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1 O Encoberto de Veneza: sebastianismo e cultura política no século XVII Filipe Duret Athaide 1 Resumo: Dentre os inumeros aspectos que envolvem a crença sebástica, a questão envolvendo a morte e o reconhecimento do corpo de d. Sebastião é a mais significativa, e a que gerou mais desdobramentos. Esta comunicação tem como objeto o debate do caso que ficou conhecido como “Falso de Veneza”, e que integrou um conjunto de aparições de falsos d. Sebastião durante o período da União Ibérica (1580-1640). Para tanto, relacionarei o evento ocorrido na cidade italiana com a defesa executada por Frei José Teixeira, integrante do grupo de portugueses que acompanhou d. Antônio, o Prior do Crato contra Filipe II, por meio da análise de sua obra “Adventure admirable par desvs tovtes les autres des siécles passez & present”, publicada em Paris no ano de 1602. Todo simbolismo se edifica sobre as ruínas dos edifícios simbólicos precedentes, utilizando seus materiais mesmo que seja só para preencher as fundações dos novos templos (…). Por suas conexões naturais e históricas virtualmente ilimitadas, o significante ultrapassa sempre a ligação rígida a um significado preciso, podendo conduzir a lugares totalmente inesperados. 2 Em agosto de 1578 chega a nova do desastre de África, e da morte do rei predestinado. Estupefação, prantos, desespero. Tantas esperanças perdidas em um adusto areal! Logo, porém acode a reflexão. E as profecias? Quem há de fazer grande a Pátria e cingir a coroa do Mundo? Não! O rei nascido do milagre não pode sucumbir assim! Esta certeza, mais do que as vagas notícias vindas de África, divulga a convicção de se achar o monarca vivo e salvo. Os vaticínios escritos correm de mão em mão. 3 1 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em História Social PPGHIS/UFRJ 2 CASTORIADIS, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982, p. 147. 3 AZEVEDO, João Lúcio de. A evolução do Sebastianismo. 2. ed. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1947, p 31.

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1

O Encoberto de Veneza: sebastianismo e cultura política no século XVII

Filipe Duret Athaide1

Resumo: Dentre os inumeros aspectos que envolvem a crença sebástica, a questão

envolvendo a morte e o reconhecimento do corpo de d. Sebastião é a mais significativa, e a

que gerou mais desdobramentos. Esta comunicação tem como objeto o debate do caso que

ficou conhecido como “Falso de Veneza”, e que integrou um conjunto de aparições de falsos

d. Sebastião durante o período da União Ibérica (1580-1640). Para tanto, relacionarei o evento

ocorrido na cidade italiana com a defesa executada por Frei José Teixeira, integrante do grupo

de portugueses que acompanhou d. Antônio, o Prior do Crato contra Filipe II, por meio da

análise de sua obra “Adventure admirable par desvs tovtes les autres des siécles passez &

present”, publicada em Paris no ano de 1602.

Todo simbolismo se edifica sobre as ruínas dos

edifícios simbólicos precedentes, utilizando seus

materiais – mesmo que seja só para preencher as

fundações dos novos templos (…). Por suas

conexões naturais e históricas virtualmente

ilimitadas, o significante ultrapassa sempre a

ligação rígida a um significado preciso, podendo

conduzir a lugares totalmente inesperados.2

Em agosto de 1578 chega a nova do desastre de

África, e da morte do rei predestinado.

Estupefação, prantos, desespero. Tantas

esperanças perdidas em um adusto areal! Logo,

porém acode a reflexão. E as profecias? Quem

há de fazer grande a Pátria e cingir a coroa do

Mundo? Não! O rei nascido do milagre não pode

sucumbir assim! Esta certeza, mais do que as

vagas notícias vindas de África, divulga a

convicção de se achar o monarca vivo e salvo. Os

vaticínios escritos correm de mão em mão.3

1 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em História Social – PPGHIS/UFRJ

2 CASTORIADIS, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982, p. 147.

3 AZEVEDO, João Lúcio de. A evolução do Sebastianismo. 2. ed. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1947, p 31.

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Em 23 de setembro de 1603, no patíbulo de Sanlucar de Barrameda, província de

Cádiz, era executado o calabrês Marco Tulio Catizzone4. Sua condenação teve como base o

embuste do qual se constituiu líder: havia se passado pelo celibatário rei português d.

Sebastião, desaparecido na Batalha de Alcácer Quibir no norte da África, em agosto de 1578.

O caso, que ficou conhecido como o “Falso de Veneza”, contudo, não foi o único do

tipo de que se tem notícia. Há registros de pelo menos outros três falsos d. Sebastião

anteriores à trama veneziana. O primeiro, em Penamacor (fronteira de Portugal com Espanha)

no ano de 1584. O segundo, em Ericeira (litoral norte de Lisboa), 1585. O terceiro, em

Madrigal (arredores de Madrid), no ano de 15945. A existência destes quatro falsários, durante

o período da União Ibérica (1580-1640) sugere pelo menos uma questão, levantada, entre

outros, por Lucette Valensi: “quais imagens do rei e da batalha estas mistificações repetidas

revelam?”6. A fim de responder, ainda que de maneira provisória e parcial a indagação feita

por Valensi, destaco para análise o episódio do “Falso de Veneza”, quer pela sua trama (das

quatro, certamente é a que foi mais elaborada, envolvendo inúmeros personagens que atuaram

no combate ao controle Habsburgo sobre Portugal), quer pela abundância de registros

documentais feitos sobre o acontecido. Diante deste vasto conjunto de documentos que hora

defendiam, ora negavam veementemente a sobrevivência de d. Sebastião à Batalha de Alcácer

Quibir7, me debruçarei sobre a “Adventure admirable par desvs tovtes les autres des siécles

passez & present par laquelle il appert euidemment, que d. Sebastian, vray & legitime Roy de

Portugal, incognu depuis la bataille qu’il perdit contre les infideles em Aphrique, l’an

1578”8, publicado em Paris no ano de 1601, cuja autoria é atribuída ao dominicano português

José Teixeira.

4 SERAFIM, João Carlos Gonçalves. Elevar um rei com vaticínios: textos e pretextos no caso do Rei D.

Sebastião de Veneza (1598-1603). Letras: Revista do Programa de Pós-Graduação em Letras, Santa Maria, n.

49, p.77-96, 26 dez. 2014. Universidade Federal de Santa Maria, p 94. 5 Para mais detalhes sobre os casos dos falsos d. Sebastião em Penamacor, Ericeira e Madrigal, ver: HERMANN,

Jacqueline. No reino do Desejado: a construção do sebastianismo em Portugal (séculos XVI e XVII). São Paulo:

Companhia das Letras, 1998, p. 249-268. 6 VALENSI, Lucette. Fábulas da memória: a batalha de Alcácer Quibir e o mito do Sebastianismo. Rio de

Janeiro: Nova Fronteira, 1994, p. 122. 7 A existência destes textos configura o que classifico como “guerra de versões”, nas quais escritores, geralmente

religiosos, defendem ou rechaçam a sobrevivência de d. Sebastião. Os possíveis usos políticos destes escritos, e

suas relações com resistência à dominação espanhola ou a defesa a ela, assim como o papel que clérigos

assumiram neste embate são questões que pretendo analisar durante a elaboração da tese. 8 TEIXEIRA, José. Adventvre admirable par dessvs tovtes les autres des siecles passez & present par laquelle il

appert euidemment, que D. Sebastian vray & legitime Roy de Portugal, incognu depuis la bataille qu’il perdit

contre les infideles en Aphrique, l’an 1578 est celuy mesme que les Seigneurs de Venise ont detenu prisionier

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O texto de Frei Teixeira se inscreve, porém, num conjunto que se relaciona não só

com os casos de falsos reis, como o encabeçado por Marco Túlio, mas também com um

debate mais amplo, e que tinha como temas o combate ao Domínio Filipino, defendendo a

sobrevivência do rei e questionando a legitimidade dos Filipes enquanto reis de Portugal. Se

por um lado, os três primeiros falsos apareceram em territórios ibéricos, durante o reinado de

Filipe II – Primeiro de Portugal, que governou o reino luso de 1580 a 1598 – tanto o Falso de

Veneza quanto a polêmica letrada sobre o destino do reino e do monarca tiveram lugar fora

dos espaços hispânicos, e durante o governo de Filipe III (1598-1621)9.

Dentre os que se colocaram a favor da autonomia portuguesa, merece destaque, além

de Frei Teixeira, d. João de Castro, neto do homônimo vice-rei da Índia. São de autoria

atribuída a Castro o “Discurso da vida do sempre bem vindo e aparecido rei d. Sebastião” e a

“Paráfrase e concordância de algumas trovas do Bandarra”, ambos impressos em Paris, nos

anos de 1602 e 1603 respectivamente. O que aproxima, porém, os dois escritores portugueses

não é somente a produção de textos apologéticos ao rei Encoberto, mas o percurso que ambos

seguiram, em especial a relação deles com d. Antônio, Prior do Crato10

. Neto de d. Manoel o

Venturoso, d. Antônio participou da disputa sucessória ao reino português, tendo por rivais

mais próximos a Duquesa de Bragança, d. Catarina e Filipe II, ambos seus primos por via

paterna11

. Por mais que a vitória do primo espanhol ao pleito se mostrasse iminente, d.

Antônio se proclamou rei, na cidade de Santarém, em 19 de junho de 1580. No mês seguinte,

deuz ans &vingtdeux iours finis au XV Decembre dernier passé. Paris: Carlo Lauro, 1601. Abreviado para

“Adventure admirable” a partir deste ponto do texto. 9 Além da Adventure Admirable, é possível elencar ainda os escritos de D. João de Castro como integrantes do

setor pró d. Sebastião, e a “Jornada e morte de d. Sebastião”, de Antônio San Román, enquanto defensores do

falecimento do monarca português e da legitimidade dos Filipes. 10

Sobre o percurso da vida de D. Antônio e a participação de D.; João de Castro, ver: HERMANN, Jacqueline.

Um rei indesejado: notas sobre a trajetória de D. Antônio, Prior do Crato. Revista Brasileira de História, São

Paulo, v. 30, n. 59, p.141-160, jun 2010. 11

No total, são conhecidos seis concorrentes a sucessão do Cardeal d. Henrique, que assumiu o comando do

reino após a confirmação oficial da morte do Desejado. Entretanto, o religioso também não tinha descendências

diretas, o que foi determinante para o estabelecimento da crise sucessória. Dela, além de D. Catarina, D. Antônio

e Filipe II, participaram também o Duque de Sabóia, Emanuel Filisberto, filho de Carlos III e da Infanta Beatriz,

portanto, também neto de D. Manuel; Rainúccio Farnese, filho de Alexandre Farnese, duque de Parma e de

Maria de Guimarães, sendo desse modo, bisneto por via materna do Venturoso, além de Catarina de Médicis,

com base em remota ligação com o rei D.Afonso III. Para um resumo dos debates jurídicos acerca da sucessão

ver: CUNHA, Mafalda Soares da. A questão jurídica na crise dinástica. In: MATTOSO, José (Org.). História de

Portugal. Lisboa: Editorial Estampa, 1993, vol. 3, p. 552-559.

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as tropas antonistas foram derrotadas pelo temido Duque de Alba12

, na Batalha de Alcântara.

Ferido e derrotado, fugiu pelo norte de Portugal, passando pela França e Inglaterra,

estabelecendo-se, com seu séquito, nos Açores, em 1581. De lá, tentou novamente fazer frente

à Filipe II. Mais uma vez derrotado, partiu em exílio para Paris. Morreu em 1595, na capital

francesa, pobre, solitário e abandonado por seus seguidores. Foi durante o retiro em terras

francesas que Teixeira e Castro iniciam suas produções textuais. D. João, ressentido pelo

descaso e abandono financeiro por parte do Prior (que por sua vez também teve inúmeros

problemas econômicos no desterro), acabou se transformando no que João Lucio de Azevedo

intitulou como o “futuro apóstolo do sebastianismo”13

. Tal epíteto foi dado pelo historiador

português pelo fato de ter sido Castro o primeiro a imprimir às famosas “Trovas do

Bandarra”, texto profético de destacada e inegável valor para a conformação da crença

sebástica14

.

Se o percurso da vida de d. João de Castro é mais documentado, e da mesma forma

que suas obras, mais debatida e analisada15

, sobre a trajetória de Frei Teixeira e seus escritos,

as investigações são escassas. De todo modo, as informações preliminares levantadas sobre o

12 Sobre a ação militar de Filipe II e que tinha por objetivo garantir seu direito à sucessão ao trono português,

Rafael Valladares destaca que “o que ocorreu em Portugal entre 1578 e 1583 foi, para além da óbvia crise

dinástica, uma guerra civil, em conformidade com o significado que esta expressão tinha na Idade Moderna. (…)

A violência militar exercida por Filipe II em Portugal, reforçada pelos problemas internos do país, veio a ser

muito mais importante, além de necessária para seus objetivos, do que até hoje a historiografia estabeleceu.”

VALLADARES, Rafael. A conquista de Lisboa: violência militar e comunidade política em Portugal (1578-

1583). Lisboa: Texto Editores, 2010. (Livro digital). Introdução. 13

AZEVEDO, João Lúcio de. A evolução do Sebastianismo. 2. ed. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1947, p 32. 14

D. João de Castro deixou 22 textos manuscritos, sendo que só dois deles circularam impressos. O primeiro,

intitulado “Discurso da vida do sempre bem vindo et apparecido Rey Dom Sebastian” foi editado em Paris, no

ano de 1602. Segundo Hermann, este foi “provavelmente o primeiro texto explicitamente messiânico associado à

figura do rei desaparecido na Batalha de Alcácer Quibir. Além disso, foi também, do ponto de vista da cultura

letrada, a primeira vez que d. Sebastião apareceu encarnando a figura do Encoberto.” HERMANN, Jacqueline.

No reino do Desejado. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 199. O segundo, “Paraphrase et concordância

de alguas Prophecias de Bãdarra, sapateiro de Trancoso”, também publicado em Paris, no ano seguinte (1603).

Primeira impressão de parte das trovas do Bandarra, que foram interpoladas e selecionadas por Castro com o

objetivo de comprovar sua hipótese: o destino de D. Sebastião e do reino foram vaticinados por Bandarra, sendo

o monarca desaparecido na Batalha de Alcácer Quibir o rei Encoberto profetizado pelo sapateiro de Trancoso. 15

Dentre os trabalhos mais recentes sobre D. João de Castro, destacam-se os produzidos pelo historiador

português João Carlos Gonçalves Serafim, tais como: ______. Elevar um rei com vaticínios: textos e pretextos

no caso do Rei D. Sebastião de Veneza (1598-1603). Letras: Revista do Programa de Pós-Graduação em

Letras, Santa Maria, n. 49, p.77-96, 26 dez. 2014. Universidade Federal de Santa Maria; ______. A aurora da

Quinta Monarquia (1604-1605). Porto: Citcem/Edições Afrontamento, 2011; ______. D. João de Castro, "O

Sebastianista": meandros de vida e razões de obra. 2004. 3 v. Tese (Doutorado) - Curso de Letras, Universidade

do Porto, Porto, 2004.

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dominicano permitem algumas considerações importantes. Segundo Martim Albuquerque16

,

Teixeira integrou a corte do Desejado, tendo inclusive, atuado como um dos agentes que

participaram das fracassadas negociações do casamento do monarca português com

Marguerite de Valois. Ao contrário de d. João de Castro, Frei Teixeira não seguiu com d.

Sebastião para a segunda jornada africana, que culminou no desaparecimento do rei. Porém,

compôs com Castro e vários outros indivíduos o séquito antonista. Participou da resistência

em Alcântara e na Ilha Terceira, além de ter seguido o Prior do Crato em seu retiro.

Provavelmente alguns de seus contatos franceses da época em que foi intermediário de d.

Sebastião nos assuntos matrimoniais foram retomados, uma vez que, à época da morte de d.

Antônio, já integrava a corte de Henrique IV de França, de quem era capelão. Foi neste

momento em que a produção textual de caráter sebastianista e anticastelhano de Teixeira se

desenvolveu. Antes de publicar a Adventure admirable, deu à impressão, em 1595 (ano do

falecimento do Prior do Crato), um folheto intitulado “Le mirroir de la procedure de Philippe

Roy de Castille em l’usurpacion du Royaume de Portugal”, no qual defendeu a tese de que o

herdeiro legítimo do trono lusitano era d. Antônio, e que Filipe II dele havia se apoderado de

maneira violenta. Para Albuquerque, a produção textual de Fei Teixeira tem relevância na

conjuntura da época devido a seu teor eminentemente político. Assim, acredito ser possível

indicar que, principalmente a Adventure admirable, é um panfleto sebastianista, e que tem

como ponto de partida a defesa do Falso de Veneza como o verdadeiro rei desaparecido no

Marrocos.

Manifestação de delimitação complexa, o sebastianismo assumiu, em variados

momentos da história portuguesa a feição ora de mito político, ora de seita popular, sem que

um formato anulasse ou eliminasse o outro. Conforme Hermann,

Não é tarefa fácil definir ou explicar o sentido dessa manifestação que

genericamente ficou conhecida como “Sebastianismo”. Cunhada com o

nome do rei desaparecido no Marrocos, essa modalidade de crença passou a

estar associada à fé na volta de um rei-salvador que viria resgatar o reino

português das mãos dos castelhanos e restaurar a honra e a soberania

perdidas. Esse sentido vulgarizado, entretanto, longe esteve de esgotar os

significados atribuídos às diferentes formas assumidas pelos discursos e

textos que passaram a pregar a necessidade da espera de um rei-messias,

16 ALBUQUERQUE, Martim. Estudos de cultura portuguesa. Lisboa: Imprensa Nacional / Casa da Moeda,

1984, p. 286.

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desde o final do século XVI e ao longo do século XVII, período em que,

pode-se dizer, “nasceu” o sebastianismo propriamente dito.17

É, pois, nesse “ambiente” de “estabelecimento” do messianismo régio português que o

texto de Teixeira também se insere. Se por um lado, é impossível divisar seus escritos sem

levar em conta a produção dos outros textos a ele contemporâneo, faz-se necessário atentar

para suas especificidades: a crença na sobrevivência de d. Sebastião após a batalha e a

alegação de que o Falso de Veneza era, verdadeiramente o rei extraviado no Marrocos, e que

esteve oculto até seu ressurgimento ocorrido na Península Itálica. Sobre o mito do rei

encoberto, Yves-Marie Bercé18

indica que ele não foi uma exclusividade portuguesa. A partir

do exame de episódios contemporâneos ao de d. Sebastião –Francisco III (1595) pretenso

filho de Carlos IX da França e príncipe Dimitri da Rússia (1598) – o autor identificou três

padrões de virtudes presentes nos três casos: o rei sacrificial, que influenciado pela

religiosidade, enxergava na reclusão de tipo monástica uma possibilidade e um modelo a ser

seguido; o rei tutelar, que oculto de forma quase mágica em ilhas, grutas ou outros mundos,

aguardava o momento exato para retornar ao reino; e o rei cauteloso, que sabia agir, tomando

como base as mais variadas informações que obtinha, com o objetivo de salvaguardar a coroa.

Nessa perspectiva, a Adventure de Teixeira parece investir numa argumentação que transita

entre o caráter sacrificial e tutelar de d. Sebastião. Conforme indica Bercé,

A fé na função expiatória do rei podia paradoxalmente conjugar-se com a

esperança de sua sobrevivência. Talvez, com efeito, o rei não tivesse

morrido na batalha, talvez tivesse escolhido morrer para o mundo e

encontrado o expediente da guerra para desaparecer aos olhos de todos,

súditos fiéis assim como inimigos. A louca esperança começava com a busca

do corpo do rei. Quando o silêncio caíra sobre os lugares dos combates, à luz

de lanternas, servidores sobreviventes iam percorrer o campo de batalha,

examinando as túnicas ensanguentadas dos cadáveres e escrutando seus

rostos imóveis. Esses companheiros devotados queriam dar uma sepultura

cristã ao príncipe mártir, mas desejavam no fundo de si mesmos não

descobrir a macabra evidência do infortúnio da nação. A ausência do corpo

do rei no monte de corpos era um índice de esperança; ela evocava a

possibilidade de uma fuga oportuna, de um abrigo inesperado e de uma

sobrevivência extraordinária.19

17 HERMANN, Jacqueline. No reino do Desejado. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 178.

18 BERCÉ, Yves-Marie. O Rei oculto. Bauru / São Paulo: Edusc / Imprensa Oficial, 2003.

19 Ibid., p. 194. Grifo meu.

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Da mesma maneira, é possível analisar o messianismo régio português e a produção de

seu discurso à luz das contribuições de Bronislaw Backzo em seu tour de force para a

delimitação do conceito de “imaginário social”. De acordo com o autor, é “através dos seus

imaginários sociais que uma coletividade designa a sua identidade; elabora uma certa

representação de si; estabelece a distribuição dos papéis e das posições sociais; exprime e

impõe crenças comuns”20

. Obviamente, seria um equívoco mobilizar concepções como

“identidade”, “povo” ou “nação” para o período histórico aqui em análise, uma vez que, nele,

não operavam da forma como são apreendidos atualmente. Todavia, esta questão não impede

a reflexão sobre a existência de um “imaginário social” sebastianista. Na verdade, creio que a

manifestação cultural que teve seu nome associada ao penúltimo dos Avis é um exemplo claro

de constituição de imaginário social, uma vez que tal formulação trata

de um aspecto da vida social, da atividade global dos agentes sociais, cujas

particularidades se manifestam na diversidade de seus produtos. Os

imaginários sociais constituem outros tantos pontos de referências no vasto

sistema simbólico que qualquer coletividade produz e através do qual, como

disse Mauss, ela se percepciona, divide e elabora seus próprios objetivos.21

Embora sejam perceptíveis as inúmeras matrizes culturais que influenciaram a

composição do Sebastianismo, como por exemplo, a base judaica perceptível pelo viés

messiânico que o movimento assumiu22

, o fato é que ele assumiu seus contornos mais nítidos

a partir de uma crise predominantemente política: o desaparecimento de um rei sem

descendência, celibatário, retratado pelos cronistas da época como imaturo e inconsequente, e

que lançou seu reino numa disputa pela coroa que culminou na perda da autonomia

administrativa. Este contexto de crise é bastante semelhante àquele delimitado por Backzo

para o surgimento ou alterações no imaginário social. É, conforme o próprio autor define, um

“tempo quente”23

. Para ele,

20 BACZKO, Bronislaw. Imaginação social. In: ROMANO, Ruggiero (Dir.). Enciclopédia Einaudi. Lisboa:

Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1985. Volume 5, p.309. 21

Ibid., p.309. 22

A matriz judaica da crença sebástica, relacionada à tópica messiânica, é identificada por AZEVEDO, João

Lúcio de. A evolução do Sebastianismo. 2. ed. Lisboa: Livraria Clássica, 1947, p. 7-8; e debatido por

HERMANN, Jacqueline. No reino do Desejado. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 33-41 e por

BERCÉ, Yves-Marie. O Rei oculto. Bauru / São Paulo: Edusc / Imprensa Oficial, 2003, p. 322-328. 23

BACZKO, Bronislaw. op.cit, p.320.

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Designar a identidade coletiva corresponde, do mesmo passo, a

delimitar o seu “território” e as suas relações com o meio ambiente e,

designadamente, com os “outros”; e corresponde ainda a formar as

imagens dos inimigos e dos amigos, rivais e aliados, etc. O

imaginário social elaborado e consolidado por uma coletividade é

uma das respostas que esta dá aos seus conflitos, divisões e

violências reais ou potenciais. Todas as coletividades têm os seus

modos de funcionamento específicos a este tipo de representações.

Nomeadamente, elaboram os meios de sua difusão e formam os seus

guardiães e gestores, e suma, o seu “pessoal”. O imaginário social é,

deste modo, uma das forças reguladoras da vida coletiva. (…). O

imaginário social é, pois, uma peça efetiva e eficaz do dispositivo de

controle da vida coletiva e, em especial, do exercício da autoridade e

do poder, ao mesmo tempo, ele torna-se o lugar e o objeto dos

conflitos.24

Desta maneira, os imaginários sociais podem ser tomados como pontos de referências

do universo simbólico de uma sociedade, uma vez que é por meio daqueles que a coletividade

produz seus objetivos, identidades e representações de si e dos outros. Dessa maneira, o

Sebastianismo engendrou a produção de inúmeros discursos, que foram ao longo do tempo

tomados como identitários, expressões da “alma portuguesa”, seja de maneira positiva ou

negativa. Tais expressões, eruditas ou populares, letradas ou não, caminhavam juntas, quando

não imbricadas numa disputa pelo retorno da autonomia política, quer por meio da crença na

sobrevivência do rei, quer na vinda de outro monarca salvador.

Quando Frei Teixeira seguiu D. Antônio em seu exílio e nos anos imediatamente

posteriores ao falecimento do Prior do Crato, o dominicano passou a defender a sobrevivência

do Desejado, uma vez que era biológica e cronologicamente possível que d. Sebastião

estivesse vivo. Em 1601, ano da publicação de Adventure admirable, o Encoberto teria 47

anos. A dúvida sobre o destino real, por sua vez, foi alimentada por uma sequência

rocambolesca de episódios e informações que se seguiram a 4 de agosto de 1578. Os informes

da batalha custaram a chegar até Lisboa, devido à distância, ao numero reduzido de

sobreviventes e a significativa cifra de cativos. Segundo cronistas da época, as primeiras

notícias sobre o trágico desfecho do combate chegaram ao reino entre de 10 e 12 de agosto25

,

24 BACZKO, Bronislaw. Imaginação social. In: ROMANO, Ruggiero (Dir.). Enciclopédia Einaudi. Lisboa:

Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1985. Volume 5, p.309. Grifo meu. 25

Para maiores informações sobre a circulação das informações sobre o desfecho da batalha, ver: HERMANN,

Jacqueline. Monarquia lusitana: a sacralidade do rei. In: ______. No reino do Desejado. São Paulo: Companhia

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e sofreram forte censura oficial. Conesttagio (um dos mais conhecidos escritores do período)

registrou a confusão e tristeza que tomaram as ruas do reino:

Não havia vivalma em Lisboa que não tivesse interesse nessa guerra: aquele

que ali não tinha o filho tinha o pai, uma o marido e outra o irmão; os

negociantes e manufatureiros que ali não tinham parentes, enquanto muitos

dentre eles os tinham também, ali tinham seus dinheiros, os quais, em parte

para ganhar, e em parte por não ter podido retirar, haviam emprestado aos

fidalgos e soldados. Por esta razão, tudo era tristeza; cada um parecia

prognosticar ter perdido as pessoas e os bens que tinha na África; e, embora

estivesse ainda incertos, ouviam-se entretanto gemidos surdos.26

Enquanto as informações chegavam desencontradas, não dando certeza do paradeiro

dos combatentes e do rei, multiplicou-se nas praças e ruas, toda a sorte de práticas

divinatórias. Os súditos queriam saber o que teria ocorrido com seu monarca, e

principalmente, com seus próprios filhos, irmãos, pais e maridos. Durante os dias imediatos

após a batalha, a incerteza sobre o resultado do combate fomentou especulações sobre o

destino do rei. Muitos afirmavam que ele havia sido gravemente ferido, mas que conseguiu

escapar do campo de batalha. Frei Teixeira, embora não tendo participado do confronto,

afirmou, anos depois, na Adventure admnirable: “meu tio, Manoel Teixeira (…) me disse que

o rei Sebastião se retirou da batalha e embarcou em seu galeão, e que certamente, estaria

vivo”27

. Finalmente, em 24 de agosto chegou a Lisboa o comunicado sobre o do sepultamento

do rei português em Fez. Nos dois dias seguintes, os sinos do reino anunciaram a morte de seu

soberano e na manhã do dia 27, teve lugar o ritual de “quebra dos escudos”, que era encenado

em frente a Sé de Lisboa, quando do falecimento dos reis de Portugal. Era a primeira etapa da

celebração de aclamação do novo monarca. Mas a falta do corpo real nas cerimônias iniciais

acabou por alimentar ainda mais a desconfiança sobre o paradeiro do Desejado,

principalmente pelo fato de poucos terem visto o rei morto. Ao longo do século XVII,

surgiram alguns escritos que, das mais variadas formas e tomando como referência fontes de

informações diversas, afirmavam estar vivo o rei desaparecido no Marrocos. Tal prática

seguiu pelo quarto de século seguinte. Dessa maneira, os escritos de Teixeira podem ser

das Letras, 1998, cap. 3, p125-176. VALENSI, Lucette. Murmúrios, gemidos, silêncio. In: ______. Fábulas da

memória. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994, cap. 1, p. 17-39. 26

CONNESTAGIO, Ieronimo de Franchi. L’union du royaume de Paris à la couronne de Castille. Besançon,

1596, p. 570. Apud: VALENSI, Lucette. Ibid., p. 19. 27

TEIXEIRA, José. Adventure admirable. Paris, 1601, p. 16. No original: “Mon oncle (…) il me dit que le Roy

Sebastian s’estoit retiré de la bataille & s’estoit embarqué dans son galion, que pour certain il estoit en vie”.

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inscritos nessa tradição letrada. E da mesma forma que os escritos do dominicano, a maioria

destas obras foram escritas e publicadas fora de Portugal, geralmente em francês ou italiano.

Durante este período, acreditou-se na derrota, mas não na morte do rei.

Por mais que as primeiras exéquias não tenham contado com a presença do cadáver

real, tempos depois outros ritos foram executados diante dele (ou daquele a ele atribuído), que

peregrinou por vários espaços – norte Africano, Espanha e Portugal. Os relatos que dão conta

do falecimento de d. Sebastião comunicam que no dia 7 de agosto de 1578 o corpo foi

inumado por portugueses cativos, sob as ordens do alcaide de Alcácer Quibir. Este primeiro

sepultamento seguiu todo o protocolo fúnebre: colocação em ataúde, cortejo, velório, missa,

enterro e anúncio oficial do evento. Este teria, portanto ocorrido, longe dos olhos da maioria

dos súditos, e antes mesmo da quebra dos escudos e “alevantamento” do Cardeal. A esta

segunda, que ocorreu em Lisboa no dia anterior à aclamação do novo rei, seguiu-se uma

terceira em Belém, também sem a presença do cadáver real. Em dezembro de 1578, os restos

mortais de d. Sebastião foram transportados para Ceuta, onde foi realizada a quarta solenidade

fúnebre. Finalmente, em 1582, já sob o reinado Habsburgo, os despojos foram repatriados,

por ordens de Filipe II. A longa viagem do cadáver até Portugal foi entrecortada por inúmeras

paradas e formalidades, como as ocorridas, por exemplo, no Algarve e em Évora. Nesta

última, foram exumados os restos mortais dos infantes descendentes de Manoel I e João III, e

juntos, conduzidos ao Mosteiro dos Jerônimos. A quinta celebração ocorreu nos dias 10 e 11

de dezembro de 1582. Finalmente sepultado junto aos seus, o esquife de d. Sebastião,

entretanto, foi posicionado não na galeria que abrigava os jazigos dos reis portugueses, e sim

no pavilhão dos infantes28

. Esta breve digressão sobre a crise sucessória e as questões

envolvendo os sepultamentos de d. Sebastião levantam aspectos relevantes para a análise do

discurso produzido por Frei Teixeira, principalmente no que tange à esperança de

sobrevivência do Desejado.

Ao examinar de maneira mais minuciosa a Adventure admirable, alguns pontos

relativos à sua produção, possíveis objetivos de sua escrita e formas de circulação devem ser

levados em consideração. O primeiro diz respeito à língua da obra e do local de sua

impressão: escrito em francês, foi publicada em 1601. No entanto, acredito ser impossível

lidar com este documento sem levar em consideração a provável existência de seu original ou

28 VALENSI, Lucette. Fábulas da memória. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994, p. 33-34.

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alguma versão em português. A falta deste texto em língua portuguesa acaba por reforçar a

hipótese que já fora previamente exposta de que os escritos de teor sebastianistas foram

produzidos e circularam, inicialmente e predominantemente, fora dos espaços ibéricos, em

línguas outras que não a portuguesa.

A publicação francófona, disponível na seção de Obras Raras da Biblioteca Nacional

do Rio de Janeiro29

traz consigo algumas informações: seu editor, Carlo Lauro, adverte que

tomou conhecimento em Veneza, via uma carta em castelhano, da existência dos escritos de

Frei Teixeira:

Assim, como ele teve a obrigação e interesse neste fato, desde a recepção

desta carta, eu tenho como dever compreender as notícias de seu estado e

situação. Então eu havia entendido que um religioso da Ordem dos Irmãos

Pregadores (de nome Frei Jose Teixeira Português, personagem conhecido

dos grandes e dos pequenos na Europa e por ela) escreveu desta cidade a um

bispo seu amigo, um discurso das coisas que se passaram desde que o dito

Rei começa a empreender a viagem à África até o presente: eu fui tão

importunado [por] um sobrinho do dito Bispo, que tomei este discurso de

suas mãos para enviá-la a seu tio, que ele não se desculpou de me enviar as

mesmas. A leitura me foi tão agradável e prazerosa, que ela me deu

coragem, e me facilitou a pena de traduzi-la rapidamente.30

Esta passagem inicial traz à tona não só a questão de a impressão ter sido feita em

território francês, mas também sobre a circulação do texto, em forma manuscrita, por vários

espaços geográficos até o momento de sua publicação31

. Tendo o autor participado do séquito

que seguiu d. Antônio em seu exílio, provocado pela derrota imprimida pelas tropas de Filipe

II na Batalha de Alcântara, não é de se espantar que seus textos tenham sido divulgados pelos

29 Sob a cota 946.02 W1, BIS, 20, n.1. Seção de Obras Raras. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

30 TEIXEIRA, José. Adventure admirable par dessus toutes les outres des siecles passez e presentes. Paris: Carlo

Lauro, 1601. pp. 3-4. No original: “Ainsi, comme luy ayant de l’obligation, & de l’interest en ce faict, depuis la

reception de cette lettre, je me suis toujours mis en devoit d’entendre des nouuelles de son estat & succés. Ayat

donc appris qu’um Religieux de l’Ordre des frères Prescheurs (nommé frère Joseph Terxere Portugais,

personage conu des grands & des petis em l’Europe, & par-delà) avoit escrit de cette ville à um Evesque sien

amy, um discours des choses qui se sont passes depuis que ledit Roy comença d’entreprender le Voyage

d’Aphrique, jusqu’à present: i’ay tant importune vn neueu dudit Eusque, qui tenoit ce discours em ses mains

pour l’enuoyer à son oncle, qu’il ne s’est peu excuser de me le remettre és miennes. La lecture m’em fut si

agreable & plaisante, qu’elle me donna courage, & me facilita la peine de le traduire em diligence.” 31

Sobre a importância da circulação de textos manuscritos nos séculos XVI e XVII ibéricos, ver: BOUZA

ÁLVAREZ, Fernando. Corre manuscrito: una historia cultural del Siglo de Oro. Madrid: Marcial Pons, 2001.

Segundo o autor, a existência de textos impressos não eliminou os manuscritos, que seguiram sendo produzidos

e propagados, e que tinham uma lógica de produção e consumo própria. Para Alvarez, é necessário compreender

as formas de trabalho que geravam os textos manuscritos, uma vez que na grande maioria dos casos, eles foram

executados a várias mãos, de maneira simultânea. Tal diversidade de “produtores” simultâneos seria, segundo o

autor, um sintoma da grande demanda por cópias de textos dos mais diversos gêneros.

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espaços que percorreu junto àquele que acreditava ser o legitimo sucessor do trono português.

Contudo, não encontrei até o momento nenhum outro vestígio da existência deste texto

publicado em português, ou em Portugal, ou em outra língua ou local. Uma vez que os

antonistas se dispersaram a partir do ultimo local de estadia de D. Antônio, a impressão em

Paris, e não em Lisboa, também corrobora a tese de que tais escritos tiveram, também, um

papel politico na resistência à dominação Habsburgo.

O segundo aspecto a ser considerado quando da análise de Adventure admirable é a

sua relação com os casos de falsos reis que proliferaram na Europa nos anos inicias da

Dominação Filipina. Nesse sentido, refiro-me especificamente ao caso do Falso de Veneza.

Executado em forca a 23 de setembro de 1603, em Sanlucar de Barrameda, vilarejo da

província de Cádiz, a trama enredada por Marco Tulio Catizone foi certamente a mais ousada,

se levado em consideração o alcance, os envolvidos, e o desfecho dado ao caso32

. Os

primeiros registros da história envolvendo o calabrês remontam a 1598, e informavam que um

indivíduo havia se instalado num bairro pobre de Veneza e que se dizia português. Aos que o

questionavam o fato de não falar a língua natal, era respondido que não o fazia devido a um

juramento. Os boatos correram rápidos, e a suspeita de que se trataria de d. Sebastião

cresceram a ponto de chamar a atenção do embaixador espanhol. A esta altura, já reinava em

Espanha Filipe III, que delegou a investigação do caso à d. Inigo de Mendonça, e que este

alertasse o governo de Veneza sobre o impostor. As autoridades locais acataram a denúncia, e

decidiram pela expulsão do impostor, o que não foi por ele acatado, resultando na solicitação

do emissário espanhol às autoridades italianas, de que fosse o falsário preso. A favor de sua

tese, d. Inigo argumentava que era necessário a apuração dos boatos e que, caso se

comprovasse ser o acusado o verdadeiro rei, seu senhor Filipe III não hesitaria em lhe restituir

a coroa, mas caso fosse comprovado o engodo, deveria o acusado ser exemplarmente punido.

Em 24 de novembro de 1598 o suposto rei foi preso. Nesse momento, sua história já

tinha alcançado inúmeros ex-integrantes da corte de d. Antônio, como d. João de Castro e Frei

José Teixeira, que partiram para Veneza, a fim de se inteirarem e, caso necessário,

defenderem o rei que havia retornado. Marco Túlio ficou preso até 15 de dezembro de 1600.

32 Para maiores detalhes sobre o Falso de Veneza, ver: BERCE, Yves-Marie. O rei oculto. Bauru/São Paulo:

EDUSC/Imprensa Oficial, 2003, p. 48-67; HERMANN, Jacqueline. No reino do Desejado. São Paulo:

Companhia das Letras, 1998, p. 194-199; VALENSI, Lucette. Fábulas da memória. Rio de Janeiro: Nova

Fronteira, 1994, p. 120-124.

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Ao longo deste quase um ano, foi imensa a movimentação de seus acólitos, que tentaram a

todo custo, comprovar-lhe a autenticidade, assim como promover sua soltura. Ao que tudo

indica, não foi somente a trajetória antonista que mobilizou Frei Teixeira a se envolver neste

caso; teria ido à Veneza como enviado de seu senhor à época, Henrique IV. O rei francês

tinha especial interesse no caso, uma vez que comprovada a identidade do suspeito, a

restauração do reino português seria prejudicial à Espanha. Por outro lado, por mais que

Henrique IV tenha recomendado a seu capelão toda a prudência no caso, Frei Teixeira buscou

aproximar ao máximo seu senhor do caso. O apoio do rei francês à causa poderia significar a

confirmação da legitimidade do postulante ao trono português.

A soltura do prisioneiro em dezembro de 1600 não foi, porem, um benefício. Ao

contrário, fazia parte de sua punição: deveria deixar Veneza dentro de um dia, sob pena de ser

condenado às galés caso descumprisse a sentença, decisão que desagradou imensamente

Filipe III. Por sua vez, o exílio não foi cumprido pelo Falso de Veneza, que retornou a casa

onde inicialmente se escondeu, e finalmente, foi reconhecido por seus seguidores. De lá,

pretenderam levar o falso monarca até a França. No trajeto, passaram por Pádua, Livorno e

Florença, onde foi novamente preso. Desta vez, repassado às autoridades espanholas, no

inicio de 1601, retornado a Nápoles, onde foi novamente julgado. Neste derradeiro processo,

assumiu sua real identidade, e confessou ter se envolvido no embuste após ter sido

confundido algumas vezes com d. Sebastião por soldados italianos que participaram da

batalha de Alcácer Quibir. Marco Túlio foi então condenado às galés perpétuas em meados de

1602, tendo sido embarcado para a Espanha. Após nova fuga, foi capturado em Sanlucar de

Barrameda. Em setembro de 1603, o calabrês foi finalmente executado em público, tendo

antes a sua mão direita decepada, como punição por se fazer passar por rei, e seu corpo

esquartejado após sua descida da forca.

Por mais que após sua primeira fuga fracassada não tenha sido acompanhado por Frei

Teixeira, ele desempenhou papel fundamental na divulgação do caso, defendendo de maneira

peremptória a identidade de Marco Túlio como o rei Desejado. O meio utilizado por frei

Teixeira nesta empreitada, foi dentre outras, a edição da Adventure admirable. Para além

disso, conforme já indicado anteriormente, o conjunto da produção textual do dominicano tem

relevância não só para o estabelecimento do que se pode classificar como sebastianismo

“letrado”, mas também deve ser considerado como um dos textos centrais para a observação e

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delimitação da cultura política da época, quer pelo seu caráter de debate sobre a legitimidade

da identidade do falso de Veneza, quer pela posição religiosa da qual o autor parte.

O terceiro aspecto, ao que me deterei agora, diz respeito à própria forma e estrutura do

texto. Neste, após a justificativa do editor para a publicação, segue uma carta atribuída a um

certo Giovanne Capugnano, recebida por Teixeira. Nela, consta a defesa da tese de que o

preso em Veneza era, de fato, o rei desaparecido no Marrocos, pois “ele tem as mesmas

feições, as mesmas mãos, pés (sabemos ser os direitos maiores que os esquerdos) grandes,

marcados e com a mesma mancha, com os joelhos recurvados para dentro, como D.

Sebastião, Rei de Portugal”33

.Além desta, Teixeira afirmou ter recebido inúmeras outras

cartas provenientes da cidade italiana e que afirmavam categoricamente ser o prisioneiro

veneziano o rei português desaparecido em Alcácer, por mais que que seja praticamente

impossível determinar se estas realmente existiram e foram a ele enviadas. Dessa forma, a sua

obra teria como objetivo responder às incertezas sobre a sobrevivência do Encoberto, além de

confirmar a sua identidade. Para tanto, o religioso se debruçou sobre seis pontos para embasar

a sua tese, a saber: 1) a negação da morte de d. Sebastião na batalha; 2) a dúvida sobre a

identidade do corpo sepultado em Lisboa; 3) o desaparecimento do monarca após a batalha; 4)

em quais locais esteve perdido ou cativo; 5) como conseguiu escapar após a batalha de

Alcácer; 6) sendo o prisioneiro de Veneza o verdadeiro rei, quando este retornaria ao seu

reino?

Uma vez que toda a argumentação de Teixeira se direcionou para a defesa do Falso de

Veneza, destaco para observação os dois primeiros questionamentos aos quais o dominicano

tenta responder. Sobre o primeiro ponto, Teixeira caracteriza o Desejado como um verdadeiro

rei cruzado:

A principal causa que levou o rei D. Sebastião a passar à África, foram

(como ele era Príncipe fortemente cristão, bom e justo) os grandiosos

desejos que nele brotam de expandir o cristianismo, e de disseminar o nome

de Deus por todo o universo.34

33 TEIXEIRA, José. Adventures admirables. Paris, 1602, p. 7. No original: “Il a la mesme effigie , les mesmes

mains, pieds (sçavoir est les droits plus longs que les gauches) lage, marques, & la mesme démarche, avec les

genoux recoubez em-dedãs, que D. Sebastian Roy de Portugal”. 34

Ibid., p. 10. No original: “La principalle cause que poussa de Roy d. Sebastian à passer en Áphrique, furent

(comme il estoit Prince fort Chretien, bon & iuste) les grandissimes desirs qui bouilloyent en luy d’accroistre le

Chrestianisme & de faire esclater le nom de Dieu par tout l’Vniuer.”

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A partir dai o autor começa a descrever a conjuntura da batalha africana, que envolveu

outros dois nobres marroquinos, e que por conta disso, também ficou conhecida como a

“Batalha dos três reis”. Fruto da segunda expedição de d. Sebastião às praças africanas35

e que

teve como objetivo recuperar e expandir os domínios lusitanos na região, a Batalha de Alcácer

Quibir foi decisiva não só para o reino português, mas para o marroquino também. Este

confronto deve ser, portanto, apreendido a partir dos quadros políticos distintos dos dois

reinos. O sultanato do Marrocos era palco da disputa que envolvia o tio Moulay Abd Al-

Malik (chamado de Mulei Moluco pelos portugueses) e o sobrinho, Moulay Mohamad36

. No

lado português, d. Sebastião, que aceitara a proposta de aliança feita por Mohamad37

. Sobre

este aspecto “cruzado” do jovem rei, Bercé destaca que

Os romances de cavalaria e os contos nos ensinam que o costume para os

jovens príncipes, antes de serem dignos de sua coroa hereditária, era

lançarem-se primeiro em aventuras longínquas para onde partiam de bom

grado para descobrir a diversidade das coisas, ou que deveriam enfrentar por

injunção de um pai, de um padrinho ou de um bom gênio querendo libertá-

los das ingenuidades da juventude. Dessa viagem iniciática, em que provas

assustadoras lhe eram prometidas, o jovem cavaleiro de escudo não

identificável voltaria, pleno de existência e razão, para assumir no momento

desejado o peso da coroa.38

Levando em conta o contexto dos anos inicias do reinado de d. Sebastião,

compreendidos entre a morte de seu avô, d. João III, e as regências de sua avó, d. Catarina e

de seu tio avô, o Cardeal d. Henrique, fica evidente que a formação do jovem rei foi

35 A primeira expedição à África teve Ceuta e Tânger como destino, e ocorreu em 1574. As notícias desta

jornada foram mandadas imprimir pelo próprio D. Sebastião, com o título de Relação da Primeira Jornada que

fez a Africa no anno de 1574 O Sereníssimo Rey D. Sebastião Escritas pelo Mesmo Principe. Este documento

está presente em: MACHADO, Diogo Barbosa. Memorias para a história de Portugal que comprehendem

governo del rey d. Sebastião, unico em nome e decimo sexto entre os monarcas portugueses. Lisboa Occidental:

Joseph Antonio da Sylva, 1736. 4 v. liv II, cap. XX, pp.1-53. 36

Segundo Lucette Valensi, a crise sucessória marroquina teve inicio quando do falecimento do pai de

Mohamad, Moulay Ab-dallah al-Ghalib, em 1574. Segundo a tradição saadina, quem deveria suceder al-Ghalib

era seu irmão mais velho, no caso, Mulei Moluco, o que não aconteceu. Com seus outros irmãos, refugiou-se em

Argel, e depois em Istambul, onde auxiliou os turcos no cerco de Túnis contra os espanhóis. De lá, com o apoio

conquistado aos turcos, retorna ao Marrocos, onde bane o sobrinho em 1576. VALENSI, Lucette. Fábulas da

memória. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994, p.12. 37

Incialmente, Mohamad havia procurado o rei espanhol, Filipe II. Sem conseguir seu apoio, voltou-se para d.

Sebastião, que desejava, com esta aliança, dominar o Marrocos. Para a análise do contexto marroquino, as

alianças entre Malik e o Império Turco, e depois de Malik com Filipe II, assim como os motivos que levaram D.

Sebastião a mobilizar tropas portuguesas para a Batalha de Alcácer Quibir e os detalhes da mesma, ver:

HERMANN, Jacqueline. No reino do Desejado. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 105-109. 38

BERCÉ, Yves-Marie. O Rei oculto. Bauru / São Paulo: Edusc / Imprensa Oficial, 2003, p. 261.

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fortemente influenciada pela ideia de que ele teria como função defender e expandir os limites

da cristandade. Nesse sentido, tantos os críticos de seu reinado, quanto seu biógrafos,

salientam a quase fixação do penúltimo dos Avis em combater os mouros e retomar os

domínios portugueses perdidos no norte africano39

. Para isso, d. Sebastião recorreu ao tio,

Filipe II, buscando suporte para o confronto previsto na segunda jornada, o que não foi

concedido. Secretamente, o monarca espanhol já havia se comprometido com Mulei Moluco.

Ao fim da tarde de 4 de agosto de 1578, o exército português havia sido derrotado, e os três

nobres envolvidos, desaparecidos. Ao descrever as alianças estabelecidas para a batalha, Frei

Teixeira apontou que “Mulei Mohamad foi um príncipe muito sábio e de muito grande valor,

que reuniu a seu domínio todos os reinos da Berbéria, que ele dominava quanto os que ele

desejava”40

, e que ofereceu benefícios ao rei português em troca de seu apoio. Além disso, o

dominicano destaca não só as qualidades positivas de d. Sebastião, mas também a presença,

em suas tropas, de vários nobres portugueses. É essa associação de predicados e presença de

grandes nobres na batalha que, segundo Teixeira, teriam impedido que o Desejado morresse.

Em relação ao segundo ponto rebatido pelo dominicano, seu posicionamento é

categórico. Uma vez que o rei não havia perecido na batalha, o corpo trasladado a Lisboa não

poderia ser o dele. O autor estrutura a sua argumentação em duas bases. A primeira, de que a

jornada foi acompanhada de religiosos de várias ordens, inclusive a dos Dominicanos (da qual

ele prórpio fazia parte), que havia enviado cerca de 30 clérigos. Estes acompanharam todos os

preparativos da batalha, assim como seu desenrolar. Entre eles, encontrava-se o tio do autor,

Manoel Teixeira, que relatou ter visto D. Sebastião “se retirar da batalha e embarcar em seu

galeão, e que por certo ele estava vivo.”41

Tal declaração foi confirmada por vários outros

testemunhos, que afirmam terem combatido ao lado do rei, e que mesmo ele estando ferido no

braço, sobreviveu ao combate.

Entra aqui a segunda consideração: as qualidades positivas do monarca, que

impediriam seu fracasso. Teixeira afirma que

39 Para as análises sobre a menoridade política de d. Sebastião e dos aspectos envolvidos em sua formação, ver:

HERMANN, Jacqueline. Op. cit., p. 76-96. 40

TEIXEIRA, José. Adventures admirables. Paris, 1602, p. 11. No original: “Muley Mahamet fut vn Prince tres-

sage, & de tres-grande valeur, qui ioignit à son domaine tous les Royaumes de Barbarie, lesques il domina

tandis qu’il vesquit.” 41

Ibid., p. 16. No original: “Le Roy Sebastien s’estoit retiré de la bataille, & s’estoit embarque dans son galion;

que pour certain il estoit em vie.”

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Deus então deu (meu pai) aos cristãos um príncipe valente, ousado, corajoso,

sábio, bom e justo, e sua ousadia em tão pouco tempo (ele estava na idade de

24 anos, sete meses e 15 dias) ele se mostra cruel e inútil em seu lugar, e

quanto a mim, eu o levaria para tal.42

Associadas às virtudes, originadas e legitimadas por Deus, havia também as profecias

que justificavam a sobrevivência do rei. Se as origens dos vaticínios de cunho sebastianista

podem ser relacionadas ao texto cuja autoria é atribuída à Bandarra, cogitar quantas outras

que se seguiram a ele, e as que poderiam ter lhe influenciado previamente, apesar de tarefa

extensa, pode apontar o sentido que tais textos assumiram nos distintos momentos em que

foram elaborados. Além disso, tal “arqueologia” profética, por mais que se mostre

praticamente impossível, dada a dificuldade de localização, acesso e projeções sobre a

circulação também permite refletir sobre a circulação desses textos (e das imagens e símbolos

por eles operados), nos mais diferentes cenários sociais. Esta digressão sobre a tradição

divinatória e profética lusitana pode explicar, por exemplo, o fato de que Teixeira recorreu

não só aos vaticínios relativos à trajetória de Afonso Henriques e o desfecho da Batalha de

Ourique (1139), mas também a outros vaticínios conhecidos, como a de San Isidoro de

Sevilha e de São Cirilo. Em contrapartida, não faz nenhuma referencia às tradicionais Trovas

do sapateiro de Trancoso.

As reflexões do religioso sobre estes tradicionais textos proféticos teriam, portanto,

como objetivo sustentar a argumentação de que não só o Desejado não havia morrido, mas,

principalmente de que ele não poderia morrer. Ao colocá-lo como herdeiro da tradição de

Ourique, por exemplo, Teixeira investiu numa linha argumentativa que valorizava o aspecto

salvacionista, ou sacrificial do monarca como define Bercé. Da mesma forma, as reflexões do

religioso dominicano se aproximaram à imortalidade real analisada por Ernst Kantorowickz.

Para o historiador inglês, apesar da simbiose entre o que chamou de “corpo natural” e o

“corpo político” dos monarcas, há prevalência do político sobre o natural, e a capacidade que

aquele tem em encobrir as fraquezas deste. Nesta perspectiva, a crença e divulgação de que o

corpo natural de D. Sebastião teria sobrevivido à Batalha de Alcácer Quibir se relacionaria

com a teoria política dos dois corpos, que Kantorowickz destaca como possível de ser

observada em outros espaços e tempos europeus, não sendo uma inovação exclusivamente

42 Ibid., p. 17. No original: “Dieu doncques ayant donné (mom Pere) aux Chrestiens vn Prince si vaillant, hardi,

courageux, sage, bon, & le seur ostant em si peu de temps (il estoit em l’age de 24 ans, 7 mois &15 jours)il se

monstre cruel & iniuste em leur endroit, & quando à moy j ele prendrois pour tel.”

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18

inglesa43

. A imortalidade do político garantiria, pois, a imortalidade do natural44

.

Consequentemente, a vida regrada do monarca desejado, sua conhecida condição celibatária

em associação com tais aspectos à doutrina da imortalidade do corpo politico, propiciaram a

divulgação e a crença de que, ainda no governo de Filipe III, o então rei português encoberto

estivesse de vivo. Política e biologicamente.

Desta forma, a articulação entre relatos de religiosos que acompanharam a batalha,

profecias conhecidas e os outros cinco questionamentos levantados por Frei Teixeira e não

analisados aqui, fundamentaram a defesa de que o falso de Veneza era, de fato, o rei

desaparecido na Batalha de Alcácer Quibir, e que todos os outros anteriores se tratavam de

engodos. Ele afirma que

Nós sabemos que em Castela um pasteleiro de Madrigal se fez acreditar que

ele era o rei D. Sebastião, e ele divulga inicialmente em segredo, depois

como ele convenceu a cada um esta falsa opinião, ele foi reconhecido como

um embusteiro, e por ter cometido um crime muito grave, executado pela

justiça. Estes exemplos são revelados aos olhos, pois depois da perda do rei

D. Sebastião em África, todos os portugueses sempre consideraram vivo e

por este meio ele aparece suficientemente, que ele não estava morto, e que

seu corpo não é o dele que foi enterrado como seu em Belém. De qualquer

forma, por estes mesmos exemplos, V.S. ilustríssima poderá facilmente

julgar, que este homem que está preso em Veneza, é o rei D. Sebastião

mesmo, esperado em dois anos e cinco meses que passaram depois que ele

começa a se manifestar, esta senhoria sempre retornava dia após dia, e mais

parecia verdade, sem poder encontrar algum vestígio que o levaria a crer que

certamente o que o embaixador de Castela disse contra este prisioneiro. 45

43 Para o autor, “embora não haja nenhuma dúvida de que a ficção legal dos Dois Corpos do Rei foi um aspecto

característico do pensamento político inglês na era elisabetana e dos primeiros Stuarts, seria impróprio inferir

que tais especulações se limitassem aos séculos XVI e XVII ou carecessem de antecedentes.”

KANTOROWICKZ, Ernst. Os dois corpos do rei: um estudo sobre a teologia política medieval. São Paulo:

Companhia das Letras, 1998, p. 48. 44

Ibid., p. 18. 45

TEIXEIRA, José. Adventures admirables. Paris, 1602, p. 22. No original: “Nous sçauons qu’em Castille vn

patissier de Madrigal se fit accroire qu’il estoit le Roy Sebastian, & le publia du commencement ens ecret; puis

comme il eut abreuué chacun de cette faulse opinion, il fut reconu comme vn abuseur, & pour auoir commins vn

crime tres-grief, excecuté par iustice. Ces exemples sont conoistre à l’œil, que depuis l aperte du Roy Dom

Sebastian em Aphrique, tous les Portugaiz l’ont toujours estimé viuant, & par ce moyen il appert susfisamment,

qu’il n’est point mort, & que son corps n’est point celuy qui fut enterré comme sien em Bethlehem. D’ailleurs,

par ces mesmes exemples V. S. Tres-illustre pourra facilement iuger, que cet homme qui a este Prsionnier à

Venise, est le Roy Dom Sebastian mesme; attendu qu’em deux ans & cinc mois qui sont passez depuis qu’il

commença de se manifester, cette Segneurie a toujours trouué de iour em iour plus d’apparence de verité, sans

pouuoir rencontrer aucune chose qui l’ait induit à croire pour certain ce que l’Ambassadeur de Castille alleuoit

contre ce Prisionnier.”

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Por mais que o caso tenha posteriormente sido julgado como farsa, e numa primeira

condenação à expulsão de Veneza e quando em Espanha condenado ao enforcamento seguido

de esquartejamento46

, e ainda que não se tenha até o momento, notícias de outros falsos

depois de Marco Túlio Catizone, o fato é que não diminuiu a espera sebástica. Ao longo do

século XVII vários episódios associados ao sebastianismo tiveram lugar na Península Ibérica

e mesmo fora dela. Por sua vez, a restauração da autonomia portuguesa em 1640 pelas mãos

do Duque de Bragança não extinguiu a crença no retorno do monarca perdido no norte da

África. Se para o jesuíta Antônio Vieira, o rei desejado prometido nas trovas de Bandarra era

o restaurador D. João IV47

, entre os populares, a figura de D. Sebastião se manteve como

detentor do binômio régio desejado/encoberto e de todo o simbolismo a ele associado, o que

pode ser percebido, por exemplo, nos fenômenos de visionárias processadas pela Inquisição,

sob a acusação de, através do estabelecimento de pacto demoníaco, viajarem até as ilhas

encobertas, incógnitas ou afortunadas, e nelas, manterem contato com o Encoberto48

.

Face o exposto até aqui, acredito que a identificação da crença sebástica como um

movimento cultural amplo e complexo permite destacar, dentre vários, o seu aspecto

messiânico e mitológico. Na mesma medida, a análise sucinta de um dos textos produzidos no

alvorecer do século XVII possibilita rastrear as bases da cultura política que esteve associada

ao aspecto milenarista do sebastianismo.

No que diz respeito ao mito, Mircea Eliade aponta que

O mito conta uma história sagrada (…). Em outros termos, o mito narra

como, graças às façanhas dos Entes Sobrenaturais, uma realidade passou a

existir, seja uma realidade total, o Cosmo, ou apenas um fragmento: uma

ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano, uma instituição. É

sempre, portanto, a narrativa de uma “criação”: ele relata de que modo algo

foi produzido e começou a ser. O mito fala apenas do que realmente ocorreu,

do que se manifestou plenamente.49

46 BERCE, Yves-Marie. O rei oculto. Bauru / São Paulo: Edusc / Imprensa Oficial, 2003, p.48-67.

47 Para uma biografia de Antônio Vieira, ver: AZEVEDO, João Lúcio de. História de Antônio Vieira. São Paulo:

Alameda, 2008. 2 v.; VAINFAS, Ronaldo. Antônio Vieira: jesuíta do rei. São Paulo: Companhia das Letras,

2011. Sobre a escrita profética de Vieira, ver: HERMAN, Jacqueline. O império profético de Antônio Vieira:

notas para um debate. In: Anais de história de além-mar, Lisboa, v. 12, p.213-234, 2011. 48

Sobre as visionárias processadas pela inquisição, sob a acusação de fingir visões (relacionadas com d.

Sebastião), ver: HERMANN, Jacqueline. No reino do Desejado. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p.

273-301. 49

ELIADE, Mircea. Mito e realidade. São Paulo: Perspectiva, 1972, p.11

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Por mais que as reflexões de Eliade levem em consideração o que ele chama de

“sociedades tradicionais”, elas servem de ponto de partida para pensar o papel do mito

também naquelas sociedades que não são privilegiadas por sua análise. Isto permite uma

aproximação aos pensamento de Backzo, que afirma:

Os mitos preservam e transmitem os paradigmas, os modelos exemplares,

para todas as atividades responsáveis a que o homem se dedica. Em razão

desses modelos paradigmáticos, revelados ao homem em tempos míticos, o

Cosmo e a sociedade são regenerados de maneira periódica.50

Dessa forma, é possível apreender o sebastianismo como uma manifestação de caráter

mitológico, sem contudo, ignorar sua base política. Assim, retomo Backzo, quando afirma

que

O mito traduz, segundo as suas próprias modalidades, uma experiência

particularmente rica em emoções intensas que se confundem com as

expectativas e as esperanças de que está rodeada. Experiência coletiva por

excelência: vivida com uns e com os outros no calor humano de uma

multidão que se está a descobrir a si própria como uma realidade.51

Por fim, é o mesmo autor que conecta o conceito de mito e o de imaginário social

quando diz:

Os imaginários sociais não funcionam isoladamente, entrando, sim, em

relações diferenciadas e variáveis com outros tipos de imaginários e

confundindo-se, por vezes com eles e com a sua simbologia (por exemplo, a

utilização do simbolismo sagrado a fim de legitimar um poder). (…) Nos

tempos modernos, os mitos políticos propriamente ditos, as ideologias e

as utopias formam lugares privilegiados em que se constituem os

discursos que veiculam os imaginários sociais.52

Ao considerar o sebastianismo como um mito político, acredito ser possível relacionar

seus processos de apropriação cultural, como a base messiânica judaica, a ilha encoberta de

origem celta e a sua conjugação com as imagens relativas ao paraíso terreal53

. Porém, esses

50 Id., Mito do eterno retorno: arquétipo e representação. Lisboa: Edições 70, 1985, p. 9.

51 BACZKO, Bronislaw. Imaginação social. In: ROMANO, Ruggiero (Dir.). Enciclopédia Einaudi. Lisboa:

Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1985. Volume 5, p.322. Grifo do autor. 52

Ibid., p.312. Grifo meu. 53

Para uma análise mais aprofundada destes temas e suas relações, ver: DELUMEAU, Jean. Une histoire du

Paradis: le Jardin des délices. Paris: Fayard, 1992. (em especial os capítulos 3 a 8, p. 59-228); HERMANN,

Jacqueline. No reino do Desejado: a construção do sebastianismo em Portugal (séculos XVI e XVII). São Paulo:

Companhia das Letras, 1998, p. 280-303. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos

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sentidos simbólicos, expressões do imaginário social da época dos seiscentos, não podem ser

dissociados de seu caráter político. É, portanto, nesse ponto de confluência que se inscreve a

produção textual de Frei José Teixeira. A análise – ainda que breve – de seus escritos permite,

por conseguinte, depreender o seu papel de destaque na produção e consolidação deste

imaginário social relacionado à crença sebástica.

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