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Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013 1 A DITADURA CIVIL-MILITAR E A REPRESSÃO À MILITÂNCIA POLÍTICA DOS PROFESSORES NO PARANÁ PERON, Andréia (UNIOESTE) FIUZA, Alexandre Felipe (Orientador/UNIOESTE) Introdução A história brasileira a partir de 31 de março de 1964 conheceu a face autoritária de um regime proposto como “salvação” contra o perigo do comunismo. O regime ditatorial civil-militar 1 imposto provisoriamente afirmava a intenção de restabelecer a ordem, como também, “instaurar o que ele denominava de ‘verdadeira democracia’ no país” (REZENDE, 2001, p. 01). O referido artigo tem como objetivo trazer para o debate, ainda que sucintamente, a trajetória e a instauração deste regime ditatorial, analisando aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais que permeavam este período, como também, a atuação das camadas que se opunham a este, inferindo algumas considerações sobre a atuação dos professores neste processo. Nesta análise serão feitas algumas alusões ao Estado do Paraná devido ao recorte histórico e temporal proposto nesta análise, como também, no projeto de pesquisa a ser realizado. Assim sendo, também se almeja situar o objeto de pesquisa que está sendo desenvolvido pela autora principal, em nível de mestrado, sob o seguinte título: “A militância dos professores e a repressão política no Paraná (1964-1984)”. Algumas notas sobre a trajetória histórica brasileira até o golpe civil-militar de 1964 1 Referir-se-á neste trabalho à ditadura civil-militar por considerar que o golpe de 31 de março de 1964 foi articulado pelos militares e fomentado, também, pela sociedade civil, principalmente pelos grandes e médios empresários que apoiavam tal ação.

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Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

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A DITADURA CIVIL-MILITAR E A REPRESSÃO À

MILITÂNCIA POLÍTICA DOS PROFESSORES NO PARANÁ

PERON, Andréia (UNIOESTE)

FIUZA, Alexandre Felipe (Orientador/UNIOESTE)

Introdução

A história brasileira a partir de 31 de março de 1964 conheceu a face autoritária

de um regime proposto como “salvação” contra o perigo do comunismo. O regime

ditatorial civil-militar1 imposto provisoriamente afirmava a intenção de restabelecer a

ordem, como também, “instaurar o que ele denominava de ‘verdadeira democracia’ no

país” (REZENDE, 2001, p. 01).

O referido artigo tem como objetivo trazer para o debate, ainda que

sucintamente, a trajetória e a instauração deste regime ditatorial, analisando aspectos

políticos, econômicos, sociais e culturais que permeavam este período, como também, a

atuação das camadas que se opunham a este, inferindo algumas considerações sobre a

atuação dos professores neste processo. Nesta análise serão feitas algumas alusões ao

Estado do Paraná devido ao recorte histórico e temporal proposto nesta análise, como

também, no projeto de pesquisa a ser realizado.

Assim sendo, também se almeja situar o objeto de pesquisa que está sendo

desenvolvido pela autora principal, em nível de mestrado, sob o seguinte título: “A

militância dos professores e a repressão política no Paraná (1964-1984)”.

Algumas notas sobre a trajetória histórica brasileira até o golpe civil-militar de

1964

1 Referir-se-á neste trabalho à ditadura civil-militar por considerar que o golpe de 31 de março de 1964 foi articulado pelos militares e fomentado, também, pela sociedade civil, principalmente pelos grandes e médios empresários que apoiavam tal ação.

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A tomada do poder2 e a pretensão de devolução do mesmo em poucos meses, foi

veementemente defendida pelos militares “golpistas”, porém, esta perdurou por mais de

duas décadas, marcando a história brasileira com atos de arbitrariedades, torturas,

violações de direitos e de cidadania. Neste cenário, cinco presidentes – generais -

comandaram o país, materializando um projeto de cerceamento de liberdades e

verdadeiros arbítrios contra a democracia nacional3, a qual, ideológica e

antagonicamente, era defendida pelo mesmo.

A ascensão dos militares à presidência do país não pode ser analisada como um

fato isolado, nem mesmo como uma ação fomentada unicamente pelos militares

brasileiros. O golpe foi antecipadamente articulado pelos militares, porém, contava com

o incentivo de organismos nacionais e internacionais, camadas da média e alta

burguesia e empresariado, que comungavam de um ideário de uma sociedade livre do

“perigo do comunismo”.

Segundo Clemente (2005), o presidente João Goulart (1961-1964), figura de

relevância neste contexto pré-golpe, trazia em sua filosofia de governo a herança da

política varguista do “populismo”, que tinha como bases o “nacionalismo e o

trabalhismo”, porém, era interpretado como mentor de ideias comunistas no país. Desde

sua posse, em decorrência da renúncia de Jânio Quadros, em 1961, enfrentou

obstáculos, haja vista, que somente voltou a usufruir dos poderes presidenciais após

plebiscito, que em 1963 garantiu a volta do regime presidencial.

Quando Goulart assumiu o governo, com poderes reduzidos, já o fez

encontrando um profundo ceticismo dos credores do Brasil em referência ao país. Pesou

2 Segundo Brunelo (2009, p.33) é pertinente discutir o significado do termo poder, presente na relação política e social travada entre as forças militares e a sociedade de uma forma geral. Pautado na definição dada por Mário Stoppino (1986) ao termo poder, enfatiza a existência de uma capacidade intrínseca ao homem ou a um grupo social de determinar ou conduzir o comportamento de outro homem ou de outro grupo social qualquer. Visto por esse prisma, o homem seria ao mesmo tempo sujeito e objeto do poder. Na realidade, o poder só encontraria condições reais para manifestar paralelo ao segmento social que o domina, encontra-se um ‘indivíduo ou grupo que é conduzido a comportar-se tal como aquele deseja’ (STOPPINO, 1986, p.934 apud BRUNELO, 2009, p.33). 3 Maria Jose de Rezende (2001, p. 6) assevera que: Florestan Fernandes destacava que no regime militar foi posta em prática uma ampla repressão ‘de maneira brutal e ostensiva (...) e fora de qualquer consenso ou legitimidade civil e política’. Acredita-se, no entanto, que a singularidade da ditadura estava na combinação de uma enorme repressão com uma pretensão de legitimidade, a qual não era, sob qualquer aspecto, democrática, mas orientava os meios de dominação postos em prática pelos componentes do grupo de poder no seu empenho para sedimentar aquele regime.

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negativamente a orientação esquerdista que precedera a posse do presidente, vista como

um risco aos banqueiros internacionais. Outro problema econômico encontrado por

Goulart foi a inflação que em 1960 chegou a 39,5%. Com a desvalorização dos

depósitos da poupança os principais credores se recusavam a firmar compromissos a

longo prazo. As empresas estatais de serviços públicos ficaram com as tarifas muito

abaixo da inflação. O déficit do setor público aumentou, agravando-se com a

arrecadação defasada de impostos (SKIDMORE, 1988).

No que tange ao setor econômico, em 1963 o presidente Goulart convocou San

Thiago Dantas e Celso Furtado para elaborar um programa de estabilização. Este foi

aprovado tanto pelo FMI como pelo presidente Kennedy, dos Estados Unidos. Este

plano, entre outras propostas, propunha a desvalorização do cruzeiro, que elevaria o

custo de importações de produtos como petróleo e trigo, que consequentemente alçaria

o custo de dois itens básicos do trabalhador: o pão e a passagem de ônibus. O presidente

Goulart engavetou este plano por considerar que os custos eram altos demais e adotou

uma nova opção, a do nacionalismo radical. Afirmava que o setor externo da economia

era a causa das dificuldades do país, haja vista que considerava que a maioria dos

investidores estrangeiros ingressava no Brasil para conquistar o poder monopolista do

mercado e na sequência enviar o máximo de lucros para suas matrizes fora do país.

Desta forma, pretendeu-se um controle mais rigoroso das empresas estrangeiras, a

exemplo da lei mais severa de remessa de lucros, que em 1962 foi aprovada pelo

Congresso. No referente a realização do comércio exterior do Brasil, também passou a

ser objeto de ataques. Os nacionalistas afirmavam a manipulação dos preços das

exportações brasileiras pelos principais parceiros, como os Estados Unidos e culpavam

o FMI e o Banco Mundial pelo papel que supostamente desempenhavam e que

mantinham países em desenvolvimento como o Brasil em situação de subordinação

econômica (SKIDMORE, 1988).

Este panorama econômico refletia negativamente na vida dos trabalhadores, haja

vista que estes sofriam com a falta de uma política que primasse pela distribuição de

renda e o controle efetivo da inflação que inferia negativamente no custo de vida dessa

classe. Apreende-se ainda que esta população trabalhadora espoliada era chamada, por

meio de ações de cunho populista, a dar o apoio a este governo. O “populismo” (de

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Vargas) herdado por Goulart mostrava-se como um forte suporte na vida política desse

presidente, uma vez que muitas das ações governamentais pautavam-se

estrategicamente em manter sua base política intocável, ou seja, manter sua proposta de

governo em sintonia com os trabalhadores e seus sindicatos.

Conforme Skidmore (1988), diante do desagrado de sua clientela política

original: os sindicatos, ao plano Dantas-Furtado, a partir de meados de 1963, o

presidente começou a defender com veemência um conjunto de “reformas de base” que

se referiam à reforma agrária, educação, impostos e habitação. O mesmo defendia que a

crise econômica a qual o país estava passando, cujos sintomas mais imediatos eram o

impasse do balanço de pagamentos e a inflação, somente seriam resolvidos com a

aprovação do seu pacote de reformas4. Ligando-as entre si, Goulart passou a correr o

risco de sua atitude.

Essas reformas de base influiriam nos interesses econômicos das classes

dominantes que, por sua vez, se mantinham articulados e apreensivos aos comandos

governamentais.

No referente à educação e à cultura, a década de 1960 foi de expressiva

organização popular, por meio de movimentos sociais que discutiam as reformas de

base, influenciadas pela abertura política existente. No âmbito educacional, o período

que antecedeu ao golpe foi profícuo para movimentos de educação de base; destacando-

se o Movimento de Cultura Popular – MCP (1960), a campanha popular “De pé no chão

também se aprende a ler” (1961), o Movimento de Educação de Base – MEB (1961), o

Centro Popular de Cultura (1961), e o método de ensino Paulo Freire que perpassava os

demais.

Campanhas e movimentos de educação e cultura popular despontavam em todos os pontos do país, notadamente no Nordeste, com propostas de conscientização política e social do povo. A matrícula no ensino fundamental aumentou no período (1959-1964), enquanto uma parcela dos estudantes universitários, através da UNE (União Nacional dos Estudantes) engajou-se na luta pela organização da cultura com vistas

4 Os adversários de Goulart (UDN e militares) afirmavam que a intenção daquele presidente não seria somente executar as reformas pretendidas , mas polarizar a opinião pública para uma possível tomada do seu governo pelo nacionalismo radical, que segundo os mesmos, subverteria a ordem constitucional de dentro para fora (SKIDMORE, 1988).

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a uma transformação estrutural da sociedade brasileira. (...). A Igreja [Católica] chegou a criar um sistema de radiodifusão educativa com o MEB (Movimento de Educação de Base) e envolveu-se em campanhas eleitorais em favor de candidatos cristãos. (GERMANO, 1994, p. 50).

No que tange ao Paraná, as ações populares tiveram início no final da década de

1950 com o Centro Popular de Cultura, em particular, com a Companhia de Teatro do

Povo, que possuía vinculação com o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Segundo

Schmitt (2011), o CPC paranaense desenvolveu-se no período pré-golpe sob um

contexto de transformações sociais vivenciadas pelo país. No mesmo caminho, assevera

outra pesquisadora do tema:

Além da atuação no campo das artes, a intelectualidade engajada também atuou no campo da educação popular. A educação popular se desenvolveu na articulação entre os movimentos político-culturais e o Estado, pelas campanhas de alfabetização de adultos que visavam erradicar o analfabetismo a fim de responder ao projeto nacional-popular, inserido nas práticas populistas do Governo João Goulart e nas estratégias de mobilização política pelos intelectuais que se colocavam como responsáveis pela emancipação política do povo. (CALDAS, 2004, p.05).

O movimento histórico percorrido até o golpe mostrou que uma sucessão de

fatos contribuiu para que os militares tomassem e se mantivessem a frente do governo

federal. Porém, o temor de uma tomada do poder por um sistema comunista afligia a

elite brasileira e internacional como também aos militares. O golpe de 31 de março de

1964 não respeitou nem mesmo a Constituição de 1946, haja vista, que a forma como

foi conduzia a eleição do general Castelo Branco não condizia com os ditames da

referida Carta Magna.

Conforme Clemente (2005), as raízes da mentalidade anticomunista que

colaborava para o aumento do medo de “bolchevização” do país, era mais evidenciada

por parte dos militares, elites empresariais brasileiras e grandes proprietários rurais,

mormente, se nos remetermos ao final da Segunda Guerra Mundial5, período em que o

5 Sobre isso, Alves (1984, p. 33) colabora colocando que, com o advento da guerra fria, elementos da teoria da guerra total e do confronto inevitável das duas potências incorporaram-se à ideologia da segurança nacional na América Latina. A forma específica por ela assumida na região enfatizava a

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mundo se divide entre os blocos capitalista e socialista, que possuíam como líderes os

Estados Unidos e a União Soviética, que lançaram-se em uma corrida pelo controle

territorial, político e ideológico em nível global.

O Brasil entrou na Guerra em 1942, ao lado dos Estados Unidos, e ao término

desta encontrava-se plenamente alinhado ao bloco dos países capitalistas. Vários

oficiais do Exército brasileiro que participaram da Guerra, ao regressarem ao Brasil,

foram os responsáveis pela criação da Escola Superior de Guerra, em 1949, e

posteriormente tiveram envolvimento na conspiração que levaria ao Golpe de 1964. O

nome mais importante destes conspiradores foi o general Humberto de Alencar Castelo

Branco, integrado à força Expedicionária Brasileira que combateu os países do “Eixo”,

juntamente com o Quinto Exército norte-americano na Itália, de 1944 a 1945. A ESG

foi responsável pela criação e difusão da Doutrina de Segurança Nacional (DSN), sendo

que alguns dos principais fundamentos era a ideia de ameaça contínua por parte dos

países comunistas e a ideia de internalização do conceito de Segurança Nacional6.

Ao tomar o poder, os militares o fizeram com a retórica de brevidade na

devolução deste à população brasileira, porém, o que a história mostrou foi mais de duas

décadas de obscurantismo e de desrespeito aos direitos humanos e de cidadania. E,

como forma de legitimação – forçada – deste governo autoritário no poder, este se

utilizou estrategicamente de Atos Institucionais que, impostamente, serviam para

reduzir os direitos civis e aumentar desmesuradamente os direitos dos militares. Foram

no total 17 Atos Institucionais, instituídos ao longo dos 21 anos de governos militares.

As conseqüências do golpe na educação

Diante dessas mudanças no panorama político, econômico e social brasileiro e

com a imposição de medidas que visavam a manutenção do status quo, a sociedade civil

‘segurança interna’ em face da ameaça de ‘ação indireta’ do comunismo. Desse modo, enquanto os teóricos americanos da segurança nacional privilegiavam o conceito de guerra total e a estratégia nuclear, e os franceses, já envolvidos na Guerra da Argélia, concentravam suas atenções na guerra limitada como resposta à ameaça comunista, os latino-americanos, preocupados com o crescimento de movimentos sociais da classe trabalhadora, enfatizaram a ameaça da subversão interna e da guerra revolucionária. Além disso, a ideologia latino-americana de segurança nacional, especificamente para a ligação entre desenvolvimento econômico e segurança interna e externa. 6 Clemente (2005).

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era forçada por vias “legais” (por meio de Atos Institucionais e Complementares) a

submeter-se, sem direito a questionamentos, aos mandos dos militares. Os movimentos

de campanhas de alfabetização com cunho crítico foram desarticulados e extintos, sendo

que muitos de seus intelectuais passaram a responder por atos de subversão devido à

proposta que estas campanhas assumiam (conscientização política e social). Faz-se

interessante inferir sobre o conceito de subversão idealizado pelos militares e exposto

no Volume nº 1 do Inquérito Policial Militar Nº 709, intitulado “O comunismo no

Brasil”:

1º - Que é subversão? Subverter é inverter, é alterar profundamente e sub-repticiamente a ordem vigente. O emprego de qualquer artifício ou estratagema, a ação consciente ou inconsciente que vise tal objetivo ou que acarrete sua consecução são atividades subversivas. A liberdade de pensamento e de comunicação de idéias não se pode constituir em veículo da subversão, pois estaria ela mesma contribuindo para sua autodestruição, estaria entregando aos inimigos as armas com as quais seria esmagada futuramente. (INQUÉRITO, 1966, p 175)

No âmbito do ensino superior, a perseguição política-ideológica também foi

aplicada. Muitos professores universitários e pesquisadores foram considerados

subversivos ou ameaçadores à ordem nacional, e viram-se submetidos aos arbítrios dos

militares, que em nome da segurança nacional fundamentavam seus atos.

Em âmbito nacional, destaca-se o caso da UnB que fora ocupada por tropas

militares por três vezes, sendo que na primeira invasão ocorrida em abril de 1964 um

contingente de 400 homens da Polícia Militar de Minas Gerais e tropas do exército

oriundas de Mato Grosso realizaram a operação. Vários professores e estudantes foram

detidos e houve a instauração de Inquérito Policial Militar, sendo que o saldo foi de

treze professores demitidos sem que nenhuma acusação lhes fosse feita (GERMANO,

2004).

Outras intervenções militares que merecem destaque foram as que ocorreram na

Universidade Federal de Minas Gerais e USP, pois,

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Torna-se significativo assinalar que, na USP, a partir de 1964 tem início um processo de ‘caça às bruxas’, comandada pelo próprio reitor Gama e Silva. Tratava-se não somente de ‘afastar e punir portadores de ideias consideradas marxistas ou subversivas’ (Adusp, 1979:17), mas também de liquidar possíveis adversários políticos do reitor e do seu grupo. Dessa forma, Gama e Silva nomeou uma comissão especial para investigar as atividades ‘subversivas’ na USP [...]. Os resultados do inquérito eram enviados diretamente aos órgãos de segurança. Além disso, os acusados não foram ouvidos, os inquiridores tomaram por base a denúncia anônima e o depoimento de testemunhas coniventes com o processo espúrio. (GERMANO, 1994, p. 109).

As situações vivenciadas na época mostram o caráter arbitrário do regime

imposto, que por sua Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento, idealizada

pela Escola Superior de Guerra, visava a defesa do país contra o suposto inimigo interno

e externo. Caracterizava-se o estado de atenção permanente, ou seja, todos eram

considerados inimigos em potencial. Se houvesse uma atitude suspeita, não precisaria

de flagrante ou confirmação do ato para que o sujeito fosse preso e respondesse

inquérito policial militar.

No Paraná, os governadores do período inferiam sua gestão e retórica ao ideário

nacional imposto pelos militares, como fica explícito no discurso de Ney Braga e Paulo

Pimentel ao falarem da importância de governar o Estado:

Uma tarefa de tamanha envergadura pressupõe administradores honestos (e cristãos), desvinculados de políticos corruptos ou daqueles que escravizaram ao estado esquecendo-se de Deus (como os comunistas), e capazes de superar as limitações partidárias (...). (IPARDES, 1989, p. 72).

Paralelo a este panorama nacional, de situações tais como a queda do valor real

dos salários, inflação, reajustes fiscais que influenciavam na vida dos trabalhadores,

atingiram igualmente os professores e sua prática profissional. Muitos destes

profissionais viram sua atuação cerceada por arbitrariedades do sistema autoritário que,

por força e coerção, mantinha seu intuito de manutenção do regime imposto.

Para a manutenção de “adesão” ao governo militar, uma das muitas estratégias

utilizadas era o uso de Operações que objetivavam manter a ordem e a segurança

nacional. As ações se davam em âmbito de investigação e prisão aos subversivos,

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principalmente, ligados à esquerda. No Paraná, em 1975, foi efetuada a Operação

Marumbi que fez 110 presos políticos, com 65 pessoas indiciadas e, dentre estas,

haviam professores envolvidos7. Esta Operação era ideologicamente defendida pelos

militares como mantenedora da ordem e da paz às famílias paranaenses e buscava

desarticular por completo “o dispositivo subversivo-comunista no Paraná” (ARRUDA,

1983, p. 13)8. Nesse sentido, esta pesquisa não desconsidera que, para além de

dinâmicas nacionais da repressão organizada pelo regime, também se deve atentar para

a política repressiva estadual, uma vez que as DOPS eram órgãos sob mando dos

governadores em cada um dos Estados brasileiros, embora organicamente vinculados às

estruturas nacionais de repressão.

Sobre a pesquisa

O período de 1964-1984, no Brasil, como já foi mencionado refere-se a um

período de cerceamento de direitos. Muito já se mencionou, mensurou e se produziu

sobre o papel da sociedade civil neste processo, as torturas, a censura dos textos e das

músicas, a falta de democracia, etc. Porém, ao refletir sobre a ditadura civil-militar,

percebemos que há muito a se analisar sobre este período, principalmente no que tange

a militância dos professores e a repressão política por eles sofrida.

É nesse momento histórico violento em que percebemos a estratégia arquitetada

pelo Estado autoritário que conseguiu inculcar na grande maioria dos brasileiros a

defesa da ditadura e sua função social de cunho nacionalista, moral e cristã contra a

subversão, o comunismo, a imoralidade, a desordem. Ao indiciar pessoas que estavam

se utilizando do meio educacional de forma crítica para conscientizar a população, isto

servia como forma de amedrontar as pessoas, pois atos ditos subversivos eram

severamente punidos, e serviam para reforçar a ideia de medo do “fantasma comunista”.

7 Brunelo (2009). 8 Brunelo (2009) faz uma relação dos nomes dos indiciados, suas profissões e as acusações feitas pelo DOPS, as quais, na maioria das vezes, eram forjadas de forma violenta e criminosa, haja vista que houve casos em que os presos indiciados assinavam papel em branco, o que posteriormente servia para ser redigido pelos militares a sua confissão de culpa.

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Em resumo, e numa perspectiva mais ampla, a pesquisa que se buscará realizar

objetiva a análise da militância política dos professores e mesmo a repressão sofrida por

aqueles que sequer atuavam no campo das oposições, mas que foram fichados junto à

DOPS por atividade considerada “subversiva”.

As fontes que serão utilizadas para a realização desta, serão: primárias: a)

documentos do DOPS envolvendo professores (como se trata de uma documentação

unilateral, advinda da produção de informações pela própria visão oficial, será de

grande valia a produção de novas fontes, por exemplo decorrentes da história oral) b)

entrevistas com os professores que sofreram repressão e militaram contra este estado

ditatorial.

Como se trata de acontecimentos recentes, ainda exercendo influência junto a

sociedade atual, como bem exemplifica a criação da Comissão Nacional da Verdade

(criada para investigar violações de direitos humanos entre 1946 e 1988), iremos nos

valer também de referenciais inerentes às teorias da história do tempo presente

(ARÓSTEGUI, 2006). Nesta temporalidade não há um limite cronológico exato, sendo

mais conceitual na medida em que o recorte é estabelecido pelo sentido que

determinada história produz nas gerações contemporâneas, e se caracteriza pela

amplitude e diversidade da informação documental.

Portanto, a pesquisa se valerá de um recorte histórico muito contemporâneo e

uma das principais fontes possíveis de serem trabalhadas advém da história oral e de

todo o debate em torno da memória e da “consciência histórica”. Apesar das críticas que

envolvem dicotomias entre a subjetividade e a objetividade na história oral, parte-se das

premissas que o testemunho, assim como outros documentos históricos, devem ser

balizados por outras fontes, sendo que a memória objetivada é um horizonte a ser

observado.

Considerações finais

A guisa de conclusão, pode-se verificar que o período em apreço traz muitas

nuances que explicam a permanência do regime ditatorial no poder por mais de duas

décadas. A sucinta análise do período que antecedeu o golpe mostrou que a sociedade

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civil, através de movimentos sociais estava se articulando e fomentando muitas

discussões a respeito da condição a qual estava vivenciando.

No campo educacional, movimentos populares e métodos de cunho crítico –

como o método Paulo Freire – estavam mostrando a capacidade de uma educação a

partir da realidade material do sujeito. Estes foram dizimados no pós-64, sob o signo da

defesa do território nacional contra os perigos comunistas e de subversão e seus

professores perseguidos e rotulados como subversivos.

Desta forma, reforça-se que da temática ora levantada – militância e repressão

aos professores no Paraná – se faz um mote relevante e atual, haja vista que muitos dos

sujeitos ainda encontram-se atuando na carreira docente ou, na atualidade, em outras

atividades, e possuem nas suas memórias muito a ser revelado.

Rememorar, discutir e analisar este período se faz relevante, haja vista que a

forma como o regime ditatorial foi conduzido e articulado deixou lacunas na história, e

que, com certeza, nunca poderão ser totalmente respondidas, pois muitos dos sujeitos

não poderão mais dar voz a sua história, pois foram mortos e grande número de famílias

destes perseguidos políticos até os dias atuais não tiveram o direito de enterrar os restos

mortais de seus parentes.

Assim, buscou-se neste artigo trazer para discussão, sucintamente, o objeto de

estudo que abordará a militância e a repressão política aos professores no período

ditatorial no Paraná, considerando que estudar esta temática se faz necessário, pois,

construir uma história sobre o período é reforçar a importância da memória do passado

recente, a luta pelo reconhecimento das vítimas e a culpabilização dos que provocaram

este trágico quadro ao longo de duas décadas de ditadura. Afinal, não se constroem

regimes democráticos sobre escombros e ocultação da verdade.

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