o evangelho segundo toy story

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Independente de quando você nasceu, algum desenho da Disney ou da Pixar marcou a sua infância. Se você for do final da década de oitenta terá quase que decoradas em sua mente as falas do maravilhoso Rei Leão, saberá todas as músicas e imitará aquela cantoria africana no começo do filme (“ahhh, amuêma, anani, ninaná!”). Além desses, há outros incríveis desenhos. Um em especial sempre me fascinou: Toy Story. A ideia de brinquedos tomarem vida enquanto ninguém os vê é encantadora. Não raro assisto a trilogia de Toy Story. Rio e choro nos mesmos momentos, sempre. Porém, ontem, enquanto assistia mais uma vez “Toy Story 3”, curiosamente percebi uma acidental analogia ao Evangelho. Não estou dizendo que o filme é propositalmente cristão, mas há excelentes referências ao Evangelho, de tal modo que fico a pensar se essas referências não foram indicadas ali propositalmente. Se você ainda não viu o filme, recomendo que pare de ler, vá assisti-lo e depois volte aqui. Veja que o filme retrata a entrada de Andy na vida universitária e seu rompimento com “as coisas de criança”. Seus brinquedos ficam desesperados por não saberem qual será o destino deles. Por causa de uma série de mal entendidos eles acabam sendo doados a uma creche. Quase todos questionam o amor de Andy. Quase todos se sentem abandonados por não compreenderem o curso que a vida tomou. Exceto um: Woody, o cowboy. Por

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Page 1: O evangelho segundo toy story

Independente de quando você nasceu, algum desenho da Disney ou da

Pixar marcou a sua infância. Se você for do final da década de oitenta terá

quase que decoradas em sua mente as falas do maravilhoso “Rei Leão”,

saberá todas as músicas e imitará aquela cantoria africana no começo do filme

(“ahhh, amuêma, anani, ninaná!”). Além desses, há outros incríveis desenhos.

Um em especial sempre me fascinou: Toy Story.

A ideia de brinquedos tomarem vida enquanto ninguém os vê é

encantadora. Não raro assisto a trilogia de Toy Story. Rio e choro nos mesmos

momentos, sempre. Porém, ontem, enquanto assistia mais uma vez “Toy Story

3”, curiosamente percebi uma acidental analogia ao Evangelho. Não estou

dizendo que o filme é propositalmente cristão, mas há excelentes referências

ao Evangelho, de tal modo que fico a pensar se essas referências não foram

indicadas ali propositalmente. Se você ainda não viu o filme, recomendo que

pare de ler, vá assisti-lo e depois volte aqui.

Veja que o filme retrata a entrada de Andy na vida universitária e seu

rompimento com “as coisas de criança”. Seus brinquedos ficam desesperados

por não saberem qual será o destino deles. Por causa de uma série de mal

entendidos eles acabam sendo doados a uma creche. Quase todos questionam

o amor de Andy. Quase todos se sentem abandonados por não

compreenderem o curso que a vida tomou. Exceto um: Woody, o cowboy. Por

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ter tido uma visão privilegiada de toda a história, ele sabe do cuidado de Andy

pelos brinquedos. Ao chegar à creche todos, menos Woody, acreditam terem

chegado a um lugar muito melhor do que aquele de onde vieram. Woody vai

embora. Mais tarde, seus olhos são abertos e eles se arrependem

amargamente do grande erro que cometeram. Woody volta, vence inúmeros

obstáculos e os leva de volta aos braços de Andy. Fim.

Mas o que isso tem a ver com Jesus, afinal?

Pra entender temos que traçar alguns paralelos. Os brinquedos, acredite

se quiser, podem representar o corpo de Cristo - a igreja. Eles possuem vida

própria para fazer o que quiserem, mas toda a existência perde o sentido longe

das mãos de Andy. Abrir mão do próprio controle para ser guiado por Suas

mãos é, para eles, muito melhor do que toda a aventura pela vontade própria

que passam durante o filme.

“Nós somos dele!”

Andy pode ser visto como ninguém menos do que o próprio Deus nessa

analogia. Ele é o senhor dos brinquedos. Durante uma das discussões em que

Woody está tentando convencer os outros a voltarem para a casa com ele, o

astronauta Buzz Lightyear se queixa dizendo que o dever deles é ficarem ali

juntos. E o cowboy sabiamente responde “nós nunca estaríamos juntos hoje se

não fosse por ele”. Isso não se parece com uma confiança na soberania de

Deus? Woody foi como Jó e de uma maneira diferente disse “Deus deu, Deus

levou, louvado seja o nome do Senhor” (Jó 1:21). É no mínimo curioso que isso

se assemelhe tanto com a nossa caminhada cristã. Nós estamos ótimos até

termos que confiar em Deus sem compreendê-lo muito bem. Talvez Ele nos

leve para o deserto. Talvez não. Nós cremos Nele, mas com dificuldade

confiamos em Sua misteriosa vontade.

Woody diz que foi tudo um mal entendido, que Andy iria guardá-los a

salvo no sótão da casa. Os brinquedos desdenham Woody em alta voz e um

deles braveja “e você acha que nós estaríamos melhor naquele sótão do que

aqui?!”. Woody, como Moisés ao lidar com um povo que queria o Egito ao invés

da Terra Prometida, se dirige a todos, indignado com aquela incredulidade,

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dizendo “Onde quer que Andy nos queira, é lá que devemos estar! Juntos! Nós

somos dele!”. Todos eles sabiam a quem pertenciam. Todos tinham o nome de

seu dono escrito com canetinha na sola de seus pés. Note que Woody não

descartou a possibilidade de ter um destino não tão agradável pra si. Ele sabia

disso. Antes, depositou sua fé na vontade soberana de seu dono. Até então

Andy havia cuidado deles todos. Não seria agora que Ele seria um dono mal.

“Até aqui nos ajudou o Senhor” (Sm 7:12).

O cowboy vai embora, triste por não ter sido acompanhado por seus

mais fiéis amigos. Como um profeta que é tomado por louco, ele foi

desprezado por aqueles que não viram o que ele viu. Os brinquedos que

ficaram na creche logo descobrem que a mesma Babilônia que seduz é a que

aprisiona. Descobrem que não podem mais sair daquele lugar. Tornam-se

reféns tanto de sua própria insensatez quanto dos outros brinquedos maus que

ali habitam. E então vem o doloroso arrependimento. Imagino o que se passou

em suas pequenas cabeças de plástico. A saudade da casa onde moravam, da

segurança, da liberdade.

Woody, felizmente, não desiste daquele povo e retorna para salvá-los.

Quando ele chega, os brinquedos recebem com a maior alegria e dizem querer

voltar pra casa com ele (mesmo que tivessem que viver no porão). Você se

lembra do filho pródigo? (Lc 15:11-32). Ao se arrepender ele decide voltar pra

casa de seu pai e viver lá. Ainda que numa condição inferior, mas que vivesse

novamente na casa do pai. O filho pródigo, assim como os brinquedos de Toy

Story, havia aprendido, por duras lições, que “o sótão” da casa de seu pai era

melhor do que “a creche” longe dele.

“Voltando para casa.”

Dentro da creche há toda uma hierarquia comandada por Lotso, um urso

de pelúcia com um quê de Poderoso Chefão. Nesse sistema maligno, os

brinquedos novatos são forçados a ficarem em uma sala onde ficam as

crianças mais indisciplinadas. Lá elas maltratam os brinquedos de todas as

formas imagináveis. Arremeçam nas paredes, arrancam cabelos, quebram

pernas etc. Enquanto a turma de Woody não tinha chance de sair desse

sistema, Lotso e sua máfia praticamente esquecem de sua existência na “sala

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de tortura”. Lotso, contudo, se mobiliza quando descobre um plano de fuga. A

fuga dos brinquedos representa muito mais do que um ultraje ao império que

ele criou. Representa um soco na boca do estômago da sua própria realidade.

Para ele os brinquedos não são amados por seu Dono. Lotso guarda um rancor

enorme do Dono e se sente rejeitado, impondo a todos a amargura e a

infelicidade de suas próprias falhas, de suas próprias escolhas.

Espera aí! Isso não está parecendo o que o diabo tenta fazer conosco

desde antes da Queda? Colocar em nossas cabeças que não queremos esse

amor, que exige entrega total. Que nós somos filhos caídos, renegados que

descobriram “um mundo muito melhor” longe de Deus. Enquanto nós

estivermos presos à Babilônia, presos em nosso engano, ele não se

preocupará. No dia em que enxergamos uma luz no fim do túnel, ele mostra,

enfim, suas garras. Começa a jogar na nossa cara uma série de mentiras,

dizendo que Deus não cuidou direito de nós, e que ele, sim, é quem nos deu

tudo. Foi isso que Lotso fez com Woody e seus amigos. Mas Woody e os

outros brinquedos estavam convictos de sua fé. O cowboy expõe a verdade a

todos, inclusive aos capangas de Lotso. E ao contemplar as provas infalíveis

do amor do Dono pelos brinquedos, os capangas são libertos da influência de

Lotso por reconhecerem a verdade exposta “na pregação” de Woody (João

8:32).

Termino essa breve análise citando a última parte do filme. Andy decide

o que é melhor para os bonecos. Ele os entrega aos cuidados de uma graciosa

garotinha, filha de uma vizinha. Ele faz isso porque sabe que ali todos serão

felizes e bem cuidados. Ali todos estarão longe do perigo. É notável a dor no

coração de Andy. É uma decisão que exige dele um autossacrifício em prol dos

brinquedos que ama. E não foi exatamente isso que Cristo fez por nós?

Ele levou seu próprio cálice até o fim. Sofreu para que nós fôssemos

felizes, porque Ele sabia que isso era o melhor. Sabia que mesmo que não

enxergássemos com clareza naquele momento, um dia reconheceríamos sua

maravilhosa visão além da nossa. Ele não nos deixou jogados à própria sorte,

como brinquedos sem dono. Foi aos Céus, mas permanece em nós. E aqui

estamos hoje. Juntos! “Nós somos dele!”.