o espaÇo interior da cidade

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O ESPAÇO INTERIOR DA CIDADE Roberto Ghione Artigo foi publicado na Revista Sim!, em 12 de março de 2001. A qualidade do espaço público manifesta a dignidade e a auto-estima dos habitantes de uma cidade. O espaço interior das cidades está composto por suas ruas, praças, praias, assim como pela arquitetura que os configura. Uma reflexão sobre o espaço interior do Recife e sua Área Metropolitana permite defini-lo como uma cidade de marcados contrastes, cuja manifestação na paisagem urbana reflete sérias questões estruturais de caráter social, com desigualdades que atingem características alarmantes. Entre os aspectos positivos desses contrastes, cabe mencionar seu espaço geográfico, atravessada por rios e ricas áreas naturais, com um litoral marítimo altamente qualificado, um patrimônio arquitetônico na cidade de Olinda, com fragmentos do centro do Recife internacionalmente reconhecidos e com uma orla como a praia de Boa Viagem que está entre as mais destacadas do Brasil. Esta síntese dos elementos físicos naturais e culturais se complementa com as riquíssimas manifestações culturais, que fazem do Recife um complexo ambiental - existencial rico e atraente. Do outro lado, sérios problemas se manifestam e agridem o ambiente urbano até o ponto de comprometer as qualidades mencionadas. Canais fedorentos, espaços públicos mal conservados, vegetação pública estragada, tendidos de fios mal planejados e uma constante sensação de improvisação e precariedade na paisagem urbana manifestam as desigualdades sociais que estão por trás de sua estrutura física e aparente. Custa entender que os habitantes da Área Metropolitana do Recife possam sentir orgulho e dignidade com tais características do espaço público de suas cidades. A dinâmica de crescimento urbano dá a sensação de ter superado as expectativas de planejamento, e as decisões a tomar se complicam pela necessidade de resolver urgências sociais imediatas e, ao mesmo tempo, planejar seu desenvolvimento. Os critérios do planejamento contemporâneo, que consideram questões de desenvolvimento sustentável (com preservação e valorização das qualidades ambientais), conjuntamente com a promoção social da população de baixa renda, com a legalização das ocupações espontâneas, com a dotação da infra-estrutura básica, com a garantia de serviços públicos eficientes e com a satisfação das necessidades básicas de moradia, saúde, educação e segurança assumem as características de um desafio que involucra um esforço que deve ser cuidadosamente coordenado, com ações do Governo Municipal, de Instituições Públicas e de Organismos Não Governamentais. É importante compreender que o espaço público com dignidade é um direito humano e nas atuais condições da cidade do Recife, é uma opção de conquista social. As políticas que garantem essa conquista devem ser amplamente participativas, coordenadas pelo Governo Municipal e visando sempre o predomínio do interesse geral.

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O ESPAÇO INTERIOR DA CIDADE

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O ESPAÇO INTERIOR DA CIDADE

Roberto Ghione

Artigo foi publicado na Revista Sim!, em 12 de março de 2001.

A qualidade do espaço público manifesta a dignidade e a auto-estima dos habitantes de uma cidade. O espaço interior das cidades está composto por suas ruas, praças, praias, assim como pela arquitetura que os configura. Uma reflexão sobre o espaço interior do Recife e sua Área Metropolitana permite defini-lo como uma cidade de marcados contrastes, cuja manifestação na paisagem urbana reflete sérias questões estruturais de caráter social, com desigualdades que atingem características alarmantes.

Entre os aspectos positivos desses contrastes, cabe mencionar seu espaço geográfico, atravessada por rios e ricas áreas naturais, com um litoral marítimo altamente qualificado, um patrimônio arquitetônico na cidade de Olinda, com fragmentos do centro do Recife internacionalmente reconhecidos e com uma orla como a praia de Boa Viagem que está entre as mais destacadas do Brasil. Esta síntese dos elementos físicos naturais e culturais se complementa com as riquíssimas manifestações culturais, que fazem do Recife um complexo ambiental - existencial rico e atraente.

Do outro lado, sérios problemas se manifestam e agridem o ambiente urbano até o ponto de comprometer as qualidades mencionadas. Canais fedorentos, espaços públicos mal conservados, vegetação pública estragada, tendidos de fios mal planejados e uma constante sensação de improvisação e precariedade na paisagem urbana manifestam as desigualdades sociais que estão por trás de sua estrutura física e aparente. Custa entender que os habitantes da Área Metropolitana do Recife possam sentir orgulho e dignidade com tais características do espaço público de suas cidades.

A dinâmica de crescimento urbano dá a sensação de ter superado as expectativas de planejamento, e as decisões a tomar se complicam pela necessidade de resolver urgências sociais imediatas e, ao mesmo tempo, planejar seu desenvolvimento. Os critérios do planejamento contemporâneo, que consideram questões de desenvolvimento sustentável (com preservação e valorização das qualidades ambientais), conjuntamente com a promoção social da população de baixa renda, com a legalização das ocupações espontâneas, com a dotação da infra-estrutura básica, com a garantia de serviços públicos eficientes e com a satisfação das necessidades básicas de moradia, saúde, educação e segurança assumem as características de um desafio que involucra um esforço que deve ser cuidadosamente coordenado, com ações do Governo Municipal, de Instituições Públicas e de Organismos Não Governamentais.

É importante compreender que o espaço público com dignidade é um direito humano e nas atuais condições da cidade do Recife, é uma opção de conquista social. As políticas que garantem essa conquista devem ser amplamente participativas, coordenadas pelo Governo Municipal e visando sempre o predomínio do interesse geral.