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O EQUILÍBRIO ENTRE OS PODERES: ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E A TEORIA PÓS-POSITIVISTA. THE BALANCE BETWEEN THE POWERS: ARGUMENT AND LEGAL THEORY POSTPOSITIVIST. Gleisson Lucas Cardoso 1 [email protected] Sumário: I. Introdução. II. As origens da divisão dos poderes. III. A ascensão institucional do Judiciário. IV. O ativismo Judicial. V. O Pós-positivismo jurídico. VI. Teoria da argumentação jurídica. VII. Conclusão. RESUMO: O artigo propõe-se analisar e discutir a disparidade entre os poderes da União no que diz respeito à suas funções típicas e atípicas de cada um, bem como retratar as raízes da teoria da tripartição de poderes tanto na perspectiva global como no ordenamento jurídico brasileiro, a partir do advento da Constituição de 1891, cuja inspiração decorreu do texto constitucional estadunidense de 1787. Mormente, têm - se o fito de expor a atuação intensa do judiciário brasileiro, no período pós-constituição de 1988, com o escopo de asseverar o ativismo judicial e sua influência na sociedade por meio da mídia, objetivando, ascender à discussão e trazer as objeções à crescente intervenção judicial na sociedade. Por fim, elabora-se um itinerário deste estudo, delimitando o pós-positivismo jurídico e a teoria da argumentação jurídica defendida por Chaïm Perelman e Robert Alexy, a fim de solucionar a celeuma e elucidar a discussão aqui tratada. PALAVRAS-CHAVE: Equilíbrio entre poderes. Ativismo Judicial. Pós-positivismo Jurídico. Argumentação Jurídica. ABSTRACT: The paper seeks to analyze and discuss the disparity between the powers of the Union as regards its typical and atypical features of each as well as portraying the roots of the theory of tripartition of powers both the global perspective as the Brazilian legal system from the advent of the 1891 Constitution, whose inspiration stemmed from the U.S. Constitution of 1787. Especially, have - if the aim of exposing the intense action of the Brazilian judiciary, in the post-1988 constitution period, with the aim of asserting judicial activism and its influence on society through the media, aiming to ascend to the discussion and bring objections to increasing judicial intervention in society. Finally, we undertake an itinerary of this study, outlining the legal post- positivism and the theory of legal argument advocated by Chaim Perelman and Robert Alexy in order to solve the fuss and elucidate the discussion dealt here. KEYWORDS: Balance of powers. Judicial Activism. Legal post-positivism. Legal arguments. 1 Bacharelando em Direito pela Universidade Presidente Antônio Carlos UNIPAC - Uberlândia - MG.

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O EQUILÍBRIO ENTRE OS PODERES: ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E A

TEORIA PÓS-POSITIVISTA.

THE BALANCE BETWEEN THE POWERS: ARGUMENT AND LEGAL THEORY

POSTPOSITIVIST.

Gleisson Lucas Cardoso1 [email protected]

Sumário: I. Introdução. II. As origens da divisão dos poderes. III. A ascensão

institucional do Judiciário. IV. O ativismo Judicial. V. O Pós-positivismo jurídico. VI. Teoria

da argumentação jurídica. VII. Conclusão.

RESUMO:

O artigo propõe-se analisar e discutir a disparidade entre os poderes da União no que diz

respeito à suas funções típicas e atípicas de cada um, bem como retratar as raízes da teoria da

tripartição de poderes tanto na perspectiva global como no ordenamento jurídico brasileiro, a

partir do advento da Constituição de 1891, cuja inspiração decorreu do texto constitucional

estadunidense de 1787. Mormente, têm - se o fito de expor a atuação intensa do judiciário

brasileiro, no período pós-constituição de 1988, com o escopo de asseverar o ativismo judicial

e sua influência na sociedade por meio da mídia, objetivando, ascender à discussão e trazer as

objeções à crescente intervenção judicial na sociedade. Por fim, elabora-se um itinerário deste

estudo, delimitando o pós-positivismo jurídico e a teoria da argumentação jurídica defendida

por Chaïm Perelman e Robert Alexy, a fim de solucionar a celeuma e elucidar a discussão aqui

tratada.

PALAVRAS-CHAVE: Equilíbrio entre poderes. Ativismo Judicial. Pós-positivismo Jurídico.

Argumentação Jurídica.

ABSTRACT:

The paper seeks to analyze and discuss the disparity between the powers of the Union as regards

its typical and atypical features of each as well as portraying the roots of the theory of tripartition

of powers both the global perspective as the Brazilian legal system from the advent of the 1891

Constitution, whose inspiration stemmed from the U.S. Constitution of 1787. Especially, have

- if the aim of exposing the intense action of the Brazilian judiciary, in the post-1988

constitution period, with the aim of asserting judicial activism and its influence on society

through the media, aiming to ascend to the discussion and bring objections to increasing judicial

intervention in society. Finally, we undertake an itinerary of this study, outlining the legal post-

positivism and the theory of legal argument advocated by Chaim Perelman and Robert Alexy

in order to solve the fuss and elucidate the discussion dealt here.

KEYWORDS: Balance of powers. Judicial Activism. Legal post-positivism. Legal arguments.

1Bacharelando em Direito pela – Universidade Presidente Antônio Carlos – UNIPAC - Uberlândia -

MG.

2

I. INTRODUÇÃO

O artigo tem como objetivos em um primeiro momento buscar as raízes da divisão dos

poderes na República, com a teoria da tripartição dos poderes, elaborada por Montesquieu, em

sua obra o Espírito das leis, pensamento político-filosófico que se introduziu na Constituição

estadunidense de 1787 com Revolução Americana. Por influência de Ruy Barbosa de Oliveira

essa forma de governo for herdada, dos Estados Unidos para o Brasil, que se iniciou aqui com

a Constituição, de 1891.

Posteriormente, tem-se o fito de apresentar objeções à crescente intervenção judicial na

vida brasileira, tanto quanto, os riscos para a legitimidade democrática e a força constitucional

que teve o judiciário Pós - Constituição de 1988, analisando assim, a ascensão institucional do

mesmo, bem como, a necessidade de equilibrar os poderes.

Ademais, analisa-se a prestação jurisdicional e a interpretação da norma jurídica feita

pelos operadores do Direito, que em algumas hipóteses haverá a atuação criativa jurisdicional

destes. O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, assinala, dizendo:

“Toda interpretação é produto de uma época, de um momento histórico, e envolve os fatos a

serem enquadrados, o sistema jurídico, as circunstâncias do intérprete e o imaginário de cada

um”. 2

Essencialmente, nas últimas décadas, o Supremo Tribunal Federal tem tomado uma

série de decisões sobre questões de grande impacto, gerando discussões em prol desses

julgamentos, tanto quanto, contra. É possível assinalar uma escala de diversos fatores

extrajurídicos que contribuem para a tomada de decisões nos julgamentos, como a opinião

pública, e a formação acadêmica dos Ministros, dentre outros. Neste sentido, pontifica Barroso:

A Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política

ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas

instâncias políticas tradicionais: O Congresso Nacional e o Poder Executivo –

em cujo âmbito se encontram o Presidente da República, seus ministérios e a

administração pública em geral. Com intuitivo, a judicialização envolve uma

transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na

linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade. 3

2BARROSO, Luís Roberto apud BULOS, Uadi Lammêgo – Curso de Direito Constitucional, 4ª ed.

Reformulada e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 351. 3Idem – Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática, Artigo publicado na Revista de

direito do Estado 13:71, 2009, p. 03.

3

Assim, mediante as considerações do Ministro, na avaliação do ativismo judicial, deve-

se também apreciar essa atuação do judiciário, fazendo uma reflexão sobre as objeções a essa

crescente intervenção judicial e a violação ao princípio da separação dos poderes.

Pretendendo solucionar as referidas controvérsias, entre o ativismo judicial, à crescente

intervenção institucional do poder judiciário no meio social e os limites de sua atuação, em

essencial ao Supremo, contemplamos autores Pós-positivistas como Chaïm Perelman e Robert

Alexy, que por meio das teorias do discurso prático racional propõe alternativa para a solução

deste embate.

II. AS ORIGENS DA DIVISÃO DOS PODERES

A origem moderna da teoria da separação dos poderes teve como mais importante figura,

o político e filosófico francês, Charles Louis de Secondat, conhecido como

Montesquieu, nasceu em 18 de janeiro de 1689, em Bordeaux, na França, no Castelo de La

Brède.

Montesquieu constrói uma teoria política, que propõe a divisão dos poderes que é

apresentada na sua principal obra; l'esprit des lois – O Espírito das leis, 1748, que tem o intuito,

de estabelecer à relação que as leis devem ter com a constituição de cada governo.

Em sua obra, o Montesquieu analisa de maneira extensa os fatos humanos, e ainda,

distingue três formas de governo; quais sejam: O Republicano, o Monárquico e o Despótico 4

Ao estabelecer os diferentes tipos de governo ele se preocupa mais com a forma que o poder

será exercido.

O autor ainda faz um parâmetro com relação aos poderes, constituindo termos ligados a

cada de tipo de governo, sendo estes, de suma importância dentro de cada gestão, vejamos: “Tal

como a virtude é necessária numa república e a honra necessária numa monarquia, o medo é

necessário num governo despótico; nesse governo a virtude é totalmente desnecessária, e a

honra, perigosa”.5

A teoria apresentada pelo francês desenvolve a idéia de reprimir a violência e o abuso

de poder, por meio da separação dos poderes, podendo assim, estabelecer um controle. O autor

ao se referir a Constituição da Inglaterra, sob o exame do governo republicano, faz análise dos

três poderes, proclama dizendo que para manter o equilíbrio, a liberdade, e a virtude, deve-se

4Montesquieu – Do Espírito das Leis, 1973 – Editora Abril Cultural – p. 39 5 Ibidem, p. 53.

4

fazer uma desconcentração de poder, para fugir da institucionalização de um governo tirano.

Sobre a perspectiva histórica, percebe-se que desde àquela época já se tinha um pensamento

controlador, por temer a instauração de um governo despótico.

Embora, já se tenha passado séculos, esse pensamento político e filosófico do equilíbrio

de poderes perdura nas constituições de vários países do mundo ate os dias atuais, como por

exemplo, na Constituição Federal brasileira de 1988, que em seu art. 2º estabelece que são

“Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o

Judiciário”.6 Montesquieu propõe a separação dos poderes para proteger a liberdade, e deixa

evidente que o opressor da liberdade é o poder, como certifica parte do texto de sua obra:

Não haverá também liberdade se o poder de julgar não estiver separado do

poder legislativo e do executivo. Se estivesse ligado ao poder legislativo, o

poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria

legislador. Se estivesse ligado ao poder executivo, o juiz poderia ter a força

de um opressor.7

Tempos depois, com a publicação da obra O Federalista, os autores, Hamilton, Madison

e Jay, a partir de um conjunto de artigos publicados na época, resgatam esta construção política

de Montesquieu e ainda buscam explicar o funcionamento da república que se acabara de

instalar nos Estados Unidos em 1787, com reuniões que ocorreram na Filadélfia para elaboração

da Constituição Americana. Sob a mesma égide do filósofo francês os autores de O Federalista

preservam a teoria da separação dos poderes.

O oráculo sempre consultado e citado a respeito é o famoso Montesquieu. Se

não foi o autor deste inestimável preceito da ciência política, pelo menos tem

o mérito de tê-lo divulgado e recomendado, fazendo com que fosse objeto da

universal atenção. Tentemos, em primeiro lugar, descobrir a interpretação do

filósofo francês sobre este ponto.8 (HAMILTON, MADISON e JAY, 1984, p.

394). Não se nega que o poder é, por natureza usurpador, e que precisa ser

eficazmente contido, a fim de que não ultrapasse os limites que lhes foram

fixados. Assim, após a discriminação teórica das diferentes categorias de

poder, que pertencem naturalmente ao legislativo, ao Executivo ou ao

judiciário, a tarefa seguinte e mais difícil esta em prover para cada um deles

certa segurança prática contra invasões por parte dos outros. Como será tal

segurança – eis o grande problema a ser resolvido.9

6 BRASIL, Constituição Federal, 1988 – Brasília: Senado Federal Subsecretaria de edições Técnicas,

2007, p. 13. 7Montesquieu – Do Espírito das Leis, 1973 – Editora Abril Cultural, p. 157 8HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, John – O Federalista - Editora da UnB, Brasília,

1984, p.394. 9Ibidem, p. 401.

5

É possível depreender do trecho acima, artigo de autoria de Madison, a clara defesa da

separação dos poderes, os tornando independentes, sem que um interfira na alçada da jurisdição

do outro. Entretanto, irrompe um contratempo para se solucionar a forma precisa em assegurar

essa liberdade e autonomia.

O próprio Madison mostra a imprescindibilidade de existir freios e contrapesos em uma

república, para garantir a independência dos poderes, em uma de suas citações diz: “Todavia, a

grande segurança contra uma gradual concentração de vários poderes no mesmo ramo do

governo consiste em dar aos que administram cada um deles os necessários meios

constitucionais e motivações pessoais para que resistam às intromissões dos outros.”

10(HAMILTON, MADISON e JAY, 1984, p.418).

Esses meios constitucionais e motivações estão se referindo as prerrogativas, garantias

políticas – jurídicas asseguradas aos membros de cada poder. Na Constituição Federal brasileira

de 1988, quando se refere ao poder judicial, tem-se a presença de garantias aos membros do

judiciário no artigo 95 da Carta, como, vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de

subsídio, assim como, os poderes, legislativo e executivo gozam de prerrogativas, todos

certamente para garantir à resistência a possíveis abusos emergidos de outros poderes.

O constitucionalista, Uadi Lammêgo Bulos, em parte de sua obra afirma o surgimento

do presidencialismo e a influência da teoria da tripartição dos poderes, vejamos: “O

Presidencialismo surgiu com a Constituição norte-americana de 1787, influenciada pela Teoria

da Tripartição de Poderes de Montesquieu. Seu personagem principal é o Presidente da

República”.11 Bulos, ainda descreve; “No Brasil, o regime presidencialista de governo iniciou-

se com a nossa primeira Constituição republicana, de 1891, por influência de Ruy Barbosa,

permanecendo até hoje”.12

É importante ressaltar que essa forma de governo no Brasil já foi contestada e,

consagrada em 1993, quando decidida por meio de plebiscito, como previsto no artigo 2º do

ADCT, ato das disposições Constitucionais transitórias: no dia 7 de setembro de 1993 o

eleitorado definirá, através de plebiscito, a forma (república ou monarquia constitucional) e o

sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem vigorar no País.

Alexandre de Moraes pontifica dizendo:

10Ibidem, p. 418 11 BULOS, Uadi Lammêgo – Curso de Direito Constitucional - 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1090. 12Ibidem, p. 1090.

6

A Constituição Federal, visando, principalmente, evitar o arbítrio e o

desrespeito aos direitos fundamentais do homem, previu a existência dos

Poderes do Estado e da Instituição do Ministério Público, independentes e

harmônios entre si, repartindo entre eles as funções estatais e prevendo

prerrogativas e imunidades para que bem pudessem exercê-las, bem como

criando mecanismos de controles recíprocos, sempre como garantias da

perpetuidade do Estado democrático de Direito. 13

Estabelecida o modelo republicano e presidencialista no Brasil, e evidentemente adotada

a tripartição dos poderes, há a necessidade de – se ter controle e equilíbrio entre eles, sobretudo,

constata-se, na contemporaneidade que a série de decisões do Supremo Tribunal Federal em

diversas áreas, tem alçado o mesmo a uma grande influência no país propagada através da

mídia, revigorando assim, o ativismo judicial. Pontifica Barroso nesse sentido: “A idéia de

ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do judiciário na

concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação

dos outros dois Poderes.” 14 Assunto que será tratado nos próximos capítulos.

III. A ASCENSÃO INSTITUCIONAL DO JUDICIÁRIO.

Vale destacar, antes de examinar a ascensão institucional do judiciário, o pretérito

Regime Militar ditatorial presente no Brasil, vigente entre os anos de 1964 e 1985, que foi

instituído pelo golpe de estado em 1º de abril de 1964 e se encerrou em 15 de Março de 1985.

É importante sublinhar que a Ditadura militar ficou marcada pela instituição do AI-5 (Ato

Institucional número 5), que entrou em vigor em 13 de dezembro de 1968.

Algumas imposições do Ato Institucional foram à censura prévia para jornais, a

proibição de manifestações populares de caráter político, além de conceder poder ao Presidente

da República para cassar mandatos de deputados federais, estaduais e vereadores, dentre outros.

Todos os exemplos mencionados contribuem para que a governança seja autoritária, tirânica,

cerceando assim, a liberdade que se faz presente na democracia, somente com as Diretas já15,

movimento civil de reivindicação por eleições presidenciais diretas no Brasil, ocorrido

13 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional – 23ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 402. 14 BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática, Artigo

publicado na Revista de direito do Estado 13:71, 2009, p. 06. 15 Diretas Já foi um movimento civil de reivindicação por eleições presidenciais diretas no Brasil

ocorrido em 1983-1984. A possibilidade de eleições diretas para a Presidência da República no Brasil se

concretizou com a votação da proposta de Emenda Constitucional Dante de Oliveira pelo Congresso.

Entretanto, a Proposta de Emenda Constitucional foi rejeitada, frustrando a sociedade brasileira. Ainda

assim, os adeptos do movimento conquistaram uma vitória parcial em janeiro do ano seguinte

quando Tancredo Neves foi eleito presidente pelo Colégio Eleitoral.

7

em 1983-1984, é que o Regime Militar começa a perder força e se instaura o Estado

democrático de direito com a promulgação da Constituição Federal de 1988.

Com a redemocratização caracterizada pela Constituição de 1988, o poder judiciário

teve prestígio, pois, a Carta Política, o constituiu como seu guardião, atribuindo a ele o dever

de conter os abusos cometidos pelos demais poderes e com a obrigação de preservar a aplicação

da Constituição e seus valores.

Ademais, foi delegado ao judiciário o controle de constitucionalidade concentrado na

década de 90 conferido pela lei 9.868/99, verificando a adequação da norma, a fim de extirpar

aquelas que fossem incompatíveis com a lei maior. O Supremo deixando a sua preponderante

função que é zelar pelo cumprimento da Constituição, passa do mesmo modo a atuar como

“legislador negativo”, uma vez que além de garantir a aplicação da Constituição, tem o

compromisso de expurgar do ordenamento jurídico, às leis vulneráveis e contrárias a ela.

Aceitando então o modelo de Hans Kelsen de que o Tribunal atuaria como um

“legislador negativo”, exemplo disso foi o advento da Lei 9.868/199916 deixando evidente esse

exercício negativo feito pelo Supremo, vejamos:

“Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo

em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social,

poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus

membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha

eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a

ser fixado.”

O Supremo obteve força maior com a emenda constitucional Nº 45, de 08 de Dezembro

de 2004, podendo os ministros da corte aprovar súmula que, a partir de sua publicação na

imprensa oficial, teria efeito vinculante, a seguir o dispositivo de lei:

Art. 103 – A.O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por

provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após

reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a

partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em

relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública

direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como

proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. 17

(grifos meus)

16Lei 9.868/99 - Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação

declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. 17BRASIL, Constituição Federal, 1988 – Brasília: Senado Federal Subsecretaria de edições Técnicas,

2007, p. 79.

8

Percebe-se, que o poder judiciário adquire uma atuação mais ativa a partir desta emenda

constitucional, visto que, passa exercer atribuição típica do poder legislativo ao fazer vigorar

com força de lei, súmulas editadas pelo Supremo.

IV. O ATIVISMO JUDICIAL.

O ativismo judicial é uma expressão cunhada nos Estados Unidos.18O conceito de

ativismo judicial embora não se tenha um consenso entre os estudiosos do Direito, designa-se

uma atuação proativa de interpretar a Constituição, ampliando o seu sentido e alcance sobre os

valores e institutos constitucionais.

O ativismo do judiciário se da com a aplicação da Constituição em casos não expressos

no texto da Carta, expandindo o seu sentido ao interpretá-la. Isso acontece essencialmente

quando o Poder Legislativo é inerte na sua função típica, e na ausência das leis, o judiciário em

nome da Constituição, com a prolação de decisões suprem essas omissões do Legislativo,

criando normas por meio delas.

São inúmeros os exemplos de intervenção do judiciário na esfera legislativa em

essencial, quando resulta da regressão do legislativo, exemplo clássico que tivemos foi o aborto

anencéfalo, que por inércia do legislativo coube ao guardião da Constituição decidir, se haveria

crime nesse caso ou não, a seguir parte final da ementa da ADPF – 54 sobre o aborto anencéfalo

que foi decidido pelo Supremo:

ESTADO – LAICIDADE. O Brasil é uma república laica, surgindo

absolutamente neutro quanto às religiões. Considerações. FETO

ANENCÉFALO – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – MULHER –

LIBERDADE SEXUAL E REPRODUTIVA – SAÚDE – DIGNIDADE –

AUTODETERMINAÇÃO – DIREITOS FUNDAMENTAIS – CRIME –

INEXISTÊNCIA. Mostra-se inconstitucional interpretação de a

interrupção da gravidez de feto anencéfalo ser conduta tipificada nos

artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal. (ADPF 54,

Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em

12/04/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-080 DIVULG 29-04-2013

PUBLIC 30-04-2013).(grifos meus)19

18 A locução “Ativismo judicial” foi utilizada, pela primeira vez, em artigo de um historiador sobre a

Suprema Corte americana no período do New Deal, publicado em revista de circulação ampla. V. Arthur

M. Schlesinger, Jr., The SupremeCourt: 1947, Fortune, jan. 1947, p. 208, apud Barroso, Luís Roberto

– Constituição, Democracia e Supremacia Judicial: Direito e Política no Brasil Contemporâneo – p. 09. 19Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=3707334

acesso em: 12/12/2013 às 08:31 horas.

9

Vê-se que por inatividade do legislativo em prever norma que regule o caso em

concreto, coube ao judiciário a tarefa árdua de decidir a lide, avaliando os preceitos religiosos,

se haveria crime nessa circunstância, assim como, avaliar a dignidade da pessoa humana, os

direitos fundamentais e a liberdade sexual e reprodutiva. Isso expõe que cada vez se torna mais

comum a atuação do judiciário, no sentido de exercer sua função atípica de criar normas por

meio de decisões, gerando novos imperativos sobre as leis já estabelecidas.

Já data 25 anos da promulgação da Constituição, e evidentemente houve modificações,

emendas constitucionais para que o texto da Carta Magna pudesse estar sempre correlato com

as mudanças da sociedade, sobretudo, não se pode admitir violação a Supremacia da

Constituição. Percebe-se que o uso de prerrogativas do Judiciário está transcendendo a

Constituição, como exemplo, citamos um julgado da AP 470, avista-se:

O STF recebeu do Poder Constituinte originário a competência para

processar e julgar os parlamentares federais acusados da prática de

infrações penais comuns. Como consequência, é ao STF que compete a

aplicação das penas cominadas em lei, em caso de condenação. A perda do

mandato eletivo é uma pena acessória da pena principal (privativa de

liberdade ou restritiva de direitos), e deve ser decretada pelo órgão que

exerce a função jurisdicional, como um dos efeitos da condenação, quando

presentes os requisitos legais para tanto...”(AP 470, rel. min. Joaquim

Barbosa, julgamento em 17-12-2012, Plenário, DJE de 22-4-2013.) No

mesmo sentido: AP 396 QO e AP 396 ED-ED, rel. min. Cármen Lúcia,

julgamento em 26-6-2013, Plenário, Informativo 712. Em sentido

contrário: AP 565, rel.min. Cármen Lúcia, julgamento em 8-8-2013,

Plenário, Informativo 714.(grifos meus)20

É possível constatar que o julgado acima esta em desacordo com o disposto no artigo

55, VI § 1º da Constituição Federal de 1988, que prescreve sobre a competência para decidir a

perda do mandato de Deputado ou Senador, sendo esta competência, da Câmara dos Deputados

ou pelo Senado Federal.

Mediante o exemplo supra, é importante ressaltar algumas objeções a essa intervenção

judicial, e que trazem riscos a legitimidade democrática, pois, a Constituição conferiu ao

Supremo, poderes para manter a guarda da Constituição, fazendo com que por meio de suas

decisões preservem a vontade do constituinte ou do legislador, sendo eles, representantes do

povo.

20 Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigoBd.asp?item=727 acesso em:

19/11/2013 às 21:57 horas.

10

No entanto, não se deve generalizar a atuação do judiciário estritamente a lei positivada,

sabe-se que em algumas situações o aplicador do Direito precisa ir além do que está escrito ao

fio da lei, e se torna em certos casos, co-participante do processo de criação do Direito, visto

que ele não pode se eximir de aplicar a norma, à qual ele não pode furtar-se sem cometer uma

denegação de justiça, entendimento este desde a codificação do Código Napoleônico na

França.21

No código Francês essa obrigação está formulada assim no art.4º do Código de

Napoleão: “O juiz que recusar julgar, a pretexto do silêncio, da obscuridade ou da insuficiência

da lei, poderá ser processado como culpado de denegação de justiça,” 22 ainda que, esta não

tenha na norma previsão do caso tratado. Alexy, ao tratar o problema do positivismo jurídico,

proclama dizendo:

Existirá um caso duvidoso, por exemplo, quando a lei a ser aplicada for

imprecisa e as regras da metodologia jurídica não levarem necessariamente de

modo exato a um resultado. Quem identifica o direito com a lei escrita, ou

seja, quem defende a tese do positivismo legal deve afirmar que, nos casos

duvidosos a decisão é determinada por fatores extrajurídicos. 23 (ALEXY,

2009, p. 11/12)

Ressalta-se, entretanto, que o judiciário deve-se manter o mais próximo da norma

positivada ao interpretá-la, por uma questão de segurança jurídica. Não pode o Poder Judiciário

se usurpar da competência do legislativo, devendo sempre manter decisões racionais com fulcro

na Constituição, ressalvadas, àquelas situações em que o legislador originário não previu, e

dependerá da interpretação abrangente do judiciário, estando esta, agregado com a

Constituição.

Outro fator interessante é a politização da justiça, sendo necessário dizer que o Direito

não está necessariamente ligado a política, devendo os Ministros decidir com um único

sentimento, o de agir em nome da Constituição e das leis, sem procurar favorecer este ou aquele

a priori por favores pessoais, ou por indicação de sua investidura no cargo em que ocupa. No

entanto, ao proferir suas decisões devem ponderar o sentimento social, sem, contudo, deixar

que este interfira de maneira tendenciosa em suas decisões.

21 PERELMAN, Chaïm – Ética e Direito – São Paulo, Editora Martins Fontes, 1996, p. 646. 22 Ibidem, p. 646 23ALEXY, Robert – Conceito e validade do Direito – Editora WMFMartins Fontes – Tradução: Gercélia

Batista de Oliveira Mendes – São Paulo: 2009, p. 11,12.

11

Sobretudo, há uma limitação do judiciário em debater determinados casos, isso pode ser

constatado no próprio Supremo, pois, ainda que tenham os magistrados um saber jurídico digno;

são exemplos desses casos: o uso de células-tronco, o aborto anencéfalo, temas estes que

exigem determinado conhecimento técnico para a tomada certa de qualquer decisão que os

envolva. O judiciário, contudo, recorre a institutos como amicus curiae 24 , que são

representantes de entidades que se manifestam nos autos do processo que discute o assunto

controverso, podendo o judiciário se valer dessa ferramenta apenas nas ações de controle

concentrado de constitucionalidade. Nota-se aqui a presença do debate público e que trará

questões políticas para o julgamento.

Incumbe, portanto, a cada um dos três poderes a interpretação da Constituição, pois,

sabe-se que em caso de excessos o poder judiciário terá o dever de solucionar o litígio.

Sobretudo, deve-se evitar que tenhamos uma instância hegemônica e política para que não haja

uma onipotência judicial ou um comando de juízes.

V. O PÓS-POSITIVISMO JURÍDICO.

Para compreender o plexo das teorias pós-positivista, é necessário distinguir o

positivismo do pós-positivismo. Para descrever o positivismo jurídico é preciso recorrer-se a

célebres autores positivistas. “Em síntese, o impulso para a legislação nasce da dupla exigência

de pôr ordem no caos do direito primitivo e de fornecer ao Estado um instrumento eficaz para

a intervenção na vida social.” 25

São várias questões que envolvem o positivismo jurídico e abrem margem para diversas

discussões neste cenário. O positivismo difunde a ideia da norma26 posta de maneira codificada,

num corpo de normas expressamente elaboradas. “Com efeito, a ideia da codificação surgiu,

por obra do pensamento iluminista, na segunda metade do século XVIII e atuou no século

24Descrição do Verbete: "Amigo da Corte". Intervenção assistencial em processos de controle de

constitucionalidade por parte de entidades que tenham representatividade adequada para se manifestar

nos autos sobre questão de direito pertinente à controvérsia constitucional. Não são partes dos processos;

atuam apenas como interessados na causa. Disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=A&id=533 acesso em 12/12/2013 às 09:41

horas. 25BOBBIO, Norberto – O positivismo jurídico: Lições de filosofia do direito – São Paulo – Editora:

Ícone, 2006, p. 120. 26 Para Norberto Bobbio: “Norma significa imposição de obrigações (imperativos, comando, prescrição,

etc.); onde há obrigação , como já vimos, há poder”. Teoria do Ordenamento jurídico – Norberto Bobbio

– Brasília – Editora Universidade de Brasília. 10ª edição, 1999, p.58.

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passado: portanto, há apenas dois séculos o direito se tornou direito codificado.” 27 O código

que é considerado o primeiro a obter um considerado êxito irrefutável e a influenciar sistemas

legais de vários países, foi o Código de Napoleão de 1804 na França.

É no desenrolar da Revolução Francesa, que a implantação de um código adquire força

e consistência, influenciada pelo iluminismo, assim, as normas estariam codificadas de maneira

a prever todas as condutas do meio social, sendo um código em completude do Direito, sem

espaços, interpretações valorativas, sendo a lei fonte única representada pela codificação.

Norberto Bobbio, elabora sete pontos fundamentais da doutrina juspositivista e alguns são

relevantes destacar aqui.28

O autor italiano estabelece pontos fundamentais, como o modo de abordar e encarar o

direito, e responde a isto considerando o direito como um fato e não como um valor.

Posteriormente, diz respeito à definição do direito, e define o direito em função do elemento da

coação, de onde deriva a teoria da coatividade do direito.29

Ainda, diz respeito á teoria da norma jurídica, considerando a norma como comando,

formulando uma teoria imperativista do direito. E por fim, Bobbio diz que o positivismo

jurídico sustenta a teoria da interpretação mecanista, que na atividade do jurista faz prevalecer

o elemento declarativo sobre o produtivo ou criativo direito, considerando o jurista uma espécie

de robô ou calculadora eletrônica. .30

“O positivista jurídico assume uma atitude científica frente ao direito já que, como dizia

Austin, ele estuda o direito tal qual é, e não tal qual deveria ser. O positivismo jurídico

representa, portanto, o estudo do direito como fato, não como valor.” 31Estando à norma

codificada aplica-se como mencionado no parágrafo retro a teoria da coatividade do direito, a

norma além de positivada deve estabelecer sanção aos seus violadores, para que a mesma possa

ter eficácia e aplicabilidade.

No primeiro momento analisou-se a norma jurídica isoladamente, posteriormente

veremos um conjunto e complexo de normas que se constitui num todo, o ordenamento jurídico.

“As normas jurídicas nunca existem isoladamente, mas sempre em um contexto de normas com

27 Idem - O positivismo jurídico: Lições de filosofia do direito – São Paulo – Editora: Ícone, 2006, p.63. 28 Ibidem, p. 131 29 Ibidem, p. 131 30 Ibidem,p. 133 31 Ibidem, p. 136

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relações particulares entre si (e estas relações serão em grande parte objeto de nossa análise).

Esse contexto de normas costuma ser chamado de “ordenamento”.” 32

Bobbio, ao fazer essa análise sobre o ordenamento jurídico como um conjunto de

normas, trabalha com a completude do direito, estritamente ligado a certeza do direito. “Por

“completude” entende-se a propriedade pela qual um ordenamento jurídico tem uma norma

para regular qualquer caso. Uma vez que a falta de uma norma se chama geralmente “lacuna”

(num dos sentidos do termo “lacuna”), “completude” significa “falta de lacunas”.” 33

Além de dizer ser positivista diferentemente de Kelsen reconhece a possibilidade de

brechas no sistema, defende o autor ainda, o dever do juiz julgar com base em normas

pertencentes ao sistema, sendo vedado a ele de se abster da sua função de julgar. A base dos

ordenamentos fundados sobre o dogma da completude, como já foi dito, é o Código Civil

Francês, cujo artigo 4º diz: “O juiz que recusar julgar, a pretexto do silêncio, da obscuridade ou

da insuficiência da lei, poderá ser processado como culpado de denegar a justiça.” 34 Na França

à escola jurídica que após a codificação foi se fortalecendo com esse pensamento é designada

como escola da exegese. .

Com pensamento antagônico ao da escola da exegese surge à escola do Direito livre

influenciada pelo jurista alemão Eugen Ehrlich, segue pensamento defendido pela escola do

Direito livre e as críticas feitas pela mesma:

Os sustentadores da nova escola afirmam que o Direito constituído está cheio

de lacunas e, para preenchê-las, é necessário confiar principalmente no poder

criativo do juiz, ou seja, naquele que é chamado a resolver os infinitos casos

que as relações sócias suscitam, além e fora de toda a regra pré-constituída.35

É por meio dessas críticas, que se eclodiu na contemporaneidade o pensamento de

autores Pós-Positivistas como: Chaïm Perelman, Jürgen Habermas e Robert Alexy. A lato sensu

os teóricos Pós-Positivistas, acreditam que o conhecimento humano não é baseado no

incontestável, as leis não são irrefutáveis, não há completitude das normas, pois as lacunas de

fato existem já que nossas ações são hipotéticas, assim, impossível estar todas elas enumeradas

no ordenamento jurídico.

32 Idem - Teoria do Ordenamento jurídico – Brasília – Editora Universidade de Brasília. 10ª edição,

1999, p.19. 33 Ibidem, p. 115. 34 Ibidem, p. 118. 35 Ibidem, p. 123.

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Enseja então um espaço para a interpretação abrangente das normas, para que seja

possível ao julgador decidir diversos casos a ele apresentado sem alegar omissão de norma

jurídica expressa e, não se abstenha jamais da sua função de julgar. É com a teoria do discurso

racional como teoria da fundamentação jurídica que se oferece a solução da celeuma. Alexy

apresenta essas teorias e propõe desenvolve-las oferecendo tal como modelo, assunto a ser

tratado no próximo capítulo.

VI. TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA.

A proposta Pós-positivista apresenta teorias que propõe resolver os problemas não

solucionados pelo Positivismo, assim como o poder discricionário do julgador.

“Os textos legais constituem um elemento, mas não o único ponto de partida, da

interpretação jurídica.” 36 A lato sensu os teóricos do pós-positivismo jurídico defendem a

razoabilidade do positivismo, equilibrando segurança jurídica e equidade, sempre em busca do

bem comum sobre os fins admitidos na norma. Nesse sentido é necessário ressaltar os escritos

de Chaïm Perelman:

Sem negar a autoridade do legislador, admitir-se-á que sua vontade não pode

ser arbitrária, que os textos que adota devem cumprir uma função reconhecida,

promover valores socialmente aceitos. Sem ser a expressão de uma razão

abstrata, supor-se-á que, para ser aceito e aplicado, o direito positivo deve ser

razoável, noção vaga que expressa uma síntese que combina a preocupação da

segurança jurídica com a da equidade, a busca do bem comum com a eficácia

na realização dos fins admitidos. Será no juiz, bem mais do que no legislador,

que se confiará para a realização dessa síntese, aceita porque razoável

(vernünftig). É impossível fornecer, de uma vez por todas, o critério do

razoável. Como todas as idéias vagas, esta será mais facilmente reconhecida

de uma forma negativa: o acordo sobre o desarrazoado permite, por exclusão,

aproximar-se do razoável.37

Como observou - se no Positivismo jurídico, o fundamento da validade do Direito está

adstrito ao que esta na norma positivada. Em contrapartida os pós-positivistas apresentam

objeções a esse pensamento, procuram dirimir um conflito axiológico entre a força dos

argumentos e a lei codificada, e que por ora aquela será conferida ao juiz. Sendo assim, é

36 PERELMAN, Chaïm – Ética e Direito – São Paulo, Editora Martins Fontes – 1996, p. 622. 37 Ibidem, p. 463.

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necessário uma Teoria da Argumentação, ou seja, uma nova retórica, ponto este destacado por

Perelman.

“O conceito básico da teoria de Perelman é o de auditório (auditoire). Este é o conjunto

daqueles sobre os quais o orador quer influir por meio de sua argumentação.” 38 O autor

partindo da retomada da tradição da antiga retórica, pensamento de Aristóteles, objetiva

elaborar o estudo do discurso persuasivo, colocando a retórica como ferramenta indispensável

para tornar o direito mais democrático. Nesse sentido vale observar:

O papel da retórica se torna indispensável numa concepção do direito menos

autoritária e mais democrática, quando os juristas inistem sobre a importância

da paz judiciária, sobre a idéia de que o direito não deve somente ser

obedecido, mas também reconhecido, que ele será, aliás, tanto mais bem

observado quanto mais largamente aceito. 39

Perelman, visando uma democracia mais ampla para o direito atribuiu ao julgador à

tarefa de solucionar as lacunas da lei e paliar suas antinomias, tendo a faculdade de escolher

uma ou outra interpretação ao texto legal. Sobretudo esta interpretação deve ser argumentativa

e racional, partindo do discurso de auditório universal, só se pode persuadir mediante

argumentos racionais. 40

O autor ainda distingue a diferença entre persuadir e convencer. “Quem busca somente

o acordo de um auditório particular persuade; quem se esforça em alcançar o auditório universal

quer convencer.” 41. Afirma que é possível se obter diferentes formas de se argumentar, ainda

que os esforços subjetivos sejam os mesmos e em proporção igual à objetiva. 42

Surge um contratempo, se a solução desses conflitos é essencial dentro do direito, como

podem justificar as decisões tomadas? Qual raciocínio de fato deve ser utilizado pelo juiz? É

com base nesses inconvenientes que nos valemos da teoria do discurso prático racional de

38PERELMAN, Chaïm – The New Rhetoric, em: Progmatics of Natural languages, org. por y. Bar-

Hillel, Dordrecht-Holanda, 1971, p. 145 Apud Alexy, Robert – Teoria da Argumentação Jurídica: a

teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica – 3ª Ed. – Rio de Janeiro: Forense,

2013, p.159. 39 PERELMAN, Chaïm – Ética e Direito – São Paulo, Editora Martins Fontes – 1996, p.554. 40 Idem, Apud ALEXY, Robert - Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como

teoria da fundamentação jurídica – 3ª Ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 162 41 La Nauvelle Rhétorique, pág. 36; PERELMAN, Reply to Mr. Zaner, pág. 169, Apud – ALEXY,

Robert – Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da fundamentação

jurídica – 3ª Ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 165. 42 ALEXY, Robert - Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da

fundamentação jurídica – 3ª Ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2013, p.164 ,165

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Alexy, que com base no pensamento de Perelman, elabora sua teoria a fim de trazer solução a

essas controvérsias.

Na teoria do discurso prático racional de Alexy, o autor estabelece teorias do discurso

possíveis, classificando-as como empírica, analítica ou normativa. Afirma que a teoria do

discurso racional é uma teoria normativa. “Finalmente, é normativa quando nela se estabelecem

e fundamentam critérios para a racionalidade do discurso.” 43. Acredita que nela é possível

verificar como podem fundamentar as regras do discurso. Contempla o autor, sobretudo, as

regras do discurso delimitando em quatro categorias, são elas: fundamentação técnica,

empírica, definitória e a fundamentação progmático-transcendental ou pragmático-universal.44

A fundamentação técnica consiste em contemplar as regras do discurso como as que

prescrevem os meios para determinar os fins. Na fundamentação empírica consiste em

determinadas regras que são consideradas de fato, regras que correspondem a princípios

normativos realmente existentes. Já a fundamentação definitória, aqui trata - se de jogos de

linguagem, que de fato existem ou são hipotéticos. Por fim, a fundamentação progmático-

transcendental caracteriza por ser uma comunicação lingüística, porém, o termo

“transcendental” expressão marcada por Kant, foi contestada por Habermas, por isso, propõe-

se possíveis processos de comunicação, ou seja, o pragmatismo-universal.

Alexy embora tenha exposto essas formas de fundamentação, diz-se que não pretendem

serem estas completas, declara que nenhum modo de fundamentação esta livre de pontos

frágeis. “Se os resultados encontrados no discurso não podem pretender uma certeza definitiva,

é necessário que sua revisão seja sempre possível”.45 Com isso apresenta a transição para o

discurso jurídico.

O discurso prático geral se diferencia do discurso jurídico porque aqui possui um marco

de que a argumentação jurídica se caracteriza vinculando ao direito vigente. O discurso jurídico

é tratado como caso especial em relação ao discurso prático geral. No discurso jurídico Alexy

estabelece a pretensão da correção.

Nessa pretensão afirma-se, que a sentença proferida ou o enunciado jurídico, além de

ser racional, deve também ser racionalmente fundamentado dentro do contexto do ordenamento

jurídico válido, ou seja, vigente. Permanece aqui a idéia de Perelman, se quer modificar o

precedente deve - se indicar as razões para essa mudança de maneira fundamentada.

43Ibidem, p. 180. 44 Ibidem, p. 180 45 Ibidem, p. 204.

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As decisões devem estar fundamentadas de acordo com o direito em vigor e possuir a

pretensão da correção. Para maior esclarecimento, faz-se a seguinte suposição, ainda que

hipoteticamente certo juízo venha proferir sentença condenando o agente sob a acusação de

homicídio e fundamente em sua decisão dizendo: condeno o agente B sob a acusação de

homicídio ainda que não haja razões probatórias para isso. É possível verificar que não há nessa

decisão a pretensão da correção, pois não foi fundamentada racionalmente.

Alexy analisa exemplos próximos a esse, e vai dizer que a sentença é válida, porém,

defeituosa não só por questões morais, aponta ainda o fato de existir deliberações jurídicas para

discutir intensamente a correção de uma decisão para se buscar a decisão efetivamente mais

correta.

Dentro da Ciência do Direito não se pretende que essas proposições normativas a serem

fundamentadas, tenham um acordo mútuo num embate sem limites, pretende que sob a

orientação do ordenamento jurídico vigente esteja de acordo com essas proposições. Portanto,

a teoria do discurso racional se mostra adequada e especialmente necessária para a melhor

compreensão teórica da argumentação.

Sobretudo, questiona-se, o que será uma fundamentação racional no ordenamento

jurídico vigente? É com fundamento nesse questionamento que Alexy vai responder traçando

linhas fundamentais de uma teoria da argumentação jurídica, sendo a justificação interna e a

justificação externa.

A princípio a justificação interna é amplamente discutida como silogismo jurídico, aqui

diz respeito à lógica interna da decisão, verificando se a decisão segue as razões apresentadas,

que podem ser questões de fato e de direito. Verifica-se se a decisão é uma conclusão certa sob

a análise das premissas apresentadas.

A premissa maior é a norma posta e a menor os fatos que são expostos. Na justificação

interna o autor diz que a satisfação da justificação é feita por meio de regras universais.

Observando uma regra que obriga tratar da mesma maneira todos os seres que estão numa

mesma categoria.

Já na justificação externa o objetivo é fundamentar as premissas utilizadas na

justificação interna. Nesta justificação a argumentação é mais abrangente, Alexy classifica em

seis grupos as formas de justificação, vejamos:

As formas de argumentos e as regras de justificação externa podem classificar-

se, grosso modo, em seis grupos: regras e formas (1) de interpretação, (2) da

argumentação da Ciência do Direito (dogmática), (3) do uso dos precedentes,

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(4) da argumentação prática geral e (5) da argumentação empírica, assim como

(6) das chamadas formas especiais de argumentos jurídicos. 46

Avista-se no texto citado, que mediante a justificação externa é possível utilizar diversas

formas de interpretação. “A tarefa de uma teoria da justificação é, em primeiro lugar, a análise

lógica das formas de argumentação que se reúnem nestes grupos.” 47

Enfim, mediante as considerações feitas à teoria do discurso racional, ela se aproxima

melhor de uma teoria da fundamentação jurídica, mais precisamente quando se refere ás

justificações interna e externa, para maiores conclusões, segue as considerações feitas durante

todo o estudo deste artigo.

VII. CONCLUSÃO.

O estudo empreendido neste artigo, busca esclarecer primeiramente, as origens da

tripartição dos poderes da União, e ressaltar sua importância. Atentando também para a violação

do princípio da separação dos poderes quando passa a haver disparidade entre estes.

Propôs-se aqui a analisar o ativismo judicial exacerbado, elaborando crítica a essa

atuação intensa e desproporcional do judiciário apontando assim, riscos para a legitimidade

democrática, como a possibilidade de existir um poder hegemônico ou um governo feito de

juízes.

Contudo, pondera-se a necessidade de termos um poder judiciário vivo para garantir a

eficácia e aplicação das nossas leis, o judiciário é um órgão que deve ser ativo, mas com

proporções aceitáveis dentro do Estado democrático de direito. Temos um embate nessa

questão, com o seguinte questionamento: Como deve ser fundamentada a decisão judicial de

fato? Quais são os seus limites?

Para responder a essas questões e sanar as incontroversas, investigamos a proposta Pós-

positivista que tem a pretensão de solucionar os problemas não resolvidos pelo Positivismo

Jurídico. Para isso propomos a Teoria da Argumentação Jurídica de Alexy, que sob a égide da

Teoria do Discurso Racional, apresenta um discurso voltado para a retórica com força nos

argumentos.

É com a justificação interna e externa que propõe – se fundamentar racionalmente as

decisões. Na justificação interna, é necessário verificar todas as premissas sobre as quais a

46 Ibidem, p. 229. 47 Ibidem, p. 229.

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decisão se fundamenta de maneira lógica evitando falácias. A justificação externa vai dizer que

todas as premissas devem ser fundamentadas, é considerado o campo próprio para a

fundamentação. É aqui que a teoria do discurso racional tem maior colaboração.

Enfim, entendemos que pela modernidade e evolução social, é necessário admitir a

aplicação do ativismo judicial de forma moderada, ou seja, à existência de uma argumentação

jurídica que não invada a competência do legislativo, atuando de maneira eficaz na sua

jurisdição sem adentrar em questões que não lhe compete, para isso nos valemos da Teoria do

Discurso Racional com a aplicação da justificação interna e externa da decisão, evitando assim,

que tenhamos uma instância hegemônica e conseqüentemente a violação ao princípio da

separação dos poderes.

É com a aplicação da Teoria do Discurso Racional proposta por Alexy, que se acredita

na aproximação melhor da solução buscada aqui, tornando o aplicador do Direito a sentenciar

racionalmente num ordenamento jurídico incompleto que pelas características da interpretação

jurídica oferece as mais distintas dificuldades de interpretação.

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