o ensino religioso nas escolas

Upload: carlos-alexandre-harold

Post on 09-Jul-2015

146 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

O ENSINO RELIGIOSO NAS ESCOLAS PBLICAS ESTADUAIS DE APARECIDA DE GOINIA: ENTRE DISCURSOS E PRTICAS vely Adriana de Lima Lopes UFG CEPAE Comunicao Estado e polticas educacionais Este trabalho fruto de reflexes e de pesquisa de campo sobre o Ensino Religioso na escola pblica estadual em Gois, particularmente em Aparecida de Goinia. Ele busca a compreenso sobre o direito individualidade e manifestao livre de opinies no ethos escolar pblico e laico e, portanto, locus privilegiado de convivncia, hospitalidade e dilogo. Analisa, brevemente, a matriz de habilidades do ER da SEE de Gois e sua aplicabilidade. Os dados obtidos por meio de questionrio (outubro/2008 a abril/2009) possibilitaram traar um perfil do professor que ministra essa disciplina. Apresenta o confronto entre a teoria e a prtica e a legitimidade do ER na escola pblica estadual em Gois. Palavras-chave: ensino religioso, escola pblica laica, diversidade religiosa. O Brasil um estado laico e avanou com a ruptura entre o Estado e a Igreja. O Estado laico pressuposto para a liberdade de credo, pensamento e imprensa, de acordo com o artigo 5, inciso VI, da Constituio Brasileira: inviolvel a liberdade de conscincia e de crena, sendo assegurado o livre exerccio dos cultos religiosos.... J o artigo 33 da LDB (BRASIL, 1996) bem claro quando diz que a escola deve assegurar o respeito diversidade cultural religiosa do Brasil. Logo, ela no lugar de proselitismo. As crianas e adolescentes precisam ter contato, estudar, investigar e aprender sobre as diferentes religies a fim de respeit-las e poder, um dia, fazer suas prprias escolhas. certo que a formao religiosa tem um vis cultural de responsabilidade da famlia, que segue uma tradio e inicia seus filhos numa crena especfica para viver a dimenso comunitria e religiosa. Mas outro vis vem do prprio indivduo, das suas convices e experincias pessoais. Contrariando esse direito, a Lei de Diretrizes e Bases da Educao do Brasil (BRASIL-1996) delegou escola pblica uma responsabilidade que transpe suas fronteiras a da individualidade. Ora, se o Estado laico, como impor o ensino religioso na escola pblica, mesmo sob a chancela de facultativo e interconfessional? Como lidar com as tentativas espordicas de governantes e legisladores em tornar o ensino religioso obrigatrio? No Estado de Gois, um deputado apresentou em 2005 projeto de lei propondo a obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas pblicas como soluo para os altos ndices de violncia nas escolas. (O Popular - CEZPAK, 2005). Trs anos depois, o governo brasileiro enviou alto funcionrio diplomtico ao Vaticano para selar acordo normatizando o ensino religioso nas escolas pblicas. Reconhea-se que a religio faz parte da aventura humana. Todavia, imp-la desrespeita a liberdade de escolha. Assim, lidar com tema to controverso certamente seria boa oportunidade para evidenciar a prxis da pedagogia do conflito que trata Arnaldo Niskier (2001), quando afirma que a pedagogia do conflito a pedagogia da divergncia, e de dilogo entre iguais.

Aprender a compreender a relatividade de opinies, preferncias, gostos, crenas e escolhas manter o respeito ao outro, ou seja, alteridade. O convvio entre diferentes explicitao de aprendizagem a cada momento. E, quando o indivduo tem a possibilidade de conhecer e apresentar suas prprias prticas, histrias, gostos, tradies e crenas, ele se faz respeitar ao se dar a conhecer (BRASIL, 1997, 52b). Este trabalho tem a modesta pretenso de retratar como o ensino religioso adotado nas escolas pblicas estaduais em Gois e qual o papel do professor diante do tema. RELIGIO NA ESCOLA: TOLERAR OU CONVIVER ? Como microespao social, a escola deve promover o dilogo, a temperana, a diplomacia. E nada mais divergente, hoje, do que as questes religiosas. A quem delegado o direito de eleger uma denominao em detrimento de outras? Qual religio a melhor? Quem deveria julg-las? Max Weber afirma que o Estado detm a exclusividade do legtimo uso da ao coercitiva para garantir o cumprimento das leis. Logo, em um estado democrtico, a lei que garante a liberdade individual, assim como os direitos e deveres, sejam eles do Estado ou do cidado (WEBER, 1998). Ora, a lei que mantm a ordem social e que protege o cidado, assegurando-lhe o direito individualidade, perante at mesmo o prprio Estado. Religio na escola pblica no seria ento uma grande incoerncia? No Parmetro Curricular Nacional que trata da Pluralidade Cultural, h uma discusso salutar sobre o ensinar x viver a pluralidade (PCN, vol.10, p.57c) e a necessidade de tratar de temas que envolvem a discriminao tnica, cultural e religiosa. A discusso respeitosa na escola pode promover o crescimento da comunidade escolar e a tolerncia. Tolerncia ou boa convivncia? A tolerncia virtude inerente democracia, pois deriva da noo de diversidade e da cidadania que lhe so pressupostas. Respeito independe de concordncia, esta a grande lio que a escola pode ensinar. preciso distinguir com clareza a diferena entre ser livre para pensar e ser livre para fazer o que quiser. O outro, a no-violncia, o respeito diversidade, a tica e o cumprimento das leis so os contrapontos universais para a boa convivncia Habermas (2009) afirma ainda que a busca incessante pela tolerncia decorre da constatao da intolerncia, do desrespeito ao direito diversidade e liberdade de pensamento. esse dilogo, o nimo de aceitar uma discusso (religiosa, ideolgica, poltica ou cultural) respeitando o ponto de vista do outro, aceitando suas motivaes e seu juzo tico, que caracteriza o ponto em comum e propicia a verdadeira tolerncia. Num livro, Borridori entrevista Jacques Derrida, que faz contraponto a Habermas (BORRIDORI, 2004). Derrida diz que a tolerncia agrega uma postura condescendente daquele que detm o poder perante o dominado. Tolerar , ento, uma abertura vigiada, protetora da soberania, restrita, dimensionada uma hospitalidade condicional. Segundo ele, oferecemos hospitalidade somente sob a condio de que o outro obedea s nossas regras, nosso modo de vida, at mesmo nossa linguagem, nossa cultura, nosso sistema poltico, e tambm nossa religio. Derrida ensina:(...) abre-se ou est aberta previamente para algum que no esperado nem convidado, para quem quer que chegue como um visitante absolutamente estrangeiro, como um recmchegado, no-identificado e imprevisvel, em suma tolerante ao outro (BORRIDORI, 2004, p.138).

O autor esclarece, entretanto, que a hospitalidade incondicional impossvel de ser estruturada, conceito que nos permite aceitar que algum entre em nossas vidas sem ter sido convidado:A tolerncia na verdade o oposto da hospitalidade. Ou pelo o menos o seu limite. Se algum acha que estou sendo hospitaleiro porque sou tolerante, porque eu desejo limitar a minha acolhida, reter o poder e manter o controle sobre os limites do meu lar, minha soberania, o meu eu posso (meu territrio, minha casa, minha lngua, minha cultura, minha religio etc.) (BORRIDORI, 2004, p.137).

As duas teorias sobre a tolerncia, mesmo que divergentes entre si, permitem ampliar o significado do outro, a conscincia da alteridade defendida por LVINAS (2004), para quem possvel conviver com o diferente, respeitando suas opes e particularidades, preservando a individualidade em nome da boa convivncia e do dilogo. Analisemos como o ensino religioso foi incorporado escola pblica brasileira e como o Estado gere a questo religiosa. O ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL Durante sculos, o ensino religioso no pas foi ministrado pela Igreja Catlica, por intermdio do sistema de padroado, prtica educativa catequtica que o colocava como instrumento de doutrinao. O padroado foi extinto em 1890, pouco antes da promulgao da primeira Constituio da Repblica, que declarou o carter laico do Estado e o separou a Igreja. No em nome de uma religio, mas em nome da liberdade, justificou Ruy Barbosa. A nova norma causou polmica entre o Estado e a Igreja, obrigando esta, mesmo contra a sua vontade, a adotar um posicionamento em defesa da liberdade religiosa e de conscincia. Tanto que o ensino religioso voltaria a ser inserido, anos depois, na Constituio de 1934, cujo artigo 153 o admitia, mas em carter facultativo aos alunos, e foi mantido nas Cartas de 1937, 1946, 1967 e 1988, assim como nas Leis Federais n 8069/90 (Estatuto da Criana e do Adolescente) e n 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional), cujo artigo 33 recebeu nova redao atravs da Lei n 9475/97. O carter facultativo, contudo, permanece at hoje, mesmo depois de ter sido considerado como rea de conhecimento pelo Parecer n CEB 04, de 29/01/1998, que colocou em pauta as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental, e pela Resoluo n 02 de Cmara de Educao Bsica de 07/04/1998, que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fun-damental. Diante disso, o ensino religioso tem uma episteme prpria, garantida pela Constituio Federal, e passou a ser uma das disciplinas que compem o currculo escolar brasileiro. Mas nossa Carta Magna, que consagra o carter laico do Estado, no poderia admitir uma incoerncia dessa amplitude. O ensino religioso foi inserido pela Lei 9394/96, art. 33, que trata da Lei de Diretrizes e Bases da Educao. Inicialmente, tentou-se a iseno do Estado mediante a expresso sem nus para os cofres pblicos, finalamente abolida pela Lei n 9475/97. Vemos assim que no Brasil, desde o princpio, o ensino religioso sempre esteve ligado perspectiva da tradio catlica. Houve, claro, o fortalecimento de manifestaes protestantes e evanglicas, pentecostais, neopentecostais, espritas e tantas outras, abordagem que no o objeto do nosso estudo. Analisemos, a seguir, como o

vis fundamentalista de algumas manifestaes religiosas pode comprometer a diversidade e a boa convivncia na escola. FUNDAMENTALISMO O fundamentalismo surgiu no sculo XIX entre as comunidades protestantes dos EUA e foi defendido, em 1959, por professores de Teologia da Universidade de Princeton, que publicaram uma coleo de doze livros sob o ttulo Fundamentals. Nessa coleo, pregavam um cristianismo bastante rigoroso, ortodoxo e dogmtico em defesa dos costumes protestantes, ento ameaados pela modernidade industrial que marcou o incio do sculo XX. Segundo Leonardo Boff, existem posturas desse teor em todas as manifestaes religiosas e sociais (BOFF, 2002). O fundamentalismo protestante se baseia na interpretao literal da Bblia e ferrenho oponente dos avanos cientficos e biolgicos proporcionados pelo gnio de Charles Darwin. A teoria do criacionismo, relatada no Gnesis, se contrape ao evolucionismo darwinista e livre interpretao das escrituras sagradas. Mas o fundamentalismo no uma teoria, antes, uma forma de se viver a prpria f. J o fundamentalismo catlico vem revestido pelo lema Restaurao e Integrismo: o primeiro visa restaurar a unio entre o poder clerical e o poltico, enfraquecida nos ltimos sculos, especialmente aps a Revoluo Francesa. O segundo elemento busca integrar a sociedade, ameaada pela modernidade, sob a hegemonia do poder espiritual liderado exclusivamente pela Igreja Catlica. Nas dimenses moral e dogmtica, a Igreja se mantm refratria s modernas transformaes sociais e culturais (SABINO, 2005), permanecendo intransigente quanto a temas como o celibato, ordenao de mulheres, aos mtodos contraceptivos, s segundas npcias e ao sincretismo religioso. J no islamismo, os xiitas radicalizaram a leitura do Coro, livro repleto de ensinamentos virtuosos que se refletem na vida social e poltica da atualidade, que so mais notrios no Oriente Mdio. Para impor sua f, os xiitas se permitem valer inclusive da guerra armada, do autossacrifcio e da violncia. claro que nem todos os protestantes, catlicos ou muulmanos so fundamentalistas. Outras religies tambm geram seus extremistas e moderados. E, transpondo as fronteiras da religio, h fundamentalistas em frentes ambientalistas, vegetarianas, fisiculturistas, polticas (Republicanos e Democratas nos EUA, petistas e tucanos no Brasil). Os extremos sempre existiram e esto longe da extino. O que se busca, nesses novos tempos, o equilbrio, a sensatez, a temperana e a alteridade na sociedade. Mesmo repleta de contradies em sua essncia, pois ora prega a paz e o amor, ora a discrdia e a desunio, a fora da religio no pode ter ignorado seu papel na histria da humanidade. A diplomacia o grande e nico caminho que nos restou (BOCOV, 2005), lio que podemos confirmar em grandes momentos da histria, como a luta por Jerusalm, entre cristos e muulmanos, durante as Cruzadas. Em seguida, vale analisar documentos oficiais que oferecem suporte legal ao ensino religioso no Estado de Gois. ASPECTOS CURRICULARES DO ENSINO RELIGIOSO EM GOIS Em 1995, a Secretaria da Educao do Estado (SEE) elaborou o Programa Curricular Mnimo para o Ensino Fundamental e Mdio Ensino Religioso, atravs de sua Superintendncia de Ensino Fundamental e Mdio e da Comisso Interconfessional do Ensino Religioso do Estado de Gois (CIERGO), criada em 1995 (GOIS, 1995) e

ligada Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Mal iniciadas as atividades, confisses evanglicas foram convidadas a participar dessa comisso e o primeiro documento por ela emitido foi denominado Diretrizes Curriculares para o Ensino Religioso. Pelas origens de sua criao, o documento no foi pautado pela imparcialidade, j que, inicialmente, apenas a CNBB foi convidada. O Programa Curricular Mnimo para o Ensino Fundamental e Mdio Ensino Religioso tratava exclusivamente de temas ligados ao cristianismo, seus dogmas e ensinamentos. No havia espao nem para as manifestaes africanas nem para as demais religies, integrantes da construo histrica e cultural do Brasil. A partir de 2004, mediante a parceria com o Instituto Ayrton Senna, a SEE adotou o Projeto Aprender e, com ele, as matrizes de habilidades em todas as reas do conhecimento, inclusive o ensino religioso. Em 2008, o Estado de Gois elaborou sua prpria verso do Projeto Aprender, denominado Projeto Aprendizagem. A Coordenao do Ensino Fundamental (COEF) elaborou um novo documento, As Matrizes de Habilidades (GOIS, 2009), onde esto contidas as Matrizes de Habilidades do Ensino Religioso elaboradas para oferecer um norte ao professor e promover uma padronizao curricular mnima para as intuies pblicas estaduais. Essa nova matriz foi elaborada com trs propostas: 1) Cultura e Tradies Religiosas que trabalha com a filosofia da tradio religiosa e a ideia do transcendente; 2) Ritos lida com os smbolos e busca a identificao dos mais importantes em cada tradio religiosa; 3) Ethos trabalha com o conceito de alteridade, orientaes para o relacionamento com o outro. Houve um avano conceitual de um documento para o outro, mantendo a iseno e abrindo espao pela primeira vez para a alteridade dentro da escola pblica, apesar de notria resistncia por parte dos professores. Em nossa pesquisa de campo, apenas 23% dos entrevistados disseram seguir a matriz do ensino religioso. Por que a maioria das professoras no segue as orientaes das matrizes? No abordamos tal questo no questionrio, mas possvel concluir que, primeiramente, se trata de orientaes vindas de cima para baixo, isto , os professores no participaram do processo de discusso e elaborao de tais orientaes, e que, est claro, h visvel despreparo dos mestres em seguir tais orientaes. Essas concluses so apenas inferncias que carecem de maior investigao. Conforme pesquisa de campo, pouco mais da metade dos entrevistados afirmou que os alunos no so obrigados a participar das aulas. A observao em campo contesta essa informao. Os alunos no sabem que o ensino religioso facultativo e so obrigados, sim, a participar das aulas. Por qu? Talvez, em primeiro lugar, por serem crianas na primeira fase do ensino fundamental e, portanto, no devem ficar soltas sozinhas no ptio. Em segundo, pelo interesse em difundir determinada doutrina entre os alunos, conforme se observa no prximo pargrafo. Cerca de 33% dos professores falam abertamente da sua opo religiosa para os alunos .Ora, o educador tem uma ascenso moral sobre os educandos. Sua postura, seus exemplos e suas opinies podem adquirir um padro rgido de conduta para crianas e adolescentes. Logo, os educandos so vulnerveis a esse tipo de doutrinao religiosa. Mas o Estado no laico? Sim, teorica ou ideologicamente, ele pertence a todos (res publica) e, por isso mesmo, o ensino religioso proposto e implementado por ele, atravs de suas escolas, no pode fazer apologia de nenhuma religio nem defender nenhuma crena, mesmo que da maioria da populao. A sala de aula na escola pblica

no deve ser lugar de preces e oraes. O ensino religioso no pode ser catequese, nem doutrina nem teologia de uma confisso. Antes, deveria proporcionar o contato do aluno com as tradies, ritos, smbolos e mitos religiosos que, por sua dimenso em defesa da vida, poderia ajud-lo a ser mais humano, integral, tolerante e ntegro. E na rotina da sala de aula? Ser que a prxis revela o desvirtuamento de um conceito to caro ao Estado democrtico que a sua laicidade? Apesar da ideia de um Estado laico e pertencente a todos, o governo tem compromissos com esse ou aquele segmento social, donde a contradio entre o discurso de laicidade e a insero de ensino religioso. Alm disso, os prprios governantes elaboram leis tendo em vista sua viso de mundo e sua simpatia para com determinados grupos sociais e religiosos. Toms Silva (SILVA, 2003) alerta para a instalao nas escolas de um currculo oculto, que seria constitudo por todos aqueles aspectos do ambiente escolar que, sem fazer parte do currculo oficial explcito, contribuem, de forma implcita, para aprendizagens sociais relevantes. preciso indagar que interesses esto por trs das imposies curriculares oficiais. Ser que o peso das representaes polticas catlicas e evanglicas influenciou a composio da lei que apresenta o ensino religioso como parte integrante da matriz curricular oficial? Com que objetivo esse ensino permanece na escola pblica? Domesticao, doutrinao, alienao, adequao? Vejamos como acontece isso na prtica, ou seja, como a questo da diversidade religiosa na escola tratada a partir da anlise da pesquisa feita com professores da rede pblica estadual em Aparecida de Goinia. OS DISCURSOS E AS PRTICAS DO ENSINO RELIGIOSO EM APARECIDA DE GOINIA UMA AMOSTRAGEM A pesquisa de campo foi realizada entre outubro de 2008 e abril de 2009, com um grupo de professoras de escolas pblicas estaduais em Aparecida de Goinia,. Pensamos inicialmente, em realizar uma observao participativa na sala de aula. Mas a resistncia velada de algumas coordenadoras obrigou a uma mudana de estratgia. Um questionrio com perguntas fechadas foi respondido por 32 professoras da primeira fase do ensino dundamental. A grande maioria das que ministram ensino religioso efetiva e 60% delas tm o curso de Pedagogia, apesar de apenas 10% admitir que ministra a matria para complementar a carga horria, mesmo porque o regime da primeira fase ainda mantm um nico professor por turma. Muitas das entrevistadas no ficaram vontade para assumir isso por escrito. Preferiram ressaltar a possibilidade de trabalhar a tolerncia religiosa e os valores humanos na escola. Verificamos aqui uma evidente contradio. As professoras admitem no seguir as orientaes da COEF, mas assumem o discurso politicamente correto, o que caracteriza uma prtica discursiva, mas no efetiva, mesmo porque esto apenas complementando a carga horria. No se pode falar em oportunismo, mas a partir da situao ou da ao social das professoras, compreendemos que elas incorporam o discurso oficial da pluralidade cultural, embora, na prtica, demonstrem no estar preparadas para tanto. A incorporao do discurso oficial sobre o respeito diversidade foi constatada pelo dado de que 72% das entrevistadas acreditam que o ensino religioso uma opo para resgatar valores humanos e promover o dilogo entre as diversas manifestaes religiosas. Quanto obrigatoriedade da presena do aluno durante as aulas, 52% afirmaram que os alunos no so obrigados a participar das aulas, mas 45% admitiram que os alunos o so. Ora, a LDB, em seu artigo 33, deixa claro que as aulas desse ensino so facultativas. Vimos, assim, na prtica, que na primeira fase a possibilidade no existe.

As respostas apresentam certo equilbrio e denotam despreocupao com a socializao de aspectos ligados vida pessoal do professor, o que confirma a premissa de que no h neutralidade em relao realidade - o sujeito social e o pesquisador sempre fazem escolhas. Se observado o total das que admitem abertamente sua opo religiosa com aquelas que a admitem vez por outra, o percentual chega a 52% . Quanto ao objetivo maior do ensino religioso, 68% das professoras entendem que a promoo do dilogo, do respeito mtuo, da no-violncia e da tolerncia religiosa. A, mais uma vez, verificamos que o discurso se distancia da prtica, vez que ele marcado pela imposio curricular, sem espao para as minorias religiosas. Atestamos ainda que o cristianismo o credo mais difundido pelos professores: Tabela 1 Propores com que algumas religies so abordadas nas aulas de Ensino Religioso na cidade de Aparecida de Goinia, segundo a amostragem Candombl 2% Judasmo 6% Wicca 0% Espiritismo 6% Umbanda 1% Nenhuma 19% Islamismo 8% Xamanismo 0% Branco 4% Budismo 6% Hindusmo 0% Cristianismo 43% Xintosmo 0%Fonte: Pesquisa de campo da autora

O candombl parte da herana cultural afro que compe o mosaico da identidade nacional brasileira, mas se percebe que a orientao curricular das matrizes de habilidades do ER coerente, mas tem aplicabilidade inoperante e ineficaz. A umbanda religio genuinamente brasileira, oriunda do candombl. O preconceito, mesmo que negado ou velado, ainda est presente nas escolas. A aula de religio deveria se tornar momento de aproximao cultural, mas isso est sendo negligenciado. Alm disso, observa-se que o descumprimento da Lei n 10639/03, que determina o estudo das culturas de matrizes africanas na formao da histria e do povo brasileiro. A implantao dessa lei encontra dificuldades, mesmo aps seis anos da sano, pois o material didtico relativo s culturas africanas ainda bastante escasso no mercado editorial. Alm disso, a Lei n 11645, de 10 de maro de 2008, tambm incluiu a obrigatoriedade do estudo das culturas indgenas na educao bsica, o que supe o estudo tambm das religies indgenas como fenmeno cultural e no contexto da formao do povo, da cultura e da histria do Brasil. E outras religies tradicionalmente associadas a povos que ajudaram a caldear a cultura do povo brasileiro, como os libaneses e japoneses, no deveriam ser tambm contempladas pela lei? evidente a falta de planejamento e de metas para a disciplina. Os professores assumem, de maneira pessoal, os temas a ser abordados, aderindo de preferncia s aulas dialgicas. Entre as professoras, 58% declararam conhecer a Matriz de Habilidade do Ensino Religioso da SEE, embora somente 23% admitam seguir suas orientaes. Conclumos que, apesar abrir a possibilidade do dilogo entre as diversas manifestaes religiosas, a orientao curricular das matrizes de habilidades do ER no representa nem seu carter pluralista nem a alteridade. Na prtica, sua aplicao inoperante e ineficaz, talvez pela falta de preparo e envolvimento dos professores com a disciplina, ou, ainda, por ser uma imposio vertical. Mas essas so outras propostas de discusso e investigao.

CONSIDERAES FINAIS O Estado democrtico precisa resguardar o direito inalienvel de o cidado fazer suas opes pessoais com liberdade, a premissa fundamental da democracia, sejam elas acerca da religiosidade, da sexualidade ou do posicionamento poltico. A separao entre o Estado e a Igreja foi um grande avano proporcionado pelo Iluminismo. A escola pblica gratuita e obrigatria sustentada financeira, ideolgica e legalmente pelo Estado, e deve, portanto, ser laica. Refletir sobre a religiosidade/espiritualidade um modo de contribuir para a paz mundial. As religies, desde a Pr-Histria at os dias de hoje, sustentam a busca do ser humano por respostas para suas questes mais ntimas. Fromm, alis, destaca a necessidade religiosa como parte integrante das condies bsicas da espcie humana. (FROMM, 1962). De convergente entre tantas religies, destaca-se a paz, premissa bsica para uma convivncia de respeito, solidariedade e plurarismo, seja ela de esprito ou entre os homens. Logo, nada mais pertinente que exercitar a boa convivncia no ethos escolar. O vocbulo grego ethos significa tica, no sentido de casa, moradia humana, e dele se depreende que todo espao de construo do ser em busca do bem viver um processo permanente, seja o prprio corpo, a casa, o bairro, a escola, a cidade, o pas e at o nosso planeta (FERREIRA, 2001). Numa poca em que a guerra soluo para questes polticas e econmicas, e o nome de Deus justifica fundamentalismos, bombardeios e terrorismo, pode parecer imprprio se falar de religio dentro da escola. Mas, longe do sentido doutrinrio de que se revestiu o ensino religioso, com a teoria do criacionismo nas aulas de Biologia, conhecer as diversas manifestaes msticas pode ser boa ferramenta para fomentar o respeito e o dilogo. Sendo assim, acreditamos que a escola pblica no espao para difuso de ideologias, ressalvando ser impossvel ignorar a espiritualidade como inerente espcie humana, numa amplitude que deve ser abordada atravs da tica, da filosofia e da educao em valores humanos. Compreendendo o homem como ser completo e complexo, preciso desvendar sua face espiritual e lhe assegurar o direito opo religiosa/mstica/espiritual que lhe aprouver. Espiritualidade no se ensina. uma experincia nica, pessoal e humana. O ensino (ato de ensinar, instruir ou mostrar caminhos) religioso (relacionado religio, doutrinamento e/ou ligao com o transcendente) dentro dos limites do espao pblico educacional invasivo e dogmtico (CHAU, 2004). REFERNCIAS: ALVES,R. Dogmatismo & Tolerncia. So Paulo: Loyola, 2004. BORRIDORI, Giovanna. Filosofia em tempo de terror: Dilogos com Habermas e Derrida. Trad. Roberto Muggiati. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004. BOSCOV, I. Choque de civilizaes. In: Veja. So Paulo: Ed. Abril, ed.1904, ano38, n.18, maio 2005, p. 196-203. BOFF, L. Fundamentalismo: a globalizao e o futuro da humanidade. Rio de Janeiro: Sextante, 2002.

BRASIL, Ministrio da Educao. Lei de Diretrizes e Bases da Educao. Braslia: MEC, 1996. ________________. Parmetros Curriculares Nacionais Artes. Volume 6(a). Braslia: MEC, 1998. ________________. Parmetros Curriculares Nacionais Temas Transversais. Volume 8(b). Braslia: MEC, 1998. ________________. Parmetros Curriculares Nacionais Pluralidade Cultural e Orientao Sexual. Volume 10(c). Braslia: MEC, 1998. Lei n 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei n 9.394 de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educao nacional, para incluir no currculo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temtica Histria e Cultura Afro-Brasileira, e d outras providncias. BRETAS, Genesco Ferreira. Histria da Instruo Pblica em Gois. Goinia: CEGRAF/UFG, 1991, p. 125-126. CARELLI, G. IN: A Darwin o que de Darwin. In: Veja. So Paulo: Ed. Abril, ed.2099, ano 42, n.6, fevereiro 2009, p.73-83. CARON, L. (org.). O Ensino Religioso na nova LDB: histrico, exigncias documentrio. Petrpolis, RJ: Vozes, 1998. CZEPAK, I. Projeto de lei prev ensino religioso nas escolas. In: O Popular. Goinia: Grfica O Popular, do dia 26 de agosto de 2005. CHAU, M. Filosofia Srie Novo Ensino Mdio. So Paulo: tica, 2004. DURANT, W. A Histria da Filosofia. Rio de Janeiro: Nova Cultural, 1996. FERREIRA, A.C. Ensino Religioso nas fronteiras da tica: subsdios pedaggicos. Petrpolis, RJ: Vozes, 2001. FROMM, E. Conceito Marxista do Homem. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1962. GADOTTI, M. Histria das Idias Pedaggicas. So Paulo: tica, 2002. GOIS, Secretaria de Educao e Cultura. Programa Curricular Mnimo de Ensino Religioso para o Ensino Fundamental. Goinia: SUPEFM, 1995. GOIS, Secretaria de Educao e Cultura. Matrizes de Habilidades. Aparecida de Goinia: Subsecretaria Regional de Educao de Aparecida de Goinia, 2009. Material xerocopiado.

HABERMAS, J. Teoria da . Acesso em 12 jan.2009.

Adaptao.

Disponvel

em

HALL, S. A identidade cultural na ps-modernidade. Trad. Tomaz Tadeuu da Silva e Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. LVINAS, E. Entre ns: Ensaios sobre a alteridade. Petrpolis, RJ: Vozes, 2005. MSC 134/2009 . Submete apreciao do Congresso Nacional , o texto do Acordo entre a Repblica Federativa do Brasil e a Santa S relativo ao Estatuto Jurdico da Igreja Catlica no Brasil, assinado na Cidade-Estado do Vaticano, em 13 de novembro de 2008. Braslia: Cmara Federal, 2009. Disponvel em: www.camara.gov.br/sileg/integras/637903.pdf NISKIER, Arnaldo. Filosofia da Educao: uma viso crtica. So Paulo:Loyola, 2001. PILLETI, N. & PILLETI, Claudino. Histria da Educao. So Paulo: tica, 1996 SABINO, M. Continuar para mudar. In: Veja. So Paulo. Ed. 1992, ano 38, n.17, p.64-71, abril 2005. SILVA, T. T. da. Documentos de Identidade : Uma introduo s teorias do currculo. 2 ed. Belo Horizonte: Autntica, 2003. SWIFT apud RONI, P. Dicionrio Universal das Citaes. So Paulo: Crculo do Livro, 1985, p.832. TEIXEIRA, Francisco. Histria Concisa do Brasil. So Paulo: Global, 2000. TERRIN, A.N. Nova Era: A religiosidade do ps-moderno. So Paulo: Loyola, 1996. VALDEZ, D. Histria da infncia em Gois: sculos XVIII e XIX. Goinia: Alternativa, 2003. (Coleo Histria de Gois). WEBER, Max. Cincia e poltica: duas vocaes. So Paulo: Cultrix, 1998.