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ANTONIO CESIMAR FERREIRA O DISCIPULADO EM UMA PERSPECTIVA MISSIONÁRIA: UMA PROPOSTA PASTORAL PARA A REMNE Trabalho de Conclusão de Curso, com vista à obtenção de grau em bacharelado, apresentado ao Colegiado do Curso de Teologia da Facul- dade de Teologia da Igreja Metodista - Universidade Metodista de São Paulo. Universidade Metodista de São Paulo São Bernardo do Campo - Novembro de 2004

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Page 1: O Discipulado em uma Perspectiva Missionária.pdf

ANTONIO CESIMAR FERREIRA

O DISCIPULADO

EM UMA PERSPECTIVA MISSIONÁRIA:

UMA PROPOSTA PASTORAL PARA A REMNE

Trabalho de Conclusão de Curso, com vista à obtenção de grau em bacharelado, apresentado ao Colegiado do Curso de Teologia da Facul-dade de Teologia da Igreja Metodista - Universidade Metodista de São Paulo.

Universidade Metodista de São Paulo

São Bernardo do Campo - Novembro de 2004

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FOLHA DE APROVAÇÃO

A Comissão tendo examinado o presente trabalho de conclusão de curso o considera:

Conceito: _____________________________

Orientador: ____________________________ Prof. Dr. Geoval Jacinto da Silva

Leitor: ______________________________ Prof. Dr. Rui de Souza Josgrilberg

Page 3: O Discipulado em uma Perspectiva Missionária.pdf

Dedicatória Ao meu eterno Deus-Pastor-Pai,

por me chamar, vocacionar, sus-

tentar, apoiar e confiar a mim o

exercício do ministério pasto-

ral, que será exercido na Igreja

Metodista, em especial na Remne.

Aos meus pais – Damiana Maria

Ferreira, pelos momentos de ca-

rinho, de dedicação e amor e em

especial ao meu pai

Antonio Vicente Ferreira, por

acreditar em mim e por ser em

minha vida um grande amigo.

Page 4: O Discipulado em uma Perspectiva Missionária.pdf

4

Ao amor da minha vida – “a me-

nina dos meus olhos” –

Priscilla Gomes de Souza Ferrei-

ra, minha esposa que esteve ao

meu lado durante toda essa cami-

nhada acadêmica e por ser a mu-

lher que estará me auxiliando,

animando e fortalecendo em meu

ministério pastoral e na minha

vida, hoje e para sempre.

Page 5: O Discipulado em uma Perspectiva Missionária.pdf

Agradecimentos À Deus o meu Senhor, por me

abençoar e fortalecer, derraman-

do sobre mim a Sua graça e Seu

amor.

À minha família que durante o

meu período de formação acadêmi-

ca e pastoral, ajudou-me a per-

severar e nunca desistir.

Em especial, à minha amada espo-

sa, que esteve sempre ao meu la-

do, me amando e apoiando.

À Igreja Metodista em Na-

tal/RN, por reconhecer em mim a

vocação pastoral.

Page 6: O Discipulado em uma Perspectiva Missionária.pdf

6

À Região Missionária do Nor-

deste – Remne, por acreditar no

meu chamado e vocação pastoral

em terras nordestinas.

À Igreja Metodista em Vicente

de Carvalho - Baixada

Santista/SP, por me acolher no

meu primeiro ano na Faculdade de

Teologia.

À Igreja Metodista em Tucuruvi

– Zona Norte/SP, por

ajudar em minha formação pasto-

ral e pelos momentos de suporte,

cuidado e carinho, dedicados a

mim e à minha esposa Priscilla.

Page 7: O Discipulado em uma Perspectiva Missionária.pdf

7

Ao Ponto Missionário em Jardim

Tremembé – parte da

Igreja Metodista em Tucuruvi,

por me acolher como pastor,

discipulador e conselheiro du-

rante quase três anos de compro-

misso missionário.

Ao meu professor, tutor, ori-

entador e amigo o

Rev. Geoval Jacinto da Silva,

por me acompanhar durante os

quatro anos vividos na academia

e pelos momentos de orientação e

conversas.

À Revdª. Maria Monteiro por

ter acreditado no meu chamado

Page 8: O Discipulado em uma Perspectiva Missionária.pdf

8

pastoral e por ser em minha vida

uma grande amiga, pastora, con-

selheira e discipuladora.

Ao Rev. Dílson Júlio e família

pela amizade, carinho e pelos

momentos de comunhão, alegria e

festa.

À Chicão, Vânia e família, pe-

los diversos momentos de alegri-

a, de celebração e de compromis-

so missionário no Ponto Missio-

nário em Jardim Tremembé.

À Dalete, Sérgio e família,

como também a Miriam e

Lílian Parron pelo acolhimento,

carinho e pela amizade.

Page 9: O Discipulado em uma Perspectiva Missionária.pdf

9

À Carlos Pedro Gouveia (Cacá)

e família pela dedicação, com-

promisso, amizade e pela “carne

seca na moranga”.

À Salvador, Gláucia e família

pela atenção e carinho dedicado

a nós.

À família Vasquez pelo jeito

carinhoso de nos acolher.

À Geni e família, pois foi a

primeira pessoa que nos acolheu

em Tucuruvi, nos oferecendo seu

carinho e atenção.

Page 10: O Discipulado em uma Perspectiva Missionária.pdf

10

Aos meus amigos/as e colegas

pelos diversos momentos compar-

tilhados e vivenciados na Facul-

dade de Teologia entre 2001 e

2004.

Aos amigos e amigas do Otília

Chaves, que sempre estiveram

presentes nos momentos de difi-

culdades, quanto nos momentos de

alegria e festa. Especialmente a

Eliazer e família, Carlos Eduar-

do (Cadu) e família, Izaías e

família, Marcelo e família, e

Gilberto e família.

À turma da Remne que está aqui

na Fateo, pelos encontros e pe-

Page 11: O Discipulado em uma Perspectiva Missionária.pdf

11

las trocas de experiências, sem

falar das “cuscuzadas” promovi-

das durante os quatro anos. Es-

pecialmente Luiz Carlos, João

Batista, Ricardo, Emanuel, Samu-

el e Izaías.

Page 12: O Discipulado em uma Perspectiva Missionária.pdf

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ___________________________________________________________ 14

CAPÍTULO I _____________________________________________________________ 17

O DISCIPULADO COMO MARCA DA TRADIÇÃO CRISTÃ ____________________ 18

1. O Discipulado na Tradição Cristã _________________________________________ 20

1.1. O Discipulado _____________________________________________________ 20

1.2. Tradição Cristã ____________________________________________________ 37

2. O Discipulado na Igreja Metodista ________________________________________ 42

2.1. Os Objetivos do Discipulado _________________________________________ 43

2.2. O Discipulado como Proposta de uma Nova Vida ________________________ 44

CAPÍTULO II ____________________________________________________________ 46

O DISCIPULADO COMO MARCA DA TRADIÇÃO WESLEYANA ______________ 47

1. O Discipulado na Vida de John Wesley ____________________________________ 47

1.1. A Família de John Wesley ___________________________________________ 50

1.2. John Wesley e os Pequenos Grupos ____________________________________ 54

2. A Teologia de John Wesley no Discipulado _________________________________ 64

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13

2.1. A Bíblia __________________________________________________________ 68

2.2. A Experiência _____________________________________________________ 71

2.3. A Razão __________________________________________________________ 73

2.4. A Tradição________________________________________________________ 75

2.5. A Criação ________________________________________________________ 77

CAPÍTULO III ____________________________________________________________ 83

A PRÁTICA DO DISCIPULADO CRISTÃO: UMA PROPOSTA PASTORAL PARA

REMNE _________________________________________________________________ 84

1. Discipulado: Método de Pastoreio_________________________________________ 85

1.1. Na Missão ________________________________________________________ 88

1.2. Na Evangelização __________________________________________________ 91

2. Discipulado: Desenvolvendo Relacionamentos ______________________________ 94

2.1. Gera Comunhão ___________________________________________________ 97

2.2. Fortalece a Unidade _______________________________________________ 100

3. Discipulado: Ensino e Formação de Liderança______________________________ 101

3.1. A Escola Dominical _______________________________________________ 102

3.2. Formação de Liderança_____________________________________________ 104

CONSIDERAÇÕES FINAIS________________________________________________ 108

ANEXO 1: Aspectos Históricos do Trabalho Metodista no Nordeste _______________ 113

ANEXO 2: Quadro Estatístico ______________________________________________ 122

ANEXO 3: Carta Pastoral do Colégio Episcopal sobre o G-12 _____________________ 131

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA___________________________________________ 137

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INTRODUÇÃO

O discipulado cristão é fruto do pensamento e da prática transformadora de Jesus em

Seu tempo. Então, podemos afirmar que o discipulado é vida, pois o próprio Jesus disse:

“Eu sou o caminho a verdade e a vida”. E afirmou ainda que Ele veio “para nos dar vida e

vida em abundância”.

O discipulado como uma proposta pastoral é o tema central desta pesquisa acadêmica,

fruto de minha experiência em vivenciar a fé em pequenos grupos e da minha compreensão

bíblica, teológica e pastoral acerca dos movimentos de discipulado1 dentro da Igreja Meto-

dista, em especial no Nordeste.

Portanto, acho necessário fazer alguns esclarecimentos. O termo pastoral tem a ver

com a expressão “pastor”. É na imagem bíblica do pastor que se encontra a origem teológica

do termo pastoral.

No Antigo Testamento, freqüentemente Deus é o pastor de Seu povo. (cf. Gn 49,24; Sl

23,1; Sl 28,8, Mq 7,14; Zc 10,3; etc.) e que este é o rebanho de Deus (cf. Sl 79,13; Sl 95,7;

1 A expressão “movimentos de discipulado” significa afirmar que, não há um único modelo ou forma de discipu-

lado, pois discipulado são todas as expressões de fé, compromisso, fidelidade, comunhão e proclamação do Evangelho da salvação. Portanto, discipulado pode e deve ser entendido como, por exemplo, os encontros da escola dominical, as pregações, os estudos bíblicos, encontros de pequenos grupos familiares e todo mover e agir de Deus na comunidade de fé.

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15

etc.). No Novo Testamento, esta dupla afirmação se transfere para Jesus (cf. Jo 10,1-16) e,

nos dois testamentos, os ministros de Deus são chamados de pastores. (cf. Is 63,11; Jo

21,16; At 20,28; etc.).

Assim, o ministério pastoral provém do Senhor e é diante dEle que os(as) pastores(as)

são responsáveis pelo rebanho que lhes é comissionado.2 Contudo, a teologia pastoral não

tem a tarefa de resolver os problemas das pessoas ou torná-las felizes e sim, o de ajudá-las a

ver e experimentar a graça de Deus em suas vidas.

A objetividade de toda ação pastoral é que Cristo seja formado, ou seja, que Cristo

permeie toda a vida das pessoas em seus múltiplos relacionamentos: com Deus, com o pró-

ximo, com a natureza e com elas mesmas. O exercício do ministério pastoral é o conjunto

do modo de ser discípulo de Jesus Cristo, por isso, discipulado como método de pastoreio é

na verdade a aplicabilidade das ações pastorais na vida da comunidade de fé.

Portanto, o termo pastoral é a ação que procura relacionar o Evangelho às situações

concretas da vida de cada dia. A missão do ministério pastoral é relacionar o testemunho

cristão com as diversas situações que afligem o ser humano contemporâneo.

Nesse sentido, o objetivo deste trabalho acadêmico é: observar e analisar, o conceito

de discipulado a partir do mundo jesuânico e sua aplicabilidade na “Vida e Missão” do mo-

vimento metodista em sua origem. Com isso, poderemos identificar, o que a Igreja Metodis-

ta brasileira ganhou como herança desse movimento do século XVIII e, assim, poder enten-

der o conceito de discipulado e seus resultados na vida em comunidade e na prática evange-

lizadora e missionária da Igreja Metodista em terras nordestinas. E mais, o resultado desta

pesquisa poderá e deverá ser usado como um instrumento norteador contra as práticas do

movimento G-12.3

2 Sobre o tema, ver: ALLMEN, Jean-Jacques Van. Vocabulário Bíblico. Publicado sob a direção de Jean-Jacques

Van Allmen. Trad. Afonso Zimmermann, São Paulo, Aste, 2001, pp. 430-431. 3 Sobre o tema do G-12 (Cf. anexo 3), o Colégio Episcopal da Igreja Metodista elaborou uma carta pastoral ori-

entando a Igreja Metodista com relação às práticas deste movimento contrário à ação do Espírito de Deus.

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16

No primeiro capítulo, observo que o discipulado adotado por Jesus é resultado de uma

vida dedicada e compromissada com outro. A dimensão do discipulado praticado por Jesus

está baseado em um aspecto mais relacional, mais comunitário, promovendo e gerando a-

mor, alegria, esperança e compromisso com a vida e com o Reino de Deus. O discipulado é

a teoria que se transforma em vivência e que tem o objetivo de preparar os(as) seguido-

res(as) de Jesus para o cumprimento da missão de Deus.

Já no segundo capítulo, apresento uma tese sobre o conceito de discipulado em

Wesley. Pois, o discipulado vivenciado por ele, tem como origem a vida em família. É na

família que Wesley encontra toda fundamentação para a prática pastoral em pequenos gru-

pos e para a sua prática missionária. Esse princípio é fortalecido quando, ele passa a fre-

qüentar outros ambientes, como, a Universidade de Oxford. Formando os grupos de estu-

dantes para o estudo e aprofundamento dos conceitos bíblicos, teológicos e para comparti-

lhar a fé e promover a comunhão plena com Deus.

Enfim, no terceiro capítulo, faço uma proposta para uma pastoral do discipulado vol-

tado para a Região Missionária do Nordeste – REMNE. Considerando os aspectos históricos

e sua prática evangelizadora, como resultado dos objetivos encontrados no “Plano para a

Vida e Missão”. A proposta dessa pastoral tem três dimensões, a saber: o discipulado que

promove o pastoreio mútuo, que fortalece os relacionamentos e que possibilita o processo

de ensino e de formação de novos líderes e discípulos(as).

O discipulado é um estilo de vida que promove e gera vida em comunidade e na vida

pessoal. O cristão que passa pelo processo de discipulado tem consciência missionária de

que ele faz parte do Reino de Deus, como agente transformador e gerador de vidas.

Rogo a Deus, que esse pensamento se torne uma prática constante e que seja

vivenciada e experimentada por toda a REMNE.

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CAPÍTULO I

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O DISCIPULADO

COMO MARCA DA TRADIÇÃO CRISTÃ

“Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à con-sumação do século”. (Jesus Cristo)

Para melhor compreender o tema proposto nesta pesquisa, será apresentado no decor-

rer deste trabalho, referenciais bíblicos, teológicos e pastorais acerca dos elementos que,

norteiam o discipulado cristão dentro da herança da tradição cristã.

Antes de discorrer sobre o tema do discipulado e sua utilização como dinâmica de pas-

toreio na capacitação do laicato, gostaria de tratar mais especificamente sobre os principais

conceitos bíblicos e teológicos que nortearão esta pesquisa.

O discipulado adotado por Jesus de Nazaré, segue uma metodologia muito simples e,

ao mesmo tempo, muito complexa, pois Ele é o nosso referencial de vida. O Seu ensino é

para os judeus uma revolução e para nós uma lição de amor. Esses ensinamentos têm como

base o conceito de adoração, de comunhão, as Escrituras Sagradas como Palavra de Deus e

de evangelização. Eles são conseqüência de uma vida marcada pela obediência à vontade de

Deus e para nós frutos de uma vida relacional, entre Jesus Cristo e Seus discípulos(as).

Para alcançar o objetivo desta pesquisa, que é de compreender as dimensões bíblicas,

teológicas e pastorais do discipulado, será necessário analisar o que a tradição cristã apre-

senta como definição e significado, o conceito de discipulado em Jesus Cristo. Conceitos

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19

estes que foram apresentados e vivenciados pelo próprio mestre – Jesus. Tais conceitos es-

tão associados diretamente a um estilo de vida determinante, diferente e marcante.

Jesus propõe uma estrutura de aprendizado diferenciada do que era ensinado em Seu

tempo. A base desse modelo de ensino é Sua própria vida e o conteúdo de Sua mensagem é

a proclamação da Boa-Nova do Reino de Deus4. Portanto, Jesus conviveu e se relacionou de

tal forma com os discípulos, que possibilitou a Seus seguidores viverem sob a graça dos

propósitos de Deus para a humanidade.

O “Plano para a Vida e a Missão” da Igreja Metodista diz que, o propósito de Deus é

de:

[...] reconciliar consigo mesmo o ser humano, libertando-o de todas as coisas que o escravizam, concedendo-lhe uma nova vida à imagem de Jesus Cristo, através da ação e poder do Espírito Santo, a fim de que, como Igreja, consti-tua neste mundo e neste momento histórico, sinais concretos do Reino de Deus.5

Nesse sentido, discipulado é a teoria transformadora em vivência e convicção e esse

processo acontecia em todas as situações da vida.6 Com isso, a vida ao lado de Jesus, passa

a ser uma vida em comum, como uma família que tem propósitos e objetivos, assumindo e

participando da construção e da proclamação da Boa-Nova do Reino de Deus.

4 Marcos 9,1 5 IGREJA METODISTA. Plano para “Vida e Missão”: Decisão do XIII Concílio Geral da Igreja Metodista e

Credo Social da Igreja Metodista. Editora Unimep. 1982, p. 12. 6 LAVOURA, Sergio Gama. Discipulado. São Paulo: Frutos da Luz Produções. 2001, p. 19.

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20

1. O Discipulado na Tradição Cristã

Por discipulado na herança da tradição cristã, entendo que é a transmissão dos ensi-

namentos de Cristo e a continuidade das experiências da comunidade de fé7 que foram dis-

cipulados por Jesus e que professam a fé em Deus. Tendo como pressuposto esse pensamen-

to, vejo que é necessário aprofundar mais nessa questão, até mesmo para que o termo disci-

pulado seja compreendido bíblico e teologicamente.

1.1. O Discipulado

Por discipulado,8 entendo que é o processo de vida e comunhão e não apenas uma re-

ceita que visa ao crescimento numérico da igreja. Esse processo de vida tem como objetivo

inicial o fortalecimento, a capacitação e o aperfeiçoamento da comunidade de fé. Nesse sen-

tido, ser discípulo(a) significa estar vinculado a Jesus e cumprir a vontade de Deus (cf. Mt

12,45-50; Mc 3,31-35). Para entender o discipulado de Jesus, é importante reconhecer que o

chamado para ser discípulo(a), está diretamente ligado ao chamado para o serviço9 e servir a

Jesus é obedecer e fazer a vontade de Deus.

Discipulado é vida com e em Jesus, e essa vida tem como base e princípio o amor, que

é a mais pura expressão da graça maravilhosa de Deus, pois cremos que Deus ama o ser

7 Cf. O Dicionário Pastoral afirma que: “A Igreja é essencialmente comunidade. Neste sentido, o Vaticano II diz

o seguinte: “A todos aqueles que olham com fé para Jesus, como autor da salvação e principio da unidade e da paz, Deus convocou-os e constitui com eles a Igreja, a fim de que ela seja para todos e cada um o sacra-mento visível desta unidade salvífica”. Neste texto não se emprega a palavra comunidade, mas está nele im-plícita, visto que se trata da junção de todos os crentes, unidos como um só povo, com a mesma fé e a mesma forma de presença no mundo, para serem sacramento de unidade entre os homens. Ora, isso é a comunidade. O ser comunitário da Igreja deriva da mensagem e da ação do Jesus histórico. Com efeito, sabemos que a primeira coisa que Jesus fez, no Seu ministério apostólico, foi reunir uma pequena comunidade de discípulos, que viveu com Ele e como Ele. Assim, Jesus ofereceu uma alternativa ao modelo de convivência e de socie-dade em que vivemos. Em contrastes com a convivência e a sociedade baseadas no ter, no poder e no subir, Jesus oferece a alternativa da comunidade cristã, baseada na partilha, no serviço e na solidariedade.”, p. 103.

8 No Novo Testamento, as palavras que se vinculam com o discipulado se aplicam, mormente aos seguidores de Jesus e descrevem a vida da fé. Akaloutéo que significa - “Seguir” indica a ação de um homem que responde à chamada de Jesus, e cuja vida recebe novas diretrizes em obediência. Mathetés é a palavra do grego, que significa “discípulo”, que é alguém que ouviu a chamada de Jesus e se torna seu seguidor.

9 FOUILLOUX, Danielle. LORGLON, Anne. MAOGNÈ, Alicele. SPIESS, Françoise. THIBAULT, Madileine. TRÉBUCHAN, Renée. Dicionário Cultural da Bíblia. Edições Loyola. São Paulo. 1998.

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21

humano e a criação, que lhes entregou e lhes abre o caminho para a salvação, para que o

encontre e a Ele volte.10

O amor de Deus é a base do discipulado que leva a comunidade de fé ao despertamen-

to espiritual, tanto individual quanto comunitário. O amor não se expressa por meio de sen-

timentos porque amar não é sentir, amar é se expressar por meio de atitudes e práticas de

justiça. Por isso, podemos afirmar que o amor não reconhece barreiras e não se nega a nin-

guém11 pois:

Quem possui a caridade em Cristo cumpra o mandamento do Cristo. [...] A caridade nos une estreitamente a Deus, a caridade cobre a multidão de peca-dos, a caridade tudo suporta, é paciente. Na caridade não há baixeza nem so-berba; ela não fomenta divisões, não é sediciosa, a caridade faz tudo na con-córdia. Na caridade foram aperfeiçoados os eleitos de Deus. Sem a caridade nada é agradável a Deus. Na caridade nos acolheu o Senhor. Foi por caridade para conosco que Jesus Cristo, Senhor nosso, dócil à vontade de Deus, en-tregou por nós seu sangue, sua carne por nossa carne, sua vida por nossas vi-das.12

Isso leva a comunidade ao amadurecimento espiritual, pois a fazer a vontade de Deus

em amor, estamos resgatando a imagem e semelhança de Deus em nós, por meio do discipu-

lado. Portanto, o amor é essencial para a vida cristã e para o fortalecimento da comunidade

de fé que, por conseguinte, torna-se uma comunidade evangelizante. Nessa mesma linha de

pensamento, concordo com a definição de discipulado que diz:

O discipulado é o desafio que Deus nos faz no sentido de deixar as coisas ve-lhas de uma natureza pecaminosa e resgatar a imagem e semelhança de Deus, através do aprendizado “Daquele que é a imagem do Deus invisível” – Jesus Cristo (cf. Cl 1,15).13

Na Bíblia, que é a nossa regra de fé e prática, encontramos conceitos que fundamen-

tam e confirmam esse modelo de discipulado. Modelo esse que percebemos também na his-

10 KLAIBER, Walter e Manfred Marquardt. Viver a Graça de Deus: Um Compêndio de Teologia Metodista.

Walter Klaiber e Manfred Marquardt; Tradução: Helmuth Alfredo Simon. São Bernardo do Campo, Editeo, 1999, p. 07.

11 STOKES, Mack B. As Crenças Fundamentais dos Metodistas. Coleção Metodismo – Imprensa Metodista. São Paulo. 1992, p. 94.

12 C. F. Gomes. Antologia dos Santos Padres: páginas seletas dos antigos escritores eclesiásticos. São Paulo, Edições Paulinas, 1979, p. 24.

13 LAVOURA, Sergio Gama. Discipulado. São Paulo: Frutos da Luz Produções. 2001, p. 18.

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22

tória do Metodismo, em especial nos movimentos de pequenos grupos de pessoas, que ti-

nham como objetivo a fundamentação da fé comunitária e pessoal.

1.1.1. Conceito de Adoração

O conceito básico de adoração na Bíblia é o de “serviço”.14 As palavras abhôdhâ (he-

braico) e lateia (grego) têm como significado original o trabalho dos escravos ou emprega-

dos. Os senhores recebiam “adoração” de seus servos quando estes se prostravam diante

deles e reconheciam sua superioridade.

Adorar a Deus, porém, leva a adoração a seus limites extremos, pois a verdadeira ado-

ração cristã nos conclama a declarar a superioridade absoluta de Deus e, por conseqüência,

a superioridade relativa de qualquer outra coisa ou pessoa.

Um dos episódios de adoração encontrados na Bíblia é o relato em Apocalipse 5,11-

12, em que João vê uma cena que descreve a adoração eterna de Cristo no céu:

Vi, e ouvi uma voz de muitos anjos ao redor do trono, dos seres viventes e dos anciãos, cujo número era de milhões de milhões e milhares de milhares, proclamando em grande voz: Digno é o Cordeiro, que foi morto, de receber o poder, riqueza, sabedoria, força, honra, glória e louvor.

Isso mostra o que Deus espera de nós na adoração cristã: que exaltemos o Senhor que

ressurgiu como o único a quem devemos tudo o que somos e o que temos.

Em última análise, a adoração é um mistério. Pois ela envolve não apenas a nossa ex-

periência humana, mas também o próprio caráter e a natureza de Deus. Portanto, não se po-

de tentar defini-la com apenas algumas palavras. Uma das formas de começar a entender

seu significado é refletir sobre as tentativas de alguns pensadores cristãos de definir adora-

ção.

A verdadeira adoração é aquele exercício do espírito humano que nos con-fronta com os mistérios e as maravilhas de Deus, em cuja presença a mais apropriada e salutar reação é o amor expresso na adoração. (Raph P. Martin)

14 DOUGLAS, J. D. O Novo Dicionário da Bíblia. Tradução de João Bentes. 2ª Edição. São Paulo. Vida Nova.

1995.

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Adoração é um encontro pessoal com Deus no qual glorificamos, magnifi-camos e cantamos ao Senhor por sua pessoa e seus atos [...] Adoramos a Deus simplesmente porque Ele é Deus. (Robert. E. Webber)

A adoração é a alegre resposta dos cristãos ao amor santo e redentor de Deus, revelado a nós por meio de Jesus Cristo. (Horton Davies)

Adorar é... Avivar a consciência através da santidade de Deus, alimentar a mente com a verdade de Deus, purificar a imaginação com a beleza de Deus, abrir o coração ao amor de Deus, render a vontade aos propósitos de Deus. 15 (William Temple)

Essas definições revelam um pouco da majestade e da maravilha da adoração cristã.

Porém, nenhuma dessas frases chega perto de esgotar seu significado, pois ela é profunda e

misteriosa, ampla e variada, complexa e significativa demais para ser reduzida a uma sim-

ples definição.

A Bíblia é a regra de fé e prática para os cristãos. Isso quer dizer que precisamos bus-

car nas Escrituras a fonte básica de conhecimentos sobre adoração. O relato bíblico nos

mostra que a adoração é fundamentalmente a reação de um indivíduo ou grupo de pessoas a

um ato poderoso de Deus. O padrão que vemos nas Escrituras é semelhante a este:

Deus age poderosamente em favor de Seu povo;

O povo responde com gratidão e louvor;

Deus aceita os atos de adoração de Seu povo.

Esse padrão se repete por toda a Bíblia e aponta para uma verdade central: o processo

de adoração é sempre iniciado por Deus.16 A adoração é uma resposta à iniciativa divina.

Esse padrão pode ser observado tanto no Antigo quanto no Novo Testamento. Para Jesus,

adorar é reconhecer a soberania de Deus em todos os momentos da vida, sejam eles tristes

ou alegres, estando sozinho ou acompanhado, na riqueza ou na pobreza, na saúde ou na do-

ença. Com isso, a vida entre Jesus e Seus discípulos e Suas discípulas se tornou o começo

de uma nova comunhão com Deus.

15 BASDEN, Paul. Estilos de Louvor: Descubra a Melhor Forma de Adoração Para a Sua Igreja /Paul Basden;

tradução de Emirson Justino. São Paulo. Mundo Cristão. 2000, p. 22. 16 BASDEN, Paul. Estilos de Louvor, p. 22.

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1.1.2. Conceito de Comunhão

Comunhão é a atitude de abrir nossas vidas para nossos irmãos e irmãs e amá-los(as).

A comunhão é a entrega total de uma vida à outra, mesmo sabendo que pode ser traído.17 A

comunhão é um fator importante para o povo de Deus, para o cristianismo, e é importante

para qualquer outra religião, pois uma das dimensões essenciais da atividade salvífica de

Deus é a capacitação dos homens e mulheres à comunhão.18

E para ser um discípulo, uma discípula de Jesus é necessário ter uma vida em perfeita

comunhão com Deus, com o próximo e consigo mesmo. Esse ensinamento é um dos impera-

tivos absolutos para seguir a Cristo como Seu discípulo e discípula.

No texto do livro de Atos dos Apóstolos 2,42-47 diz que:

“ v. 42: E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações. v. 43: Em cada alma havia temor; e muitos prodígios e sinais eram feitos por intermédio dos apóstolos. v. 44: Todos os que creram estavam juntos e tinham tudo em comum. v.45: Vendiam as suas proprieda-des e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade. v.46: Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em casa, e tomavam suas refeições com alegria e singeleza de coração, v.47 louvando a Deus, e contando com a simpatia de todo o povo. Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor os que iam sendo salvos.”

Esse texto diz que os primeiros discípulos “perseveravam (...) na comunhão, no partir

do pão” (v. 42) e o versículo 46 nos diz que eles tinham tudo em comunhão diária “partin-

do o pão em casa” e “comiam juntos com alegria e singeleza de coração”. Obedecendo,

portanto, os ensinamentos de Jesus, quando este falava sobre os dois maiores mandamentos

de Deus, que é “amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”.19

A comunidade descrita em Atos dos Apóstolos nos ensina que uma igreja deixa de ser

uma comunidade, quando esta deixa de praticar os mandamentos que Jesus nos apresentou.

Com isso, a igreja torna-se uma organização. Essa é conhecida por seus programas, sua mú-

17 Estou me referindo a traição de Judas Iscariotes em relação a Jesus. 18 KLAIBER, Walter e Manfred Marquardt. Viver a Graça de Deus: Um Compêndio de Teologia Metodista.

Walter Klaiber e Manfred Marquardt; Tradução: Helmuth Alfredo Simon. São Bernardo do Campo, Editeo, 1999, p. 187.

19 Marcos 12,29-31

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25

sica, sua pregação, ou por algum outro aspecto social, mas deixa de ser conhecida pela qua-

lidade de seus relacionamentos.

O propósito de Deus para Sua igreja, não era para ser meramente uma organização,

mas um organismo vivo, uma comunidade que pulsa e respira vida e amor. A igreja de Deus

é conhecida pelo amor, porque Deus é amor.20

Quando Jesus foi levado à cruz, que estava destinada para nós, Ele possibilitou uma

nova oportunidade de vivermos uma vida em abundância, uma vida com propósitos e metas,

pois:

Cristo resgata o significado da vida humana e lhe concede propósitos e me-tas. Pois o propósito de Deus para o ser humano é que este viva abundante-mente em comunhão com Deus, consigo, com o próximo e com o cosmos, e para isso nos desafia a seguir o modelo Daquele que viveu e demonstrou isso na prática.21

Nosso testemunho e serviço necessariamente devem ser feitos em nome de quem nos

envia, a saber: Jesus Cristo, o autor e consumador de nossa fé.22

A comunhão que esperamos, a partir de um discipulado, passa pelo Evangelho de

Cristo. O discipulado não pode ser expressão de um grupo, mas de uma igreja, corpo vivo

de Cristo e, no nosso caso, da Igreja Metodista. Deve ainda levar alegria e esperança a um

mundo diferente. O Evangelho é o responsável por tudo o que cremos e não pode ser deixa-

do de lado.

Portanto, temos uma grande responsabilidade, pois o Evangelho não pode ser usado

para justificar nossas ações ou pensamentos egocêntricos. Buscar a maneira de interpretar o

Evangelho deve ser realmente nossa regra de vida, fé e testemunho.

Para isso, precisamos de um novo paradigma de convivência, um novo estilo de vida

que nos ajude a fortalecer nossos relacionamentos pessoais, familiares, profissionais, espiri-

20 1 João 4,7-21 21 LAVOURA, Sérgio Gama. Discipulado. Frutos da Luz. São Paulo, p. 18. 22 Hebreus 12,2

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26

tuais e que inaugure um novo pacto social entre os povos no sentido de respeito e de preser-

vação de tudo o que existe e vive.

A humanidade vive hoje um tipo de crise civilizacional23 já constatado há décadas por

sérios analistas e pensadores contemporâneos; é um grande mal-estar da civilização. Conhe-

cido também como o fenômeno do descuido, do descaso e do abandono.

O Rollo May em seus estudos psicoterápicos, afirma que o problema fundamental do

homem é o vazio.24

Leonardo Boff em seu livro “saber cuidar”, segue esse mesmo pensamento identifi-

cando e apresentando fatos importantes à cerca do mal-estar gerado ao longo dos tempos.

Com isso, ele nos faz um alerta e, nos lança um grande desafio, que é o de saber cuidar. Ele

diz que:

Há um descuido e um descaso pela vida inocente de crianças usadas como combustível na produção para o mercado mundial. (...) Não causa admiração se são assassinadas por esquadrões de extermínio nas grandes metrópoles da América Latina e da Ásia. Há um descuido e um descaso manifesto pelo des-tino dos pobres e marginalizados da humanidade, flagelados pela fome crô-nica, mal sobrevivendo da tribulação de mil doenças que são hoje considera-das erradicadas e atualmente retornando com redobrada virulência. Há um descuido e um descaso imenso pela sorte dos desempregados e aposentados, sobretudo dos milhões e milhões de excluídos do processo de produção, ti-dos como descartáveis e zeros econômicos. Há um descuido e um abandono dos sonhos de generosidade, agravados pela hegemonia do neoliberalismo com o individualismo e a exaltação da propriedade privada que comporta. Menospreza-se a tradição da solidariedade. Há um descuido e um abandono crescente da sociabilidade nas cidades. A maioria dos habitantes sentem-se desenraizados culturalmente e alienados socialmente. Há descuido e descaso pela dimensão espiritual do ser humano, pelo espírito de finesse (espírito de gentileza) que cultiva a lógica do coração e do enternecimento por tudo o que existe e vive. Há um descuido e um descaso pela coisa pública. (...) Há um descuido vergonhoso pelo nível moral da vida pública marcada pela cor-rupção e pelo jogo explícito de poder de grupos, chafurdados no pantanal de interesses corporativos. Há um abandono da reverência, indispensável para cuidar da vida e de sua fragilidade. Há um descuido e um descaso na salva-guarda de nossa casa comum, o planeta Terra.25

23 Sobre este tema ver a obra de Rollo May, “O Homem à Procura de Si Mesmo”. 24 MAY, Rollo. O Homem à Procura de Si Mesmo. Petrópolis – RJ. Vozes. 1986, p. 14. 25 BOFF, Leonardo. Saber Cuidar: Ética do Humano – Compaixão pela Terra. Petrópolis, RJ. Vozes. 1999, p.

19-20.

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27

Como resultado do descuido, do descaso e do abandono, o ser humano perdeu sua es-

perança. Outros perderam a fé na capacidade de regeneração do ser humano e de projeção

de um futuro melhor.26 Boff em uma pequena frase justifica, ao mesmo tempo, pergunta

dizendo:

Depois da vida há coisa pior do que perder o brilho da vida? Outros têm fé e esperança. Mas propõem remédios inadequados aos sintomas de uma doença coletiva. Não vão à causa real das mazelas. Tratam apenas dos sinais.27

Com isso, o ser humano da modernidade não precisa de Deus para legitimar e justifi-

car os pactos sociais, pois o ser humano moderno criou um “complexo de Deus”.28 Para tan-

to, é necessário o surgimento de um novo paradigma. Fruto de uma espiritualidade renovada

e fortalecida que religa, liga e integra.

Leonardo Boff nos faz uma sugestão, que direcionará a um discipulado que vise ao

surgimento de uma nova espiritualidade ou de uma espiritualidade mais madura, mais firme.

Ele propõe que ao “complexo de Deus” devemos propor “o nascimento de Deus” dentro de

cada pessoa e da história da humanidade, e sua epifania no universo.

A proposta de discipulado em Jesus frente ao descuido, ao descaso e ao abandono é o

cuidado com o ser integral, pois sem o cuidado, o ser humano deixa de existir. Se não rece-

be cuidado, desde o nascimento até a morte, o ser humano desestrutura-se, definha, perde

sentido e morre.29 Por isso, cuidar é mais que um ato é uma atitude. Assim, é muito mais

que um momento de atenção, de zelo e de desvelo, representa uma atitude de ocupação,

preocupação, responsabilidade e envolvimento afetivo com o outro.

Jesus é a Pessoa que pode dar ao ser humano razão para viver. Nele, a dis-tância indescritível que separa o ser humano pecador da Santidade de Deus é eliminada. Cristo se torna humano para dar solução ao maior pecado da hu-manidade – o distanciamento de Deus. Esse é o fato que gera conseqüências terríveis, ou seja, produz a separação.30

26 BOFF, Leonardo. Saber Cuidar, p. 20. 27 BOFF, Leonardo. Saber Cuidar, p. 21. 28 BOFF, Leonardo. Saber Cuidar, p. 21. 29 BOFF, Leonardo. Saber Cuidar, p. 34. 30LAVOURA, Sergio Gama. Discipulado. São Paulo: Frutos da Luz Produções. 2001. Pg. 17

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28

O filósofo Martin Heidegger (1889-1976) em seu famoso “Ser e Tempo”, diz que do

ponto de vista existencial, o cuidado se acha a priori, antes de toda atitude e situação do ser

humano. Isso sempre significa dizer que ele se acha em toda atitude e situação de fato.31

Conclui-se que o cuidado se encontra na raiz primeira do ser humano, antes que ele

faça qualquer coisa. Significa reconhecer o cuidado como um estilo de vida, um modo de

ser diferente, mas essencial e determinante na vida de um discípulo e de uma discípula.

31 HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo, Parte I. Tradução de Márcia de Sá Cavalcante. Petrópolis. Vozes. 1989,

p. 245.

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29

1.2.3. O Conceito das Escrituras Sagradas

Para sermos verdadeiros discípulos e discípulas de Jesus, temos que assumir o com-

promisso com a Palavra de Deus, que é poder para salvação daqueles que crêem32 fonte de

todo o saber divino e nos possibilita conhecimento da mente de Deus.33

A Palavra de Deus é o meio pelo qual Deus se revela ao ser humano e junto com a vi-

da de Jesus torna-se, ao mesmo tempo, base e conteúdo de Sua mensagem.34

Revelação é exposição divina. É Deus expondo informações de si mesmo daquilo que

ele deseja que a Sua criação conheça. Nesse sentido, segundo o livro “Viver a Graça”, a

teologia fala de Deus e do agir de Deus no mundo e com os homens.35

Se pegarmos como base os documentos doutrinários básicos da Igreja Metodista e sua

compreensão do Evangelho como Palavra de Deus, podemos fazer a seguinte declaração de

fé:

Cremos que Deus ama o ser humano e a criação, que lhe entregou, e lhe abre o caminho para a salvação, para que o possa encontrar e a Ele possa voltar. A salvação vale para todos os homens (e mulheres); todos, e cada indivíduo, devem se apropriar dela pela fé e deixar-se renovar totalmente por ela, a fim de que Deus possa levar à perfeição a sua criatura, dele afastada e ferida pelo pecado.36

Portanto, o discipulado é o desafio que Deus nos faz no sentido de deixar as coisas ve-

lhas de uma natureza pecaminosa e resgatar a imagem e semelhança de Deus, por meio do

aprendizado “Daquele que é a imagem do Deus invisível” – Jesus Cristo (cf. Cl 1.15).37

Entretanto, o que entendemos por “revelação”?

Revelação, segundo a definição do “Dicionário Internacional de Teologia do Novo

Testamento”, é a transmissão do conhecimento de Deus ao Seu povo.38 Mas também pode-

32 Romanos 1,16 33 1 Coríntios 2,16 34 KLAIBER, Walter e Manfred Marquardt. Viver a Graça de Deus, p. 02. 35 KLAIBER, Walter e Manfred Marquardt. Viver a Graça de Deus, p. 07. 36 KLAIBER, Walter e Manfred Marquardt. Viver a Graça de Deus, p. 07. 37 LAVOURA, Sergio Gama. Discipulado, p. 18.

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30

mos afirmar que revelação, entre os cristãos, é a ação divina que comunica aos homens os

desígnios de Deus e a verdade que estes envolvem, sobretudo por meio da palavra consig-

nada nos livros sagrados.

Em outras palavras revelação é quando alguma coisa oculta é desvendada ou manifes-

tada. Walter Klaiber e Manfred Marquardt dizem que revelar significa criar acesso a algo

oculto, tirar o véu de algo escondido (total ou parcialmente, direta ou indiretamente).39 E

afirma ainda que o fato de que Deus se revela aos homens é relatado na Bíblia de várias

maneiras e formas.40

Para os autores do “Viver a Graça”, o ato de Deus se revelar ao homem por meio de

Sua “Palavra” e por acontecimentos exteriores como: na tempestade e no farfalhar das árvo-

res (2 Sm 5,24); no ciciar do vento (1 Rs 19,12), significa dizer que, “Deus saiu do seu o-

cultamento”41 e que todas essas formas visam à manifestação do ser e da vontade de Deus

ao povo de Israel e também aos povos de toda a terra. Pois é Deus quem se volta para o ho-

mem e para a mulher, como um Deus que é amor42. Esta é a origem e o conteúdo da revela-

ção.43

Em Hebreus, constatamos o resumo da significação da pessoa e da história de Jesus,

no que se refere à compreensão cristã da revelação de Deus a Seu povo. O relato de Hebreus

1,1 diz que: “Havendo Deus outrora falado muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais,

pelos profetas, nestes últimos dias, nos falou pelo Filho”. Nesse sentido, Jesus Cristo é o

centro e o resumo final da ação reveladora de Deus, e assim tornando-se o padrão e o crité-

rio de avaliação de tudo o que pretende apresentar como ato revelatório de Deus.

Deus falou no Filho, e por isso, no entender da Carta aos Hebreus, não so-mente as palavras de Jesus são qualificadas como Palavra de Deus, mas tam-

38 BROWN, Colin. COENEN, Lothar. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. 2ª Edição.

São Paulo. 2000. 39 KLAIBER, Walter e Manfred Marquardt. Viver a Graça de Deus, p. 08. 40 KLAIBER, Walter e Manfred Marquardt. Viver a Graça de Deus, p. 08. 41 KLAIBER, Walter e Manfred Marquardt. Viver a Graça de Deus, p. 08. 42 1 João 4,7-21 43 KLAIBER, Walter e Manfred Marquardt. Viver a Graça de Deus, p. 13.

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31

bém a sua pessoa, a sua vida e atividade, a sua morte e ressurreição revelam a Deus.44

Para isso, o Novo Testamento e, em especial, as cartas paulinas destacam a morte e a

ressurreição de Jesus, como o centro da revelação de Deus ao Seu povo.45 É este o ponto

que caracteriza a revelação bíblica, pois:

O fato de Deus se tornar manifesto é, conforme o testemunho bíblico, uma história que Deus vive com os homens, na qual se une a eles nos aconteci-mentos [...] Revelação é [...] uma manifestação integradora: Deus vem ao homem, não o abandona a si mesmo e não o deixa sozinho, consigo mesmo, atirado no mundo.46

Para Walter Klaiber e Manfred Marquardt, Jesus Cristo é a palavra de Deus feita car-

ne. A palavra de Deus se revela em Jesus, que é o Filho de Deus e que “acontece” na vida e

no mundo (Gn 1,3; Sl 33,6; Is 55,10).

Já para Karl Barth, no que se refere à palavra de Deus ou como ele diz “complexo fe-

nômeno da palavra de Deus”, define e apresenta uma tripla caracterização, seguindo uma

estrutura conceitual:

A palavra anunciada de Deus: em que Deus, pela pregação e nos sacramen-tos da Igreja, fala aos homens; A palavra escrita de Deus, a Sagrada Escritu-ra, como memória da revelação acontecida; A palavra revelada de Deus, o evento mesmo da revelação, o qual é descrito da maneira mais radical possí-vel pela frase: “A Palavra se tornou carne”. Nessa tríplice forma de sua Pa-lavra, Deus nos fala, e é importante apreender a profunda unidade e a mútua dependência dessas três formas do falar de Deus: a Palavra revelada de Deus conhecemos unicamente pela escrita e a Palavra escrita se nos manifestou na pregação concreta e atual. Inversamente, a Palavra anunciada tira suas raízes da Escritura e a Palavra escrita recebe sua autoridade da revelação de Deus que a testemunha.47

Walter Klaiber e Manfred Marquardt, seguindo a linha de pensamento de Karl Barth e

lançando mão dos “fundamentos da doutrina e da tarefa teológica da Igreja Evangélico-

Metodista”, afirmam que:

Na Bíblia, o Deus vivo nos encontra na experiência da graça redentora. Te-mos a convicção de que Jesus Cristo é a Palavra viva de Deus em nosso

44 KLAIBER, Walter e Manfred Marquardt. Viver a Graça de Deus, p. 11. 45 Ver Colossenses 2,9 46 JOEST, W. Dogmatik I, 1984, pg. 17. In: Viver a Graça. KLAIBER, Walter e Manfred Marquardt, p. 13. 47 BARTH, K. Kirchliche Dogmatik I, 1, pg. 89-128. In: Viver a Graça. KLAIBER, Walter e Manfred Mar-

quardt. Op. Cit. Pg. 15.

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meio e nele confiamos na vida e na morte. Os escritores bíblicos, iluminados pelo Espírito Santo, dão testemunho de que em Jesus Cristo o mundo está reconciliado com Deus. A Bíblia, de seu lado, atesta seguramente a auto-manifestação de Deus na vida, na morte e ressurreição de Jesus, bem como na sua atividade como Criador, na peregrinação do povo de Israel e na conti-nuidade da operação do Espírito Santo na história humana. Quando abrimos coração e mente para a Palavra de Deus – a qual vem a nós em palavras hu-manas, inspiradas pelo Espírito Santo – nasce e cresce a nossa fé, aprofunda-se nosso entendimento e as possibilidades de transformação do mundo se er-guem diante de nossos olhos.48

Eles apresentam ainda algumas teses sobre a relação entre a revelação e a Bíblia,

assim:

1. A revelação de Deus precede a Sagrada Escritura, pois a Escritura é tes-temunho da revelação acontecida. A revelação acontecida é narrada na Bí-blia, atestada, guardada e transmitida, pois ela quer tornar-se novamente re-velação.

2. O traço característico da revelação é ser revelação de salvação. [...], pois ela quer simplesmente levar-nos ao conhecimento de Deus e de nós mesmos, bem como da relação de tudo e de todos com Deus.

3. Revelação e Sagrada Escritura não são idênticas, mas também não podem ser separadas uma da outra. [...] A Sagrada Escritura, como documento da revelação acontecida, dá testemunho do agir de Deus, sobretudo, da derra-deira revelação válida – a que se deu em Jesus Cristo. Por isso, tanto Escritu-ra como revelação devem ser relacionadas entre si e nesse relacionamento recíproco são fonte e norma básica da teologia, para ensino e pregação da I-greja. A Sagrada Escritura, sem a revelação precedente, é letra morta (2 Co 3,6); revelação sem Sagrada Escritura é possivelmente enganadora (auto-ilusão); na conexão estreita entre si, elas são “cânon”, linha diretriz para a nossa atividade teológica e pastoral.

4. Também a Palavra anunciada hoje por testemunhas cristãs, é Palavra de Deus, pela qual Deus mesmo se dirige aos homens e neles produz a fé. So-mente porque isto é verdade, temos esperança fundamental de que nosso tes-temunho atinge os homens no seu mais íntimo e que através de fracas pala-vras humanas, eles se encontram com o Deus salvador e vivificador.49

John Wesley em sua “filosofia natural” define o conhecimento de Deus a partir da ex-

periência e afirma que:

“O mundo ao nosso redor é o poderoso livro em que Deus mesmo se explica. O livro da natureza está escrito em uma linguagem universal, que cada ho-mem pode ler em sua própria língua”. “A perfeição e a grandeza, o poder e a sabedoria do Criador, sua bondade, mas também sua ira podem ser lidos e

48 KLAIBER, Walter e Manfred Marquardt. Viver a Graça de Deus, p. 16. 49 KLAIBER, Walter e Manfred Marquardt. Viver a Graça de Deus, p. 16-17.

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33

entendidos a partir da natureza. Isto significa que cada parcela da natureza aponta para o Deus da natureza”.50

Seguindo a lógica do pensamento wesleyano, a criação seria um indício da vida infini-

ta e inesgotável de Deus, de Sua constância e fidelidade, de Sua glória, bondade e sabedoria,

mas também de Sua inexplicabilidade, pois, ao lado da manifestação de Deus na criação,

está na natureza também aquilo que O encobre; ao lado da semelhança com os seres, tam-

bém o incomparável; ao lado do afirmativo também o contraditório.51

Essa afirmação pode ser encontrada na Bíblia, pois ela atesta o ato revelatório de Deus

por meio de Sua criação – a natureza. Exemplo de um relato bíblico podemos encontrar no

livro de Jó que assim diz:

Pergunta aos animais e eles te ensinarão; aos pássaros do céu e eles te dirão; aos avestruzes da terra e eles te instruirão; e aos peixes do mar, e eles te con-tarão. Quem não reconheceria em tudo isso que a mão do Senhor o fez, que em sua mão está a alma de tudo que vive e o hálito vital de todos os ho-mens.52

Paulo, quando escreve aos Romanos e aos Coríntios, dá a entender, de uma forma

mais particular, que o homem e a mulher poderiam e deveriam reconhecer o Criador em Sua

ação criadora na natureza.53

1.1.4. O Conceito de Evangelização

A evangelização tem como pressuposto o seguinte mandamento de Jesus para os Seus

discípulos e discípulas:

“Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto, fazei discí-pulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Es-pírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação dos séculos”.54

50 KLAIBER, Walter e Manfred Marquardt. Viver a Graça de Deus, p. 19. 51 KLAIBER, Walter e Manfred Marquardt. Viver a Graça de Deus, p. 20. 52 Cf. Jó 12,7-10 53 Romanos 1,19-20 54 Mateus 28,18-20 – “A Grande Comissão”

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34

Tendo como base as palavras de Jesus, poderíamos dizer que evangelização é tornar

conhecidas as Boas-Novas de Jesus a um mundo que está morrendo.55 Mas também poderí-

amos dizer que é o anúncio ou a proclamação da nova vida em Deus.56 Ou, até mesmo, que

evangelização é o cumprimento da missão de Deus, pois:

Missão significa envio para disseminar a fé cristã, o envio de homens por Deus, a quem Jesus Cristo revelou como o Deus que ama a todos os seres humanos. Por conseguinte, missão é antes e acima de tudo um ato de Deus, “o ato próprio do Deus da graça”. Em sentido derivado, missão é a tarefa de todos os cristãos, como resposta agradecida ao que Deus fez e faz.57

José Comblin falando sobre o assunto diz que evangelizar diz respeito aos “evange-

lhos” e define evangelização da seguinte maneira:

“Evangelização” ou evangelizar é anunciar e publicar a mensagem dos “e-vangelhos”. Ora, a mensagem dos evangelhos consiste nisto: o anúncio de Jesus Cristo. [...] Evangelizar consta assim de três graus: evangelizar é anun-ciar os evangelhos; os evangelhos anunciam Jesus Cristo; Jesus Cristo anun-cia o advento do reino do Pai. Que é vida e liberdade dos homens.58

Nesse sentido, a igreja primitiva compreendeu o conceito de evangelização. Então,

posso afirmar sem medo que a igreja primitiva foi um grupo de homens e mulheres que as-

sumiram a missão de Deus e realizaram a vontade de Seu Senhor, Jesus Cristo.

A igreja primitiva foi missionária, pois a missão era a razão de sua existên-cia, dirigindo-se aos homens de seu tempo pela pregação dos apóstolos, pelo exemplo da vida em comum e auxílio mútuo, e pela fidelidade de seus mem-bros.59

O “Plano para Vida e Missão” define evangelização da seguinte maneira:

A Evangelização, como parte da Missão, é encarnar o amor divino nas for-mas mais diversas da realidade humana para que Jesus Cristo seja confessa-do como Senhor, Salvador, Libertador e Reconciliador. A Evangelização si-naliza e comunica o amor de Deus na vida humana e na sociedade através da adoração, proclamação, testemunho e serviço.60

55 Romanos 6,23 56 Romanos 6,5 57 KLAIBER, Walter e Manfred Marquardt. Viver a Graça de Deus, p. 371. 58 COMBLIN, José. Evangelizar: Meditações Evangélicas VIII. Petrópolis. Editora Vozes, 1980, p. 07. 59 KLAIBER, Walter e Manfred Marquardt. Viver a Graça de Deus, p. 371. 60 IGREJA METODISTA. Plano para “Vida e Missão”: Decisão do XIII Concílio Geral da Igreja Metodista e

Credo Social da Igreja Metodista. Editora Unimep. 1982, p. 28.

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Por isso, uma das características do Metodismo é a paixão evangelística e isso nós po-

demos ver na herança wesleyana:

O Metodismo caracteriza-se por sua paixão evangelística, procurando pro-clamar as boas-novas de salvação a todas as pessoas, de tal sorte que o amor e a misericórdia de Deus, revelados em Jesus Cristo, sejam proclamados e aceitos por todos os homens e mulheres (I Co 1,22-24). No poder do Espírito Santo, através do testemunho e do serviço prestados pela Igreja ao mundo em nome de Deus, da maneira mais abrangente e persuasiva possíveis, os metodistas procuram anunciar a Cristo como Senhor e Salvador (I Co 9,16; Fp 1,12-14; At 7,55-58).61

A evangelização está relacionada à apresentação do evangelho, com o anúncio das

Boas-Novas da morte, sepultamento e ressurreição de Jesus Cristo pelos nossos pecados.62

Assim, o discipulado pode ser considerado uma estratégia que possibilita o envolvi-

mento dos membros de nossa igreja na missão de Deus. Afinal, a nossa missão é viver e

anunciar as novas coisas que Deus fez e ainda está fazendo no mundo, por intermédio de

Jesus Cristo.63

Com isso, surge uma nova comunidade. Uma comunidade que, tendo recebido o desa-

fio do mestre, torna-se uma comunidade evangelizante, uma comunidade fortalecida pelo

poder do Espírito Santo64 e que tem como princípio fundante, o amor recriador e salvífico

de Deus.

Esta nova comunidade se entende como a comunidade dos colaboradores e das colaboradoras de Deus em sua obra. [...] Comunidade que tenta viver se-gundo a ética do amor, e sua conduta segundo as normas do amor, recebe poder pelos dons de Deus no culto divino, no uso dos meios de graça e na comunhão com outros cristãos – onde sempre de novo se renova a experiên-cia da aceitação por Deus – onde sempre de novo recebem a incumbência de celebrar o serviço divino no dia-a-dia, dentro do mundo em que vive.65

Um organismo vivo que pulsa e respira o amor a Deus e ao próximo, e que une povos

e nações, na celebração da vida em Jesus. Por isso é correto dizer que, a Igreja é o corpo de

61 IGREJA METODISTA. Plano para Vida e Missão, p. 08. 62 1 Coríntios 15,1-4 63 ENGLISH, Donald. Discipulado Cristão. São Paulo. Imprensa Metodista. 1977, p. 14. 64 Cf. Atos 1,8 65 KLAIBER, Walter e Manfred Marquardt. Viver a Graça de Deus, p. 346.

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Cristo, a comunidade que continua na história a mensagem de salvação e que incorpora nes-

se novo organismo todos os que se deixam salvar.66

O “Plano para Vida e Missão”, que é um dos documentos produzidos pela Igreja Me-

todista, apresenta a seguinte afirmação:

[...] a Igreja, antes de ser organização, instituição ou grupo social, é um Cor-po, um Organismo vivo, uma Comunidade de Cristo (Ef 1,22-23; I Co 12,27). Sua vivência deve ser expressa como uma comunidade de fé, adora-ção, crescimento, testemunho, amor, apoio e serviço (At 2,42-47; Rm 12,9-21). Nesta comunidade os metodistas são despertados, alimentados, crescem, compartilham, vivem juntos, expressam sua vivência e fé, edificam o Corpo de Cristo, são equipados para o serviço e o expressam junto das pessoas e das comunidades (I Co 12,16-26; II Co 9,12-14; Ef 4,11-16).67

Uma comunidade evangelizante é um grupo de pessoas que, tendo passado pelo pro-

cesso do discipulado, agora coloca em prática os ensinamentos apresentados e vivenciados

por Jesus.

Essa comunidade, uma vez que passa pelo processo de discipulado, é desafiada a a-

tender o chamado para ser testemunha de Jesus Cristo. Nesse sentido, o Colégio Episcopal

da Igreja Metodista, produziu um documento que visa a orientar o povo chamado metodista

à assumir esse desafio rumo a evangelização, dizendo que, para cumprir essa vocação, são

muito importantes: o estilo de vida, a forma de organizar-se e o modo de planejar, pois ser

testemunha é uma forma de encarnar o Evangelho.68

Esse pensamento é a primeira tentativa de demonstrar esse novo estilo de vida adqui-

rido pelo processo de discipulado que é o amadurecimento da fé. Esta parte de uma confis-

são imediata e real da Igreja Metodista brasileira, no sentido de que, não temos assumido o

chamado de Jesus, como de fato era para acontecer, mas estamos voltando ao caminho cer-

to, com ajuda da graça e do poder libertador, restaurador e criativo de Deus.

66 KLAIBER, Walter e Manfred Marquardt. Viver a Graça de Deus, p. 347. 67 IGREJA METODISTA. Plano para Vida e Missão, p. 11. 68 IGREJA METODISTA. Igreja: Comunidade Missionária a Serviço do Povo. Colégio Episcopal da Igreja

Metodista, 1991, p. 09.

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A Igreja Metodista entende que a confissão é um ato gerado pelo amadurecimento da

fé. E, por isso, ela declara que:

Como Igreja Metodista confessamos, com humildade, que nem sempre te-mos sido fiéis à nossa vocação divina, em meio aos homens e mulheres de nosso tempo. Confessamos que, às vezes, os desafios que são colocados di-ante de nós parecem-nos grandes demais e não temos confiado em Deus e em sua presença. Confessamos que sucumbimos a estilos de vida que não são compatíveis como evangelho e com a missão. Confessamos que, em tempos de tanto sofrimento de nosso povo e corrupção dos poderes e siste-mas, a nossa voz profética não tem sido clara e suficiente. Confessamos que a Instituição Metodista nem sempre foi vista como instrumentos de partici-pação na missão do Deus Trino. Por isso, confessamos os nossos pecados comuns e, confiados na abundante graça de Deus, dispomo-nos novamente para a nossa vocação e ministérios no corpo de Cristo.69

A tarefa missionária a ser desempenhada por esta comunidade evangelizante, sempre

se constituiu um grande desafio.

Frente a essa realidade, surge para a igreja de Cristo a necessidade de planejar e de-

senvolver modelos missionários a serem estudados e seguidos pelas nossas comunidades de

fé, na busca por desempenhar o seu papel de agente colaborador e evangelizador na procla-

mação dos valores do Reino de Deus.

Nesse sentido, evangelização é o princípio determinante da ação da igreja. O seu sen-

tido mais abrangente tem a ver com a pessoa, os eventos e a mensagem de Cristo para todo

o mundo. Evangelizar quer dizer transformar e formar continuamente, no evangelho, pesso-

as, comunidades, sociedades e a própria criação. Missão é envio; evangelização é o conteú-

do do projeto contido no envio.70

1.2. Tradição Cristã

Por tradição cristã, entendo que é a transmissão e proclamação do keriggma bíblico,

que tem como ponto de partida a pregação dos discípulos e discípulas de Jesus de Nazaré,

69 IGREJA METODISTA. Igreja: Comunidade Missionária a Serviço do Povo, p. 09-10. 70 FACULADE DE TEOLOGIA DA IGREJA METODISTA. Linhas de Vida e Missão na Faculdade de Teolo-

gia, São Bernardo do Campo, p. 02.

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38

que O proclamam, Cristo e Senhor, num discurso muito simples e assim tomando a forma

de um relato. Tradição cristã é a memória reflexiva da vida da igreja. Assim o evento Jesus

cumpre as profecias das Sagradas Escrituras.

Podemos afirmar também que a tradição é a presença da palavra de Deus71, sempre i-

dêntica a si mesma, mas continuamente encarnada no homem que se dispõe a ouvi-la num

lugar preciso e na situação em que se encontra, no espaço e no tempo, no ambiente que o

envolve nos condicionamentos econômicos, sociais, culturais que simultaneamente o encer-

ram e o exaltam.72

Bernard Sesboüé, no primeiro capítulo do livro “O Deus da Salvação”, diz que há três

tipos de discursos que são centrais na transmissão ou, como ele diz, “nas origens da literatu-

ra cristã” em torno da interpretação do keriggma: o judeu-cristianismo, o gnosticismo e os

padres apostólicos.

E afirma ainda que:

Esses três discursos se comunicam uns com os outros por meio de sutis fe-nômenos de osmose e, até mesmo, se sobrepõem parcialmente. Mas a flexi-bilidade de suas fronteiras em nada elimina a distinção legítima de seus res-pectivos perfis.73

1.2.1. O Judeu-Cristianismo

O termo judeu-cristianismo abrange realidades bastante diferentes. De fato, houve ju-

deus-cristãos perfeitamente “ortodoxos” quanto à fé cristã e judeus-cristãos, cuja cristologia

adocianista74 reconhecia em Jesus um profeta, mas não o Filho de Deus.

71 Cf. o Dicionário de Pastoral, deve-se entender da seguinte maneira: “Por palavra de Deus não deve entender-

se apenas uma série de vocábulos pronunciados (ou escritos); é um conjunto de comunicações e de intercâm-bios, de fatos, gestos, ações, comportamentos, olhares até mesmo silêncios que estabelecem entre Deus e os homens a comunhão de um diálogo, o qual nos conduz a uma relação psicológica irredutível a medidas con-ceituais, embora repleta de inteligência.” , p. 545.

72 C. FLORISTÁN, J. J. TAMAYO, J. DE LA TORRE, A. HORTELANO. Dicionário de Pastoral. Editora San-tuário – Aparecida – SP, p. 545.

73 SESBOÜÉ, B. O Deus da Salvação (Séculos I-VIII). História dos Dogmas dirigida por Bernard Sesboüé, SJ e Joseph Wolinski. Edições Loyola. São Paulo-SP, 2002, p. 29.

74 Heresia do séc. II, segundo a qual Jesus foi adotado como filho de Deus desde o batismo no Jordão, e que nega, assim, uma filiação divina em sentido próprio.

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39

Bernard Sesboüé apresenta uma definição mais completa desse termo, usando uma ci-

tação feita por J. Daniélou assim:

Pode-se [...] chamar de judeu-cristianismo uma forma de pensamento cristão que não implica ligação com a comunidade judaica, mas que se exprime em quadros emprestados do judaísmo. A palavra tem então um sentido muito mais amplo. [...] Ela compreende também homens que romperam completa-mente com o meio judeu, mas que continuam a pensar dentro de suas catego-rias. [...] Esse judeu-cristianismo foi evidentemente o dos cristãos vindos do judaísmo, mas também de pagãos convertidos.75

Dessa forma, o quadro desse pensamento judeu é o da apocalíptica. Sesboüé define

como “uma teologia visionária”.76

Os escritos judeus-cristãos que chegaram até nós são relativamente numerosos. São

originários da Síria, da Ásia Menor, do Egito, da Grécia e até mesmo de Roma, mas poucos

provêm diretamente da Palestina. Esses escritos são o eco de uma larga expansão do cristia-

nismo no mundo mediterrâneo após a dispersão forçada da primeira comunidade de Jerusa-

lém, em particular a Antioquia, e após a destruição do Templo em 70 d.C. dando origem aos

textos considerados apócrifos do Antigo e Novo Testamentos.

Exemplos desses escritos o próprio Sesboüé apresenta em sua pesquisa histórico-

teológica. Vejamos os escritos que ele identifica:

Ascensão de Isaías e Testamentos dos Doze Patriarcas, um livro designado como 2 Henoc, mas também sobretudo um “ciclo de Pedro” de origem anti-oquena, comportando um Evangelho, Atos e um Apocalipse (como no ciclo canônico de João na Ásia Menor), um Evangelho dos Nazarenos, um Evan-gelho dos Ebionitas, um Evangelho segundo os Hebreus, conservando a tra-dição evangélica dos judeus-cristãos vindos da Palestina, um Evangelho dos Egípcios.77

Ele afirma que o modo de produção desses escritos e seu conteúdo são, ao mesmo

tempo, próximos e diferentes dos escritos canônicos. J. Daniélou diz que:

“Com efeito, foi por meio das categorias emprestadas do Antigo Testamento (que constituía o fundo de sua cultura teológica) que os primeiros escritores

75 SESBOÜÉ, B. O Deus da Salvação (Séculos I-VIII). História dos Dogmas dirigida por Bernard Sesboüé, SJ e

Joseph Wolinski. Edições Loyola. São Paulo-SP, 2002, p. 30. 76 SESBOÜÉ, B. O Deus da Salvação, p. 30. 77 SESBOÜÉ, B. O Deus da Salvação, p. 30.

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cristãos, canônicos ou não-canônicos, expressaram o conteúdo teologal da vida de Jesus”.78

Sesboüé destaca ainda alguns documentos litúrgicos, como a Didaqué e as Odes de

Salomão. Certos escritos, tradicionalmente catalogados entre os padres apostólicos, apare-

cem hoje como expressões do judeu-cristianismo. Por exemplo, “A Epístola aos Coríntios

de Clemente de Roma”, a “Epístola de Barnabé”, o “Pastor de Hermas” e mesmo, em cer-

ta medida, as “Epístolas de Inácio de Antioquia”.79

Com isso, os judeus-cristãos apresentaram os mistérios da fé segundo uma estrutura

semítica. Constituindo um elo entre a exegese judaica e a exegese cristã que seguirá lançan-

do as bases da interpretação cristã das Escrituras.

O judeu-cristianismo é para nós cheio de ensinamento na medida em que atesta a pos-

sibilidade, para a fé cristã, de se exprimir em culturas diferentes.

1.2.2. O Gnosticismo

Alguns elementos do judeu-cristianismo são próximos da gnose80. Contudo, o gnosti-

cismo81 levanta problemas específicos à interpretação das origens cristãs. O gnosticismo

contemporâneo das origens cristãs é, portanto, um “conhecimento perfeito”82 obtido por

revelação e iluminação ao longo de uma experiência interior. Sobre a questão da revelação,

Sesboüé diz que:

Essa revelação proporciona a salvação, entendida como uma regeneração ou como o retorno do gnóstico a seu eu original e ao princípio divino que o constitui, apesar de seu exílio no mundo material decaído que tenta apanhá-lo em sua armadilha. O gnóstico não é verdadeiramente deste mundo. Nele, só o homem interior e espiritual é capaz de salvação, não o corpo nem a al-

78 SESBOÜÉ, B. O Deus da Salvação, p. 31. 79 SESBOÜÉ, B. O Deus da Salvação, p. 31. 80Designa uma tendência constante do espírito humano que busca o sentido da vida no conhecimento. Popular-

mente conhecido como conhecimento ou sabedoria. 81 É o movimento histórico que se desenvolveu nos séculos II e III. O gnosticismo, portanto, é uma manifestação

histórica da gnose. É um vasto movimento religioso cujo desenvolvimento é contemporâneo das origens do cristianismo. O gnosticismo segundo Bernard Sesboüé é uma doutrina que define a salvação pelo conheci-mento.

82 SESBOÜÉ, B. O Deus da Salvação, p. 38.

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ma inferior. Mas a gnose, entendida em sentido pleno, é uma tendência pro-funda e constante do espírito humano: pode-se falar, portanto, de “gnose e-terna”.83

O gnosticismo cristão surge do judaísmo, sobretudo helenístico.84 E diante desse mo-

vimento, a fé cristã freqüentemente se considerou como a “verdadeira gnose”. Esse termo

tem lugar destacado no pensamento paulino85 que conhece duas trilogias, a da fé, esperança

e conhecimento (gnose), e a da fé, esperança e caridade.86

1.2.3. O Discurso Cristão dos Padres Apostólicos

Sesboüé diz que a primeira literatura patrística é pastoral e litúrgica.87 São cartas que

os bispos ou outros responsáveis das igrejas dirigem a suas comunidades. Entre outros, ele

registra as cartas de Clemente de Roma, Inácio de Antioquia e Policarpo de Esmirna. São

também homilias, como a homilia chamada antigamente “II Epístola de Clemente aos Co-

ríntios”. Essas cartas são sucessoras diretas dos escritos do Novo Testamento.

Esses documentos tinham um objetivo, dentro do discurso cristão que, segundo Ses-

boüé, é de que:

Todos esses documentos são a expressão de uma preocupação ad intra: trata-se de manter a boa ordem e a unidade; de ensiná-las e exortá-las [...]; e de chamar à conversão todo aquele que não é fiel a seu compromisso cristão; de zelar pela organização das comunidades. 88

Então, a partir de meados do século II, surge uma nova forma de literatura chamada

apologética, que tem como objetivo a defesa e a ilustração da fé cristã, primeiramente diante

dos adversários externos - os judeus e os pagãos - depois contra adversários que se manifes-

tam no interior da igreja - também conhecidos como os heréticos.

83 SESBOÜÉ, B. O Deus da Salvação, p. 38. 84 SESBOÜÉ, B. O Deus da Salvação, p. 39. 85 Cf. 1 Coríntios 2, 7-8; 2 Coríntios 12, 2-4; Colossenses 2, 2-3 86 SESBOÜÉ, B. O Deus da Salvação, p. 39. 87 SESBOÜÉ, B. O Deus da Salvação, p. 43. 88 SESBOÜÉ, B. O Deus da Salvação, p. 39.

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42

2. O Discipulado na Igreja Metodista

A Igreja Metodista entende que a vontade de Deus para o mundo é estabelecer o Seu

Reino. Participar da construção do Reino de Deus89 em nosso mundo, pelo Espírito Santo,

constitui-se na tarefa evangelizante da igreja.90

A Igreja Metodista entende que o discipulado, antes de ser um método, um processo

pedagógico e educativo, é uma “maneira de ser”, um “estilo de vida” evangélico e wesleya-

no, à luz do Evangelho91. Por isso, entendemos que esse modelo de discipulado é o mesmo

que foi adotado por Jesus.

Com isso definimos discipulado da seguinte maneira:

O discipulado é um modo de vida, o estilo que caracteriza a vida daqueles que estão comprometidos com o Reino de Deus, que fazem na Nova Justiça, ou seja, dos valores éticos e da justiça do Reino uma prioridade na sua vida e que se dedicam integralmente ao serviço cristão, ao evangelismo e ao teste-munho, em cumprimento à vontade de Deus Pai. 92

O discipulado adotado na Igreja Metodista tem como objetivo a concretização de um

“estilo de vida” segundo Jesus, e busca algo mais que um mero processo educativo, pois:

Ele é um estilo de vida, uma maneira de ser em que as pessoas se relacio-nam, entram em comunhão, acolhem umas ás outras, compartilham o que são, sentem e carecem; ora umas pelas outras, louvam e adoram ao Senhor juntas, estudam a Palavra à luz da graça, da experiência e da razão da comu-nidade de fé..93

É na vivência da comunidade e no cumprimento de sua missão, que a dinâmica do

discipulado é desenvolvida. Para isso, a Igreja Metodista reconhece o valor e a importância

do discipulado cristão:

89 O Reino de Deus é o alvo do Deus Trino e significa o surgimento do novo mundo, da nova vida, do perfeito

amor, da justiça plena, da autêntica liberdade e da completa paz. Tudo isto esta introduzido em nós e no mundo como semente que o Espírito Santo está fazendo brotar, como lemos em Rm 8.23:nós temos as primí-cias do Espírito, aguardando a adoção de filhos, ou ainda em II Co 7.21-22: “mas aquele que nos confirma convosco em Cristo, e nos ungiu, é Deus, que também nos selou e nos deu o penhor do Espírito em nossos corações”. Cf. o Plano para Vida e Missão.

90 IGREJA METODISTA. Plano para Vida e Missão, p. 08. 91 IGREJA METODISTA. Manual do Discipulado: Série Discipulado 1. Biblioteca Vida e Missão. Colégio

Episcopal. Editora Cedro, 2003, p. 09-10. 92 IGREJA METODISTA. Manual do Discipulado: Série Discipulado 1, p. 17. 93 IGREJA METODISTA. Manual do Discipulado: Série Discipulado 1, p. 18.

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43

O discipulado está em relação direta com a dinâmica de Dons e Ministérios, que orienta os membros da igreja no cumprimento da missão, sobretudo da Grande Comissão. [...] Cremos que, em Jesus Cristo, temos a expressão mais exata do discipulado ao examinar o seu ministério e a forma com que se re-lacionava com seus discípulos. Cremos que o Discipulado é um estilo de vi-da (mais do que um método, plano ou programa) no qual a comunhão, a convivência, a intimidade, o relacionamento e a busca de caráter estão em contínuo processo de desenvolvimento.94

2.1. Os Objetivos do Discipulado

A Igreja Metodista identifica e apresenta os principais objetivos, que nortearão a prá-

tica do discipulado nas igrejas locais. Tendo como base o exemplo de Jesus e a nossa heran-

ça wesleyana, o Colégio Episcopal, em conjunto com a Câmara de Discipulado, afirmam

que os objetivos são:

Proporcionar ao discípulo “formação” e “crescimento” em sua vida cristã, capacitando-o para o exercício de seus ministérios. Conscientizar o discípulo de que, mais do que uma técnica educativa ou um programa de capacitação, o discipulado caracteriza uma nova maneira, um novo estilo de ser. Propor-cionar ao discípulo condições de amadurecimento na e por meio da comu-nhão e serviço, com Deus e com o próximo. Conscientizar o discípulo sobre a necessidade de uma abertura à comunidade, buscando não apenas o seu crescimento individual, mas também o crescimento de seu grupo (de Disci-pulado) e da sua comunidade (crescer na direção dos outros). Orientar o dis-cípulo para que cresça na noção e prática de um ministério conjunto, ou seja, interação com outras pessoas, cada uma no exercício de seus dons e com su-as características particulares. Estimular o discípulo à busca de maior auto-disciplina na leitura e estudo da Bíblia, livros de apoio, na oração, na comu-nhão e no serviço. Desenvolver no discípulo a noção prática da criatividade e iniciativa na vida cristã, não sendo apenas um bom “executivo”, mas um cri-ador de idéias e situações que propiciem a ele e a outros o exercício de um ministério frutífero. Desenvolver no discípulo um espírito crítico sadio e construtivo, com o qual possa examinar sua vida e a realidade toda em que está inserido, de modo a dar sua contribuição, como um agente de transfor-mação. Capacitá-lo para fazer novos discípulos, motivando-o a um testemu-nho evangelizante. 95

Discipulado é vida em e com Jesus, e sua prática é a razão de ser da igreja que é de

evangelizar. Evangelizar no sentido de anunciar a vida nova que Jesus nos oferece de graça

e pela graça.

94 IGREJA METODISTA. Manual do Discipulado: Série Discipulado 1, p. 21. 95 IGREJA METODISTA. Manual do Discipulado: Série Discipulado 1, p. 29.

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2.2. O Discipulado como Proposta de uma Nova Vida

Jesus nos oferece a vida nova de graça e pela graça, evidentemente estou me referin-

do à graça preciosa de Deus e não à “graça barata”, que é inimiga mortal de nossa igreja.96

Segundo Dietrich Bonhoeffer, em sua obra literária, cujo título é o tema central desta

pesquisa, ele afirma que:

A graça barata é graça como refugo, perdão malbaratado, consolo malbara-tado, sacramento malbaratado; é graça como inesgotável tesouro da Igreja; a graça sem preço, sem custo. [...] a graça barata, é a negação da Palavra viva de Deus, a negação da encarnação do Verbo de Deus. Graça barata significa justificação dos pecados, e não do pecador. [...] A graça barata é a pregação do perdão sem arrependimento, é o batismo sem a disciplina de uma congre-gação, é a Ceia do Senhor sem confissão dos pecados, é a absolvição sem confissão pessoal. A graça barata é graça sem discipulado, a graça sem a cruz, a graça sem Jesus Cristo vivo, encarnado.97

O chamado de Jesus ao discipulado é a graça de Deus acontecendo. É a graça precio-

sa. Assim, o chamado ao discipulado e à graça estão completamente ligados e o resultado

disso é o que Dietrich Bonhoeffer define por graça preciosa.98

A resposta a esse chamado não é apenas uma confissão de fé em Jesus, como Filho de

Deus, mas um ato de obediência.99 Jesus chama ao discipulado não apenas como ensinador e

exemplo, chama principalmente, na qualidade de Cristo, o Filho do Deus vivo e verdadeiro.

Nessa linha de pensamento, Bonhoeffer define o termo discipulado, como o comprometi-

mento com Cristo e, por existir Cristo, tem de haver discipulado.100

Bonhoeffer termina seu pensamento, afirmando que o cristianismo sem Jesus Cristo

vivo, permanece necessariamente um cristianismo sem discipulado. Porém, cristianismo

sem discipulado é sempre cristianismo sem Jesus, é uma idéia, um mito.

Isso reforça a tese de que o discipulado apresentado por Bonhoeffer não é o mesmo

que utilizado hoje. Tendo como pressuposto que o discipulado é a observância do chamado

96 BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado. Editora Sinodal. São Leopoldo – RS. 1980, p. 09. 97 BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado, p. 09-10. 98 BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado, p. 15. 99 BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado, p. 21. 100 BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado, p. 22.

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de Cristo para uma vida nova, hoje em dia, para muitas igrejas e líderes, o discipulado tor-

nou-se um modismo metodológico visando, em geral alcançar uma forma multiplicadora de

crescimento da igreja e uma maneira metodológica de tornar a igreja mais adequada a seu

tempo (em especial as megas-igrejas... dividindo-se em células familiares). Essa visão tem

seu maior e principal ponto negativo, a desvalorização do comprometimento com o Reino

de Deus.

Em resposta a esse pensamento, o Bispo Nelson Luiz Campos Leite, falando sobre o

tema no “Congresso Nacional de Escola Dominial” em maio de 2001, afirmou que:

Discipulado é entendido não como um método, mas sim, um estilo de vida, uma maneira de ser, no expressar evangélico de nossa fé. Não visa de início ser um processo didático ou metodológico de aprendizagem. Nem mesmo uma forma pragmática de crescimento da Igreja. É algo bem mais relacional, que busca à luz do próprio Cristo, fundamentar a comunhão, a convivência, a comunicação e a forma de caráter das pessoas relacionadas com o Senhor e com a sua Comunidade- a Igreja, Corpo Vivo de Cristo. Essa foi a maneira de ser do Senhor com a sua comunidade primitiva e da comunidade apostóli-ca, bem como a convivência inspiradora, fraternal e comunal do povo cha-mado metodista, a partir de sua grande expressão - João Wesley.101

O discipulado, portanto, deve ser entendido como estilo de vida que caracteriza aque-

les e aquelas que estão comprometidos(as) com a mensagem do Reino de Deus e Sua

Justiça.

101 Conceito apresentado pelo Bispo Nelson Luiz Campos Leite no “Congresso Nacional de Escola Dominical”,

em maio de 2001.

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CAPÍTULO II

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O DISCIPULADO

COMO MARCA DA TRADIÇÃO WESLEYANA

“Se tivesse vinte filhos, daria de boa vontade, todos eles a esse empreendi-mento, de proclamar as Boas-Novas do Reino em terra estrangeira, mesmo que eu nunca mais os visse”. (Susana Wesley)

No primeiro capítulo foi considerado que o discipulado é a teoria transformadora em

vivência e convicção, e que isso significaria dizer também que o discipulado é um estilo de

vida que caracteriza aqueles e aquelas que estão comprometidos(as) com a mensagem do

Reino de Deus.102

Neste segundo capítulo, será apresentado o conceito de discipulado em John Wesley,

na sua teologia e no seu modo de vivenciar e expressar a vida cristã por meio do discipula-

do.

1. O Discipulado na Vida de John Wesley

Por discipulado na herança da tradição wesleyana entendo não apenas o resultado de

um profundo momento de revelação espiritual, mas fruto da educação recebida por seus

pais, principalmente de Susana Wesley,103 sua mãe, que foi também professora, conselheira

102 O Reino de Deus é, essencialmente, a experiência de vida plena e abundante anunciada por Jesus Cristo. En-

quanto esperamos a consumação final, já podemos experimentar os sinais do Reino, mesmo vivendo num mundo violento, injusto e cruel. Antecipamos a experiência do Reino de Deus toda vez que promovemos os seus sinais, que são paz, justiça e amor.

103 O Prof. Dr. Duncan Alexander Reily – (Doutor em Teologia. Foi professor de História Eclesiástica na Facul-dade de Teologia na UMESP, do ano de 1969 a 1990) - afirma ainda que, o método de sua mãe em criar seus

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e discipuladora, proporcionando a seus filhos e filhas, uma boa educação e a possibilidade

da grandeza do desenvolvimento de uma fé genuína, resultado de um estilo de vida diferente

e marcante.

Por isso, para melhor compreendermos essa afirmação é necessário e de vital impor-

tância, observar e ter como pressuposto, a dimensão do conceito de discipulado como um

estilo de vida diferente. A conceituação de discipulado para Wesley surge do amadureci-

mento e desenvolvimento dos conceitos bíblicos, teológicos, pastorais e do relacionamento

entre seus irmãos e irmãs e entre seu pai e sua mãe.

Assim sendo, entendo que a família104 de John Wesley poderia ser definida hoje, como

um pequeno grupo de discipulado.105

Acredito que, o sistema educacional familiar propicia o crescimento do ser humano

durante o período de formação da personalidade e do seu caráter, gerando assim, um indiví-

duo mais integrado à sociedade, mais seguro e capaz de superar as dificuldades e de adap-

tar-se às mudanças e exigências do meio em que vive.

É na família que se deve desenvolver o processo fundamental da transmissão da reli-

gião, dos costumes, das tradições e valores entre gerações e, daí, a atuação do grupo familiar

como fator decisivo no desenvolvimento do ser humano e no amadurecimento da fé.

filhos e filhas, influenciou fortemente o trabalho que Wesley realizou com crianças mais tarde.

104 A família nem sempre teve a configuração que tem em nossos dias. Ela é determinada histórica e cultural-mente. Através dos tempos, ela tem passado por transformações. O que podemos afirmar como ponto comum é que as pessoas se reúnem em grupos para garantir a sobrevivência da espécie. Não existe família perfeita. Pois, no seio familiar há problemas, contradições e limites nas relações familiares. Para uma maior compre-ensão sobre o tema acima, indico a leitura da revista “Caminhando”, de 1994 - nº 07, do livro “Compreen-dendo o que é Família” (também publicada pela Editeo e os organizadores foram o professor Ronaldo Sathler Rosa e Dagmar Silva Pinto de Castro) e a revista Kairós nº 1- Estudos Bíblicos Pastorais, produzido pela 4º Região Eclesiástica da Igreja Metodista em maio de 1999, cujo tema central dos textos apresentados, trazem uma abordagem bíblico, teológica, pastoral e psicológica, sobre a família.

105 Para mim, o discipulado cristão é fruto de um bom relacionamento, tendo em vista que somente pela comu-nhão plena de seus participantes é que será possível o crescimento e desenvolvimento da fé pessoal e comu-nitária.

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A relação com a educação106 caracteriza-se exatamente por ser esta a ponte entre a

família e a sociedade, abarcando todos os processos ativos e interativos da construção de

conhecimento, de forma sistematizada.

Nesse sentido, Pierre Furter107 em sua obra “Educação e Vida”, apresenta seu pensa-

mento sobre a educação, assim:

A educação tem, entre outras funções, a de difundir, corrigir e contribuir pa-ra a edificação da ordem que pretendemos dar em nosso tempo ao mundo. Claro que esta função estende a ação educativa além das fronteiras tradicio-nais dos sistemas escolares; por isso mesmo estamos hoje pensando numa a-tividade educativa que siga continuamente a vida humana.108

Observo ainda que as crianças participantes de um contexto familiar equilibrado e sa-

dio, que têm os seus pais amorosamente engajados e dispostos no investimento da sua edu-

cação, são bem-sucedidas na escola, seguras no relacionamento com os outros, dotadas de

uma boa auto-estima, e cumpridoras dos seus deveres de forma responsável e prazerosa.

Exemplo prático dessa afirmação encontra-se no pensamento de Duncan Alexander

Reily, no qual ele afirma que Wesley tinha uma boa relação com as crianças, por causa das

experiências vividas no acolhedor ambiente da casa pastoral de Epworth109 onde foi criado

junto de seus irmãos e irmãs.

É na família que reside um papel educativo essencial, pois é nela que se constrói a es-

trutura central da personalidade dos filhos e filhas, é nela que se constrói o quadro de refe-

106 A Educação dirige-se à formação integral da pessoa e, conseqüentemente, ao bem da Sociedade de que o

homem faz parte integrante. O processo educativo é, e tem que ser cada vez mais, um processo interativo. Neste sentido, a educação destina-se a proporcionar a cada um e a cada uma, a caminhada do individuo para o universal.

107 Pierre Furter nasceu em 1931, em Chaux-de-Fonds, na Suíça. Estudou filosofia e pedagogia nas Universida-des de Lausanne e Neuchâtel, licenciado-se em filosofia e em educação. Especializou-se em literatura compa-rada, em Lisboa, Zurique e Recife. Lecionou português, durante seis anos, no ensino secundário suíço. De-pois de doutorar-se em filosofia da educação, trabalhou durante seis anos na América Latina. Primeiro no Brasil, realizando pesquisas no campo do analfabetismo e da cultura popular; depois na Venezuela, avaliando a contribuição da educação de adultos para o desenvolvimento cultural nacional.

108 FURTER, Pierre. Educação e Vida. Coleção: Educação e Tempo Presente. Vozes. 11ª Edição. Petrópolis, Rj – Brasil, 1996, p. 31.

109 REILY, Duncan Alexander. João Wesley e as Crianças. In: VV.AA Caminhando: Revista da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista, v.8, n° 12, 2o. Semestre de 2003. São Bernardo do Campo, SP; Editeo / U-MESP, 2003, p. 11.

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rência primária para a prática educativa, é nela que começa a existência do homem e é ela o

meio natural e mais adequado para o indivíduo se promover como pessoa .

Assim, afirmo que é no contexto familiar que Wesley tem sua primeira experiência de

pequenos grupos, nesse caso, sua própria família Wesley.

A pedagogia adotada no ensino,110 foi um instrumento educativo da graça de Deus, na

vida daquelas crianças. O mesmo pode ser dito a respeito do discipulado. O processo de

discipulado é um instrumento educativo da graça divina, no qual aquele ou aquela que está

inserido(a) nesse processo, tem a certeza de receber e vivenciar a vida abundante encontrada

em Jesus Cristo (João 10,10b).

1.1. A Família de John Wesley

O reverendo Samuel e Susana Wesley foram filhos de pastores “dissidentes”, que se

separaram da Igreja oficial da Inglaterra, também conhecida como “Igreja Anglicana”, que

era uma igreja muito moralista e rígida, herança da tradição do puritanismo. Quando Samuel

e Susana se casaram, eles decidiram conscientemente fazer parte e servir à Igreja Anglica-

na.111

A família de John Wesley sempre teve destaque na sociedade inglesa, não só por ser

uma grande família, numericamente falando, mas pelo fato de ter um estilo de vida diferente

110 Apesar de muitos defenderem a idéia de que, a prática pedagógica adotada por Susana, não foi a mais apro-

priada, entendo que, o ato pedagógico não pode ser um ato unidirecional, mas um processo de múltiplas tro-cas e partilhas e, sobretudo de parceria e amizade. E neste caso, entendo que Susana foi, mãe, pastora, conse-lheira, pedagoga, discipuladora e acima de tudo, uma amiga que acompanhou Wesley por muitos anos.

111 Esta Igreja Anglicana não foi o resultado de uma reforma espiritual como a reforma de Martinho Lutero, de João Calvino e de Eurico Zwínglio no século XVI, e sim por razões políticas: o então Rei Henrique VII da Inglaterra queria se divorciar da sua esposa, mas o papa em Roma não concordou e, por isso, o Rei Henrique criou uma Igreja “nacional”. A Igreja Anglicana no Brasil também chamada “Igreja Episcopal” é uma igreja que se tornou protestante, sofrendo muita influência das doutrinas de Lutero e Zwínglio e com muitos ele-mentos doutrinários recebidos pela Igreja Católica no que se refere a prática piedosa, porém, claramente se-parada da Igreja Católica-Romana.

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das demais famílias. Reily define esse pensamento, apresentando um conceito bastante atual

dizendo que, os Wesley eram uma família “fora de série”.112

O reverendo Samuel Wesley pastoreava a Igreja em Epworth, cidade rural no leste da

Inglaterra, era uma comunidade pobre e, por isso, sempre teve um ordenado pequeno113. No

entanto, isso não foi motivo para negar educação a seus filhos e filhas, muito pelo contrário,

apesar das finanças limitadas, conseguiu dar a melhor educação possível, pois a casa pasto-

ral era um ambiente onde se prestigiava a educação e o saber.

Dessa maneira, o processo de educação envolve a vida em todos os aspectos.114 Esta-

mos permanentemente aprendendo, durante a vida inteira. Há quem afirme que somos seres

“inacabados”, em constante aperfeiçoamento, processo que não acontece por acaso, especi-

almente considerando a família (o lar) como espaço formador do indivíduo.

O Bispo Nelson Luiz Campos Leite, palestrante do “Congresso Nacional de Escola

Dominical” que aconteceu no período de abril-maio de 2001, diz que:

A Educação não lida apenas com informações e conceitos, mas com valores, apreciações, atitudes, comportamentos... Num sentido mais amplo lida com a Vida. Desta forma a Educação é Vida. Vida implica num contínuo cresci-mento. Crescimento contínuo e progressivo. A educação cristã visa levar a pessoa à vida, através da graça divina encontrada na pessoa de Cristo.115

No contexto da família Wesley, a educação era privilégio dos ricos, Samuel e Susana

não podiam pagar uma escola nobre e nem um tutor particular. Por isso, a casa pastoral, se

tornou um ambiente que propiciou uma boa educação e desenvolvimento da formação do

indivíduo.

Dagmar Silva Pinto de Castro, “compreendendo o significado do que é ‘família’”, as-

sim diz:

112 REILY, Duncan A. Momentos Decisivos do Metodismo. Coleção Metodismo. Imprensa Metodista. São Ber-

nardo do Campo/SP. 1991, p. 11. 113 REILY, Duncan Alexander. João Wesley e as Crianças. Caminhando, p. 12. 114 FERNANDES, Fernando. O Prazer de Ensinar e aprender: Métodos, Técnicas e Recursos de Ensino. Série

Recriar: Coordenação Nacional de Educação Cristã – CONEC - Igreja Metodista. São Paulo-SP. 2002, p. 08. 115 Fonte: http://www.metodista.org.br/ftp/discipulado.doc

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Na família, espera-se que sejam supridas as necessidades fundamentais para que o ser humano sobreviva de alimentação, amor, abrigo etc. É em seu meio que o indivíduo se prepara estar em sociedade. É através do convívio com o grupo familiar que o ser humano é capaz de diferenciar-se e sentir-se indivíduo.116

Duncan Alexander Reily no artigo “João Wesley e as Crianças”, apresenta uma con-

cepção sobre o modelo educacional na família de Wesley, assim:

Chegando à idade de cinco anos, cada criança era ensinada a ler; todos, me-nos Molly e Nancy, aprenderam o alfabeto em um só dia; estas requeriam um dia e meio. Sua cartilha de leitura era o primeiro capítulo de Gênesis. Samuel, por exemplo, aprendeu o alfabeto em poucas horas; no dia 11 de fe-vereiro até a Páscoa, já lia todo o primeiro capítulo de Gênesis corretamente. Hetty, geralmente considerada a mais brilhante da turma, aprendeu o grego aos oito anos. Marta teve a infelicidade de casar-se com um homem que veio a pregar e a praticar a poligamia; mesmo assim, pelo brilho do seu intelecto, fora convidada a fazer parte do círculo do Dr. Johnson, figura máxima da eli-te intelectual da Inglaterra da época. Era um lar no qual a religião foi tomada a sério e onde reinava a disciplina. Certamente não poderia ser de outra for-ma.117

E nada poderia interromper ou atrapalhar o bom andamento dessa família “fora de sé-

rie” e a formação dos meninos e meninas, nem mesmo o famoso incêndio de 09 de fevereiro

de 1709, quando John Wesley foi salvo como um “tição tirado do fogo”118 e, por conse-

qüência disso, as crianças tiveram de passar alguns meses com outras famílias onde alguns

dos bons hábitos ficaram em desuso por algum tempo. Porém, isso não foi suficiente, pois,

segundo Reily, para corrigir essas faltas, um novo regime se instalou:

Iniciou-se o costume de cantar salmos ao começar e ao encerrar a escola de manhã e à tarde. Também o costume do retiro geral foi iniciado quando o maior se encarregava do menor, o segundo do penúltimo e assim sucessiva-mente lendo diariamente um Salmo ou um capítulo do Novo Testamento. De manhã, eram instruídos a lerem os salmos e um capítulo do Antigo Testa-mento. Depois disto tinham as suas orações particulares, antes de receber o seu desjejum ou entrar no convívio familiar. A disciplina era rígida, tão rígi-da que alguns estudiosos da vida de Wesley tendem a crer que era comple-tamente falho no elemento de alegria. Porém, em uma carta, João expressa

116 ROSA, Ronaldo Sathler. CASTRO, Dagmar Silva Pinto de. Compreendendo o que é Família. Organizadores:

Ronaldo Sathler Rosa e Dagmar Silva Pinto de Castro. Editeo. São Bernardo do Campo/SP. 1995, p. 10. 117 REILY, Duncan A. Caminhando, p. 13 – Para aprofundar mais sobre o assunto, indico a leitura completa do

artigo “João Wesley e as Crianças”, pp. 11-29. 118 REILY, Duncan A. Momentos Decisivos do Metodismo. Coleção Metodismo. Imprensa Metodista. São Ber-

nardo do Campo/SP. 1991, p. 19.

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saudades de casa dizendo: “Epworth, que ainda amo acima de todos os luga-res no mundo”.119

Era realmente uma família “fora de série”, uma família cristã que buscava sempre a

melhor forma de obedecer à vontade de Deus. Tanto que foram criadas algumas regras den-

tro do lar, as quais Reily chamou de “regulamento interno”, e tais regras constavam os se-

guintes pontos: “Nenhuma ação pecaminosa como a mentira, pequeno roubo, brincadeira na

igreja ou no dia do Senhor, desobediência, briga etc, passa-se sem castigo”.120 Com isso, o

nome de Deus tomado em vão, blasfêmias e juras, profanidades, obscenidade, nomes rudes

e mal-educados nunca se ouviam entre as crianças da família Wesley.

John Wesley transcreveu uma carta que sua mãe havia escrito ao marido e que mostra

a forma e a prática de um discipulado autêntico e o cuidado de uma mãe para com o filho,

em que (Susana) costumava, uma vez por semana, conversar com cada um dos filhos sepa-

radamente, concernente às coisas de Deus e a seus interesses espirituais. E dizia ainda:

“Tomo tal proporção do tempo que posso todas as noites conversar com cada criança à par-

te... na quinta-feira com Joãozinho”.121

O professor Duncan Alexander Reily, afirma ainda que o método de Susana Wesley

criar seus filhos e filhas, influenciou o jovem John Wesley122 no trabalho missionário junto

às crianças123 das diversas cidades por onde este passasse anunciando, discipulando e pre-

gando a palavra de Deus.

119 REILY, Duncan A. Caminhando, artigo “João Wesley e as Crianças”, p. 14. 120 REILY, Duncan A. Caminhando, artigo “João Wesley e as Crianças”, p. 15. 121 REILY, Duncan A. Caminhando, artigo “João Wesley e as Crianças”, p. 15. 122 Sem Dúvida, a valorização da educação, tão evidente no lar, afetaria mais tarde a visão de John Wesley de

sua obra. Op. Cit. Momentos Decisivos do Metodismo, p. 18. 123 O professor Duncan Alexander Reily comenta e faz uma observação no que se refere há um desses trabalhos

missionários de Wesley, dizendo que: “Quando ele começou a orar, algumas das crianças começaram a cla-mar e pedir misericórdia. Parece que alguns destes mantiveram-se firmes, mas outros se esfriaram, até a visi-ta de Ralfo Mather em agosto de 1773, quando o poder de Deus se manifestou novamente. Ver todo o co-mentário na Revista da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista – Caminhando Ano VIII, n°12, p. 21.

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1.2. John Wesley e os Pequenos Grupos

A primeira experiência de John Wesley com os pequenos grupos de fato aconteceu em

sua própria família, porém, não foi a única, mas o inicio de uma longa caminhada de fé,

testemunho, serviço e dedicação à Palavra de Deus.

Wesley viu nos pequenos grupos um poderoso método para o desenvolvimento da fé e

meio prudencial de graça fundamental para a prática eclesial da santidade de coração e vida,

mediante rigorosa co-responsabilidade comunitária no exercício das obras de misericórdia e

obras de piedade,124 por meio do discipulado cristão. Assim, podemos afirmar que a forma e

o objetivo desses pequenos grupos eram a necessidade do viver santo, que resultava em o-

bras de misericórdia e de piedade.

Na década de 1670, a Inglaterra foi testemunha do surgimento de alguns modelos de

sociedades religiosas, formadas por pequenos grupos de leigos que buscavam promover a

“real santidade no coração e na vida”. De acordo com Heitzenrater:

O projeto das sociedades religiosas do início do século dezoito “para promo-ver a real santidade do coração e da vida” foi caracterizado por uma religio-sidade da “high-Church”, que exigia e dependia de um intenso estudo das Escrituras e de outras obras de teologia prática, que exigia uma disciplina moral pessoal, e que se expressava em atos de caridade para com as pessoas desprotegidas da sociedade.125

Portanto, eram grupos pequenos, que consistiam basicamente de pessoas organizadas,

que buscavam “certas tendências pietistas e místicas que se conheciam no continente euro-

peu”126 e, que foram moldados e transformados, pelo modo de ser, de existir e de pensar da

igreja da Inglaterra.

A formação de pequenos grupos ou sociedades religiosas surge das necessidades de

pensar, desenvolver e aperfeiçoar a fé, estimulando a vida cristã rumo à perfeição cristã, e

124 MATTOS, Paulo Ayres Caminhando, p. 145 – In: MATTOS, Paulo Ayres. Wesley e os Encontros de Peque-

nos Grupos. 125 HEITZENRATER, Richard P. Wesley e o Povo Chamado Metodista. Richard P. Heitzenrater; [Tradução:

Cleide Zerlotti Wolf]. São Bernardo do Campo, Editeo; Rio de Janeiro, Pastoral Bennett, 1996, p. 30. 126 HEITZENRATER, Richard P. Wesley e o Povo Chamado Metodista, p. 21.

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de anunciar o Reino de Deus e sua justiça ao mundo. Nesse sentido, o propósito das socie-

dades era o de promover a “verdadeira santidade de coração e de vida”.

Segundo Heitzenrater, em “Wesley e o Povo Chamado Metodista”, esses movimentos

de sociedades religiosas foram:

Iniciadas por Anthony Horneck na década de 1670, as sociedades religiosas eram também formadas de pequenos grupos de leigos, que representavam uma fusão quase espontânea de moralismo e devoção, zelosos de promove-rem a “real santidade no coração e na vida”.127

E Heitzenrater completa seu pensamento, afirmando ainda que, “dentro de vinte anos,

esta forma de organização religiosa havia se estabelecido dentro da estrutura da igreja da

Inglaterra como uma expressão viável da piedade cristã e da preocupação social”.128 Tendo

origem durante o século XVIII, a “Sociedade para a promoção do conhecimento cristão”

(Society for Promoting Christian Knowledge – SPCK),129 do qual Samuel Wesley, pastor de

Epworth e o próprio John Wesley faziam parte.

De acordo Heitzenrater, esse grupo tinha as seguintes intenções: “primeiro, orar a

Deus; segundo, ler as Sagradas Escrituras e discorrer sobre assuntos religiosos para a edifi-

cação mútua; e terceiro, deliberar sobre a edificação do nosso vizinho”.130

Para Wesley esses pequenos grupos se tornam o lugar no qual um indivíduo pode en-

contrar os ingredientes fundamentais para uma vida cristã bem-sucedida. Wesley treinava

cada grupo enquanto ministrava individualmente aos respectivos membros.

Os grupos formavam o centro da vida devocional, estudo da Bíblia e oração. Eram

também as bases dos cuidados pastorais. Seus membros partilhavam mutuamente suas afli-

ções e angústias; fracassos e vitórias; doenças e esperança de cura; agonia da pobreza, injus-

tiça social e, em alguns lugares, opressão política. Encorajamento e auxílio práticos eram

127 HEITZENRATER, Richard P. Wesley e o Povo Chamado Metodista, p. 21. 128 HEITZENRATER, Richard P. Wesley e o Povo Chamado Metodista, p. 21. 129 As sociedades religiosas atacaram o problema da imoralidade numa base pessoal e individualista. Os seus

membros não tinham um programa social para reformar a Inglaterra de um só golpe. A intenção, pelo contrá-rio, era trabalhar para a transformação da sociedade mudando uma pessoa de cada vez. Idem, p.21.

130 HEITZENRATER, Richard P. Wesley e o Povo Chamado Metodista, p.. 27.

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providenciados quando necessários. Dessa forma, além de centro para estudo da Bíblia, ora-

ção e serviços cristãos, os grupos também eram centros de reformação moral e social.

Pensar em pequenos grupos no contexto wesleyano é pensar em crescimento, edifica-

ção e fortalecimento da fé e da vida cristã, sobretudo, quando identificamos a espiritualida-

de dos irmãos Charles e John Wesley, como conseqüência direta dos constantes encontros

desses pequenos grupos, característica peculiar do Metodismo primitivo.

1.2.1. O Clube Santo – O Metodismo de Oxford

A história do Metodismo em Oxford é corretamente citada pelo próprio Wesley como

o “primeiro surgimento do metodismo”.131 Portanto, o “Clube Santo”132 tem seu início no

começo de 1729 com Charles Wesley, considerado por alguns historiadores como “o pri-

meiro metodista”133 134 e em seguida com John Wesley.

John Wesley foi introduzido no “Metodismo de Oxford” quando, no período de verão de 1729, ficou dois meses em Oxford, onde passou boa parte do tempo com esse pequeno grupo. Quando voltou, para assumir novamente su-as funções na Universidade (novembro de 1729), sendo o mais velho que o irmão e professor assumiu a liderança do grupo que havia nascido dos esfor-ços de Charles.135

Na verdade, o “Clube Santo” era um grupo de estudantes de Oxford136 e que tinha en-

contros sistemáticos e freqüentes.137

131 Porém, em suas muitas reflexões sobre a origem e o crescimento do metodismo, Wesley sempre deu ênfase à

espontaneidade de suas origens e à imprevisibilidade de seu desenvolvimento. Em sua opinião, Deus levan-tou um povo chamado metodista para um propósito que era específico e apropriado, mas de um modo que não era necessariamente previsível ou predeterminado. Op. Cit. Wesley e o Povo Chamado Metodista. Pg. 33

132 O grupo consistia de um pequeno número de estudantes, todos membros da Igreja da Inglaterra (pois Oxford não admitia “dissidentes”) que queriam participar ativa e inteligentemente da adoração em sua Igreja e viver a sua vida cristã com seriedade e propósito. Op. Cit. Momentos Decisivos do Metodismo, p. 25.

133 Esse título segundo Richard P. Heitzenrater é atribuído também a William Morgam. Ver: HEITZENRATER, Richard P. Wesley e o Povo Chamado Metodista. Richard P. Heitzenrater; [Tradução: Cleide Zerlotti Wolf]. São Bernardo do Campo, Editeo; Rio de Janeiro, Pastoral Bennett, 1996, p. 33.

134 REILY, Duncan A. Momentos Decisivos do Metodismo, p. 25. 135 REILY, Duncan A. Momentos Decisivos do Metodismo, p. 25. 136 A maioria dos alunos de Oxford estava se preparando para uma posição no governo, para a medicina, direito

ou para a Igreja. Ver: HEITZENRATER, Richard P. Wesley e o Povo Chamado Metodista. Richard P. Heit-zenrater; [Tradução: Cleide Zerlotti Wolf]. São Bernardo do Campo, Editeo; Rio de Janeiro, Pastoral Ben-nett, 1996, p. 34.

137 Nas reuniões freqüentes, nos aposentos de Wesley ou de outro membro do grupo, além da Bíblia, liam tam-

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Os membros do grupo levavam a sério sua vida devocional e litúrgicas, fa-zendo tudo com disciplina e método. Porém, o metodismo de Oxford nunca foi um empreendimento solitário, mas grupal e comunitário. Liam, comun-gavam, adoravam, estudavam juntos. Era uma busca e uma caminhada de um grupo muito intimo.138

Segundo o professor Reily, John Wesley formou o grupo em uma sociedade com uma

finalidade que era:

“... para que pudessem, de maneira mais regular e sistemática, promover, um do outro, o melhoramento intelectual, moral e espiritual. Resolveram passar 3 ou 4 noites por semana juntos, lendo o Novo Testamento em grego e os clássicos gregos e latinos. Aos domingos, liam teologia”.139

Veja foto ilustrativa de um dos encontros do “Clube Santo”.140

Por Marshall Claxton.

E esses encontros semanais levaram o grupo a descobrir, outros motivos e formas de

expressar a fé, dentro de um contexto social e isso foi o começo de uma ação positiva na

sociedade inglesa, pois não só buscavam crescer na fé, mas, acima de tudo, praticar o amor

bém literatura clássica. Dominicalmente assistiam ao culto da Igreja da Inglaterra e comungavam. Imitando prática antiga da Igreja, jejuavam nas quartas e nas sextas-feiras. Freqüentemente examinavam sua vida ínti-ma para avaliá-la. O próprio Wesley preparou orações apropriadas para orientar seus alunos em suas devo-ções diárias. Mais tarde, uma coleção foi publicada em forma de livro devocional. Op. Cit. Momentos Decisi-vos do Metodismo, p. 26.

138 REILY, Duncan A. Momentos Decisivos do Metodismo, p. 26. 139 REILY, Duncan A. Caminhando, artigo “João Wesley e as Crianças”, pp. 15-16. 140 O Clube Santo, por Marshall Claxton – Fotografia da versão que se encontra no Museu do Metodismo, em

City Road, Londres.

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de Deus aos pobres, aos que se encontravam encarcerados procuravam levar solidariedade,

consolação e esperança,141 na educação das crianças, e no ato de revelar a salvação em

Cristo - Jesus.142

Segundo Heitzenrater é importante destacar que:

A maneira pela qual Wesley e seu grupo de amigos em Oxford agiram nessa busca, e os métodos que desenvolveram durante esses primeiros anos, foram importantes para ajudar a determinar, mais tarde, a forma do movimento wesleyano.143

Portanto, assim como havia regras na casa pastoral em Epworth, Wesley adotou algu-

mas regras dentro do “Clube Santo”144 com a elaboração de algumas perguntas a seus

membros:

Será que não podemos tentar fazer o bem para os que estão famintos? Não podemos contribuir o pouco que temos para que seus filhos tenham roupa e sejam ensinados a ler? Não podemos ver se são ensinadas, sem catecismo, as orações curtas para a manhã e a noite?145

É necessário dizer que os métodos e as atividades de John Wesley, talvez melhor ca-

racterizados como piedade meditativa,146 tinham todos a finalidade de promover a “santida-

de do coração e da vida em si mesmo e também nos outros, afirma Heitzenrater e diz ainda

que”:

É preciso ser lembrado que Wesley estava profundamente engajado na busca da “situação da alma”. Conseqüentemente seu método não era um esquema estático, estabelecido, mas sim um caminho para a vida que crescia, se de-senvolvia e mudava à medida em que ele enfrentava uma nova crise, tinha mais compreensão e encontrava novos amigos. O reconhecimento da lide-rança de João dentro do movimento veio de uma habilidade de englobar es-

141 REILY, Duncan A. Momentos Decisivos do Metodismo, p. 26. 142 Essas atividades, na realidade, não foram criadas por John Wesley; tinham origem em experiências já desen-

volvidas por outros. Por exemplo, em 1730, quando William Morgan – recém integrado ao grupo – foi visitar os presos na cadeia de Oxford, percebeu que eles estavam ansiosos por visitas de solidariedade. Op. Cit. Momentos Decisivos do Metodismo, p. 26.

143 HEITZENRATER, Richard P. Wesley e o Povo Chamado Metodista, p. 31. 144 Além dessas atividades mais esporádicas, os metodistas de Oxford estabeleceram uma escola para crianças

pobres. Com o seu dinheiro e com alguma ajuda de fora, pagavam a professora, e até ajudavam a vestir as crianças. Numa época, quando não existiam escolas públicas e quando os pobres eram esquecidos pela Igreja, Wesley e os seus companheiros se mobilizaram para ensinar as primeiras letras para os pobres da redondeza, proporcionando-lhes também os rudimentos da religião, como então a compreendiam. Ver texto completo em REILY, Duncan A. Caminhando, artigo “João Wesley e as Crianças”, p. 17.

145 REILY, Duncan A. Caminhando, artigo “João Wesley e as Crianças”, p. 16. 146 A piedade meditativa entre os metodistas começou a ser vista, pelos seus colegas, como a legalista justifica-

ção pelas obras. Afirma Heitzenrater em sua obra “Wesley e o Povo Chamado Metodista” , p. 43.

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sas várias atividades junto com um senso de propósito, que deu direção e impulso espiritual à busca dos metodistas pela salvação. Captar a essência do metodismo em Oxford é reconhecer este impulso, assim como o desenvol-vimento de um estilo de vida que ele trouxe à tona.147

Com o surgimento do movimento Metodista em Oxford, também surge um novo estilo

de vida. Estilo de vida que é marcado pela devoção, pela busca de uma espiritualidade com-

promissada com o Reino de Deus e com sua mensagem de salvação integral. Uma vida san-

tificada, mas não alienalista, uma busca comprometida com Deus, consigo mesmo e com o

outro.

Com isso, as atividades do “Clube Santo” não se resumiu apenas a Oxford, mas atra-

vessou fronteiras, chegando à Geórgia em 14 de outubro de 1735, com os irmãos

Wesley, Benjamim Ingham e Carlos Demotte, fundando uma filial no Novo Mundo, segun-

do Reily.148 A missão na Geórgia149 pode então, ser considerada como uma segunda fase das

atividades do “Clube Santo”.

1.2.2. O Clube Santo – O Metodismo na Geórgia

Segundo Reily, “Geórgia era a última das ‘Trezes Colônias’ dos Estados Unidos, foi

fundada pelo general James Oglethorpe, em 1733, como asilo para pessoas presas por dívi-

das e para deter a expansão espanhola, da Flórida”.150

John e Charles Wesley chegara à Geórgia em 06 de fevereiro de 1736, logo após a

morte do pai, o reverendo Samuel Wesley.151 Encorajados pela mãe, Susana, que, estava

entusiasmada pelo ardor missionário e afirma que “se tivesse vinte filhos, daria, de boa

147 HEITZENRATER, Richard P. Wesley e o Povo Chamado Metodista, p. 42. 148 REILY, Duncan A. Caminhando, artigo “João Wesley e as Crianças”, p. 17. 149 Em Geórgia, John Wesley foi pastor em Savannah e, por algum tempo, teve a responsabilidade do cuidado

espiritual de todas as almas da colônia. 150 REILY, Duncan A. Momentos Decisivos do Metodismo, p. 29. 151 Samuel Wesley morreu no dia 25 de abril de 1735

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mente, todos eles a esse empreendimento”152 de proclamar as Boas-Novas do Reino entre os

selvícolas. Uma pergunta, porém, fica na minha mente: Será este realmente o único motivo?

Paul Eugene Buyers, observando trechos do diário de Wesley, apresenta uma parte

dos relatos que diz:

O motivo que nos levou a deixar a nossa terra natal, não era fugir a privações (Deus nos havia dado bastantes bênçãos materiais), nem ganhar o refúgio de riquezas ou de honras, mas simplesmente isto – salvar a nossa alma: para vi-vermos exclusivamente para a honra e glória de Deus. À tarde encontramos o navio Simommonds, e embarcamos imediatamente. (Terça-feira, 14 de ou-tubro de 1735).153

Outra razão para consideramos a Geórgia como o segundo surgimento do ‘Clube San-

to’ foi a organização de uma pequena sociedade dentro da paróquia de Savana. Nesse se-

gundo surgimento, já se percebe fortemente a influência pietista,154 e o conceito de “uma

pequena Igreja dentro da grande Igreja”, ou seja, pequenos grupos dentro da congregação

para a reforma da igreja em geral.155

Quando John Wesley chegou à Geórgia, fez um grande amigo e esse amigo veio a se

tornar o seu discipulador, Reily prefere chamar de “mentor espiritual”,156 esse amigo era o

bispo Spangenburg.

Durante a sua estada na Geórgia, Wesley desenvolveu conceitos que observou dos

morávios durante a viagem para o novo mundo e durante as conversas com o bispo Span-

genburg.

Segundo Reily:

As maiores lições que ele aprendeu dos morávios lhe vieram ao observar sua confiança em Deus, sua vida comunitária, a natureza do seu culto e a vivên-cia diária de sua religião. Nas qualidades desses humildes alemães, Wesley percebeu mais claramente os seus próprios defeitos. As conseqüências des-

152 REILY, Duncan A. Momentos Decisivos do Metodismo, p. 29. 153 BUYERS, Paul Eugene. Trechos do Diário de João Wesley. Traduzido por Paul Eugene Buyers. Publicação

da Junta Geral de Educação Cristã da Igreja Metodista do Brasil. São Paulo/SP. 1965, p. 15. 154 Segundo Reily, esta influencia se dá pelo fato de que durante a viagem para a Geórgia, Wesley teve como

leitura as obras de Francke, propagador do pietismo na Universidade de Halle, Alemanha, seu centro de irra-diação. Ver as notas do Reily em “Momentos Decisivos do Metodismo” , p. 31.

155 REILY, Duncan A. Momentos Decisivos do Metodismo, p. 31. 156 REILY, Duncan A. Momentos Decisivos do Metodismo, p. 30.

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sas experiências foram se tornando mais evidentes quando de seu regresso à Inglaterra (01 de fevereiro, 1738).157

Apesar de John Wesley sentir-se frustrado em alcançar o seu objetivo central, que era

o de evangelizar os índios, durante um ano e dez meses, ele realizou diversos encontros para

tentar cumprir sua meta pessoal. Segundo Reily, Wesley “partiu da América sob a acusação

de má administração eclesiástica”,158 porém, esse momento é identificado por Reily como

um “momento decisivo”159 para a expansão e desenvolvimento do Metodismo.

E para Reily, uma das razões para fazer tal afirmação, “foi a organização de uma pe-

quena sociedade dentro da paróquia de Savana”.160 Porém, Wesley teve pouco contato com

os índios, pois o seu trabalho ficou restrito ao cuidado pastoral dos ingleses da Colônia. De-

dicando-se ao culto, visitação e edificação de seu rebanho, em outros termos, podemos dizer

também que, Wesley desenvolveu seu conceito de vida cristã, baseado na formação de pe-

quenos grupos de discipulado. E para ele, o “segundo surgimento do Metodismo”.161

1.2.3. O Clube Santo – O Metodismo em Londres

O retorno de Wesley para Londres foi motivo de muita surpresa para aqueles que o

enviaram à missão na Geórgia, mas principalmente para o seu irmão Charles.

Heitzenrater afirma que as intenções de Wesley naquele momento eram ambíguas. Es-

sa afirmação se completa e se concretiza no dia que Wesley chega a Londres, pois durante

as primeiras semanas depois de sua volta à Inglaterra, sua atenção estava dividida entre os

velhos interesses e novos planos.

157 REILY, Duncan A. Momentos Decisivos do Metodismo, p. 30. 158 REILY, Duncan A. Momentos Decisivos do Metodismo, p. 29. 159 REILY, Duncan A. Momentos Decisivos do Metodismo, p. 29. 160 REILY, Duncan A. Momentos Decisivos do Metodismo, p. 31. 161 REILY, Duncan A. Momentos Decisivos do Metodismo, p. 31.

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Um dos novos projetos foi a participação ativa em novos grupos de discipulado, que

eram formados por seus novos amigos e, em especial, pelos morávios alemães que haviam

chegado recentemente a Londres.162

Wesley também teve uma surpresa quando ficou sabendo da expansão do “Clube San-

to”, trabalho começado em Oxford, fruto do desempenho pessoal de Charles Wesley. Entre-

tanto para que a expansão do “Clube Santo” acontecesse de fato, foi necessário encorajar os

diversos metodistas a “retomarem todas as suas regras para um viver santo” e a desenvolve-

rem encontros semanais com pequenos grupos, agora em outros lugares.

Seguindo esse pensamento e afirmação, Heitzenrater diz que:

Wesley iria descobrir, também que muitos de seus antigos amigos estavam ocupados em outras partes do reino. Uma dúzia ou mais de “metodistas de Londres e Oxford” estavam se reunindo na casa de James Hutton em Lon-dres, para “cantar os salmos de maneira audível, em contraste com o silêncio e a paz das vizinhanças”. Uma pessoa desse grupo era George Whitefield, que havia, durante a ausência de Wesley, começado a proclamar as boas no-vas de maneira zelosa e evangélica entre as sociedades religiosas em Lon-dres e em outras partes. [...] Whitefield, durante esse período, havia provado um despertamento espiritual e estava pregando as boas novas da salvação por toda Londres e em muitas partes do reino. 163

Nesse sentido, podemos afirmar que o estilo de vida, conseqüência do modo de viver e

de se relacionar em pequenos grupos, cujo objetivo era o “viver santo” foi marca diferencial

da Inglaterra do século XVIII e, na busca contínua pela renovação espiritual, no qual

Wesley havia sido um dos pioneiros, sentia que precisava ter um novo momento em seu

modo de viver, que lhe desse uma certeza e segurança em sua vida espiritual.

Segundo Heitzenrater:

Diante da possibilidade de se afogar no meio de uma tempestade no Atlânti-co, Wesley percebeu que não estava pronto para se encontrar com seu Cria-dor. A sua primeira reação foi assumir que a sua fé era deficiente, não era su-ficientemente forte para vencer tal medo.164

162 HEITZENRATER, Richard P. Wesley e o Povo Chamado Metodista, p. 75. 163 HEITZENRATER, Richard P. Wesley e o Povo Chamado Metodista, p. 75. 164 HEITZENRATER, Richard P. Wesley e o Povo Chamado Metodista, p. 77.

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Por outro lado, o “Clube Santo” toma outras dimensões em Londres, resultado da re-

novação espiritual motivada por seus novos líderes, em especial George Whitefield que t i-

nha assumido o compromisso durante a ausência de Wesley, quando este estava na Geórgia,

e Peter Böhler, ministro luterano que apresentou novos modelos para a renovação espiritual

e para a estruturação e desenvolvimento organizacional do Metodismo.

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2. A Teologia de John Wesley no Discipulado

A teologia fala de Deus e do agir de Deus no mundo e com os homens e as mulheres.

Por isso, quando penso em teologia de Wesley, penso em discipulado, penso em pequenos

grupos bem disciplinados. Mas também penso em busca espiritual, em avivamento da alma

e do espírito, penso em vida no altar, em santidade de coração e vida, penso em perfeição

cristã, penso também em amadurecimento e certeza da fé; logo penso em mim, penso em

Deus e de como Ele me amou oferecendo o perdão para os meus pecados e a salvação por

meio do Seu filho, Jesus Cristo.

Parafraseando o filósofo Decartes: “penso, logo existo”. E se existo é porque assim

Deus quer, logo penso em fazer algo para retribuir a vontade de Deus e, assim pregar o

Evangelho que é o próprio amor de Deus. Amor que dá vida, que dá alegria e certeza da

salvação.

Dessa forma, pensar em teologia e na mensagem cristã, que são base do discipulado

cristão é, em primeiro lugar, assumir o compromisso com o próprio Deus e, em segundo

lugar, ter responsabilidade com o ‘outro’ na transmissão correta dos conceitos de fé, que nos

levam à salvação em Jesus.

Walter Klaiber e Manfred Marquardt afirmam que:

A mensagem e a teologia cristãs estão, portanto, diante de uma dupla res-ponsabilidade: responder à sua tarefa fundamental e àquele que impôs esta tarefa, Jesus Cristo, cuja palavra e vida são, ao mesmo tempo, base e conteú-do de sua mensagem. Por causa do ser humano questionante – que não espe-ra da Igreja que simplesmente repita o que todos dizem, mas que dê resposta própria – é importante que a Igreja sempre de novo tome consciência e se in-terrogue se a sua mensagem ainda é idêntica com a sua missão original.165

A teologia wesleyana é uma teologia da graça, por isso, pensar em teologia no contex-

to wesleyano é, pensar em uma teologia que está baseada na busca espiritual de santidade de

vida e de coração. Heitzenrater pensando sobre o tema em questão afirma que:

165 KLAIBER, Walter e MARQUARDT, Manfred. Viver a Graça de Deus, p. 02.

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Esta busca espiritual da santidade nos dá o foco da teologia de Wesley. Ele já tinha algumas convicções que iriam dar forma à sua estrutura teológica e fornecer um ímpeto espiritual para toda a vida. Ele estava convencido, já em 1725, de que uma pessoa poderia com certeza ser capaz de sentir o perdão de Deus; isto se tornou base de sua preocupação para uma segurança perceptí-vel da salvação (Letters 25:174-175). Do mesmo modo, ele estava convenci-do de que tal certeza de perdão não era uma garantia de que o pecado não surgiria outra vez; esta é a base de sua constante preocupação com a aposta-sia (e em parte, de sua antipatia com a predestinação).166

O próprio Wesley apresenta um resumo de sua teologia dentro das doutrinas constru-

ídas afirmando que: “Nossas principais doutrinas, que incluem todo o resto, são três – as do

arrependimento, da fé e da santidade. A primeira nós consideramos como se fosse a varanda

da religião; a seguinte, a porta; e a terceira, a própria religião”.167

José Carlos de Souza168 no artigo “Criação, Nova Criação e o Método Teológico na

Perspectiva Wesleyana”, que constitui parte da obra teológica, “Meio Ambiente e Missão: A

Responsabilidade Ecológica das Igrejas”, publicada pela editora da Faculdade de Teologia,

conhecida como “Editeo” afirma que:

Por essa razão, grande quantidade de obras a respeito da teologia wesleyana concentra-se sobre o campo da soteriologia. A teologia posterior, especial-mente à luz do reavivamento religioso, centraliza-se ainda mais na doutrina da salvação, em particular sobre a necessidade de conversão pessoal ou novo nascimento.169

A esperança da salvação, para Wesley, estava firmada na confiança da sinceridade de

seu próprio desejo de ter uma vida cristã e confiança nas promessas de Deus como ele as

entendia. Por isso, Heitzenrater afirma que, a segurança da salvação baseava-se sobre o que

166 KLAIBER, Walter e MARQUARDT, Manfred. Viver a Graça de Deus, p. 02. 167 The Principles of a Methodist Father Explained. In: The Methodist Societies: History, Nature, and Design,

ed. Rupert Davies, The Bicentennial Edition of Works of John Wesley. Vol. 9, Nashille: Abingdon Press, 1989, , p. 227. In: CASTRO, Clovis Pinto de. Meio Ambiente e Missão: A Responsabilidade Ecológica das Igrejas. Clovis Pinto de Castro – Organizador. São Bernardo do Campo. Editeo. 2003. , p. 71.

168 Teólogo, geógrafo, mestre em ciências da religião pela UMESP, doutorando na área de teologia e história da pós-graduação da UMESP e professor da área de história e teologia da Faculdade de Teologia da Igreja Me-todista da UMESP.

169 SOUZA, José Carlos de. Criação, Nova Criação e o Método Teológico na Perspectiva Wesleyana. In: VV.AA. Meio Ambiente e Missão: A Responsabilidade Ecológica das Igrejas. Clovis Pinto de Castro – Or-ganizador. São Bernardo do Campo. Editeo. 2003, p. 71.

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ele definia como “a segurança de nosso chamado: para saber que nossa esperança é a since-

ridade, não a perfeição; não agir bem, mas o melhor possível” (Letter 25: 318).170

Heitzenrater diz ainda que:

A vida e o pensamento dos wesleyanos de Oxford manifestavam uma teolo-gia e uma prática que equivalia à metodologia arminiana, que era expressa em um modelo complexo de regras e expectativas. O estilo de vida wesleya-no estava de acordo com um tipo de teologia arminiana que exigia contínua obediência à vontade de Deus mesmo dentro do contexto da Nova Alian-ça.171

Segundo Heitzenrater, a conseqüência teológica mais significativa da influência pietis-

ta foi a descoberta de Wesley de que a santidade era uma realidade interior – “que a verda-

deira religião estava assentada no coração, e que a lei de Deus se estendia por todos os nos-

sos pensamentos assim como pelas palavras e ações”.172

A santificação, estritamente falando, é tarefa exclusiva do Deus Santo. A santificação

tem isso em comum com justificação e novo nascimento: somente Deus pode realizá-los.173

Manfred Marquardt em “Redescobrindo o Sagrado”, apresenta o seguinte pensamento

wesleyano sobre o tema da santificação dizendo que:

Ninguém está apto a santificar a si mesmo ou a si mesma. Apenas quando paramos de agir por nós mesmos é que a graça de Deus pode nos transfor-mar. Enquanto tentamos formar e modelar a nós mesmos, podemos conse-guir alcançar algum aperfeiçoamento moral, intelectual ou físico, mas jamais conseguiremos nos tornar mais santos.174

Com isso, é importante destacar também que o pensamento teológico de Wesley abra-

çava outras dimensões da vida, como a luta contra o preconceito racial, os desafios das de-

sigualdades e injustiças sociais e os debates em torno da defesa da natureza.

José Carlos de Souza diz que:

A teologia deve inspirar e refletir engajamento ético. O próprio Wesley o-pôs-se, com firmeza, à crueldade exercida contra os animais; insistiu na ne-

170 HEITZENRATER, Richard P. Wesley e o Povo Chamado Metodista, p. 43. 171 HEITZENRATER, Richard P. Wesley e o Povo Chamado Metodista, p. 45. 172 HEITZENRATER, Richard P. Wesley e o Povo Chamado Metodista, p. 36. 173 MARQUARDT, Manfred. Redescobrindo o Sagrado. Manfred Marquardt. São Bernardo do Campo, Editeo,

2000, p. 57. 174 MARQUARDT, Manfred. Redescobrindo o Sagrado, p. 57.

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cessidade de educar para a benevolência e a compaixão relativamente a todas as formas de vida; condenou veementemente a escravidão; desenvolveu al-ternativas criativas para responder ao desafio da pobreza; e, embora não te-nha percebido, em toda a sua extensão, o caráter estrutural das mudanças em processo, denunciou a injustiça e as desigualdades sociais latentes e visíveis na emergente sociedade industrial.175

A experiência na Geórgia também foi um episódio importante na peregrinação espiri-

tual de Wesley e teve assim um papel significativo no seu desenvolvimento teológico.176

Até este momento foram apresentados, diversos conceitos de fé, baseados em uma

construção do pensar teológico wesleyano. Todavia, o desenvolvimento do pensamento teo-

lógico é resultado de uma vida em busca de uma espiritualidade segundo a tradição, a razão,

a própria fé no processo de ganhar experiência e, acima de tudo, uma espiritualidade basea-

da nas Sagradas Escrituras, que é fonte do pensamento teológico de todo o cristianismo.

Os temas teológicos aqui apresentados, não esgotam a totalidade do pensamento teo-

lógico de John Wesley e nem da continuidade do movimento Metodista que, para mim foi

fazer a vontade de Deus em meio às transformações políticas, éticas, religiosas e sociais da

Inglaterra. Portanto, fazemos teologia sempre que procuramos entender a vontade de Deus

para o nosso tempo e lugar. Pois teologia é a reflexão elaborada no horizonte da fé e da vida

cristã, sobre a prática missionária da Igreja. Não é simples coleção de pensamentos, frases

de efeitos e opiniões pessoais.

Por isso, como expressão da comunidade de fé ou de um movimento religioso, a teo-

logia obedece a critérios próprios e pressupõe o respeito a certos marcos referenciais, a sa-

ber, as chamadas fontes do conhecimento teológico. Assim, os elementos principais do pen-

samento teológico wesleyano, que nortearão toda a pesquisa em torno da teologia

wesleyana são conhecidos entre o povo metodista como a Bíblia, a tradição, a experiência, a

razão e a criação.177

175 SOUZA, José Carlos de. Criação, Nova Criação e o Método Teológico na Perspectiva Wesleyana, p. 83. 176 HEITZENRATER, Richard P. Wesley e o Povo Chamado Metodista, p. 59. 177 Todos já conhecem o quadrilátero wesleyano, porém o tema da criação é defendido pelo teólogo José Carlos

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Segundo José Carlos de Souza, as fontes do saber teológico não podem ser dissociadas

umas das outras. Devem ser vistas em sua mútua correlação e interdependência.178

2.1. A Bíblia

O pensamento teológico de Wesley tem como ponto de partida, suas considerações e

seus comentários do conteúdo bíblico. A Bíblia é a referência fundante para qualquer teolo-

gia cristã. Tendo isso como pressuposto básico, passemos a considerar o pensamento

wesleyano dentro do contexto bíblico e teológico.

Para a fé cristã, os livros canônicos são escritos pela auto-manifestação de Deus, na

sua ação na história de Israel e na vida de Jesus de Nazaré. Com isso, a Bíblia demonstrou

ser, através dos séculos, salvadora, auxiliadora e consoladora, desencadeou revoluções e

forneceu ao homem a base para a sua vida.179

De acordo com José Carlos de Souza, a Bíblia é a regra definitiva, constante e central

em termos de fé e prática. Através dela conhecemos a revelação de Deus na história. Vale,

portanto, o princípio da Reforma: “Seja eu o homem de um só livro”. (cf. 2 Tm 3, 16-17).180

de Souza, professor de teologia wesleyana na Faculdade de Teologia da Igreja Metodista.

178 SOUZA, José Carlos de. Apostila de Teologia Wesleyana. Faculdade de Teologia, 2003. 179 KLAIBER, Walter e MARQUARDT, Manfred. Viver a Graça de Deus, p. 39. 180 SOUZA, José Carlos de. Apostila de Teologia Wesleyana. Faculdade de Teologia, 2003.

TRADIÇÃO

RAZÃO CRIAÇÃO

EXPERIÊNCIA

BÍBLIA

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69

A compreensão da Bíblia para Wesley está muito próxima da dos pietistas, dessa for-

ma a total confiança na verdade das Sagradas Escrituras está a serviço da busca da salvação.

A Bíblia é para Wesley a constante e última fonte de conhecimento e autoridade. Esta

afirmação nos revela o grau de intimidade de Wesley e a Bíblia, e isso é percebido em suas

obras e em seus sermões.

Em um dos seus sermões, Wesley afirma que:

A Bíblia é lâmpada para os pés do cristão bem como luz para todos os seus caminhos. Ele a recebe como a sua única regra de que é justo e de que é er-rado, de tudo aquilo que é realmente bom ou mau. Ele nada tem como bom senão aquilo que nela se contém, quer diretamente ou por simples conse-qüência. Nada tem como mau senão o que ela proíbe quer claramente ou por inferência inegável. Tudo que a Escritura não proíbe nem ordena quer dire-tamente ou por simples conseqüência, ele crê que seja de natureza indiferen-te, nem bom nem mau em si mesmo. Esta é a regra total e única pela qual a sua conseqüência é dirigida em todas as coisas.181

No prefácio aos Sermões, Wesley faz algumas considerações e conclui com uma

afirmação dizendo que:

Quero saber uma coisa – o caminho para o céu; como desembarcar-me com segurança naquela praia feliz. O próprio Deus condescendeu em ensinar o caminho; para este fim, ele veio do céu. Ele o escreveu em um livro. Oh! Dá-me esse livro! Por qualquer preço, dá-me o livro de Deus! Eu o tenho. Aqui há conhecimento suficiente para mim. Seja eu o homem de um livro. De modo que estou distante dos costumes atarefados dos homens. Eu me as-sento a sós: somente Deus está aqui. Em sua presença abro e leio o seu livro; para este fim achar o caminho do céu. [...] E então medito com toda a aten-ção e sinceridade de que é capaz a minha mente. Se ainda persiste alguma dúvida, consulto aqueles que são quase mortos, ainda falam. E o que assim aprendo, isso ensino.182

Wesley tinha um jeito próprio de estudar a Bíblia, que mostra certas afinidades com os

estudiosos do seu tempo. Por isso, considero importante destacar que Wesley foi biblicista,

especializado em Novo Testamento e professor da matéria. Quem se aprofunda na pesquisa

bíblica, apaixona-se por ela. Certamente isso ocorreu com Wesley, pois grande parte de sua

obra escrita foi dedicada à interpretação da Bíblia. 181 IGREJA METODISTA. Em Marcha – Metodismo: Origem e Desenvolvimento. Colégio Episcopal da Igreja

Metodista. Editora Cedro, 2° Quadrimestre. 1999, p. 44. 182 BURTNER, Robert W., CHILES, Robert E. Coletânea da Teologia de João Wesley. Compilação de Robert

W Burtner e Robert E. Chiles. Tradução de Messias Freire, 2ª Edição, Rio de Janeiro. Igreja Metodista, Co-légio Episcopal, 1995, p. 18.

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Wesley viveu numa Inglaterra influenciada pelo pensamento racionalista183 e, com

grande habilidade, enfrentou essa realidade. Não negou a importância da razão, tampouco

supervalorizou a experiência. Enfrentando exageros de ambos os lados e convicto de que

experiência e razão podem contribuir para o bem-estar das pessoas e, particularmente, para

o estudo bíblico, ele escreveu: “Vamos unir estas duas há tanto tempo separadas: ciência e

piedade vital”.

O resultado dessa união entre razão e fé é uma interpretação bíblica clara, verdadeira e

voltada para um aprendizado profundo do propósito de Deus. É uma espécie de lógica

(razão) do coração (amor) que atinge a emoção e provoca no homem e na mulher uma nova

vitalidade no testemunho. Foi com esse jeito de interpretar que Wesley revolucionou o

modo de pensar da Inglaterra daquele tempo e nos legou uma contribuição de valor para a

interpretação bíblica.

Wesley interpreta a Bíblia a partir da realidade humana, pois ele está preocupado em

tirar lições dos textos para lançar luzes sobre a realidade distorcida e complicada, encon-

trando as orientações necessárias para animar o povo e para apresentar a vida plena e abun-

dante.184

Para Wesley, a Bíblia é a única regra de fé e prática, pois ele diz que “meu fundamen-

to é a Bíblia, sigo-a em todas as coisas, grandes ou pequenas”, isso porque ela é a própria

palavra de Deus, fonte de conhecimento e do saber teológico, ponto de partida para uma

vida santificada e justificada. Wesley identificava na Bíblia a mensagem de Deus aos ho-

mens. É a revelação do propósito de Deus de restaurar tudo e todos, criatura e criação, por

intermédio de Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador. Ele reconhecia que Deus inspirou a-

queles que escreveram, assim como também inspira aqueles e aquelas que a lêem. Por isso,

183 Um racionalista é uma pessoa que acredita nas soluções vindas das idéias, da razão, e nunca da experiência.

Isso significa que um racionalista nega qualquer autoridade ou credibilidade à fé religiosa. 184 João 10,10b

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ele aconselhava a meditação constante nas Escrituras para o entendimento melhor da vonta-

de de Deus para a vida pessoal, familiar e comunitária.

No sermão “A Nova Criação” (sobre o texto de Ap. 21,5), ele nos diz que a Escritura

deve ser interpretada pela própria Escritura e de acordo com a analogia da fé. A analogia da

fé significa que as verdades da fé estão implicadas umas nas outras, de tal forma que uma é

entendida pela outra.185

Pensando assim, apesar de confessarmos a prioridade da Bíblia na nossa reflexão teo-

lógica, sempre incluímos a importância da tradição, da experiência e da razão, quando que-

remos compreender o seu conteúdo.

2.2. A Experiência

Wesley lia a Bíblia como fonte segura para o conhecimento de Deus e do pensar teo-

lógico. No entanto, reconhecia na experiência pessoal do cristão uma oportunidade legítima

de conhecimento deste mesmo Deus e da construção do saber teológico. Ambas se refor-

çam. Na medida em que se medita na Palavra, buscando entender e perceber a vontade de

Deus, mais possibilidades são criadas para se ter uma experiência pessoal com Ele, por

meio da fé. Ao mesmo tempo, a experiência de fé leva o cristão a fazer uma releitura da

Bíblia, com base na fé e, agora, por sua experiência pessoal.

O sentido da fé não é alcançado somente pela interpretação intelectual ou teórica do

ensino cristão, senão através de uma relação viva com Deus. O testemunho interno do

Espírito é, pois, indispensável! Porém, não existe experiência que seja normativa. Isolada

dos demais referenciais, a experiência como normativa conduz ao subjetivismo e ao fana-

tismo [Jo 3,3; Jo 9,25; Rm 8,16; 1 Pe 2,3].186

185 SOUZA, José Carlos de. Criação, Nova Criação e o Método Teológico na Perspectiva Wesleyana, p. 91. 186 SOUZA, José Carlos de. Apostila de Teologia Wesleyana. Faculdade de Teologia, 2003.

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É indiscutível a primazia da Bíblia na busca do conhecimento da vontade de Deus pa-

ra a vida do cristão, mas esse fator não exclui e nem diminui a relevância de uma experiên-

cia pessoal. É possível saber e citar diferentes passagens bíblicas e ainda permanecer indife-

rente à vontade de Deus. O cristão toma conhecimento de Deus, da Sua vontade por meio da

comunhão íntima em que o Espírito testifica com o nosso espírito de que somos filhos(as)

de Deus.

Wesley passou muito tempo, em busca de uma experiência pessoal de fé. Sua narrati-

va dos acontecimentos do dia 24 de maio de 1738, na Rua Aldersgate, em Londres, na In-

glaterra reflete sua visão da direção providencial de Deus nesse desenvolvimento da fé. Tu-

do começou pela manhã, durante a leitura da Bíblia e nos cânticos na Catedral de São Paulo,

à tarde, e a reunião da sociedade no final do dia. O próprio Wesley descreve sua experiência

dizendo que:

À noite eu fui de má vontade à sociedade na Rua Aldersgate, onde alguém estava lendo o prefácio de Lutero para a Epístola aos Romanos. Cerca de um quarto para as nove, enquanto ele estava descrevendo a mudança que Deus opera no coração pela fé em Cristo, eu senti meu coração estranhamente a-quecido, senti que acreditava em Cristo, apenas em Cristo para a salvação, e uma segurança me foi dada que Ele havia levado meus pecados, sim os meus, e me salvado da lei do pecado e da morte. (J&D, 18:249-250)187

Wesley ora e testemunha aos presentes na reunião a sua experiência. Mais tarde afir-

ma: “Lutava, sim, pelejava com todas as minhas forças debaixo da lei como debaixo da gra-

ça. Mas, então, era às vezes, senão freqüentemente, vencido. Agora, era sempre vence-

dor”.188

187 HEITZENRATER, Richard P. Wesley e o Povo Chamado Metodista, p. 80. 188 Op. Cit. Em Marcha – Metodismo: Origem e Desenvolvimento, p. 50.

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2.3. A Razão

Wesley defendia o uso da razão189 em conjunto com a Bíblia e a experiência pessoal

como oportunidades de conhecimento e autoridade cristã.

Por isso que para Wesley a razão é um princípio fundamental, pois “renunciar à razão

é renunciar à religião, que a religião e a razão caminham de mãos dadas e que toda a religi-

ão sem a razão é falsa”.190 Afinal, nem a razão contradiz a revelação divina, nem esta exige

a nossa concordância com aquilo que fere ao bom senso. Realmente, iluminada pelo Espíri-

to Santo, a razão nos auxilia na compreensão da vontade divina, mas por outro lado, é inca-

paz de nos conceder a fé, a esperança ou o amor. A disciplina intelectual é necessária, con-

tudo, separada dos outros critérios, degenera-se em puro racionalismo (1 Co 14,15;

Rm 12,1).191

Segundo Heitzenrater, a razão fornecia os meios pelos quais as Escrituras e a tradição,

podem ser examinadas e entendidas por pessoas sensatas, a verdade revelada pode, às vezes,

estar acima da razão, mas jamais estará contra a razão.

A razão, sabendo que a informação ou revelação divina é de fato divina, já está con-

vencida de que ela excede toda certeza humana. Com isso, visto que Deus fez dos homens e

das mulheres, instrumentos imediatos de toda a revelação, a fé evangélica deve ser parte

fundada sobre o testemunho humano. 192

Wesley diz ainda que:

Podemos observar, em segundo lugar, que, visto que Deus fez dos homens os seus instrumentos imediatos de todas as suas revelações, Ele condescen-deu em usar a linguagem humana, assim como as nossas concepções e idéias

189 Wesley era filho do século XVIII, o “século das luzes”. Era um século em que o saber humano era bem valo-

rizado. Ele mesmo bebeu das fontes da cultura e do saber, estudando e lecionando na famosa Universidade de Oxford. Mas nem por isso se considerou um intelectual privilegiado ou alguém que acreditasse ser sua sabe-doria suficiente em si até o ponto de dispensar a fé da sua vida. O movimento metodista foi baseado em pro-fundas emoções e experiências pessoais com o Deus vivo. A razão sempre estava presente com as emoções e o entusiasmo na sua experiência de fé.

190 BURTNER, Robert W., CHILES, Robert E. Coletânea da Teologia de João Wesley, p. 26. 191 Anotações retiradas de uma apostila dada pelo professor Ms. José Carlos de Souza em sala de aula na ocasião

da disciplina de teologia wesleyana. 192 BURTNER, Robert W., CHILES, Robert E. Coletânea da Teologia de João Wesley, p. 23.

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naturais para a representação clara e fácil das coisas sobrenaturais e de outro modo incompreensíveis...193

Relacionar o tema da razão com Wesley só é possível quando Deus abre os nossos o-

lhos e, então, percebemos que estávamos sem Deus. Não tínhamos conhecimento de Deus,

por isso, quando chegamos ao uso da razão, aprendemos “as coisas invisíveis de Deus, seu

poder eterno e sua liderança das coisas que foram criadas”.194

Wesley afirma que:

O desejo de conhecimento é princípio universal no homem, gravado na sua natureza mais íntima. Ele é invariável e constante em todas as criaturas ra-cionais a menos que seja suspenso por algum desejo mais forte. [...] O atual conhecimento do homem é adaptado exatamente aos seus desejos presentes. Ele é suficiente para avisar-nos e preservar-nos da maioria dos males a que estamos expostos no momento, e para prover-nos de tudo que nos é necessá-rio neste estado infantil de nossa existência.195

Com a ajuda da razão, examinamos a correlação de nosso testemunho com a mensa-

gem bíblica e com as tradições, pois somos assistidos pelo Espírito Santo que nos capacita a

entender o que a Bíblia declara a respeito do ser e dos atributos de Deus.

Sobre essa afirmação, Wesley faz a seguinte consideração dizendo que:

Não é a razão que, assistida pelo Espírito Santo, nos capacita a entender o que as Sagradas Escrituras declaram a respeito do ser e dos atributos de Deus? Da sua eternidade e imensidade, do seu poder, sabedoria e santidade? É pela razão que Deus nos capacita, até certo ponto, a compreendermos o seu método de tratar com os filhos dos homens a natureza de suas várias dis-pensações – da velha e da nova, da lei e do Evangelho. É por esta que nós entendemos que é pela fé que somos salvos, quais são a natureza e a condi-ção da justificação e quais são os seus frutos imediatos e subseqüentes. Pela razão, aprendemos o que é o novo nascimento sem o qual não podemos en-trar no Reino do céu e a santidade sem a qual ninguém poderá ver o Senhor. Pelo uso devido da razão, nós chegamos a conhecer os elementos implícitos na santidade interior e o que significa se santo: em outras palavras: qual a mente que houve em Cristo e o que é andar como Cristo andou.”196

É pela razão que Deus nos capacita e nós empregamos nossa capacidade de raciocínio

para relacionar o nosso testemunho à ampla abrangência de conhecimento, experiência e

serviços humanos. Porque toda verdade vem de Deus, por isso são úteis os esforços de esta- 193 BURTNER, Robert W., CHILES, Robert E. Coletânea da Teologia de João Wesley, p. 24. 194 BURTNER, Robert W., CHILES, Robert E. Coletânea da Teologia de João Wesley, p. 25. 195 BURTNER, Robert W., CHILES, Robert E. Coletânea da Teologia de João Wesley, p. 27. 196 Op. Cit. Em Marcha – Metodismo: Origem e Desenvolvimento, pp. 52-53.

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belecer as relações entre revelação e razão, fé e ciência, graça e natureza, para desenvolver

uma doutrina confiável e comunicável.197

Para Wesley, não há separação entre o intelectual e o espiritual. Ele não viu conflito

entre essas duas dimensões da vida, ele próprio aproveitou o saber humano acumulado len-

do bons livros sobre diferentes assuntos e escrevendo sobre diferentes temas.

Por outro lado, Wesley entendia que a razão por ela mesma não produz fé, esperança e

amor. Porém, compreendeu que Deus usa a razão para ser um veículo para o entendimento e

o discernimento e, por isso, ela se torna tão necessária em nossos dias.

Wesley usava sua própria razão e deixava o outro usar a dele. Contudo, ele conseguia

adotar essa posição liberal sem ser omisso, indiferente ou vacilante. Ele soube pensar e dei-

xar pensar.

2.4. A Tradição

Wesley considera os ensinos da Igreja como ponto de referência ao conhecimento de

Deus revelado na Bíblia, pela experiência pessoal e pela razão.

O próprio Wesley assim diz:

Nunca é demais fazermos um exame da nossa religião se o fizermos à luz dos mais antigos documentos do cristianismo. Saber como nasceu a Igreja Cristã, nossa própria Igreja, bem como saber como viviam nossos irmãos no passado, saber sobre a fé em Jesus Cristo, saber à respeito da Igreja em seus primórdios, seus costumes, princípios, doutrinas, saber o porque da existên-cia da Igreja, sua razão de ser ajuda para superar ou diminuir dificuldades que impedem a compreensão do que somos, nossa identidade particular co-mo grupo, nossa disponibilidade a Deus – o nosso serviço.198

A tarefa teológica não começa do nada em cada período ou com cada ser humano. O

cristianismo não salta do Novo Testamento para o presente, como se não tivéssemos nada

para aprender com a “nuvem de testemunhas” existente nesse meio tempo.199

197 KLAIBER, Walter e MARQUARDT, Manfred. Viver a Graça de Deus, p. 470. 198 Op. Cit. Em Marcha – Metodismo: Origem e Desenvolvimento, p. 56. 199 KLAIBER, Walter e MARQUARDT, Manfred. Viver a Graça de Deus, p. 469.

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A igreja primitiva organizava-se e crescia em torno da Palavra de Jesus e dos testemu-

nhos dos(as) discípulos(as).200 E aos poucos, à medida que cresciam em números e expandi-

am, os(as) cristãs(ãs) eram exortados(as) a preservar, cuidar e zelar pelas suas tradições.201

Rememorar as tradições tinha a intenção de manter a unidade da fé (Ef 4,11-14), valo-

rizar a santidade cristã em oposição à desordem e à dissolução (Ef 4,17-24), focalizar os

ministérios e serviços que os cristãos poderiam prestar aos outros como parte do seu teste-

munho (Rm 12,3-8), fundamentar a pregação da Palavra nos lugares onde os cristãos reuni-

am-se (At 11,19-26) e a incentivar a comunidade cristã a uma vida de oração, meditação e

vivência cristã (At 2,42-47).

A experiência continuada da igreja através dos séculos auxilia na correta interpretação

da Bíblia e orienta a compreensão dos assuntos a ela não relacionados diretamente. Wesley

valoriza, sobretudo os pais da igreja, os Credos e Concílios Ecumênicos, os Reformadores,

o Livro de Oração Comum e as Homilias da Igreja Anglicana. Considerada em si mesma, no

entanto, a tradição pode levar ao formalismo e ao tradicionalismo (cf. 1 Co 11,2;

1 Co 11,23s; 1 Co 15,1-3 e Ts 2,15].202

A tradição não era usada como faziam os católicos romanos, mas de acordo com o en-

tendimento de Wesley, ela proporcionava um modo de vida e de pensamento desde os pri-

meiros séculos do cristianismo muito perto da pureza dos testemunhos apostólicos, bem

como era passível de ser uma autêntica reflexão e explicação do testemunho bíblico e exclu-

sivamente limitado aos primeiros séculos da igreja cristã.203

Wesley estava convencido de que havia muitos exemplos positivos no cristianismo

primitivo para instituí-lo como padrão para a revitalização e a renovação da igreja em seu

200 Atos 15:1-35 201 1 Timóteo 1, 3-7. 202 SOUZA, José Carlos de. Apostila de Teologia Wesleyana. Faculdade de Teologia, 2003. 203 HEITZENRATER, Richard P. Wesley e o Povo Chamado Metodista, p. 10.

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tempo. Pois a teologia de Wesley é fundamentada nas Escrituras Sagradas e na experiência

de fé que, por sua vez, tenta explicar a vida na presença de Deus.

Nesse sentido, a tradição é chave hermenêutica para uma boa compreensão do pensa-

mento wesleyano. Afinal, é na história da igreja primitiva que Wesley procura viver uma

realidade marcante e diferenciada, ele adota um estilo de vida que busca vivenciar o amor

de Deus.

2.5. A Criação

A Bíblia, a experiência pessoal, a razão e a tradição cristã são fontes do conhecimento

de Deus e da autoridade cristã. Cada qual se relaciona com o outro. No entanto, Wesley

acrescenta ainda uma outra fonte: a natureza feita pelo Deus Criador. Nela há expressão

veemente da presença e do poder de Deus. Nela há um retrato da sabedoria divina e do cui-

dado amoroso. Nela há uma imagem da perfeição do poder divino do Senhor.

Segundo José Carlos de Souza, situar Wesley entre os ‘ecologistas’ é, realmente, um

anacronismo. Contudo, podemos reconhecer a Glória de Deus e mesmo obter, por analogia,

algum conhecimento de seus propósitos através da observação da natureza “o mundo ao

redor de nós é o poderoso volume onde Deus se revelou”. Esse conhecimento, entretanto,

não esgota a revelação divina. Conseqüentemente, o naturalismo, como único caminho para

alcançar a verdade teológica, deve ser rejeitado (cf. Sl 19,1; Sl 104).204

De acordo com Souza, o tema da criação para Wesley era o mesmo da igreja primiti-

va. A ênfase da teologia wesleyana era a salvação, contudo, Wesley nunca negou que o uni-

verso é uma obra divina nem situou a criação em lugar menos relevante. Ao contrário disso,

ele considerava a atividade criadora, como uma plena manifestação da Graça de Deus afir-

mando que:

204 SOUZA, José Carlos de. Apostila de Teologia Wesleyana. Faculdade de Teologia, 2003.

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O Deus eterno, todo-poderoso, onisciente e cheio de graça é o Criador do céu e da terra. Ele, por sua palavra poderosa, chamou do nada todo o univer-so, tudo que existe. “Assim o céu e a terra foram criados, bem como todos os seus exércitos.” E depois que Ele ordenou todas as demais coisas – as plan-tas segundo as suas espécies, os peixes e as aves, as bestas e os répteis se-gundo as suas espécies, “Ele criou o ser humano segundo a sua própria ima-gem”. E o Senhor viu que cada parte distinta do universo era boa. Porém, quando viu tudo quanto tinha feito, cada coisa em conexão com as outras, “eis que tudo era muito bom”.205

Souza afirma ainda que existe uma correlação inevitável entre Deus como Criador e o

cosmo. “O mundo não é Deus, mas é de Deus, e Deus está em seu mundo.”206

Por isso, acho necessário afirmar que Deus criou o universo não por necessidade ou

solidão, mas chama todas as coisas à existência como prova de Seu amor e poder. E para

identificar o propósito de Deus para a criação, é necessário reconhecer o agir de Deus em

amor como nosso sustentador e provedor. Wesley tenta evidenciar que, todas as coisas cria-

das serviam a um propósito ou ocupavam um lugar central na ordem total da criação.

O ponto central da teologia wesleyana sobre o tema da criação é o ser humano. Ho-

mem e mulher criados à imagem de Deus. Wesley entende a imagem de Deus, em um senti-

do mais relacional, não tanto como algo que o ser humano possui, mas o modo como ele se

relaciona com Deus e vive essa relação no mundo.207

Assim, Wesley descreve o ser humano como Imago Dei208 – (Imagem de Deus) sob

três aspectos: natural, político e moral.

2.5.1. Imagem Natural

Esta resumi-se naqueles dons ou qualidades com as quais a criatura é abençoada e que

a tornam “capazes de Deus”, capaz de ter um relacionamento e conviver com Deus. Theo-

205 Op. Cit Meio Ambiente e Missão: A Responsabilidade Ecológica das Igrejas, p. 72 – Para maior compreensão

do tema, indico a leitura do artigo “Criação, Nova Criação e o Método Teológico na Perspectiva Wesleyana”, do professor José Carlos de Souza, pp. 67-88.

206 KLAIBER, Walter e MARQUARDT, Manfred. Viver a Graça de Deus, p. 82. 207 SOUZA, José Carlos de. Criação, Nova Criação e o Método Teológico na Perspectiva Wesleyana, p. 76. 208 Essa era a compreensão da imagem encontrada especialmente na tradição dos padres do Oriente, os padres

gregos e sírios dos cinco primeiros séculos da era cristã, que exerceram, importante influência sobre a teolo-gia de John Wesley.

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dore Runyon diz ainda que, assim como Deus é Espírito, igualmente o é a sua imagem. E,

como espírito, a imagem é dotada de entendimento (razão) – que é o termo usado para des-

crever o atributo que separa os seres humanos dos outros animais, vontade (volição) e liber-

dade (livre-arbítrio para agir).209

O entendimento ou razão abrange três dimensões relevantes para o pensar teológico.

Theodore Runyon faz a seguinte definição dizendo que a primeira dimensão é:

...percepção, “conceber algo na mente”; no juízo, comparando percepções umas com as outras; e no discurso, o “avanço da mente de um juízo a outro”. A razão, portanto, nos capacita a compreender, num nível limitado como as coisas funcionam juntas, o que nos possibilita discernir ordem e relaciona-mentos e fazer julgamentos corretos.210

Theodore Runyon diz ainda que sem a razão seria impossível explicar os princípios

básicos da fé, por isso, a razão pode beneficiar-se positivamente a fé religiosa. Runyon nos

lembra ainda de que para Wesley existiam limites para o papel da razão na religião, mas ele

se preocupava em preservar a contribuição funcional (em vez da contribuição mitológica) da

razão.211

As duas outras dimensões da imagem natural são a verdade e a liberdade. Ambas an-

dam de “mãos dadas” na compreensão de Wesley. Isso porque ele reconhece que a vontade

humana foi corrompida pelo pecado.

Runyon afirma que:

A desobediência humana rompeu o relacionamento entre a imagem de Deus, de modo que a tendência natural do ser humano é ser egoísta e se autopro-mover; em outras palavras, a vontade decaída é escrava das forças do peca-do. No entanto, se essa escravidão for total e a vontade não tiver qualquer li-berdade, ela não poderá ser moralmente responsabilizada. Portanto, para que o julgamento de Deus seja justo, é necessário um certo grau de livre-arbítrio.212

209 RUNYON, Theodore. A Nova Criação: A Teologia de João Wesley Hoje. Theodore Runyon [Tradução de

Cristina Paixão Lopes]. São Bernardo do Campo-SP: Editeo, 2002, p. 24. 210 RUNYON, Theodore. A Nova Criação: A Teologia de João Wesley Hoje, p. 25. 211 RUNYON, Theodore. A Nova Criação: A Teologia de João Wesley Hoje, p. 26. 212 RUNYON, Theodore. A Nova Criação: A Teologia de João Wesley Hoje, p. 26.

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Portanto, a razão ou entendimento, a volição (vontade) e a liberdade (livre-arbítrio pa-

ra agir) são características básicas do ser espiritual que traz consigo a imagem natural de

Deus.

2.5.2. Imagem Política

Sobre a definição de imagem política, Runyon diz que o ser humano é dotado com a

capacidade de liderança e administração para ser o “regente sobre a terra, o príncipe e go-

vernador deste mundo mais baixo”, mas prefiro pensar que Deus coloca o ser humano como

o “cuidador”213 da obra criada – a terra. O cuidado é uma característica existencial do ser

humano. O cuidado é um modo de ser essencial. Portanto, a humanidade recebeu uma posi-

ção privilegiada e de especial responsabilidade para com o resto da criação.

De acordo com Runyon, foi dada à humanidade a responsabilidade especial de ser “o

canal de comunicação” entre o Criador e o resto da criação.

Ele afirma ainda que:

A humanidade é a imagem de Deus na medida em que a benevolência de Deus é refletida nas ações humanas para com o resto da criação. Esse papel de mordomo e cuidador da criação pressupõe uma contínua fidelidade à or-dem do Criador, e somente baseada nesse princípio é que a humanidade pode esperar manter a ordem do mundo sob a sua administração.214

Wesley, porém, considerava um outro elemento central para a compreensão da ima-

gem política, que era a dependência da qualidade do relacionamento do mordomo, do cui-

dador ou, como Runyon diz, “príncipe e governador” com o Criador. Isso nos leva à terceira

dimensão da imago Dei.

213 Termo usado pelo teólogo, filósofo, Doutor em Ciências da Religião pela Universidade de Strasbourg, França

e Reitor e Professor da Área de Teologia Sistemática na Faculdade de Teologia da UMESP, no artigo “A Preocupação Ecológica na Tradição Wesleyana” – In: Meio Ambiente e Missão: A Responsabilidade Ecoló-gica das Igrejas, p. 99.

214 RUNYON, Theodore. A Nova Criação: A Teologia de João Wesley Hoje, p. 28.

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2.5.3. Imagem Moral

Runyon afirmar que a imagem moral é a principal marca do relacionamento humano

com Deus, de acordo com Wesley, mas também a mais facilmente distorcida. Ele destaca

ainda que:

A imagem natural consiste de dons, a maioria dos quais é retida na humani-dade após o pecado, embora de forma adulterada. A imagem política é aque-la que a humanidade continua a exercer, embora de modo corrompido, refle-tindo orgulho, o egoísmo e a insegurança da condição humana num mundo decaído. Mas a imagem moral consiste em um relacionamento no qual a criatura recebe continuamente do criador, e passa adiante, como mediadora, aquilo que recebeu. “Deus é amor”: conseqüentemente, o homem ao ser cri-ado, estava cheio de amor, que era o princípio essencial de todas as suas ín-doles, pensamentos, palavras e atos. Deus é cheio de justiça, misericórdia e verdade: assim era o homem ao sair das mãos de seu criador”.215

Significa dizer que a imagem moral consiste de todas as dádivas que permitem à pes-

soa humana refletir o caráter de Deus no mundo, ou seja, qualidades como “justiça e verda-

deira santidade” (Ef 4,24), amor, retidão, misericórdia, verdade e pureza.216 Essas dádivas

são resultado do perfeito relacionamento do cuidador com o Criador. Wesley chama isso de

“respiração espiritual”.

E ainda diz assim:

O sopro de Deus na alma e a respiração da alma retribuindo o que primeiro recebeu de Deus implicam numa contínua ação de Deus sobre a alma e nu-ma reação da alma para com Deus; implicam na incessante presença de Deus, do Deus que ama e perdoa, revelada ao coração e apreendida pela fé; implicam numa constante retribuição de amor, louvor, e oração, oferecendo todos os pensamentos de nosso coração, todas as palavras de nossos lábios, todas as obras de nossas mãos, todo nosso corpo, alma e espírito para serem um sacrifício santo, aceitável a Deus em Cristo Jesus.217

Ser a imagem de Deus é dom gratuito para todos os homens e mulheres e, ao mesmo

tempo, a particular destinação de suas vidas. Walter Klaiber e Manfred Marquardt fazem as

seguintes observações:

Todos os homens (e mulheres) são imagens de Deus; não existem como se-res sem relação, mas estão em comunhão com Deus e sua criação; sua digni-

215 RUNYON, Theodore. A Nova Criação: A Teologia de João Wesley Hoje, p. 29. 216 SOUZA, José Carlos de. Criação, Nova Criação e o Método Teológico na Perspectiva Wesleyana, p. 76. 217 RUNYON, Theodore. A Nova Criação: A Teologia de João Wesley Hoje, p. 30.

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dade é imperdível, embora não invulnerável; quem fere um homem (ou mu-lher) na sua dignidade, fere, atinge, ao mesmo tempo, seu Criador.218

Deus criou o homem à sua imagem natural como ser espiritual, dotado de inteligência,

vontade livre e sentimento; como imagem política o fez regente e cuidador do mundo cria-

do; e como imagem moral o criou cheio de amor, justiça, pureza e santidade.

Porém, a criação de Deus ainda não está concluída afirmam Walter Klaiber e Manfred

Marquardt: Deus prossegue o Seu caminhar com a Criação e o Seu criar continua. Mesmo o

comportamento culposo do homem e o poder destruidor do mal não destruíram a fidelidade

de Deus com a Sua criação, na qual conserva Seu poder criador e as condições básicas da

vida. (Gn 8,22).219

Desta maneira, o drama cósmico da renovação da criação começa, portanto, com a re-

novação da imago Dei na humanidade, esta é a chave indispensável para toda a soteriologia

de Wesley. E o tema da salvação, baseado na teologia wesleyana, torna-se mola propulsora

para a prática missionária da Igreja Metodista no Brasil, especialmente em terras nordest i-

nas, alvo de nossa proposta pastoral.

218 RUNYON, Theodore. A Nova Criação: A Teologia de João Wesley Hoje, p. 96. 219 RUNYON, Theodore. A Nova Criação: A Teologia de João Wesley Hoje, p. 104.

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CAPÍTULO III

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A PRÁTICA DO DISCIPULADO CRISTÃO:

UMA PROPOSTA PASTORAL PARA REMNE

A caminhada missionária da Igreja Metodista no nordeste tem como característica

principal, o “Ardor pela Missão”. É nessa linha de pensamento e afirmação que faço uma

proposta pastoral do discipulado, baseado na “Vida e Missão” da Região Missionária do

Nordeste.220

A história221 documental222 da REMNE é resultado do avanço missionário da Igreja

Metodista e isso nos desafia a pensar, planejar e projetar a nossa autonomia,

auto-proclamação e auto-sustento, como prioridade administrativa e, principalmente, mis-

sionária. Conquistar a autonomia é um dos objetivos da REMNE e esse projeto desafiador

está impregnado na “Vida e Missão” da Igreja Metodista em terras nordestinas.

É como resposta a esse desafio, que o discipulado pretende fortalecer a igreja e o cor-

po pastoral da REMNE, fazendo com que todos(as) participem plenamente do avanço mis-

sionário de nossa Região.

220 Daqui em diante adotarei a sigla “REMNE” – Região Missionária do Nordeste. 221 Outro texto que apresenta uma boa base histórica da REMNE é o trabalho monográfico produzido por Mara

Ferreira de Araújo Pedro, cujo título é “História do Metodismo no Nordeste: Das Origens à Criação da REMNE”.

222 Ver Anexo 1 – MAIA, Adriel de Souza. Relatório do Bispo Adriel de Souza Maia ao XII Concílio Regional da Região Missionária do Nordeste – REMNE.

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1. Discipulado: Método de Pastoreio

De acordo com Guilherme Cook, qualquer método válido tem possibilidade de ser um

instrumento poderoso nas mãos de Deus. Contudo, considero importante afirmar que o dis-

cipulado como método de pastoreio, não se constitui, em um modelo tecnocrático, em que

o(a) pastor(a) procura soluções meramente técnicas e/ou racionais, desprezando os aspectos

humanos e sociais dos problemas eclesiásticos.

Cook afirma ainda que:

O único fator metodológico constante é o estilo de vida das igrejas. Todos os métodos devem estar acompanhados de um estilo de vida que continuamente comunique, em palavra, vida e ação, “as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua luz maravilhosa” (1 Pe 2:9).223

Desta maneira, o conceito de discipulado para a Igreja Metodista é definido como um

estilo de vida, uma maneira de ser, no modo de expressar a fé em Jesus como Senhor e Sal-

vador.

O discipulado é o modo de vida, que caracteriza a vida daqueles que estão comprometidos com o Reino de Deus, que fazem da Nova Justiça, ou seja, dos valores éticos e da justiça do Reino uma prioridade na sua vida e que se dedicam integralmente ao serviço cristão, ao evangelismo e ao testemunho, em cumprimento à vontade de Deus Pai. Discipulado busca algo mais do que um mero processo educativo. Ele é um estilo de vida, uma maneira de ser em que as pessoas se relacionam, entram em comunhão, acolhem umas às ou-tras, compartilham o que são, sentem e carecem; oram umas pelas outras, louvam e adoram ao Senhor juntas, estudam a Palavra à luz da graça, da ex-periência e da razão da comunidade de fé.224

Na vida cristã, há diversos momentos e situações em que, o(a) cristão(ã) passa, que

são compartilhados com o(a) pastor(a). Nesse sentido, o pastor e/ou a pastora da igreja lo-

cal, desempenha um papel fundamental no processo de esclarecimentos das dúvidas e no

sinalizar soluções para o dia-a-dia do(a) cristão(ã) e da comunidade de fé.

Ronaldo Sathler Rosa diz que:

223 COOK, Guilherme. Evangelização é Comunicação: Problemas e Soluções para Despertar uma

Evangelização Mais Ativa em sua Igreja. Guilherme Cook, - Campinas, Sp: United Press, 1998, p. 183. 224 IGREJA METODISTA. A Igreja Metodista e Sua Organização: em Nível Local, Distrital, Regional e Geral.

Colégio Episcopal da Igreja Metodista: Editora Cedro, São Paulo/SP, agosto de 2002, p. 17-18.

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Os dramas e alegrias, as contradições próprias de seres infinitos, a civiliza-ção marcada por grandes realizações da inteligência humana e,simultaneamente, por violências, guerras e aviltantes desníveis sociais de-senham os grandes traços do contexto em que atuam homens e mulheres que tentam caminhar nas pegadas do Pastor Maior, Jesus Cristo.225

Com isso, o discipulado não só pode, mas, deve ser usado como método de

pastoreio,226 no qual o pastor e a pastora dedicam maior atenção aos pequenos grupos, pro-

movendo, ajudando a construir e a fortalecer um relacionamento pessoal e comunitário, de

forma que, a diversas situações da vida não venham a se tornar uma constante dificuldade

no viver e expressar a fé no Deus Trino.

A objetividade do discipulado como método de pastoreio é eliminar a desconfiança

mútua e estabelecer uma sincera comunhão e uma fraternidade fortalecida pelo poder da

unidade em Deus. De acordo com a carta pastoral do Colégio Episcopal sobre a “Aliança

com Deus”, a unidade e a comunhão são de vital importância na vida (e aqui eu acrescento –

missão) da Igreja Metodista.227

Este documento afirma que:

O fundamento dessa unidade e comunhão, que deve existir entre os fiéis, e, conseqüentemente na Igreja, é, sem dúvida, a própria comunhão pessoal que todos devem manter com Jesus Cristo, pois foram chamados “filhos de Deus” à comunhão com seu Filho, Jesus Cristo, nosso Senhor.228

Essa comunhão e unidade na vida do cristão e da cristã são frutos de um profundo

processo de discipulado que é promovido pelo pastoreio mútuo entre os membros da comu-

nidade de fé. Assim, os membros da comunidade de fé, tornam-se agentes pastorais229 que,

225 ROSA, Ronaldo Sathler. Cuidado Pastoral em Tempos de Insegurança: Uma Hermenêutica Teológico-

pastoral. São Paulo: Aste, 2004, p. 15. 226 O Manual do Discipulado apenas afirma que “pode” ser usado como método de pastoreio, mas acredito que, o

discipulado é uma forma legítima de pastorear sua comunidade em pequenos grupos. Uma alternativa usada pelo pastor ou pastora para acompanhar de perto a vida e o desenvolvimento da fé de cada um/uma.

227 IGREJA METODISTA. Carta Pastoral do Colégio Episcopal Sobre a Aliança com Deus: Orientações Pas-torais para o Projeto “Renovando a Aliança com Deus”. Colégio Episcopal da Igreja Metodista, Biblioteca Vida e Missão: Pastorais – Nº 5, São Paulo/SP, janeiro de 2000, p. 17.

228 IGREJA METODISTA. Carta Pastoral a Aliança com Deu, p. 17. 229 ROSA, Ronaldo Sathler. Cuidado Pastoral em Tempos de Insegurança: Uma Hermenêutica

Teológico-pastoral, p. 15.

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tendo vivenciado o processo de discipulado, agora, promovem a vida e ajudam o outro na

busca pelo crescimento humano e na busca pela vida plena.

No “Manual de Discipulado” encontramos a seguinte afirmação:

O discipulado é o modo de vida, que caracteriza a vida daqueles que estão comprometidos com o Reino de Deus, que fazem da Nova Justiça, ou seja, dos valores éticos e da justiça do Reino uma prioridade na sua vida e que se dedicam integralmente ao serviço cristão, ao evangelismo e ao testemunho, em cumprimento à vontade de Deus Pai. Discipulado busca algo mais do que um mero processo educativo. Ele é um estilo de vida, uma maneira de ser em que as pessoas se relacionam, entram em comunhão, acolhem umas às ou-tras, compartilham o que são, sentem e carecem; oram umas pelas outras, louvam e adoram ao Senhor juntas, estudam a Palavra à luz da graça, da ex-periência e da razão da comunidade de fé.230

O resultado imediato da prática do discipulado como estilo de vida é de pastoreio mú-

tuo, entre os membros da própria comunidade de fé.

O bispo Josué declara o seguinte:

O discipulado é importante também, porque oferece condições para os mem-bros da igreja desenvolverem-se na vida cristã e vivenciar na sociedade os valores do Reino de Deus. Por outro lado, o discipulado elimina a dependên-cia que os membros têm do(a) pastor(a).231

O “Manual de Discipulado” afirma que ao desenvolver o pastoreio mútuo,232 a Igreja

ensina sua membresia a valorizar os relacionamentos e a praticar o respeito de uns para com

os outros233 gerando unidade, serviço e compromisso, fortalecendo, portanto, o processo de

santificação pessoal e comunitária.

Seguindo esse pensamento, assim afirma o plano para a “Vida e Missão”:

O Metodismo procura desenvolver de forma adequada a doutrina do sacer-dócio universal de todos os crentes (I Pe 2,9). Reconhece que todo o povo de Deus é chamado a desempenhar com eficácia, na Igreja e no mundo, minis-térios através dos quais Deus realiza o seu propósito, ministérios essenciais

230 IGREJA METODISTA. Manual do Discipulado: O que é discipulado? Por que discipular? Como discipu-

lar? Biblioteca Vida e Missão: Série Discipulado, Vol. 1, 1ª Edição, Editora Cedro, São Paulo/SP, fevereiro de 2003 p. 17-18.

231 LAZIER, Josué Adam. Kairós: Discipulado – Seguimento e Pastoreio em Pequenos Grupos. Igreja Metodista – 4ª Região Eclesiástica: Kairós – Estudos Bíblicos Pastorais, Belo Horizonte, outubro de 1999, p. 18.

232 Podemos dizer também que, este pensamento está muito próximo da doutrina do “sacerdócio universal de todos os crentes”. Veja o “Plano para a Vida e Missão”, p. 10.

233 IGREJA METODISTA. Manual do Discipulado, p. 18.

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para a evangelização do mundo, para a assistência, nutrição e capacitação dos crentes, para o serviço e o testemunho no momento histórico em que Deus os vocaciona (I Co 12,7-11).234

Uma das funções atribuídas ao ministério pastoral é a de cuidar da comunidade mis-

sionária como um todo,235 nesse sentido, todos os membros da igreja são vocaciona-

dos(as)236 para servir a Deus mediante seus dons e ministérios.

Isso determina que todos os membros têm funções a desempenhar, contribuindo para a

edificação da própria igreja, que também é, definida como, “Comunidade Missionária a

Serviço do Povo”, promovendo a pregação da Palavra de Deus e o ensino das Escrituras

Sagradas, gerando comunhão e estimulando uma vida de oração e serviço.

O “Plano para a Vida e Missão”,237 documento no qual encontramos em síntese os

principais aspectos da herança wesleyana segundo a ótica da realidade social brasileira é

resultado das decisões do XIII Concílio Geral da Igreja Metodista (18-28/07/1982) em Belo

Horizonte; este documento nos apresenta a seguinte contribuição:

O Metodismo demonstra permanente compromisso com o bem-estar da pes-soa total, não só espiritual, mas também em seus aspectos sociais (Lc 4.16-20). Este compromisso é parte integrante de sua experiência de santificação e se constitui em expressão convicta do seu crescimento na graça e no amor de Deus.238

O discipulado como método de pastoreio propõe uma vida de relacionamento genuíno,

buscando a totalidade do ser humano. E isso se constitui em um fator determinante para a

realização da missão e da evangelização da Igreja Metodista.

1.1. Na Missão239

234 IGREJA METODISTA. Vida e Missão e Credo Social da Igreja Metodista. Decisões do XIII Concílio Geral

da Igreja Metodista (18-28/07/1982). Editora Unimep, 2ª Edição, Piracicaba/SP, 1982, p. 10. 235 IGREJA METODISTA. Plano Nacional – Objetivos e Metas. Editora Cedro, São Paulo/SP, 2002, p. 21. 236 A vocação é para salvação, para a santificação, para o testemunho, para a vivência do discipulado cristão,

para o serviço cristão e para o exercício de dons e ministérios. – Afirma o bispo Josué Adam Lazier: In: O Carisma do Ministério Pastoral, p. 14.

237 O "Plano para a Vida e a Missão da Igreja" é continuação dos Planos Quadrienais de 1973 e 1978 e conseqüência direta da consulta nacional de 1981 sobre a Vida e a Missão da Igreja, principal evento da cele-bração de nosso 50º aniversário de autonomia.

238 IGREJA METODISTA. Vida e Missão e Credo Social da Igreja Metodista, p. 09. 239 A Igreja Metodista realiza a missão de Deus em diferentes áreas, a saber: na área de ação social, na

comunicação cristã, na educação, no ministério cristão, na evangelização e na promoção da unidade cristã.

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A missão é uma extensão da unidade e da comunhão.240 A razão de ser igreja é a mis-

são divina que se expressa numa ação missionária corajosa e desprendida, na plenitude da

mensagem do Reino de Deus.

Segundo Collin W. Williams em “Igreja, Onde Estás?”, a missão da igreja é o mais

importante acontecimento da história, ele ainda afirma que:

É da própria natureza da Igreja que ela tenha uma missão para o mundo in-teiro. Essa missão é nossa participação no trabalho de Deus, trabalho que tem lugar entre o advento de Jesus Cristo para inaugurar o Reino de Deus na terra, e sua segunda vinda em glória, a fim de trazer esse Reino à sua consu-mação. O nosso trabalho até a segunda vinda é apenas o resultado de nossa participação na sua obra, a qual realiza em todos os tempos e lugares.241

A missão é de Deus242 e seu objetivo é construir o Seu Reino. E, para isso, é preciso

entender a Sua vontade243 para o mundo, obra de Sua criação.

O “Plano para a Vida e Missão”, documento norteador para a Igreja Metodista, defi-

ne missão assim:

Missão é a construção do Reino de Deus, sob o poder do Espírito Santo, a-través da ação da comunidade cristã e de pessoas, visando surgimento da no-va vida trazida por Jesus Cristo para renovação do ser humano e das estrutu-ras sociais, marcados pelos sinais da morte.244

O povo metodista no Brasil estava sendo desafiado a ter uma nova percepção da mis-

são e da vida da igreja, com isso, o discipulado tornou-se um instrumento da missão de

Deus, como resposta ao desafio apresentado, pois o discipulado promove uma nova maneira

de viver e de expressar a fé.

Para aprofundar cada item relacionado, ver: Op. Cit. Vida e Missão e Credo Social da Igreja Metodista, p. 18-32.

240 IGREJA METODISTA. Carta Pastoral Aliança com Deus: Orientações Pastorais para o Projeto “Renovando a Aliança com Deus”, p. 17.

241 WILLIAMS, Collin W. Igreja, Onde Estás? (Formas Dinâmicas do Testemunho da Igreja) Tradutor: Gerson Soares Veiga, Publicação da Junta Geral de Ação Social da Igreja Metodista do Brasil, Imprensa Metodista, 1968, p. 33.

242 IGREJA METODISTA. Vida e Missão e Credo Social da Igreja Metodista, p. 12. 243 O Plano para a Vida e Missão identifica e apresenta à vontade de Deus para o mundo. Ver: Op. Cit. Vida e

Missão e Credo Social da Igreja Metodista, p. 11-13. 244 IGREJA METODISTA. Vida e Missão e Credo Social da Igreja Metodista, p. 18.

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Esse conceito, por sua vez, já faz parte da resposta a outro desafio, que é perceber as

necessidades e oportunidades245 que a missão vai descobrir durante a caminhada.246

Por exemplo, entre outras necessidades, o discipulado ajuda a igreja e ao pastor(a) a

conhecer os membros da comunidade de fé, resultando na valorização do ser humano en-

quanto indivíduo e ajudando na superação das tensões existentes entre pastores(as) e lei-

gos(as).

Assim, o discipulado atende ao chamado missionário, afirmando que:

A missão da Igreja decorre de sua natureza como corpo de Cristo, comparti-lhando do ministério de Cristo como mediador entre Deus e a criação. Essa missão de mediação em Cristo envolve dois movimentos integralmente rela-cionados – um de Deus para a criação, e outro da criação para Deus. A Igreja manifesta o amor de Deus pelo mundo, em Cristo, através de palavras e o-bras, identificando-se com toda a humanidade, no serviço do amor e numa proclamação; nessa mesma identificação com toda a humanidade, a Igreja eleva a Deus sua dor e sofrimento, esperança e aspiração, alegria e gratidão através da oração intercessória e do culto eucarístico.247

A prática do discipulado cristão participa da missão de Deus como instrumento de li-

gação, além de promover um novo estilo de vida, pode ser também uma forma de gerar uma

nova vida em Deus e, para a comunidade cristã, pode ser uma boa alternativa de servir a

Deus e de relacionar uns com os outros.

Por isso, devemos inserir em nossos projetos missionários a prática do discipulado

como expressão de uma espiritualidade248 na missão de Deus. É na vivência da comunidade

e no cumprimento de sua missão que a dinâmica do discipulado é desenvolvida.

245 Veja: IGREJA METODISTA. Vida e Missão e Credo Social da Igreja Metodista, p. 13-14. 246 Para ter uma visão mais holística da caminhada missionária no Brasil e especial no nordeste, veja o ANEXO

2 no final deste trabalho acadêmico, que apresenta um quandro geral do crescimento percentual dos evangélicos no nordeste.

247 VV.AA. Missão E Evangelização: Um Guia Para Estudo e Discussão Numa Perspectiva Ecumênica. Produ-zido pela Comissão de Missão e Evangelização do CMI: Traduzido por Prócoro Velasques Filho, Imprensa Metodista & Programa Ecumênico de Pós-Graduação em Ciências da Religião, São Bernardo do Campo – SP, 1985, p.23.

248 A espiritualidade sem uma prática missionária tende a perder a sua essência cristã.

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1.2. Na Evangelização

O crescimento da Igreja sempre foi uma preocupação constante na “Vida e Missão” da

Igreja Metodista e, em especial, na REMNE. Para que essa preocupação entrasse para a his-

tória da Igreja Metodista no nordeste, surgiram vários métodos de evangelização.

Porém, percebo que a maior dificuldade encontrada na REMNE, não é o método de

evangelização adotado em sua prática missionária, mas a permanência dos evangelizados na

igreja e sua aproximação e integração com a missão de Deus.249

Seguindo esse pensamento, assim afirma o bispo Josué:

O discipulado não vai resolver o problema do crescimento rápido da Igreja, mas possibilitará um crescimento sempre crescente e permanente destes e-vangelizados. O discipulado deve fazer parte do programa de evangelização de qualquer comunidade, pois oferece condições para o acompanhamento e aconselhamento dos novos membros.250

O discipulado como método de pastoreio procura desenvolver uma nova forma de “ser

igreja”, e não apenas ser mais um método de evangelização ou de massificação de pessoas.

A evangelização acontece em termos de relações interpessoais, fruto de um verdadeiro

processo de discipulado que, por sua vez, é movido pelo poder do Espírito Santo, que vivi-

fica a fé de cada participante de um grupo de discipulado e da comunidade de fé.

249 LAZIER, Josué Adam. Kairós: Discipulado, p. 17. 250 LAZIER, Josué Adam. Kairós: Discipulado, p.18.

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O “Plano para a Vida e Missão” nos apresenta a seguinte declaração:

O Metodismo caracteriza-se por sua paixão evangelística, procurando pro-clamar as boas-novas de salvação a todas as pessoas, de tal sorte que o amor e a misericórdia de Deus, revelados em Jesus Cristo, sejam proclamados e aceitos por todos os homens e mulheres (I Co 1,22-24). No poder do Espírito Santo, através do testemunho e do serviço prestados pela Igreja ao mundo em nome de Deus, da maneira mais abrangente e persuasiva possíveis, os metodistas procuram anunciar a Cristo como Senhor e Salvador (I Co 9,16; Fp 1,12-14; At 7,55-58).251

Participar da construção do Reino de Deus em nosso mundo constitui-se na tarefa e-

vangelizante da Igreja. E o processo de discipulado, também se constitui em uma forma

evangelizante, pois o discipulado tem como objetivo central anunciar o Reino de Deus a

toda criatura. Não é somente estabelecer uma dimensão educativa do processo de discipula-

do, mas, sobretudo, produzir um caráter resgatador, reconciliador e libertador.

O “Plano para Vida e Missão”, assim define evangelização:

A Evangelização, como parte da Missão, é encarnar o amor divino nas for-mas mais diversas da realidade humana para que Jesus Cristo seja confessa-do como Senhor, Salvador, Libertador e Reconciliador. A Evangelização si-naliza e comunica o amor de Deus na vida humana e na sociedade através da adoração, proclamação, testemunho e serviço.252

Nesse sentido, o discipulado como prática evangelizante de uma Igreja de “Dons e

Ministérios” é a mais pura expressão do amor e da vontade de Deus revelada na pessoa de

Jesus Cristo, o qual desafia a Igreja a viver o Evangelho em sua totalidade.

“Dons e ministérios” não é um programa. É um movimento. Um movimento conduzido pelo Espírito, cujas raízes encontramos na Palavra de Deus. Esse movimento representa o caráter ministerial de toda a Igreja, na qual to-dos(as), pastores(as) e irmãos(ãs) leigos(as), participam do ministério total da Igreja. 253

Esse documento afirma ainda que “Dons e Ministérios”, tem uma visão missionária254

e que nos leva a adotar uma prática evangelizante em todos os ministérios encontrados na

comunidade de fé.

251 IGREJA METODISTA. Vida e Missão e Credo Social da Igreja Metodista, p. 09. 252 IGREJA METODISTA. Vida e Missão e Credo Social da Igreja Metodista, p. 28. 253 IGREJA METODISTA. Carta Pastoral Sobre Dons e Ministérios. Colégio Episcopal da Igreja Metodista,

Biblioteca Vida e Missão, Pastorais, n°9, Editora Cedro, 2ª Edição, novembro de 2001, São Paulo/SP, p. 07. 254 IGREJA METODISTA. Carta Pastoral Sobre Dons e Ministérios, p. 07.

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Uma comunidade evangelizante é um grupo de pessoas que, tendo passado pelo pro-

cesso do discipulado, agora coloca em prática os ensinamentos apresentados e vivenciados

por Jesus.

Portanto, nos encontros de discipulado, o(a) cristão(ã) é confrontado(a) com a realida-

de em que está inserido(a). Dessa maneira, não é simplesmente um momento de estudar a

Palavra de Deus, mas, a partir da reflexão dos conceitos bíblicos, é que o cristão e a cristã

estabelecem metas e mecanismos para a superação das dificuldades, objetivando255 em uma

transformação de toda a vida e, conseqüentemente, de toda a sociedade, sob a luz da vonta-

de de Deus.

A comunidade de fé não pode perder a dimensão do caráter evangelístico, no qual a

igreja está compromissada desde a sua origem. O discipulado como marca da tradição cristã

e wesleyana, servirá como uma alternativa no processo de evangelização da “igreja como

Comunidade a Serviço do Povo”.

Assim, a história da igreja como povo missionário de Deus precisa continuar. Cada

igreja local, cada cristão(ã) deve ser desafiado(a) a assumir sua responsabilidade na missão

total da igreja.256 O discipulado cristão é um poderoso instrumento de evangelização e de

transformação da vida e da sociedade.

Para alcançar esse objetivo, é necessário deixar de lado todo o individualismo e o per-

sonalismo eclesiástico. A noção de “concorrência” ou de “competitividade”257 deve estar

longe do pensamento, do método e do processo de evangelização que a igreja local adota em

sua prática missionária.

255 Para aprofundar o que a Igreja Metodista entende por objetivos da evangelização, veja: Op. Cit. Vida e

Missão e Credo Social da Igreja Metodista, p. 28. 256 VV.AA. Missão E Evangelização: Um Guia Para Estudo e Discussão Numa Perspectiva Ecumênica, p. 66. 257 ROSA, Ronaldo Sathler. Cuidado Pastoral em Tempos de Insegurança: Uma Hermenêutica Teológico-

pastoral, p. 24.

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94

Quando esses conceitos estão associados à “Vida e a Missão” da igreja, tudo se torna

motivo de conflito, de desconfiança, de incerteza e de perplexidade.258 E, nesse caso, conhe-

cer aproximar-se e, até, relacionar-se com alguém, passa a ser uma tarefa cansativa e des-

gastante para qualquer grupo de discipulado ou comunidade de fé.

Portanto, temos de estar bem conscientes de que evangelizar é promover a vida e a

dignidade do ser humano. É, também, possibilitar ao indivíduo uma oportunidade de mudar

de vida, ou melhor, assumir um novo estilo de vida, segundo a vontade de Deus para a seu

viver.

Segundo a carta pastoral “Testemunhar o Ardor da Missão”:

O maior fruto a ser alcançado, a partir do desafio Testemunhar o Ardor da Missão, é a vivência da fé em Jesus Cristo ressurreto, que fundou a Igreja e cuja presença é o centro de união entre os discípulos. Tal vivência promove zelo e ardor para anunciar a mensagem reconciliadora do Evangelho.259

Por isso, o discipulado deve fazer parte do programa de evangelização de qualquer

comunidade, pois oferece condições para o acompanhamento, para o aconselhamento dos

novos membros e para a promoção e desenvolvimento dos nossos relacionamentos comuni-

tários.260

2. Discipulado: Desenvolvendo Relacionamentos

Ronaldo Sathler Rosa nos apresenta uma preocupação emergente, afirmado que as re-

lações afetivas são rompidas como se os seres humanos não tivessem a capacidade de cuidar

das dificuldades próprias e de qualquer relacionamento próximo.261

Já Rubem Alves, conta uma história que apresenta duas definições de relacionamen-

tos: o primeiro tipo de relacionamento é semelhante a um jogo de tênis, onde um adversário

258 ROSA, Ronaldo Sathler. Cuidado Pastoral em Tempos de Insegurança: Uma Hermenêutica

Teológico-pastoral, p. 24. 259 IGREJA METODISTA. Carta Pastoral Testemunhar o Ardor da Missão. Colégio Episcopal da Igreja

Metodista: Biblioteca Vida e Missão, Pastorais, n°12, 1ª Edição, Editora Cedro – Novembro de 2003, p. 05. 260 LAZIER, Josué Adam. Kairós: Discipulado, p.18. 261 ROSA, Ronaldo Sathler. Cuidado Pastoral em Tempos de Insegurança: Uma Hermenêutica

Teológico-pastoral, p. 19.

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tenta marcar ponto no erro do outro. Eu só ganho quando o outro erra! O outro tipo de rela-

cionamento é comparado ao jogo de frescobol. Nesse jogo, o objetivo é permanecer o maior

tempo possível com a bola no ar e quando o parceiro ou parceira erra, a outra pessoa por sua

vez, se esforça ao máximo para corrigir e ajudar a colocar de volta a bola no jogo.

A missão da igreja é semelhante a uma grande partida de frescobol, mas, para que isso

aconteça, é necessário que a equipe262 tenha um bom entrosamento e um bom relacionamen-

to. E quando isso acontece ao contrário a igreja sofre, gerando desentendimento, brigas,

intrigas e acusações.263 A igreja ficou doente!

Segundo Geoval Jacinto da Silva264 em um artigo:

A sociedade deveria ser composta por diversos elementos que, o seu conjun-to, possibilitasse ao ser humano encontrar espaço para se expressar com li-berdade e com segurança, entretanto, o que se tem visto é o surgimento de fatores que não tem oferecido o devido espaço de segurança ao indivíduo. Esta insegurança tem possibilitado o surgimento do individualismo, onde o viver em comunidade não tem sentido na criação de valores de mútua aju-da.265

O discipulado estimula o desenvolvimento de nossos relacionamentos, seja entre ma-

rido e mulher, entre irmãos(ãs) e entre amigos(as).

No processo de discipulado, os conflitos pessoais e as crises de cada indivíduo são su-

perados pela fraternidade e pela busca de uma comunhão autêntica e genuína. A igreja rece-

be a cura!

Jean Vanier em sua obra “O Despertar do Ser” afirma que:

Comunhão é confiança mútua, conexão mútua; é o movimento de vaivém do amor entre duas pessoas, em que cada uma dá e cada uma recebe. A comu-nhão não é uma condição estabelecida, é uma realidade em constante cres-cimento e aprofundamento que pode se transformar em amargura se uma pessoa tentar dominar a outra, impedindo assim seu crescimento. Comunhão é vulnerabilidade mútua e abertura de um em relação ao outro. É, na verda-

262 Onde está escrito “equipe” leia-se: comunidade de fé. 263 Gênesis 3:12-13 - Adão e Eva 264 Doutor em teologia e professor da área de Teologia Prática na Pós-Graduação e na Faculdade de Teologia –

UMESP. 265 SILVA, Geoval Jacinto. Os Desafios do Ministério Pastoral numa Sociedade em Processo de Globalização:

Um Estudo a Partir da Implantação e desenvolvimento do Protestantismo no Brasil e sua Mediações Pastorais. In: VVAA. Caminhando: Revista da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista, v.8, n° 11, 1º. Semestre de 2003. São Bernardo do Campo, SP; Editeo / UMESP, 1982, p. 77.

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de, a libertação para ambos, em que ambos têm permissão para serem eles mesmos, onde ambos são convocados a crescer em maior liberdade e abertu-ra em relação aos outros e ao universo.266

John Wesley em um de seus sermões disse o seguinte: “... conheça a sua doença! Co-

nheça a cura!”.267

O “Manual de Discipulado” aborda este tema da seguinte maneira:

Hoje o discipulado torna-se uma exigência sociológica. Na sociedade urba-nizada, vemos o esfacelamento dos relacionamentos com seus reflexos na vida da família, no trabalho e na Igreja. O crescimento desarticulado da soci-edade cria a necessidade de ter-se espaços de comunhão, de relacionamen-tos, de acompanhamentos pessoais, psicológico, pastoral e grupal.268

David Kornfield, trabalhando no Brasil, atualmente com pequenos grupos e discipula-

do, em seu artigo “Discipulado, a Verdadeira Grande Comissão”, define discipulado como

uma relação comprometida e pessoal em que um discípulo(a) mais maduro(a) ajuda a ou-

tros(as) discípulos(as) de Jesus Cristo a se aproximarem mais Dele e, assim, se reproduzi-

rem. Ele argumenta ainda que: “se o discipulado perder de vista o relacionamento compro-

metido e pessoal, deixa de ser um discipulado bíblico”. A sua ênfase está no desenvolvi-

mento de relacionamentos sadios e saudáveis.

Na REMNE há quase que inconscientemente uma desconfiança entre os(as) pasto-

res(as) com os membros da comunidade e vice-versa.

Para que isso seja resolvido e superado, proponho um discipulado voltado para a res-

tauração dos relacionamentos. Pois, é no relacionamento pessoal e social que se descobre o

verdadeiro valor do discipulado. Se não há relacionamento interpessoal, então é impossível

a realidade do discipulado de Cristo na “Vida e Missão” da comunidade de fé.

266 VANIER, Jean. O Despertar do Ser. Jean Vanier; tradução Magda França Lopes, Campinas – SP, Editora

Verus, 2002, p. 34. 267 Sermão: O Pecado Original. In: WESLEY, John. Sermões. Tradução de Duncan Alexander Reily, com a

colaboração de Israel Belo de Azevedo. São Paulo: Imprensa Metodista, 1994, p. 37. 268 IGREJA METODISTA. Manual do Discipulado, p. 44.

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O ser humano precisa ser encorajado a restaurar relacionamentos antigos e a construir

novos relacionamentos, moldados pelo poder do Espírito Santo, força motriz e vital para o

cumprimento da missão de Deus.

E é claro que o(a) pastor(a) também tem a função de encorajar cada cristão(ã), a de-

senvolver seus relacionamentos, tanto na comunidade de fé, quanto nas relações do dia-a-

dia e, principalmente, na família. Mas o grupo de discipulado também pode ser uma alterna-

tiva para o exercício do cuidado pastoral.

Afinal, é no cuidado pastoral mútuo que cada participante encontrará pistas para que

possa, no tempo certo, resolver seus problemas pessoais e comunitários.

Rosa abordando o tema do cuidado pastoral afirma que:

O cuidado pastoral consiste de atos de ajuda realizados por representantes cristãos, voltados para curar, suster, guiar e reconciliar as pessoas em difi-culdades, cujos problemas emergem no contexto de preocupações e signifi-cados últimos.269

Seguindo o pensamento teológico-pastoral de Rosa, acrescento mais um ponto para a

nossa reflexão, sobre o discipulado como processo de desenvolvimento de nossos relacio-

namentos pessoais.

Além de “curar, suster, guiar e reconciliar”, o cuidado pastoral associado ao discipu-

lado cristão possibilitará ao cristão(ã) integrado(a) nesse processo, o desenvolvimento de

novos relacionamentos, baseados na comunhão e na unidade cristã.

2.1. Gera Comunhão

Ronaldo Sathler Rosa, inicia seu conceito de cuidado pastoral a partir da comunidade

de fé assim:

A comunidade de fé é o ambiente vital para o cuidado pastoral. É, portanto, modelo alternativo ao individualismo em muitas sociedades. A Igreja,

269 ROSA, Ronaldo Sathler. Cuidado Pastoral em Tempos de Insegurança: Uma Hermenêutica Teológico-

pastoral, p. 37.

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baseada na natureza relacional do amor de Deus é o “círculo de relaciona-mentos que se abre para incluir o mundo em seu abraço”.270

Porém, nas igrejas metodistas do nordeste, o que encontramos são igrejas que não re-

fletem perfeitamente271 os relacionamentos divinos em seus próprios relacionamentos.272

Nesse sentido, o discipulado deve ser visto como instrumento de desenvolvimento de

relações pessoais e comunitárias. O discipulado é algo bem mais relacional e, para ser um

discípulo e uma discípula de Jesus é necessário ter uma vida em perfeita comunhão com

Deus, com o próximo e consigo mesmo. Esse ensinamento é um dos imperativos absolutos

para seguir a Cristo como discípulo(a) do Mestre.

A comunhão que é gerada pelo processo de discipulado passa pelo Evangelho de Cris-

to. O discipulado não pode ser expressão de um grupo dominante, mas de uma igreja que

busca viver uma relação baseada no compromisso com a missão de Deus e com o próprio

Deus. Precisamos ser uma igreja que reflita o amor de Deus.

Em uma concepção mais teológica da comunhão, Cláudio Ribeiro,273 afirma que:

Compreender também que a perspectiva teológica da Igreja enfatiza a co-munhão em, pelo menos, três aspectos: como exigência do Evangelho – pois a Igreja não pode se transformar em empresa ou clube de lazer, como se tem visto hoje-, como recurso pastoral para consolo mútuo, aperfeiçoamento co-munitário da vida cristã e outras experiências de comunhão, e como visibili-dade missionária, na medida em que a vida em comunidade constitui-se em si mesma missão da Igreja.274

O bispo Josué se expressa afirmando que:

A ênfase dada nos grupos de discipulado deve ser a comunhão (Koinonia) e o serviço (Diakonia) entre os membros do grupo e para atender os desafios

270 ROSA, Ronaldo Sathler. Cuidado Pastoral em Tempos de Insegurança: Uma Hermenêutica Teológico-

pastoral, p. 45. 271 Apesar de usar a expressão “perfeitamente”, concordo com o Professor Dr. Ronaldo Sathler Rosa, quando

afirma que seria irrealista pensar que é possível uma comunidade perfeita, isenta de contradições, fragilidades e pecados humanos. Cf. Cuidado Pastoral em Tempos de Insegurança: Uma Hermenêutica Teológico-pastoral, p. 45.

272 ROSA, Ronaldo Sathler. Cuidado Pastoral em Tempos de Insegurança: Uma Hermenêutica Teológico-pastoral, p. 45.

273 Doutor em teologia e professor de Teologia Sistemática da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista – UMESP.

274 RIBEIRO, Cláudio de Oliveira. Por uma Eclesiologia Metodista Brasileira. In: VVAA. Caminhando: Revista da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista, v.9, n° 13, 1º. Semestre de 2004. São Bernardo do Campo, SP; Editeo / UMESP, 1982, p. 44.

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que a missão apresenta à Igreja. Este sentido de comunhão e serviço é im-portante para que o programa de discipulado não gere uma dependência.275

Portanto, o discipulado cumpre o seu papel na missão de Deus, quando o grupo de

discipulado cresce em graça e gera uma comunhão segundo o querer de Deus.

Quando um indivíduo começa a fazer parte de um grupo de discipulado, é gerado em

sua consciência a noção de serviço. E, no momento em que dois cristãos servem um ao ou-

tro, ou seja, “lavam os pés”, seu relacionamento alcança um novo nível, ou melhor, um no-

vo estilo de relacionamento. Deixam de ser apenas conhecidos para se tornarem parcei-

ros(as) e acima de tudo, irmãos(ãs) que cuidam uns dos outros, ajudando uns aos outros a

enfrentar e superar suas crises pessoais.276

Rosa coloca que:

A personalidade humana é formada, deformada e transformada em teias de relacionamentos. Tanto a cura como o crescimento do ser dependem da qua-lidade de nossos relacionamentos.277

Quando a igreja integra em seus projetos missionários o discipulado cristão, cria-se

um ambiente propício para que todos se ajudem mutuamente. Assim, quando os cristãos têm

comunhão em grupos de discipulados, sua atenção se volta para o que Deus pode realizar,

em vez de se aterem aos problemas que os deixam deprimidos.

Acho importante destacar que, não estou propondo uma vida de alienação, mas uma

vida conforme a vontade de Deus para cada cristão(ã), e isso é para mim obedecer ao cha-

mado da igreja para ser testemunha de Jesus Cristo, cumprindo assim sua vocação missioná-

ria. E mais, o cuidar do indivíduo em um grupo de discipulado que possibilita uma comu-

nhão autêntica, não é suficiente. É preciso cuidar também, dos sistemas que estruturam a

vida das pessoas na comunidade de fé e na sociedade.

275 LAZIER, Josué Adam. Kairós: Discipulado,, p.18. 276 Ronaldo Sathler Rosa, afirma ainda que muitos problemas de pessoas, famílias, grupos e comunidades são

resultados de situações vividas no ambiente de trabalho. O mundo do trabalho é gerador de tensões, conflitos, dificuldades no relacionamento interpessoal os quais repercutem nos convívios mais próximos e na saúde.

277 ROSA, Ronaldo Sathler. Cuidado Pastoral em Tempos de Insegurança: Uma Hermenêutica Teológico-pastoral, p. 46.

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2.2. Fortalece a Unidade

O discipulado também proporciona unidade da igreja por meio do bom relacionamen-

to e comunhão gerados a partir dos encontros de pequenos grupos de discipulado.

E isso constitui-se em um elemento fundante para o “Plano de Vida e Missão” da I-

greja Metodista.

O “Vida e Missão” 278 conceitua o tema da unidade, da seguinte maneira:

A busca e vivência da unidade da Igreja, como parte da Missão, não é opta-tiva, mas uma das expressões históricas do Reino de Deus. Ela procede do Senhor Jesus e é realizada por meio do Espírito Santo através da rica diver-sidade de dons, ministérios, serviços e estruturas que possibilitam aos cris-tãos trabalharem em amor na construção do Reino de Deus até a sua concre-tização plena (Jo 10,17; Jo 17,17-23; I Co 1,10-13; I Co 12,4-7, 12 e 13; Ef 4,3-6; Fl 2,10-11).279

Com isso, dentro da objetividade do discipulado cristão, os encontros de discipulado

geram unidade e proporcionam o fortalecimento da conexidade280 metodista entre irmãos e

irmãs das diversas comunidades de fé, espalhados no nordeste, em todo o Brasil e no mun-

do. Isso significa dizer também que, com a prática da conexidade entre as igrejas metodis-

tas, a missão de Deus será beneficiada, pela força dos novos relacionamentos, resultantes da

conexão entre as comunidades de fé. O sentir da igreja de “Dons e Ministérios”, presente

em nossa Igreja Metodista leva consigo a marca da conexidade281 e busca constante da uni-

dade cristã.

Nesse sentido, o discipulado como parte do processo de desenvolvimento de relacio-

namentos, será um grande instrumento da “Graça de Deus”, no qual o ser humano encontra-

rá novos(as) amigos(as) e estes, por sua vez, se tornarão irmãos e irmãs em Cristo.

278 Para ter uma visão holística sobre o tema da unidade metodista, consulte o “Plano para Vida e Missão da

Igreja Metodista”, p. 08-11. 279 IGREJA METODISTA. Vida e Missão e Credo Social da Igreja Metodista, p. 31. 280 IGREJA METODISTA. Vida e Missão e Credo Social da Igreja Metodista, p. 31. 281 SILVA, Geoval Jacinto. Cooperação Interinstitucional e a Missão da Igreja. In: VVAA. REVISTA DO CO-

GEIME. Cooperação Interinstitucional. Conselho Geral das Instituições Metodistas de Ensino. Ano 3, n° 3, 1994, p. 45.

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Nesse momento surge o papel do líder do grupo de discipulado. Ele será a ponte para

que o indivíduo encontre e faça novos amigos(as) e passe a participar da grande família de

Deus. Por isso, há necessidade de uma constante formação e capacitação de novos líderes.

A Escola Dominical tem a responsabilidade de preparar o cristão para viver no Espíri-

to de Deus nas suas relações, anunciar o Evangelho e cumprir seu ministério no mundo. E

levá-los a se integrarem na prática missionária à luz do Evangelho e da realidade social.282

3. Discipulado: Ensino e Formação de Liderança

O ímpeto pela educação nasce com o próprio movimento metodista do século

XVIII.283 Geoval Jacinto da Silva afirma que, o movimento metodista, na medida em que foi

sendo organizado, percebeu a necessidade de buscar seu próprio fortalecimento, através do

projeto educacional.284

Assim, o discipulado, integrado ao programa docente da Igreja Metodista no nordeste,

pode ser considerado uma estratégia que promove o desenvolvimento da educação cristã e

teológica de cada membro, possibilitando o envolvimento da comunidade de fé na missão

de Deus.

Mas, para fazer essa relação entre o discipulado e a área docente da Igreja Metodista,

será necessário, quebrar alguns paradigmas, apresentados por teólogos metodistas brasilei-

ros e, em especial, quero destacar o pensamento do bispo Paulo Ayres Mattos,285 quando

afirma:

A prática dos pequenos grupos no metodismo brasileiro – quer nas classes de escola dominical, quer nos grupos societários ou outra forma qualquer de-senvolvida ou proposta entre nós, inclusive a organização dos grupos de dis-

282 IGREJA METODISTA. Vida e Missão e Credo Social da Igreja Metodista, Vida e Missão e Credo Social da

Igreja Metodista, p. 23. 283 SILVA, Geoval Jacinto. Pensando em Educação na Igreja Metodista na Última Década do Milênio, p. 23. 284 REVISTA DO COGEIME. Educação e Conjuntura Política, Econômica, e Social no Brasil Pós-eleições 94,

p. 23. 285 Bispo Emérito da Igreja Metodista e Mestre em Sagrada Teologia (Christian Thological Seminary, Indianapo-

lis, EUA – 2002). É doutorando em Teologia na área de Estudos Wesleyano e Pentencostais (Drew Univer-sity, Mandison, Nova Jersey, EUA).

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cipulado – nunca teve e não tem qualquer relação com as classes metodistas enquanto meio prudencial de graça fundamental para prática eclesial da san-tidade de coração e vida mediante rigorosa co-responsabilidade comunitária no exercício das obras de misericórdia e obras de piedade.286

Como reação a esse pensamento, lançarei mão do pensamento do bispo Nelson Luiz

Campos Leite287, na ocasião do “Congresso Nacional de Escola Dominical” em 2001, que

abordava o tema “A Escola Dominical e o Discipulado”.

Estava presente também neste congresso o bispo Adriel de Souza Maia, que palestrou

sobre “O Papel da Escola Dominial no Metodismo Brasileiro”.

O discipulado associado à “Escola Dominical” e à “Formação de Liderança”, no con-

texto da Igreja Metodista, torna-se parte do processo educativo da “Graça de Deus”, que

mobilizará a comunidade de fé, a cumprir e assumir sua responsabilidade de participar da

proclamação e anúncio do Reino de Deus e de Sua graça maravilhosa.

3.1. A Escola Dominical

A Escola Dominical é parte do processo educativo da graça divina, testificado na his-

tória do povo de Deus, portanto, o discipulado envolve convivência, acompanhamento, in-

timidade e uma ação educadora,288 afirmou o bispo Nelson em seu discurso no “Congresso

Nacional de Escola Dominial”.

Dessa forma, o mesmo pode ser dito sobre a prática do discipulado, pois este é tam-

bém um instrumento educativo da “graça divina” que visa a nos fazer receber e vivenciar a

vida abundante que Cristo oferece. (João 10,10).

286 MATTOS, Paulo Ayres. Wesley e os encontros de pequenos grupos: Sua aplicação na Igreja Metodista no

Brasil – Breves observações. In: VVAA. Caminhando: Revista da Faculdade de Teologia da Igreja Metodis-ta, v.8, n° 12, 2º. Semestre de 2003. São Bernardo do Campo, SP; Editeo / UMESP, 2003, p. 145.

287 Bispo honorário da Igreja Metodista. 288 LEITE, Nelson Luiz Campos. A Escola Dominical e o Discipulado. Congresso Nacional de Escola Dominial

– Igreja Metodista, 2001, p. 06.

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Bispo Nelson afirma ainda que, tanto a “Escola Dominical” quanto o “discipulado”,

tornam-se agentes da Educação Cristã.289 Com isso, será necessário conhecer a definição de

Educação Cristã para a Igreja Metodista.

O “Plano para a Vida e Missão” nos apresenta a seguinte definição:

A educação cristã é processo dinâmico para a transformação, libertação e capacitação da pessoa e da comunidade. Ela se dá na caminhada da fé, e se desenvolve no confronto da realidade histórica do Reino de Deus, num com-promisso com a missão de Deus no mundo, sob a ação do Espírito Santo, que revela Jesus Cristo segundo as Escrituras.290

Assim, a tarefa da Escola Dominical como agência de Educação Cristã é, portanto,

ministerial. Nas “Diretrizes para a Educação da Igreja Metodista”,291 a educação é conside-

rada um instrumento de transformação social e, como tal, é parte essencial do envolvimento

da igreja no processo de implantação do Reino de Deus.292

A revista “O Melhor do Recriar a Escola Dominical”, afirma e destaca o seguinte:

Este ministério é muito necessário e, por isso, deve ser exercido com muita responsabilidade, dedicação e planejamento, visando a edificar a Igreja e si-nalizar o Reino de Deus, pela comunhão e crescimento do amor e da justiça. Levar o ensino e a educação cristã de qualidade ao maior número de pessoas possível é um desafio que pode ser respondido de diversas formas, conside-rando-se as necessidades, as lideranças e, principalmente, o contexto da Igre-ja local.293

A Igreja Metodista acredita piamente nesse projeto educacional, pois ela apresenta o

“Manual de Discipulado”, como modelo orientador para que as igrejas locais desenvolvam

sua prática missionária de acordo com o método de discipulado, adotado por Jesus, propon-

do à nação brasileira um novo modo de vida à luz do Evangelho de Cristo.

O bispo João Alves de Oliveira Filho, atual presidente do Colégio Episcopal da Igreja

Metodista, declara que:

289 Idem, p. 06. 290 IGREJA METODISTA. Vida e Missão e Credo Social da Igreja Metodista, p. 22. 291 IGREJA METODISTA. Cânones da Igreja Metodista. São Paulo, Imprensa Metodista, 1992, p. 80. 292 CONSTANTINO, Zélia Santos. A Educação Cristã na Igreja Metodista: Como Dinamizá-la. Rio de Janeiro,

Ministério de Publicações da 1ª Região Eclesiástica; Setor de Publicações – Pastoral Bennett, 1997, p. 07. 293 IGREJA METODISTA. O Melhor do Recriar a Escola Dominical. Coordenação Nacional de Ação Docente

da Igreja Metodista: São Paulo/SP, 2001, p. 12.

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Consciente da importância e do significado que há neste programa educacio-nal, espero que o Manual estimule a organização dos grupos de Discipulado e ajude o povo metodista a aprofundar sua relação com Deus, a fim de que o estilo de Jesus seja notório em suas relações.294

Nesse sentido, não é errado afirmar que a Escola Dominical encontra seu objetivo no

propósito para o qual existe a igreja. Portanto, a Escola Dominical em conjunto com o dis-

cipulado fazem parte do modelo de Educação Cristã vivenciado pela Igreja Metodista para

inclusive ajudar na formação de novas lideranças e do próprio povo metodista.

3.2. Formação de Liderança

O pastor e a pastora da igreja local é o referencial, o espelho a ser refletido por sua li-

derança e esta, por sua vez, se tornará uma referência para aqueles(as) que fazem parte dos

seus devidos grupos de discipulado e de seus respectivos ministérios. Isso pressupõe que

essa liderança encarna novas formas de pensar e de relacionar-se com o outro.

Segundo Cook:

A evangelização começa pela identificação total dos líderes com a vivência do povo. A mudança do estilo de vida da igreja começa com a mudança da vida dos líderes. Como esclarece o apóstolo Paulo, sua conduta deve ser reta, suas motivações puras (1 Ts 2, 1-5) e suas relações com os membros da con-gregação iguais ao terno amor de uma mãe (v. 7), desinteressadas como as de um irmão (v. 9) e exemplares com as de um pai (v. 11).295

A função principal do(a) pastor(a) é discipular os líderes de sua igreja. Contudo, eles

não poderão ser um(a) discipulador(a) se antes, eles/elas mesmo não foram discipulados(as)

por alguém ou por algum grupo pastoral de reflexão. Acima de tudo, eles/elas devem ser

discípulos(as) de Cristo, que será seu modelo neste ministério.296

O pastor e os líderes, ombro a ombro, comunicarão juntos sua paixão ao po-vo da congregação. Planejarão, coordenarão e avaliarão uma estratégia flexí-vel e adaptável para toda a Igreja.297

294 IGREJA METODISTA. Manual do Discipulado, p. 05. 295 COOK, Guilherme. Evangelização é Comunicação: Problemas e Soluções para Despertar uma

Evangelização Mais Ativa em sua Igreja. Guilherme Cook, - Campinas, Sp: United Press, 1998, p. 182. 296 COOK, Guilherme. Evangelização é Comunicação, p. 182. 297 COOK, Guilherme. Evangelização é Comunicação, p. 182.

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Essa dimensão do discipulado junto à prática pastoral, leva em consideração a pessoa

como um ser total e a totalidade de sua vida. Uma liderança forte e que participa de um gru-

po de discipulado como método de pastoreio, procura responder as realidades e necessida-

des do próprio grupo de discipulado e da comunidade de fé.

O resultado é uma liderança ativa e diversificada e a formação de todo o povo capaci-

tado para a missão. Além disso, são fortalecidas as bases para ação missionária e ministeri-

al, afirma Zélia Santos Constantino, em seu livro “A Educação Cristã na Igreja Metodista:

Como Dinamizá-la”.

Nesse sentido, o(a) líder é aquele(a) que vive um constante processo de discipulado, e

que é sensível às necessidades do grupo, sabendo visualizar o caminho a ser percorrido e,

com isso, conquista a confiança e o respeito de todo o grupo. Outra função do líder de um

grupo de discipulado em harmonia com o(a) pastor(a) é, observar a capacidade de liderança

de outros membros do grupo de discipulado e da comunidade de fé.

Um(a) líder que, tendo experimentado e vivido o processo de discipulado cristão, tem

a responsabilidade de capacitar um(a) novo(a) líder, e este(a) por sua vez, seja capaz de

formar outros líderes.

A figura do(a) pastor(a) é fundamental para a formação de uma liderança capaz e ca-

pacitadora, pois uma das funções do(a) pastor(a) é equipar os(as) santos(as). Investir na

formação de uma boa liderança é garantir o sucesso da igreja local e cumprir com sua voca-

ção missionária.

Portanto, a liderança deve ser constantemente revitalizada, receber do(a) pastor(a) no-

vas orientações, a fim de contribuir para a formação de novos líderes. E, nesse processo, o

individualismo é completamente rejeitado, pois um(a) pastor(a) e um(a) líder centraliza-

dor(a) compromete seu ministério, o grupo de discipulado e o futuro de sua própria igreja.

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Um(a) pastor(a) e um(a) líder de um grupo de discipulado que pretende levar a carga sozi-

nho(a), não conseguirá ir muito longe.

Cláudio Ribeiro em seu artigo “Por uma Eclesiologia Metodista Brasileira”, afirma

que:

O individualismo hoje é cada vez maior e, lamentavelmente, até mesmo as experiências religiosas têm reforçado esta situação. Nesse sentido, reconhe-cemos ser decisiva a recriação do metodismo em nosso meio, ao destacar es-pecialmente a vida comunitária, como o metodismo primitivo fez.298

Portanto, os líderes de grupos de discipulado concentram seus esforços em capacitar

outras pessoas para formar um novo grupo de discipulado. Líderes capacitadores(as) for-

mam colaboradores(as), e não meros “ajudantes” ou “marionetes” com o intuito de alcançar

seus próprios interesses.

O discipulado que gira em torno de si mesmo está fadado ao fracasso. A preparação de

um(a) discípulo(a) que não tem como objetivo a formação de outros não é bíblica e não tem

fundamento na tradição wesleyana. Um(a) discípulo(a) deve ser preparado(a) para discipu-

lar e formar novos discípulos(as), que por sua vez darão continuidade à missão de Deus,

formando novos(as) missionário(as).

No processo de discipulado o(a) líder do grupo, procura incentivar os membros do

grupo a assumirem o compromisso com o reino de Deus (cf. Mt 6,33).

Com isso, o(a) líder se caracteriza pela qualidade e capacidade de ajudar o grupo a in-

tegrar-se, unir-se, entender-se, perseverar e realizar seus projetos e objetivos.299 Uma lide-

rança forte, trata de valorizar todas as pessoas que fazem parte do grupo de discipulado,

integrando o grupo, apoiando sem impor, questionando e incentivando a comunicação e

participação de cada um(a).

298 RIBEIRO, Cláudio de Oliveira. Por uma Eclesiologia Metodista Brasileira. In: VVAA. Caminhando: Revista

da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista, v.9, n° 13, 1º. Semestre de 2004. São Bernardo do Campo, SP; Editeo / UMESP, 1982, p. 47.

299 O objetivo do discipulado deve permanecer bem definido na mente do(a) líder cristão(ã).

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O discipulado no processo de formação de uma liderança forte é, em primeiro lugar,

resultado da motivação da “graça divina”, visualizada e compreendida pelo(a) pastor(a). E

em segundo lugar, é um mecanismo para o descobrimento de novas formas de lideranças.

Portanto, o discipulado como método de pastoreio mútuo, que cura e desenvolve as re-

lações pessoais, promovendo a educação cristã e a formação de uma liderança capaz e capa-

citadora é, sem dúvida nenhuma, um projeto missionário desafiador. Principalmente, quan-

do pensamos em um projeto voltado para a REMNE, que hoje passa por diversas dificulda-

des estruturais, mas, com ajuda de Deus e com força da unidade cristã, o discipulado possi-

bilitará visualizar um desenvolvimento natural da Igreja Metodista em terras nordestinas. E

que assim seja.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O propósito maior do discipulado é vida com Deus. O discipulado para a Igreja Meto-

dista é entendido como um modo de vida à luz do Evangelho. Um estilo de vida diferente,

marcante e que estimula a promoção da vida e do bem-estar do ser humano em sua totalida-

de.

Esse estilo de vida houve em Cristo Jesus e sua comunidade apostólica e Wesley vi-

venciou essa mesma realidade na dinâmica da vida cristã, presente em sua comunidade pri-

mitiva metodista. Dessa forma, o processo de santificação tornou-se de alcance relacional

pessoal e social.

O discipulado é desafiador, pois tem a finalidade de dar continuidade à expressão na

vida, nos relacionamentos, no pastoreio, na vivência da missão o mesmo estilo de vida que

houve em Jesus.

Nesse caso, a Igreja é consciente de sua responsabilidade com o próximo, com aque-

le(a) que ainda não conhece os valores do Reino de Deus e que ainda não experimentou a

graça da salvação, oferecida por Deus em Jesus Cristo, o Messias.

Assim, como parte do povo de Deus, devemos incorporar em nossas práticas pastorais,

missionárias e evangelizantes, a marca de Cristo por meio do discipulado autêntico e genuí-

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no. Sem preocupações imediatas que visam apenas ao crescimento quantitativo da igreja e

ao aumento de sua arrecadação. O programa de discipulado tenha, em primeiro lugar, o ob-

jetivo de fazer o cristão, aprofundar sua relação com Deus, com a comunidade de fé, com a

sociedade e também com sua própria família.

O discipulado não é um instrumento da graça de Deus para fazer a igreja crescer nu-

mericamente, isso até pode ser conseqüência, mas o discipulado é um projeto desafiador que

promove o despertamento individual e comunitário para o cumprimento da missão de Deus,

à luz de Sua Palavra.

Nesse sentido, é necessário um compromisso intencional. A comunidade de fé deve

querer crescer, decidir crescer, fazer esforço para crescer e persistir no crescimento, mas

tudo voltado para o cumprimento da missão de Deus. O discipulado é uma forma de ser e de

expressar a graça de Deus por meio do pastoreio mútuo.

Hoje em dia para muitas igrejas e líderes, o discipulado tornou-se um modismo meto-

dológico visando, em geral, alcançar uma forma multiplicadora de crescimento da igreja e

uma maneira metodológica de torná-la mais adequada a seu tempo, em especial as megas

igrejas que dividem em células familiares. Mas, a visão de discipulado, deve ter a sua cen-

tralidade em Jesus.

O discipulado centrado em Jesus é um discipulado que tem como objetivo estimular a

comunidade a uma convivência plena entre os membros, criando intimidade, gerando co-

munhão, possibilitando o pastoreio mútuo e o fortalecimento dos relacionamentos pessoais,

comunitários e familiares.

Quando os primeiros discípulos(as) escolheram seguir a Jesus, eles e elas não entendi-

am todas as implicações da sua decisão. Eles e elas simplesmente responderam ao convite

de Jesus ao discipulado. Isso é tudo que a igreja precisa para começar. Decidir tornar-se

um(a) discípulo(a) de Jesus.

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Para alcançar esses objetivos, o Colégio Episcopal oferece o “Manual de Discipula-

do” para orientar as igrejas locais, dando pistas que indicam o caminho para a organização

de pequenos grupos de discipulado, na perspectiva histórica da Igreja Metodista. Nesse ma-

nual, encontramos a visão da igreja e o propósito, do “Programa de Discipulado”.

Com isso, a objetividade do “Programa de Discipulado” é de possibilitar aos membros

da comunidade de fé momentos de comunhão, convivência, pastoreio mútuo, estudo da

Palavra de Deus, uma vida de oração e crescimento espiritual, segundo a vontade de Deus

para o mundo e para uma Igreja missionária que está a serviço do povo.

A Igreja Metodista em terras nordestinas – REMNE – deve procurar estruturar e capa-

citar sua liderança para a implantação e desenvolvimento desse “projeto de Deus”. Portanto,

o discipulado como modo de vida é um estilo que caracteriza a vida daqueles(as) que estão

comprometidos(as) com o Reino de Deus, é uma grande oportunidade, que o pastor ou a

pastora tem para promover a comunhão, fortalecer a fé de cada um(a) e capacitar a igreja

para o cumprimento da missão de Deus.

O discipulado implantado e desenvolvido no nordeste deve buscar, à luz do próprio

Cristo, fundamentar a comunhão, a convivência, o pastoreio mútuo e a formação do caráter

das pessoas relacionadas com o Senhor e com Sua comunidade.

Os grupos pequenos de discipulado são um grupo de pessoas que experimentou a gra-

ça de Deus na pessoa de Jesus Cristo, creu nele, e agora, se compromete com Ele na trans-

formação de valores da sociedade e do mundo.

Por isso, entendo que o discipulado deve fazer parte do planejamento estratégico de

nossa Região (REMNE), pois é uma maneira de ser igreja como “Comunidade Missionária

a Serviço do Povo” e um marco na “Vida e Missão” da Igreja no nordeste. Discipulado é

visto dentro do contexto do “Plano para a Vida e Missão” e da configuração da igreja em

“Dons e Ministérios”.

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Nesse sentido, a figura do pastor ou pastora é fundamental no processo dos grupos de

discipulado. Ainda que reconheçamos ser esse um movimento de toda a igreja local e uma

valorização do ministério leigo, o(a) pasto(a) é o(a) grande motivador(a), orientador(a) e

estimulador(a) de todo o processo de implantação e desenvolvimento do “Programa de Dis-

cipulado”.

O discipulado nos desafia a um estilo de vida de maior intimidade, comunhão e con-

vivência, através de grupos pequenos e da formação de uma liderança maior, que, de certa

forma, está integrada num mesmo processo, sob a supervisão pastoral.

A proposta apresentada no terceiro capítulo deste trabalho tem como objetivo, auxiliar

a Igreja Metodista em terras nordestinas, a implantação do programa de discipulado de uma

forma particular e decisiva para o processo de autonomia da REMNE e sua estruturação

bíblica, teológica e pastoral. Percebo uma certa fragilidade e até mesmo uma ingenuidade na

forma de ser igreja como “Comunidade Missionária a Serviço do Povo”.

Para isso, apresento um discipulado voltado para a promoção da vida pessoal e comu-

nitária, e não apenas institucional. O discipulado tem como finalidade estimular e propor-

cionar aos membros da REMNE, maior interação no processo missionário de nossa Região.

Assim, o discipulado toma três dimensões em sua prática: a primeira é o discipulado

como método de pastoreio mútuo; a segunda é o discipulado que promove o desenvolvimen-

to de relacionamentos; a terceira é o discipulado que gera novos dicipuladores, homens e

mulheres comprometidos com o Reino de Deus e Sua missão.

Veja o quadro ilustrativo desse modelo de discipulado e sua funcionalidade:

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Que o Senhor, nosso Deus, nos ajude a colocar em prática, todas essas idéias e pen-

samentos. E que a REMNE alcance a sua autonomia, sua auto-proclamação, auto-sustento,

auto-governo e venha se tornar a futura 7ª Região Eclesiástica.

E que assim seja.

Amém.

DISCIPULADO

MÉTODO DE PASTO-

REIO

DESENVOLVENDO

RELACIONAMENTOS

ENSINO E FORMAÇÃO

DE LIDERANÇA

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ANEXO 1:

ASPECTOS HISTÓRICOS DO TRABALHO

METODISTA NO NORDESTE300

300 História Documental da REMNE. In: MAIA, Adriel de Souza. Relatório do Bispo Adriel de Souza Maia ao

XII Concílio Regional da Região Missionária do Nordeste – REMNE - 2001.

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Introdução

O trabalho da Igreja Metodista no Nordeste pode ser configurado em vários períodos. Nessa direção, aproveito alguns referenciais do Relatório da Região Missionária do Nordes-te apresentado ao Colégio Episcopal da Igreja Metodista e, posteriormente, encaminhado ao 15º Concílio Geral da Igreja Metodista, realizado no ano de 1997, na cidade de Piracicaba, São Paulo:

1. De 1960 a 1982 Até o Concílio Geral de 1982, o Metodismo no Nordeste se constituiu num Campo

Missionário Geral, submetido ao Concílio Geral e administrado à distância pelo Conselho Geral. Nesse período se deu a chegada dos primeiros missionários e a formação das primei-ras igrejas no Nordeste (Recife/PE; Caixa d'Água, em Olinda/PE; Aracaju/SE, Natal/RN e Fortaleza/CE). É importante mencionar o fato de que nem sempre as relações entre a lide-rança da Igreja no Sul do País e os obreiros trabalhando no Nordeste foram das mais tran-qüilas. O trabalho se desenvolveu alternando momentos de paternalismo com momentos de intolerância, ocasionando um isolamento altamente prejudicial à conexionalidade do Meto-dismo nordestino. Procurando superar tais dificuldades, os obreiros passaram a se reunir nos Encontros dos Obreiros Metodistas no Nordeste (ENOMENE), visando a integração e ex-pansão do Metodismo nordestino. O X ECCOMENE, após a frustração da proposta da cria-ção da Região Missionária do Nordeste pelo Concílio Geral de 1978, voltou a encaminhar ao Concílio Geral de 1982 proposta semelhante. O Concílio Geral atendeu em parte as soli-citações dos metodistas nordestinos, estabelecendo a REMNE, sem, contudo designar um bispo-residente para a área.

2. De 1983 a 1987 Nesse período o Colégio Episcopal nomeou o Bispo Paulo Ayres Mattos, então desig-

nado bispo da 1a Região Eclesiástica, como bispo-supervisor do trabalho metodista nordes-tino. O Metodismo nordestino passou a se organizar, dentro do possível, como as demais Regiões Eclesiásticas, preocupando-se basicamente com a sua organização e expansão. A formação de presbíteros e evangelistas originários da própria REMNE passou a receber maior incentivo, pois se percebeu que os próprios nordestinos deveriam ser os agentes fun-damentais da expansão missionária da REMNE. Em 1986 se realizou a 2ª Consulta Missio-nária do Nordeste, concomitantemente ao seu III Concílio Regional. Dela participaram os segmentos mais significativos da Igreja do Nordeste e do Brasil. Esta Consulta foi o marco do início do processo de definição de um modelo de igreja mais identificada com a cultura e a realidade nordestinas. À luz das conclusões da Consulta Missionária de 1988, no IV Con-cílio Regional em 1987, a REMNE avaliou os resultados neste segundo período, concluindo que era necessário intensificar o processo de consolidação do Metodismo nordestino e re-solveu solicitar ao Concílio Geral de 1987 a reformulação da Proposta de Criação da REM-NE, aprovada em 1982. A solicitação recebeu o apoio e aprovação do 14º Concílio Geral, sendo designado o Bispo Paulo Ayres Mattos para ser o primeiro bispo-residente da REM-NE.

3. De 1988 a 1991 Em janeiro de 1988 chegou a Recife o Bispo residente designado pelo Colégio Epis-

copal. Em julho de 1988 se realizou o V Concílio Regional que aprovou a organização da Região Missionária dentro das orientações dos Dons e Ministérios. Em 1990 foi realizada a

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1ª Consulta de Educação Cristã da REMNE, que discutiu com os segmentos envolvidos, a prática da educação na vida da Igreja. A Consulta serviu para traçar as bases dos novos ru-mos da ação educativa da REMNE. Em março de 1991, o VI Concílio Regional avaliou a prática missionária da REMNE e concluiu que se fazia necessário aprofundar o processo de contextualização da obra metodista no Nordeste. Como resultado, o Concílio introduziu no Regulamento Regional as seguintes alterações principais:

Descentralização do poder de decisão da administração regional, delegando di-versas competências canônicas do Bispo da Região e do Concílio Regional à Mesa do Concílio Regional;

Fortalecimento dos Campos Missionários Regionais, atribuindo-lhes mais res-ponsabilidade à expansão da obra missionária em seus respectivos territórios;

Reformulação dos Ministérios Regionais e dos grupos societários e Federa-ções.

O 15º Concílio Geral de julho de 1991, a pedido do VI Concílio Regional da REMNE, aprovou as seguintes medidas ao trabalho da REMNE:

Reafirmação das decisões tomadas em 1987 referentes ao processo de organi-zação, consolidação e expansão do Metodismo nordestino;

Decisão quanto a integração das Igrejas Metodistas da Bahia à REMNE; Determinação sobre a realização de encontros entre representantes das seis Re-

giões Eclesiásticas e representantes da REMNE, com o intuito de elaborar um plano de cooperação e apoio à obra missionária no Nordeste do País.

4. De 1992 a 1997 Para efeito destas colocações históricas, o período de seis anos será dividido em dois

sub-períodos: o biênio 1992-1993 e o quadriênio 1993-1997.

4.1 De 1992 a 1993 Ressalta-se neste período a importância da integração do Metodismo baiano à vida da

REMNE. A experiência cinqüentenária de organização da Igreja Metodista na Bahia foi e está sendo muito útil para a consolidação do Metodismo em todo o Nordeste do País. Por outro lado, o ardor pelo avanço missionário próprio do Metodismo nordestino tem desafiado os metodistas baianos a crescerem e expandirem. Por todo este processo somos gratos ao nosso Deus por sua orientação e motivação missionária.

Em decorrência de crises eclesiais ocorridas ao longo dos anos, nesse período ficaram evidentes os problemas de formação do Metodismo nos Estados do Ceará e Rio Grande do Norte. Os problemas tiveram suas causas tanto na ação pastoral desenvolvida, como tam-bém no modelo de igreja que foi implantado na área de formação de sua liderança leiga. O trabalho metodista no Estado do Ceará, outrora o pólo mais pujante do Metodismo nordest i-no, mostrou a fragilidade de sua base leiga diante de graves problemas pastorais. A fragili-dade constante do trabalho metodista no Estado do Rio Grande do Norte começou a apre-sentar sinais de exaustão. O quadro geral da Igreja Metodista em ambos os Estados se tor-nou permanente preocupação da administração regional.

Segundo o Relatório, diante da crise no final de 1992, alguns pastores, também, pres-sionados pela decisão do 15º Concílio Geral em 1991 quanto ao processo de auto-sustento da REMNE a partir de 1993, passaram a buscar saídas pessoais para o problema de seu sus-tento. Pastores e Pastoras que receberam da Igreja uma formação acadêmica que lhes possi-bilitou novas oportunidades, resolveram optar por alternativas profissionais não articuladas com o projeto missionário do Metodismo nordestino.

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4.2 De 1994 a 1997 No período, a REMNE procurou mais do que abrir novas frentes de trabalho, assim

fortalecendo as frentes estabelecidas no período anterior. Por outro lado, houve um maior incentivo à organização de frentes missionárias sob a responsabilidade direta dos trabalhos locais, tanto do ponto de vista evangelístico como administrativo. A maioria dos trabalhos locais já consolidados possuem uma ou mais frentes de evangelização, que vão desde célu-las familiares a congregações que estão em vias de se tornarem igrejas. O avanço missioná-rio no Nordeste nesse período se deu muito mais através dos trabalhos locais do que medi-ante a ação da administração regional.

O quadro crítico vivido pelo Metodismo nos Estados do Ceará e Rio Grande do Norte, já constatado no período de 92 e 94, continuou bastante grave, apesar de algumas medidas tomadas pela administração regional. A situação no Ceará não piorou, mas também não me-lhorou substancialmente. No Rio Grande do Norte a crise se agravou na Igreja de Natal, o que obrigou a Mesa do Concílio Regional a fazer uma intervenção, suspendendo os poderes do seu Concílio Local. Ainda há razões suficientes para muita apreensão quanto ao futuro do Metodismo naqueles dois Estados nordestinos. Em 1997 o quadro pastoral em ambos os Estados foi reforçado na esperança de que as novas lideranças pastorais em ambas as áreas sob a graça de Deus contribuíssem para uma acentuada melhoria da obra metodista no Ceará e no Rio Grande do Norte. Houve na ocasião, ainda, duas áreas no Nordeste que despertam especial atenção da administração regional da REMNE, que são o Estado de Alagoas e a cidade de Feira de Santana, Bahia.

O avanço missionário nordestino continua a ter problemas com a interiorização do Metodismo. A atração pelas capitais, tanto da parte do corpo pastoral como do laicato, com-promete a implantação da Igreja Metodista nas áreas interioranas da Região. Outra dificul-dade que temos é a evangelização da classe média. Não temos conseguido desenvolver um programa de recrutamento e capacitação de evangelistas leigos voluntários para uma evan-gelização mais arrojada deste setor social. Ainda nesse período, uma questão crucial men-cionada no relato histórico estava na área social. “O agravamento da questão social em todo o país e a diminuição dos recursos para programas sociais, tanto da parte dos órgãos gover-namentais como das Juntas Missionárias das Igrejas irmãs no estrangeiro, não permitiram um maior envolvimento de muitas das nossas comunidades metodistas em programas de solidariedade e de cidadania com dignidade (...) é importante notar que a Igreja Metodista do Nordeste está fazendo uma séria revisão de sua política de ação social, desativando tra-balhos institucionais que não tinham condições de gerência própria, procurando apoiar os programas que estão sendo capazes de estabelecer parcerias com órgãos governamentais e com organizações religiosas e seculares da sociedade civil. Esta política procura trabalhar o fortalecimento da compreensão de que na relação com os movimentos populares e classista, a Igreja não pode pretender ser o carro chefe, mas ser uma comunidade de fé que apóia e caminha junto com os grupos que querem se organizar. Dessa maneira, estamos procurando abandonar a visão dos trabalhos sociais institucionais mantidos pelas Igrejas”. O relatório apresentado ao Colégio Episcopal ressaltou o processo de formação e capacitação planejado do laicato da REMNE, começado no período 92-93 e se intensificou no quadriênio 94-97.

5. De 1998 a 2001 O 16º Concílio Geral da Igreja Metodista, realizado na cidade de Piracicaba em julho

de 1997, deliberou uma importante proposta, objetivando uma nova situação eclesiástica para a Região Missionária do Nordeste (REMNE). A referida proposta foi encaminhada nos seguintes termos:

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“Considerando que o 16º Concílio Geral da Igreja Metodista deverá pronunciar-se so-bre a situação eclesiástica da REMNE à luz das decisões dos Concílios Gerais anteriores; Considerando o atual estágio das conversações da REMNE com o Colégio Episcopal sobre a situação administrativa da REMNE, conforme decisões do IX Concílio Regional; conside-rando a necessidade de se superar os obstáculos que têm impedido o maior e melhor desen-volvimento administrativo da REMNE.”

O Colégio Episcopal da Igreja Metodista, a pedido da Região Missionária do Nordes-te, propõe:

A emancipação administrativa da REMNE dentro de uma nova perspectiva de coope-ração missionária, com a superação da dependência paternalista e o estabelecimento de par-cerias missionárias, nos seguintes termos:

Emancipação da REMNE com a transferência íntegra a seus órgãos competentes, a partir de fevereiro de 1998, das responsabilidades da administração econômica-financeira-patrimonial da Igreja Metodista no âmbito da Região do Nordeste, nos mesmos termos da legislação canônica sobre as Regiões Eclesiásticas;

Participação da Administração Geral, das Regiões Eclesiásticas e das Igrejas Coope-rantes no sustento da obra missionária no Nordeste do Brasil através de convênios de parce-rias missionárias negociados diretamente entre as partes envolvidas, de acordo com os crité-rios missionários e administrativos aprovados pelo 16º Concílio Geral da Igreja Metodista.”

A presente proposta foi aprovada. E, na verdade, estabeleceu uma nova configuração organizacional para a vida da Região Missionária do Nordeste. Ou ainda, um novo para-digma operacional com tremendos desafios internos e externos. O citado Concílio Geral da Igreja Metodista elegeu e reelegeu os Bispos: Adolfo Evaristo de Souza, Adriel de Souza Maia, Davi Ponciano Dias, Josué Adam Lazier, João Carlos Lopes, João Alves de Oliveira Filho, Paulo Tarso de Oliveira Lockmann e Rozalino Domingos. O Bispo Paulo Ayres Mattos não concorreu à eleição e, na oportunidade, solicitou a sua aposentadoria. O Colégio Episcopal, à luz do quadro dos bispos eleitos, designou o Bispo Adriel de Souza Maia para superintender a Região Missionária no quadriênio 1998/2001.

O Bispo Adriel de Souza Maia assumiu a Presidência da Região Missionária do Nor-deste, no dia 08.02.98 na cidade do Recife/PE. O Bispo Paulo Ayres Mattos, no momento da entrega do bastão episcopal ao Bispo Adriel de Souza Maia, expressou: “O Bispo Adriel Maia chega para colocar a Região num novo patamar missionário... levando-se em conta a caminhada percorrida até o presente momento.” Assim, o Bispo Adriel passou a ser o se-gundo bispo-residente na REMNE. O Bispo Paulo dedicou 10 anos de episcopado residindo na REMNE.

Uma das primeiras iniciativas do novo Bispo designado para o Nordeste foi a convo-cação do X Concílio Regional da Região Missionária do Nordeste, realizado na cidade do Recife, nos dias 18 a 21/04 de 1998.

O Concílio Regional teve a grande responsabilidade de dar as coordenadas pastorais, administrativas, financeiras e patrimoniais, considerando-se a nova proposta acolhida pelo 16º Concílio Geral da Igreja Metodista. Nessa direção, o citado Concílio Regional elegeu a Coordenação Regional de Ação Missionária (COREAM), órgão de administração criado pelo 16º Concílio Geral para administrar os interesses espirituais e materiais da Região no interregno do Concílio Regional. A primeira COREAM foi eleita composta de membros leigos/as e clérigos/as oriundos da própria REMNE. Foram eleitos e eleitas: André Luiz de Carvalho Nunes, Maria Raimunda Lopes Monteiro, Tarciso Lopes Monteiro, Agenor Cefas Cavalcante Jatobá, Ana Cristina Rodrigues Alves Pereira, José Geraldo Cardoso e Neide Bastos Lopes. Essa Coordenação teve a responsabilidade de dar os primeiros passos no no-vo modelo administrativo aprovado pelo 16º Concílio Geral. Algumas prioridades foram estabelecidas, por exemplo:

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Área pastoral: organização do ministério pastoral, especialmente, a organização de Cursos Semi-Extensivos em convênio com a Faculdade de Teologia, objetivando regularizar a situação dos candidatos ao ministério pastoral em período probatório à Ordem Presbiteral e ao Pastorado, a partir das novas exigências da CONET. Programação de cursos e encon-tros pastorais e ministeriais, a fim de dar maior consistência ao novo momento pastoral e ministerial.

Área econômica-financeira: saneamento das dívidas contraídas no passado da REM-NE, especialmente a eleição de um novo modelo administrativo, numa tentativa de superar o modelo paternalista. Nessa direção, discutiu-se, amplamente, os desafios do auto-governo, auto-proclamação e auto-sustento. Decidiu-se melhorar a qualidade do ministério pastoral, proporcionando um subsídio compatível com as demais Regiões Eclesiásticas e atender uma antiga reivindicação do Ministério Pastoral: o seguro saúde. O mesmo, posteriormente, foi implementado, na realidade, uma grande vitória conquistada.

Organização Ministerial: o Concílio contemplou a organização dos grupos societários: Mulheres, Jovens e Juvenis. E, posteriormente, foram realizados os Congressos Constituin-tes desses grupos societários. As Coordenações Regionais foram eleitas pela COREAM: Expansão Missionária, Ação Social, Ação Docente e Administrativa. Foram designados a Coordenadora do Departamento de Crianças, Escola Dominical e Conselheira de Juvenis. Nesse caso, a REMNE iniciou um modelo descentralizado de administração e, especialmen-te, um modelo de voluntariado. Na verdade, foi um tempo de adaptação a partir do novo modelo construído à luz da Legislação da Igreja Metodista.

Área Patrimonial: a COREAM decidiu fazer um levantamento geral da qualidade das propriedades da REMNE. Um bom trabalho foi realizado em quase todas as propriedades da Região Missionária do Nordeste. O presente trabalho apontou o quadro precário dos nossos patrimônios, bem como a necessidade de uma política administrativa para essa área na Re-gião. Algumas iniciativas foram tomadas, por exemplo: a construção da nova Sede Regional no bairro de Parnamirim, em Recife/PE. A nova Sede foi construída na casa episcopal da Região no bairro de Parnamirim que foi totalmente adaptada.

Avanço Missionário: o Concílio apontou pistas, em especial a necessidade de uma ex-pansão missionária nas cidades satélites da Região Missionária do Nordeste. Nessa perspec-tiva, novos trabalhos missionários foram abertos: Teresina/PI, Petrolina/PE, Agreste/PE (dinamização e reorganização do Campo), São Luís/MA, Propriá/SE, Itabuna/BA (com a parceria da Igreja Central de Vitória da Conquista/BA), entre outros.

Na realidade, o biênio 98/99 foi de uma grande movimentação, tendo-se em vista os novos desafios, os quais foram bem recebidos pelos pastores, pastoras, leigos e leigas.

O ano de 2000, ou seja, nos dias 05 a 09/04/2000 foi realizado o XI Concílio Regional da Região Missionária do Nordeste, na cidade de Salvador, Bahia. O referido Concílio Re-gional avaliou os trabalhos desenvolvidos no biênio a partir do Relatório do Bispo Adriel de Souza Maia e propostas da Coordenação Regional de Ação Missionária. Na ocasião, o con-clave regional reforçou a necessidade de dar prosseguimento às prioridades estabelecidas em seu Plano de Ação Regional para o biênio 2000/2001.

O Concílio Regional constituiu um momento histórico: elegeu o maior número de presbíteros e pastores dos últimos dez anos, assim fortalecendo o quadro pastoral nativo da Região. Elegeu delegados/as ao 17º Concílio Geral da Igreja Metodista. Elegeu a segunda Coordenação Regional de Ação Missionária (COREAM), constituída dos seguintes mem-bros: Agenor Cefas Cavalcante Jatobá, Ana Cristina Rodrigues Alves Pereira, Antônio do Rego Monteiro, Calvino Pereira da Silva, Emanoel Rodrigues Almeida, Francisco Porto de Almeida Jr. e José Geraldo Cardoso. Criou o Fundo Missionário do Nordeste. Decidiu criar o Seminário Metodista do Nordeste. Enfatizou a necessidade de dar prosseguimento ao pro-cesso de obtermos melhor qualidade de supervisão administrativa e financeira da Região, a

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partir dos parâmetros estabelecidos pelo 16º Concílio Geral, fortalecendo a dinâmica do auto-governo, auto-proclamação e auto-sustento. Configuramos um novo modelo de evan-gelista na vida da REMNE. Estudo do quadro do ministério pastoral da REMNE e, conse-qüentemente, uma reavaliação do trabalho dos atuais missionários cedidos em Regime de Comissionamento. A partir do Plano Regional: objetivos, metas e prioridades estabelecidas pelo Concílio Regional em Salvador/BA, a Região, no último biênio do quadriênio eclesiás-tico, concentrou suas atenções pastorais, administrativas-financeiras-patrimoniais:

Uma nova mentalidade no processo de auto-sustento da Região: “Não há cafezinho de graça”. Todos devem e precisam participar. Nessa direção, as diretrizes estabelecidas no ANO MARCO, na verdade, ajudaram na construção de uma nova mentalidade. O ANO MARCO dentro de seus referencias teóricos enfatiza:

Reafirmar o valor do sistema conexional. No Metodismo o sistema é característico e básico de sua existência. O Metodismo não é congregacional no seu governo. O referido sistema permite a participação de todos os segmentos. Participam com suas dádivas espiri-tuais, humanas, materiais, patrimoniais, financeiras etc. Somente uma unificação de esfor-ços permitirá unir, consolidar e avançar missionariamente.

Não podemos ignorar a vida financeira da Igreja. O sistema conexional é também ali-mentado a partir da fidelidade de cada igreja no contexto do plano de Deus. Os bispos enfa-tizam: “...ao doar, doamo-nos. Como será diferente a vida de nossas comunidades locais quando isso ocorrer! Dízimos, ofertas, dons, serviços, vidas serão colocadas no altar com alegria, gratidão e fé. Precisamos mudar de mentalidade. Deixemos o Senhor agir. Oferte-mos os nossos dízimos e mais que o Senhor pedir. Façamos nossa oferta, não por imposição ou necessidade, mas com júbilo. Metodismo não é lei, é graça. É dádiva fiel!”

2001 será considerado o ano marco, ou seja, uma nova metodologia de orçamento im-plantada na vida da Região, a fim de dar-lhe suporte, objetivando o processo de consolida-ção do auto-governo, auto-proclamação e auto-sustento financeiro, tendo-se em vista o ca-minhar seguro da REMNE na busca de sua autonomia. As igrejas locais não poderão estar passivas no processo de proposta de sustento próprio. Há igrejas na Região que estão com-pletando várias décadas e ainda estão no estágio de “dependência”, o que em muitas igrejas tem sido sinônimo de passividade. Nessa direção, as igrejas serão desafiadas a organizar o seu Orçamento Programa para o sustento ministerial e pastoral (...) é importantíssimo ob-servar o seguinte: houve comodismo, gerando um paternalismo que contraria a ação missio-nária da Igreja para novos patamares de vida e missão.

Cada igreja local deverá ser desafiada a olhar para si mesma dentro de sua potenciali-dade ministerial. Uma mudança de eixo. A iniciativa é da igreja local. Ou seja, a igreja local precisa ter consciência do preço real da missão. Nessa caminhada, ela precisa ser desafiada em seu programa de auto-sustento.

O ANO MARCO é um processo educativo que precisa interromper um estágio de pas-sividade, gerador de um paternalismo que não confere com a dinâmica de uma Igreja de Dons e Ministérios. Estamos caminhando dentro desses novos patamares. Na realidade, não é fácil a mudança de mentalidade pessoal e eclesial. É uma caminhada que não pode ter re-torno. Todos os esforços precisam ser canalizados para o fortalecimento da unidade princi-pal: a igreja local. A igreja local é o nascedouro da obra missionária da Igreja. Portanto, se existe Região é porque existe igreja local. A Região não é igreja local. A Região é um su-porte que possibilita dar cumprimento à demanda missionária da Igreja dentro dos seus dife-rentes ministérios.

A operacionalização do projeto do Seminário Regional passou a ser uma prioridade. Foi nomeado seu primeiro Diretor, Pr. Emanoel Rodrigues Almeida, foi elaborado seu pri-meiro Estatuto e aprovado pela COREAM e, conseqüentemente, ocorreu a organização do Conselho Diretor, constituído das seguintes pessoas: André Luiz de Carvalho Nunes, Davi

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Stéfani Sousa, João Batista Nunes de Medeiros, Tarciso Lopes Monteiro, Vera Maria Trindade de Freitas (titulares), Cícero Renylton da Silva Gomes, Dilson Soares Dias e Paulo Bezerra de Almeida (suplentes), e do Conselho Fiscal: Catarina Simplício Barros Silva, Inácio Luiz Bezerra, Milton Gomes da Cruz (titulares), Geraldo Ferreira Cavalcante e Iran Alves Pereira (suplentes).. No presente momento, as instalações da antiga Sede Regional estão sendo adaptadas para o funcionamento físico do Seminário Metodista no Nordeste. Espera-se inaugurar as novas instalações no próximo mês de fevereiro de 2002. Evidente-mente, especialmente na área geral da Igreja Metodista há um nível de tensão quando se fala em Seminário, levando-se em conta que quase todos os Seminários Regionais foram desati-vados na área de preparação para o ministério pastoral ordenado da Igreja Metodista. Hoje, na realidade, a preparação teológica pastoral está quase toda sob a responsabilidade da Fa-culdade de Teologia da Igreja Metodista, à luz das novas diretrizes estabelecidas pela Igreja nos últimos anos. O espaço do Seminário na REMNE tem uma grande finalidade: ser um espaço de capacitação do povo de Deus para a missão. Há uma grande agenda para o Semi-nário no contexto geral da REMNE. Não há dúvida que o Seminário teve sua presença mar-cada a partir do ano de 1998 com a ministração de Cursos Semi-Extensivos em parceria com a Faculdade de Teologia da Igreja Metodista. O Seminário, na sua essência, no contex-to da REMNE, vai além da ministração de Cursos Teológicos Pastorais. O básico de sua tarefa é ser instrumento de apoio à Região em suas diversas demandas pastorais, docentes e missionárias. Pretende-se que o espaço do Seminário no bairro de Água Fria possa ser um espaço de serviço à comunidade, através de projetos educacionais e sociais.

O Centro Comunitário do Alto da Bondade, Olinda/PE, foi organizado e teve aprova-do o seu Estatuto Social, hoje, sob a presidência da diaconisa Jane Menezes Blackburn.

Uma outra prioridade estabelecida pelo Concílio Regional foi a prioridade da Escola Dominical na vida da REMNE. Esforços foram canalizados, especialmente, através do pro-jeto igrejas laboratórios e, posteriormente, o I Congresso Nordestino de Escolas Dominicais. A bem da verdade, foi um marco muito importante na vida da Região. Cerca de 100 pessoas participaram desse evento.

Dentro das diretrizes estabelecidas pelo Colégio Episcopal e Região, uma grande ên-fase foi dada ao programa de discipulado. O encontro regional de pastores e pastoras foi um espaço para a discussão das linhas do projeto de discipulado estabelecido pela Igreja Meto-dista. O evento pastoral contou, além do Bispo da Região, com a colaboração pastoral do Bispo Nelson Luiz Campos Leite, Coordenador Nacional de Discipulado e do Pr. José Pontes Sobrinho, Coordenador Nacional de Ação Missionária. Tal conclave, a fim de dina-mizar o projeto de discipulado na Região, decidiu que os/a SD's definissem igrejas laborató-rios. O que na verdade ocorreu. Posteriormente, foi organizado um curso de discipulado para essas igrejas selecionadas com suas lideranças pastorais.

Nesse período esforços foram feitos para o avanço de parcerias com a Igreja Metodis-ta na REMNE. Contatos foram feitos, bem como novas portas foram abertas através dos seguintes segmentos: Instituto Educacional Piracicabano, Universidade Metodista de Piraci-caba, Faculdade de Teologia da Igreja Metodista, Instituto Metodista de Ensino Superior/Universidade Metodista de São Paulo, Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CE-SE), Diaconia, Visão Mundial- Brasil, etc.

O 17º Concílio Geral da Igreja Metodista, realizado nos dias 7 a 14 de julho de 2001, na cidade de Londrina/PR, elegeu os novos bispos e a primeira bispa para o pastoreio da Igreja Metodista no novo qüinqüênio eclesiástico. À luz do novo quadro episcopal, o Colé-gio Episcopal fez as novas designações episcopais. A Região Missionária do Nordeste (REMNE) foi surpreendida com a designação do Bispo Adriel de Souza Maia para a Tercei-ra Região Eclesiástica. Para a REMNE, em face da saída do Bispo Adriel Maia, foi designa-da a Bispa Marisa de Freitas Ferreira Coutinho. A delegação da Região Missionária do Nor-

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deste, por decisão do Concílio Regional, encaminhou ao Bispo-Presidente do Colégio Epis-copal da Igreja Metodista, Paulo Tarso de Oliveira Lockmann, um documento firmado pelos principais segmentos da Região solicitando o retorno do Bispo Adriel Maia à REMNE.

A partir de agosto de 2001 a Região começou a viver um novo momento de transição episcopal. A COREAM, bem como o Bispo Adriel de Souza Maia, organizaram uma agenda de transição, a fim de acolher, dentro das possibilidades da REMNE, a nova Bispa. Encon-tros foram realizados, por exemplo: Encontro Regional de Pastores/as, I Congresso Nordes-tino de Escolas Dominicais, Reunião com a Liderança Regional: Coordenação Regional de Ação Missionária (COREAM) e Equipe Episcopal (SD's), Concentração de Acolhimento no Distrito Nordeste II, na Igreja Metodista Central em Recife, entre outros. Por ocasião do XII Concílio Regional novas programações estão previstas: Culto de Posse da nova Bispa e Concentração de Acolhimento. Percebe-se que o programa traçado foi um grande espaço de introdução da nova Bispa na vida da REMNE, repassando a ela informações e encaminha-mentos do dia-a-dia missionário da Região Missionária. A Bispa chega já com uma visão panorâmica do Metodismo no espaço do Nordeste, tendo-se em vista os desafios e oportuni-dades.

6. De 2002... A partir do dia 9 de janeiro de 2002, na cidade do Recife/PE, uma nova página será

aberta na vida da REMNE com a instalação e posse da nova Bispa Marisa de Freitas Ferrei-ra Coutinho, bem como, as decisões que serão tomadas no contexto do XII Concílio Regio-nal da Região Missionária do Nordeste. Há, graças a Deus, uma boa perspectiva de progres-so e consolidação da obra missionária em terras nordestinas. O Concílio se realiza a partir das motivações de um novo Plano Nacional com seus enfoques e prioridades. Na agenda programática a Igreja estará fortalecendo a dinâmica de sua eclesiologia dentro do desafio missionário: “Comunidade Missionária a Serviço do Povo: Espalhando a Santidade Bíbli-ca”. No presente ano de 2002, a ênfase será: “Testemunhar a vitalidade do Evangelho” ten-do como pano de fundo, e inspiração o Livro de Atos dos Apóstolos.

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ANEXO 2:

QUADRO ESTATÍSTICO

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-1

4

9

14

Taxa de Crescimento Anual (%)Evangélicos e População - Região Nordeste

TCA (%) Evangélicos 11,75 7,48 9,62 7,96 10,67 8,43 8,96 10,31 8,79 7,43

TCA (%) População 1,32 1,09 1,73 1,54 0,82 1,19 1,08 1,57 2,01 1,63

Alagoas Bahia Ceará Maranhão ParaíbaPernambuc

oPiauí

R.Grande Norte

Sergipe BRASIL

Fonte: Censos 1991 e 2000, IBGE

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0

5

10

15

20

25

30

Porcentagem de Evangélicos em 2000 - Região Nordeste

% Evangélicos 9 11,2 8,2 11,5 8,8 13,5 6 8,9 7,3 15,4

Alagoas Bahia Ceará Maranhão Paraíba Pernambuco

Piauí R.Grande do Norte

Sergipe BRASIL

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ANEXO 3:

CARTA PASTORAL DO COLÉGIO EPISCOPAL SOBRE

O G-12301

301 Fonte: http://www.expositorcristao.org.br/ e http://www.metodista.org.br

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Apresentação

O Colégio Episcopal frente a um dos últimos movimentos doutrinários no meio Evan-

gélico, chamado G-12, vem junto ao povo Metodista colocar, de modo breve, nossa visão

doutrinária acerca deste movimento, e reafirmar nossa herança bíblica e Wesleyana. Sabe-

mos que nem sempre podemos dar resposta a todos os movimentos que surgem no meio

evangélico brasileiro, mas este movimento afetou algumas de nossas igrejas e pastores/as,

por isso sentimo-nos no dever de compartilhar esta carta pastoral.

Nela tentamos ser justos, claros e firmes naquilo que, como Bispos e Bispa, entende-

mos ser a sã doutrina. “Obedecei aos vossos guias e sede submissos para com eles; pois ve-

lam por vossa alma, como quem deve prestar contas, para que façam isto com alegria e não

gemendo; porque isto não aproveita a vós outros.” (Hb 13.17). “Tem cuidado de ti mesmo e

da doutrina. Continua nestes deveres; porque, fazendo assim, salvarás tanto a ti mesmo co-

mo aos teus ouvintes.” (1Tm 4.16).

Orientação Pastoral sobre o G-12

O termo G-12 é uma importação dos EUA, e tenta designar uma igreja organizada em

células, ou grupos de 12 pessoas, orientadas por um líder. Há alguns anos este termo e mé-

todo foi assumido na Colômbia pelo Pr. Cezar Castelano e sua esposa Cláudia Castelano, o

qual, segundo declarações deles mesmos, tomou por base o programa da Igreja do Dr. Da-

vid Y. Cho, ou seja, “Igreja em Células no Modelo dos Doze”. No entanto, esta metodologia

de discipulado tem trazido dificuldades pastorais e desvios doutrinários, semeando divisões

em várias Igrejas que assimilaram tal programa.

Entre os desvios doutrinários, que ensina o Pr. Cezar, através da proposta do G-12, os

quais consideramos que contrariam as doutrinas bíblicas e wesleyanas estão os seguintes:

A proposta está centrada numa aparição do Senhor a ele, designando-o como um ilu-

minado e enviado de Deus para o governo dos 12. Desde aí criou a Missão Carismática In-

ternacional.302

Preocupa-me o fato de que não diz em seu livro que alguém julgou a visão, conforme

recomenda a Bíblia, nem nos dá qualquer indicação bíblica para que o reconheçamos como

o mensageiro de Jesus Cristo para toda a Igreja. (cf. 1Co 14.29-33). Em nenhum momento,

o Novo Testamento nos indica que surgiria um iluminado, recebendo diretamente de Jesus

uma palavra para toda a Igreja. 302 Dominguez, Cezar Castelhanos – Sonhas e ganharás o Mundo. Ed. Palavra da Fé.

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Todas as grandes heresias nasceram desse modo. Assim foi Joseph Smits, do movi-

mento Mórmon.

A outra distorção trata-se das três outras aberrações apresentadas por Cezar Castella-

nos, ou seja, ele descreve como viu, em três experiências, seu espírito deixar o corpo. Ele

chamou e seu espírito teria voltado, pois ele não poderia morrer. Trata-se de uma experiên-

cia tida como normativa, mas sem base bíblica para se fundamentar. Tal relato é mais co-

mum no espiritismo.

Trabalha um conceito exegético com o qual nós Metodistas não concordamos, de que

há na Bíblia a palavra Rhema, e a palavra Logos. O Rhema seria a palavra “revelada” dire-

tamente de Deus, no caso o absurdo é que declara ser 2 Crônicas 29, relativo a Ezequias,

palavra Rhema. Ora Rhema é termo grego, completamente desconhecido ao hebraico do

livro de Crônicas. Aqui, a heresia dividiria as Escrituras em duas categorias, o que além de

ser herético, é histórica e exegeticamente um absurdo.

Enfatiza a necessidade de todo crente ter o seu Peniel, ou encontro com Deus. Deus

pode e deve ser encontrado a cada dia, por todo cristão; não depende que criemos condições

especiais para encontrá-lo. “Buscar-me-eis, e me achareis, quando me buscardes de todo o

vosso coração.” (Jr 29.13). Nada contra retiros espirituais, pois eles são bem-vindos e ne-

cessários. A distorção do Peniel está em menosprezar as experiências anteriores, e condi-

cionar o encontro com Deus ao retiro. Seria um Deus muito pequeno! Os modelos bíblicos

de encontro com Deus vão muito além de Peniel. De maneira especial rejeitamos a idéia

implícita para alguns de que sem o encontro o cristão está numa categoria inferior de cris-

tão. Isto divide a Igreja do Senhor.

A outra distorção do G12 é que não há espaço para a imensa diversidade de dons e

ministérios, pois no grupo, em casas de família, não há muito espaço para o exercício como

ministério de ação social, tão vital num país como o nosso. Tampouco não há espaço para a

saudável experiência dos grupos societários, histórico espaço de treinamento e amadureci-

mento na fé. Não há também espaço para ministérios proféticos como: a) luta contra o ra-

cismo; b) menores infratores; c) pastoral carcerária. Enfim, não dá para conter nos grupos

pequenos os inúmeros ministérios que o Espírito Santo tem suscitado no corpo de Cristo.

Deste modo a Igreja Metodista é absolutamente incompatível com o sistema da igreja

em célula do G-12; isto porque a nossa visão de que a igreja local é uma parte do Corpo de

Cristo, ou seja, a dinâmica do Espírito Santo transcende a igreja local. Pois as igrejas care-

cem dos dons e ministérios umas das outras, é esta a visão bíblica; vejamos: “Também, ir-

mãos, vos fazemos conhecer a graça de Deus concedida às igrejas da Macedônia...” (2Co

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8.1). “Esforçando-vos diligentemente por preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz;

há somente um corpo (a Igreja) e um Espírito...” (Ef 4.3-4ss).

No entendimento do programa do G-12 nós teríamos que acabar com a infinidade de

ministérios que Deus tem levantado entre nós, os grupos societários, os Concílios, as

CLAMs, CoDIAMs, COREAMs e COGEAM. Enfim, teria de acabar com a Igreja que so-

mos, nossa herança, nossa vida e testemunho, e começar outra Igreja. Isto não pode ser o

propósito de Deus para nós.

O programa do G-12 cresceu em cima de algumas críticas às Igrejas Evangélicas His-

tóricas, e mesmo algumas Pentecostais Históricas. Há uma severa crítica às denominações,

desconhecendo a herança cristã evangélica e o martírio que seus pioneiros deram a Evange-

lização do Brasil.

Eles criticam as denominações, vivem muito mais em torno de sua manutenção, suas

estruturas, comissões e departamentos, do que em função da missão de ganhar vidas para o

Reino. Reconhecemos que esta crítica é, em alguns casos, procedente, pois algumas destas

Igrejas têm perdido a visão missionária, não crescem, e vivem muito em função de si mes-

mas. Mas se é verdade que esta crítica é procedente, a solução encontrada de concentrar a

vida da Igreja em células (grupos pequenos) deforma e diminui drasticamente o que a Igreja

deve ser e, principalmente, o alcance da missão. Trata-se aqui de um grave desvio doutriná-

rio do tema teológico, que é a eclesiologia, doutrina que trata da origem e do modo de ser

Igreja como Corpo de Cristo. Pois, uma Igreja restrita a células perde o alcance de impactar

a sociedade com sua voz profética, diante das injustiças diversas cometidas em muitos casos

até pelo Estado. O impacto que a Igreja Primitiva causou ao Estado Romano não foi somen-

te pelas igrejas nas casas, foi pregação nas praças, areópago e outros lugares públicos, atra-

vés de diferentes ministérios, orientados por uma pastoral dada por Paulo, Pedro, Tiago,

enfim, eram ministérios diversos, mas sujeitos a um governo episcopal e conciliar. Confi-

ram as referências bíblicas: Atos 3.11-12; 4.4; 6.1-7; 8.4-8; 15.1-9; 17.6-7; Romanos 13.1-2;

16.1-2; 1Coríntios 16.1-4; Apocalipse 1.4-5.

É necessário afirmar que nós metodistas temos uma tradição de discipulado. João

Wesley apresentou uma grande preocupação com a vida das pessoas que aderiam ao movi-

mento metodista. Envolvia os membros do movimento em grupos menores chamados de

“sociedades” ou classes”. Este método tornou-se uma das marcas do avivamento liderado

por João e Carlos Wesley. Nestas “sociedades” ou “classes” os membros eram nutridos e

ganhavam vitalidade, outra marca do metodismo. Havia entre os membros um sentimento

de unidade e solidariedade. João Wesley adquiriu este hábito, que transformou em uma das

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características do metodismo, desde os tempos de estudante em Oxford, onde alguns alunos

se reuniam em grupos pequenos para estudo da Bíblia, oração e busca de uma verdadeira

santidade do coração e da vida.

Desta forma, a metodologia desenvolvida pelo G-12 não apresenta nada de novo, pois

Jesus organizou um grupo de doze discípulos, outro de setenta, para passar a visão do Reino

de Deus (Cf. Mc 3.13-19; Lc 10.1-4). Paulo também desenvolveu um programa de discipu-

lado em seu ministério, preparando homens e mulheres para o pastoreio. (Cf. 2Tm 2.2).

Em que pese os testemunhos de vários líderes evangélicos a favor e contra o G-12,

considerando os equívocos presentes neste método apresentado como programa de discipu-

lado, damos a seguinte orientação ao povo metodista: Não entreguemos nossas ovelhas para

serem pastoreadas por terceiros. Pastores e pastoras e demais líderes de ministérios nas igre-

jas locais, são os responsáveis pelo rebanho, que está sedento e desejoso de ser pastoreado e

aprofundar suas experiências com Deus. Seguindo a tradição metodista, grupos de discipu-

lado devem ser organizados em nossas igrejas, sobretudo com a liderança dos ministérios.

Que nestes grupos seja aplicado o modelo wesleyano.

Lembremos que o Programa de Discipulado, em fase de implantação em nossa Igreja,

define discipulado como um estilo de vida que caracteriza a vida das pessoas alcançadas

pela graça de Deus e comprometidas com o Reino de Deus; método de pastoreio através do

qual e, em pequenos grupos, o pastoreio, a comunhão, a confraternização e a solidariedade

são desenvolvidos para a maturidade cristã dos membros da Igreja; e uma estratégia para o

cumprimento da missão, por meio da integração nos diversos dons e ministérios que visam

o cumprimento da missão que a Igreja recebeu de Deus.

Devemos ter cuidado com os métodos e programas de discipulado que apresentam ou-

tras conceituações que não as definidas anteriormente e que constam do Manual do Discipu-

lado, série Discipulado – nº 1. O Programa de Discipulado a ser implantado em nossas igre-

jas é o que consta deste Manual e os outros livros da série que estão sendo publicados.

Assim sendo, o Colégio Episcopal, ao analisar as propostas do G-12 declara que elas

são incompatíveis com os documentos, doutrinas e caminhada da Igreja em dons e ministé-

rios; e que pastores e pastoras não têm o direito de envolver a comunidade local em propos-

tas que não foram avaliadas pelos respectivos Concílios, ou seja, Regional, Distrital e Local.

O/a pastor/a que assim proceder, estará contrariando a orientação a orientação doutrinal da

Igreja, e atraindo para si toda responsabilidade. Desta forma, estará sujeito ao que prescreve

os Cânones da Igreja Metodista.

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136

Encerramos esta orientação pastoral sobre o G-12 destacando que na Igreja Metodista

a realização de encontros, retiros e acampamentos, que busquem aprofundar a experiência

com a Graça de Deus, crescimento na vida cristã e maturidade espiritual ou, em outras pala-

vras, que busquem um encontro com Deus, é legítima e necessária, faz parte da nossa tradi-

ção de fé e de espiritualidade.

Reafirmamos que, de acordo com as Sagradas Escrituras, é Deus quem busca os seus

filhos e filhas e age para abençoa-los/as. No segundo livro da série Discipulado – nº 04,

intitulado Fundamentos da Fé – Pecado e Salvação, o Bispo Nelson Luis Campos Leite des-

taca que o nosso encontro com Deus acontece quando aceitamos esta busca divina e confi-

amos no amor e na presença de Cristo em nossas vidas. Os retiros, encontros e acampamen-

tos têm este objetivo, qual seja, alimentar a experiência do encontro com Deus.

Pentecostes de 2004

Bispo João Alves de Oliveira Filho – Presidente.

Bispo João Carlos Lopes. Vice-Presidente

Bispo Josué Adam Lazier – Secretário.

Bispo Adolfo Evaristo de Souza;

Bispo Adriel de Souza Maia;

Bispo Luiz Vergílio Batista Rosa;

Bispa Marisa de Freitas Ferreira Coutinho;

Bispo Paulo Tarso de Oliveira Lockmann,

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