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Línguas e Instrumentos Linguítiscos – Nº 33 - jan-jun 2014
O DIREITO DE SER ESQUECIDO,
O DIREITO DE SER LEMBRADO:
MEMÓRIA, ESQUECIMENTO E O
FUNCIONAMENTO DA METÁFORA
Andréia da Silva Daltoé
UNISUL
Resumo: Este artigo investiga o funcionamento da metáfora no interior
da relação entre o chamado direito ao esquecimento e os trabalhos da
Comissão Nacional da Verdade (CNV), tomados aqui em seus efeitos
metafóricos como ‘direito de ser esquecido’ e ‘direito de ser lembrado’,
respectivamente. Tendo como base a Análise do Discurso, busca
observar de que modo este deslizamento faz trabalhar as noções de
‘memória’ e ‘esquecimento’.
Abstract: This paper investigates the functioning of metaphor within
the relation between the so-called right to be forgotten and the work of
the National Truth Commission (CNV), taken here in their
metaphorical effects as ‘right to be forgotten’ and ‘right to be
remembered’, respectively. Based on Discourse Analysis, it aims to
observe how this gliding movement puts the notions of 'memory' and
'forgetfulness' to work.
Questões introdutórias
A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade. (...).
Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
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Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
diferentes uma da outra. (...)
Cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia.
(Carlos Drummond de Andrade)
Em junho de 2014, o Google comunicou, em São Francisco/CA, que
passaria a aplicar o direito ao esquecimento determinado pela Corte de
Justiça Europeia, a qual, em maio do mesmo ano, já havia exigido que
os sites de buscas da internet possibilitassem a eliminação de
referências desatualizadas ou fatos passados que, retomados no
presente, pudessem ferir a integridade da pessoa humana e/ou sua
privacidade. Depois da decisão, o Google disponibilizou um formulário
online para os usuários que pretendessem a eliminação de suas
informações pessoais da rede. Quatro semanas depois, a empresa havia
recebido 41 mil pedidos.
No Brasil, o debate ganhou calor com a VI Jornada de Direito Civil,
organizada pelo Conselho de Justiça Federal em Brasília, março de
2014, quando juristas de todo o país e do exterior aprovaram o
Enunciado 531, de força doutrinária, que prevê o direito ao
esquecimento, direito este não apenas restrito ao espaço da internet, mas
também estendido a qualquer outro meio de comunicação.
A discussão não é nova, mas tem tomado fôlego diante da
necessidade de abrigo legal para as questões de internet e o modo como
a disseminação de informações ganha o mundo em segundos, o que
também reascende a polêmica entre os direitos individuais e o direito
coletivo de acesso às informações.
Sem entrar nesta contenda, objetivamos relacionar, na presente
pesquisa, este direito ao esquecimento e os trabalhos que estão sendo
desenvolvidos pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), a fim de
investigar como estas duas instâncias fazem trabalhar a memória, o
sujeito, a história e o próprio esquecimento, a partir do movimento que
preveem, neste deslizamento, entre um dizer e um não dizer, entre um
não dizer e um dizer. Num efeito metafórico, designaremos o primeiro
como o direito de ser esquecido e o segundo como o direito de ser
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lembrado, entendendo que não estamos colocando as duas questões
como se fossem da mesma natureza jurídica, muito menos em relação
de oposição, em que uma seria o contrário da outra no par
esquecer/lembrar.
Ambas as metáforas serão problematizadas a partir de nossa
inscrição na Análise do Discurso (AD) de linha francesa, campo teórico
que nos orienta como pesquisadora e cuja área nos permite pensar a
língua e o sujeito em sua relação com o político nas condições materiais
em que se inscrevem. Neste caso, são condições que passam por
políticas de memória, aqui compreendidas como toda determinação que
atinge o dizer a partir das formas de individualização do sujeito pelo
Estado.
Com a ajuda da noção de metáfora numa abordagem discursiva,
queremos pensar este processo na relação de nunca acabar entre
memória e esquecimento, movimento este visceral em AD para
compreendermos os processos discursivos em suas diferentes
materialidades. No caso desta pesquisa, as materialidades serão
tomadas como Sequências Discursivas de Referência (SDr)
(COURTINE, 2009), constituídas por recortes de leis, recurso jurídico,
depoimentos de alguns dos já ouvidos pela CNV e falas de ex-presos
políticos em reportagens a respeito dos temas, estes dois últimos
transcritos de vídeos disponibilizados na rede.
Neste percurso, trataremos:
Do direito de ser esquecido: metáfora que se dá a partir do direito
ao esquecimento, que, entre outras formas de a justiça brasileira regular
o uso da rede, prevê, conforme o Enunciado 531, que “A tutela da
dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o
direito ao esquecimento”1, com base no Art. 11 do Código Civil, trazido
aqui como uma SDr:
SDr 1: Os danos provocados pelas novas tecnologias de
informação vêm-se acumulando nos dias atuais. O direito ao
esquecimento tem sua origem histórica no campo das
condenações criminais. Surge como parcela importante do
direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o
direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas
apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos
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fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com
que são lembrados. (RECURSO ESPECIAL Nº 1.335.153 - RJ
(2011/0057428-0))2.
Do direito de ser lembrado: metáfora que se dá a partir dos trabalhos
da CNV, Comissão esta criada em 18 de novembro de 2011, de acordo
com a Lei nº 12528, e instituída em 16/05/20123 pela Presidenta Dilma
Rouseff, com o propósito de apurar violações aos direitos humanos
ocorridas no período de 1946 e 1988, que inclui a ditadura (1964-
1985)4, buscando, conforme Art. 1º, “efetivar o direito à memória e à
verdade histórica e promover a reconciliação nacional. Dentre seus
objetivos previstos no Art. 3º da presente Lei, destacamos:
SDr 2: II - promover o esclarecimento circunstanciado dos casos
de torturas, mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de
cadáveres e sua autoria, ainda que ocorridos no exterior; (...).
SDr 3: IV - encaminhar aos órgãos públicos competentes toda e
qualquer informação obtida que possa auxiliar na localização e
identificação de corpos e restos mortais de desaparecidos
políticos, nos termos do art. 1o da Lei no 9.140, de 4 de dezembro
de 1995; (...).
SDr 4: VI - recomendar a adoção de medidas e políticas públicas
para prevenir violação de direitos humanos, assegurar sua não
repetição e promover a efetiva reconciliação nacional; e
SDr 5: VII - promover, com base nos informes obtidos, a
reconstrução da história dos casos de graves violações de direitos
humanos, bem como colaborar para que seja prestada assistência
às vítimas de tais violações.
Nos deslocamentos necessários, importante dizer que, no primeiro
caso, não estamos diante de uma lei, mas de um recurso legal, de caráter
doutrinário, cuja aplicação se dará pela interpretação do operador do
direito.
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De outra natureza, a CNV não tem poderes punitivos nem
indenizatórios, mas desempenha um importante papel de reafirmação
democrática do País ao procurar voltar aos fatos deste passado e
construir, a partir de uma outra narrativa, a história que vitimizou
famílias tragicamente afetadas por um regime em que os militares,
conforme Indursky (2013), “sob o pretexto de salvarem a pátria da
corrupção, da desordem e do comunismo, empolgaram o poder, nele
perpetuando-se por 21 anos, impondo suas posições e calando vozes
discordantes” (2013, p.323).
Resguardadas as devidas diferenças, a relação que estabelecemos
entre ambos os direitos (não no sentido jurídico do termo) se justifica
pelo modo como, em ambos, podemos investigar processos de
individualização pelo Estado, e também pelo modo como cada um, à
sua maneira, mobiliza um trabalho sobre memória e esquecimento que
muito interessa à AD.
Nosso interesse é, então, relacionar estes dois direitos para
problematizá-los em relação ao modo como são afetados pelas ilusões
que nos constituem: ilusão do sujeito como origem e do sentido como
colado à língua. De qualquer modo, vale ressaltar que esta aproximação
já ocupa outros lugares de debate na mídia, por exemplo, em relação ao
temor de que o direito ao esquecimento seja usado pelos torturadores
da ditadura militar no Brasil a partir dos desdobramentos dos relatórios
da CNV, como apresenta o sujeito enunciador a seguir, que é ex-preso
político, torturado pela ditadura, hoje presidente da Comissão da
Verdade Rubens Paiva de SP:
SDr 6: O que tão querendo é usar um direito ao esquecimento
para ter impunidade, nem se fala sobre o crime cometido, mas
essa gente não foi processada, não foi condenada, não pagou a
pena. Querem ser esquecidos antecipadamente? (Ivan Seixas)5.
Filiado a uma outra Formação Discursiva (FD), que não a jurídica,
o sujeito enunciador desta SDr representa os defensores dos direitos
humanos que entendem o direito ao esquecimento como um
contraponto ao direito de memória, direito este preconizado pela
própria Lei que institui a CNV. Não entraremos neste debate de
aplicação jurídica, mas, sem dúvida, esta discussão vem reforçar a
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relação tensa entre o que estamos tratando aqui como direito de ser
esquecido e direito de ser lembrado.
1. O deslizamento dos sentidos entre um dizer e não dizer
Desde a tese (2011)6, quando analisamos as Metáforas de Lula,
temos nos debruçado sobre a noção da metáfora e seu trabalho de
deslizamento de sentidos do ponto de vista discursivo. Daí o interesse
em trazer esta questão a partir do conceito que formulamos na pesquisa
de doutorado para, agora, pensar o direito de ser esquecido e o direito
de ser lembrado.
Considerando que ambas as propostas colocam em relação um dizer
e um não dizer, conforme as SDrs de 1 a 5, observamos o modo como
o texto da lei é afetado por um imaginário que concebe o poder de as
palavras preencherem o espaço do vazio, ao passo que sua ausência
representaria um lugar em branco.
Neste efeito de sentido, em que a palavra pode ser retirada de cenário
para dar lugar ao vazio, a crença à letra da lei se reafirma na SDr 1,
considerando-se possível voltar à história de um indivíduo e reescrevê-
la, determinando não só o uso que é dado aos fatos pretéritos, mas
também o modo e a finalidade com que são lembrados. Este desejo, em
alguns momentos, se mistura aos domínios semânticos da internet, aos
modos de uma vontade realizada pelo simples toque de um botão, como
aponta a SDr 7, retirada do Recurso relatado pelo Ministro Luiz Felipe
Salomão7:
SDr 7: (...) em recente palestra proferida na Universidade de
Nova York, o alto executivo da Google Eric Schmidt, afirmou
que a internet precisa de um botão de delete. (Recurso Especial
nº 1.335.153-RJ (2011/0057428-0)).
Nesta SDr, vemos, no desejo pela tecla delete, o sentido do jurídico
se misturando aos da internet em nome da mesma vontade ou ilusão de,
com facilidade de um toque, apagar registros da rede.
A proposta da CNV também é atravessada por este imaginário em
relação à palavra que viria agora, a partir das audições dos envolvidos
na ditadura, preencher um vazio; o desejo de que a palavra viria
reconstruir a história (SDr 5) deste período no Brasil, preenchendo a
lacuna deixada pelos dizeres, à época, interditados. Trabalham estes
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sentidos os desejos de, conforme nossas materialidades, esclarecimento
dos casos (SDr 2), localização e identificação dos corpos (SDr 3),
reconstruir a história (SDr 5), não repeti-la e se reconciliar com ela
(SDr 4).
Pensando estes efeitos de sentido, que trabalham afetados por um
imaginário de que a palavra preencheria o lugar do vazio e de que,
inversamente, sua ausência seria um não sentido, neste primeiro
momento, poderíamos ler este deslizamento do seguinte modo:
a) em relação ao direito de ser esquecido:
do pleno/saturado para o silêncio/interditado
b) em relação ao direito de ser lembrado:
do silêncio/interditado para o pleno/saturado
Ou seja, no primeiro caso, parte-se do pressuposto de que o
sentido das palavras já divulgadas na rede em um determinado
momento do passado migrariam para o espaço do vazio, para que as
informações prejudiciais à dignidade da pessoa humana ou à sua
privacidade fossem deletadas dos arquivos da máquina e, assim,
apagadas da memória dos demais usuários. Já, no segundo caso, os
dizeres que sofreram a interdição da ditadura, que foram silenciados
naquele momento, seja pela tortura, pela ameaça, pela força dos atos
institucionais, migrariam, agora, para o espaço do poder dizer,
promovendo o preenchimento necessário das lacunas do passado.
A partir de tais efeitos, a metáfora trabalharia numa relação entre
elementos de oposição comutáveis, intercambiáveis, cujos sentidos
operariam na relação interditado/saturado. Todavia, este entendimento
situa a metáfora no terreno do senso comum: figura de linguagem que
estabelece relações de similitude entre palavras (mesmo que neste caso
sejam de oposição), pela ideia paralela entre os termos. Funciona aí,
portanto, a ilusão de que a presença de palavras trabalha o pleno e sua
ausência, o vazio.
Pêcheux e Fuchs (1997 [1975]), relendo os trabalhos da AAD 69 e
refletindo se as substituições mudam ou não os sentidos, admitiram que,
no início, “estas substituições eram necessariamente índices de
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equivalência, em outros termos, que as n seqüências de um domínio
constituem n formas semânticas equivalentes de uma mesma
proposição, no sentido lógico do termo” (1997, p.211).
Pensada nesta dualidade, o funcionamento da metáfora não faz
intervir as condições históricas, sociais e ideológicas de um e outro
momento do deslizamento e assim também não considera o modo como
a memória que os atravessa vai além de um caráter temporal.
Courtine (2009) levanta um problema central para esta questão: “o
da definição de critérios permitindo determinar as ‘orientações’ entre
comutáveis (2009, p.191). Conforme o autor, esta concepção inicial de
paráfrase desenvolvida por Pêcheux pressupunha uma noção de
identidade semântica entre as formulações, e a trazemos aqui porque,
neste momento, as substituições simétricas funcionavam, segundo
Pêcheux e Fuchs (1997), no nível da metáfora, designada como uma
metáfora adequada (um termo por outro). Ou seja, a metáfora era
pensada como uma substituição simétrica, atuando num trabalho de
equivalência a partir da seguinte definição: “A é contextualmente
sinônimo de B, ou então, é uma sua metáfora adequada (e
reciprocamente para B em relação a A)” (1997, p.212). Neste caso, a
metáfora adequada da AAD 69 seria o resultado de uma comparação
“perfeita” de elementos com características em comum.
Nesta revisita, Pêcheux e Fuchs (1997) apresentam duas
contribuições importantes: a primeira, em observar que a definição dos
pontos de comparação como algo natural é, antes, bastante arbitrária; e
a segunda se coloca, particularmente, em saber “se a identidade ou a
não-identidade entre dois “conteúdos” deve revestir-se da mesma
significação, quaisquer que sejam estes conteúdos” (1997, p.216). Ou
seja, Pêcheux e Fuchs reconhecem que a questão é mais complexa,
considerando que os fenômenos semânticos de substituição “não se
reduzem, de qualquer maneira, a uma ‘identidade da interpretação
semântica’” (1997, p.218).
Estas questões nos ajudam a pensar que o deslizamento dos pares
saturado/interditado e interditado/saturado trabalham uma noção de
metáfora reduzida a fenômenos semânticos equivalentes, a partir do
jogo opositivo esquecer/lembrar como elementos comutáveis. Todavia,
no funcionamento do discurso, esta possibilidade do dizer saturado (a
não ser enquanto ilusão) e a garantia de que o silêncio é ausência de
sentido precisa ser problematizada. Em AD, nem tudo pode ser dito,
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assim também o silêncio não significa a ausência de sentido. Conforme
Orlandi (2007), o silêncio:
(...) não é o nada, não é o vazio sem história. É o silêncio
significante. (...) possibilidade para o sujeito de trabalhar sua
contradição constitutiva, a que o situa na relação do ‘um’ com o
‘múltiplo’, a que aceita a reduplicação e o deslocamento que nos
deixam ver que todo discurso sempre se remete a outro discurso
que lhe dá realidade significativa. (2007, p.23-24).
Sendo assim, consideramos que os pares esquecer/lembrar,
vazio/palavra, silêncio/palavra, dizer/não dizer, saturado/interditado,
do ponto de vista discursivo, não são termos que se opõem, um não é o
sentido contrário do outro, o que reafirma que os sentidos da metáfora
não se justificam no que cada palavra, a priori, à luz de uma semântica
geral, significa. Por isso, julgamos que é preciso fazer intervir os
pressupostos da AD para explicar porque, para nós, é impossível pensar
que os sentidos trabalham em determinados lugares e não em outros
pela força de políticas de memórias ou mesmo pela vontade soberana
do sujeito.
Para dizer o que, então, observamos no funcionamento da metáfora
a partir de nosso corpus, trazemos antes algumas questões sobre sujeito,
memória e esquecimento.
2. O sujeito de direito(s)
Falar em sujeito na AD é retirá-lo do seu espaço de dono do dizer,
de origem em si, de autonomia diante da língua e do real. É, conforme
Pêcheux (2011, p.156), deixá-lo de pensar como eu-consciência mestre
do sentido para reconhecê-lo como assujeitado ao discurso. A forma-
sujeito pela qual o sujeito se identifica com a FD vai, porém, segundo
Pêcheux (1988), mascarar este assujeitamento, esta determinação, ao
absorver-esquecer o interdiscurso no intradiscurso, organizando, desse
modo, “a unidade (imaginária) do sujeito, sua identidade presente-
passada-futura” (1988, p.167). Se o sujeito aparece como senhor de seu
discurso é somente enquanto unidade imaginária, o que o autor vai
chamar de efeito ideológico elementar (1988, p.153), expressão trazida
de Althusser para tratar a própria condição de ser sujeito no mundo.
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Esta ilusão do sujeito como origem está ao lado de uma outra: a
ilusão do sentido como reflexo do real. Estas duas questões são tratadas
pelo autor como esquecimento nº 1 e nº 2: o primeiro, da ordem do
inconsciente e afetado pelo ideológico, nos dá a ilusão de estarmos na
origem do dizer. Trata-se do apagamento produzido pela ideologia, que,
ao mesmo tempo em que nos toma, nos esconde sua “captura”; e o
segundo, da ordem da língua, conforme Pêcheux (1988), representa o
processo segundo o qual “todo sujeito-falante ‘seleciona’ no interior da
formação discursiva que o domina, isto é, no sistema de enunciados,
formas e seqüências que nela se encontram em relação de paráfrase”
(1988, p.173).
Estes dois esquecimentos nos constituem sem que tenhamos pleno
acesso sobre seu funcionamento. É assim que julgamos que somos a
origem do que dizemos (esq. nº 1), esquecendo-nos de que retomamos
o tempo todo sentidos já-lá, bem como julgamos que nossa fala
estabelece relação direta com nossos pensamentos (esq. nº 2).
Com isso, vimos que o acobertamento da causa do sujeito no próprio
interior de seu efeito, tratados pela noção de esquecimento, não tem a
ver com uma falta de memória, com o esquecido, mas sim com sua
constituição enquanto sujeito do/no discurso, causando-lhe a ilusão do
eu sei o que estou dizendo, eu sei do que estou falando (PÊCHEUX,
1988, p.174).
Desse modo, a forma-sujeito de cada FD é, portanto, um efeito e não
a origem e, neste trabalho, interessa-nos pensar sobre o modo como nos
identificamos à forma-sujeito histórica do capitalismo, compreendo-
nos como livres e responsáveis, de direitos e deveres: um sujeito-de-
direito conforme Haroche (1992, p.30). É desse modo que somos
individualizados pelo Estado, que, para “garantir” nossos direitos,
antes, conforme a autora, nos faz uniformes, regulares, determinados,
previsíveis e mensuráveis (1992, p.30). É assim que as práticas jurídicas
contribuem silenciosamente com as práticas de individualização do
Estado (ORLANDI, 2005)8, ao mesmo tempo em que mascaram ao
sujeito os efeitos do jurídico na sua subjetividade, em outras palavras,
simulando ao sujeito que ele não é controlável. Esta determinação,
segundo Orlandi (2005), nos leva a tratar de maneira complexa a
questão do sujeito, da ideologia e da resistência “como algo que não se
dá apenas pela disposição privilegiada de um sujeito que então poderia
ser livre e só não o é por falta de vontade” (2005, p. 4,5).
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Guardadas as diferenças, é preciso problematizar o modo como as
políticas de memória, que atravessam ambos os direitos tratados aqui,
trabalham este sujeito responsável e esta memória como um arquivo de
lembranças a ser acessado, pois, conforme Pêcheux (2006), não há
identificação plenamente bem sucedida, o que o leva a dizer que todo
ritual está sujeito à falha, à incompletude, aos apagamentos, à
contradição. Olhar para isso é poder encontrar vestígios do
funcionamento da ideologia no sentido.
Pensando a questão do sujeito em AD, vimos que o esquecimento
do direito ao esquecimento não é da mesma natureza que os
esquecimentos 1 e 2, no sentido de que, neste caso, não seria possível
controlar plenamente aquilo de que se pode lembrar, aquilo de que se
pode esquecer. Aliás, é preciso justamente esquecer para que os
sentidos sejam lembrados e retomados como nossos, intervindo a partir
de um já-lá do interdiscurso. Enfim, esquecer para lembrar, o que aqui
não representa uma relação opositiva, binária, em que as palavras se
equivaleriam. Desse modo, só podemos falar em alguma relação, mas
de funcionamento bem distinto, do seguinte modo: o direito de ser
esquecido é compreendido como uma garantia ao sujeito justamente
porque este, desconhecendo o funcionamento de sua dupla
determinação (esquecimentos 1 e 2), crê-se protegido pelo Estado, que,
ao lhe garantir o direito à privacidade, apaga as contradições do social
e do jurídico, fazendo crer que, pelo toque de um delete, sejam apagadas
suas informações, e não só: que este apagamento deixe de produzir
sentido.
Trabalha aí uma vontade onipotente do sujeito de direito em, a partir
da retirada de seus dados da internet ou de outras formas de mídia,
controlar a memória da sua vida e a memória dos outros sobre sua vida.
Esta “garantia” apaga ao sujeito as contradições de que é causa e
este apagamento não deixa de produzir sentidos, o que nos ajuda a
problematizar as políticas de memória. Ou seja, a crença do abrigo da
lei mascara ao sujeito o modo como o sistema capitalista o impulsiona
à mercantilização de sua imagem. Os dados de qualquer usuário da
internet hoje formam arquivos que são negociados por grandes
empresas e retornam o tempo todo a estes clientes/consumidores no
formato de vendas e ofertas. Estamos expostos ao mundo da internet,
por isso o desafio jurídico em encontrar formas de proteção ao sujeito
que, paradoxalmente, se vende o tempo todo na rede. Nas palavras de
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Gadet e Pêcheux (2004), é a língua de madeira do direito se enroscando
com a língua de vento da publicidade e da propaganda (2004, p.23).
Outra contradição que se mascara é o próprio de toda atividade
jurídica, que é feita de palavras, de entendimentos dos operadores, o
que aparece ao sujeito como efeito da pura aplicação da lei a cada caso.
Estas contradições são apagadas pelo efeito da ideologia e é assim que
nos identificamos a dizeres como:
SDr 8: Quem pretende ir à Justiça com a intenção de apagar essas
marcas negativas do passado pode invocar o direito ao
esquecimento. 9
SDr 9: Ninguém é obrigado a conviver para sempre com erros do
passado. (Quarta Turma do STJ).10
SDr 10: Essa é a origem da teoria do direito ao esquecimento,
consagradora do right to be let alone, ou seja, do direito a
permanecer sozinho, esquecido, deixado em paz (Rogério Fialho
Moreira, desembargador do Tribunal Regional Federal da 5ª
Região).11
SDr 11: As pessoas têm o direito de ser esquecidas pela opinião
pública e pela imprensa. (Guilherme Magalhães Martins, Autor do
Enunciado 531, o promotor de Justiça do Rio de Janeiro).12
Apesar de nos identificarmos com esta garantia de tutela pelo direito
ao esquecimento, isso não apaga as contradições a que estamos
expostos. Por exemplo, as relações de poder que entram em jogo na
hora de um julgamento sobre a procedência ou não do pedido de
retirada de dados da internet, ou o argumento a favor deste direito,
trazido na SDr 1, como condição de ressocialização de um ex-detento,
o que sabemos que vai muito além do peso de sua memória. Ou seja,
ignoram-se (e não é por descuido), a partir de uma garantia de
igualdade, as desigualdades que nos constituem. Do ponto de vista da
AD, ignoram-se as determinações ideológicas e materiais que atingem
a memória e que, justamente por isso, não se deixa engendrar por
determinações legais.
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A problematização que fazemos em torno dos trabalhos da CNV é
de outra ordem, mas não deixa de passar pelo modo como somos
afetados aí também por uma ideia de memória que se deixaria
organizar.
Do mesmo modo que o esquecimento do primeiro direito não é da
mesma ordem que os esquecimentos 1 e 2, também o esquecimento que
a CNV busca conter e/ou impedir, ao voltar aos fatos do passado e
contá-los de novo, não o é. Isso não diminui, em absoluto, sua proposta,
que, conforme Indursky (2013), “está produzindo um trabalho
importante que consiste em não deixar os fatos ocorridos durante a
ditadura militar caírem no esquecimento” (2013, p.341). Todavia,
compreendendo que este esquecimento que a CNV procura conter está
determinado pelo funcionamento dos esquecimentos 1 e 2, passamos a
entender esta volta à história fora da ilusão de agora, então, ser possível,
efetivamente, se fazer justiça e se reconciliar com o passado. Eis a
contradição com a qual precisamos lidar.
O sujeito aqui também se identifica à proteção do Estado, que, neste
momento, abre-lhe a possibilidade de dizer, quando antes o negou,
todavia, dadas as condições de produção de todo e qualquer discurso,
que é regulado não somente por força da censura de um regime de
governo, é importante pensar que, mesmo com a condição de dizer de
agora, a interdição se dá de diferentes modos, exigindo, por sua vez,
que o sujeito, ainda assim, resista e diga.
Fazendo intervir a contradição na assunção do sujeito interpelado,
esquecimento ganha, para nós, um caráter poroso e litigioso, pelo modo
como haverá sempre, em torno dele, uma luta por palavras a tentarem
garanti-lo ou impedi-lo.
Julgamos que problematizar este sujeito diante dos dois direitos
tratados aqui pode ajudar a pensar nas formas de individualização pelo
Estado e o modo como, a partir da contradição, da falha, encontram-se
vias de resistência aos meios que regulam o dizer. Com isso, não
conseguimos nos colocar, conforme Pêcheux (2006), fora do jogo ou
fora do Estado, mas nos posicionar diante de uma história que não é o
relato fiel de um tempo, mas sempre uma “disciplina de interpretação”
(2006, p.42).
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MEMÓRIA, ESQUECIMENTO E O FUNCIONAMENTO DA METÁFORA
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3. A memória que se esburaca
Nas materialidades que trouxemos até aqui, a história significa como
um conjunto de fatos a que se pode voltar/não voltar, uma memória
compreendida como um depósito cognitivo de acumulados do passado,
aonde podemos retornar ou para deletar certos arquivos ou para trazer
de volta novas informações que possam nos ajudar a reconstruí-lo.
Bom, podemos e não podemos fazer isso.
Podemos ser atendidos juridicamente pelo direito ao esquecimento,
mas não podemos acreditar que os “apagados” deixem de produzir
sentidos; do mesmo modo, podemos voltar aos momentos de chumbo
da ditadura e tentar reconstruir a história, desde que compreendamos
que, conforme Pêcheux (2006), a história é interpretação e, portanto, a
verdade nunca deixa passar mais do que sua metade, conforme o poema
que abre estes escritos.
Importante ressaltar, conforme o autor, que isso não elimina em nada
nosso desejo pelas coisas-a-saber (2006, p.43), o desejo pela verdade
dos acontecimentos, pela história a que se pode ter acesso no mundo
dos livros. Sem dúvida, a história da ditadura deve ser recontada longe
da ameaça da captura, da tortura, da asfixia do não dizer, mas
precisamos entender este retorno como um processo de interpretação,
sujeito a recortes, fragmentos, esquecimentos, interdições que
continuam afetando o dizer. São outras as condições de produção hoje,
todavia não estão isentas das dificuldades que se colocam às
investigações da CNV: documentos queimados ou que não aparecem,
restos mortais dispersos e decompostos, traições da memória, traumas
que impedem o tudo dizer, enfim, interesses diversos para os quais o
calar é necessário. Além disso, há mesmo o esquecimento que precisa
acontecer: não podemos de tudo lembrar e muita coisa precisa, de fato,
ficar no passado.
A história que reclama interpretação não nos fornece a felicidade das
coisas-a-saber, como fazem muito bem, conforme Pêcheux (2006), o
Estado e as instituições; “polos privilegiados de resposta a esta
necessidade” (2006, p.34), por isso nos organizam, nos segmentam, nos
massificam. A história que pensamos aqui está subordinada ao fato de
que:
(...) todo discurso é o índice potencial de uma agitação nas
filiações sócio-históricas de identificação, na medida em que ele
Andréia da Silva Daltoé
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constitui ao mesmo tempo um efeito dessas filiações e um
trabalho (mais ou menos consciente, deliberado, construído ou
não, mas de todo modo atravessado pelas determinações
inscientes) de deslocamento no seu espaço (2006, p.56).
Nesta movência, a memória distingue-se de Achard (2010), que a
apresenta a partir do par implícito/explícito, cujas repetições “estão
tomadas por uma regularidade” (2010, p.14). Pêcheux (2010), na
mesma obra Papel da Memória, interroga: “a questão é saber onde
residem esses famosos implícitos, que estão ‘ausentes por sua presença’
na leitura da seqüência: estão eles dispostos na memória discursiva
como em um fundo de gaveta, um registro do oculto?” (2010, p.52).
Do ponto de vista da AD, a resposta à pergunta (que já vem na
própria pergunta) seria não, não há este escondido da memória, onde se
armazenam fatos do passado, trazidos ao presente, ou não, pela vontade
do sujeito. Não estamos falando, conforme Indursky13 (2011, p.71), de
uma memória cuja regularização lhe comanda, permitindo que os
discursos sejam retomados e repetidos. Repetir em AD, segundo a
autora, “não significa repetir palavra por palavra algum dizer, embora
frequentemente este tipo de repetição também ocorra. Mas a repetição
também pode levar a um deslizamento, a uma ressignificação, a uma
quebra do regime de regularização dos sentidos” (2011, p.71).
Por este motivo, conforme Pêcheux (2010),
[...] uma memória não poderia ser concebida como uma esfera
plena, cujas bordas seriam transcendentais históricos e cujo
conteúdo seria um sentido homogêneo, acumulado ao modo de
um reservatório: é necessariamente um espaço móvel de
divisões, de disjunções, de deslocamentos e de retomadas, de
conflitos de regularização... Um espaço de desdobramentos,
réplicas, polêmicas e contra-discursos (2010, p.56).
Há um já-lá, um antes no dizer que vem pela memória, que traz as
marcas de um tempo, de uma história, mas isso não é linear, nem
cronológico, aparece, conforme Pêcheux (1988), “como um processo
não-unificado, atravessado por desigualdades e por contradições”
(1988, p.275). São estas contradições que intervêm no político e que
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permitem o espaço do aberto, dos sentidos outros, apesar de que,
conforme Corten (1999), “a narrativa do poder determina,
efetivamente, o fechamento do espaço ‘político’ (1999, p.40).
Os trabalhos da CNV, sem dúvida, podem recuperar informações
que permitirão uma nova possibilidade de leitura do passado, mas não
como o encontro com a verdade inteira, do tudo que agora será dito,
pois, desse modo, segundo Fonseca (2013), a leitura tende “à
ingenuidade ou à obsessão quando não percebe que determinadas faltas
e apagamentos merecem ser vistas não como falhas ou acidentes de
percurso, mas enquanto materializações de um outro ritual que nos
remete à esquivocidade dos sujeitos, à sua prática política” (2013, p.59).
É, então, a partir destas considerações que fizemos sobre sujeito,
esquecimento, memória e história que compreendemos a metáfora. E a
ela voltamos.
4. Quando a metáfora se estilhaça: um ritual que falha
Ao questionarmos anteriormente o deslizamento entre os pares
pleno/silêncio no funcionamento da metáfora, queríamos alertar para o
modo como não víamos ali uma relação que justificasse o simbólico, o
político, o ideológico. Fazendo intervir estas questões, o que observamos no
funcionamento de ambos os direitos é um deslizamento que não trabalha
este nível do relacional, do linear. No caso do direito ao esquecimento,
mesmo marcado pela página em branco da internet, este dizer, ou
melhor, o não dizer, não deixa de produzir sentidos, efeitos de memória,
logo, o vazio é saturado e este silêncio significa.
Assim, a crença no deletar da SDr 7 atua senão enquanto ilusão, uma
vez que o sentido e a memória não se deixam engendrar. Este suposto vazio
dá lugar a outros sentidos, como apresenta a SDr a seguir, retirado do Jornal
espanhol El País14 sobre consequências do direito ao esquecimento:
SDr 12: O denominado efeito Streisand, como se denomina
quando a tentativa de silenciar algo termina por torná-lo ainda
mais conhecido. (18/07/2014).
Com isso, questionamos também a ideia de interditado/saturado das
SDrs a seguir, retiradas de depoimentos à Comissão Estadual da
Verdade (CEV)15 Paulo Stuart Wright de SC, na cerimônia de
Andréia da Silva Daltoé
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Audiência Pública em Florianópolis em Homenagem a P. S. Wright,
que dá nome à Comissão:
SDr 13: Nós queremos a verdade, nós não vamos aceitar nada
menos que a verdade.
SDr 14: Que esta comissão da verdade seja realmente de verdade.
A partir das SDrs 13 e 14, observamos o efeito do saturado da verdade.
Portanto, do mesmo modo que o silêncio no direito de ser esquecido não
significa vazio, também aqui os sentidos não deslizam do silêncio para o
tudo. Se o silêncio está neste deslizamento é tanto no antes quanto no depois,
como fundante (ORLANDI, 2006). Os sentidos podem sempre ser outros
e, conforme Pêcheux (2011), “construir ‘o’ sentido da história arrisca ao
mesmo tempo em fixá-la em uma eternidade administrativa” (2011, p.160-
161). É preciso, portanto, suportar os sentidos no plural e, no caso dos
levantamentos de informações que a CNV está possibilitando, entender que
este processo sofrerá determinações que afetam sempre o trabalho de um
dizer por outro: o trabalho da metáfora. Portanto, conforme o autor,
precisamos frustrar nosso desejo de uma historicidade homogênea e
“suportar a categoria da contradição” (2011, p.161), tal como se apresenta
na SDr a seguir, que traz o depoimento de um ex-preso político ouvido
pela CEV de SC, ao defender os trabalhos da Comissão Popular da
Verdade:
SDr 15: Senhores da burguesia, nós haveremos não com a
comissão da verdade, que não vai apurar nada, com a comissão
da anistia, que é uma farsa. Enganam-se aqueles que pensam que,
do seio do estado terrorista, vai surgir uma comissão que vai
apurar a verdade.
Diferente de outros muitos depoimentos, bem como do que prevê a
Lei que institui a Comissão, nesta SDr, podemos verificar como a
contradição se marca, fazendo ouvir outros sentidos possíveis que vão
problematizar a própria verdade da CNV.
A partir dessas considerações, vimos que a metáfora ganha um outro
tratamento, que não se limita a observar a relação estabelecida entre
dois termos por relações de similitude, num trabalho linear de um antes
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e de um depois, até porque a memória que intervém no dizer, para a
AD, não trabalha nesta correspondência.
É porque, segundo Indursky (2007), “certos sentidos que são
constituídos a partir de uma determinada interpelação/identificação, a
partir de um certo momento, podem ser questionados e um sentido pode
tornar-se um outro” (2007, p.170), que se instaura a instabilidade, a
heterogeneidade no interior de uma língua. No caso da representação
que fizemos anteriormente, de um sentido passar do pleno para o vazio
ou do vazio para o pleno, não estávamos ainda lidando com esta
heterogeneidade de que fala Indursky, pois, para que isso seja possível,
precisamos lidar com as condições de produção desse dizer e confrontar
as evidências do discurso com sua opacidade, com os
desentendimentos, com as contradições, com as possibilidades de o
sentido ser sempre outro, construindo-se, como história, não mais do
que um efeito de relato, conforme Corten (1999, p.49), em meio à
concorrência de outras tantas versões narrativas.
Nessa perspectiva, metáfora não é tratada como um sentido
figurado, decorrente de uma base linguística, mas como, segundo
Pêcheux (1988), um “processo sócio-histórico que serve como
fundamento da ‘apresentação’ (donation) de objetos para sujeitos, e não
como uma simples forma de falar que viria secundariamente a se
desenvolver com base em um sentido primeiro, não-metafórico” (1988,
p.132).
Sendo assim, o deslizamento promovido pela metáfora não se
justifica na superfície da língua, a partir da qual um dizer é tomado,
substituído por outro. Conforme Pêcheux (1988) “‘uma palavra por
outra’ é a definição da metáfora, mas é também o ponto em que o ritual
se estilhaça no lapso (e o mínimo que se pode dizer é que os exemplos
são abundantes, seja na cerimônia religiosa, no processo jurídico, na
lição pedagógica ou no discurso político” (1988, p.301).
Concebendo a metáfora como constitutiva do sentido e determinada
pelas condições de produção que promovem o encontro de uma
memória e de uma atualidade, é que consideramos o direito de ser
esquecido e o direito de ser lembrado a partir do tratamento teórico que
demos à noção de Metáfora Discursiva (MD) na tese: “a substituição de
um sentido por outro, justificada no interdiscurso e materializada no
intradiscurso sob a forma de uma estrutura metafórica” (DALTOÉ,
2011, p.138).
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No caso do direito de ser esquecido, a MD trabalha sim a relação
entre um antes e um agora, mas não significa que, neste deslizamento,
o sentido passe para o espaço onde nada mais será dito ou significado.
O interdiscurso estará neste depois também perfurando o espaço “em
branco”, atualizando o não dizer no dizer. De aproximada maneira, no
direito de ser lembrado, a MD produz um efeito de novo, um novo que
guarda os vestígios do passado: um já outro da história.
Para nós, é por este motivo que o silêncio também é espaço de
resistência, resistência da língua que também não se deixa engendrar
por determinações de individualização pelo Estado e é, a partir desta
irrupção de sentidos que escapam às determinações do poder, que se
abrem brechas para sentidos e sujeitos outros, que resistem.
A memória convocada por este tratamento da MD representa,
conforme Pêcheux, uma divisão da identidade material do enunciado,
fazendo com que “sob o ‘mesmo’ da materialidade da palavra abre-se
então o jogo da metáfora, como outra possibilidade de articulação
discursiva...” (2010, p. 53). Diferentemente das relações parafrásticas,
que se dão num plano horizontal, no nível do enunciado, a metáfora
funciona, conforme Pêcheux, como uma “espécie de repetição vertical,
em que a própria memória esburaca-se, perfura-se antes de desdobrar-
se em paráfrase” (2010, p.53).
Ou seja, não se trata de retornar ao mesmo dizer e recolocá-lo – é o
não-idêntico que trabalha aí, em que a memória é ressignificada,
sofrendo o efeito dos furos de sua retomada. Segundo Pêcheux, isto
produz um “efeito de opacidade (correspondente ao ponto de divisão do
mesmo e da metáfora), que marca o momento em que os ‘implícitos’
não são mais reconstrutíveis” (2010, p.53). Por isso, entendemos a MD,
aos modos de Pêcheux (2011), como um curto-circuito simbólico, que
“se produz entre dois termos sem que nenhum discurso justificativo o
subentenda: as explicações e as justificações virão após” (2011, p.159),
dado o modo como se justificam no interdiscurso.
No caso dos dois direitos analisados, temos pistas do funcionamento
da MD, em cuja materialidade, conforme Orlandi (2010), “o real
histórico faz pressão, fazendo que algo irrompa nessa objetividade
material contraditória (ideologia)” (2010, p.67), ao trabalhar as relações
de repetição/transformação. Não estamos, com isso, negando, no caso
da CNV, o papel da memória também enquanto lembrança de fatos,
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cujos depoimentos podem esclarecer e ajudar a montar este outro modo
de contar a “mesma” história. Todavia, sejam todos os dados
levantados, é preciso entender esta repetição de memória, conforme
Courtine (2006), como uma repetição vertical, em que se repete
também:
(...) um não-sabido, um não-reconhecido, deslocado e
deslocando-se no enunciado: uma repetição que é ao mesmo
tempo ausente e presente na série de formulações: ausente porque
ela funciona aí sob o modo do desconhecimento, e presente em
seu efeito, uma repetição na ordem de uma memória lacunar ou
com falhas (2006, p.21).
Entre o mesmo e o diferente, algo se move e o mesmo já é outro, o
que faz com que o deslizamento dos sentidos entre um enunciado X e
um enunciado Y produza um efeito de memória, não porque estaria
recuperando um discurso de outro momento passado, mas porque faz
trabalhar uma memória que atinge uma atualidade e se justifica pela
força das condições materiais em que se dá.
Conforme Indursky (1999), este é o funcionamento da memória
discursiva, que “promove o encontro de práticas passadas com uma
prática presente” (1999, p.174) e que, segundo Pêcheux (2010): “seria
aquilo que, face a um texto que surge como acontecimento a ler, vem
restabelecer os ‘implícitos’ (quer dizer, mais tecnicamente, os pré-
construídos, elementos citados e relatos, discursos-transversos, etc.) de
que sua leitura necessita: a condição do legível em relação ao próprio
legível” (2010, p.52).
Nesse sentido, a MD promove uma ressignificação/desestabilização,
que, pelo deslizamento de sentido que provoca, guarda algo da
memória, ao mesmo tempo em que a faz aparecer de outro modo, em
outro lugar. Queremos observar esta proposta a seguir, tomando de
empréstimo uma metáfora trazida por Indursky (2013, p. 42) no
Posfácio As outras vozes e as feridas ainda abertas à reedição de seu
livro, quando ela trata dos trabalhos das Clínicas do Testemunho: a
escuta da dor. Voltamos ao Recurso do Ministro Salomão16 na parte
que trata do tema desta peça jurídica:
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SDr 16: No caso de familiares de vítimas de crimes passados, que
só querem esquecer a dor pela qual passaram em determinado
momento da vida, há uma infeliz constatação: na medida em que
o tempo passa e vai se adquirindo um “direito ao esquecimento”,
na contramão, a dor vai diminuindo, de modo que, relembrar o
fato trágico da vida, a depender do tempo transcorrido, embora
possa gerar desconforto, não causa o mesmo abalo de antes (grifo
nosso).
Neste Recurso, o sujeito enunciador da SDr 16 vota contra o pedido
de reparação de danos feito pela família de Ainda Curi, morta em 1958,
contra a TV Globo Ltda, por ter explorado o caso no Programa Linha
Direta-Justiça. A partir desta materialidade, podemos observar que o
direito de ser esquecido, enquanto garantia à dignidade da pessoa
humana, está subordinado ao trabalho de interpretação que não está
isento das relações de força, de poder, que atingem todo dizer. É com
este material, a língua, que se legisla, se decide e se justifica que a dor
de antes não é a dor de agora.
Pensando a metáfora da escuta da dor e o funcionamento da MD,
consideramos que não se trata aqui de pensar o deslizamento de uma
dor maior para uma menor, ou comparar ambas as dores, mas de
relacioná-las às determinações ideológicas que as atingem e as fazem
não ser tratadas como sentidos que se substituem simplesmente.
Em relação à CNV, a escuta da dor, como um sentido que desliza,
pode ser pensada a partir de inúmeros significantes, mas queremos aqui
trazê-la a partir da metáfora do corpo, este corpo que se procura para
ser enterrado e por cujo direito familiares e amigos lutam até hoje. Um
corpo que, para nós, pode representar, como efeito de sentido, também
uma presença que vem preencher uma ausência. Vejamos:
SDr 17: Não é dado o direito de enterrar os mortos. (Anita,
CEV/SC)17.
SDr 18: O desaparecimento é um crime continuado. (Derlei
Catarina de Luca, CEV/SC)18.
Podemos observar nestas SDrs, que a dor de antes e a dor de
agora não significam necessariamente que, mesmo encontrando-se
O DIREITO DE SER ESQUECIDO, O DIREITO DE ER LEMBRADO:
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novas pistas e até o próprio corpo (e o livro-relatório Direito à Memória
e à Verdade da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos
Políticos (2007) vem para confirmar o quanto isso é difícil), que esta
dor se amenizasse e produzisse o fechamento desta história. Em alguma
medida, sem dúvida, encontrar o corpo representaria uma forma de
justiça, mas não se trata de um deslizamento de uma falta a uma
presença que abrandaria as feridas: a dor continua a doer e dificilmente
se pode fazer as pazes com um passado de tortura.
Mesmo que este corpo seja encontrado, sua presentificação não
atingiria o tudo poder dizer, não tamponaria a dor por completo, nem
traria a verdade dos fatos, ao mesmo tempo em que, em não aparecendo,
esta ausência significa, significa a dor que persiste. E vamos sempre
lutar pelo direito de enterrar nossos mortos.
A questão do corpo, em sua presença/ausência, portanto, não
trabalha numa relação de oposição, não há deslizamento que saia do
nada para o tudo, da dor para a alegria. Haverá sempre o sentido da dor.
Esta metáfora do corpo pode ajudar a pensar a própria ilusão pela
verdade da CNV: mesmo que ela aconteça, tal como trabalha nosso
desejo do tudo querer saber, seria sempre uma construção pela palavra,
sujeita às brechas do sentido, sujeito aos dizeres que não se deixam
dizer barrados pelo trauma. Haverá sempre verdade no plural, neste
caso, no mínimo: a dos torturados e a dos torturadores.
Vejamos isso, passando a dizeres de uma FD antagônica a dos
direitos humanos: a FD do regime militar, a partir do depoimento de
Paulo Malhães (P.M), coronel reformado do exército, à CNV,
respondendo a quantas pessoas teria matado:
SDr 19: Tantos quantos foram necessários. (P.M.)19.
E, ao ser perguntado por que não entregavam os corpos, o sujeito
enunciador justifica:
SDr 20: Porque era o senhor deixar um rastro, e isso não foi
técnica nossa, foi técnica aprendida. (P.M.)20.
Ao ver o vídeo deste depoimento, a metáfora da escuta da dor se
transforma, inevitavelmente para nós, em a dor da escuta a partir do
modo como P.M. responde, de forma bastante tranquila, aos
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questionamentos da Comissão sobre como torturavam e
descaracterizavam os presos antes de serem jogados no rio.
Do lado deste sujeito enunciador, esta é a sua verdade, daí ele
mesmo dizer que a CNV é apenas “meia comissão da verdade” e,
perguntado sobre arrependimento, ele reafirma:
SDr 21: Eu cumpri meu dever. [CNV: Não tem arrependimento?]
Não, eu não tinha outra solução. (...) isso era feito normalmente,
eu acho que todos os serviços de informações faziam. (P.M.) 21.
A SDr 21 significa o modo como o sujeito enunciador se identifica
à FD do regime militar e se reconhece no papel que desempenha na
posição-sujeito de torturador. Em seu depoimento, em mais de uma vez,
ele se defendia, dizendo que este trabalho era um trabalho como outro
qualquer e ele o fazia do melhor modo porque devia obediência às
forças armadas. Isso reafirma o modo como o sujeito se reconhece no
processo de individualização de um Estado que regia à força, no modo
como se identifica à FD que o determina até hoje e à posição que
ocupava.
Nestas condições, tortura, morte, abuso sexual, ditador, violência
são palavras que assumem um sentido litigioso em relação ao que
significam em uma FD antagônica: a dos direitos humanos, com a qual
se identificam as vítimas e todos que se horrorizam com este passado.
As casas de tortura, por exemplo, no depoimento do coronel, são
designadas como: casa de Petrópolis, sistema de informações, casa de
conveniência, lugar para ganhar os presos22. Ou seja, conforme Barthes
(2004) “as mensagens ou os significantes têm um único sentido, que é
o certo” (2004, p.111). A próxima SDr aponta para este litígio, quando
o presidente da CNV, advogado Dr. José Carlos Dias, perguntou a P.
M. se o presidente Médici, e Dias acrescenta, o ditador, sabia desses
fatos. A resposta foi:
SDr 22: Não era ditador, era presidente. (P.M.)23.
Estas materialidades reafirmam o entendimento que trouxemos aqui
de memória, que, segundo Orlandi (2010), atua “como um espaço
móvel de divisões, de disjunções, de deslocamentos e de retomadas, de
conflitos de regularização. Um espaço de desdobramentos, réplicas,
O DIREITO DE SER ESQUECIDO, O DIREITO DE ER LEMBRADO:
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polêmicas e contra-discursos” (2010, p.65), marcado a seguir pela
resposta de Dias a P.M.:
SDr 23: O senhor chama de presidente, eu chamo de ditador. (J.
C. Dias)24.
Este litígio em torno da palavra, nos termos de Rancière (1996), não
cessará e segue construindo a história, a nossa história. E é assim
mesmo que precisamos enfrentá-la, como uma disciplina de
interpretação, como um cenário que se mostra sempre pela meia porta
da verdade de Drummond. É nessa perspectiva que a metáfora trabalha,
estabelecendo relações, conforme Rancière, entre “coisas que não têm
relação, é fazer ver junto, como objeto do litígio, a relação e a não-
relação” (1996, p.52).
Considerações finais
No texto Maio de 1968: os silêncios da memória (2010), Orlandi
trabalha a falha como constitutiva da memória e do esquecimento, mas
também trata da falta, uma falta por interdição, daquilo que é tirado do
sentido para não significar, provocando, desse modo, furos, buracos na
memória para que os sentidos censurados não formem um já-dito: “há
faltas – e não falhas” (2010, p.65).
Para nós, a CNV precisará lidar com falhas e também com faltas,
pois a interdição ao dizer se marca de outros modos fora do regime
militar, mas continua. É preciso se dispor a isso e interpretar a história,
caso contrário, segundo Indursky (2013), esta recusa “implica
amordaçar aqueles que desejam e clamam por justiça” (2013, p.340),
bem como impede a explicitação política da tortura de que trata Orlandi
(2010).
Problematizar esta memória é significá-la agora de um outro modo,
trazendo o que está fora dela, conforme Orlandi (2010), “como uma sua
margem que nos aprisiona nos limites dos sentidos. O que está fora da
memória não está nem esquecido nem foi trabalhado, metaforizado,
transferido. Está in-significado, de-significado” (2010, p.66). É preciso
ressignificar este passado.
Serão, pois, sentidos re-inscritos num agora que apontam para o
modo como é preciso esquecer para dizer e é preciso dizer para
lembrar, num trabalho em que memória e esquecimento não deslizam
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do vazio para o pleno, do nada para o tudo, mas que funcionam pelo
modo como a língua e o sujeito precisam ser expostos às contradições
que os determinam, fazendo intervir o político, o histórico, o
ideológico.
É preciso enfrentar esta escuta e aceitar que as palavras teimam em
dizer mesmo quando ali não estão. E, como eu já trouxe na tese: como
é importante a possibilidade de dizer de novo, dizer de outro modo.
Acrescento agora: como é importante dizer quando antes não se podia.
E como é necessário esquecer e lembrar.
Notas
1 In: BUCAR, Daniel. Controle temporal de dados: o direito ao esquecimento.
Civilistica.com. A. 2. N. 3. 2013. 2 In: http://s.conjur.com.br/dl/direito-esquecimento-acordao-stj-aida.pdf> Acesso em
25/07/2014. 3 In: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12528.htm>
Acesso em 10/07/2014. 4 In: http://www.cnv.gov.br/index.php/institucional-acesso-informacao/a-cnv/57-a-
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pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul – UFRGS. 7 In: http://s.conjur.com.br/dl/direito-esquecimento-acordao-stj-aida.pdf> Acesso em
10/07/2014. 8 Conferência II SEAD: O Sujeito Discursivo Contemporâneo: um exemplo. In:
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25/07/2014. 10 In: http://atualidadesdodireito.com.br/blog/2013/10/22/o-direito-de-ser-deixado-em-
paz/ 11 Idem. 12 Idem. 13 Artigo A memória na cena do discurso. In: INDURSKY, F.; MITMANN, Solange;
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10/07/2014. 17 Trecho extraído da carta que Anita, sobrinha de P. S. Wright, que dá nome à CEV de
SC, fala sobre o tio, deputado de SC, que teve seu mandato cassado com a instauração
do Ato Institucional nº 5. In: http://www.youtube.com/watch?v=qYKU2tOoGLU>
Acesso em 10/07/2014. 18 Derlei C. De Luca é membro da CEV/SC. Idem. 19 In: http://www.youtube.com/watch?v=T7oSIE5pm3Y > Acesso em 20/07/2014. 20 Idem. 21 Idem. 22 Ganhar os presos significava convencê-los a se infiltrar de volta nos movimentos
chamados revolucionários e, então, delatar seus companheiros de luta aos militares. P.
M. diz que esta foi a arma que ganhou a guerra. 23 Idem. 24 Idem.
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Palavras-chave: esquecimento, memória, discurso
Keywords: forgetfulness, memory, discourse