o direito à literatura

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O DIREITO À O DIREITO À LITERATURA LITERATURA Tema - direito à literatura. Tema - direito à literatura. Base teórica – artigo “O Base teórica – artigo “O direito à literatura” de 1988. direito à literatura” de 1988. CÂNDIDO, Antônio. CÂNDIDO, Antônio. Vários escritos Vários escritos . 4. ed. Rio . 4. ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre o azul / São de Janeiro: Ouro sobre o azul / São Paulo: Duas Cidades, 2004. Paulo: Duas Cidades, 2004.

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Page 1: O direito à literatura

O DIREITO À O DIREITO À LITERATURALITERATURA

Tema - direito à literatura.Tema - direito à literatura.

Base teórica – artigo “O direito à Base teórica – artigo “O direito à literatura” de 1988.literatura” de 1988.

CÂNDIDO, Antônio. CÂNDIDO, Antônio. Vários escritosVários escritos. 4. ed. Rio de . 4. ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre o azul / São Paulo: Duas Janeiro: Ouro sobre o azul / São Paulo: Duas Cidades, 2004.Cidades, 2004.

Page 2: O direito à literatura

11 Parte do tema “direitos humanos e Parte do tema “direitos humanos e

literatura”literatura” Tece inicialmente algumas reflexões sobre os Tece inicialmente algumas reflexões sobre os

direitos humanos.direitos humanos. Possibilidade tecnológica de acabar com a Possibilidade tecnológica de acabar com a

miséria e a injustiça.miséria e a injustiça. Perspectiva esperançosa.Perspectiva esperançosa. Freud – Freud – O futuro de uma ilusãoO futuro de uma ilusão Possibilidade de acabar com toda a vida Possibilidade de acabar com toda a vida

humana.humana. Barbárie ligada à própria tecnologia.Barbárie ligada à própria tecnologia. Não se vê mais o elogio da barbárie.Não se vê mais o elogio da barbárie. O mal é praticado mas não mais proclamado.O mal é praticado mas não mais proclamado. Hannah Arendt. Hannah Arendt. A vida do espíritoA vida do espírito

Page 3: O direito à literatura

A motivação inicial das reflexões de Hannah Arendt A motivação inicial das reflexões de Hannah Arendt a respeito das atividades do espírito humano é a a respeito das atividades do espírito humano é a banalidade do mal, constatada por ela ao assistir banalidade do mal, constatada por ela ao assistir ao julgamento de Eichmann, em Jerusalém. A ao julgamento de Eichmann, em Jerusalém. A questão básica seria a possibilidade de que a questão básica seria a possibilidade de que a atividade de pensar, examinar os atividade de pensar, examinar os acontecimentos, fosse uma das condições que acontecimentos, fosse uma das condições que fizesse o homem se abster de fazer o mal. fizesse o homem se abster de fazer o mal.

E a atualidade da pergunta é impressionante. E a atualidade da pergunta é impressionante. Basta lembrarmos do episódio de 2004 em que Basta lembrarmos do episódio de 2004 em que soldados americanos, de ambos os sexos, soldados americanos, de ambos os sexos, torturaram e fotografaram prisioneiros de torturaram e fotografaram prisioneiros de guerra. Para piorar a situação, apareceram nas guerra. Para piorar a situação, apareceram nas fotos com grandes sorrisos nos lábios, ao lado de fotos com grandes sorrisos nos lábios, ao lado de suas vítimas. Antes destes acontecimentos, suas vítimas. Antes destes acontecimentos, eram considerados normais e pacatos. Será que eram considerados normais e pacatos. Será que jamais raciocinaram sobre o que estavam jamais raciocinaram sobre o que estavam fazendo? A idéia de praticar tais atos é cruel, fazendo? A idéia de praticar tais atos é cruel, mas a de registrá-los como troféus parece por mas a de registrá-los como troféus parece por demais estúpida, pois a condenação pública demais estúpida, pois a condenação pública seria imediata.seria imediata.

Page 4: O direito à literatura

Medo do rompimento do estado das Medo do rompimento do estado das coisas.coisas.

Brasil, quanto mais cresce a riqueza, Brasil, quanto mais cresce a riqueza, mais cresce a desigualdade.mais cresce a desigualdade.

Os problemas têm solução, mas Os problemas têm solução, mas ninguém se empenha de fato nesta ninguém se empenha de fato nesta solução.solução.

Até o presidente da república, na Até o presidente da república, na época José Sarney, mudou seu época José Sarney, mudou seu discurso (1º governo após os discurso (1º governo após os militares, cujo último governo foi o militares, cujo último governo foi o do General João Batista de Oliveira do General João Batista de Oliveira Figueiredo).Figueiredo).

Page 5: O direito à literatura

Por exemplo, que não é mais possível tolerar Por exemplo, que não é mais possível tolerar as grandes diferenças econômicas, sendo as grandes diferenças econômicas, sendo necessário promover uma distribuição necessário promover uma distribuição eqüitativa. É claro que ninguém se eqüitativa. É claro que ninguém se empenha para que de fato isto aconteça, empenha para que de fato isto aconteça, mas tais atitudes e pronunciamentos mas tais atitudes e pronunciamentos parecem mostrar que agora a imagem da parecem mostrar que agora a imagem da injustiça social constrange, e que a injustiça social constrange, e que a insensibilidade em face da miséria deve ser insensibilidade em face da miséria deve ser pelo menos disfarçada, porque pode pelo menos disfarçada, porque pode comprometer a imagem dos dirigentes. comprometer a imagem dos dirigentes. Esta hipocrisia generalizada, tributo que a Esta hipocrisia generalizada, tributo que a iniqüidade paga à justiça, é um modo de iniqüidade paga à justiça, é um modo de mostrar que o sofrimento já não deixa tão mostrar que o sofrimento já não deixa tão indiferente a média da opinião.indiferente a média da opinião.

Page 6: O direito à literatura

De um ângulo otimista, tudo isto poderia De um ângulo otimista, tudo isto poderia ser encarado como manifestação infusa ser encarado como manifestação infusa da consciência cada vez mais da consciência cada vez mais generalizada de que a desigualdade é generalizada de que a desigualdade é insuportável e pode ser atenuada insuportável e pode ser atenuada consideravelmente no estágio atual dos consideravelmente no estágio atual dos recursos técnicos e de organização. recursos técnicos e de organização. Nesse sentido, talvez se possa falar de Nesse sentido, talvez se possa falar de um progresso no sentimento do próximo, um progresso no sentimento do próximo, mesmo sem a disposição correspondente mesmo sem a disposição correspondente de agir em consonância. E aí entra o de agir em consonância. E aí entra o problema dos que lutam para que isso problema dos que lutam para que isso aconteça, ou seja: entra o problema dos aconteça, ou seja: entra o problema dos direitos humanos.direitos humanos.

Page 7: O direito à literatura

22 Direitos humanos: reconhecer que o Direitos humanos: reconhecer que o

que é indispensável para nós é que é indispensável para nós é indispensável para o outro.indispensável para o outro.

Direito à casa, comida, instrução e Direito à casa, comida, instrução e saúde – reconhecido.saúde – reconhecido.

Direito à Dostoievski – não Direito à Dostoievski – não reconhecido.reconhecido.

Conceito do padre Louis-Joseph Conceito do padre Louis-Joseph Lebret, sociólogo francês fundador do Lebret, sociólogo francês fundador do movimento Economia e Humanismo.movimento Economia e Humanismo.

Bens compressíveis e bens Bens compressíveis e bens incompressíveis.incompressíveis.

Page 8: O direito à literatura

Os obviamente incompressíveis: alimento, Os obviamente incompressíveis: alimento, casa, roupa.casa, roupa.

Obviamente compressíveis: cosméticos Obviamente compressíveis: cosméticos enfeites, roupas supérfluas.enfeites, roupas supérfluas.

Fronteira difícil de determinar.Fronteira difícil de determinar. ““A gente não quer só comida, a gente quer A gente não quer só comida, a gente quer

comida diversão e arte.” Titãscomida diversão e arte.” Titãs ““A liberdade é mais importante que o A liberdade é mais importante que o

pão.” Nelson Rodriguespão.” Nelson Rodrigues Ponto de vista individual: reconhecer os Ponto de vista individual: reconhecer os

direitos dos pobres aos bens materiais e direitos dos pobres aos bens materiais e das minorias à igualdade de tratamento.das minorias à igualdade de tratamento.

Ponto de vista social: leis específicas.Ponto de vista social: leis específicas. Bens incompressíveis: sobrevivência física Bens incompressíveis: sobrevivência física

e integridade espiritual.e integridade espiritual.

Page 9: O direito à literatura

Ao se pensar no futuro dos homens, todas as Ao se pensar no futuro dos homens, todas as perspectivas são negativas com relação ao perspectivas são negativas com relação ao limite dos recursos naturais. A fome, a sede, limite dos recursos naturais. A fome, a sede, a doença e a ruína, que já fazem parte do a doença e a ruína, que já fazem parte do cotidiano dos povos mais pobres, espreitam cotidiano dos povos mais pobres, espreitam todos os outros. Há um profundo todos os outros. Há um profundo desequilíbrio entre o que é realmente desequilíbrio entre o que é realmente necessário à vida e o que se gasta. Por conta necessário à vida e o que se gasta. Por conta das profundas desigualdades, as das profundas desigualdades, as comodidades não estão ao alcance da comodidades não estão ao alcance da maioria, que vive alienada dos progressos maioria, que vive alienada dos progressos que facilitariam seu cotidiano, numa que facilitariam seu cotidiano, numa situação de miséria que converte sua situação de miséria que converte sua existência em experiência trágica. Porque existência em experiência trágica. Porque enquanto a completa dimensão humana de enquanto a completa dimensão humana de qualquer pessoa for negada na prática, não qualquer pessoa for negada na prática, não pode haver nenhuma ordem construída por pode haver nenhuma ordem construída por nós que seja aceitável.nós que seja aceitável.

Page 10: O direito à literatura

Mas a fruição da arte e da literatura estaria Mas a fruição da arte e da literatura estaria mesmo nesta categoria? Como noutros mesmo nesta categoria? Como noutros casos, a resposta só pode ser dada se casos, a resposta só pode ser dada se pudermos responder a uma questão prévia, pudermos responder a uma questão prévia, isto é, elas só poderão ser consideradas bens isto é, elas só poderão ser consideradas bens incompressíveis segundo uma organização incompressíveis segundo uma organização justa da sociedade se corresponderem a justa da sociedade se corresponderem a necessidades profundas do ser humano, a necessidades profundas do ser humano, a necessidades que não podem deixar de ser necessidades que não podem deixar de ser satisfeitas sob pena de desorganização satisfeitas sob pena de desorganização pessoal, ou pelo menos de frustração pessoal, ou pelo menos de frustração mutiladora. A nossa questão básica, mutiladora. A nossa questão básica, portanto, é saber se a literatura é uma portanto, é saber se a literatura é uma necessidade deste tipo. Só então estaremos necessidade deste tipo. Só então estaremos em condições de concluir a respeito.em condições de concluir a respeito.

Page 11: O direito à literatura

33 Literatura – todas as criações de toque Literatura – todas as criações de toque

poético, ficcional ou dramático em todos os poético, ficcional ou dramático em todos os níveis de uma sociedade.níveis de uma sociedade.

Vista deste modo a literatura aparece Vista deste modo a literatura aparece claramente como manifestação universal de claramente como manifestação universal de todos os homens em todos os tempos. Não há todos os homens em todos os tempos. Não há povo e não há homem que possa viver sem povo e não há homem que possa viver sem ela, isto é, sem a possibilidade de entrar em ela, isto é, sem a possibilidade de entrar em contato com alguma espécie de fabulação.contato com alguma espécie de fabulação.

Correspondência da necessidade do sonho Correspondência da necessidade do sonho com a necessidade de um universo fabulado.com a necessidade de um universo fabulado.

Criação ficcional ou poética – mola da Criação ficcional ou poética – mola da literatura em todos os níveis e modalidades.literatura em todos os níveis e modalidades.

Page 12: O direito à literatura

Otto Ranke – mito. Literatura – sonho Otto Ranke – mito. Literatura – sonho acordado das civilizações.acordado das civilizações.

Equilíbrio psíquico com o sonho, equilíbrio Equilíbrio psíquico com o sonho, equilíbrio social com a literatura.social com a literatura.

Fator indispensável na humanização – Fator indispensável na humanização – confirma o homem na sua humanidade.confirma o homem na sua humanidade.

Na sociedade – instrumento poderoso de Na sociedade – instrumento poderoso de instrução e educação.instrução e educação.

Equipamento intelectual e afetivo.Equipamento intelectual e afetivo. Possibilidade de viver dialeticamente os Possibilidade de viver dialeticamente os

problemas.problemas. Necessidade da literatura sancionada e da Necessidade da literatura sancionada e da

literatura proscrita.literatura proscrita. Não é uma experiência inofensiva.Não é uma experiência inofensiva.

Page 13: O direito à literatura

““Ela não Ela não corrompecorrompe nem nem edificaedifica, portanto; mas, , portanto; mas, trazendo livremente em si o que chamamos trazendo livremente em si o que chamamos o bem e o que chamamos o mal, humaniza o bem e o que chamamos o mal, humaniza em sentido profundo, porque faz viver.”em sentido profundo, porque faz viver.”

O campo literário é imenso, porque imensas O campo literário é imenso, porque imensas são as possibilidades da palavra com que são as possibilidades da palavra com que lutam o poeta e o crítico. Impossível definir lutam o poeta e o crítico. Impossível definir literatura, porque definir, já sabia o velho literatura, porque definir, já sabia o velho Aurélio, é traçar limites. Mas ao mesmo Aurélio, é traçar limites. Mas ao mesmo tempo ela exige de nós uma busca tempo ela exige de nós uma busca constante, na tentativa sempre recomeçada constante, na tentativa sempre recomeçada por uma definição, definição essa que nos por uma definição, definição essa que nos foge a cada vez como a asa de uma abelha foge a cada vez como a asa de uma abelha ou como borboletas no ar. (p. 260)ou como borboletas no ar. (p. 260)

CHIAPPINI, Ligia. CHIAPPINI, Ligia. Reinvenção da catedral. Reinvenção da catedral. São Paulo, Cortez, 2005. São Paulo, Cortez, 2005.

Page 14: O direito à literatura

44 A função da literatura está ligada à A função da literatura está ligada à

complexidade da sua natureza, que explica complexidade da sua natureza, que explica inclusive o papel contraditório mas inclusive o papel contraditório mas humanizador (talvez humanizador porque humanizador (talvez humanizador porque contraditório). Analisando-a, podemos contraditório). Analisando-a, podemos distinguir pelo menos três faces.: (1) ela é distinguir pelo menos três faces.: (1) ela é uma construção de objetos autônomos uma construção de objetos autônomos como estrutura e significado; (2) ela é uma como estrutura e significado; (2) ela é uma forma de expressão, isto é manifesta forma de expressão, isto é manifesta emoções e a visão do mundo dos emoções e a visão do mundo dos indivíduos e grupos; (3) ela é uma forma de indivíduos e grupos; (3) ela é uma forma de conhecimento, inclusive como incorporação conhecimento, inclusive como incorporação difusa e inconsciente.difusa e inconsciente.

Page 15: O direito à literatura

A sua atuação se dá na confluência dos três A sua atuação se dá na confluência dos três aspectos.aspectos.

Forma.Forma. Obra literária – objeto construído.Obra literária – objeto construído. Grande poder humanizador desta construção.Grande poder humanizador desta construção. Estrutura do texto - modelo de coerência Estrutura do texto - modelo de coerência

gerado pelo poder da palavra organizada.gerado pelo poder da palavra organizada. Organização da obra literária – organização da Organização da obra literária – organização da

nossa visão de mundo.nossa visão de mundo. Tira as palavras do nada e as dispõe como todo Tira as palavras do nada e as dispõe como todo

articulado.articulado. Organização da palavra comunica-se ao nosso Organização da palavra comunica-se ao nosso

espírito e o leva a se organizar e a organizar o espírito e o leva a se organizar e a organizar o mundo.mundo.

A mensagem é inseparável do código, mas o A mensagem é inseparável do código, mas o código é a condição que assegura o seu efeito.código é a condição que assegura o seu efeito.

Page 16: O direito à literatura

O conteúdo só atua por causa da O conteúdo só atua por causa da forma. A forma traz em si, forma. A forma traz em si, virtualmente, uma capacidade de virtualmente, uma capacidade de humanizar devido à coerência humanizar devido à coerência mental que pressupõe e que sugere.mental que pressupõe e que sugere.

O caos originário se torna ordem – O caos originário se torna ordem – meu caos interior se ordena – a meu caos interior se ordena – a mensagem pode atuar.mensagem pode atuar.

Obra literária – superação do caos.Obra literária – superação do caos.

Page 17: O direito à literatura

LiraLira de Tomáz Antônio Gonzaga de Tomáz Antônio Gonzaga

Propunha-me a dormir no teu regaçoPropunha-me a dormir no teu regaçoAs quentes horas da comprida sesta;As quentes horas da comprida sesta;Escrever teus louvores nos olmeiros,Escrever teus louvores nos olmeiros,Toucar-te de papoulas na florestaToucar-te de papoulas na floresta

Na experiência de cada um estes Na experiência de cada um estes sentimentos são vagos. sentimentos são vagos.

Na expressão literária os sentimentos Na expressão literária os sentimentos passam de mera emoção a forma passam de mera emoção a forma construída, que assegura a generalidade e construída, que assegura a generalidade e permanência.permanência.

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Pois o teor [Pois o teor [GehaltGehalt] de um poema não é a mera ] de um poema não é a mera expressão de emoções e experiências individuais. expressão de emoções e experiências individuais. Pelo contrário, estas só se tornam artísticas quando, Pelo contrário, estas só se tornam artísticas quando, justamente em virtude da especificação que justamente em virtude da especificação que adquirem ao ganhar forma estética, conquistam sua adquirem ao ganhar forma estética, conquistam sua participação no universal. Não que aquilo que o participação no universal. Não que aquilo que o poema lírico exprime tenha de ser imediatamente poema lírico exprime tenha de ser imediatamente aquilo que todos vivenciam. Sua universalidade não é aquilo que todos vivenciam. Sua universalidade não é uma uma volonté de tousvolonté de tous, não é a da mera comunicação , não é a da mera comunicação daquilo que os outros simplesmente não são capazes daquilo que os outros simplesmente não são capazes de comunicar. Ao contrário, o mergulho no de comunicar. Ao contrário, o mergulho no individuado eleva o poema lírico ao universal por individuado eleva o poema lírico ao universal por tornar manifesto algo de não distorcido, de não tornar manifesto algo de não distorcido, de não captado, de ainda não subsumido, anunciando desse captado, de ainda não subsumido, anunciando desse modo, por antecipação, algo de um estado em que modo, por antecipação, algo de um estado em que nenhum universal ruim, ou seja, no fundo algo nenhum universal ruim, ou seja, no fundo algo particular, acorrente o outro, o universal humano. A particular, acorrente o outro, o universal humano. A composição lírica tem esperança de extrair, da mais composição lírica tem esperança de extrair, da mais irrestrita individuação, o universal. (irrestrita individuação, o universal. (p. 66-67)p. 66-67)

ADORNO, T. W. ADORNO, T. W. Notas de literatura INotas de literatura I. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, . São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2003.2003.

Page 19: O direito à literatura

O conteúdo, atuante graças à forma, constitui O conteúdo, atuante graças à forma, constitui com ela um par indissolúvel que redunda em com ela um par indissolúvel que redunda em certa modalidade de conhecimento.certa modalidade de conhecimento.

Humaniza.Humaniza. Exercício da reflexão, aquisição do saber, boa Exercício da reflexão, aquisição do saber, boa

disposição para com o próximo, afinamento das disposição para com o próximo, afinamento das emoções, capacidade de penetrar nos problemas emoções, capacidade de penetrar nos problemas da vida, senso de beleza, percepção da da vida, senso de beleza, percepção da complexidade do mundo e dos seres, cultivo do complexidade do mundo e dos seres, cultivo do humor.humor.

Conhecimento latente.Conhecimento latente. Conhecimento intencional; ideologia, crença, Conhecimento intencional; ideologia, crença,

revolta, adesão, etc.revolta, adesão, etc. Riscos – as mensagens só são válidas em virtude Riscos – as mensagens só são válidas em virtude

da forma que lhes dá existência como um certo da forma que lhes dá existência como um certo tipo de objeto.tipo de objeto.

Page 20: O direito à literatura

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Obras que tratam das iniqüidades sociais. Obras que tratam das iniqüidades sociais. Relação com os direitos humanos.Relação com os direitos humanos.

Castro Alves e Bernardo Guimarães.Castro Alves e Bernardo Guimarães. A eficácia humana é função da eficácia estética. A eficácia humana é função da eficácia estética.

Capacidade de criar formas pertinentes.Capacidade de criar formas pertinentes. Movimento literário – obras de qualidade alta e Movimento literário – obras de qualidade alta e

de qualidade modesta.de qualidade modesta. Romance humanitário e social do começo do Romance humanitário e social do começo do

século XIX.século XIX. Resposta da literatura ao impacto da Resposta da literatura ao impacto da

industrialização.industrialização. A miséria se tornou um espetáculo inevitável.A miséria se tornou um espetáculo inevitável. O pobre entra pela primeira vez na literatura com O pobre entra pela primeira vez na literatura com

dignidade, não mais como marginal, personagem dignidade, não mais como marginal, personagem cômico ou pitoresco.cômico ou pitoresco.

Fenômeno ligado ao Romantismo.Fenômeno ligado ao Romantismo.

Page 21: O direito à literatura

1820-1830 – aparecimento de um romance social 1820-1830 – aparecimento de um romance social com corte humanitário e toques messiânicos.com corte humanitário e toques messiânicos.

Victor Hugo – Victor Hugo – Os miseráveisOs miseráveis Pobreza, ignorância e opressão geram o crime.Pobreza, ignorância e opressão geram o crime. Crianças, mulheres, pobres.Crianças, mulheres, pobres. Charles Dickens.Charles Dickens. Órfão.Órfão. Apesar de declamatória um travo amargo resiste Apesar de declamatória um travo amargo resiste

em meio ao que envelheceu.em meio ao que envelheceu. A preocupação com os direitos humanos pode A preocupação com os direitos humanos pode

trazer uma força insuspeitada.trazer uma força insuspeitada. A literatura nos incute o senso de urgência dos A literatura nos incute o senso de urgência dos

problemas sociais.problemas sociais. Romantismo – momento relevante para os direitos Romantismo – momento relevante para os direitos

humanos na literatura.humanos na literatura.

Page 22: O direito à literatura

NaturalismoNaturalismo Émile ZolaÉmile Zola Inspirado pela colossal obra Inspirado pela colossal obra A A

Comédia HumanaComédia Humana (constituída por 89 (constituída por 89 romances, novelas e contos) de romances, novelas e contos) de Honoré de Balzac, Zola iniciou, em Honoré de Balzac, Zola iniciou, em 1871, seu grande projeto: a série 1871, seu grande projeto: a série Os Os Rougon-MacquartRougon-Macquart ( (Les Rougon-Les Rougon-MacquartMacquart) à qual deu o subtítulo de ) à qual deu o subtítulo de história natural e social de uma história natural e social de uma família sob o segundo impériofamília sob o segundo império, , composta por 20 romances de cunho composta por 20 romances de cunho naturalista, escritas entre 1871 e naturalista, escritas entre 1871 e 1893. – 1893. – GerminalGerminal 1885. 1885.

Page 23: O direito à literatura

A força política latente dos seus textos o A força política latente dos seus textos o levou à ação, tornando-o um dos maiores levou à ação, tornando-o um dos maiores militantes na história da inteligência militantes na história da inteligência empenhada.empenhada.

Assumiu posição contra a condenação Assumiu posição contra a condenação injusta do capitão Alfred Dreyfus, cujo injusta do capitão Alfred Dreyfus, cujo processo entrou em fase de revisão graças processo entrou em fase de revisão graças ao seu panfleto ao seu panfleto J’accuseJ’accuse, terminando pela , terminando pela absolvição.absolvição.

No Brasil o grande momento do romance de No Brasil o grande momento do romance de tonalidade social foi o decênio de 1930.tonalidade social foi o decênio de 1930.

Homem do povo em primeiro plano. Crítica Homem do povo em primeiro plano. Crítica corrosiva.corrosiva.

Graciliano Ramos.Graciliano Ramos.

Page 24: O direito à literatura

Então porque um sem-vergonha Então porque um sem-vergonha desordeiro se arrelia, bota-se um cabra desordeiro se arrelia, bota-se um cabra na cadeia, dá-se pancada nele? Sabia na cadeia, dá-se pancada nele? Sabia perfeitamente que era assim, perfeitamente que era assim, acostumara-se a todas as violências, a acostumara-se a todas as violências, a todas as injustiças. E aos conhecidos que todas as injustiças. E aos conhecidos que dormiam no tronco e agüentavam cipó dormiam no tronco e agüentavam cipó de boi oferecia consolações: — “Tenha de boi oferecia consolações: — “Tenha paciência. Apanhar do governo não é paciência. Apanhar do governo não é desfeita.” (p. 33)desfeita.” (p. 33)

RAMOS, Graciliano RAMOS, Graciliano Vidas secasVidas secas. 45. ed. Rio de Janeiro, . 45. ed. Rio de Janeiro, São Paulo: Editora record, 1980.São Paulo: Editora record, 1980.

Page 25: O direito à literatura

66 Relação entre a literatura e os direitos humanos Relação entre a literatura e os direitos humanos

de dois ângulos diferentes.de dois ângulos diferentes. Necessidade universal que nos humaniza. Sua Necessidade universal que nos humaniza. Sua

ausência nos mutila.ausência nos mutila. Literatura instrumento consciente de Literatura instrumento consciente de

desmascaramento.desmascaramento. Organização da sociedade restringe ou amplia a Organização da sociedade restringe ou amplia a

fruição deste bem.fruição deste bem. Brasil trata como compressíveis os bens Brasil trata como compressíveis os bens

incompressíveis.incompressíveis. Fruição segundo as classes, impedimento de Fruição segundo as classes, impedimento de

chegar às obras eruditas.chegar às obras eruditas. Distribuição eqüitativa de bens para que a Distribuição eqüitativa de bens para que a

literatura erudita deixe de ser privilégio.literatura erudita deixe de ser privilégio.

Page 26: O direito à literatura

Brasil. População analfabeta ou Brasil. População analfabeta ou quase.quase.

Não possuem o tempo de lazer Não possuem o tempo de lazer necessário à leitura.necessário à leitura.

Tiragens das obras literárias na Tiragens das obras literárias na União Soviética.União Soviética.

Maior igualdade, maior tempo de Maior igualdade, maior tempo de lazer, maior difusão humanizadora lazer, maior difusão humanizadora das obras literárias, maior das obras literárias, maior amadurecimento de todos.amadurecimento de todos.

Esforço para combater a falta de Esforço para combater a falta de oportunidades culturais.oportunidades culturais.

Page 27: O direito à literatura

Mário de Andrade chefiou o Mário de Andrade chefiou o Departamento de Cultura da Cidade de Departamento de Cultura da Cidade de São Paulo, de 1935 a 1938.São Paulo, de 1935 a 1938.

Música, bibliotecas, pesquisa que Música, bibliotecas, pesquisa que valorizava as culturas populares.valorizava as culturas populares.

Cultura popular e cultura erudita, Cultura popular e cultura erudita, corrente em dois sentidos de troca de corrente em dois sentidos de troca de influências.influências.

Intercomunicação dos níveis culturais.Intercomunicação dos níveis culturais. Passagem dos níveis populares para os Passagem dos níveis populares para os

níveis eruditos.níveis eruditos. Falta de oportunidade e não Falta de oportunidade e não

incapacidade.incapacidade.

Page 28: O direito à literatura

Experiência de Jean Géhenno: o povo Experiência de Jean Géhenno: o povo preferiu os grandes romances aos preferiu os grandes romances aos romances populistas/ panfletários.romances populistas/ panfletários.

Experiência com Machado de Assis no Experiência com Machado de Assis no ensino fundamental.Cursos noturnos do ensino fundamental.Cursos noturnos do escritor português Agostinho da Silva escritor português Agostinho da Silva sobre filósofos.sobre filósofos.

Operários de Milão preferiram aprender Operários de Milão preferiram aprender língua, literatura e violino.língua, literatura e violino.

Música e dança nas escolas. Pedidos dos Música e dança nas escolas. Pedidos dos alunos de livros de poesia nas salas de alunos de livros de poesia nas salas de leitura.leitura.

Poder universal dos grandes clássicos.Poder universal dos grandes clássicos.

Page 29: O direito à literatura

— — Se quiserem insistir na subjetividade da leitura, Se quiserem insistir na subjetividade da leitura, posso concordar com vocês, mas não no sentido posso concordar com vocês, mas não no sentido centrífugo que vocês lhe atribuem. Cada novo centrífugo que vocês lhe atribuem. Cada novo livro que leio passa a fazer parte daquele livro livro que leio passa a fazer parte daquele livro abrangente e unitário que é a soma de minhas abrangente e unitário que é a soma de minhas leituras. Isso não acontece sem esforço.; para leituras. Isso não acontece sem esforço.; para compor esse livro geral, cada livro particular compor esse livro geral, cada livro particular deve transformar-se, relacionar-se com os livros deve transformar-se, relacionar-se com os livros que li anteriormente, tornar-se o corolário ou o que li anteriormente, tornar-se o corolário ou o desenvolvimento ou a refutação ou a glosa ou o desenvolvimento ou a refutação ou a glosa ou o texto de referência. Há vários anos freqüento texto de referência. Há vários anos freqüento esta biblioteca e a exploro volume por volume, esta biblioteca e a exploro volume por volume, prateleira por prateleira, mas poderia prateleira por prateleira, mas poderia demonstrar-lhes que não fiz outra coisa senão demonstrar-lhes que não fiz outra coisa senão prosseguir na leitura de um único livro. (p. 259)prosseguir na leitura de um único livro. (p. 259)

CALVINO, Italo. CALVINO, Italo. Se um viajante numa noite de inverno. São Paulo: Se um viajante numa noite de inverno. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.Companhia das Letras, 1999.

Page 30: O direito à literatura

Divina comédia Divina comédia quantidade de pessoas quantidade de pessoas que sabem os cantos de cor na Itália.que sabem os cantos de cor na Itália.

Obras que se sabe de cor.Obras que se sabe de cor. Alunos que recitam a abertura de Alunos que recitam a abertura de Os Os

lusíadaslusíadas, a cantiga de amigo de Martím , a cantiga de amigo de Martím Codax, “Ondas do mar de Vigo”.Codax, “Ondas do mar de Vigo”.

Os grandes clássicos podem ser fruídos Os grandes clássicos podem ser fruídos em todos os níveis.em todos os níveis.

A desigualdade da nossa sociedade faz A desigualdade da nossa sociedade faz com que os pobres só tenham direito e com que os pobres só tenham direito e acesso à cultura popular.acesso à cultura popular.

Nem sempre aqueles que têm acesso à Nem sempre aqueles que têm acesso à cultura erudita conseguem apreciá-la.cultura erudita conseguem apreciá-la.

Page 31: O direito à literatura

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Portanto, a luta pelos direitos humanos Portanto, a luta pelos direitos humanos abrange a luta por um estado de coisas em abrange a luta por um estado de coisas em que todos possam ter acesso aos que todos possam ter acesso aos diferentes níveis da cultura. A distinção diferentes níveis da cultura. A distinção entre cultura popular e cultura erudita não entre cultura popular e cultura erudita não deve servir para justificar e manter uma deve servir para justificar e manter uma separação iníqua, como se do ponto de separação iníqua, como se do ponto de vista cultural a sociedade fosse dividida vista cultural a sociedade fosse dividida em esferas incomunicáveis, dando lugar a em esferas incomunicáveis, dando lugar a dois tipos incomunicáveis de fruidores. dois tipos incomunicáveis de fruidores. Uma sociedade justa pressupõe o respeito Uma sociedade justa pressupõe o respeito dos direitos humanos, e a fruição da arte e dos direitos humanos, e a fruição da arte e da literatura em todas as modalidades e da literatura em todas as modalidades e em todos os níveis é um direito inalienável.em todos os níveis é um direito inalienável.