o estudo do aspecto no grego antigo pela linguística de córpus

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Curitiba 2011 Anais do VII Congresso Internacional da Abralin O estudo do aspecto verbal em grego antigo pela Linguística de Córpus Alexandre Wesley Trindade 1 1 Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de Ciências e Letras, Câmpus de Araraquara (UNESP/FCLAr) [email protected] Resumo: O presente trabalho pretende mostrar o percurso dos estudos aspectológicos em geral e apresentar a contribuição da abordagem da Linguística de Córpus para o estudo da categoria aspecto no grego antigo. Palavras-chave: aspecto verbal; Linguística de Córpus; grego antigo Introdução Segundo Berrettoni (1992 apud CONTI, 2005), os gramáticos gregos não fizeram uma elaboração explícita do aspecto verbal, mas é possível encontrar uma intuição das características aspectuais encontradas nos tempos verbais. Além disso, pode-se encontrar vários usos para o termo tempos (khrónoi), sem propor uma definição aspectual dessas categorias. Entretanto, o autor admite que algumas descrições semânticas das funções dos tempos verbais podem ser intrinsecamente aspectuais, considerando a oposição entre um traço de duração e um de completamento, contrapondo os temas do presente, do aoristo e do perfeito. 1 Primeiras intuições sobre a categoria aspecto O filósofo grego Aristóteles (séc. IV a.C.) sempre teve uma preocupação com o estudo da linguagem. Em várias de suas obras podemos encontrar formulações de teorias linguísticas. Ele explora as questões biológicas da expressão linguística, ou seja, a produção da fala e os órgãos envolvidos nesse processo, o problema da significação relacionado à arbitrariedade e à convencionalidade do signo, bem como procura organizar um sistema que abarque os conceitos de linguagem, por meio das categorias. Nesse ponto, é importante considerar que “o ponto fundamental da teoria aristotélica das categorias é o pensamento da estrutura da língua como correspondência da estrutura do mundo” (NEVES, 2005, p. 75). Nesse frequente trabalho teórico a respeito da linguagem, Aristóteles elabora o primeiro estudo sobre o aspecto em sua Metafísica (IX, 1048). De modo geral, esta obra é um tratado ontológico, porém é possível que se estabeleça relação com o estudo da linguagem pois, conforme Neves (2005, p. 72), para Aristóteles assim como um pensamento baseado na verdade ou na falsidade “se produz na alma também se produz na linguagem, pois as palavras são símbolos dos estados de alma”. E assim, o filósofo faz distinção entre duas classes aspectuais de verbos (estados e 74

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Artigo linguístico sobre o aspecto na língua grega antiga.

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Curitiba 2011Anais do VII Congresso Internacional da Abralin O estudo do aspecto verbal em grego antigo pela Lingustica de Crpus Alexandre Wesley Trindade1 1Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho, Faculdade de Cincias e Letras, Cmpus de Araraquara (UNESP/FCLAr) [email protected] Resumo:Opresentetrabalhopretendemostraropercursodosestudos aspectolgicos em geral e apresentar a contribuio da abordagem da Lingustica de Crpus para o estudo da categoria aspecto no grego antigo. Palavras-chave: aspecto verbal; Lingustica de Crpus; grego antigo Introduo SegundoBerrettoni(1992apudCONTI,2005),osgramticosgregosno fizeram uma elaborao explcita do aspecto verbal, mas possvel encontrar uma intuio das caractersticas aspectuais encontradas nos tempos verbais. Alm disso, pode-seencontrarvriosusosparaotermotempos(khrnoi),semproporuma definioaspectualdessascategorias.Entretanto,oautoradmitequealgumas descries semnticas das funes dos tempos verbais podem ser intrinsecamente aspectuais,considerandoaoposioentreumtraodeduraoeumde completamento, contrapondo os temas do presente, do aoristo e do perfeito. 1Primeiras intuies sobre a categoria aspecto O filsofo grego Aristteles (sc. IV a.C.) sempre teve uma preocupao com o estudo da linguagem. Em vrias de suas obras podemos encontrar formulaes de teorias lingusticas. Ele explora as questes biolgicas da expresso lingustica, ou seja,aproduodafalaeosrgosenvolvidosnesseprocesso,oproblemada significao relacionado arbitrariedade e convencionalidade do signo, bem como procura organizar um sistema que abarque os conceitos de linguagem, por meio das categorias. Nesse ponto, importante considerar que o ponto fundamental da teoria aristotlicadascategoriasopensamentodaestruturadalnguacomo correspondncia da estrutura do mundo (NEVES, 2005, p. 75). Nesse frequente trabalho terico a respeito da linguagem, Aristteles elabora o primeiro estudo sobre o aspecto em sua Metafsica (IX, 1048). De modo geral, esta obraumtratadoontolgico,pormpossvelqueseestabelearelaocomo estudodalinguagempois,conformeNeves(2005,p.72),paraAristtelesassim comoumpensamentobaseadonaverdadeounafalsidadeseproduznaalma tambm se produz na linguagem, pois as palavras so smbolos dos estados de alma. E assim, o filsofo faz distino entre duas classes aspectuais de verbos (estados e 74Curitiba 2011Anais do VII Congresso Internacional da Abralin processos), sendo os processos subdivididos em kinseis1 (movimentos) e energiai (atividades), esquematizada por Godoi (1992, p. 15): Fig. 1. Classes aspectuais aristotlicas Osmovimentosnotmumfimimanente,ouseja,secaracterizampor possuirumfimdistintodelesmesmos[...]e,portanto,cessamumavezquese alcana o fim para o qual esto ordenados2(MARTNEZ, 1994, p. 24, grifo do autor). Aristteles afirma em Metafsica (IX, 1048b29, traduo nossa): Todo movimento imperfeito: emagrecer, aprender, andar, construir3A Tkhn Grammatik, cuja autoria atribuda ao alexandrino Dionsio Trcio (sc. II a.C.), considerada a primeira gramtica do Ocidente. Trata-se de uma obra que sistematiza os elementos da lngua grega escrita com finalidade didtica. A obra segue uma diviso interna que compreende os elementos, as partes do discurso e as categoriasgramaticais(cf.NEVES,2002,p.36).Assim,aotratardaquestodo verbo, o gramtico encerra a seo com uma considerao sobre tempo e aspecto: . Trata-se de aes inacabadas ou imperfeitas. J as atividades tm um fim inerente. Trata-se, portanto, de aes acabadasouperfeitas.Dessamaneira,Aristtelesiniciaoestudodoaspectona literatura ocidental. Otemposotrs:presente,passadoefuturo.Destes,opassadotemquatro variedades: o imperfeito, o perfeito, o mais-que-perfeito e o aoristo. So trs suas afinidades: do presente com o imperfeito, do perfeito com o mais-que-perfeito e do aoristo com o futuro4(DIONISIO TRACIO, 13, p. 68, traduo nossa)5O sistema temporal proposto pode ser representado do seguinte modo: . 1Na transliterao, qualquer acento (agudo, grave ou circunflexo) que incida sobre vogais longas ser suprimido, permanecendo apenas a indicao de quantidade, sinalizada pelo mcron, por uma questo de limitao tcnica da fonte Verdana. 2Los movimientos se caracterizan por poseer un fin distinto de ellos mismos [...] y, por tanto, cesan una vez que se ha alcanzado el fin al cual estn ordenados. 3psa gr knsis atels, iskhnasa mthsis bdisis oikodmsis. 4Khrnoitres,enest s,parellyths,mlln.to tnhoparellythskheidiaphorstssaras, paratatikn, parakemenon, hypersyntlikon, ariston hn syngneiai tres, enesttos prs paratatikn, parakeimnou prs hypersyntlikon, aorstou prs mllonta. 5Cp.traduocomChapanski(2003,p.30).Trata-sedecompletaeexcelentedissertaoque recomendamos para pesquisas sobre o gramtico e sua obra. Classes aspectuaisEstados Processosmovimentos(kinseis)atividades(energiai)75Curitiba 2011Anais do VII Congresso Internacional da Abralin Fig. 2. Sistema temporal de Dionsio Trcio Podemos compreender que Dionsio Trcio tem uma intuio sobre o aspecto que, em sua obra, designado pelo termo variedades (diaphors). O aspecto para o gramticoalexandrinoumadecorrnciadotempo.Essevnculoentretempoe aspectoficaevidentequandoo gramtico mostraasrelaespresente/imperfeito, perfeito/mais-que-perfeitoeaoristo/futuro.Essasrelaessodenominadas afinidades.Apalavragregaempregadaparadesignaresserelacionamento syngneia,utilizadaparaindicarrelaodeparentesco.Essastrsrelaes apontadas so aspectuais: o que h de comum na relao presente/imperfeito o aspecto durativo, na relao perfeito/mais-que-perfeito o aspecto completado e na relao aoristo/futuro a indeterminao do aspecto. Especificamentesobreosaspectos,importantenotar,comoilustradona Figura 2, que eles esto vinculados somente ao passado (parellyths). Os aspectos indicadossodurativo(paratatiks),completado(parakemenos),completadono passado (hypersyntlikos) e indeterminado (aristos)6Aotratardaquestodostemposverbais,ApolnioDscolo(sc.IId.C)d continuidade s teorias dos esticos. O gramtico alexandrino escreveu mais de trinta tratados gramaticais dos quais, somente quatro, chegaram at ns. As obras so: Da sintaxe(Persyntxes),Dopronome(Perantnymas),Dosadvrbios(Per epirrmtn)eDasconjunes(Persyndsmn).AobraDasintaxeogrande tratado na qual esto reunidas as ideias desenvolvidas nas outras obras do autor. Mesmo sob uma base filosfica, Apolnio Dscolo inova ao proceder uma investigao lingustica levando em conta os fatos da lngua comum, em oposio ao uso potico, sistematizandoregraseprincpiospormeiodeanalogiaeofereceumacompleta descrio gramatical da lngua grega de sua poca. O gramtico considera o tempo presentecomoopontoderefernciaparasecompararopassadoeofuturo. Comparando o imperativo do presente e o aoristo, conclui que as diferenas de uso se devem a uma noo de durao (partasis) e de completamento (syntleia). . De maneira suscinta, Dionsio Trcio aponta caminhos para se pensar o tempo e o aspecto a partir das relaes que eles estabelecem entre si. 6Para uma discusso sobre as terminologias e tradues mais adequadas, ver Chapanski (2003, p. 63-64 [notas 81-87] e p. 160-164). TempoPresente Passadoimperfeito(durativo)perfeito(completado)mais-que-perf.(completado no passado)aoristo(indeterminado)Futuro76Curitiba 2011Anais do VII Congresso Internacional da Abralin 2Estudos lingusticos sobre a categoria aspecto Historicamente,otermoaspectoaparecepelaprimeiravez,em1828,na GrammaireRaisonnedelaLangueRusse,comotraduodapalavrarussavid ()7. A obra francesa uma traduo, feita por Charles-Philippe Reiff, da gramtica russa (Prostrannaja grammatika rossijskago jazyka) de Nikolai Gre,8Emgeral,ostrabalhossobreoaspectoverbalprocuramsituaroleitorno universo dos estudos aspectolgicos. H vrias maneiras de se fazer essa abordagem, sendo que geralmente encontramos um resumo histrico-cronolgico que procura dar conta das fases pelas quais as pesquisas passaram, relacionando o avano no tempo a novas descobertas. H uma diviso proposta por Dahl (1981 apud GODOI, 1992)publicada em 1827. 9Para Dahl (1981), a tradio ocidental, tambm chamada de anglo-saxnica, consideraaclassificaodosverbosemtermosdecategoriaslexicais,desdea primeirapropostade Aristteles. Essa tradiotem modelos tericos baseados na lgica, por isso a condio de verdade fundamental. Essa via lgica possibilita, num primeiro instante, o conceito de momento que, tendo sido debatido e repensado, leva aoconceitodeintervalo.Almdessasquestes,hainclusodeumconceito temporal em que se insere um tempo de fala, tempo de evento e tempo de referncia, no modelo proposto por Reichenbach (1947). Pode haver diferenas, por exemplo a propostadeComrie(1976),massemprehumconceitotemporaldecorrenteda presenadofatortemponosignificadodasformasverbais.Ainda,osestudos ocidentais tm em comum o uso das ferramentas da semntica formal, considerando no somente o verbo na anlise do aspecto, mas tambm de outros componentes da sentena, taiscomooargumento.Poroutrolado,abasedosestudosda tradio orientalanoodeAktionsart,propostaporAgrell(1908).AsAktionsarten,ou modosdeserdaao,soentendidascomotraossemnticosebaseadasem critrios intuitivos, portanto, subjetivos. Essa situao possibilitou a criao de listas interminveisdeAktionsartenquesooraconsideradastraosoraconsideradas categorias. No se relaciona esses modos de ser da ao a um conceito temporal. O tempo considerado um eixo que inclui apenas o tempo de fala e o tempo de evento. Outradiferena emrelaoaosestudosocidentaisacentralidadedoverbo, no considerando os outros elementos da sentena para a interpretao, pois as anlises se utilizam da psicolingustica, e no da semntica. , em que considera a existncia de uma tradio ocidental e uma tradio oriental dos estudos aspectolgicos. H ainda outro tipo de classificao dos estudos aspectolgicos que considera a caracterstica fundamental do aspecto como o princpio taxionmico. Segundo Cora (1985), um grupo de estudiosos admite que a base do aspecto a noo de durao e outro grupo considera que a caracterstica do aspecto a distino perfectivo vs. imperfectivo. A autora se posiciona junto ao segundo grupo e postula que considerar 7Cf. Dietrich (1973 apud Cora, 2005) e Conti (2005) 8Pode-se encontrar tambm as grafias Grec, Grech e Gretsch. 9Em sua tese de doutorado, Godoi (1992) se prope a organizar o quadro das teorias aspectolgicas e oferecerumadefiniodoaspectoedosconceitosrelacionados.Primeiramente,aautoraprocedea organizao dos estudos sobre o aspecto e uma breve considerao sobre os estudos aspectolgicos para a lngua portuguesa e, posteriormente, as definies formais dos termos centrais do estudo. Assim, aspecto a relao estabelecida entre o tempo de evento e o tempo de referncia (p. 208). Decorrente disso, o aspecto perfectivo e o aspecto imperfectivo so as relaes especficas de incluso mantidas entre os dois tempos (p. 230). 77Curitiba 2011Anais do VII Congresso Internacional da Abralin a durao como o fundamento do aspecto tomar a parte pelo todo, pois o durativo um dos valores aspectuais. Uma anlise que admita somente a durao tambm deve admitir que o centro o verbo e que este expressa somente ao, restringindo consideravelmente as anlises lingusticas. Essa mesma dicotomia vai se revelar nos estudos da lngua grega antiga, como veremos na Seo 3. 2.1Teoria aspectual de Comrie Em sua obra intitulada Aspect (1976), tempo e aspecto esto em permanente relao e a definio desses termos so importante para a teoria. Muitos estudiosos seutilizamdateoriadetempodeReichenbach(1947)paradesenvolverteorias aspectuais.Noentanto,Comrieprocurouformularsuaprpriateoriatemporal.A diferena bsica entre as duas teorias que Comrie exclui o tempo de referncia, considerando que os tempos absolutos, ou seja, passado, presente e futuro, devem ser representados por apenas dois pontos temporais: o tempo da fala e o tempo do evento.Comrietambmconsideraasrelaesdesimultaneidade,anterioridadee posterioridade, mas o ponto de referncia para que se possa localizar uma situao no tempo o presente. Os conceitos apresentados pelo linguista ainda hoje tem relevncia nos estudos aspectolgicos. Trata-se de uma obra antolgica na qual o autor se utiliza de uma quantidadeenormededados,provenientesdevriaslnguas,paraformularsua teoria de aspecto e apresentar conceitos relacionados sua teoria aspectual. Desta maneira,aquantidadeeaqualidadedessesdadosqueservemdebaseparaa formulaotericaproporcionamumabasebastanteslidaparaasasseres presente na obra. Assim, o autor considera que aspectos so as diferentes maneiras devisualizaraconstituiotemporalinternadeumasituao (p.3,traduo nossa)10. A partir desta definio admite a existncia de trs aspectos: perfectivo, imperfectivoeperfeito.Aoposioperfectivovs.imperfectivoconsiderada fundamental para se tratar da questo aspectual. Os trabalhos posteriores se utilizam dessa oposio como ponto de partida para os conceitos sobre aspecto. Comrie afirma que a perfectividade indica a visualizao de uma situao com um todo nico, sem distino das vrias fases separadas que compem essa situao (p. 16, traduo nossa)11. Em oposio, o imperfectivo presta ateno essencial estrutura interna da situao (p. 16, traduo nossa)12. O perfeito relaciona determinada estado a uma situao anterior13EmrelaodistinoentreaspectoeAktionsart,olinguistaformuladuas maneiras de proceder a diferenciao. Numa primeira abordagem, o aspecto trata de distines semnticas relevantes de gramaticalizao e a Aktionsart de distines de lexicalizao, porm a maneira como essas distines so lexicalizadas no levada emconsiderao.Asegundaabordagemidntica,pormasdistinesso lexicalizadas por meio de morfemas derivacionais. (p. 52). 10aspects are different ways of viewing the internal temporal constituencyof a situation. 11perfectivity indicates the view of a situation as a single whole, without distinction of the various separate phases that make up that situation. 12the imperfective pays essential attention to the internal structure of the situation. 13relates some state to a preceding situation. 78Curitiba 2011Anais do VII Congresso Internacional da Abralin 3Estudos lingusticos sobre a categoria aspecto no grego antigo Em artigo que faz um levantamento histrico sobre os estudos a respeito da categoria aspecto, Conti (2005) considera que, dentre os estudiosos que admitem a existncia de uma categoria chamada aspecto, possvel reconhecer dois grupos que representam duas tradies, utilizando como parmetro a caracterstica fundamental do aspecto. O primeiro grupo considera que a caracterstica fundamental do aspecto a oposio duratividade vs. no-duratividade. Neste grupo esto Chantraine (1938, 1957), Humbert (1945), Ruiperez (1954), Palmer (1980), Duhoux (1995) e Lorente Fernndez (2003). O segundo grupo atribui oposio perfectivo vs. imperfectivo a caractersticafundamentaldoaspecto.NestegrupoencontramosHolt(1943), Adrados(1950),Grassi(1963),McKay(1974,1986,1988),Comrie(1976), Armstrong(1981),Rijksbaron(1984,1988,2000),Porter(1989)edelaVilla (2002)143.1Teoria aspectual de Duhoux . Osprincipaissuportestericosparaoestudodoaspectoverbalemgrego antigo, numa abordagem de Lingustica de Crpus, so as obras de Duhoux (1991, 1995, 2000). Em sua obra Le verbe grec ancien (2000), Duhoux apresenta um amplo estudo sobre a estrutura e o funcionamento do sistema verbal no grego antigo, no qual monta um grande quadro diacrnico, desde o indo-europeu. O autor concentra o exame sinttico sobre alguns componentes do sistema, tais como tempo, modo, voz, aspecto. As descries morfolgicas e sintticas no so dissociadas, mas operam em conjuntoparasealcanarumaltondicederefinamentonapesquisa.Essas descries so realizadas sob uma perspectiva estruturalista. O autor se utiliza de um crpus de mais de 100.000 formas verbais. Na quinta parte da obra so apresentadas definies da temporalidade e do aspecto, demonstrando a necessidade de se adotar umaterminologiaquedistingacategorialingusticaderealizaeslingusticas.E essas realizaes podem ser morfolgicas ou lexicais. Deste modo, o termo utilizado para exprimir morfologicamente o desenvolvimento do processo aspecto (aspect). Para o autor, o aspecto a considerao interna do desenvolvimento do processo e, almdisso,umacategoriasubjetiva,distinguidoemtrsaspectos:progressivo (progressif), pontual (ponctuel) e de estado (tat). O aspecto progressivo leva em conta o meio da realizao do processo, expresso pelo tema do presente. O aspecto pontual considera as etapas do processo (comeo, meio, fim) em bloco, como um nicoponto,visualizandooprocessocomoumfatopuroesimples,expressopelo tema do aoristo. O aspecto de estado mostra claramente que o incio ou o fim da realizao do processo escoa num resultado, expresso pelo tema do perfeito. J o termoqueexprimelexicalmenteodesenvolvimentodoprocessoumacategoria objetivadenominadaaspectividade(aspectivit)1514Importantesestudosaspectuaiscontemporneostmsidodesenvolvidospelaatuaodogrupo internacional de pesquisa sobre o aspecto verbal no grego antigo que, desde 1992, rene vrios estudiosos noCentredeRechercheenSyntaxe etSmantiqueduGrecancien,naUniversidadedeSaint-tienne, dentre os quais J. Lallot, B. Jacquinod, F. Lambert, L. Basset, A. Culioli, Y. Duhoux. .Defato,adota-seuma 15Sobre o termo, Lorente Fernndez (2003, p. 50, grifo do autor, traduo nossa) afirma: Alm disso, um termo como aspectualidade pode levar a confuses com a realizao lexical do aspecto, que na lingustica francesa,chamadatradicionalmenteaspectividade(Aktionsart).[Enplus,untermecomme aspectualit peut prte des confusions avec la ralisation lexicale de laspect, qui dans la linguistique franaise, est appele traditionnellement aspectivit (Aktionsart)]. 79Curitiba 2011Anais do VII Congresso Internacional da Abralin terminologia para a lngua francesa dos termos Aspekt e Aktionsart, respectivamente, encontrados na literatura alem. Almdessestermos,oautoradotaumadistinoentretempo(temps)e temporalidade(temporalit)paraquehajaumadiferenciaoentreacategoria lingusticaeosmorfemastambmchamadosdetempo(aoristo,perfeito,futuro, imperfeito, mais-que-perfeito, futuro-perfeito). Na terminologia criada pelo autor, o tempo uma realizao lingustica em que esto inseridas as oposies dos temas verbais.Atemporalidadeacategorialingusticaquelocalizaomomentoda realizaodoprocessoemrelaoaumpontoderefernciaexterioraesse processo16Quadro 1: Esquema de realizaes morfolgicas e lexicais do aspecto e da temporalidade (p.147,traduonossa).Paraumasntesedaterminologiaeusos adotados pelo autor, h um quadro esquematizado por Lorente Fernndez (2003, p. 49, traduo nossa): A) CATEGORIA LINGUSTICAAspecto Definio: Considerao interna do desenvolvimento do processo Temporalidade Definio: Considerao do momento da realizao do processo em relao a um ponto exterior A.1.) Realizao morfolgicaTempos Mediante: oposio dos temas aoristo, presente, perfeito Tempos Mediante: oposio dos temas aoristo, presente, perfeito (para o indicativo) e futuro (para todos os modo) A.1.1.) TiposAspecto do presente Aspecto do aoristo Aspecto do perfeito Temporalidade do passado Temporalidade do presente (actuel) Temporalidade do futuro (avenir) A.2.) Realizao lexicalAktionsart Procedimentos lexicais Sem nome Procedimentos lexicais 4Lingustica de Crpus No conceito fundamental da Lingustica de Crpus, a linguagem um sistema probabilstico que deve ser estudada numa abordagem emprica (cf. HALLIDAY, 1991, 1992 apud BERBER SARDINHA, 2000). A pressuposio desta viso da linguagem a dequeaspossibilidadestericasdostraoslingusticosnocoincidemcoma frequnciadeocorrncias.Essadiferenanosomentesignificativa estatisticamente, como ela evidencia que caracterstico da linguagem a existncia de uma regularidade nos padres e uma sistematicidade nas variaes. Alm disso, o levantamentoempricoconsideraousonaturaldalngua,utilizadaemsituaes reais. Em obra que trata da importncia e validade de uma abordagem quantitativa para os estudos da linguagem, Guiraud (1960) afirma que a lingustica a cincia estatstica modelo e mostra que o mtodo estatstico tem sido aplicado s anlises fontica, semntica, sinttica, morfolgica, filolgica, auxiliando no desenvolvimento dessas reas da lingustica com resultados obtidos, como por exemplo, pela criao de ndices, concordncias e frequncia de palavras. 16la catgorie linguistique qui localise le moment de la ralisation du procs par rapport un point de repre extrieur ce procs. 80Curitiba 2011Anais do VII Congresso Internacional da Abralin necessrio esclarecer que nossa considerao de Lingustica de Crpus que se trata de uma abordagem emprica, adequada para o estudo da linguagem, baseada em crpus. Sanchez(1995apud BERBER SARDINHA,2000, p. 338)definecrpus como Um conjunto de dados lingusticos (pertencentes ao uso oral ou escrito da lngua, ouaambos),sistematizadossegundodeterminadoscritrios,suficientemente extensos em amplitude e profundidade, de maneira que sejam representativos da totalidade do uso lingustico ou de algum de seus mbitos, dispostos de tal modo quepossamserprocessadoporcomputador,comafinalidadedepropiciar resultados vrios e teis para a descrio e anlise. 4.1Lingustica de Crpus e grego antigo Como visto na Seo 3.1, a descrio lingustica do sistema verbal grego antigo, realizadaporDuhoux,foitotalmentebaseadaemcrpus.Dentrodestamesma perspectivaterica,LorenteFernndez(2003)seutilizou14.980formasverbais, extradasdeum volumoso crpus contendotodasasobrasdeIscrates(436-338 a.C.).Houveumintensotrabalhopreparodostextosemarquivoslegveispor computador,emformatosadequadosleituradosprogramasconcordanciadores, frequenciadores e de teste estatsticos, para que se encontrasse as formas verbais estatisticamentemotivadaseassimpudesseprocederasanlisesmorfolgicas, sintticas e lexicais. Oresultado finalobtidofoibastante interessante. Utilizando-seomtodode clculoestatsticoqui-quadrado,asdiferentesamostrasdeformasverbais (anteriormente etiquetadas baseadas em mais de 30 critrios morfolgicos, sintticos e lexicais) foram analisadas e chegou-se a resultado altamente satisfatrio: 95% das formasverbaisanalisadastmumautilizaomotivada,ouseja,noso estatisticamente aleatrias e so linguisticamente significativas. Referncias bibliogrficas AGRELL, S. Aspektnderung und Aktionsartbildung beim polnischen Zeitworte: ein Beitrag zum Studium der indogermanischen Prverbia und ihrer Bedeutungsfunktionen. Lund: H. Ohlsson, 1908. (Lunds Universiteits rsskrift, 4.2.) ARISTOTLE. Metaphysics. Greek text in Perseus Digital Library. Available from: . Access on: 14 July 2009. BERBER SARDINHA, T. Lingstica de Corpus: histrico e problemtica. D.E.L.T.A. So Paulo, v. 16, n. 2, p. 323-367. Disponvel em: . Acesso em: 15 jul. 2009 BERRETTONI, P. 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