o espaço público como fundamento das sociedades democráticas

6
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS O ESPAÇO PÚBLICO COMO FUNDAMENTO DAS SOCIEDADES DEMOCRÁTICAS Trabalho apresentado à disciplina de Regimes Políticos Contemporâneos do curso de Ciências Sociais, por Aline Baroni Professor: Paulo Costa

Upload: alinebaroni

Post on 11-Jun-2015

327 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: O espaço público como fundamento das sociedades democráticas

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

O ESPAÇO PÚBLICO COMO FUNDAMENTO DAS SOCIEDADES DEMOCRÁTICAS

Trabalho apresentado à disciplina de Regimes Políticos Contemporâneos do curso de Ciências Sociais, por Aline Baroni

Professor: Paulo Costa

CURITIBA

2006

Page 2: O espaço público como fundamento das sociedades democráticas

A democracia não incentiva o espaço público cotidiana e compulsivamente. O

espaço (de interação e debate) público, da forma como propõe Habermas, se dá apenas (e

ainda assim de forma frágil e sem energia) em momentos específicos e estratégicos, como

escândalos, referendos e eleições. Diante dessa conjuntura, faz-se necessário verificar quais

as restrições que a democracia impõe ao espaço público e como isso contraria os próprios

princípios democráticos.

Analisemos essa contradição historicamente. A democracia original era uma

proposta grega que consistia essencialmente na deliberação. Muito se avançou, desde então,

em relação à participação de diferentes grupos sociais na vida política; mas muito se

regrediu em relação à qualidade dessa deliberação, até que atualmente ela é praticamente

nula. A democracia atual, portanto, caracteriza-se por não incentivar o debate público e pela

falta de deliberação. O governo é composto por uma elite profissional política e o debate

tornou-se privilégio dessa aristocracia, contrariamente ao ideal democrático de publicização

da expressão, do debate e das decisões políticas. Há, nesse sentido, a necessidade de

diversificação do que Lijphart chama de “instituições e práticas a que o cidadão recorre

para traduzir as suas preferências em iniciativas de natureza pública” (LIJPHART, 1989).

O que se tem é uma falsa publicidade, em que os cidadãos adotam atitudes não

significativas politicamente e se limitam a esperar decisões emanadas do poder político. Os

indivíduos na democracia atual não são essencialmente políticos, são alheios a essas

questões; preferem que a atividade seja controlada por uma elite especializada.

“A teoria democrática toma em consideração o poder autocrático, isto é, o poder que parte do alto, e sustenta que o remédio contra esse tipo de poder só pode ser o poder que vem de baixo” (BOBBIO, 1980)

A massa (o que existe realmente não é público, é massa) só se interessa pelas

decisões políticas quando essas interferem em questões centrais de sua vida privada -

financeiramente ou quando há restrições de sua liberdade individual, por exemplo.

Ocorre, então, uma tecnificação dos diversos campos do conhecimento, inclusive do

político, que gera um esvaziamento da democracia como participação política, já que a

massa leiga tornou-se incapaz de participar do debate técnico (ARENDT, 2003). Além

disso, não se entende mais as pessoas como cidadãs (que teriam interesses coletivos acima

Page 3: O espaço público como fundamento das sociedades democráticas

do interesse pessoal), mas como indivíduos. “Nada corrói mais o espírito do cidadão

participante que o indiferentismo dos que cultivam o seu particular” (BOBBIO, 1980).

O processo “democrático” começa errado, pela falta de debate público amplo acerca

das eleições. Continua errado pela falta de responsividade e accountability, ou seja, falta de

sensibilidade dos representantes à vontade dos representados e a falta de capacidade dos

representados imporem sanções aos representantes, respectivamente (MIGUEL, 2000). E

apenas expandindo o espaço público é possível aprimorar esses dois pontos fundamentais

ao exercício pleno da democracia.

Por espaço público entendo uma esfera simbólica entre a sociedade civil e o Estado

em que se formula, por meio do debate, a opinião pública. É nesse espaço que ocorre o

esclarecimento do público, viabilizando, assim, a deliberação e o controle das decisões

políticas. É o espaço público que cria a sensação de efetiva participação política. Sendo

“materialmente impossível” (BOBBIO, 1980) o debate público a nível mundial, nacional,

estadual ou até mesmo municipal, a solução mais viável para uma democratização efetiva é

o incentivo do espaço público em pequenas escalas, o que ainda assim promoveria a criação

do público e, principalmente: do sentimento de público.

“Todos os cidadãos plenos devem ter oportunidades plenas:1. de formular suas preferências2. de expressar suas preferências a seus concidadãos e ao governo através da ação

induvidual e da coletiva3. de ter suas preferências igualmente consideradas na conduta do governo” (DAHL,

1997)

Page 4: O espaço público como fundamento das sociedades democráticas

Referências bibliográticas

ARENDT, H. Condição Humana. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2003.

BOBBIO, N. O futuro da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 1980

DAHL, R. A. Poliarquia. São Paulo : Edusp, 1997

DOWNS, A . Uma Teoria Econômica da Democracia. São Paulo, Edusp, 1999.

HABERMAS, J. Comunicação, Opinião Pública e Poder, In: Comunicação de Indústria Cultural, Org. Gabriel Cohn, São Paulo: Editora Nacional, 1977

HABERMAS, J. "Técnica e ciência enquanto 'ideologia'". In: BENJAMIN, W.; HORKHEIMER, M.; ADORNO, T.W.e HABERMAS, J. Textos escolhidos. São Paulo, Abril Cultural, 1980

LIJPHART, A. As democracias contemporâneas. Lisboa : Gradiva, 1989. p. 9-61.

MIGUEL, L. F. . Impasses da accountability: dilemas e alternativas da representação política. Revista de Sociologia e Política, v. 25, p. 25-38, 2005.

ROSAS, A. Democracia como não dominação e espaço público. Disponível em <http://prisma.cetac.up.pt/artigospdf/8_democracia_como_nao_dominacao_e_espaco_publico_antonio_rosas.pdf>. Acesso em 24/11/06.

SÁ, F. Tensões da democracia representativa. Disponível em <http://www.facha.edu.br/publicacoes/comum/comum24/Artigo1.pdf>. Acesso em 24/11/06.

SCHUMPETER, J. Capitalismo, socialismo, democracia. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961

TOLEDO, R. O espaço público, a democracia e a participação na era da reprodutibilidade técnica. Disponível em <http://reposcom.portcom.intercom.org.br/dspace/bitstream/1904/17017/1/R1733-2.pdf>. Acesso em 24/11/06