o ensino da linguagem escrita

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O Ensino da Linguagem Escrita Myriam Nemirovsky O livro de Myriam Nemirovsky destina-se aos professores, principalmente àqueles que têm como tarefa a alfabetização das crianças nos primeiros anos de escolarização. A autora define alfabetização como a “[...] responsabilidade da escola de aprendizagem da leitura e da escrita durante todos e em cada um dos níveis e ciclos educativos.” (p.07) Ressalta, ainda, que se trata de um processo contínuo que não se encerra nos primeiros anos de escolarização. 1 Antes de começar: Que hipóteses fazem as crianças sobre o sistema da escrita? Baseada em Emília Ferreira, a autora traça os três níveis pelos quais passam todas as crianças no seu processo de alfabetização, lembrando-nos que a idade cronológica não é o fator que determina o nível de sua escrita, mas as características apresentadas pela sua escrita. Nos diferentes níveis são encontrados fatores quantitativos e qualitativos. Os quantitativos são: sem controle da quantidade de letras, com controle da quantidade de letras, hipótese silábica (cada letra representa uma sílaba), hipótese silábico-alfabética (uma letra para cada sílaba alternando com uma letra para cada som), hipótese alfabética (cada letra representa um som). Os aspectos qualitativos são: sem diferenciação no traçado (traços contínuos ou descontínuos), com diferenciação no traçado (grafias, semiletras, letras), com valor sonoro convencional. No processo de alfabetização pode ser que a criança se encontre num determinado estágio referente ao aspecto quantitativo e em outro no aspecto qualitativo.

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O livro de Myriam Nemirovsky destina-se aos professores, principalmente àqueles que têm como tarefa a alfabetização das crianças nos primeiros anos de escolarização

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O Ensino da Linguagem Escrita

O Ensino da Linguagem Escrita

Myriam Nemirovsky

O livro de Myriam Nemirovsky destina-se aos professores, principalmente queles que tm como tarefa a alfabetizao das crianas nos primeiros anos de escolarizao. A autora define alfabetizao como a [...] responsabilidade da escola de aprendizagem da leitura e da escrita durante todos e em cada um dos nveis e ciclos educativos. (p.07) Ressalta, ainda, que se trata de um processo contnuo que no se encerra nos primeiros anos de escolarizao.

1 Antes de comear: Que hipteses fazem as crianas sobre o sistema da escrita?Baseada em Emlia Ferreira, a autora traa os trs nveis pelos quais passam todas as crianas no seu processo de alfabetizao, lembrando-nos que a idade cronolgica no o fator que determina o nvel de sua escrita, mas as caractersticas apresentadas pela sua escrita.

Nos diferentes nveis so encontrados fatores quantitativos e qualitativos. Os quantitativos so: sem controle da quantidade de letras, com controle da quantidade de letras, hiptese silbica (cada letra representa uma slaba), hiptese silbico-alfabtica (uma letra para cada slaba alternando com uma letra para cada som), hiptese alfabtica (cada letra representa um som). Os aspectos qualitativos so: sem diferenciao no traado (traos contnuos ou descontnuos), com diferenciao no traado (grafias, semiletras, letras), com valor sonoro convencional. No processo de alfabetizao pode ser que a criana se encontre num determinado estgio referente ao aspecto quantitativo e em outro no aspecto qualitativo.

Essa classificao parte do princpio de que, como afirma Nemirovsky [...] existem nveis prvios ao uso do sistema convencional de escrita no determinados pela forma nem pelo mtodo de ensino... (p.18).No processo de alfabetizao o professor tem um papel de suma importncia: cabe a ele a funo de elaborar e por em prtica as situaes didticas que contribuam [...] no mbito da instituio escolar, para a aprendizagem do sistema de escrita mediante a produo e a interpretao de textos. (p.17).

2 Como organizar o ensino da linguagem escrita? Uma proposta de planejamento.Na dcada de 1970 iniciou-se um processo de alfabetizao. Nessa reviso deslocou-se o objeto de ensino da ao educativa colocando a centralidade do processo educativo na criana como produtora de seu caminho. No final da dcada de 1980, incorporou-se ao trabalho pedaggico uma preocupao maior com o processo de alfabetizao, principalmente com a linguagem escrita. nesse contexto que a autora elabora uma proposta de planejamento para o ensino da linguagem escrita cujo contedo apresenta nesta obra.

Sua primeira questo foi determinar a finalidade do ensino da leitura e da escrita que, para ela, [...] consiste em formar sujeitos que sejam capazes de produzir e interpretar textos, sendo progressivamente, ainda, melhores usurios do sistema de escrita convencional (p.22).

A base, portanto, do trabalho pedaggico deve ser diferentes textos com funes diferenciadas. A autora utiliza dois critrios para selecionar esses textos: a maior incidncia de circulao na comunidade da qual a escola faz parte e as possibilidades que apresentam para o trabalho didtico. Aps a seleo dos textos, procede-se escolha das propriedades a serem trabalhadas, assim elencadas por Nemirovsky:

Propriedades do textoA que se refere

FunoQual a funo do texto? Para que foi escrito?

Autor/autoresQuem escreveu o texto? Quem essa pessoa?

Pblico PotencialA quem se destina o texto? Qual seu leitor potencial?

Relaes com a realidadeO texto corresponde a fatos verdicos ou imaginrios? Qual seu grau de relao com a realidade? um texto cientfico? De fico?

ExtensoQual o tamanho do texto? Breve, mdio, mais longo?

Frmulas fixasComo se inicia o texto? Qual o estilo (conto, carta, convite, etc.)?

VocabulrioExplorar a riqueza do vocabulrio de cada texto.

Categorias gramaticaisQuais categorias gramaticais se quer trabalhar? Em cada tipo de texto h uma incidncia maior ou menor de categorias gramaticais.

EstruturaQual a estrutura do texto?

TipografiaQuais os tipos de letras utilizadas? Quando usada, no texto, um determinado tipo de letra?

FormatoQual a organizao do texto no espao grfico?

Uso posterior da leitura

Modo de leituraQual o destinado que dado ao texto aps sua leitura? Por qu?

Qual o tipo de texto e por que o estamos lendo? Isso define as condies em que lemos.

Relao ttulo-contedoQual a relao entre o ttulo do texto e seu contedo? O ttulo tem dupla funo: antecipar o contedo e chamar a ateno do leitor.

Relao imagem-textoQual a relao da imagem com o texto? Para que se usa a imagem?

SuporteOnde escrito determinado tipo de texto: tipo e tamanho da folha, encadernao, capa. Cada tipo de texto requer um suporte especfico.

Tempos, modos ou formas verbaisQuais os tempos, modos e formas verbais que predominam no texto?

PersonagensQuem so os personagens do texto? Reais? Fictcios?

TemticaQual o tema central do texto?

Propriedades do sistema de escritaA que se refere

Diferena desenho-escritaOnde est a escrita? Onde est o desenho?

Propriedades qualitativasQuantas letras tm determinada palavra?

Propriedades quantitativasQuais letras tm determinada palavra?

Direcionalidade do sistemaDireo da escrita: da esquerda para a direita, de cima para baixo.

Tipos de letraImprensa ou cursiva; maiscula ou minscula.

OrtografiaPriorizar, em cada produo, os aspectos ortogrficos que pretende-se que o aluno melhore.

PontuaoQue pontuao usar? Quando? Por qu?

Separao entre palavrasRefletir sobre os espaos vazios entre as palavras atravs da anlise do texto.

Antes de se iniciar o trabalho acerca das propriedades do texto e do sistema de escrita deve-se considerar o tipo de texto escolhido e a etapa na qual se encontra a criana no processo de alfabetizao.

Para planejar o trabalho didtico Nemirovsky aponta quatro etapas: 1) Escolha do tipo de texto; 2) Definir as propriedades do texto que sero trabalhadas; 3) Escolher as propriedades do sistema de escrita que sero abordadas; 4) Elaborar a sequncia didtica com a previso de atividades/situaes a serem desenvolvidas. Situaes pontuais, por exemplo, um fato social importante, envolvendo as situaes planejadas, as imprevistas e situaes de rotina devem ser consideradas para garantir um bom desenvolvimento do trabalho.

3 Quem participa da organizao do ensino da linguagem escrita?Para Nemirovsky, no processo de ler e escrever participam e interagem diferentes sujeitos envolvidos em contextos diversos.

O professor ocupa um papel de suma importncia j que ele [...] que articula o trabalho educativo e coordena o processo de ensino (p.47). Para a autora, a estratgia do professor alfabetizador deve partir de evidenciar seu prprio interesse pela leitura e pela escrita. Outra estratgia o professor ler em voz alta, escolhendo textos que despertem interesse e emocione os alunos.

A interao entre os alunos fundamental para a construo do conhecimento da leitura e da escrita, assim, a estratgia de trabalho em grupo central. Mas, adverte a autora, o trabalho em grupo requer a ateno a quatro fatores na organizao de atividades coletivas: 1) O professor deve organizar a constituio do grupo atentando para as necessidades, habilidades e dificuldades de cada; 2) Limitar o grupo em dois a trs alunos para melhor desenvolvimento do trabalho; 3) Variar os critrios para selecionar os membros do grupo; 4) Para cada tarefa a ser desenvolvida constituir um novo grupo.

A interao entre alunos de turmas diferentes na escola tambm uma experincia de trabalho em grupo que pode enriquecer o desenvolvimento da linguagem escrita. Nemirovsky descreve trs sequncias didticas que ela vem desenvolvendo, com resultados positivos, quais sejam: trabalho com vocabulrio, leitura em voz alta, escrita de ditado. Nesses grupos, os alunos maiores cumprem o papel de tutores e os menores de tutorandos.

A participao de outros membros da escola significa ampliar a participao de outros alunos e professores. Instrui-se os alunos para que comentem sobre o tema que esto desenvolvendo, peam colaborao de materiais, leituras, dicas aos colegas de outras turmas. O professor, por sua vez, compartilhe com seus colegas o trabalho que est fazendo.

A participao das famlias dos alunos no processo de escolarizao fundamental. Reunies entre pais e professores, regularmente, uma estratgia positiva. Outra maneira de aproximar a famlia abrindo horrios especficos para que os familiares possam observar o trabalho realizado e, at mesmo, participarem de atividades, por exemplo, leitura de contos.

O ltimo aspecto discutido neste captulo o da transcrio que significa a reescrita dos textos dos alunos que ainda no escrevem de acordo com as normais convencionais. No so todos os textos das crianas que devero ser transcritos, somente aqueles que sero compartilhados. Para a reescrita, se faz necessrio observar determinados aspectos: a) Quem transcreve pode ser o prprio docente, um aluno que j usa convencionalmente a escrita ou algum familiar; b) A transcrio deve ser feita ao mesmo tempo em que a criana escreve, pois crianas muito pequenas no conseguem se lembrar, com clareza, o que escreveram; c) a transcrio pode ser na mesma folha em que o aluno redigiu seu texto e com o mesmo material ou escrever em outra folha e anexar folha do aluno; ou ainda transcrever em uma folha transparente observando a mesma sequncia e espao utilizados pelas crianas.

Reconhece Nemirosvsky que no so em todos os lugares que se pode contar com a participao de todos os que esto, de alguma forma, envolvidos no processo de alfabetizao das crianas. Por isso, todos os professores que adotam esse enfoque em alfabetizao devem ser reconhecidos por seu esforo e compromisso profissional (p.76).

4 Com o que organizar o ensino da linguagem escrita?Para uma concepo j superada de educao, os materiais didticos so, em geral, aqueles que se utilizam estritamente no ambiente escolar e no guardam relao nenhuma com os objetos usados na vida social. Criticando essa idia reduzida, Nemirovsky entende materiais didticos como os [...] objetos que so utilizados como apoio para ensinar, na medida em que possibilitam uma contribuio ao processo de aprendizagem (p.79). Dentre essa variedade a autora destaca e discute trs: materiais ldicos, decorativos e impressos.

A respeito dos materiais ldicos prope que os jogos e os objetos utilizados na vida social sejam utilizados no processo pedaggico, nas escolas. Cabe ao professor analisar as propriedades de cada material e avaliar quais aspectos didticos podem ser trabalhados.

Quanto decorao que, em geral, feita pelos docentes, Nemirovsky aconselha usar reprodues das obras de artistas, alm de, em vrios momentos, a prpria produo dos alunos. Assim, o professor, por um lado, ganha tempo para desenvolver atividades relacionadas ao seu trabalho pedaggico e, por outro, possibilita aos alunos o contato com obras consagradas que lhe fornecero o desenvolvimento mais aguado da dimenso esttica.

Referente aos materiais impressos a crtica da autora se dirige perda de sentido da leitura e da escrita uma vez que se abstraem dos textos seus usos e funes sociais. Os textos, em sua maioria, so utilizados para responder algumas perguntas de interpretao ou de gramtica. Desse modo, durante a escolaridade, o aluno que utiliza esses materiais no assume a leitura de textos de forma verdadeira, nem sequer quando no livro escolar existem fragmentos de textos de uso social (p.89). Para superar essa situao sugerido que se utilizem materiais escritos de uso social: contos, receitas, enciclopdia, obras teatrais, anncios publicitrios, jornais, etc. Alm disso, objetivando o aprendizado de que existe uma diversidade lingstica, importante disponibilizar materiais escritos em diferentes lnguas.

Encerrando, so discutidas duas idias centrais: primeiro, a insero, na escola, de materiais, livros, textos e prticas de uso social; segundo, trata-se de fazer da escola uma instituio que represente os nveis mais altos de cultura, da arte, da tecnologia, da cincia, dos valores humanos. (p.95).

5 Sequncias DidticasNemirovisky destaca que o que diferencia um projeto das outras propostas o papel central que se atribui ao aluno em sua organizao. A autora discorda tanto desta atribuio quanto do fato de caber ao aluno a funo de estabelecer o projeto que vai ser trabalhado. Ela justifica afirmando que o professor quem detm os elementos necessrios para definir o que ser trabalhado em aula. Ainda que, supostamente, a origem de um projeto tenha sido a sala de aula o que leva sua organizao so a valorizao e a relevncia que o docente lhe atribui. Para a autora, o mais importante discutir e analisar sobre o que e quais so os contedos de ensino a serem trabalhados. Em princpio, as temticas sobre as quais os alunos trabalham fora da sala de aula no merecem constituir-se em contedos de ensino. O que se deve priorizar so as temticas socialmente relevantes para sua participao na sociedade.

Nemirovisky alerta para a limitao dos temas caso leve-se em conta somente os assuntos sobre os quais os alunos manifestem interesse. O aluno pode interessar-se por temas que desconhece, dos quais no conceba sequer a existncia? Partindo dessa perspectiva, a funo do professor no partir dos interesses dos alunos, mas gerar interesses neles.

Entendendo a seqncia didtica como organizao do trabalho em sala de aula, mediante conjuntos de situaes didticas estruturadas e vinculadas entre si por sua coerncia interna e sentido prprio, realizada em momentos sucessivos, Nemirovisky afirma que planej-la implica analisar seu andamento, fazer trocas, incorporar situaes no previstas, modificar seu rumo. Porm, ressalta a autora, ao elabor-la deve-se saber se a sequncia ser integradora ou globalizadora de diferentes reas do conhecimento. Contudo, trata-se de no forar situaes para abarcar diferentes reas do conhecimento em uma mesma sequncia didtica. perfeitamente vivel organizar sequncias didticas centradas em contedos de uma s rea. Por outro lado, h casos nos quais a integrao de contedos de ensino que correspondem a diferentes reas do conhecimento pode ser pertinente. Contudo, se o objetivo da integrao for promover a aprendizagem de contedos de diferentes reas de conhecimento, fundamental que as atividades desencadeiem mltiplas, rigorosas e sucessivas situaes de anlise, de comparao, de explorao, de verificao, de argumentao, acerca dos contedos que se quer ensinar. Resumindo, existem trs possibilidades: 1) Seqncias didticas centradas em aprendizagens de uma rea do conhecimento. 2) Seqncias didticas que podem integrar contedos de mais de uma rea de conhecimento. 3) Seqncias didticas centradas em determinada rea do conhecimento que podem incluir uma fase em que se trabalham contedos de outra rea do conhecimento.

Uma vez definida a forma e a temtica da sequncia didtica, imprescindvel fazer um determinado recorte, estabelecendo certos limites que constituem o objeto de estudo. O critrio bsico para determinar o recorte pode ser: uma rea de conhecimento, um tema especfico ou uma tarefa em grupo. Sob essa perspectiva a autora apresenta nos captulos 6 a 10 cinco exemplos de sequncias didticas.

6 Personagem Prototpico do ContoA professora Carla trabalha com alunos de 3 a 4 anos. Seu objetivo foi fazer com que seus alunos avanassem na aprendizagem como bons ouvintes de contos. Para tanto ela partiu de algumas premissas: no permitia interrupes durante a leitura; no agregava explicaes; sentavam-se cmoda e relaxadamente; atenuava a iluminao da sala; escolhia verses originais, de boa qualidade, com vocabulrio realmente literrio, bem estruturado incio, trama central e desenlace; presena de elementos fantsticos; no mostrava as imagens. Isto porque ela acreditava que o objetivo exclusivo da leitura de textos literrios o prazer. Inicialmente parecia. No entanto, ela foi incorporando, gradualmente, hbitos e promovendo mudanas que despertaram o interesse das crianas, alm de impor algumas normas.

Quando todos estavam participando satisfatoriamente, Carla elaborou a sequncia didtica. Detectou o personagem de maior interesse das crianas: as fadas. Organizou a seqncia em trs fases: 1) Leitura de contos com fadas. Comentrios e anlises desses personagens; 2) Escrita individual de contos nos quais apaream fadas; 3) Edio de um livro de contos de fadas.

As atividades desenvolvidas foram: na primeira fase, leitura, seguindo suas premissas, e elaborao de um cartaz o quadro das fadas onde anotavam as caractersticas das fadas de cada conto. A segunda fase foi a da escrita dos contos. Como nenhum membro do grupo escrevia de maneira convencional tinha desde uma escrita indiferenciada at escritas silbicas a professora sentava-se junto a cada um para realizar a transcrio. Nesta fase a professora promoveu uma reflexo em relao ao tamanho das palavras, organizou um fichrio com os nomes dos personagens, promoveu a leitura pelos autores e finalizou com a reescrita dos contos. terceira fase coube a edio, a apresentao e o uso social do livro elaborado. A professora sabia que quanto mais relevante fosse essa fase, maior seria o entusiasmo com a proposta seguinte.

Anlise da sequncia didtica: est centrada na linguagem escrita; o tipo de texto o conto, com uma fase de trabalho sobre o sistema de numerao. Embora os alunos tivessem participado da elaborao de letreiros e cartazes isso no indica que tenham se constitudo em objetos de reflexo e anlise. Em relao aos contos, foram quatro as propriedades centrais: modo de leitura, as personagens prototpicas, a estrutura e o suporte.

7 Reunio de PaisA professora Marta trabalha com uma turma de cinco anos. Seu objetivo foi realizar a primeira reunio com os pais, a fim de inform-los sobre a modalidade de trabalho, trocar pontos de vista, estabelecer algumas formas de interveno e abordar algum outro tema que ela e os alunos achassem conveniente.

Junto com seus a alunos planejou a reunio. Pediu opinies sobre o que eles gostariam que fosse contado a seus familiares, tomou nota das propostas dos alunos, e assim delimitou os temas centrais, horrio e data da reunio. O passo seguinte foi a elaborao dos convites, a partir de modelos que foram lidos e analisados. O modelo escolhido foi escrito na lousa, aps debates e sugestes foi reelaborado e copiado pelos alunos. Nesta ocasio a professora aproveitou para promover uma reflexo sobre tipos de letra.

Agora tinham que organizar a reunio. Decidiram que fariam uma exposio dos trabalhos plsticos realizados pela turma. Depois de rever todos os trabalhos, listaram as tcnicas que conheciam, escolheram e revisaram os trabalhos, montaram a exposio, organizaram o espao, fixaram cartazes explicativos sobre as tcnicas plsticas, decoraram o espao e preparam o lanche que serviriam aos participantes.

Anlise da sequncia didtica: trata-se de uma tarefa complexa realizada pelo grupo. Em relao linguagem escrita, abordou o texto epistolar, especificamente o convite; em relao s artes plsticas obteve um avano nas distintas tcnicas conhecidas; ainda que tenham feito certos clculos matemticos estes no caracterizaram situaes didticas geradoras de avanos; em relao ao texto epistolar foram trs as propriedades centrais: modo de leitura, estrutura e lxico.

8 O Fundo do MarA professora Lcia trabalha com uma turma do ensino fundamental. Ao propor a eles um estudo sobre o fundo do mar percebeu que no tinham conhecimentos anteriores e nem curiosidade sobre o tema; porm, ela decidiu prosseguir. Organizou um cartaz com duas colunas o que sabemos e o que queremos saber - e como no houvesse iniciativa dos alunos, ela mesma comeou com algumas anotaes. A professora assumiu esse papel porque acreditava que o papel do professor no pode limitar-se ao de um mero transmissor de informao, pois uma coisa ser mero transmissor e outra negar aos alunos as informaes que no tm. Ela cuidou de despertar o interesse da turma que acabou se envolvendo e medida que coletavam os materiais, surgiam mais perguntas e mais informaes que eram agregadas ao quadro inicial.

Quando ambas as listas tinham cerca de dez anotaes, Lucia organizou a turma em duplas e trios, cada qual encarregado de verificar uma informao e responder a uma pergunta. Revisaram, selecionaram e distriburam os materiais que j possuam. As dvidas e questes eram levadas para o crculo de discusso comum. Para expor os trabalhos, revisaram e organizaram, tambm, textos publicitrios. Durante a exposio o quadro inicial foi colocado para que todos pudessem agregar informaes e perguntas nas colunas.

Anlise da sequncia didtica: quanto linguagem escrita o tipo de texto trabalhado foi o expositivo, com uma parcial aproximao com texto publicitrio; com relao ao tema, destacou-se a existncia da vida marinha; em relao ao texto expositivo, foram quatro as propriedades centrais: modo de leitura, relao ttulo/contedo como organizadores do texto; relao imagem/texto; e extenso dos textos.

9 PintoresA professora Carmem trabalha em uma escola rural com alunos de 4 a 9 anos. Embora no tivesse nenhum conhecimento sobre os pintores consagrados, professora resolveu pr em prtica a proposta que fora apresentada em um seminrio de formao docente. Considerando que o vnculo afetivo do docente com a temtica uma varivel determinante, Carmem comeou a buscar e revisar reprodues de obras de arte. Sentindo-se atrada por algumas obras de Pablo Picasso decidiu que trabalharia este pintor com seus alunos. Props o tema e durante as semanas seguintes desenvolveram dois tipos de atividades: reunir mais reprodues, alm daquelas que ela havia levado; recolher e ler fragmentos de biografias sobre Picasso. Nas atividades de leitura a professora chamou a ateno para a freqncia de verbos e para o tempo verbal empregado nos textos. Trabalhou a estrutura das biografias,os sinais de pontuao, um fichrio com o ttulo das obras, reproduo das obras, sistema de medidas e proporo. Foram desenvolvidas diferentes atividades considerando a diferena de idade dos alunos. Finalizaram com uma exposio na qual os quadros pintados pelos alunos foram vendidos e o dinheiro arrecadado doado a uma ONG.

Anlise da sequncia didtica: o tipo de texto trabalhado foi o biogrfico; alunos avanaram em aspectos vinculados com a atividade plstica; aprenderam sobre um pintor consagrado; quanto matemtica houve avanos significativos referentes reflexo sobre proporo e medio; com respeito s atividades de contar os cartes e colocar os preos nas reprodues, ambas foram excessivamente pontuais, sem um o rigor e a consistncia necessrios para consider-los como aporte para o conhecimento; em relao ao texto biogrfico, foram cinco as propriedades centrais: o suporte, a estrutura, variadas extenses, categorias gramaticais e tempos verbais.

10 Contos ClssicosA professora Aline trabalha com alunos de 4 e 5 anos. Aproveitando-se do interesse de seus alunos pelos contos clssicos, a professora elaborou uma sequncia didtica acerca deste tema. Foram realizadas leituras de vrios contos; s vezes essas leituras eram interrompidas e as crianas deveriam criar a continuao da histria que no dia seguinte era comparada com a verso original. Foram feitas atividades envolvendo a anlise dos ttulos sem conhecer o contedo; leitura e anlise do conto, sem conhecer o ttulo; leitura e anlise de diferentes verses de um mesmo conto estabelecendo-se quadros comparativos entre eles. Ao final dessas atividades os alunos escreveram o seu prprio conto que tambm foram lidos e comparados entre eles e com as verses oficiais. Trabalharam ainda a biografia dos diferentes autores de um mesmo conto e, no sistema de escrita, a separao das palavras e o uso de letras iniciais maisculas.

Anlise da sequncia didtica: o a seqncia se sentou exclusivamente na linguagem escrita, o tipo de texto trabalhado foi o conto clssico; em relao ao conto, foram trs as propriedades centrais: modo de leitura, autor e relao imagem/texto.

11 Sobre as Sequncias Didticas ApresentadasA funo dos diferentes tipos de texto trabalhada nas cinco sequncias didticas, pois cada tipo de texto se l e se escreve na escola com a mesma funo que tem no uso social. No entanto, em certas ocasies, podem-se complementar com momentos didticos especficos. Tambm nas cinco sequncias didticas, propicia-se o avano dos alunos em relao ao sistema de escrita.

A incluso das cinco propostas tem por objetivo oferecer um panorama mais amplo para a anlise, colocando em evidncia as sustentaes tericas dessa proposta de alfabetizao. Tambm objetiva oferecer modelos ao professor que encontra dificuldades para projetar seu trabalho e s vezes tem de escolher propostas j elaboradas para, progressivamente, ir avanando na elaborao de suas prprias sequncia didticas.

A escolha do conto como eixo articulador em duas sequncias deve-se a que esse um tipo de texto muito usado nas salas de aula. O elemento inovador consiste na maneira de aproveitar o conto na tarefa de alfabetizao. Concluindo, afirma Nemirovsky, cabe ao professor indagar sobre as opes com uma autntica atitude reflexiva e comprometida, pois no conjunto dessas aes que o trabalho docente torna-se um espao de crescimento profissional e pessoal.

Maria Anglica CardosoPedagoga, especialista em Formao Docente pela UNIDERP, mestre em Educao pela UFMS, doutoranda em Filosofia e Histria da Educao pela UNICAMP. Membro do Grupo de Pesquisa HISTEDBRLuciana Cristina Salvatti CoutinhoPedagoga pela Faculdade de Educao da Unicamp. Mestranda em Filosofia e Histria da Educao pela FE/Unicamp. Membro do grupo de estudos e pesquisas HISTEDBR.