Entrar no atelier de Zoravia Bettiol é sair do mundo real. Tudo ao entorno é arte, desde o portão de entrada, com esculturas em cerâmica. É uma casa e um ateliê, não sabemos onde termina um e onde começa o outro, na verdade nem precisamos saber. Zoravia Bettiol, uma artista de reconhecimento internacional, talentosa e anos de carreira, tudo isso, me faz tremer um pouco, receosa de estar ali atrapalhando sua agitada jornada de trabalho com o pedido de uma simples conversa sobre minha temática de pesquisa acadêmica, mesmo que esta tenha sido acordada e aceita previamente por telefone. Enquanto espero na ante sala, uma quase galeria, revejo algumas questões elaboradas de ante data para tranqüilizar-me e poder com calma aproveitar bem o encontro que estar por vir, mas todo esse estado de espírito é dissipado com a calma mas firme voz que me da às boas vindas. Tranqüila em meio a um turbilhão de afazeres, Zoravia Bettiol recebeu-me com um gentil sorriso e ao longo da conversa deixa transparecer sua enorme paixão pelo que faz. Muito inspirador para quem esta começando a carreira e sente o terreno profissional das artes no Brasil frágil e incerto.

CONVERSA COM: Zoravia Bettiolartista plástica e arte educadora. Com mais de 50 anos dedicado às artes. Produz gravura, pintura, desenho, arte têxtil, arte mural e instalações.

Conversa realizada em 13 abril de 2011

O encontro centrou-se apenas numa parte de sua produção artística, seus trabalhos em arte mural.

Começamos pelo trabalho de pintura mural localizado no prédio da Piscologia no campus da UFRGS.

A pintura tem dimensões de: 21x13 m (63m²)

Intitulada: Que mundo é esse?

Produzido por ocasião do III Fórum Social Mundial

Contou com a participação dos artistas: Klaus Kleinger, Nestor del Pino, Heloísa Borsato e Zoravia

Bettiol.

Processo:

- cada artista desenhou uma parte do mural

- 1° encontro: para elaborar o tema é a ideia (em conjunto)

-escolhido o tema e o enfoque se separaram e cada um elaborou o seus desenhos.

- 2° encontro: para compor o mural. Acabaram escolhendo a Zoravia para apresentar uma proposta de

integração dos desenhos.

- 3° encontro: Zoravia apresenta a proposta de integração, que foi aceita por todos com a única modificação de

destacar o desenho dela, acharam que seu desenho daria um tom mais suave a composição. Zoravia destaca o

fato de que a decisão de que fosse seu o desenho de maior destaque no mural partiu do grupo e não dela como

elaboradora da composição.

- Como não se aventura nas alturas, Zoravia optou por fazer um desenho com cores chapadas estilo ilustração,

pois assim permitiria que qualquer pessoa executasse a pintura.

Questões: Como funcionou a ampliação? Que método utiliza?Sem invenções, utilizamos a boa e velha quadricula. Método até o momento o mais eficiente, que permite uma ampliação sem nenhum tipo de deformação.

Tinta utilizada?Acrílica de parede.

A parede sofreu algum tipo de preparação?Não, a não ser uma clássica limpeza e tinta branca de fundo.

Zoravia destaca:Dificilmente numa pintura mural de grandes dimensões, não será somente o artista quem vai pintar toda a obra, neste caso, ela aconselha a “ pensar nisso ao elaborar o projeto (tanto desenho quanto cor e estilo)”.

A base para uma obra mural, que inclui diversas técnicas ( alto relevo, pintura, gravação em cimento, cerâmica, pastilha) é a composição, com pensamento monumental. A proposta tem que funcionar mesmo num tamanho A3, por exemplo. Ele precisa mostrar sua monumentalidade desde dali.

Que mundo é esse?Nestor del Pino, Klaus Klinger, Heloisa Borsato e Zoravia Bettiol21x13 m Acrílica, Prédio do curso de Piscologia/UFRGS, Porto Alegre, 2003

A pintura mural no muro da avenida Maúa.Entilulado: Homenagem ao Guaíba.

O que podes dizer desse trabalho?

Como o próprio trabalho expressa pictoricamente, é ai esta o mágico da pintura e da arte, eu quebrei o muro da Maúa e deixei aos olhos dos passantes a possibilidade de olhar a bela margem do nosso Guaíba. Representei o velho barco de passeio Cisne Branco, acho que um dos mais antigos. Para mim que tenho medo de altura, este projeto não teve problema (risos), pois não é alto, utilizei no máximo uma pequena escada. Ele foi inaugurado em 2002, e infelizmente não durou muito tempo, isso me deixa um pouco triste, mas compreendo que a arte quando esta na rua é difícil controlar.

Homenagem ao Guaíba24x2,5 mAcrílicaMuro da Avenida Mauá, Porto Alegre, 2002

O Mural Estrela do Sul

É outro mural que também não existe mais, este até compreendo, pois realizei ele há mais de 50 anos. Foi um dos primeiro que fiz. Foi uma encomenda do banco SIBISA. Nele conto a lenda do negrinho do pastoreiro e represento a velha Porto Alegre, utilizando a minha estética artística. Foi executado na empena de um edifício do centro de Porto Alegre, ao lado da praça XV. Uma bonita forma de propaganda.

Estrela do Sul22x7,4 mAcrílica Porto Alegre, 1945

O mural os pássaros.

O destaque neste mural é que ele é uma mistura de duas técnicas que gosto muito. Pintura e alto-relevo. Ele tem iluminação que á noite da efeitos muito bonitos.

Os pássaros3x3 mAlumínio recortadoPorto Alegre, 1982Hall da Galeria Vitorino

O mural As garças

Considero-o como um mural, sua composição segue os mesmo princípios do mural mas executado com pastilhas de cerâmica. Ele não é público, foi realizado no pátio do arquiteto Joaquim Melo Pedreira em 1960. Espero que ainda esteja lá, essa é a vantagem desse material, dificilmente ele perde o seu viço inicial, provavelmente algumas pastilhas ao longo dos anos caiam e precisem ser novamente coladas.

Garças1,5x3,5 mPastilhasResidência do arquiteto Joaquim Melo Pedreira, Porto Alegre, 1960

FinalizandoNão tem uma forma fácil de fazer...

ZORAVIA – Não, não existe mágica, não tem solução milagrosa, é construção. Eu vejo assim. Acho importante ser espontâneo, criativo, ter muita liberdade. Agora, para se ter liberdade expressiva, para voar com liberdade, tem que se ter um sólido aeroporto. Esse sólido aeroporto é conhecer a técnica, bom material, daí tu podes voar bem. Não dá para voar muito com um mau aeroporto, tu pode cair de cabeça e te quebrar.