o diário de barnard zimmer

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Dessau Dessau Segunda-feira, 12 de abril de 1926 Montag, 12.April 1926 Eu nunca tive um diário pessoal antes. Com uns papeis sem uso que encontrei perto da minha cama, resolvi confeccionar um bem simples para registrar meus próximos dias, que sinto que serão bem interessantes. O motivo? Semana passada, meu professor na escola Bauhaus, Herr Breuer, me chamou para auxiliá-lo na monitoria de suas aulas junto ao tutor Schmidt. Eu acordei tão animado hoje! Parece idiotice, mas eu gosto de escrever como se conversasse com alguém... então vou deixar registrado aqui um pouco das duas pessoas que mais conheço na Bauhaus. Marcel Breuer assumiu a diretoria da nossa oficina de carpintaria no ano passado. Ele é muito bom no que faz! Um especialista em design de móveis, principalmente com metal tubular. Há algum tempo ele fez uma cadeira de formato bem interessante e a batizou com o nome de um de seus amigos, também professor da Bauhaus, como homenagem. Wassily, se não estou enganado. Aaron Schmidt é monitor nas aulas do Herr Breuer já há um bom tempo. Tipo um braço direito dele. A confiança mútua entre os dois é indubitável. Diferente do que se pensa, ele não era aluno como eu. Quando se conheceram, Aaron era uma espécie de ajudante do diretor da Bauhaus, Walter Gropius. Fazia pequenos serviços aqui e ali, ajudava um pouco em cada canto. Mas sempre foi fascinado pela movelaria, e tinha notável talento para tal. O professor Breuer o escolheu para ensiná-lo particularmente o ofício. E aí está ele. Falando do dia de hoje... o professor e Herr Laszlo Moholy-Nagy, instrutor dos cursos precursores da Bauhaus, conversavam na entrada do prédio quando cheguei. Cumprimentei-os e segui para a sala de aula, onde Herr Breuer disse que Aaron estaria me esperando para dar as instruções. Por azar do destino... faltou um pouco de atenção no caminho e acabei esbarrando no diretor Gropius, derrubando todos os seus documentos. Que desastre... fiquei vermelho de vergonha. Meio sem jeito, ajudei a apanhar tudo. Apesar do incidente, ele olhou para mim com uma expressão calma e me reconheceu: “você é o novo monitor de Marcel Breuer, não é?” Não dá para dizer que eu não gelei. “S-sou sim”. Comecei a gaguejar. Agora é até engraçado de lembrar, mas o momento foi tenso. Achei que seria punido ou algo assim. Para minha surpresa... “Aposto que vai se dar muito bem. Marcel comentou comigo a respeito de seu interesse e suas habilidades. Você será tão bom quanto Aaron, quem sabe até melhor. Boa sorte, rapaz!” É... acho que o dia não começou tão mal, afinal de contas. Fui para a sala. Aaron já tinha começado a monitoria com os alunos que já tinham chegado. Eram a maioria da sala. Me juntei a eles e começamos alguns trabalhos simples com madeira, e foi assim até a hora do almoço. Herr Breuel só chegou depois desse horário, a conversa com Herr Laszlo devia estar bem interessante... ha, ha!

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Barnard Zimmer é um jovem de 19 anos que, alimentado pela curiosidade, se tornou um dedicado aluno da Bauhaus. Ao perceber seu talento natural na produção de itens em madeira e metal, o então diretor da oficina de carpintaria, o designer e arquiteto Marcel Breuer, o convidou para unir-se ao tutor Aaron Schmidt na monitoria de suas aulas. Em seu diário, Barnard conta, durante três dias, as experiências vividas com suas novas responsabilidades, bem como relata a chegada de um pequeno grupo de jornalistas na escola. Entre eles estava Aliz von Braun, um fotógrafo experiente e conhecido pelos cliques ousados que dera diante da dura realidade da Alemanha em guerra e também após ela. Aliz imaginava que, com o crescente sucesso da academia de artes e a inovação constante dos conceitos de design e arquitetura, seria importante documentar aquele lugar e as pessoas que lá se encontravam antes que aquilo pudesse desaparecer.

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Dessau DessauSegunda-feira, 12 de abril de 1926 Montag, 12.April 1926

Eu nunca tive um diário pessoal antes. Com uns papeis sem uso que encontrei perto da minha cama, resolvi confeccionar um bem simples para registrar meus próximos dias, que sinto que serão bem interessantes. O motivo? Semana passada, meu professor na escola Bauhaus, Herr Breuer, me chamou para auxiliá-lo na monitoria de suas aulas junto ao tutor Schmidt. Eu acordei tão animado hoje!

Parece idiotice, mas eu gosto de escrever como se conversasse com alguém... então vou deixar registrado aqui um pouco das duas pessoas que mais conheço na Bauhaus.

Marcel Breuer assumiu a diretoria da nossa oficina de carpintaria no ano passado. Ele é muito bom no que faz! Um especialista em design de móveis, principalmente com metal tubular. Há algum tempo ele fez uma cadeira de formato bem interessante e a batizou com o nome de um de seus amigos, também professor da Bauhaus, como homenagem. Wassily, se não estou enganado.

Aaron Schmidt é monitor nas aulas do Herr Breuer já há um bom tempo. Tipo um braço direito dele. A confiança mútua entre os dois é indubitável. Diferente do que se pensa, ele não era aluno como eu. Quando se conheceram, Aaron era uma espécie de ajudante do diretor da Bauhaus, Walter Gropius. Fazia pequenos serviços aqui e ali, ajudava um pouco em cada canto. Mas sempre foi fascinado pela movelaria, e tinha notável talento para tal. O professor Breuer o escolheu para ensiná-lo particularmente o ofício. E aí está ele.

Falando do dia de hoje... o professor e Herr Laszlo Moholy-Nagy, instrutor dos cursos precursores da Bauhaus, conversavam na entrada do prédio quando cheguei. Cumprimentei-os e segui para a sala de aula, onde Herr Breuer disse que Aaron estaria me esperando para dar as instruções. Por azar do destino... faltou um pouco de atenção no caminho e acabei esbarrando no diretor Gropius, derrubando todos os seus documentos. Que desastre... fiquei vermelho de vergonha. Meio sem jeito, ajudei a apanhar tudo. Apesar do incidente, ele olhou para mim com uma expressão calma e me reconheceu: “você é o novo monitor de Marcel Breuer, não é?”

Não dá para dizer que eu não gelei. “S-sou sim”. Comecei a gaguejar. Agora é até engraçado de lembrar, mas o momento foi tenso. Achei que seria punido ou algo assim. Para minha surpresa...

“Aposto que vai se dar muito bem. Marcel comentou comigo a respeito de seu interesse e suas habilidades. Você será tão bom quanto Aaron, quem sabe até melhor. Boa sorte, rapaz!”

É... acho que o dia não começou tão mal, afinal de contas.Fui para a sala. Aaron já tinha começado a monitoria com os alunos que já

tinham chegado. Eram a maioria da sala. Me juntei a eles e começamos alguns trabalhos simples com madeira, e foi assim até a hora do almoço. Herr Breuel só chegou depois desse horário, a conversa com Herr Laszlo devia estar bem interessante... ha, ha!

Depois do almoço, como Aaron e Herr Breuel já estavam em sala e minha ajuda não era necessária no momento, fui dispensado por um tempo. Resolvi dar uma volta pelo prédio para conhecer os outros setores. A alguns metros dali, fica a oficina de tecelagem, onda havia apenas mulheres. Ouvi falar que o diretor definiu em um memo que apenas um terço das vagas nas salas de aula poderia ser ocupado pelas mulheres e, após isso, elas acabaram sendo restritas à tecelagem... de qualquer forma, uma das alunas parecia se destacar das outras. Era bastante habilidosa e original em suas criações e auxiliava a todos com maestria. Vim saber algumas horas mais tarde que seu nome era Gunta Stölzl.