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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa Universidade Federal da Paraíba 15 a 18 de agosto de 2017 ISSN 2236-1855 5541 O ENSINO DA HISTÓRIA LOCAL EM TEMPOS DE DITADURA CIVIL MILITAR EM SOURE/PA Ely Carlos Silva Santos 1 Clarice Nascimento Melo 2 Introdução A história local ensinada nas escolas básicas brasileiras leva aos diversos questionamentos acerca de quais fundamentos teóricos e metodológicos serão essenciais no momento da prática pedagógica em sala de aula, em particular do que e como se deve ser ensinado o conteúdo de História para que se alcance um currículo inovador na práxis educativa. Para tanto, a história local vem sendo estudada como possibilidade de inovação no ensino da disciplina História nas escolas brasileiras que tem o intuito de romper com a visão tradicional de ensino que prioriza o conhecimento histórico positivista, hegemônico e cristalizado no currículo escolar ao longo da República no Brasil, pois em muitas escolas ainda se encontra em uso o ensino tradicional da disciplina História que muitas gerações aprenderam ao longo do tempo. Este texto é parte integrante da pesquisa de Mestrado em Currículo e Gestão da Escola Básica (PPEB) da Universidade Federal do Pará (UFPA), no qual se refere a (re)contextualização da inserção da história local na educação básica no período da ditadura civil militar no Brasil. Também é parte integrante ao Grupo de Pesquisa em História e Educação (GEPHE) por meio do projeto intitulado Formação de Professores no IEP em tempos de ditadura. Assim, tem-se aqui a finalidade em problematizar o ensino da história local na escola básica durante o período de ditadura civil militar no Brasil, tendo como premissa o currículo da Escola em Regime de Convênio Instituto Stella Maris, localizada no município de Soure/PA. Esta problematização diz respeito de que maneira o conteúdo da história local vai se confabulando como relevante na escolarização brasileira, visto que a disciplina História foi 1 Especialista em Educação pela Universidade Federal do Pará. Professor Efetivo da Secretaria de Estado de Educação do Pará e da Secretaria de Educação do município de Soure/PA. E-Mail: <[email protected]>. 2 Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Professor Adjunto no Instituto de Educação da Universidade Federal do Pará, Campus Profissional. E-Mail: <[email protected]>.

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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 5541

O ENSINO DA HISTÓRIA LOCAL EM TEMPOS DE DITADURA CIVIL MILITAR EM SOURE/PA

Ely Carlos Silva Santos1

Clarice Nascimento Melo2

Introdução

A história local ensinada nas escolas básicas brasileiras leva aos diversos

questionamentos acerca de quais fundamentos teóricos e metodológicos serão essenciais no

momento da prática pedagógica em sala de aula, em particular do que e como se deve ser

ensinado o conteúdo de História para que se alcance um currículo inovador na práxis

educativa. Para tanto, a história local vem sendo estudada como possibilidade de inovação no

ensino da disciplina História nas escolas brasileiras que tem o intuito de romper com a visão

tradicional de ensino que prioriza o conhecimento histórico positivista, hegemônico e

cristalizado no currículo escolar ao longo da República no Brasil, pois em muitas escolas

ainda se encontra em uso o ensino tradicional da disciplina História que muitas gerações

aprenderam ao longo do tempo.

Este texto é parte integrante da pesquisa de Mestrado em Currículo e Gestão da Escola

Básica (PPEB) da Universidade Federal do Pará (UFPA), no qual se refere a

(re)contextualização da inserção da história local na educação básica no período da ditadura

civil militar no Brasil. Também é parte integrante ao Grupo de Pesquisa em História e

Educação (GEPHE) por meio do projeto intitulado Formação de Professores no IEP em

tempos de ditadura.

Assim, tem-se aqui a finalidade em problematizar o ensino da história local na escola

básica durante o período de ditadura civil militar no Brasil, tendo como premissa o currículo

da Escola em Regime de Convênio Instituto Stella Maris, localizada no município de

Soure/PA. Esta problematização diz respeito de que maneira o conteúdo da história local vai

se confabulando como relevante na escolarização brasileira, visto que a disciplina História foi

1 Especialista em Educação pela Universidade Federal do Pará. Professor Efetivo da Secretaria de Estado de Educação do Pará e da Secretaria de Educação do município de Soure/PA. E-Mail: <[email protected]>.

2 Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Professor Adjunto no Instituto de Educação da Universidade Federal do Pará, Campus Profissional. E-Mail: <[email protected]>.

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retirada do currículo pelos governos militares a partir da década de 1070 no Brasil,

especificadamente no ensino de 1º Grau com a reforma educacional com a implementação da

lei nº 5692/71 e as diretrizes do acordo entre MEC e USAID (United States Agency for

International Development) que contribuiu decisivamente na “ordenação, regulação e

concretização de parte da retórica da aliança para o progresso, construindo as decisões

quanto às doações e empréstimos em favor dos países periféricos e realizando um novo ajuste

entre os países capitalistas (SANTO, 2005, p. 40).

Nesse contexto, o conteúdo da história local é tão complexo quanto à constituição dos

conhecimentos hegemônicos no ensino da disciplina História que, ao longo do tempo, vem

passando por importantes e imprescindíveis mudanças no sentido de canalizar um currículo

mais comprometido com a formação crítica dos sujeitos sociais. Particularmente, pode-se

incluir a essas mudanças o período de implementação da LDB nº 5692 de 11/08/1971 quando

se consubstanciou a disciplina Estudos Sociais nas escolas de ensino de 1º grau.

A partir desta intricada mudanças no currículo da escolarização básica brasileira no

período da ditadura civil-militar3, Selva Guimarães (2010) nos relata que, na virada do século

XX para o XXI, consolidou-se uma rica diversidade de modos de pensar os conteúdos da

disciplina História tendo como conjuntura a realidade complexa, plural e desigual na

educação escolar brasileira. A referida autora nos alerta que não há conhecimentos históricos

únicos e homogêneos nas instituições de ensino, e muito menos um conhecimento histórico

exclusivo, pois as publicações sobre ensino e aprendizagem desta disciplina na escola básica

evidenciam uma diversidade de temas, problemas, abordagens e fontes relevantes para o

conhecimento histórico que foi produzido por diferentes sujeitos e em vários espaços

educativos.

O problema estava e ainda se sucedem nas disputas dos campos de ensino que se dá a

partir da elaboração e efetivação de medidas governamentais nas políticas curriculares da

educação brasileira, pois enormes embates e acalorados debates foram realizados, ainda nos

tempos de ditadura civil-militar, no campo do ensino de História do Brasil, demonstrando

avanços na busca de respostas às questões emergentes na sociedade contemporânea,

questões estas relacionadas à prática de ensino e aos conteúdo a serem ensinados nas escolas.

Este debate ainda é marcante por meio da crítica ao currículo fundamentado na

concepção positivista, conhecido como tradicional e prescrito, por ser apenas embasado na

3 Conceito defendido em: NETTO, José Paulo. Pequena história da ditadura brasileira (1964 – 1985). São Paulo: Cortez, 2014.

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transposição didática4 dos conteúdos considerados cientificamente absolutos na

escolarização básica. Por conseguinte, as iniciativas na busca por novas alternativas no

ensino da história vão se materializando no momento em que a produção historiográfica se

altera e contribuí na transformação da visão hegemônica do conhecimento pronto e acabado.

Passa-se repensar o ensino da disciplina História não como um conhecimento pronto e

acabado balizado somente na história factual, mas como ciência que destina ao sujeito a

compreensão da igualdade, da alteridade e das transformações pelas quais a sociedade passa

(SCHIMIDT, 2012).

Todo esse argumento introdutório nos leva a reflexão sobre para quê? o quê? e como

ensinar a história local?, pois percebemos que tais questões sobre ensino deste conteúdo

estão relacionadas a constituição do currículo na escola básica, passando a constitui como

importantes elementos de problematização por se colocarem a nós, professores e

pesquisadores, como um desafio necessário ao consideramos a escola pública como campo

fértil de investigação, especificamente acerca dos conteúdos que foram sendo instituídos

historicamente.

O município de Soure/PA em tempos de ditadura civil militar.

Assim como no contexto nacional, o regional e o local compõem a atmosfera política,

econômica e social no processo de instauração e instituição do golpe ditatorial no Brasil,

particularmente com a implementação do Ato Institucional nº 5 baixado em 13 de dezembro

de 1968 pelo presidente General Costa e Silva.

No Pará, a ditadura civil militar teve sua consolidação nas disputas pelo controle do

poder político centrado no comando da Aliança Nacional Renovadora (ARENA) entre os

governadores Jarbas Passarinho e Alacid Nunes. Este segundo sendo bastante influente na

região marajoara por ser natural de Soure/PA. Assim,

Na Arena ingressaram, além de Jarbas Passarinho, que foi eleito o primeiro presidente do partido no Pará, e o governador Alacid Nunes, a grande maioria dos integrantes dos partidos que apoiaram a candidatura de Alacid Nunes, também Zacarias de Assumpção e muitas lideranças e militantes do PSD dos municípios do interior. (PETIT; VELARDE, 2013, p. 8).

As consequências das disputas políticas que assolavam os municípios do interior do

Estado do Pará, no período da ditadura civil militar, fez com acontecesse com facilidade a

4 Este termo foi introduzido em 1975 pelo sociólogo Michel Verret e teorizado por Yves Chevallard no livro La Transposition Didatique, onde mostra as transposições que um saber sofre quando passa do campo científico para a escola, conceituando “transposição didática” como o trabalho de fabricar um objeto de ensino, ou seja, fazer um objeto de saber produzido pelo “sábio” ser objeto do saber escolar.

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vitória dos militares golpistas a partir do apoio de amplos setores da sociedade civil liderados

pelos políticos conservadores, empresários e fazendeiros da região marajoara. E, a localização

geográfica e a história do município de Soure ajudaram para as disputas políticas e controle

social fossem colocadas em prática por grupos ligados ao líderes militares Jarbas Passarinho

e Alacid Nunes.

Assim, contribuiu grandiosamente para a consolidação da ditadura civil militar no

município de Soure/PA a sua posição geográfica como ponto estratégico militar e de fácil

comunicação com a capital Belém, pois o município possui extensão territorial de 3.051

quilômetros quadrados, fica distante 87 quilômetros de Belém, e é a maior cidade da Ilha do

Marajó, localizada no lado leste do arquipélago. Encontra-se às margens do rio Paracauari, de

frente para o município de Salvaterra.

Figura 1: Arquipélago do Marajó (http://marajoando.blogspot.com.br)

Como na figura 1, os municípios de Soure e Salvaterra estão diretamente ligados ao

governo paraense com sede em Belém do Pará por meio do transporte marítimo, tendo

favorável comunicação entre os mesmos. Contudo, no período da ditadura civil militar os

fatos ocorriam com frequência em Soure, o que destaca a importância do ensino da história

local nas escolas básicas, pois a constituição histórica do próprio território serve de fonte

para a história local.

Com a facilidade da comunicação a partir da posição geográfica e da história do

município de Soure na região marajoara do Estado do Pará, as disputas políticas dentro da

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ARENA se sucederam em alguns municípios do interior paraense, dentre eles se destaca

Soure, visto que foi manchete no jornal regional de que uma briga generalizada aconteceu

nas disputas eleitorais em tempos de ditadura civil militar:

Sábado à noite o tempo esquentou em Soure, com Arena 1 e Arena 2 desentendendo-se em plena praça pública e tentando resolver as diferenças na base do porrete. Os partidários do candidato da Arena 1, Carlos Alberto Nunes – o “Tonga” – que é apoiado por Alacid Nunes, não concordaram que os partidários de Luiz Teobaldo – o “Badinho” – da Arena 2 (e dizem apoiado por Jarbas Passarinho) surrassem um bêbado que não era nem da Arena 1 e nem da Arena 2, pois insultava todo mundo, indistintamente. Com o bêbado nocauteado, fechou entre os dois grupos arenistas e a polícia só apareceu depois que tudo já havia acabado. Com esse providencial atraso não prendeu ninguém nem de um lado nem de outro. Entretanto, mesmo com uma polícia tão diplomática, a tensão política continua muito grande em Soure. O interior do Estado já começa a viver com intensidade o clima das eleições de 15 de novembro. Todavia, no município de Soure, o entusiasmo ultrapassou o fervor das preferências do único partido, a Arena, extrapolando-se numa verdadeira batalha campal entre simpatizantes dos candidatos da Arena – 1 e Arena – 2, resultando diversos feridos. (“Tensão política em Soure”, O Estado do Pará, 18/10/1976).

As disputas pelo controle municipal se consubstanciava também na rede de ensino do

município, no qual o prefeito eleito relacionava, por meio de ofícios endereçados as escolas, o

que deveria ser repassados aos alunos. Especificadamente eram transmitidos aos discentes os

grandes feitos do governador militar e, consequentemente, do prefeito. Assim, a história local

ensinada era factual e política com base na abordagem positivista dos grandes feitos.

Exemplo, foi a chegada da tocha olímpica em comemoração ao Centenário da Independência

do Brasil, no qual foi uma semana de palestras nas escolas ressaltando a importância dos

governos militares, tanto em nível nacional quanto regional e local.

A história local no currículo da ERC Instituto Stella Maris.

A E. R. C. Instituto Stella Maris, localizada no município de Soure-Marajó-PA e

conhecida pela sua fachada como “Colégio Stella Maris”, conforme a figura 2, tem seu início

de funcionamento a partir de 1959 com a chegada da Ordem Religiosa Católica das Irmãs

Agostinianas na região de campos da Ilha de Marajó.

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Figura 2: Fachada da Escola Stella Maris (1968).

A escola representa um marco no ensino do município de Soure, particularmente sendo

uma escola com sua estrutura arquitetônica que impressionava por ser a única do município

nesses moldes. Assim, que no ano de 1966 e, consequentemente, em 1968 passou a referida

escola funcionar em regime de convênio com o governo do Estado do Pará até os dias atuais.

Neste período que compreende o início da ditadura civil militar no Brasil, esta instituição de

ensino passa ter vínculo com as normas e diretrizes do ensino conforme a legislação

brasileira. Ocorrendo, assim, uma relação de um modelo de educação com base na filosofia

religiosa agostiniana diante da legitimação de um estado que queria impor sua hegemonia a

nação brasileira por meio da repressão e da desmobilização popular. Há, portanto, uma

possível articulação entre as propostas curriculares nacionais e seus reflexos nas políticas

educacionais locais durante o regime da ditadura civil-militar, e que os resquícios dessa

época ainda exercem forte influência na sociedade brasileira contemporânea por meio das

lutas democráticas.

É nesse tempo e espaço que considerando o período de assinatura do convênio entre a

E. R. C. Instituto Stella Maris com o governo do Estado do Pará, desde o período da ditadura

civil-militar até o período de redemocratização do Brasil, seja pela estrutura física ou pela sua

filosofia religiosa no ensino público, tornando-a importante para a educação paraense,

particularmente à região marajoara.

A educação na E. R. C. Instituto Stella teve e tem como prática social a promoção

humana, demonstrando sinais da conexão entre o passado e o presente neste estudo,

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passando a contribuir nas pesquisas da história das disciplinas escolares na Amazônia

paraense, visto que abarca conceitos e diferentes categorias de interesses políticos,

econômicos e religiosos que poderão estar intrínsecos nos documentos curriculares da

instituição de ensino, a julgar que há correlação de integração da filosofia agostiniana nas

redes de ensino da congregação das irmãs pelo Brasil e pelo mundo.

A inserção da história local no currículo da E. R. C. Instituto Stella Maris traz ao debate

a forma como os alunos aprenderam e ainda aprendem os conhecimentos locais diante ao

contexto regional e nacional; visto que “Saviani nos aponta que não é metodologicamente

apropriado encarar o local e o nacional como oposições excludentes” (ROSÁRIO; MELO;

LOMBARDI, 2012, p. 8).

A história local, no currículo da ERC Instituto Stella Maris, em tempos de ditadura civil

militar foi sucumbida pelo ensino de uma história de exaltação do “herói nacional” e das

realizações políticas gloriosas com objetivos claramente políticos, sem que levasse em

consideração o alargamento do ensino de história local para apreender uma concepção mais

crítica de leitura e compreensão da realidade social brasileira.

Para se entender a trajetória dos conteúdos de história local em Soure/PA é necessário

não perdemos o horizonte de que o currículo escolar pode ser marcado por contradições

políticas e sociais que vão delineando os métodos e os percursos de estudos na complexa

relação entre escola e sociedade e dos conhecimentos culturalmente cristalizados como

válidos. (GOODSON, 1995).

A história local como conteúdo escolar se refere ao currículo como conflito social que é

estabelecido em variedade de campos e níveis onde ele é produzido, negociado e reproduzido.

Ainda conforme Goodson (2001) as disputas perpassam ao longo do contexto histórico em

que os conteúdos de determinadas disciplinas escolares foram se materializando como

oficiais na escola básica. Nesta ótica, a extensão de debates e conflitos em torno do currículo

prescrito é imbricado pela priorização de ideologias intelectual e política dominante do

passado, fazendo-se contraditório com o que ocorre nos bancos da escola na

contemporaneidade de que o discente tem em dar sentido ao mundo em que vive sem

contextualizar a realidade social historicamente vivida.

É uma maneira de não se mistificar o currículo apenas nas subjetividades dos sujeitos

históricos, fazendo com que a história local seja abafada e discriminada pelos conteúdos

tradicionalmente considerados hegemônicos, tornando-se, possivelmente como referência de

método e estratégias de ação pedagógica a ser efetivada na escola básica como uma válvula de

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escape aos conhecimentos cristalizados nas chamadas História Universal e a História Geral

do Brasil.

Portanto, perceber e debater as disputas de poder historicamente constituídas,

particularmente na cidade de Soure/PA, culminam na problematização de compreensão da

história local seja inserida no currículo como conteúdo escolar obrigatório é necessário

apreender o que define Sacristán (1998), que o currículo é uma construção social, cultural,

política e administrativamente condicionado. Sendo assim,

A transmissão dos saberes não se realiza nunca em estado puro, de forma independente daquilo ao qual estão associados esses saberes, do que veiculam, do que veicula a forma na qual são transmitidos e o contexto no qual são transmitidos. O caso mais patente é constituído por aqueles saberes que encerram um conteúdo ideologicamente explicito. (GRIGNON, 1995, p. 184)

A inserção da história local no currículo escolar ocorre a partir das relações de poder

que estão presentes, simultaneamente, na cultura escolar e na transposição didática

(CHEVALLARD, 1991). No entanto, o conteúdo de história local vem, de certa forma, romper

com a visão tradicional do ensino que prioriza os estudos dos conteúdos hegemônicos da

chamada história nacional brasileira, na tentativa de se passar a ideia de um país homogêneo,

sem diferenças, conflitos e contradições sociais. Neste sentido, o debate dos conteúdos

escolares, tendo como referência a realidade social local faz com os alunos possam vivenciar

as peculiaridades regionais e ser tornem críticos da pluralidade étnica e cultural de nossa

formação histórica.

O conteúdo de história local inserida no currículo das séries iniciais da Escola Stella

Maris no período da ditadura civil militar fez com que os sujeitos da própria comunidade

passassem a conhecer e valorizar sua identidade histórica. Mas para que isso acontecesse foi

necessário a transformação na qual os envolvidos neste processo, no caso os professores,

fossem estimulados a adquirirem uma consciência histórica, tornando-se críticos e ativos

socialmente, mas sem ignorar a aprendizagem religiosa da ordem agostiniana de promoção e

formação humana.

Assim, a abordagem sobre história local, portanto, no que se refere ao ensino de

História é alvo de grande debate entre historiadores no Brasil que valorizam esta abordagem

por possibilitar novas visões sobre o processo de aprendizado na disciplina de História e, ao

mesmo tempo, a influência do ensino ao meio em que os alunos e a escola estão inseridos.

No que se refere as propostas curriculares, o conteúdo acerca do local na escola básica é

inserido no debate da parte diversificada do currículo. Este debate, atual no Brasil,

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perpassará praticamente toda a analise deste tudo, visto que há uma distinção clara entre o

que é definido como comum as disciplinas escolares e o que é conteúdo a ser inserido na

parte diversificada do currículo no decorrer da historiografia da educação brasileiras. O

debate da parte comum e parte diversificada dos conteúdos a serem ensinados na escola

básica são motes para pesquisas no campo do currículo e sua constituição histórica na

educação brasileira.

Influenciadas, principalmente, pelos estudos de André Chervel (1990), as novas

pesquisas pautam corretamente a discussão sobre o que constitui o conhecimento histórico

escolar, expõem posições variadas sobre como se constitui esse saber e, também, defendem a

necessária articulação dele com a conjuntura atual, sua complexidade e os novos saberes

necessários aos cidadãos e ao profissional do futuro. Assim, considera-se que na escola se

constrói o espaço e o tempo em que o currículo se constituíram historicamente, ou seja, as

normas e práticas no interior do ambiente escolar que foram definindo o porquê, como e para

quem ensinar os valores e comportamentos necessários que se forjaram como hegemônicos

ao longo do tempo da escolarização básica.

A história local como conteúdo na Escola Stella Maris nas décadas de 1970/80 se refere

ao currículo como conflito social que é estabelecido, produzido, negociado e reproduzido.

Nesta ótica, a extensão de debates e conflitos em torno do currículo prescrito é imbricado

pela priorização de ideologias intelectual e política dominante do passado, fazendo-se

contraditório com o que ocorre nos bancos da escola na contemporaneidade de que o

discente tem em dar sentido ao mundo em que vive sem contextualizar a realidade social

historicamente vivida.

O conceito tradicional da história local em desenvolver a aproximação dos alunos com

sua realidade foi debatido pelo grupo do movimento da escolanovista no Brasil na segunda

década do Século XX. Mas, foi com a renovação teórico-metodológica da Ciência da História,

ocorrida a partir dos anos 70/80, e a criação dos cursos de pós-graduação no país, abriram-se

perspectivas para uma produção historiográfica que desse conta das especificidades locais. A

inserção da história local no currículo escolar ocorre a partir das relações de poder que estão

presentes, simultaneamente, na cultura escolar e na transposição didática.

Portanto, o conteúdo de história local vem, de certa forma, romper com a visão

tradicional do ensino que prioriza os conhecimentos historicamente construídos e que se

tornaram hegemônicos na história nacional da escolarização básica brasileira, na tentativa de

se passar a ideia de um país sem diferenças, conflitos e contradições sociais.

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Considerações Finais

Por mais que a temática da história local remonta ao período de transição do século

XIX para o XX no Brasil a partir das reformas educacionais de Rui Barbosa, é no período da

ditadura civil-militar que a mesma se consubstancia na escola básica a partir da

obrigatoriedade da disciplina Estudos Social que tinha para os governos do regime ditatorial

dois interesses: um de viés pedagógico entre os conhecimentos mais próximos a realidade do

aluno e outro de viés ideológico na construção da nação brasileira a partir do binômio do

tecnicismo e desenvolvimento educacional.

O período da ditadura civil militar, instaurada no Brasil por meio do golpe militar de

1964, marcou um tempo em que as liberdades democráticas foram subtraídas por parte do

Estado autoritário e ditatorial, deixando marcas permanentes nos diversos lugares existentes

do país, seja na política institucional, seja no cotidiano das pessoas comuns, na qual se insere

as práticas escolares e, consequentemente, o ensino das disciplinas na escola básica.

O movimento desencadeado pelos membros da Escola Nova no início do Século XX,

que buscava superar o caráter fragmentado, descritivo, factualista e memorizador do ensino

de História nas escolas secundárias brasileiras, foi sucumbido pela ideia de nacionalismo e

desenvolvimentismo colocada em ação pelos governos militares a partir de 1964, no qual a

disciplina de História foi retirada dos currículos escolares. Portanto, o período da ditadura

civil-militar no Brasil é marcado como a crise do ensino de História nas escolas de primeiro

grau, essencialmente pela gradativa consolidação da disciplina de Estudos Sociais no

currículo do ensino básico com a imposição da Lei nº 5692 promulgada em 11 de agosto de

1971.

Neste sentido, o ensino da história local vai se forjando como necessárias às políticas

governamentais a partir da disciplina Estudos Sociais pelo que já citamos na seção 2 deste

trabalho, pois nesta seção se pretende a problematização da história local a partir do intenso

e complexo debate no campo do conhecimento da disciplina Estudos Sociais, tentando

responder em qual contexto se constituiu e se instituiu o conteúdo da história local nas

propostas de ensino da E. R. C. Instituto Stella Maris, em Soure/PA.

O conteúdo da história local em tempos de ditadura civil-militar na E. R. C. Instituto

Stella Maris fica centrado aos interesses dos dirigentes estaduais que detinham o controle do

ensino nos municípios da região marajoara, reduzindo-se aos relatos dos grandes feitos e de

personalidade dos grandes proprietários de criação de gado que tinham estreitas relações

politicas e econômicas com aqueles que representavam os militares que estavam no poder no

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território paraense5. Essa proposta de ensino era traçada a partir da parte diversificada do

currículo, o que era determinada pela Lei nº 5692/71 e consolidada pelo Parecer nº 853/71.

Na análise preliminar dos documentos oficiais do currículo escolar da E. R. C. Instituto

Stella Maris, tais como o planejamento anual, os diários de classes e as atas de reuniões de

professores, pode-se inferir que o dinamismo nas mudanças em torno do currículo escolar

com a implementação da Lei 5692/71 foram enormes e contraditórios, no qual percebemos

que a inclusão da história local no currículo escolar é marcada por contradições políticas e

sociais entre os interesses políticos de quem estavam a frente do poder público municipal e

de quem estava a frente da Prelazia de Marajó.

São notórios nas atas da E. R. C. Instituto Stella Maris a marcante filosofia agostiniana

repassada para os professores e para os alunos, pois tudo dependia do que as madres

agostinianas tivessem conversado com o bispo local para serem determinados no contexto

escolar. Assim, se fosse do interesse das religiosas pertencentes à ordem das agostinianas e

de comum acordo com o bispo prelado do Marajó, os conteúdos eram ministrados de acordo

com os recursos pedagógicos disponibilizados pelas madres que ao realizarem viagens até a

capital paraense se dispuseram a adquirir livros e temas que não estavam propriamente

relacionados com os livros didáticos disponíveis. Em uma das atas, a diretora em reunião

com as demais religiosas comenta que é necessário aproximar o que era ensinado na escola

com a realidade do aluno, e especial na maior divulgação da filosofia agostiniana de educação

para a promoção humana. Não aparece claro nas atas, mas os conteúdos que não estavam

intrínsecos nos livros didáticos eram providenciados pelas religiosas para “melhorar a

qualidade de ensino no município de Soure/PA”.

O planejamento anual da E. R. C. Instituto Stella Maris, no ano de 1972, tinha seus

objetivos definidos de acordo com os das diretrizes da Lei 5692/71 e de acordo com a

realidade dos alunos. No entanto, os documentos apontam que existia a precarização do

ensino com a falta de material acerca de conteúdos relacionados com a realidade do aluno.

Documentos estes que estavam ao controle do governo do estado do Pará por meio de uma

supervisora escolar.

Nos planejamentos da disciplina Estudos Sociais podemos visualizar que era ensinado:

o bairros, a cidade e os pontos culturais do município de Soure/PA; os elementos

constitutivos, as formas de vida, os principais acidentes geográficos, o intercambio e ligação

5 Sobre a Ditadura Militar na Amazônia paraense ver: PETIT, Pere; CUÉLLAR, Jaime. O golpe de 1964 e a instauração da ditadura civil-militar no Pará: apoios e resistências. In. Est. Hist., Rio de Janeiro, vol. 25, nº 49, jan-jun/2012.

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com outros municípios, os meios de comunicação e de transportes do município de

Soure/PA; também se ensinava a organização do governo municipal e seus serviços públicos

locais.

Os diários de classe de 1974 apresentam os conteúdos do município e sua organização

administrativa, destacando as noções de patriotismo e de higiene. Destacam-se também

como os conteúdos em Estudos Sociais deveriam ser organizados, desde a noção até o

conhecimento mais detalhados dos governos e de seus feitos na cidade.

Em suma, a história local estava presente no currículo escolar em tempos de ditadura

civil-militar na E. R. C. Instituto Stella Maris, contrastando com os ideais de nacionalismo

exacerbado em tempos de ditadura civil militar no Brasil, pois o ensino a história local diz

respeito aos estudos das singularidades e da diversidade regional em comparação a

homogeneidade da História Nacional.

A história local, enquanto conteúdo escolar no período da ditadura civil-militar estava

marcado pela compreensão do pensamento educacional brasileiro a partir das análises das

dimensões da política, da econômica e das relações sociais dos sujeitos coletivos nas

diferentes concepções de educação pública que serão resultados dos conflitos e acordos de

interesses políticos no interior da escola básica.

Referências

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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 5553

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