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UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCEFACULDADE DE DIREITO, CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS E ECONÔMICAS

CURSO DE DIREITO

Wanessa Zimmer Barbosa

ABORTO DE ANENCÉFALOS

Governador Valadares - MG

2010

WANESSA ZIMMER BARBOSA

ABORTO DE ANENCÉFALOS

Monografia para obtenção do grau de bacharel em Direito apresentada à Faculdade de Direito, Ciências Administrativas e Econômicas da Universidade Vale do Rio Doce.

Orientadora: Andreza Soares Cruz

Governador Valadares - MG

2010

2

WANESSA ZIMMER BARBOSA

ABORTO DE ANENCÉFALOS

Monografia apresentada como requisito para obtenção do grau de bacharel em Direito pela Faculdade de Direito, Ciências Administrativas e Econômicas da Universidade Vale do Rio Doce.

Governador Valadares, ______ de _________ de 2010

Banca Examinadora:

__________________________________________

Prof. OrientadorUniversidade Vale do Rio Doce

__________________________________________Prof. Examinador

Universidade Vale do Rio Doce

__________________________________________Prof. Examinador

Universidade Vale do Rio Doce

3

Dedico a meus pais, pelo incentivo e apoio na realização desse

trabalho, ao meu amado esposo pela paciência e compreensão

e principalmente a Deus pela força nessa longa caminhada.

4

AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha orientadora, Prof.ª Andreza Soares Cruz.

Aos meus pais, por sempre me conduzir ao caminho da honestidade e verdade.

Ao meu amado esposo Alexandre, por estar sempre ao meu lado me dando força.

À minha querida irmã e seu esposo Juliano, pelo amor fraterno.

À minha linda avó Neuza, que hoje olha por mim ao lado do Senhor.

A todos que contribuíram para minha vitória final.

5

“O Senhor é o meu pastor e nada me faltará”.

Salmo 23

6

RESUMO

Quando a gravidez oferece risco à vida da gestante, a interrupção é a única forma de pôr-la a salva de possíveis danos, quer seja à sua saúde, quer seja danos psíquicos, não se pode enveredar por outro caminho senão pela opção da retirada do feto e quando da falta de lei expressa sobre o tema, todas as decisões, sejam elas favoráveis ou contra, são baseadas em princípios gerais do direito.

Palavras-chave: Anencefalia, Aborto, Dignidade, Vida.

7

ABSTRACT

When pregnancy offers risk to mother’s life, the break is te only way or putting it saves her from possibles harm, either to their health, wether psychological damage, on can not embark on a path other than the option of withdrawing when the fetus and the lack of express law on the subject, al decisions, wether they favor or against, are based on general principles of law.

Keywords: Anencephaly, Abortion, Dignity, Life.

8

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Embasamento jurídico da sentença judicial e do parecer da promotoria

a pedido de aborto seletivo .................................................................... 20

Tabela 2 - Argumentação dos juízes e promotores contra a autorização do aborto

seletivo..................................................................................................... 21

9

LISTA DE ABREVIATURAS

Art. – Artigo

Inc. – Inciso

10

LISTA DE SIGLAS

ADPF - Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental

CC - Código Civil

CF - Constituição Federal

CNBB - Confederação Nacional dos Bispos do Brasil

CNTS - Conferederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde

CP - Código Penal

CRM - Conselho Regional de Medicina

FEBRASCO - Federação Brasileira de Associações de Ginecologia e Obstetrícia

IBOPE - Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística

ISG - Interrupção Seletiva de Gravidez

11

LISTA DE SÍMBOLOS

% Porcentagem

§ Parágrafo

12

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.................................................................................................. 13

2 ABORTO........................................................................................................... 15

2.1 CONCEITOS E TIPOS DE ABORTO............................................................. 15

2.1.1 Aborto Eugênico........................................................................................ 16

2.1.2 aborto terapêutico...................................................................................... 17

2.2 OUTRAS ESPÉCIES DE ABORTO................................................................ 17

3 ANENCEFALIA................................................................................................. 19

4 CONCEITO JURÍDICO DE MORTE................................................................. 23

5 PARECER PESSOAL DE LÍDERES RELIGIOSOS SOBRE ABORTO DE

ANENCÉFALOS ................................................................................................. 25

5.1 PARECER DE AFONSO LOPEZ PADRE DA IGREJA

CATÓLICA........................................................................................................... 25

5.2 PARECER DO REPRESENTANTE DA IGREJA UNIVERSAL .................... 26

5.3 PARECER DE ACORDO COM O LIVRO ESPÍRITA DE ALAN KARDEC

.............................................................................................................................. 27

5.4 PARECER PESSOAL DO JUDEU MOISÉS (Mobiliadora

Real)..................................................................................................................... 27

6 POSIÇAO INTERNACIONAL SOBRE O ABORTO DE ANENCÉFALO......... 29

7 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS x ABORTO DE ANENCÉFALO................ 31

7.1 A PROTEÇÃO E DIREITO À VIDA................................................................ 31

7.2 DIREITOS DO NASCITURO ANENCÉFALO E O PRINCÍPIO DA

AUTONOMIA DA VONTADE PRIVADA DA MÃE GESTANTE........................... 33

7.3 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA E A VIDA COM QUALIDADE.......... 36

8 CONCLUSÃO................................................................................................... 38

REFERÊNCIAS.................................................................................................... 40

13

1 INTRODUÇÃO

O aborto é na nossa sociedade um dos temas que mais suscitam confusão e

polêmica, temos vários posicionamentos, encontrando desde os que defendem a

descriminalização completa da conduta até os que lutam pela sua proibição total e

incondicional.

O objetivo deste estudo é analisar a interrupção da gravidez em situações de

fetos anencéfalos, o qual tem sido alvo de muita polêmica desde que surgiu a Ação

de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 54, a qual foi proposta pela

Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde (CNTS) que requerem que o

Supremo Tribunal Federal exclua a necessidade de autorização judicial ou qualquer

outra forma de permissão específica do Estado para a interrupção da gestação,

quando comprovado que o feto é portador de anencefalia, defende que, a proibição

fere o direito à dignidade da pessoa humana, o da legalidade, da liberdade, da

autonomia da vontade, bem como do direito à saúde, em relação à mulher.

Essa questão é bastante penosa, pois envolve questões de ordem moral,

religiosa e jurídica. Quem defende a antecipação terapêutica do parto em casos de

anomalias congênitas irreversíveis, como é o caso da anencefalia, busca proteger o

direito à dignidade da pessoa humana, neste caso o direito, de a gestante não sofrer

com a espera de um feto que morrerá inevitavelmente após o parto e que a vida tem

que ser digna.

Para os que se contrapõem, o direito à vida deve ser preservado a todo custo,

buscando fundamentações jurídicas, filosóficas e até religiosas. Em relação ao

aspecto jurídico, buscam mostrar que a Constituição Brasileira assegura o direito à

vida como direito individual e indisponível e que a vida surge na concepção; sendo

que através do seu poder soberano, o Estado tem o dever de garantir a vida a todos,

inclusive àqueles portadores de anomalias graves, tais como a anencefalia.

A questão principal é o apontamento da grande discussão a respeito da

concorrência entre o direito à vida após a concepção e o direito à dignidade da

pessoa humana, onde não basta viver, mas, esta vida tem que ser digna. Ambos

direitos fundamentais que se completam e ao mesmo tempo se conflitam.

Assim, o que se discute é o poder do Estado em tutelar essa modalidade de

aborto que é o caso dos anencéfalos, trata-se de um assunto muito extenso, pois é

14

alvo de questões e aspectos jurídicos, e ainda, de posicionamentos religiosos,

sociais e individuais.

Não se ambiciona aqui, solucionar o problema, posto a complexidade das

paixões envolvidas. Busca-se, entretanto, dar contornos mais objetivos e práticos

em respeito ao tema.

E para o desenvolvimento de todo o assunto acima enumerado, utilizar-se-á,

além desta introdução, de sete capítulos, sendo o segundo sobre os conceitos de:

aborto e os tipos deste; o terceiro sobre a anencefalia, com seus conceitos médicos

e científicos; o quarto acerca do conceito jurídico de morte de forma genérica; o

quinto, parecer pessoal de líderes religiosos o; o sexto quanto o posicionamento

internacional sobre o aborto de anencéfalos e o sétimo princípios constitucionais x

aborto de anencéfalo.

Outrossim, o presente trabalho consiste em analisar especificamente o

abortamento em casos de anencefalia, primando por uma abordagem puramente

jurídico – científica e teórico, pois, foi realizado através de diversas análises de

conceitos, idéias e posicionamentos legais e religiosos.

15

2 ABORTO

A intensificação dos debates a cerca do tema “aborto” em seus aspectos

sociais, jurídicos e religiosos, que acompanham a sociedade em geral, logo fez notar

profundas alterações no comportamento e nas condições que se estabelecem na

vida cotidiana nos dias presentes, a exigir mecanismos eficazes de proteção à

pessoa humana.

Não é nova, nem territorial, a polêmica sobre a legalização do aborto.

Inúmeros movimentos, prós e contras, se apóiam em argumentos diversos quanto à

possibilidade jurídica ou não da interrupção da gestação.

No Brasil, pela nossa Constituição Federal, a vedação é expressa em seu

artigo 5º, caput, e ainda, nosso Código Penal, artigos 124 ao 127, tipifica como crime

provocar aborto com ou sem o consentimento da gestante, excetuando-se os casos

previstos no artigo 128 do mesmo código, que destaca as seguintes hipóteses de

aborto necessário e em caso de gravidez resultante de estupro com o consentimento

da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

No caso do aborto resultante de estupro, é protegido para defender o direito à

dignidade da mãe, que ao gerar um filho resultante de uma situação tão sofrida, não

venha a sofrer piores traumas. No caso de diagnóstico de anencefalia, podemos

colocar na mesma situação, pois gera um grande trauma para mãe sustentar uma

gestação, onde a criança não terá viabilidade.

2.1 CONCEITOS E TIPOS DE ABORTO

Fernando Capez (2009, p.110) conceitua o aborto como: “Considera-se

aborto a interrupção da gravidez, com a conseqüente destruição o produto da

concepção. Consiste na eliminação da vida intra-uterina”.

Outra definição temos com Damásio de Jesus (2001, p.119), sendo aborto “a

interrupção da gravidez, com conseqüente morte do produto da concepção, gerando

ou não a expulsão do feto, antes do período da maturação.”

16

Sendo assim, o aborto é caracterizado pela morte do feto, podendo ser de

causas naturais, acidentais ou criminosas.

No nosso ordenamento jurídico, o aborto só é tipificado como crime quando

não respeitadas as normas dos artigos 124 a 127 do Código Penal Brasileiro.

A gestante, de acordo com a lei, pode realizar o aborto em casos tipificados

no artigo 128 do Código Penal Brasileiro. São essas hipóteses:

Art. 128. Não se pune o aborto praticado por médico:Aborto necessárioI – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;Aborto no caso de gravidez resultante de estuproII – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando, incapaz, de seu representante legal.

Importante diferenciar os tipos e efeitos jurídicos que provocam dois dos mais

importantes procedimentos abortivos utilizados: o aborto eugênico e o terapêutico.

Existem outras modalidades de aborto que não estão tipificados no Código Penal,

mas podem ser encontrados nas doutrinas.

2.1.1 Aborto Eugênico

É o aborto realizado para impedir que a criança nasça com deformidade ou

enfermidade incurável. Essa modalidade não é permitida pela nossa legislação,

sendo configurado crime.

Segundo Fernando Capez (2009, p. 128) “Eugenia é expressão que tem forte

conteúdo discriminatório, cujo significado é purificação das raças”. Sendo essa

expressão criada no período do nazismo na Alemanha, onde sendo diagnosticado

alguma deformidade no feto, a mulher era obrigada a interromper a gestação.

Entretanto, segundo Menezes:

Somente na década de 90 foram concedidos mais de 350 (trezentos e cinqüenta) alvarás autorizando a prática da chamada Interrupção Seletiva de Gravidez, representada pela sigla ISG, também chamada de aborto eugênico. A estimativa atual é a de que mais de 2.000 (dois mil) processos estejam tramitando nos tribunais nacionais visando o mesmo objetivo. No Congresso Nacional há vários projetos legislativos com o propósito legalista do aborto, sendo o PL nº 20/91 de autoria dos ex-deputados Eduardo Jorge

17

(PT/SP) e Sandra Starling (PT/MG), o mais questionado. (Jus navigandi, 2010).

2.1.2 aborto terapêutico

Definido no artigo 128, I, do Código Penal, esta é modalidade de aborto,

quando há risco de morte da gestante, deve-se atentar que genericamente toda

gravidez é um risco a gestante, contudo as doutrinas nos ensinam que este risco de

morte da mãe deve ser eminente, e de tal forma que a continuação da gravidez é o

motivo no qual esta pode vim a falecer, sendo, portanto impossível salvar a vida da

gestante. Esta modalidade é definida como aborto legal. Trata-se de estado de

necessidade, mas sem a exigência de que o perigo de vida seja atual. Sendo dois

bens jurídicos postos em perigo (a vida do feto ou da genitora). O legislador optou

pela preservação do bem maior, que é a vida da mãe.

Não se trata somente de risco de saúde da gestante, o médico deverá

analisar se a doença acarretará o risco de vida para a gestante.

Como bem assevera o criminalista Bitencourt:

O aborto necessário, também conhecido como terapêutico (...) exige dois requisitos simultâneos: a) perigo de vida da gestante; b) inexistência de outro meio para salvá-la. O requisito básico e fundamental é o iminente perigo à vida da gestante, sendo insuficiente o perigo à saúde, ainda que muito grave. O aborto, ademais, deve ser o único meio capaz de salvar a vida da gestante, caso contrário o médico responderá pelo crime. Logo, a necessidade não se faz presente quando o fato é praticado para preservar a saúde da gestante ou para evitar a desonra pessoal ou familiar. (2003, p.169).

2.2 OUTRAS ESPÉCIES DE ABORTO

Têm-se outras espécies de aborto que não estão previstos no Código Penal,

sendo estas espécies defendidas pela doutrina que é o caso do aborto natural, que

consiste na interrupção espontânea da gravidez, sendo que nesta hipótese não

haverá crime; temos também o aborto acidental que também não configura crime e é

aquele que decorre de traumatismo ou outro acidente; o aborto social ou econômico

18

é aquele em que o nascimento agravaria a crise financeira social, sendo que nesta

modalidade haverá crime, pois não é admitido no nosso ordenamento jurídico.

19

3 ANENCEFALIA

A anencefalia é uma má-formação que faz parte dos defeitos de fechamento

do tubo neural. Quando o defeito se dá na extensão do tubo neural, acontece a

espinha bífida. Quando o defeito ocorre na extremidade distal do tubo neural, tem-se

a anencefalia, levando a ausência completa ou parcial do cérebro e do crânio. O

defeito, na maioria das vezes, é recoberto por uma membrana espessa de estroma

angiomatoso, mas nunca por osso ou pele normal. A anencefalia é uma má

formação incompatível com a vida. Apenas 25% (vinte e cinco por cento) dos

anencéfalos apresentam sinais vitais na 1ª semana após o parto. A incidência é de

cerca de 2 (dois) a cada 1.000 (mil) nascidos vivos. O seu diagnóstico pode ser

estabelecido mediante ultra-sonografia entre a 12ª (décima segunda) a 15ª (décima

quinta) semana de gestação através do exame da alfa-fetoproteína no soro materno

e no líquido amniótico, que está nos casos da anencefalia apresenta-se aumentada

em 100% (cem por cento) dos casos em torno da 11ª (décima primeira) a 16ª

(décima sexta) semana de gestação. A gravidez do feto anencéfalo resulta inúmeros

problemas para a mãe durante a gestação. A FEBRASGO – Federação Brasileira

das Associações de Ginecologia e Obstetrícia enumera tais complicações maternas,

dentre elas podemos destacar a eclampsia, embolia pulmonar, aumento do volume

do líquido amniótico e até a morte.

A anencefalia afeta mais as meninas do que os meninos, e infelizmente não

há tratamento conhecido para uma criança com anencefalia.

Ainda não se sabe a causa da anencefalia, sendo ela provavelmente,

desencadeada por uma combinação de fatores genéticos e ambientais. Contudo, a

ingestão de ácido fólico antes da concepção pode prevenir em mais de 50%

(cinqüenta por cento) a ocorrência desse problema. Alguns medicamentos como a

pílula anticoncepcional, drogas antimetabólicas e outras reduzem os níveis de

absorção de ácido fólico, sendo que, com ingestão destes medicamentos, há

probabilidade de vir a dar a luz a uma criança com anencefalia.

Sendo assim, é uma grande covardia obrigar uma mãe a gerar uma criança

que não poderá ter em seus braços, fazendo do nascimento um velório, com grande

sofrimento.

20

O tema tem despertado grande interesse e polêmica, atualmente sendo

citados conjuntamente os termos “anencefalia” e “aborto”, em cerca de 9.140 (nove

mil cento e quarenta) sites da Rede Mundial.

Segundo pesquisa encomendada do IBOPE (Instituto Brasileiro de Opinião

Pública e Estatística):

[...] 76% (setenta e seis por cento) da população é favorável ao aborto no caso de problemas congênitos incompatíveis coma vida, como é o caso da anencefalia, por outro lado, relativamente às hipóteses legalmente permitidas, 79% (setenta e nove por cento) da população são favorável ao aborto no caso de risco de morte para a mulher, enquanto que, 62% (sessenta e dois por cento) apóiam com o aborto em caso de gravidez resultante de estupro[...] (ÉPOCA, 2005, p. 65).

Marcos Valentin Frigério, Ivan Salzo, Silvia Pimentel e Thomaz Rafael Gollop

fizeram um trabalho intitulado Aspectos Bioéticos e Jurídicos do Abortamento

Seletivo no Brasil e durante este trabalho, os autores estudaram 263 (duzentos e

sessenta e três) pedidos de alvarás para interrupção da gravidez em caso de

anomalias incompatíveis com a vida.

Nestes 263 (duzentos e sessenta e três) casos estudados, o Ministério

Público opinou pelo deferimento do alvará em 201 (duzentos e um) (76.43%) casos

e pelo indeferimento em 62 (sessenta e dois) (23.5%). Em contrapartida, o juiz

decidiu pelo deferimento em 250 (duzentos e cinqüenta) (95.06%) casos e pelo

indeferimento em apenas 13 (treze) (4.94%).

Os embasamentos jurídicos das decisões e pareceres pelo deferimento e pelo

indeferimento dos pedidos foram variados, como se pode observar nas tabelas

abaixo:

Tabela 1: Embasamento jurídico da sentença judicial e do parecer da

promotoria favorável a pedido de aborto seletivo

EMBASAMENTO JURÍDICO NO

DEFERIMENTO

JUÍZES MP

Inexibilidade de conduta diversa 1 2

Art. 5º da Constituição 3 4

Preservar a higidez psíquica da gestante 63 41

Inexibilidade de conduta diversa + Preservar a 1 2

21

higidez psíquica da gestante

Preservar a higidez psíquica da gestante e

autoriza o aborto pelo art. 128

17 5

No art. 5º da Constituição + art.3º do CPP e

princípios gerais do direito nos princípios de

jurisdição voluntária e art. 1104 e ss do CP.

78 32

Estado de necessidade + aplicando-se analogia

“in bonam parte” usando art. 124 CP c/c art.

128, I, e II + Art. 5º da Constituição

1 4

Autoriza o aborto nos termos do art. 128, I e II

do CP

39 24

Aplicando-se a analogia “in bonam parte”

usando art. 124 CP c/c art. 128, I e II

13 29

No art. 5º da Constituição + art. 3º, do CPP e

princípios gerais do direito nos princípios de

jurisdição voluntária

6 5

Não há crime em realizar o aborto pois o feto

não tem mais vida a ser tutelada

6 3

Não encontra amparo no direito normativo 3 2

Sem acesso a informação/julgado em 2ª

Instância

12 43

TOTAL 243 196

Tabela 2: Argumentação dos juízes e promotores contra a autorização do aborto

seletivo

EMBASAMENTO JURÍDICO NO

INDEFERIMENTO

JUÍZES MP

22

Não se opõe desde que haja risco de

vida materno

0 1

Não configura estado de necessidade 4 5

Não encontra amparo no direito

normativo

9 53

Inviolabilidade do direito à vida 0 3

TOTAL 13 62

A maioria da população, bem como dos profissionais da área jurídica, são

favoráveis à interrupção da gravidez no caso de anomalias absolutamente

incompatíveis com a vida, como é o caso da anencefalia. Mas, ainda existe certa

dúvida quanto à fundamentação jurídica adequada para sustentar as decisões

judiciais neste sentido.

4 CONCEITO JURÍDICO DE MORTE

Por vezes, as coisas mais simples e óbvias, são as mais difíceis de conceituar

e definir. Tal o que ocorre com a morte. Tão difícil defini-la, como conceituar a sua

antítese, a própria vida.

23

É bastante tormentoso, tentar conceituar a morte, pois a morte pode ser

caracterizada tanto pela morte cerebral como pela morte clínica.

Segundo Cezar Roberto Bitencourt (2009, p. 155) “Seguindo a evolução

médico-científica, reconhece que a “morte cerebral” põe termo a vida humana”.

A morte cerebral é a parada total e irreversível das funções encefálicas, em

conseqüência de processo irreversível e de causa conhecida, sendo que, quando

ocorre à morte cerebral, pode ser que os outros órgãos continuem funcionando por

um período curto de tempo, é onde se faz o procedimento de retirada destes órgãos

para efeito de transplante.

Existe também a morte clínica (ou biológica) em que ocorre a parada

irreversível das funções cardio-respiratórias, com parada cardíaca e morte cerebral,

levando a posterior necrose celular.

De acordo com o CRM (Conselho Regional de Medicina, 2004) “os

anencéfalos são natimortos cerebrais, e por não possuírem o córtex, mas apenas o

tronco encefálico, são inaplicáveis e desnecessárias os critérios de morte

encefálica”.

Sendo assim, o anencéfalo por ser resultado de um processo irreversível,

sem possibilidade de sobrevida, é considerado desde a concepção um feto morto

cerebral, não caracterizando o crime de aborto no caso da interrupção da gestação

de um feto portador de anencefalia.

Com isso, não há o que se falar em aborto, pois se o feto estiver morto, não é

lesado o interesse protegido pela legislação penal, sendo esta uma conduta atípica.

De acordo com a Lei 9.434 de fevereiro de 1997, chamada de Lei de

Transplante de Órgãos, onde prevê em seu artigo 3º a retirada post mortem de

tecidos, órgãos ou parte do corpo humano destinada a transplante, somente se dá

quando for diagnosticada a morte encefálica do paciente, constatada e registrada

por dois médicos não participantes das equipes de remoção de transplantes, exige-

se a comprovação da extinção também de atividade do tronco cerebral.

No feto anencéfalo ainda existe essa atividade do tronco cerebral, porém é

certo, o perecimento desta atividade em cem por cento dos casos de anencefalia,

pois esta atividade, somente subsiste com a combinação da atividade cerebral. No

anencéfalo, para que funcione a atividade do tronco cerebral sem a atividade

encefálica necessita de aparelhos e medicamentos. Tanto é assim que os médicos

consideram a anencefalia uma deformação incompatível com a vida.

24

O termo Morte Encefálica se aplica a condição final, irreversível, definitiva de

cessação das atividades do Tronco Cerebral. Com isso, faltando atividade cerebral,

não tem mais o que se falar em vida.

25

5 PARECER PESSOAL DE LÍDERES RELIGIOSOS SOBRE ABORTO DE

ANENCÉFALOS

O dogma religioso diz que a vida começa a partir da fecundação, e este tem

sido o principal argumento para o aprofundamento da restrição e até mesmo a

tentativa de se acabar com o direito definitivo da interrupção da gravidez. Contudo,

não pode servir tais discussões para fundamentar leis, políticas públicas ou decisões

do judiciário. Infelizmente, nos poderes legislativo, executivo e judiciário, a

intervenção das religiões, tem sido o principal empecilho para o avanço das

conquistas democráticas das mulheres.

5.1 PARECER DE AFONSO LOPEZ PADRE DA IGREJA CATÓLICA

Sendo hoje á mais radical, a igreja católica, nem mesmo o aborto para salvar

a vida da gestante é aceito pela igreja católica.

Através da CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil), a igreja vem

trabalhando para impedir que seja aberta essa possibilidade de aborto na legislação

brasileira e que não seja dada autorização para antecipação do parto em crianças

anencéfalas, com isso tendem a mobilizar os Ministros do Supremo para o direito à

vida, explica a coordenadora da Comissão de Defesa da vida da Diocese de Santo

André, Nadir Pazin. “O documento entregue aos ministros do STF estabelece que o

feto deva ser preservado ainda que não haja uma perspectiva de vida”.

Ao olhar da fé e da teologia essa questão vai muito além das fronteiras

jurídicas, sendo que, a revelação bíblica ressalta a preciosidade irrepetível de cada

vida humana, quando descreve a criação do ser humano, feito do barro pela mão do

senhor a animado pelo espírito soprado poderosamente nas narinas. Ao longo de

toda a Sagrada Escritura, é possível encontrar a convicção profunda de que o

segredo da vida e de seu nascimento é maior do que o homem e do que a mulher,

os quais, desde a sua condição de criaturas, apenas participem desse imenso

mistério do qual não detém o controle e a manipulação. A própria fecundidade do

casal é um dom do criador.

26

Usam também o argumento de que as mulheres grávidas de fetos anencéfalos

deveriam manter a gestação para doar órgãos dos fetos, preservando a vida.

Verifica-se assim, que a igreja católica é contrária à interrupção da gravidez,

pois é a favor da vida e da dignidade do ser humano, não importando o estágio do

seu desenvolvimento. Sendo a vida um dom de Deus e deve ser respeitada.

O catolicismo diz claramente que a vida humana deve ser respeitada e

protegida absolutamente a partir do momento da concepção, sendo que os direitos

inalienáveis da pessoa humana devem ser reconhecidos e respeitados pela

sociedade civil e pela autoridade política.

Em nota oficial emitida pela CNBB, onde se manifesta sobre a decisão do

STF acerca do aborto de anencéfalos assinada pelo presidente, dom Geraldo

Majella, pelo vice-presidente, dom Antônio Celso de Queiroz, e pelo secretário geral,

dom Odilo Shcherer que a interrupção da gravidez em casos de anencefalia do feto

deveria ter sido tomada depois de ampla reflexão pela sociedade e participação do

plenário da instituição. Para a CNBB, o ministro Marco Aurélio, “autorizou a

interrupção voluntária da gestação de uma vida humana”. A nota ainda diz que, “... a

vida humana, que se forma no seio da mãe, já é um novo sujeito de direitos, e por

isso, tal vida deve ser respeitada sempre, não importando a condição em que ela se

encontre”.

A igreja católica no sentido da vida adota a teoria da concepção, onde

consiste em defender a existência humana desde o momento da concepção.

5.2 PARECER DO REPRESENTANTE DA IGREJA UNIVERSAL

A igreja protestante no geral é menos rígida que a igreja católica, admite o

aborto terapêutico, pois dá mais importância à vida materna, mas não encara o

aborto como método de controle de natalidade e nem é favorável ao aborto eugênico

quando há viabilidade para o feto, mesmo portador de deficiência.

Desde 1963, que os unitários-universalistas, já defendiam a legislação do

aborto em caso de perigo físico ou mental para a mãe, no caso de gravidez

resultante de estupro ou incesto, que é a relação sexual ou marital entre parentes

próximos ou alguma forma de restrição sexual dentro de determinada sociedade.

27

5.3 PARECER DE ACORDO COM O LIVRO ESPÍRITA DE ALAN KARDEC

Na visão de um delegado espírita da associação Brasileira dos Magistrados

Espíritas – PR Clayton Reis:

Não se pode considerar absoluta a morte do anencéfalo. O ser humano não possui o dom da vida, embora possa iniciá-la através de união carnal ou fecundação in vitro. O primado do processo civilizatório se encontra centrado na ampla defesa da pessoa no plano material e espiritual.O respeito à vida, em qualquer nível em que ela se encontre é uma conquista contemporânea da civilização. O que anima a natureza é exatamente a vida que se encontra presente nela.Assim, se houver fundamento que justifique a morte, em qualquer estágio que a vida se encontre, não teremos motivos para evita-la quando estiver situada em seus patamares mais elevados. Os argumentos que justificam a morte do anencéfalo serão os mesmos que justificariam a subtração da vida de qualquer outra pessoa – ou será que existem pessoas com mais vida e outras com menos vida?

Como podemos perceber, a doutrina espírita é radicalmente contra o aborto,

somente sendo aceita em caso de perigo real de desencarne (morte) da mãe, sendo

qualquer outra hipótese assassinato, inclusive no caso de aborto de anencéfalos.

Para os espíritas, o ser humano que se desenvolve no seio materno, a partir

da fecundação do óvulo já é pessoa, constituída de corpo e alma.

De acordo com Kardec (2000. p. 78):

Constitui crime a provocação do aborto em qualquer período da gestação?- Há crime sempre que transgredida a lei de Deus. Uma mãe, ou quem quer que seja, cometerá crime sempre que tirar a vida a uma criança antes do seu nascimento, porque isso impede a alma de passar pelas provas a que serviria de instrumento o corpo que se estava formando.

O espiritismo manifesta alertando que o espírito antes de reencarnar, escolhe

esta ou aquela prova, podendo ser em corpo defeituoso ou mesmo a morte logo

após o parto, para aprendizado e reabilitação de erros cometidos em outra vida.

5.4 PARECER PESSOAL DO JUDEU MOISÉS (Mobiliadora Real)

28

Para os judeus a alma só entra no corpo da pessoa 20 (vinte) dias após o

parto, não configurando crime antes deste período, e que a alma feminina demora

mais para entrar no corpo, sendo 40 (quarenta) dias.

O judaísmo é mais flexível no que diz respeito à questão do aborto, o qual se

deve pelo fato de apresentar diferente concepção teológica em relação à alma e ao

“pecado original”.

Para a população judaica, a criança só é ser com vida após um mês do

nascimento, o fato de não existir uma autoridade máxima ditando todas as regras de

conduta, faz com que os judeus possam ter liberdade para manifestar sua própria

consciência.

29

6 POSIÇAO INTERNACIONAL SOBRE O ABORTO DE ANENCÉFALO

Segundo Gollp:

Quarenta e dois países com pelo menos um milhão de habitantes, compreendendo 12% (doze por cento) da população mundial, possuem leis autorizando o aborto por razões médicas em sentido mais amplo, quando a risco de vida materna (não limitando ao risco de perder sua vida) e, algumas vezes, por risco genético ou por razões jurídicas como estupro ou incesto. Nesses países, porém, não é permitido o aborto por indicações sócias isoladamente ou a pedido unicamente da gestante.Vinte e três por cento da população mundial vive nos 14 países com mais de um milhão de habitantes nos quais o aborto é permitido por razoes sociais e médicos-sociais, significando que o aborto é permitido em condições sociais adversas. Condições sociais adversas que tanto justificam a interrupção da gestação quando devem ser consideradas na avaliação do agravo à saúde mental da mulher. Na maioria desses países, incluindo Austrália, Finlândia, Inglaterra, Japão e Taiwan, o aborto é virtualmente permitido pela simples decisão da gestante. As leis menos restritivas, dizem respeito aos 23 países onde o aborto é permitido pela simples opção da grávida. Alguns dos países mais populosos do mundo – China, Rússia, países da antiga união Soviética, Estados Unidos e metade dos países da Europa – estão nessa categoria, correspondendo a 40% da população mundial. (1994/1995, p. 56)

Com isso percebemos que muitos países são a favor da interrupção da

gestação, estando esta prática regulamentada.

Na Alemanha, após a decisão da mãe e do médico, a gestante passará por

procedimento de tratamento psicológico e a interrupção terá um prazo mínimo de

três dias após o aconselhamento. Quando a decisão é tomada por causa de má

formação do feto, terá que ser realizada nas primeiras 22 (vinte duas) semanas.

Em relação à Espanha, a interrupção deverá ser executada por médico

distinto do que fez o diagnostico, sendo que esta operação deverá ocorrer dentro

das vinte e duas semanas de gestação, com consentimento de mais dois médicos

especialistas.

Na França, se a gestante for menor de idade deverá obter o prévio

consentimento dos pais e o prazo máximo para realização é de seis meses. Quando

se tratar de feto portador de anomalia ou se há risco para a gestante tem que ter um

certificado médico reconhecido por um tribunal administrativo.

Em Portugal o prazo para interrupção da gestação, quando o feto padecer de

grave doença ou má formação congênita, é de vinte e quatro semanas de gestação,

já quando for para preservar a vida ou a saúde física e psíquica da mãe, deverá ser

30

ocorrido nas primeiras doze semanas de gravidez, mas em se tratando de feto

inviáveis, pode ser praticado a qualquer tempo, sendo que o médico que indicar a

interrupção, não deverá conduzir a operação. Se for a mãe menor de idade, exige-se

a autorização dos pais.

Percebemos que não podemos deixar de avaliar o assunto sob o prisma da

globalização, temos as leis que proíbem sem exceção e temos as que dão a livre

escolha para a gestante, sendo que na maioria dos países à interrupção da

gestação é livre opção da gestante, conforme foi verificado através da pesquisa de

Gollop na página anterior.

31

7 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS x ABORTO DE ANENCÉFALO

7.1 A PROTEÇÃO E DIREITO À VIDA

O direito à vida é o primeiro direito do homem, surge com o nascimento e

finda com a morte, pois é a partir dele que surgem todos os demais direitos.

Sob o manto jurídico, o direito à vida está inserido como princípio fundamental

na CF/88 logo no caput do artigo 5º, que preconiza, in verbis:

Art.5º Todos são iguais perante a lei, [...] garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.

Também na mesma carta, define o artigo 227, in verbis:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Destaque-se mais, segundo Menezes, que a carga semântica depositada na

expressão "direito à vida" infere duas situações: 1º - o direito de permanecer vivo,

que já pressupõe a existência do indivíduo e; 2º - o direito de nascer vivo, que

antecede ao surgimento do indivíduo no mundo exterior. Quando a questão é

analisada sob o ponto de vista da primeira situação, abre-se perigoso espaço para o

debate da "pena de morte"; quando analisado pelo prisma da segunda situação,

trata-se inegavelmente do aborto.

Estas duas vertentes são, precisamente, fortalecedoras do argumento

utilizado pelos abortistas. É que a teoria adotada é a de que o "direito à vida",

preconizado na legislação, refere-se somente ao indivíduo que já se tornou pessoa,

inclusive com atributos da personalidade, e aí sim, consubstanciaria crime qualquer

atentado contra si. No caso do nascituro, como não teria se tornado pessoa não

constituiria ato ilícito a sua abortagem.

32

O entendimento em decisão monocrática do Excelentíssimo Senhor Ministro

Marco Aurélio de Melo, em sede de medida cautelar, nos autos da Argüição de

Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF, nº 54 - 8 do Distrito Federal,

autorizou o aborto de feto anencefálico. Disse o ministro, in verbis:

[...] a gestante convive diuturnamente com a triste realidade e a lembrança ininterrupta do feto, dentro de si, que nunca poderá se tornar um ser vivo. Se assim é - e ninguém ousa contestar [...].

Numa análise científica, o que parece estar em jogo é a incerteza do que seja

"vida", ou do que seja "vida viável".

Correntes contrárias ao aborto de anencéfalos justificam alegando que a vida

não pode ser confundida com condições necessárias, ou viabilidade de existência, é,

outrossim, o resultado indissociável da geração biológica do ser, independentemente

do seu desenvolvimento ou da forma que assumirá.

Por outro lado, o direito penal é o instrumento mais contundente para o

Estado fazer o controle social, sendo o direito à vida, bastante protegido através do

direito penal, sendo esta proteção estendida enquanto perdurar a vida.

Segundo Miranda:

O direito à vida é inato; quem nasce com vida, tem o direito a ela. Em relação às leis e outros atos normativos dos poderes públicos, a incolumidade da vida é assegurada pelas regras jurídicas constitucionais e garantida pela decretação da inconstitucionalidade daquelas leis ou atos normativos. O direito à vida é sentido oblíquo: existe em qualquer ramo do direito, inclusive no sistema jurídico supra-estatal. O direito à vida é inconfundível com o direito à comida, às vestes, à remédios, à casa, que se tem de organizar na ordem política e depende de grau de evolução do sistema jurídico constitucional ou administrativo. O direito à vida passa a frente de personalidade à integridade física ou psíquica [...] o direito de personalidade à integridade física cede ao direito de personalidade à vida e à integridade psíquica. (1971, p. 232)

A qualidade deve ser somada a intangibilidade da vida, em situações em que

a prolongação de uma vida ou intervenção médica não possa trazer benefícios e

sim, comprometer a qualidade de vida do paciente, referindo-se também à dignidade

da pessoa, sendo neste caso inviável, pois aquele paciente não poderá usufruir da

vida na sua plenitude, sendo mera existência biológica. E neste ponto que os

princípios se complementam, pois o direito à vida compreende um mínimo de

qualidade e dignidade.

33

Quando a mulher opta por interromper uma gestação onde se tem uma

anomalia fetal incompatível com a vida, é pela forte agressão à dignidade dela,

sendo comparada com a tortura, e tendo sua saúde psíquica prejudicada, sendo

certo que defender à vida de um feto que já teve o diagnóstico irreversível de morte,

é um completo contra-senso.

O eminente Ministro Marco Aurélio de Mello, em sede de medida cautelar, nos

autos da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF, nº 54 - 8

do Distrito Federal, firmou entendimento de que:

[...] diante de uma deformação irreversível do feto, há de se lançar mão dos avanços médicos tecnológicos, postos à disposição da humanidade não para simples inserção, no dia a dia, de sentimentos mórbidos, mas, justamente, para fazê-los cessar.

Citou ainda os dados técnicos levantados pela argüente de que, nos casos de

anencefalia, a ciência médica atua com margem de certeza da inviabilidade de vida

do nascituro igual a 100% (cem por cento). Disse o magistrado:

A literatura médica aponta que a má-formação por defeito do fechamento do tubo neural durante a gestação, não apresentando o feto os hemisférios cerebrais e o córtex, leva-o ou à morte intra-uterina, alcançando 65% dos casos, ou à sobrevida de, no máximo, algumas horas após o parto. A permanência de feto anômalo no útero da mãe mostrar-se-ia potencialmente perigosa, podendo gerar danos à saúde e à vida da gestante. Consoante o sustentado, impor à mulher o dever de carregar por nove meses um feto que sabe, com plenitude de certeza, não sobreviverá, causa à gestante dor, angústia e frustração, resultando em violência às vertentes da dignidade humana – a física, a moral e a psicológica - e em cerceio à liberdade e autonomia da vontade, além de colocar em risco a saúde, tal como proclamada pela Organização Mundial da Saúde – o completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença.

Com espeque nesses fundamentos, concedeu a medida liminar determinando

que toda gestante que se encontrar nesta situação de feto anencefálico tem o direito

de interromper a gravidez.

7.2 DIREITOS DO NASCITURO ANENCÉFALO E O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA

DA VONTADE PRIVADA DA MÃE GESTANTE

O Direito confere ao ser humano a devida proteção, mesmo antes de nascer.

34

Os Romanos já tratavam da questão, ainda que esparsamente, e estendiam

os direitos do nascido ao concebido, pela mera expectativa do nascimento, Carlo

Fadda, in MENEZES colecionou passagens em que os romanos tutelavam alguns

direitos do feto:

No segundo século do Império, a mulher divorciada, que procurava desfazer-se dos frutos da ligação com o marido, de que se separara, (sic) passou a ser punida pelas manobras para evitar o nascimento, as medidas eram tomadas no interesse do pai do nascituro [...] tal mulher era condenada ao exílio, por ter agido contra a spes proli do marido. [...] Os jurisconsultos da época clássica assentaram princípios mais tarde consubstanciados no Digesto [...] a sentença de PAULO afirmava que: aquele, (sic) que se encontra no útero deve conservar-se assim, como se estivesse entre os sêres (sic) vivos, sempre que se trate dos seus próprios interesses [...] e a afirmação de JULIANO: Aqueles (sic) que estão no útero entendem-se estar em quase todo o direito civil, que existem na natureza; porque as heranças legítimas lhes são restituídas (sic); e, se a mulher grávida é feita prisioneira pelos inimigos, goza do benefício do post-liminio o filho, que dela nasce; segue igualmente, a condição do pai ou da mãe. (Jus navigandi, 2010)

É inquestionável que toda criança necessita de proteção e cuidados

especiais, inclusive a devida proteção legal, tanto antes quanto após o seu

nascimento com vida.

Conforme também preconiza a Convenção Americana sobre Direitos

Humanos (conhecida como Pacto de São José da Costa Rica), da qual o Brasil é

signatário, através da promulgação do Decreto nº 678/92, estabelece, in verbis:

Artigo 4º - Direito à vida: 1. Toda pessoa tem direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.

Nesse compasso o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 7º,

assim assegura, in verbis:

Art. 7º - A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.

E ainda, o novo Código Civil brasileiro, em seu art. 2º, preconiza de forma

mais objetiva: "Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com

vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

35

Ricardo Fiúza descreve os direitos vigorados no Código Civil que recaem

sobre o nascituro:

Conquanto comece do nascimento com vida a personalidade civil do homem, a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro (CC, arts. 2º, 1609, 1779, parágrafo único e 1798) como o direito à vida (CF, art. 5º, CP, arts. 124 a 128, I e II), à filiação (CC, arts. 1596 e 1597), à integridade física, a alimentos (RT, 650/220;RJTJSP, 150/906), a uma adequada assistência pré-natal, a um curador que zele pelos seus interesses em caso de incapacidade de seus genitores, de receber herança (CC, arts. 1798 e 1800 §3º), de ser contemplado por doação (CC, art. 542), de ser reconhecido como filho, etc. (2005, p.05)

Outro não é o entendimento dos tribunais pátrios quanto aos direitos do

nascituro, com relevo inclusive nas ações sobre o estado de capacidade ou da

legitimidade conferida ao nascituro: "Ao nascituro assiste capacidade para ser parte.

O nascimento com vida investe o infante na titularidade da pretensão de direito

material, até então apenas uma expectativa resguardada. (TJSP - Ap.Cív. 193.648-1

DJ. 14/9/93. Rel. Renan Lotufo)": "Ao nascituro assiste, no plano do Direito

Processual, capacidade para ser parte, como autor ou como réu. Representando o

nascituro, pode a mãe propor Ação de Investigação de Paternidade. (RJTJRS

104/418)".

Existe uma preocupação quanto ao exercício do direito do nascituro, bem

como o da autonomia da vontade privada, e a discussão ganhou vulto com a

decisão monocrática do Excelentíssimo Senhor Ministro Marco Aurélio de Melo, em

sede de medida cautelar, nos autos da Argüição de Descumprimento de Preceito

Fundamental – ADPF, nº 54 - 8 do Distrito Federal, que autorizou o aborto de feto

anencefálico, in verbis:

Consoante o sustentado, impor à mulher o dever de carregar por nove meses um feto que sabe, com plenitude de certeza, não sobreviverá, causa à gestante [...] cerceio à liberdade e autonomia da vontade.

Não se pode desconhecer a situação angustiante de uma gestante portadora

de uma intercorrência grave, e a de um médico que tenha em suas mãos um

problema de tal magnitude. Não se pode ser insensível e indiferente diante deste

tipo de sofrimento.

36

7.3 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA E A VIDA COM QUALIDADE

Outro princípio fundamental completamente importante é o princípio à

dignidade da pessoa humana, sendo o direito à vida, conseqüência lógica da

dignidade da pessoa humana.

O princípio à dignidade da pessoa humana completa o direito à vida, pois não

há vida, sem um mínimo de dignidade.

O homem passou a acreditar ser merecedor de uma proteção especial e

devedor de uma conduta irrepreensível. A este conjunto de direitos e deveres

fundamentais, destinados a preservar o homem como algo especial, deu-se o nome

de dignidade da pessoa humana. O homem possui dignidade porque ele diz que a

tem e possui força para fazer valer o que foi dito.

Na verdade, não há bem um consenso sobre o que é a dignidade humana,

sendo que as diferentes ideologias se digladiam para professar suas verdades e

mesmo diante do fato morte conseguem ter várias interpretações.

Os que sustentam o direito à vida, o aborto do feto anencéfalo viola a

democracia e a dignidade do feto, já os que são a favor sustentam a mesma tese em

sentido contrário, pois viola a dignidade e a democracia da gestante.

As pessoas que defendem à vida acima de tudo devem pensar que, em jogo

está à vida ou a qualidade de vida de todos os envolvidos com o feto mal formado, a

nossa legislação defende o aborto em caso de estupro, onde o feto está em perfeito

estado, sendo que esta proteção deve ser estendida para o aborto de anencéfalos,

pois este nem probabilidade de vida têm.

A decisão da mãe é pessoal e tem o direito de ser respeitada, pois ninguém é

obrigado a ser submetido à tortura.

O feto anencéfalo não irá morrer, ele está morto, pois a vida não implica

apenas no fato vida, mas na potenciabilidade de viver a vida, sendo com isso

afastada todos os fantasmas da eugenia, sendo que não falamos aqui em

dificuldade de viver a vida, mas sim na total impossibilidade.

No caso, quem é contra a lei da antecipação do parto de fetos anencéfalos,

são na verdade contra a lei de transplantes.

A vida constitucionalmente referida não é uma vida qualquer. Seu conceito se

apóia noutra definição constitucional que é a dignidade, sendo que o legislador

37

constitucional propugna pela defesa da vida digna, sendo constatada que a palavra

“dignidade” tem significado maior do que a palavra “vida”, pois a vida tem que ser

digna.

A Constituição Federal dispõe em seu art. 1º, inc. III que:

A República Federativa do Brasil, formada pela União indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se um Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: a dignidade da pessoa humana.

A conseqüência deste princípio é que, em um Estado Democrático de Direito,

as políticas e decisões devem ser laicas, visando sempre a resguardar os direitos e

garantias fundamentais.

38

8 CONCLUSÃO

Após toda esta abordagem, é possível formular uma teoria laica sobre o

abortamento do feto anencéfalo.

A vida vegetativa não é suficiente para fazer um homem, sendo que com a

morte encefálica, termina-se a proteção à vida, com fundamento na lei de

transplantes de órgãos que fixa como o momento da morte, a morte encefálica.

O feto anencéfalo pode ser considerado portador de morte neocortical (high

brain criterion), já que não possui a parte da estrutura cerebral responsável pela

existência da consciência e que implicam na cognição, na percepção, na

comunicação, na afetividade. Estas, como se sabe, são características definidoras

da pessoa humana. Muito embora em alguns poucos casos a vida extra-uterina seja

possível, por um curto período e dependendo do suporte tecnológico disponível,

jamais o feto anencéfalo se tornará pessoa humana. Se não existe viabilidade de

vida humana, não há que se falar em dignidade, nem sequer relativa.

Por outro lado, se o crime de aborto tem por objetividade jurídica proteger a

dignidade relativa do feto, a potencialidade de vida humana, e o portador da

anencefalia não possui esta dignidade, esta potencialidade, é de se concluir que, no

caso do abortamento do feto anencéfalo, não existe lesão ao bem jurídico tutelado

pelo tipo penal. Não havendo lesividade, não há que se falar em crime, pois o fato é

atípico.

Mesmo em se considerando que o feto anencéfalo portador de algum tipo de

dignidade relativa, é de se ponderar que a continuação de uma gravidez inviável não

pode ser imposta à gestante, portadora de dignidade plena, em homenagem a um

feto sem qualquer possibilidade de se tornar pessoa humana. Para se chegar a

considerar a ausência de consciência do feto anencéfalo, ou seja, o fato de não

haver possibilidade de sofrimento no abortamento, e a extrema dor psicológica da

gestante confrontada com um diagnóstico de anencefalia.

Muitos juízes têm deferido autorizações para interrupção da gestação de feto

inviável baseado nos dogmas constitucionais de que ninguém deverá ser submetido

à tortura e a tratamento desumano atendendo o princípio da dignidade humana.

Assim, proibir o abortamento no caso de anencefalia por motivos religiosos é

inadmissível em um Estado laico. Com a permissão, cada um terá o direito de

39

escolha, e poderá agir de acordo com a sua crença, já com a proibição, a fé de

alguns é imposta a todos, constituindo tratamento desumano e inadmissível tortura

psicológica.

Concluindo, não restam dúvidas de que o abortamento do feto anencéfalo não

é crime, sendo caso de atipicidade da conduta pela ausência de lesividade ao bem

jurídico tutelado pelo tipo penal, que no caso é o aborto.

Afinal, o nascimento é vida e comemorações e não um funeral.

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REFERÊNCIAS

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