o direito da criança e do adolescente a convivência comunitária

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0 direito da criança e do adolescente à convivência comunitária: o ministério das cidades na institucionalização das políticas de combate à segregação socioespacial urbana Benedicto de Vasconcellos Luna Gonçalves Patrão * 1. INTRODUÇÃO C onstituindo uma interseção imperativa com o Direito à Convivência Famili ar1 , que pode ser caracterizado como sendo o direito intersubjetivo da criança e do adolescente ao convívio familiar, seja pela manutenção do vínculo com sua família ou - quando isto se mostrar não aconselhável - pelo incentivo à convivência : com uma substituta, o Direito à Convivência Comunitária igualmente está previs- to no artigo 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente e no artigo 227 da Consti- tuição Federal2. Na buscar de seu significado, verificamos que o convívio da criança e do adolescente não deve ocorrer somente no ambiente em que os componentes do núcleo familiar estão presentes, mas estendendo-se onde se encontram os membros da comunidade, como forma de fomentar o sentimento de pertencimento3 frente a uma determinada realidade espacial. : Especificamente em relação à convivência na urbe, a expressão “espaço público ur- bano”, utilizada no decorrer do presente artigo, será adotada para identificar os espaços tradicionais de uso comum nas cidades, tais como ruas, praças, calçadas, e parques. São nestes espaços de convivência social que a criança e o adolescente, ao interagirem com outras e também com adultos de diferentes crenças, etnias e classes sociais, aprendem a se relacionar e a respeitar as regras de convívio, em especial a solidariedade4. Por isso, assim como a proteção do espaço doméstico é de suma importância para a efetivação do Direito à Convivência Familiar, a coexistência da criança e do adolescente no espaço “exofamiliar” sob o fundamento de que tal inter- relacionamento propiciaria o pleno desenvolvimento de suas potencialidades5, tam- bém ganha igual e especial relevância. C onfluênoas - Revista Interdisciplinar be Sociologia e D ishto .V ùl . 1\, n * 2 ,2010 - pv. 141 a 151. 141

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ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente e a segregação socioespacial.

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  • 0 direito da criana e do adolescente convivncia comunitria: o ministrio das cidades na institucionalizao das polticas de combate segregao socioespacial urbanaBenedicto de Vasconcellos Luna Gonalves Patro *

    1. INTRODUO

    Constituindo uma interseo imperativa com o Direito Convivncia Famili ar1, que pode ser caracterizado como sendo o direito intersubjetivo da criana e do adolescente ao convvio familiar, seja pela manuteno do vnculo com sua famlia ou - quando isto se m ostrar no aconselhvel - pelo incentivo convivncia

    : com um a substituta, o Direito Convivncia Comunitria igualmente est previsto no artigo 19 do Estatuto da Criana e do Adolescente e no artigo 227 da Constituio Federal2. Na buscar de seu significado, verificamos que o convvio da criana e do adolescente no deve ocorrer somente no ambiente em que os componentes do ncleo familiar esto presentes, mas estendendo-se onde se encontram os membros da comunidade, como forma de fomentar o sentimento de pertencim ento3 frente a uma determinada realidade espacial.

    : Especificamente em relao convivncia na urbe, a expresso espao pblico urbano, utilizada no decorrer do presente artigo, ser adotada para identificar os espaos tradicionais de uso comum nas cidades, tais como ruas, praas, caladas, e parques. So nestes espaos de convivncia social que a criana e o adolescente, ao interagirem com outras e tam bm com adultos de diferentes crenas, etnias e classes sociais, aprendem a se relacionar e a respeitar as regras de convvio, em especial a solidariedade4. Por isso, assim como a proteo do espao domstico de suma importncia para a efetivao do Direito Convivncia Familiar, a coexistncia da criana e do adolescente no espao exofamiliar sob o fundam ento de que tal inter- relacionamento propiciaria o pleno desenvolvimento de suas potencialidades5, tam bm ganha igual e especial relevncia.

    C o n flu n o a s - R e v is ta I n t e r d i s c ip l in a r b e S o c io lo g ia e D is h t o .V l . 1 \ , n * 2,2010 - pv. 141 a 151.1 4 1

  • Neste aspecto, a busca peio usufruto equitativo do ambiente urbano, alcanado pela tutela dos elementos que compem o direito cidade 6, afianar o ideal de convvio articulado de ambos os lados da cidade partida. Para tanto, a criao do Ministrio das Cidades, ao ocupar um vazio institucional que retirava o Governo Federai da discusso sobre a poltica pblica e o destino dos centros urbanos, pode ser considerada uma im portante iniciativa na mitigao dos fatos impeditivos da fruio do espao, inaugurando um novo padro no planejamento das cidades.

    Sob este aspecto, portanto, que o presente trabalho ser desenvolvido. Para tanto, considerando que a segregao socioespacial constitui um dos fatores impeditivos para a utilizao do espao pblico e, conseqentemente, para a efetividade do Direito Convivncia Comunitria da Criana e do Adolescente, analisaremos o papel do Ministrio das Cidades na institucionalizao das polticas pblicas de combate s questes urbanas.

    2. PROBLEMAS URBANOS: A SEGREGAO SOCIOESPACIAL DA CRIANA E DO ADOLESCENTE

    O espao, em especial o urbano, de uso pblico e multifuncional7, ganha relevante destaque na formao da criana e do adolescente, de tal m odo que, estando impedidos de freqentar o ambiente comunitrio, em razo da desordem citadina, os mesmos deixam de observar as mudanas que ocorrem na cidade como um todo. Isto tem efeitos devastadores na prpria dinmica urbana, pois devemos entender e sentir a cidade atravs de seus espaos de uso comum* de tal forma que, quanto mais diversificado for a utilizao dos logradouros, praas, caladas e parques, atravs da apropriao do local pblico10, mais seguro e propcio convivncia os mesmos se tornam ".

    Ao mencionar o Direito Convivncia Comunitria, verificamos a judicializao dos laos comunitrios, mediante a apropriao de espaos diversos do familiar, de tal forma a propiciar o pleno desenvolvimento da criana e do adolescente, conforme ensina CLUDIA OLIVEIRA12:

    trabalhando o corpo no espao pblico que a criana conhece e participa da dinmica do viver na cidade, do encontro com a natureza. Na relao com esse espao ela aprende a medir, em cada movimento, distncia, fora e velocidade. A cultura da sociedade aprendida pela criana no espao e no tempo por observao e imitao, brincando, trocando experincias, criando vnculos com outras crianas e com adultos de diversas classes sociais, eliminan-

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  • do barreiras segregacionistas, desenvolvendo a solidariedade e promovendo a socializao. Estes espaos precisam ser estimulantes, vivos, com diversos tipos de materiais, cores, alturas, formas e texturas. O ambiente prazeroso propicia a socializao. Num espao adequado, as crianas se sentiro respeitadas enquanto suas usurias e futuras cidads e tambm o respeitaro, pois ele o seu espao. Um espao pblico bem projetado criar nas crianas o gosto pela cidade.

    No caso das cidades, devemos destacar a importncia de serem criadas condies favorveis para o usufruto eqitativo do ambiente de convivncia, por meio de polticas pblicas voltadas para tal fim. Para tanto, o Poder Pblico necessita propiciar, dentre outras, melhorias nas condies de mobilidade urbana entre os diversos espaos pblicos existentes na cidade, na medida em que a convivncia em ambientes diversos e multifuncionais, sob a tica da criana e do adolescente, estimula os sentidos e o movimento, enriquecem a mente e a criatividade, permitem o contato com a natureza e com outras pessoas.

    Atualmente, contudo, nem todos vivenciam a atmosfera pblica, fazendo com que os gestores urbanos, responsveis em fornecer espaos sustentveis, desempenhem importante papel no processo de formao da criana e do adolescente. Verificamos, neste sentido, que so nas grandes cidades que a criana e o adolescente, inseridos nas classes sociais mais elevadas, j no utilizam adequadam ente o espao pblico, h m uito substitudo pelos segregados ambientes privados dos condomnios fechados ou clubes recreativos de classe mdia, que acarretam mudanas na percepo e explorao do territrio. De forma ainda mais insalubre, por bvio, os menores das camadas menos favorecidas comumente habitam o interior de guetos urbanos favelizados, no raro incrustados nos bairros nobres das grandes cidades ou localizados nas periferias, desprovidos dos investimentos pblicos mnimos, imprescindveis para a adequada construo do espao de convivncia.

    Para EDSIO FERNANDES, este ltimo fenmeno pode ser assim descrito:

    Na maioria dos casos, a excluso social tem correspondido tambm a um processo de segregao territorial, j que os indivduos e grupos excludos da economia urbana formal so forados a viver nas precrias periferias das grandes cidades, ou mesmo em reas centrais que no so devidamente urbanizadas. Dentre outros indicadores da poderosa combinao entre excluso social e segregao territorial - mortalidade infantil; incidncia de doenas; grau de escolaridade; acesso a servios, infra-estrutura urbana e equipamentos coletivos; existncia de reas verdes, etc. -, dados recentes indicam

    u aireito a criana e do adolescente convivncia comunitria: o minist 'reio das cidadesna institucionalizao das polticas de combate sgregao socioespacial urbana

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  • ucitcuiLiu uc LuiuiuviKjun t o i u u v

    que cerca de 600 milhes de pessoas nos pases em desenvolvimento vivem atualmente era situaes insalubres e perigosas. Excluso social e segregao territorial tm determinado abaixa qualidade de vida nas cidades, bem como contribudo diretamente para a degradao ambiental e para o aumento da pobreza na sociedade urbana.1'

    Ao no possibilitar a revitalizao e a readequao dos espaos pblicos para a convivncia da criana e do adolescente, as questes urbanas - dentre elas algumas que formam o trip estruturante da problematizao que o Ministrio das Cidades est inserido (mobilidade, moradia e saneamento ambiental) - constituem barreiras para a concretizao do Direito Convivncia Com unitria. Portanto, resta claro que adoo de solues para a superao da pobreza urbana, por meio de p o lticas de m o ra d ia e san eam en to am b ien ta l, ro m p e com o pa rad ig m a segregacionista, ao constiturem medidas de fundamental relevncia na garantia das condies mnimas de fruio do espao convivacional.

    3. A ESTRUTURA DA POLTICA URBANA: A CRIAO DO MINISTRIO DAS CIDADES.

    A partir da Constituio Federal de 1988 que o papel do Municpio ganha notria relevncia. no Municpio, sendo a instncia mais visvel e prxima da populao, que mais facilmente a criana e o adolescente encontraro guarida na proteo do ambiente urbano.

    De fato, a proximidade da comunidade confere aos Municpios melhores condies de apreender os anseios dos habitantes da cidade, por meio de aes efetivas e coerentes, conforme ensina Dria14:

    (...) nenhum Municpio uma ilha no sentido social. Num mundo cada vez mais internacionalizado, no qual foras econmicas e movimentos culturais atuam cada vez mais livremente, sem respeitar sequer as barreias internacionais, a vida dos Municpios s tem sentido como parte de conjuntos sociais cada vez mais amplos, nacionais e internacionais. no nvel do Municpio, no entanto, que o indivduo se reladona socialmente de forma mais visvel, transparente; no Municio o cidado tem sua casa, recebe os servios pblicos, tem vizinhos concretos. Assim, o processo de democratizao e integrao social s pode avanar se envolver decisivamente a vida municipal.

    A questo envolvendo a tutela da convivncia comunitria, portanto, est inegavelmente baseada na obrigatoriedade do Municpio em efetivar solues voltadas

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  • para a revitalizao e a readequao dos espaos, buscando resguardar o direito da criana e do adolescente cidade. Nesta empreitada devemos nos valer das normas urbansticas, seja de origem constitucional (por meio dos artigos 182 e 183, ambos da CF/88), ou de estirpe infraconstitucional, como o Estatuto da Cidade (lei n 10.257/01), no intuito de alcanar o pleno desenvolvimento das funes sociais da cidade. O Plano Diretor, no contexto, est inserido como o principal instrumento que fornece ao poder pblico municipal instrumentos para o desenvolvimento urbano sustentvel e melhoria da qualidade de vida de todos os cidados, em especial das crianas e dos adolescentes, que merecem distinta ateno do Estado.

    A criao do Ministrio da Cidade, em cooperao de desgnios com o Municpio, vem ao encontro da perspectiva de garantir o direito cidade, por meio do fom ento de uma poltica nacional de desenvolvimento urbano, que visa garantir o adequado suporte institucional efetiva implementao do Estatuto da Cidade. Neste sentido, ERMINIA MARICATO15 considera que a criao do Ministrio das Cidades um novo marco na reestruturao da poltica urbana nacional, ocupando o vazio institucional que retirava o governo federal da discusso sobre a poltica urbana e o destino das cidades"5.

    Transmutamos, portanto, o antigo paradigma da elaborao de planos e projetos a partir dos nveis superiores da representao poltica, de vis tecnocrtico e excludente da participao local e popular, pela primazia do planejamento municipal, baseado na gesto democrtica, em cooperao com os demais entes da federao. No obstante a imprescindvel atuao do gestor municipal, o Governo Federal, por meio do Ministrio da Cidade - que visa fomentar polticas pblicas centradas na melhoria das condies de habitao, saneamento ambiental (gua, esgoto, drenagem e coleta e destinao de resduos slidos) e mobilidade urbana (trnsito) - passa tambm a ter destacado papel na superao do atual quadro segregacionista, ao conferir diretrizes e bases institucionais para a melhoria das condies condignas de utilizao do espao pblico.

    Com efeito, ao destacar que a poltica urbana no Brasil depende essencialmente de um esforo de cooperao federativa observando o prim ado da gesto democrtica das cidades - incontroverso que o planejamento das cidades constitui um ato estruturado de mobilizao entre os entes da federao e os vrios segmentos da sociedade. Contribuiramos, com isso, para a boa governana, ao destacar a legitimidade e relevncia do Ministrio das Cidades na elaborao de diretrizes gerais e

    \j oireito aa criana e do adolescente convivncia comunitria: o mirst'reio das cidadesna institucionalizao das polticas de combate sgregao socioespacial urbana

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  • suporte institucional que promova a incluso socioespacial da criana e do adolescente, por meio da articulao, implantao e implementao - em parceria com todas as esferas do Poder Pblico e com a sociedade - de programas e aes destinados a universalizar o acesso da populao habitao digna, ao saneamento ambiental e mobilidade, que dada pela racionalizao do trnsito e transporte pblico.

    4. CONCLUSO

    A questo envolvendo as relaes mantidas entre a criana e o adolescente no espao pblico urbano antiga e paradoxal. Ao mesmo tempo em que sempre foi considerada a sntese da vida cotidiana das cidades, a utilizao do espao pblico, como ambiente convivacional por excelncia, sempre suscitou diversas resistncias. Triaga da violncia domstica, ocupado essencialmente pela infncia perdida, o espao pblico, historicamente, foi visto como local de perigo social, de tal forma que, os jovens que a indevidamente transitassem, deveriam ser corrigidos e integrados ao universo do trabalho, por meio das medidas de internao impostas no Cdigo Mello Mattos (1927) e pelo Cdigo de Menores (1979).

    Porm, as mudanas que ocorreram a partir da segunda metade do sculo passado, sejam nos valores culturais e econmicos, bem como nos aspectos polticos e sociais da sociedade moderna ocidental17, refletiram na Constituio Federal de 1988, tornando-se essencial vislumbrar, a partir de ento, o significado da juridicidade em algo sensvel a qualquer modificao da realidade em volta18. Diante dos desejos da sociedade m oderna em buscar novas alternativas para assegurar a felicidade pessoal de cada um de seus componentes, o prprio ordenamento jurdico, receptculo das alteraes sociais, conferiu ampla efetividade aos princpios constitucionais.

    No caso do Direito Convivncia Comunitria, verificamos que a integrao dos valores constitucionais nas relaes intersubjetivas, atravs da constitucionalizao dos vrios ram os do direito19, imps uma nova roupagem ao prprio fundamento da famlia20 contextualizada no ambiente urbano. Especificamente em relao criana e ao adolescente, hodiernam ente entendidos como sujeitos de direito, que merecem especial ateno da famlia, sociedade e Estado2', podemos destacar a relevncia da convivncia co m u n it r ia no espao p b lico -u rbano , inserida na conceituao de direito cidade, justamente por ser considerado como sendo o espao preferencial de convvio.

    Para tanto, verificamos a necessidade da adequao do espao, como meio de alcanarmos o ajuste bsico para a formao das futuras geraes. Neste sentido, de

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  • monstramos no presente artigo a relevncia do Ministrio das Cidades, em cooperao de escopos como o poder municipal, em garantir quilo necessrio para a insero da criana e do adolescente no espao pblico convivacional, atravs de prestaes positivas que visem oferecer, ao menos, a quantidade mnima de direitos sociais, sem aos quais os mesmos no tm condies de afastar o atual quadro de segregao socioespacial.

    Afinal, como afirma Ermnia Maricato22:

    O Ministrio das Cidades no pretende ignorar essa orientao de descentralizao, mas, ao contrrio, reafirm-las capacitando tecnicamente as prefeituras para melhor exerc-]as. J comeou a faz-lo por meio de programas e aes relacionadas elaborao de Planos Diretores, modernizao das informaes cadastrais e cartogrficas, regularizao das terras irregulares, preveno ocupao de reas de risco de desmoronamentos, educao para o trnsito, elaborao de polticas para favelas, coleta e destinao sustentvel do lixo, entre muitos outros. Essa tarefa de capacitao de quadros tcnicos e modernizao da administrao municipal pretende criar um movimento institucional e tambm social de modernizao administrativa que unifique esforos pblicos e privados em torno de rumos e diretrizes que superem a falta de informaes sobre a prpria realidade local (poucos municpios brasileiros tem seus cadastros atualizados e cobram regulamente o IPTU) e a definio de planos.

    NOTAS

    * Advogado e Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Famlia - IBDFAM. Especialista em Direito Civil-Constitucional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UER], Mestrando em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ

    1. MACIEL, Ktia Regina Ferreira Lobo Andrade. Direito Fundamental Convivncia Familiar, in: Curso de Direito da Criana e do Adolescente: Aspectos Tericos e Prticos. Rio de Janeiro: Lmen Juris, 2007, p. 61).

    2. Segundo o artigo 227 da Constituio Federal, dever da famlia, da sociedade e do Estado assegurar criana e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito convivncia comunitria, colocando- os a salvo de toda forma de negligncia, discriminao, explorao, violncia, crueldade e opresso. Considerando a importncia do ambiente na formao da criana e do adolescente, a questo envolvendo a tutela da convivncia comunitria est inegavelmente baseada na obrigatoriedade do Poder Pblico, em especial o Municpio, com fulcro no artigo 182 da Constituio Federal, efetivar polticas pblicas voltadas para a revitalizao e a readequao dos espaos pblicos, buscando resguardar a qualidade de vida dos jovens. Por essa razo, no obstante o dever da famlia, no sentido de proporcionar um ambiente aconchegante e vivo para que se sintam acolhidas, e da sociedade, atravs da gesto democrtica da cidade, o Estado, principalmente o Municpio, o principal

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  • responsvel em salvaguardar o direito fundamental da criana e do adolescente convivncia comunitria, j que especialmente na cidade que devem ser fornecidos os espaos pblicos dignos para que deles as crianas possam fazer uso, exercitando sua cidadania na plenitude constitucional.

    3. Ana Lcia Amaral, citando Weber, afirma que a sensao de pertencimento significa que precisamosnos sentir como pertencentes a tal lugar e ao mesmo tempo sentir que esse tal lugar nos pertence, e que assim acreditamos que podemos interferir e, mais do que tudo, que vale a pena interferir na rotina e nos rumos desse tal lugar (AMARAL, Ana Lcia.Texto que pode ser acessado pelo seguinte endereo eletrnico: http://www.esmpu.gov.br/dicionario/tiki-indcx.php?page=Pertencimento, acesso em 17 de setembro de 2008)

    4. ????

    5. O principal objeto de nosso estudo a inter-relao da criana e do adolescente no espao pblico urbano, por entendermos que a criana e o adolescente, ao no freqent-lo, no propicia a socializao, comprometendo o seu adequado desenvolvimento (OLIVEIRA, Cludia. O Ambiente Urbano e a Formao da Criana. So Paulo: Aleph, 2004 p. 70}. Contudo, o espao convivacional da criana e do adolescente tem outras importantes vertentes, em especial o espao de cortvivncia na escola, a ser abordado em outra oportunidade, diante da complexidade do tema.

    6. Rosngela Lunardelli Cavallazzi afirma que o Direito cidade, definido como o usufruto eqiiitativo das cidades dentro dos princpios de sustentabilidade e justia social, compreendido como um direito coletivo dos habitantes das cidades, em especial dos grupos vulnerveis e desfavorecidos que lhes confere a legitimidade de ao e de organizao com base nos seus usos e costumes, para obterem o pleno exerccio do direito a um padro de vida adequado. (...) O direito cidade interligado e interdependente a todos os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, concebidos integralmente; inclui, portanto, direito terra, aos meios de subsistncia, ao trabalho, sade, educao, cultura, moradia, proteo social, segurana, ao meio ambiente sadio, ao saneamento, ao transporte pblico, ao lazer e informao. Inclui tambm o direito liberdade de reunio e organizao, o respeito s minorias e pluralidade tnica, sexual e cultural; o respeito aos imigrantes e a garantia da preservao de herana histrica e cultural. (...) Este direito pressupe a interdependncia entre populao, recursos, meio ambiente, relaes econmicas e qualidade de vida para as presentes e futuras geraes. Implica em mudanas estruturais profundas nos padres de produo e consumo e nas formas de apropriao do territrio e dos recursos naturais. Referncia construo de solues contra os efeitos negativos da globalizao, da privatizao, da escassez dos recursos naturais, do aumento da pobreza mundial, da fragilidade ambiental e suas conseqncias para a sobrevivncia da humanidade e do planeta (CAVALLAZZI, Rosngela Lunardelli, O Estatuto Epistemolgico do Direito Urbanstico Brasileiro: Possibilidades e Obstculos na Tutela do Direito Cidade, in Revistas Magister de Direito Ambiental e Urbanstico, 13a edio, Ago/Set-2007. Porto Alegre: Editora Magister, 2007).

    7. A multifuncionalidade da cidade um princpio informador da mesma, na medida em que a cidade acolhe simultaneamente vrias funes complexas, desenvolvendo uma pluralidade de diferenas (diferentes culturas, tipologias de ocupao de espao urbano, classes sociais, idades e vulnerabilidades, profisses e ofcios).

    8. No Brasil, a urbanizao intensiva j transformou estruturalmente a ordem socioeconmica e redesenhou a ocupao do territrio nacional, tendo provocado impactos ambientais comparveis

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  • aos efeitos de grandes catstrofes naturais. Cerca de 80% da populao brasileira - de um totai de 165 : milhes - vive atualmente nas cidades, sobretudo nas reas metropolitanas (FERNANDES, Edsio. Op. Cit.).

    9. Para Jane Jacobs, a imagem que temos em relao determinada cidade diretamente proporcional quilo que apreendemos de suas ruas. Assim sendo, se as ruas de uma cidade parecem interessantes, a cidade parecer interessante; se elas parecerem montonas, a cidade parecer montona (JACOBS, Jane. Morte e Vida nas Grandes Cidades. So Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 29).

    10. Segundo Jacobs, a existncia de um nmero substancial de estabelecimentos e outros locais pblicos, dispostos ao longo das caladas, um requisito bsico de vigilncia, acarretando em maior segurana, na medida em que permite que as pessoas, tanto moradores, quanto estranhos, tenham motivos concretos para utilizar os locais onde esses estabelecimentos se encontram (JACOBS, Jane. Op. Cit.).

    11. Jacobs aponta, como trao caracterstico das cidades, o feto de estarem sempre repletas de estranhos, afirmando que os mesmos so benficos, fazendo a cidade mais divertida, desde que a rua esteja bem preparada para lidar com eles, atravs de uma boa e eficaz demarcao de reas provadas e pblicas e um suprimento bsico de atividades e olhos ( JACOBS, Jane. Op. Cit., p. 41 ).

    12. (OLIVEIRA, Cludia. Entrevista concedida Mnica Herculano, jornalista do portal do GIFE - Grupo de Institutos Fundaes e Empresas, que pode ser acessado pelo seguinte endereo eletrnico:http://www.gife.org.br/redegifeonline_noticias.php?codigo=849 &tamanho deteIa=3&tipo=ie, acesso em 17 de setembro de 2008).

    13. FERNANDES, Edsio. Direito Urbanstico e Poltica Urbana no Brasil: uma introduo, in: Direito Urbanstico e Poltica Urbana no Brasil. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.

    14. DRIA, Og. Municpio; O Poder Local. So Paulo: Pgina Aberta, 1992, p. 15.

    15. Professora Titular e Presidente da Comisso de Pesquisa da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de So Paulo.

    16. (MAR1CATO, Erminia Terezinha Menon. Entrevista concedida Revista aU, que pode ser acessado pelo seguinte endereo eletrnico: http://vvww.revistaau.com.br/arquitetura-urbanismo/156/ imprime44395.asp, acesso em 30 de janeiro de 2009).

    17. GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito Civil: Sucesses. So Paulo: Atlas, 2003. p.l 15.

    18. PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil: Introduo ao Direito Civil-Constitucional. Trad. Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 01

    19. Segundo Gustavo Tepedino,o Cdigo Civil perde, assim, definitivamente, o seu papel de Constituio do direito privado. Os textos constitucionais, paulatinamente, definem princpios relacionados a temas antes reservados exclusivamente ao Cdigo Civil e ao imprio da vontade: a funo social da propriedade, os limites da atividade econmica, a organizao da famlia, matrias tpicas do direito privado, passam a integrar uma nova ordem pblica constitucional (TEPEDINO, Gustavo. Premissas Metodolgicas para a Constitucionalizao do Direito Civil, in: Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 7.

    20. Neste sentido, destacam-se os ensinamentos de Heloisa Helena Barbosa, que ensina qual o novo fundamento da famlia no mundo contemporneo: Qual a funo atual da famlia ? Se certo que ela a base da sociedade, qual o papel que ela cumpre desempenhar, j que no tem mais funes precipuamente religiosa, econmica ou poltica como outrora. Qual a base que se deve dar comunidade familiar para que alcance a to almejada estabilidade, tornando-a duradoura ? Devemos

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  • reunir todas essa funes ou simplesmente considerar o seu verdadeiro e taivez nico fundamento: a comunho de afetos ?", (BARBOZA, H. H. G. Novas Tendncias do Direito de Famlia, in: Revista da Faculdade de Direito, v. 2. Rio de Janeiro: UERJ, 1994, p. 232).

    21. A solidariedade sociai reconhecida como objetivo fundamental da Repblica Federativa do Brasil, exposta no art. 3o, inciso 1, da CF/88, no sentido de buscar a construo de uma sociedade livre, justa e solidria. Por razes bvias, esse princpio acaba repercutindo nas relaes familiares, j que a solidariedade deve existir nos relacionamentos intersubjetivos. Por isso, acolho, com reservas, as palavras de Maria Berenice Dias, ao ensinar que,ao gerar deveres recprocos entre os integrantes do grupo familiar, safa-se o Estado do encargo de prover toda a gama de direitos que so assegurados constitucionalmente ao cidado, pois basta atentar que, em se tratando de crianas e adolescentes, atribudo primeiro famlia, depois sociedade e finalmente ao Estado (art. 227 da CF/88) o dever de garantir, com absoluta prioridade, os direitos inerentes aos cidados em formao (DIAS, Maria Berenice. Manual de Direitos das Famlias, 3a ed. rev., atual, e ampl. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2006). No obstante o posterior alerta da autora, no sentido de que o Estado assegurar a assistncia famlia na pessoa de cada um dos que integram, criando mecanismos para coibir a violncia no mbito de suas relaes (art. 226, 8o, da CF/88), importante destacar que, em se tratando de convivncia comunitria, cabe ao Estado, em especial ao Municpio, ser o principal responsvel pelo planejamento e execuo de poltica pblicas para o ordenamento urbano, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, objetivando ordenar o pleno desenvolvimento das funes sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, nos termos impostos pelo artigo 182 da Constituio Federal.

    22. (MARICATO, ErminiaTerezinha Menon. Endereo eletrnico: v i m usp.br/fau/depprojeto/labhab/ biblioteca/textos/maricato_mincidades.pdf, acesso em 30 de janeiro de 2009).

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    BARBOZA, H. H. G. Novas Tendncias do Direito de Famlia, in Revista da Faculdade de Direito, v. 2. Rio de Janeiro: UERJ, 1994.

    CAVALLAZZI, Rosngela Lunardelli, O Estatuto Epistemolgico do Direito Urbanstico Brasileiro: Possibilidades e Obstculos na Tutela do Direito Cidade, in Revistas Magister de Direito Ambiental e Urbanstico, 13a edio, Ago/Set-2007. Porto Alegre: Editora Magister, 2007.

    DIAS, Maria Berenice. Manual de Direitos das Famlias, 3a ed. rev., atual, e ampl. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2006

    DRIA, Og. Municpio; O Poder Local. So Paulo: Pgina Aberta, 1992.

    FERNANDES, Edsio. Direito Urbanstico e Poltica Urbana no Brasil: uma introduo, in Direito Urbanstico e Poltica Urbana no Brasil. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.

    GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito Civil: Sucesses. So Paulo: Adas, 2003.

    MACIEL, Ktia Regina Ferreira Lobo Andrade. Direito Fundamental Convivncia Familiar, in Curso de Direito da Criana e do Adolescente: Aspectos Tericos e Prticos. Rio de Janeiro: Lmen Juris, 2007.

    OLIVEIRA, Cludia. O Ambiente Urbano e a Formao da Criana. So Paulo: Aleph, 2004.

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  • ___________________Entrevista concedida Mnica Herculano, jornalista do portal doGIFE - Grupo de Institutos Fundaes e Empresas, que pode ser acessado pelo seguinte endereo eletrnico: http://www.gife.org.br/ redegfeonline_noticias.php?codigo=849&tamanhodetela=3&tipo=ie, acesso em 17 de setembro de 2008).

    JACOBS, Jane. Morte e Vida nas Grandes Cidades. So Paulo: Martins Fontes, 2003.

    MARICATO, Erminia Terezinha Menon. Entrevista concedida Revista aU, que pode ser acessado pelo seguinte endereo eletrnico: http://www.revistaau.com.br/arquitetura-urbanismo/156/ imprime44395.asp, acesso em 30 de janeiro de 2009.

    _____________________________________Texto publicado no endereo eletrnico:www.usp.br/fau/depprojeto/Iabhab/biblioteca/textos/maricato_mincidades.pdf, acesso em 30 de janeiro de 2009.

    PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil: Introduo ao Direito Civil-Constitucional. Trad. Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

    TEPEDINO, Gustavo. Premissas Metodolgicas para a Constitucionalizao do Direito Civil, in Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

    0 direito da criana e do adolescente convivncia comunitria: o mmist'reio das cidadesna institucionalizao das polticas de combate sgregao socioespacial urbana

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