ilibado comportamento, sendo o mesmo pai de família.
Por outro lado, destaca-se ainda o fato de que o Acusado possui endereço certo (Rua XXXX, na Cidade de São José/SC), trabalha na condição de XXXXX nesta Comarca, onde reside com sua família, e preenche os requisitos do parágrafo único do art. 310 do Código de Processo Penal.
Assim Exa., com a devida venia, não se apresenta como medida justa o encarceramento de pessoa cuja conduta sempre pautou na honestidade e no trabalho, conforme se verifica nos documentos inclusos.
Verdade é que, uma vez atendidas as exigências legais para a concessão da liberdade provisória, ou seja, a inexistência de motivo para decretação da prisão preventiva, e a primariedade e os bons antecedentes do Paciente, esta constitui-se em um direito do indiciado e não uma mera faculdade do juiz (RTJE 42/271 e RJTAMGM 18/389).
O Paciente é primário, possui bons antecedentes, tem família constituída, residência fixa. Inexistem, pois, motivos para que sua prisão preventiva seja
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mantida. Tal fato por si só, autoriza a concessão de sua liberdade provisória, sendo aliás, data vênia, um direito seu.
O Paciente sempre teve domicílio e residência fixa na Cidade de Navegantes/SC, desde que nasceu reside no mesmo local com sua família, logo veio a conviver em união estável, continuando a morar no mesmo local até a data de hoje.
Ocorre Eméritos Julgadores que, o Acusado é usuário de substância entorpecente há pouco mais de um ano, sendo até mesmo que sua família vem auxiliando e ajudando em sua recuperação, o internando em clínicas para viciados, com a intenção que o mesmo supere esse vício, sendo que o mesmo não deveria ter sido autuado como traficante, mas sim não passa de um mero usuário que tenta largar a dependência.
As razões do fato em si serão analisadas oportunamente, não cabendo, aqui, tecer comentários sobre os motivos do acontecimento tido como criminoso, mas tecer, isto sim, comentários acerca dos direitos do Paciente que estão sendo postergados, injusta e ilegalmente pela autoridade coatora, em prejuízo de sua liberdade.
De acordo com o disposto no parágrafo único do artigo 310 do Código de Processo Penal, o juiz poderá conceder ao réu a liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de revogação, uma vez verificado a inocorrência de qualquer das hipóteses que autorizam a prisão preventiva.
É de se aplicar aqui também, o princípio constitucional de que ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória (CF. art. 5º, LVII). A prisão da Paciente representa infringência a tal norma constitucional, constituindo-se sua segregação em um irreparável prejuízo à sua pessoa, pelos gravames que uma prisão temporária traz.
O Supremo Tribunal Federal, por sua 2º. Turma, em 27-05-88, ao julgar o HC 66.371-MA, já proclamou que:
Liberdade provisória. Direito de aguardar em liberdade o julgamento. Benefício negado. Constrangimento ilegal caracterizado. Réu primário, de bons antecedentes e residente no distrito da culpa. Fundamentação na não comprovação pelo acusado da inocorrência das hipóteses que autorizam a prisão preventiva. Inadmissibilidade. Custódia que deve ser fundadamente justificado pelo juiz. Habeas corpus concedido. (RT 634/366).
A Câmara de férias do TACRIMSP, em 20-01-82, ao julgar o HC 111.810, decidiu que:
Não havendo razões sérias e objetivas para a decretação da prisão preventiva e se tratando de réu primário sem antecedentes criminais, com profissão definida e residente
119
no foro do delito, é de lhe ser concedia a liberdade provisória, nos termos do artigo 310, § único do CPP. (RT 565/343).
Neste sentido é iterativa a jurisprudência de nossos Tribunais (RT 521/357, 597/351, 512/340-382 e 559/334).
O indeferimento, pois, do direito do Paciente em aguardar em liberdade o desenrolar de seu processo constitui constrangimento ilegal, uma vez preenchidas as exigências legais para a concessão da liberdade provisória do mesmo.
Há que se destacar também, que o Acusado preenche os requisitos elencados no parágrafo único, do art. 310 do Código de Processo Penal, que assim determina:
Art. 310. Quando o juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante que o agente praticou o fato, nas condições ao art. 19, I, II e III, do Código Penal, poderá, depois de ouvir o Ministério Público, conceder ao réu liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de revogação.
Parágrafo único. Igual procedimento será adotado quando o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, a inocorrência de qualquer das hipóteses que autorizam a prisão preventiva (arts. 311 e 312).” (Destaquei)
Neste sentido, diz o insigne JULIO FABBRINI MIRABETE, em seu festejado Código De Processo Penal Interpretado, 8ª edição, pág. 670:
Como, em princípio, ninguém deve ser recolhido à prisão senão após a sentença condenatória transitada em julgado, procura-se estabelecer institutos e medidas que assegurem o desenvolvimento regular do processo com a presença do acusado sem sacrifício de sua liberdade, deixando a custódia provisória apenas para as hipóteses de absoluta necessidade. Destaquei.
Mais adiante, comentando o parágrafo único do art. 310, na pág. 672, diz:
Inseriu a Lei nº 6.416, de 24-5-77, outra hipótese de liberdade provisória sem fiança com vínculo para a hipótese em que não se aplica ao preso em flagrante qualquer das hipóteses em que se permite a prisão preventiva. A regra, assim, passou a ser, salvo exceções expressas, de que o réu pode defender-se em liberdade, se ônus econômico, só permanecendo preso aquele contra o qual se deve decretara prisão preventiva. O dispositivo é aplicável tanto às infrações afiançáveis como inafiançáveis, ainda que graves, a réus primários ou reincidentes, de bons ou maus antecedentes, desde que não seja hipótese em que se pode decretar a prisão preventiva. Trata-se, pois, de um direito subjetivo processual do acusado, e não uma faculdade do juiz, que permite ao preso em flagrante readquirir a liberdade por não ser necessária sua custódia. Não pode o juiz, reconhecendo que não há elementos que autorizariam a decretação da prisão preventiva, deixar de conceder a liberdade provisória. (Destaquei).
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No mesmo sentido a jurisprudência assim tem se manifestado:
Embora preso em flagrante por crime inafiançável, pode o réu ser libertado provisoriamente, desde que inocorram razões para a sua prisão preventiva (RT 523/376).
E ainda:
É possível a concessão de liberdade provisória ao agente primário, com profissão definida e residência fixa, por não estarem presentes os pressupostos ensejadores da manutenção da custódia cautelar. (RJDTACRIM 40/321).
E mais:
Se a ordem pública, a instrução criminal e a aplicação da lei penal não correm perigo deve a liberdade provisória ser concedida a acusado preso em flagrante, nos termos do art. 310, parágrafo único, do CPP. A gravidade do crime que lhe é imputado, desvinculada de razões sérias e fundadas, devidamente especificadas, não justifica sua custódia provisória(RT 562/329)
Já o inciso LXVI, do art. 5º, da Carta Magna, diz o seguinte: “LXVI – ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança;”
No inciso LIV, do mesmo artigo supra citado, temos: “LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;”
Por fim, transcreve-se o inciso LVII, do mesmo artigo: “LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;”
Desta forma ínclito Julgador, a concessão do WRIT ao Acusado é medida que se ajusta perfeitamente ao caso em tela, não havendo, por conseguinte, razões para a manutenção da reclusão do mesmo.
Aliás, MM. Desembargador, não se pode ignorar o espírito da lei, que na hipótese da prisão preventiva ou cautelar visa a garantia da ordem pública; da ordem econômica; por conveniência da instrução criminal; ou ainda, para assegurar a aplicação da lei penal, que no presente caso, pelas razões anteriormente transcritas, estão plenamente garantidas.
Portanto Exa., embora a Lei 6368/76 seja de um rigor discutível, nada impede que seja concedida ao Acusado a LIBERDADE PROVISÓRIA através do WRIT.
DO EXCESSO DE PRAZO
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Com efeito, até a presente data, depois da prisão em flagrante do Paciente, abriu-se vista à defesa para apresentar as Defesa Preliminar (art. 38 da lei nº 10.409/03), logo ao digno representante do Ministério Público Estadual, sendo os autos conclusos ao Eminente Juiz de Direito, vindo este a marcar o interrogatório para o dia XX/XX/XXXX, às XX:XX hs. Destarte, há de se verificar o constrangimento ilegal efetivado em sua liberdade de locomoção, haja vista já terem decorrido mais de 47 (quarenta e sete) dias de custódia sem que fosse realizado o interrogatório do Paciente. Há expressa violação da Lei, restando de sobejo comprovado o constrangimento ilegal, nos termos dos artigos 38 da lei nº 10.409/03 e 648, II, do Código de Processo Penal, in verbis:
Art. 38. Oferecida a denúncia, o juiz, em 24 (vinte e quatro) horas, ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias, contado da data da juntada do mandato aos autos ou da primeira publicação do edital de citação, e designará dia e hora para o interrogatório, que se realizará dentro dos 30 (trinta) dias seguintes, se o réu estiver solto, ou em 5 (cinco) dias, se preso.” (Grifei)
Art. 648. A coação considerar-se-á ilegal:
I - (in omissis) II - quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei;” (Grifei)
DO CONSTRANGIMENTO ILEGAL
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, adotada no Brasil através do Decreto n. 678/92, consigna a idéia de que toda pessoa detida ou retida tem o direito de ser julgada dentro de um prazo razoável ou ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo.
Assim, toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um Juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.
Para a configuração do constrangimento ilegal, adotou-se a contagem dos prazos nas várias fases da formação da culpa em Juízo. Devendo, portanto, a instrução ser encerrada no prazo de 76 dias. Senão vejamos:
O art. 10 da Lei nº 9.072/90 acresceu um parágrafo único ao art. 35 da Lei nº 6.368/76, determinando que os prazos procedimentais serão
122
contados em dobro quando se tratar de crimes previstos nos arts. 12,13 e 14 da Lei de Tóxicos. Desta forma, o prazo fatal para a prolação da sentença de 1º grau, estando o réu preso, passou a ser de 76 dias. (Legislação Penal Especial, Alexandre de Moraes e Gianpaolo Poggio Smanio, p. 146,vol. 5)
"PROCESSUAL PENAL. INSTRUÇÃO CRIMINAL. EXCESSO DE PRAZO. EXISTÊNCIA. 1 - Encontrando-se o paciente preso muito além do prazo legal, sem que para isso tenha concorrido, configura-se excesso de prazo na instrução criminal, apto a ensejar a concessão da ordem. 2 - Habeas corpus concedido." (STJ – 6ª Turma – V.U. – HC nº 8.851 da Bahia – Rel. Min. Fernando Gonçalves – D.J.U. de 07.06.99 – pág. 133)
Conforme pode ser observado por esta Egrégia Corte, nos autos n° 135.06.000414-6, não houve qualquer atravancamento por parte de sua defesa no andamento do feito, pelo contrário, sempre apresentando a defesa até mesmo antes do encerramento do prazo.
Mesmo assim o interrogatório do Paciente foi marcado para o dia 11/04/2006, às 09:30 hs, sendo que nesta data irá configurar 67 (sessenta e sete) dias que o Paciente encontrar-se-á preso, sem qualquer decisão, ou seja, praticamente iniciando a instrução, caracteriza-se a mantença do paciente preso, em constrangimento ilegal, de forma que a prisão deve ser relaxada, pois conforme preceitua o art. 38 da Lei 10.409/03, estando o réu preso, realizar-se-á seu interrogatório em cinco dias após o recebimento da denúncia bem como também será citado para apresentar sa defesa preliminar.
Ocorre que, todo o procedimento esteve correto, ou seja, houve o recebimento da denúncia, foi citado o Paciente para apresentar suas alegações preliminares que foram apresentadas na data de 15/03/2006, em seguida abriu vista ao membro do Ministério Público, só após a manifestação deste que os autos foram conclusos a fim de marcar o interrogatório, sendo que já deveria ter sido marcado no mesmo despacho que mandou citar o Paciente para apresentar suas alegações preliminares, é o que diz o art. 38 da Llei nº 10.409/2003, adotada pelo Eminente Magistrado.
Cumpre ressaltar ínclitos Julgadores que, mesmo o interrogatório sendo realizado no dia 11/04/2006, como está marcado, em somente 09 (nove) dias não se encerrará a instrução e não se proferirá a sentença, estando configurado o excesso de prazo mais uma vez, pois todos nós sabemos que com o “sufoco” do Poder Judiciário em razão do alto índice de processos a serem julgados, torna-se impossível em uma única audiência realizar a inquirição de testemunhas de acusação e defesa, as alegações por parte do MP e defesa, e ser proferia a sentença.
O que ressalta é que nenhum Acusado preso pode ficar tanto tempo recluso sem que ao menos tenha se realizado seu interrogatório, pois sua locomoção estaria constrangida, o que não permitido por nossa lei pátria.
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Ad argumentandum tantum, o Acusado, coagido, é pessoa de bom caráter, não tendo contra ele nenhum mandado de prisão preventiva, tendo bons antecedentes, nunca tendo sido preso anteriormente, por quaisquer sejam os motivos. Contudo, verifica-se que não possui perigo à sociedade.
A conservação do Paciente em tempo superior ao convencionado para a finalização da instrução processual vulnera também a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e integrado ao Direito Pátrio por força do Decreto n. 678, de 6.11.1992, cujo artigo 7º, item 2, preceitua: Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas Constituições Políticas dos Estados-partes ou pelas Leis de acordo com elas promulgadas.”
O denominado Pacto de São José da Costa Rica é direito brasileiro local, positivo e cogente, por força da disposição do parágrafo 2º do artigo 5º da Constituição da República, no sentido de que a relação dos direitos fundamentais, pelos mais de setenta incisos em que se desdobram, é meramente enunciativa, constituindo numerus apertus justamente para inclusão daqueles contidos nos tratados de que o Brasil faça parte.
A prisão de alguém sem sentença condenatória transitada em julgado é uma violência, que somente situações especialíssimas devem ensejar. Não assiste ao presente caso, especial situação.
Eminentes Julgadores sabemos ser imperioso resguardar a idoneidade pública, porém imperiosa também a devida e justa aplicação da lei penal em todos os sentidos.
DO DIREITO
O fundamento do WRIT deve descrever o artigo infringido, qual seja, o art. 648, II do CPP, já citado, bem como na “PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA”, de forma que ninguém poderá ser considerado culpado sem sentença penal condenatória transitada em julgado, ditada pela Constituição Federal de 1988.
CONCLUSÕES
Por todas estas razões o Paciente confia em que este Tribunal, fiel à sua gloriosa tradição, conhecendo o pedido, haverá de conceder a presente ordem de HABEAS CORPUS, para conceder ao mesmo o benefício de aguardar em liberdade o desenrolar de seu processo, mediante termo de comparecimento a
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todos os atos, sendo expedido Alvará de Soltura, o que se fará singela homenagem ao DIREITO e à JUSTIÇA!
Termos em que,
Espera deferimento.
São José (SC), Dia, mês , Ano.
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OAB/Sc n° 0000