o desenho no gênero - karina prezemolski

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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS UNIDADE ACADÊMICA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇAO INFANTIL Karina de Moura Prezemolski O DESENHO NO GÊNERO São Leopoldo

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Este trabalho faz uma reflexão sobre a infância contemporânea, o desenvolvimento do desenho e do Gênero no espaço da Educação Infantil. Analisa de forma mais detalhada linhas e pensamentos sobre o desenho infantil. Os desenhos feitos pelas próprias crianças serviram de objeto de estudo para evidenciar a capacidade de expressão infantil, para analisar se há uma contraposição em relação a desenhos de meninos e das meninas. Este trabalho defende a retirada de atividades mimeografadas ou quaisquer outras atividades que desrespeitem as potencialidades e as vivências da criança. Busca, de maneira geral, refletir sobre a forma em que as escolas infantis tratam os desenhos, e de que modo atos da sociedades estão sendo visto pelos pequenos através do desenho, sendo que esta reflexão coloca-se como um dos tantos passos que o educador, enquanto profissional comprometida com a educação de seus alunos deve se doar para transformar a escola...

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Page 1: O Desenho no Gênero - karina prezemolski

UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOSUNIDADE ACADÊMICA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇAO INFANTIL

Karina de Moura Prezemolski

O DESENHO NO GÊNERO

São Leopoldo

2010

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Karina de Moura Prezemolski

O DESENHO E O GÊNERO

Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização apresentado como requisito parcial para obtenção título de Especialista em Educação Infantil, pelo Curso de Especialização em Educação Infantil da Universidade do Vale do Rio dos Sinos- UNISINOS.

Orientadora: Profa. Ms. Marita Martins Redin

São Leopoldo

2010

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Dedico este trabalho:

Primeiramente a Deus, por existir em minha vida.

À minha mãe, por ter sido sempre fonte de inspiração, e me ajudado

muito em meu trabalho.

Ao meu pai, que me deu educação e muito amor.

À minha sobrinha, Pietra,pelas alegrias em nossas brincadeiras.

Ao meu mais novo sobrinho, Lorenzo, Por trazer mais felicidades e esperança a nossa família.

Page 4: O Desenho no Gênero - karina prezemolski

Agradecimentos

Foram muitos, os que ajudaram a concluir este trabalho.

Meus sinceros agradecimentos...

...À minha mãe, por ter me ajudado com suas idéias

envolvendo-se totalmente como meu estudo;

...Ao meu Pai, que mostrou me com seus gestos a honestidade

e simplicidade de viver;

...Ao meu namorado, Rafael,por ter agüentado inúmeras vezes minhas irritações, choradeiras e

ainda pacientemente me levava na Unisinos;

...À minha prima, amiga e colega Halina, pelos dias que pareciam não ter fim, ouvindo falar deste trabalho;

...Á minha irmã Carla e meu cunhado Fabiano,

por terem me dado o maior de todos os presentes: minha sobrinha e afilhada Pietra, e agora o Lorenzo que por inúmeras vezes

me fez rir quando estava casada e estressada; ...À professora Marita Redin,

por ter aceitado comigo este desafio, e também

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pelo seu carinho, ajuda e compreensão;

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RESUMO

Este trabalho faz uma reflexão sobre a infância contemporânea, o desenvolvimento do desenho e do Gênero no espaço da Educação Infantil. Analisa de forma mais detalhada linhas e pensamentos sobre o desenho infantil. Os desenhos feitos pelas próprias crianças serviram de objeto de estudo para evidenciar a capacidade de expressão infantil, para analisar se há uma contraposição em relação a desenhos de meninos e das meninas. Este trabalho defende a retirada de atividades mimeografadas ou quaisquer outras atividades que desrespeitem as potencialidades e as vivências da criança. Busca, de maneira geral, refletir sobre a forma em que as escolas infantis tratam os desenhos, e de que modo atos da sociedades estão sendo visto pelos pequenos através do desenho, sendo que esta reflexão coloca-se como um dos tantos passos que o educador, enquanto profissional comprometida com a educação de seus alunos deve se doar para transformar a escola em um ambiente de qualidade e de significativas experiências para as crianças.

Palavras-chave: Educação Infantil. Gênero. Desenho. Professor Reflexivo.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

IMAGEM 1: Desenho realizado por Vitor ..................................................................51

IMAGEM 2: DESEMHO REALIZADO POR RIAN................................................................53

IMAGEM 3: DESENHO REALIZADO POR INGRID..............................................................54

IMAGEM 4: DESENHO RALIZADO POR ANA PAULA........................................................56

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................082 INFÂNCIAS............................................................................................................113 GÊNERO E CRIATIVIDADE...................................................................................18

3.1 A estética no cotidiano......................................................................................29

4 O DESENHO..........................................................................................................315 A FAMILIA E O PROFESSOR...............................................................................426 DESENHANDO......................................................................................................50CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................58REFERÊNCIAS.........................................................................................................61

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho, intitulado O desenho e o gênero, constitui-se de um

conjunto de experiências adquiridas durante o curso de Pedagogia e de pós-

graduação na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS.

O objetivo do trabalho é demonstrar como a criança se desenvolve no

processo do desenho, qual a diferença aparente no desenho de meninas e

meninos e que importância faz formar de sujeitos sensíveis e criativos para uma

sociedade mais harmônica e talvez até mais justa. A falta de trabalhos de

conclusão e monografias sobre a temática, o fascínio que tenho sobre desenhos

especialmente de crianças e à relevância do assunto, foram os principais motivos

para trabalhar este tema.

Surge uma expectativa de buscar maior aprofundamento, para aprimorar

minha prática, assim como contribuir para que novas reflexões e trabalhos sejam

feitos neste campo, busquei desenvolver este estudo.

Baseada nas práticas que tenho observado nas escolas infantis,

principalmente na região onde resido na cidade de Porto Alegre- RS, Zona norte, e

com o intuito de qualificar cada vez mais o trabalho destinado a crianças de 0 a 5

anos, faço as minhas reflexões buscando autores que possam dar algumas

respostas às minhas indagações diante das frustrações que venho sentindo ao

observar as práticas dos professores de Educação infantil em relação as artes.

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Page 10: O Desenho no Gênero - karina prezemolski

O trabalho terá como objetivos refletir sobre questões tais como: Qual a

importância do ato de criar na educação infantil? Como a criança desenvolve o

gosto, a sensibilidade na infância? Como se desenvolve o desenho infantil? Quais

as linguagens que são privilegiadas ou silenciadas na escola? Existem diferenças

de gênero aparecem no desenho?

No primeiro capítulo intitulado Infâncias, faço uma reflexão, uma retomada

da concepção da infância, principalmente sob o ponto de vista da cultura, e como

as práticas culturais têm modificado a maneira das crianças viverem a infância nos

dias de hoje, numa sociedade marcada pela tecnologia e pela informação

midiática. Tendo em vista o mundo globalizado em que vivemos e a era

tecnológica que avança a cada dia, o que ocupava os dias das crianças de outrora

é diferente do que fazem as crianças de hoje?

No capítulo dois, exponho o que chamo de gênero e criatividade, ou seja,

veremos no gênero suas diferenças, o que é entendido por fazer criador e ainda

se o gênero influência no ato de criar. Em sub-capítulo, faço uma breve releitura

do meu trabalho de Conclusão, onde falo da Estética no Cotidiano.

O terceiro capítulo é dedicado ao desenho como ato de criação onde a

criança utiliza-se deste meio para se expressar, assim como um breve resumo de

como começou o estudo sobre o desenho infantil e os principais teóricos que

contribuem ou contribuíram para o mesmo.

No quarto capítulo, falo sobre a importância da família e o professor, e

suas influências na criatividade.

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No capítulo cinco, realizo uma breve analise de desenhos realizados por

meninos e meninas de cinco e seis anos.

O que escrevo aqui, certamente não será nenhuma novidade para muitos

e muito menos trago verdades absolutas, mas sim um trabalho sério e envolvente,

buscando contribuir para o surgimento de tantos outros na área de Educação

Infantil.

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2 INFÂNCIAS

A criança não é apenas um simples organismo em mudança,

não é apenas quantidade em anos,um dado etário, mas algo bem

mais complexo e completo.Regina Zilberman

Onde estão as crianças? Crianças não param de nascer, o nascimento

normalmente é algo previsto, almejado e antecipado pelos pais, no entanto, pela

sua fragilidade, o recém nascido está totalmente vulnerável ao adulto, desde sua

vestimenta até sua saúde. Falando de recém nascidos Larossa (2000, p.187) fala

desta vulnerabilidade e da não oposição da criança em relação ao poderio do

adulto. Este projeta o seu querer, o seu saber e até seus anseios e medos sobre

as crianças que chegam ao mundo. O autor ainda refere-se ao nascimento como o

princípio de um processo em que:

a criança, que começa a estar no mundo e que começa a ser um de nós, será introduzida no mundo e se converterá em um de nós. Esse processo é sem dúvida difícil e incerto. Mas apesar deste resto irredutível de incerteza, o nascimento põe a criança em continuidade conosco e com o nosso mundo (p.187).

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Ou seja, a criança é um estranho entre nós, adulto, mas ao mesmo tempo

precisa se aproximar da sociedade dos adultos para dar continuidade à

humanidade. Estamos, portanto, ao mesmo tempo pensando na criança como

possibilidade de renovação, de novidade, mas também em continuidade. Mas a

vida das crianças entre os adultos mudou e continuará mudando no decorrer dos

tempos. Não podemos mais comparar o nosso modo de ser criança com o modo

de ser criança das sociedades atuais. Também não podemos esquecer que, além

de historicamente esses modos sofrerem transformações, socialmente e

culturalmente, em diferentes contextos, as crianças desempenham papéis

diferentes, assumem lugares diferentes.

De acordo com o modo em que vive a infância a criança relembra por

mitos anos de sua vida, principalmente pela interação com outras crianças e pela

possibilidade de como utilizar a imaginação, para buscar novas brincadeiras.

Constato pelo que observo nas crianças, que hoje essas formas de brincar se

transformaram. Os brinquedos já vêm com a inscrição do que podem oferecer e a

mídia ajuda a direcionar o foco das fantasias infantis. A imaginação criadora que

era fomentada pelas brincadeiras de e na rua e, sem muitos brinquedos

industrializados, deu lugar a uma certa passividade diante dos apelos midiáticos

ou então a uma imitação de modelos, por ela veiculados. Ao observar crianças

brincando, não vejo o desenvolvimento da imaginação, a não ser em crianças em

torno de quatro anos, no brincar de faz-de-conta.

Pilar (2001) ao questionar onde estão as crianças, traz os dados de uma

pesquisa realizada em 1997: De 14 milhões de crianças brasileiras entre 2 e seis

anos, 70%, aproximadamente 10 milhões, não estão em creches, nem em escolas

de educação infantil.

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Mas o que fazem esses 10 milhões de crianças que não estão nas escolas

nem nas ruas brincando?

Segundo a mesma autora, no início do séc. XX, as famílias eram grandes,

pais jovens e repressores: pouco se sabia sobre o desenvolvimento cognitivo,

afetivo e motor. As crianças eram consideradas como mini-adultos e vestidas

como tal. Hoje existem lojas especializadas com diversos artefatos para crianças.

Sapatos e roupa evoluíram muito no conforto, mas na sua grande maioria esses

produtos imitam o mundo dos adultos. Muitas das marcas especializadas vendem

tamancos e botinhas de saltinho que às vezes, têm de ser tirados por

machucarem os pés.

As crianças que brincavam com os irmãos e primos, hoje vão para a

escola de educação infantil para poder brincar com crianças, já que atualmente, se

não são filhos únicos, são no máximo de dois irmãos, isso na classe média e alta.

Uma das reportagens da Folha de São Paulo (2005) traz dados sobre a

diminuição de crianças no Brasil e cita os casos das cidades de São Paulo e Rio

de Janeiro, onde a população infantil tem diminuído consideravelmente nos

últimos anos. Diz a reportagem “a diminuição na taxa de fertilidade das mulheres

paulistanas, principalmente em famílias de classe média, está mudando a cara de

alguns bairros” (p.6). Os repórteres chamam a atenção para a diminuição do

numero de crianças nos grandes centros:

Em São Paulo, de 1996 a 20004 estimativas da fundação SEADE mostram que a cidade “ganhou” 639 novos moradores, mas “perdeu” 52 mil crianças. No Rio de Janeiro, segundo dados dos censos do IBGE, de 1991 a 2000, a população ficou maior em 377 mil habitantes, mas o número de crianças diminuiu 59 mil. A queda ou aumento da população infantil em cada bairro muda a rotina dos moradores. Em áreas de classe média, com diminuição do número de crianças, estão sobrando áreas de lazer, que são cada vez mais utilizadas por cachorros (GÒIS;BRITO, 2005,p.4).

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O tempo da criança também vai sendo administrado pelo mundo dos

adultos. Vai sendo ocupado, primeiro na escola de educação infantil, um pouco

maiorzinhos já freqüentam o inglês, cursos de informática, balé entre outro a fim

de se “desenvolverem”, acarretando uma sobrecarga de responsabilidades. As

mudanças da sociedade, na sua forma de organização e produção, fazem com

que tanto o espaço como o tempo de infância, seja administrado pela necessidade

de produtividade. Sem espaço e sem tempo de serem crianças, cresce entre a

população infantil o stress. O psiquiatra Vladimir Bemik, que coordena uma clínica

de Stress em São Paulo, fala das conseqüências do excesso de afazeres que

acometem as crianças nos dias de hoje e que desencadeiam crises de stress.

Para o profissional de saúde, cerca de 8 em 10 consultas nos consultórios

pediátricos, são devido a problemas relacionados c direta ou indiretamente ao

stress. Com a volta às aulas e aos diversos compromissos arranjados pelos

adultos, as crianças se tornam irritadas, com comportamentos anti-sociais, tristes,

arredias, “paradas ou desligadas dos pequenos prazeres do seu mundo, como

brincar, conversar com amigos” (BEMIK s/d p.06).

Muitas moram em apartamentos, sem quintal, sem jardim. Devido à violência das cidades grandes, os brinquedos na rua ou nos parques são controlados por um adulto. A produção cultural para as crianças assume, então um lugar importante Umberto Eco (1987) chama de ‘estruturas de consolação’ esta possibilidade de a criança viver através de produtos culturais, aquilo que lhe é negado no real (PILLAR, 2001, p.20).

Esta espécie de consolação pode ser encontrada em vários espaços,

principalmente naqueles lugares que precisam das crianças como clientes, como

consumidoras de seus produtos. Encontra-se em mini parques de supermercados,

em cantinhos especiais de lojas comerciais e até nas propagandas de comerciais

que criam formas de identificação das crianças com mercadorias. As diferentes

culturas sobre o que representa ser criança acabam gerando infâncias

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diferenciadas. Em alguns lugares, as crianças têm espaço e tempo para brincar,

sem preocupações e compromissos; em outros possuem agendas cheias e

inúmeras atividades para encher o seu dia. Nas classes mais populares logo cedo,

as crianças vão trabalhar para ajudar na renda da família. Portanto, as crianças de

diversas classes sofrem influências diferentes, o que as torna adultos diferentes

em relação ao acesso a bens e a formas de viver. Para Pillar (2001.p 22)

O ser criança está profundamente enraizado em um tempo e espaço, influenciando e sendo influenciado pelo seu meio sócio-cultural. A criança como sujeito vai se constituindo na interação com o meio; ao mesmo tempo em que se constrói reconstrói o mundo para se apropriar dele.

Logo, temos que levar em conta o ambiente sócio-cultural em que a

criança está inserida, que irá influenciar na sua formação como ser humano,

inclusive no seu gênero marcando a educação de meninos e meninas que acaba

sendo estabelecida pela sociedade. A produção cultural para a criança, ou seja, o

conjunto de bens materiais e de produtos voltados para o público infantil são

exemplos de como o ambiente em que as crianças vivem marca também a sua

forma de ser, seus valores, crenças, gostos. Dessa forma o que se produz para a

criança, passa a produzir também um jeito de ser criança.

A produção cultural para a criança transforma-se mais do que tudo em um

comportamento voltado para o consumo, tal qual o que predomina na sociedade

capitalista. Na relação cultura- criança Perrotti (1990, p.16) nos fala que:

Tal concepção de cultura ajusta-se, por sua vez, com facilidade, às concepções de crianças vigentes em nossa sociedade. Assim, enquanto faixa etária ‘incompleta, a criança deve ser consumidora passiva de produtos culturais elaborados para ela e pelo grupo social, afim de que possa se tornar um ser humano evoluído, ‘completo’, vale dizer, adulto. Sua inclusão social (isto é, nas classes dominantes) está garantida pelo consumo.

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Nesse enfoque, a sociedade que fica evidente é aquela das

desigualdades, privilegiando o grupo com mais condições de consumo. Visto que

a criança não tem autonomia, é considerada como alguém incapaz de produzir

cultura e quase sempre participa ou consome produtos culturais criados pelo

adulto. A posição da criança como ser inútil, não produtivo economicamente e

também incapaz de contribuir simbolicamente para uma cultura, é histórica e não

natural, pois Perrotti (p.18), afirma que: “Nossa organização social é de tal modo

‘adultocentrica’, que nossas reflexões sobre a criança e seu universo cultural

correm sempre o risco de, repetindo a organização social, situar a criança em

condição passiva face à cultura”.

Com essas reflexões, quero chamar a atenção para as mudanças que

estão ocorrendo na sociedade contemporânea em relação às crianças e suas

formas de viver e participar do universo dos adultos, principalmente mostrando

como a sociedade, pelas formas simbólicas veiculadas pela cultura midiática, vai

ajudando a conformar uma infância diferente daquela que tradicionalmente

conhecíamos pelas nossas próprias vivências ou pelas narrativas de nossos

antepassados. Se a sociedade se modifica, cria novos produtos, artefatos

tecnológicos, as crianças, desde a mais tenra idade e mesmo nas classes menos

favorecidas, têm acesso a bens como celulares e principalmente televisão. Pillar

(2001p. 25), diz que:

Hoje, praticamente as crianças, assistem televisão desde que nascem, seja por estarem na sala onde encontra-se o aparelho e pelas imagens ou pelo som lhes chamarem atenção, seja por estarem atentas as imagens que se movem e que parecem reais. É comum crianças irem até a televisão para pegar as imagens ou alguns produtos, ou se assustarem com as imagens que parecem sair da televisão. Ainda, os adultos transferem da televisão os cuidados com a criança, fazendo com que ela funcione como uma “baba eletrônica”.

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O fascínio que a televisão exerce sobre as crianças realmente é

surpreendente. A autora considera que isso acontece devido à interação existente

entre a criança e o meio e que a televisão possui o papel de “baba- eletrônica”.

Para Pillar, a TV tem a função de entreter a criança, pois assim ela não incomoda,

mas mais do que isso, a exposição aos diversos programas veiculados pela

telinha, ajuda a constituir um imaginário infantil. Nesse caso, o mínimo que os pais

deveriam fazer é selecionar o que está sendo visto por seus filhos já que eles

estão fazendo e refazendo o conhecimento de si e de sua volta.

Os simples desenhos televisionados, que parecem tão inofensivos, podem

lhes ensinar muito e alguns são bastante agressivos e preconceituosos. O que

eles têm a ensinar? As crianças necessitam de programas que vão além da

violência e do consumismo que permeiam a grande maioria dos desenhos.

Sendo assim, devido a tantas mudanças já ocorridas na infância, não

devemos estranhar e nem comparar com a nossa infância. Devemos ter a

compreensão que, o período da infância como uma época específica da vida, é

resultado de uma construção social. Para Postman (1999), a infância tende a

desaparecer, pois a idéia de criança ingênua, inocente, cada vez mais se distancia

dos modelos do início da Modernidade, onde um ideal de infância foi criado.

Atualmente, para o autor, as diferenças entre as idades tendem a desaparecer,

pois tanto os adultos querem beber da eterna juventude, como as crianças são

forçadas a viverem em conformidade com o mundo dos adultos. Para o autor, a

cultura, principalmente a cultura midiática, tem o papel de colocar todas as

pessoas diante de uma única e almejada realidade: a virtualidade. Vivemos,

portanto, num momento histórico onde, não mais poderíamos falar em infância

como uma categoria única e homogênea. Estamos diante da complexidade e da

diversidade de infâncias com as quais nos deparamos em diferentes contextos.

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Page 19: O Desenho no Gênero - karina prezemolski

3 GÊNERO E A CRIATIVIDADE

Imagens são palavras que nos faltaram.Manoel de Barros

Aurélio s.m. Grupo da classificação dos seres vivos que reúne espécies

vizinhas, aparentadas, afins, por apresentarem entre si semelhanças constantes: o

lobo é uma espécie do gênero "canis"; todas as espécies de roseiras são

agrupadas no gênero "rosa". / Maneira de ser ou de fazer: é esse o seu gênero de

vestir-se. // Gênero literário, variedade da obra literária, segundo o assunto e a

maneira de tratá-lo, o estilo, a estrutura e as características formais da

composição: gênero lírico, gênero épico, gênero dramático. // Gênero humano, a

espécie humana. // Gênero de vida, modo de viver, de proceder.

Ainda na fase intra-uterina já esta estabelecida a diferença biológica, que

irá diferenciar os que são meninos dos que serão meninas. Atualmente, com o

avanço da medicina, com exames modernos de ultra-sonografia, já podemos

saber com certeza o sexo do bebe. Desde o momento em que se tem certeza do

sexo da criança passa-se a somar uma série de determinações culturais.

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Page 20: O Desenho no Gênero - karina prezemolski

Inicialmente, no convívio familiar a criança inicia suas primeiras lições

sobre gênero, reconhecer-se como menino ou menina implica em assumir uma

identidade específica, projetando sua vida, sua forma de pensar e atitudes muitas

das quais já eram esperadas mesmo antes de seu nascimento.

Mesmo tendo uma característica biológica, que a definirá como menino ou

menina, esta por si só não bastará, a criança será influenciada pelo grupo onde

ela esta inserida, e está influencia será fundamental, pois esse fator implicará em

muitas de suas atitudes e pensamentos diante da vida.

Roupas para adultos, tanto femininas como masculinas, ganham na

versão infantil desenhos que a mídia propaga como “Barbie” e “homem aranha”.

Essas são algumas das maneiras de ser criança no mundo atual.

Segundo Pillar (1997 p. 20)

Há toda uma indústria de moda infantil definindo o modo de vestir das crianças, roupas mais apropriadas desde o nascimento. Surgem salões especializados em tipo de corte de cabelo para crianças. A mídia eletrônica encarrega-se principalmente de difundir essa moda.

Estes exemplos demonstram que não podemos mais pensar na infância,

sem pensar nas estruturas que a engendram. Ao criar produtos específicos para

as crianças, a sociedade também cria papéis, comportamentos, gera expectativas,

coloca valores. E sabemos que entre esses valores para uma sociedade

capitalista, está o consumo.

Para Redin (1995, p.04):

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Page 21: O Desenho no Gênero - karina prezemolski

Dentro de um mundo massificado em que vivemos pelos meios de comunicação social, pela urbanização e pelo consumismo programado, cada vez mais, caminhamos para a mesmice dos espaços, das construções, da moda, dos comportamentos e, por pouco, também das idéias, dos sentimentos e das emoções.

Neste sentido, somos tomados pelo consumismo e propagados pela

comunicação. Pais e filhos são reféns do modismo imposto pela sociedade que é

refém de si mesmo.

Os pais que eram enérgicos e repressores, hoje são questionados e até

surpreendidos pelas perguntas e respostas das crianças. A falta de tempo para

ficar com os filhos traz aos pais a culpa e com o tempo os papéis se inverteram:

pais a obedecer e filhos a mandar.

Compreendendo a identidade de forma mais ampla e flexível,

marcadamente social contrapondo-se a estruturada na primeira infância Stuart

Hall(1997 p.13)

O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um ‘eu’ coerente. Dentro de nos há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas.

Mas, acredito também que apesar “dessas identidades contraditórias que

temos” as relações sociais seja na escola, igreja etc. irá desempenhar um papel

importante em relação ao conteúdo informal sobre gênero que vamos criando ao

longo de nossas vidas. De acordo com o modo que a criança se insere na

sociedade, participando assim de determinados grupos, convive com pessoas em

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Page 22: O Desenho no Gênero - karina prezemolski

um determinado lugar específico, vivenciando regras e princípios, que regulam

seu comportamento como menino ou menina.

Estas expectativas vigentes em tais grupos são influenciadas por diversos

fatores tais como: sociais, históricos, políticos, econômicos e culturais sendo

historicamente contestados e resignificados.

Entretanto, muitas pessoas aceitam facilmente a idéia que existe uma

“natureza” ou “essência” que justifica ou explica certos comportamentos no que se

refere a masculino e feminino.

Achar por exemplo que, nós mulheres somos mais sensíveis e que temos

algo inato para educar/cuidar de crianças ou ainda que todas nós mulheres já

nascessem para maternidade, e que homens trabalham fora para prover o

sustento da família, pois é mais “forte”, tal concepção está inserida na sociedade e

é aceita pela maioria das pessoas, mas por muitas vezes precisamos parar para

pensar em tais concepções sobre gênero que foram construídas ao longo de

nossa história.

Isto quer dizer que ao parar para refletir temos que pensar sobre as coisas

que fazemos e onde aprendemos a fazer? Porque fazemos de uma maneira e não

de outra? De onde vem o modo que pensamos e agimos em relação ao gênero?

Principalmente perante nossos alunos já que irá canalizar este nosso jeito de

alguma maneira. Muito do que diz respeito a nos homens e mulheres está

incorporado em nosso cotidiano formal e informal que nem nos questionamos

mais.

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Page 23: O Desenho no Gênero - karina prezemolski

Na prática docente ela atravessa os conteúdos de disciplina que compõem

o currículo oficial, muitas vezes nem pensamos a literatura escolhida, nas revistas

utilizadas para recorte e colagem, sem falar nos presentinhos de datas

comemorativas. E necessário saber que, o ponto de partida deste trabalho está na

criatividade, ou seja, na capacidade que todo o ser humano tem de transformar,

inventar e criar.

E na Arte, que do ponto de vista etimológico da palavra, arte está ligada

ao termo criar, que quer dizer “dar à existência a”. Para Euclides Redin (1995, p.4)

arte significa a possibilidade de objetivar as próprias visões. Logo, o fazer arte irá

se confundir com o ser, que será o fazer em criação e mais “Este fazer recria o

real por uma consciência que se assume instigada pelo real, e se torna capaz de

descobrir, dentro da própria visão inaugural de cada ser, de cada coisa, pessoa ou

fato”. Não distante, Meira (1995, p.64) nos diz que:

A forma artística seja ela plástica, dramática, musical, não é o fim, a culminância de um processo formativo. Esses processos vão começar a viver esteticamente por ação daqueles que com ela se relacionarem e de certo modo mais intenso, rico e criativo quando houver uma percepção e uma sensibilidade desenvolvidas para apreender sua densidade de propostas. Propostas verbais e não- verbais.

Se unirmos a dimensão da arte com a educação terá talvez uma nova

forma de pensar o gênero, compreender, atuar no mundo. Nesta perspectiva,

temos de levar em conta: a pessoa que cria o processo criador, o produto criado e

as influências ambientais independentes de Gênero.

Segundo Novaes (1975, p. 18) “criar é expressar o que se tem dentro de

si...” a autora Ostrower (1978, p.8) fala que: “ na essência, o que significa criar: é

formar, relacionar as coisas e compreendendo os novos relacionamentos, dar-lhes

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Page 24: O Desenho no Gênero - karina prezemolski

uma forma nova.”. A autora ainda distingue criatividade que é um potencial

originado na sensibilidade e criação, como o ato concreto do criador.

Para muitas pessoas, a criação é um dom que nasce com a pessoa,

existindo assim pessoas criativas e outras não. Falando de criatividade, Ostrower

mostra que o processo de criação é inerente ao ser humano, é uma capacidade

que pode ser desenvolvida, alimentada e não resultado de um dom, de algo

genético, privilégio somente de algumas pessoas:

Penso ser impossível, inadmissível mesmo, ver o fenômeno da

criatividade como um fenômeno aleatório ou sem referências na vida

real e na experiência comum dos homens. (p.9)

Para a autora, a criação não se restringe a uma área específica, como a

arte e também não surge como “insight”, ou como um ato mágico. Ela diz que o

processo criador está vinculado à vida real, às experiências significativas da vida.

Coloca os processos de criação como necessários ao fazer /ser humano, que

chama de necessidades existenciais. “O homem cria, não apenas porque quer, ou

porque gosta, e sim porque precisa; ele só pode crescer enquanto ser humano,

coerentemente, ordenado, dando forma, criando” (OSTROWER, 1978, p.10).

Portanto não podemos considerar o ato criador como um dom, como uma

dádiva divina e nem como um elemento acabado, fechado e possível de ser

programado. Existe, segundo a mesma autora, uma intencionalidade humana no

ato criador, mas todo sujeito está inserido em um contexto cultural no qual gera

comportamentos, crenças, compreensões e representações de mundo. As

culturas acabam interagindo com a consciência e a sensibilidade humanas numa

relação complexa e não linear. Portanto, toda forma criativa gerada pelo “potencial

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Page 25: O Desenho no Gênero - karina prezemolski

consciente e sensível de cada um, se realiza sempre e unicamente dentro de

formas culturais” (p.11).

Como o ato de criação é uma condição de humanização, que não é inato,

mas desenvolvido nas relações com a cultura e com os sentidos que cada sujeito

dá ao mundo, podemos pensar na importância da educação voltada para a

dimensão criativa da criança.

Nenhuma pessoa cria do vazio e nem nasce com “dons”; sempre há uma

educação para a sensibilidade, para a percepção, para a consciência do mundo e

uma relação com a cultura, onde conhecimento, valores e experiências já vividas,

transformam o velho em novo, fazer resignificação da realidade a partir de novas

concepções.

Para autoras como Borba e Goulart, dizem que:

O processo criador, segundo Vygotsky, ao interpor realidade, imaginação, emoção e cognição, envolve reconstrução, reestruturação, reelaboração, redescoberta. Neste sentido, é sempre um processo singular que o sujeito deixa suas marcas revelando seus encaminhamentos, ordenamentos e formas próprias de se relacionar com os materiais, com o espaço, com as linguagens e com a vida (2006, p.15).

Portanto é fundamental para que tenhamos sujeitos criativos, que a

educação alimente esse processo criando condições para que as crianças se

desenvolvam criativamente. A criação depende das escolhas da criança, criar

livremente não significa fazer qualquer coisa, de qualquer forma, mas

principalmente estabelecer novas relações.

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Page 26: O Desenho no Gênero - karina prezemolski

Rodari (apud FOTTORI, 1982, p.140) diz: [...] em última análise, todos

podem ser criativos, se não quiserem viver em uma sociedade repressiva, em uma

família repressiva, em uma escola repressiva... É possível uma educação pela

“criatividade”. Mas o mesmo autor nos diz que quem é criativo tem a capacidade

de romper esquemas, pois tem uma mente que trabalha e está sempre fazendo

perguntas, mas a “dificuldade” do professor em lidar com crianças criativas está na

comodidade e na rotina de sala de aula imposta pelo professor.

Assim a criação apesar de ser sempre original e individual, porque é um

esforço autêntico de criação interior, sempre está atrelada às condições culturais

em que se desenvolve. Logo há uma relação entre criatividade e descoberta.

Em se tratando de educação, estamos falando de conhecimento, de que

forma o homem conhece o mundo. Para Duarte Jr. (2000, p.15) o conhecimento

está relacionado com o símbolo; “Não há conhecimento sem símbolo”, logo a

expressão infantil será antes uma vivência, uma descoberta, pois o mundo não é

só o que pensamos, mas, também o que vivemos e através destas vivências a

criança irá se expressar.

A arte é produto de uma cultura e de determinado período histórico,

Duarte jr., afirma que “o povo expressa seus sentimentos e interpreta o que vive

em seu ambiente na sua época” (p.18).

Picosque e Guerra (1998, p.21) neste sentido de historicidade concordam

com Duarte Jr. Dizendo que:

Não somos, como alguns pensam, seres sem memória, como uma tábula rasa que a educação vai moldando. Somos seres históricos. Nossa história pessoal e cultural está impregnada em nós, determinada pelo tempo e espaço em que vivemos.

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Page 27: O Desenho no Gênero - karina prezemolski

A arte, portanto é também uma forma de linguagem. Quando pensamos

em linguagem, vem à mente o que estamos condicionados pela própria

linguagem, a condição do pensamento é linguagem, é oral ou escrita, mas além

destas linguagens, também temos outros modos de expressão e comunicação que

nos trazem outras formas de conhecimentos.

Picosque e Guerra falam sobre a linguagem e signos: “pode-se dizer que

a linguagem é um sistema simbólico e toda linguagem é um sistema de signos” (p.

38).

Estes signos servirão para a expressão de um entendimento do outro,

portanto nos comunicamos através de signos que formam um sistema simbólico,

que é a linguagem, podendo ser verbal ou não-verbal entre nós seres humanos.

“[...] Por isso é que toda linguagem é um sistema de representação pelo qual

olhamos, agimos e nos tornamos conscientes da realidade” (p.37).

Se a arte é uma linguagem e a linguagem é um sistema de representação,

logo a arte é um modo de criar linguagens. Para Picosque e Guerra, “Toda

linguagem artística é um modo singular de o homem refletir – reflexão/reflexo- seu

estar no mundo” (p.41). Para as autoras, a linguagem da arte leva o ser humano à

“capacidade de inventar e ler signos com fins artístico-estéticos” (p.41), ou seja,

podemos utilizar a representação para ultrapassarmos o previsto e já conhecido

fazendo com que nos apropriemos do que é desconhecido para nós, reformulando

nosso conhecimento sobre si e o mundo

Dizem as autoras: ( 1998, p.46):

Pensar no ensino da arte é, então, pensar na leitura e na produção na linguagem da arte, o que, por assim dizer, é um modo de sensibilidade.

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Page 28: O Desenho no Gênero - karina prezemolski

Isso pode nos tornar mais sábios, seja sobre nós mesmos, o mundo ou as coisas do mundo, seja sobre a própria linguagem da arte.

A linguagem da arte tem o poder de sensibilizar o ser humano. A partir do

momento em que ele se vê diante de uma arte, para olha e reflete querendo

adquirir mais ou confirmar seu conhecimento.

Sobre esta mudança de pensamento do individuo perante a arte Picosque

e Guerra (p.47) afirmam que:

A fruição é, portanto individual. A emoção, a sensação e o pensar que ela provoca em nós são ressonâncias internas provocadas pelas sutilezas da própria linguagem. Quando estamos diante de uma obra de arte, a recriamos em nós. A contemplação de uma produção artística nunca é passiva, algo de nós penetra na obra ao mesmo tempo que somos invadidos e despertados para novas sensibilidades.

Logo, a arte faz-nos pensar além do óbvio, do cotidiano, fazendo surgir

milhares de interpretações diante de cada manifestação humana, diante das

diferentes linguagem criadas.

Mas como se dá esse processo de expressão e de criação na infância?

Como a criança vai aprendendo a se relacionar com o mundo, com os outros com

os objetos e como vai se criando, desenvolvendo sua forma de ser um sujeito no

mundo?

É, principalmente com a emoção, a sensação e o pensar interno, que a

criança, através da arte, expressa suas sensibilidades, seu conhecimento do

mundo.

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Page 29: O Desenho no Gênero - karina prezemolski

A criança expressa seus sentimentos e experimenta o mundo ao seu redor

manifestando-se como ser de criação. Criando, ela se revela ao mundo e o

mundo a ela. Não diferente da arte que é produto de uma cultura, a arte na

educação infantil também revelará sentimentos de uma época vivida de sua vida.

A maneira de cada criança se expressar graficamente, corporalmente,

musicalmente é considerada por alguns como “arte infantil’. Para Lowenfeld (1961,

p.14), a criança passa por momentos diferenciados da expressão, no decorrer do

seu desenvolvimento. É diferente em diversas épocas de sua vida, sendo

fundamental para o educador o estudo dessas linguagens para auxiliar no

processo de criação.

Devemos tratar de recuperar o que sepultou a civilização voltando a estabelecer as bases necessárias para que seja possível a criação livre. Onde quer que ouçamos uma criança dizer “não sei desenhar isso”, podemos estar seguros de que em sua vida existiu algum tipo de interferência (LOWENFELD, 1961, p.14).

Esta interferência que o autor coloca faz com que a criança transmita em

seus desenhos, que irá aparecer como posicionamento do sentimento que foi

vivido, ou seja, se eu não sei fazer, sou incapaz; logo, não sei desenhar e a sua

expressão artística passará pouco a pouco a ser abandonada pela criança

tornando-se um adulto que reproduz estereótipos já inseridos na sociedade.

A arte, como movimento, como brincadeira, é uma dimensão humana

universal que está presente em toda criança, embora comece a desaparecer no

adulto por demais marcado pela ‘ educação’ das instituições nas quais é

enquadrado desde que nasce.

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Page 30: O Desenho no Gênero - karina prezemolski

É preciso esclarecer ainda a diferença entre a comunicação que diz

respeito à transmissão de significados explícitos e a expressão, que não admite

significados conceituais.

3.1 A Estética no Cotidiano

A arte não é um espelho para refletir o mundo, mas um espelho para forjá-lo

Maiakovski

Quando estamos nos referindo à estética, estamos falando além da arte,

Segundo Duarte Jr. (2000, p.18)

O termo estética supõe certa harmonia, certo equilíbrio de elementos, mas em nossa civilização, vem sendo sobremaneira difícil o encontro entre um equilíbrio entre os sentidos que damos à vida e as nossas ações concretas do cotidiano. Talvez se possa considerar que nas nossas culturas ditas "primitivas” a vida seja mais esteticamente vivida, na medida em que cada ação do indivíduo faz parte do universo de valores e sentidos, do qual ele tem uma visão abrangente. Enquanto que nós civilizados, estamos mergulhados num oceano de significações, entre as quais devemos eleger aquelas que pautem o nosso agir diário.

O autor se refere à dimensão estética que permeia a nossa vida cotidiana

e que nem sempre, como adultos programados para viver o corre-corre da

sociedade produtiva, conseguimos perceber e dar um sentido estético à vida. Isso

se torna um pouco menos brutal na infância. Todos têm saudades dos tempos em

que conseguíamos uma relação saudável com a natureza e uma relação de

transparência com nossos semelhantes; o tempo em que não tínhamos horários e

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Page 31: O Desenho no Gênero - karina prezemolski

nem compromissos, onde a vida se sustentava pelo lúdico, pela fantasia, pela

relação amorosa.

Nem sempre é possível que este agir diário se coadune com o nosso esquema de valores e significados. Assim a própria educação possui uma dimensão estética: levar o educando a criar os sentidos e valores que fundamentem sua ação em seu ambiente cultural, de modo que haja coerência, harmonia, entre o sentir, o pensar e o fazer (DUARTE JR. 2000, p.18).

Segundo Duarte Jr. a estética tem como base simetria, semelhança e

ritmo; através de grupos, a sociedade tem uma percepção do que é bonito do que

é feio, ou seja, os nossos gostos e percepções estão marcados pelo social. Porém

nem todos conseguem acompanhar o processo de criação; as pessoas

normalmente não se apropriam do modo como são feitas, criados os diferentes

artefatos culturais entre os mesmos as diferentes formas de arte e, portanto artes

e dão o valor ao produto final. Participam muito mais como expectadores do que

como atores sujeitos que criam.

A estética na educação infantil, como atividade artística não pode visar ao

produto final, já que a criança adquire características lúdicas, ou seja, o processo

é mais significativo que o produto final. Segundo Duarte Jr. “não se pode encarar a

arte infantil sob o prisma da estética, ou seja, do ponto de vista da produção de

objetos belos e harmoniosos” (p.112).

Para a criança, a arte é um passatempo que possibilita o seu

entendimento sobre si e o mundo, selecionando, classificando e organizando seus

pensamentos, dando os novos significados, ou seja, a criação é uma constante na

vida da criança.

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Page 32: O Desenho no Gênero - karina prezemolski

O homem é um ser criador e é a partir desta capacidade que ele pode

realizar-se, ou seja, a criança para realizar-se e desenvolver-se, necessita da

criação, de tempo e espaço para usar a sua necessidade fundamental de

expressão.

4. DESENHO

"Antes eu desenhava como Rafael,mas precisei de toda uma existência

para aprender a desenhar como as crianças".(Picasso)

O desenho é o modo natural e espontâneo da criança expressar seu

pensamento. Para isso, é necessário que ela tenha liberdade e estímulo para

desenhar livremente, sempre que desejar, e nas situações e formas variadas.

Sans, Paulo Tarço Cheida nos diz que: (2009,p.22)

Do ponto de vista etimológico esta ligada ao termo criar, que quer dizer

dar a existência a, sair do nada e então através destas estabelecer relações do

individuo com o universo com determinados fins.

Temos de levar em conta: a pessoa que cria o processo criador, o

produto criado e as influências ambientais.

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Page 33: O Desenho no Gênero - karina prezemolski

Segundo Novaes (1975) “... criar é expressar o que se tem dentro de

si...” (p. 18). Assim a criação deve ser sempre original e individual, porque é um

esforço autêntico de criação interior, logo há uma relação entre criatividade e

descoberta.

Em se tratando de educação, estamos falando de conhecimento, de que

forma o homem conhece o mundo, e para tanto o conhecimento esta relacionado

com o símbolo que para Duarte Jr. 2000 “Não há conhecimento sem símbolo”

(p.15), logo a expressão infantil será antes uma vivencia, uma descoberta, pois o

mundo não é só o que pensamos, mas, também o que vivemos e através destas

vivencias a criança irá se expressar.

Para ciência e filosofia a arte é produto de uma cultura com um

determinado período histórico, Duarte jr., afirma que “o povo expressa seus

sentimentos e interpreta o que vive em seu ambiente na sua época.”p.18.

A arte é uma forma de expressão onde a criança expressa seus

sentimentos e compreende a experiência. Criando, ela se revela ao mundo e o

mundo a ela. Não diferente da arte que é produto de uma cultura a arte na

educação infantil também revelará sentimentos de uma época vivida de sua vida.

A maneira de cada criança se expressar graficamente é diferente em diversas

épocas de sua vida, sendo fundamental para o educador o estudo da evolução do

grafismo infantil, que abordarei mais tarde.

É preciso esclarecer ainda a diferença entre a comunicação que diz

respeito à transmissão de significados explícitos e a expressão, que não admite

significados conceituais.

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Page 34: O Desenho no Gênero - karina prezemolski

A necessidade de se expressar faz parte da condição humana. A criança, desde a primeira infância, procura comunicar-se de algum modo, no inicio, por meio do choro e dos gestos e, aos poucos, desenvolve seu próprio código de comunicação. Entretanto, existe uma forma de expressão constante em todas as crianças, o ato de desenhar. (Duarte Jr. 2000 p.17)

Apesar de o desenho ser a forma de expressão mais antiga, os estudos

sobre o assunto é recentes, pois o custo do material para desenhar era escasso e

de alto custo. Mais tarde quando o papel e o lápis tiveram um avanço tecnológico

onde se conseguiu seu barateamento, que o desenho infantil foi mais divulgado,

tornando-se alvo de pesquisadores no fim do século XIX e inicio do século XX.

Maureen Cox em Desenho da criança (2007) nos conta como começou o

interesse dos pesquisadores desta área. Segundo a autora, o estudo sobre o

desenho infantil começou a cerca de 100, na década de 1880, um Italiano

chamado Conrrado Ricci buscava abrigo em uma viela, pois o dia estava chuvoso

e alguns rabiscos na parede chamaram sua atenção “Viu alguns desenhos

encantadores e um tanto desajeitados que qualquer pessoa reconheceria como

feitos por mão infantil.” (p.2). Ricci começou a ficar intrigado com o que havia de

diferente da arte convencional do adulto, seu interesse começava a surgir e com

seu livrinho A arte das crianças pequenas, publicado em 1887, começava o

interesse pelo desenho infantil com a primeira publicação sobre o assunto.

Mas mesmo assim, o desenho infantil nunca foi preservado, e as crianças

vêm desenhando há séculos, Cox (2010, p.3) explica que:

Uma das razoes pode ser a que nossos antepassados consideravam a infância de modo muito diferente de como nós entendemos hoje. Em geral o modo de pensar e de entender próprio das crianças, assim como

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Page 35: O Desenho no Gênero - karina prezemolski

suas habilidades, eram consideradas imperfeitas ou inferiores aos adultos, não merecendo, portanto ser registradas ou preservadas.

Sendo assim, somente no século XVIII, que se inicia um processo lento de

interesse pela infância. Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), filósofo e educador,

considerou a infância uma etapa importante no desenvolvimento para a vida

adulta, ele diferenciou a criança do adulto com a sente frase: “a criança é uma

criança, e não um adulto” que fez muita diferença na época, pois deu a entender

que as crianças tinham seu próprio modo de pensar, não sendo inferiores aos

adultos.

A maioria dos autores da época fazia relatos sobre seus filhos, Charles

Darwin publicou em 1877, um desses relatos que ficou conhecido como “biografias

de bebê”, os primeiros trabalhos que foram realizados sobre o desenho infantil

foram feitos por: Major, 1903; Dix 1912; Luquet, 1913; Krótzsh, 1917 e Eng, 1954.

Estes estudos contribuíram para Pedagogia, Psicologia, Sociologia e a

Estética. Com o passar do tempo o desenho passa a ser usado como um meio de

testes (investigação) e na terapêutica (processo de libertação).

Para a criança desenhar é um ato natural. O que importa é a ação daquele

momento desenhando espontaneamente. O desenho é uma das formas de

representação do pensamento, por meio da grafia a criança pode representar o

modo como pensa o mundo.

A maneira como cada criança se expressa graficamente é diferente em

diversas épocas de sua vida. Duarte Jr. Contribui-nos dizendo que: (2000, p.112)

Através de seu trabalho ela pode, de certa forma, ver-se “de fora’ já que existe (em maior ou menor grau) uma identificação sua com aquilo que

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Page 36: O Desenho no Gênero - karina prezemolski

ela produz. É freqüente, inclusive a própria criança aparecer retratada em sua obra quando essa identificação alcança grau mais elevado [...] Em geral ela sente prazer em mostrar aquilo que produz quando isso não ocorre – quando a criança procura esconder a sua arte- é sinal de que se sente insegura em suas relações de que sente medo em se expor.

Em Uma Análise Piagetiana, temos as seguintes etapas do

desenvolvimento no grafismo:

1 - Garatuja: Faz parte da fase sensório motora (0 a 2 anos) e parte da

fase pré-operacional (2 a 7 anos). A criança demonstra extremo prazer nesta fase.

A figura humana é inexistente ou pode aparecer da maneira imaginária. A cor tem

um papel secundário, aparecendo o interesse pelo contraste, mas não há intenção

consciente. Pode ser dividida em:

• Desordenada: movimentos amplos e desordenados. Com relação a

expressão, vemos a imitação "eu imito, porém não represento". Ainda é um

exercício.

• Ordenada: movimentos longitudinais e circulares; coordenação viso-

motor. A figura humana pode aparecer de maneira imaginária, pois aqui existe a

exploração do traçado; interesse pelas formas (Diagrama).

Aqui a expressão é o jogo simbólico: "eu represento sozinho". O símbolo

já existe. Identificada: mudança de movimentos; formas irreconhecíveis com

significado; atribui nomes, conta histórias. A figura humana pode aparecer de

maneira imaginária, aparecem sóis, radiais e mandalas. A expressão também é o

jogo simbólico.

2 - Pré- Esquematismo: Dentro da fase pré-operatória, aparece a

descoberta da relação entre desenho, pensamento e realidade. Quanto ao

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Page 37: O Desenho no Gênero - karina prezemolski

espaço, os desenhos são dispersos inicialmente, não relaciona entre si. Então

aparecem as primeiras relações espaciais, surgindo devido à vínculos emocionais.

A figura humana torna-se uma procura de um conceito que depende do seu

conhecimento ativo, inicia a mudança de símbolos. Quanto à utilização das cores,

pode usar, mas não há relação ainda com a realidade, dependerá do interesse

emocional. Dentro da expressão, o jogo simbólico aparece como: "nós

representamos juntos".

3 - Esquematismo: Faz parte da fase das operações concretas (7 a 10

anos). Esquemas representativos, afirmação de si mediante repetição flexível do

esquema; experiências novas são expressas pelo desvio do esquema. Quanto ao

espaço, é o primeiro conceito definido de espaço: linha de base. Já tem um

conceito definido quanto a figura humana, porém aparecem desvios do esquema

como: exagero, negligência, omissão ou mudança de símbolo. Aqui existe a

descoberta das relações quanto a cor; cor-objeto, podendo haver um desvio do

esquema de cor expressa por experiência emocional. Aparece na expressão o

jogo simbólico coletivo ou jogo dramático e a regra.

4 - Realismo: Também faz parte da fase das operações concretas, mas já

no final desta fase. Existe uma consciência maior do sexo e autocrítica

pronunciada. No espaço é descoberto o plano e a superposição. Abandona a linha

de base. Na figura humana aparece o abandono das linhas. As formas

geométricas aparecem. Maior rigidez e formalismo. Acentuação das roupas

diferenciando os sexos. Aqui acontece o abandono do esquema de cor, a

acentuação será de enfoque emocional. Tanto no Esquematismo como no

Realismo, o jogo simbólico é coletivo, jogo dramático e regras existiram.

5 - Pseudo Naturalismo: Estamos na fase das operações abstratas (10

anos em diante). É o fim da arte como atividade espontânea. Inicia a investigação

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Page 38: O Desenho no Gênero - karina prezemolski

de sua própria personalidade. Aparecem aqui dois tipos de tendência: visual

(realismo, objetividade); háptico (expressão subjetividade). No espaço já

apresenta a profundidade ou a preocupação com experiências emocionais

(espaço subjetivo). Na figura humana as características sexuais são exageradas,

presença das articulações e proporções. A consciência visual (realismo) ou

acentuação da expressão, também fazem parte deste período. Uma maior

conscientização no uso da cor, podendo ser objetiva ou subjetiva. A expressão

aparece como: "eu represento e você vê" Aqui estão presentes o exercício,

símbolo e a regra.

Esta tendência no desenho infantil a nível psicológico e fisiológico é

indiferente perante o País ou período histórico que vive a criança, segundo Sans

(2009, p.42) “... os desenhos contem similaridades que nos mostram uma visão

análoga de expressão entre elas.” Sendo assim, existem características nos

desenhos que aparecerão de acordo com cada etapa independente do local em

que ela esteja.

Gobbi e Leite (1999) contribuem trazendo fundamentações teóricas de

diferentes abordagens.

Abordagem psicológica do desenho:

Cunha, a autora pesquisada por Gobbi e Leite, nos mostra que a criança

desenha diretamente suas relações interiores, o outro autor Joseph Di Leo analisa

desenhos e nos diz que os desenhos revelam o desenvolvimento psíquico da

criança, sendo assim o autor utiliza o desenho com o intuito de solucionar esses

distúrbios, para tanto Joseph estudou 120 desenhos, procurando traços, cores,

rabiscos procurando sentimentos, angustias e ansiedades daqueles que

produziram.

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Page 39: O Desenho no Gênero - karina prezemolski

Entre a Psicologia e a Arte:

O autor Howaed Gardner, americano que atualmente pesquisa crianças

pré-escolares e inteligências múltiplas. Seu livro esta no campo da psicologia

desenvolvimentista, onde escreve um capitulo sobre as crianças pequenas como

artistas, o autor, entretanto trata de diferentes linguagens artísticas. Gobbi e Leite

(ano p.4) citam que: “Para Gardner há noções ou sensos que já encontran-se

presentes: a criança pequena já aprecia e compreende as mensagens

transmitidas pelos objetos de arte; há senso ritmo e harmonia, necessitando de

um pouco de refinamento” o que ira fomentar seu interesse para ser um jovem

artista e executor, pois sua interação com a arte ainda quando pequena reflete em

suas relações interiores.

Maria Isabel Gandra procura significações do desenho em sua pesquisa,

mas ressalta que acorre um maior amadurecimento entre os mais velhos, a partir

dos oito anos é que as crianças têm preocupações em colocar suas emoções e

acima dos doze anos de idade tem ‘portas abertas’ para um aprendizado

significativo da arte, mas não seria fácil esta explicação, pois os desenhos dos

menores trazem traços menos reconhecíveis?

A pesquisadora mais conhecida com 300.000 desenhos analisados de

crianças de dois a quatro anos de idades, é Rhoda Kellg (1981), segundo ela após

os quatro anos de idade a criança começa a fazer copia do que e ensinado pela

sociedade. Oposta a Lowenfeld, com as fases do desenho, ela analisa a

recorrência existente nos desenhos Kellog leva em consideração o desenho

espontâneo levando em consideração a cultura do lugar onde a criança vive.

Robert Coles (1992) percebeu que crianças com doenças graves e

crônicas conseguem se expressar e colocar sentimentos difíceis de verbalizar.

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Page 40: O Desenho no Gênero - karina prezemolski

Não é difícil, olhando desenhos e pinturas de crianças, perceber as

significativas influencias de suas experiências pessoais- ou os reflexos

de raça, classe, religião ou momento histórico no sentimento do que é

importante na vida de um menino ou menina (Coles, 1992, p.8-tradução

Gobbi e Leite)

Devemos ter cuidado ao levar em conta a analise de desenhos feito por

psicólogos, para não descriminalizar uma ou outra criança pelo desenho, devemos

levar em conta condições socioeconômicas, culturais étnicas e religiosa, ainda

mais se tivermos em mãos um único desenho, como vejo, frequentemente ser

realizado nas escolas com o chamado exame de prontidão, onde em um único

desenho realizado em uma folha a4 a criança precisa desenhar de forma

organizada.

Na sociologia, Vigostsky (1987) psicólogo atribuiu um papel preponderante

as relações sociais tanto que a corrente pedagógica que se originou de seu

pensamento é chamada de socioconstrutivismo ou sociointeracionismo, o autor

estava interessado no processo criador já que para ele pensamento/sentimento

caminham juntos e ultrapassa a imaginação/realidade, pois tudo no mundo é

cultura e esta é fruto da imaginação. Assim sendo, a composição do desenho é

aquilo que a criança já conhece.

Os desenhos são, então, signos constituídos pelas interações sociais.

Da mesma forma que não se prendeu as frases ou etapas em seus

estudos a cerca do desenvolvimento humano, elaborando os conteúdos

de zonas de desenvolvimento, também não aprisionou os desenhos.

(Gobbi e Leite 1999, p. 12)

Ciências sociais

Não tem feito estudos sobre a infância, tão pouco sobre crianças

pequenas, pois não aceitam as crianças como sujeitos autores de história.

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Page 41: O Desenho no Gênero - karina prezemolski

Filosofia

Ana Mãe Barbosa (1997), brasileira, trata de esclarecer a importância da

arte desde a alfabetização. O desenho para autora é uma forma de se expressar

não ocorrendo um estudo sobre a produção. Gobbi e Leite (p.15) resumem a parte

histórica da arte educação no Brasil, escrita originalmente pela autora Barbosa da

seguinte forma:

Ela afirma dentro da pedagogia neoclássica o desenho apresenta-se

como elemento principal do ensino artístico. Surge ao longo da

constituição da arte-educação sofrendo alterações consideráveis

segundo vontades políticas e as demandas sociais de cada época e

sendo aplicado diferentemente para homens e mulheres. Aos primeiros

o aprendizado do desenho servia como técnica a ser desenvolvida para

o trabalho- o estabelecimento de indústrias no Brasil apresentava como

necessidade o desenvolvimento desta habilidade e uma característica

das idéias políticas do liberalismo da época, onde a preocupação com a

preparação para o trabalho estava presente. Ás mulheres aprendera a

desenhar servia para se desenvolver as minúcias necessárias para os

bordados, os afazeres domésticos, posteriormente, tem se a

preocupação de empregar o desenho para profissionalizar a mulher.

Rosa Iavelberg é a que mais contribui para falarmos sobre desenho

incluindo desenho infantil. Considera o desenho um ato individual que contribuem

para cultura. “Desde a educação infantil podemos propiciar um universo rico de

aprendizagens em desenho, expandindo o universo cultural das crianças” (p.11),

assim sendo o desenho é uma marca pessoal com uma singularidade de seu

produtor, ensinando a diversidade com propósitos de uma escola inclusiva e

democrática, retirando os desenhos cultivados pela escola dando lugar aos

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Page 42: O Desenho no Gênero - karina prezemolski

desenhos espontâneos das crianças. Iavelberg, (2006, p.37) que cita Luquet em

seu trabalho, contribui explicando que:

O desenho é um jogo ao qual a criança se entrega, jogo tranqüilo com função lúdica, que pode exercer sozinha, manter e abandonar. Para ele, assim como para Piaget, o desenho tem ‘ finalidade sem fim’, é autotélico, não tem funcionalidade pratica.

Para essa espontaneidade ser mais criativa Brint Wilson e Marjorie Wilson

(aput. Barbosa, 1998), nos diz que colocar a criança frente a obras artísticas de

boa qualidade, fará com que a mesma receba estímulos tendo assim sua

produção mais rica.

Entretanto, acredito que as etapas pré-estipuladas para cada idade pode

variar de criança para criança, ainda mais se esta tiver uma maior oferta de

materiais para desenho, aumentando assim sua intimidade com o mesmo.

Lowenfeld nos diz que o empobrecimento desenho acontece pela falta de

compreensão dos adultos (pais e professores) em relação às fases do grafismo e

procedimentos equivocados de intervenção. As atividades propostas visam o

treino de habilidades motoras em exercícios de cópia e pintura em ilustrações, ou

são livres sem qualquer intervenção do professor. Levando a produções

estereotipadas, assim a criança vai perdendo a possibilidade de expressar o que

pensa através desenho. Além disso, a escola valoriza mais a representação

escrita (alfabetização). Frequentemente hora do desenho é sempre mais livre,

sem uma proposta e quando há um projeto pedagógico pode tornar-se

excessivamente diretivo, prejudicando da mesma forma. O adulto que

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Page 43: O Desenho no Gênero - karina prezemolski

compreende o desenho como uma expressão da criança poderá construir um

projeto de trabalho e auxiliá-la em suas dificuldades.

5. A FAMÍLIA E O PROFESSOR

A família e o professor desempenham um papel importante na

contribuição do processo criativo na criança à medida que oferece materiais com

variedade, não se esquecendo da segurança dos pequenos, ao brincar, ensinar

com questionamentos que levem a criança a pensar sobre, e assim aprimorar sua

arte.

Gobbi e Leite (p. 26) ressaltam que:

publicações dirigidas à pais correm sempre dois riscos claros: ou de

abordarem o tem de forma tão técnica especializada que não atinge o

publico alvo; ou de tornaren-se reducionista na medida em que evitam

qualquer argumento ou fundamentação- apresentam, nesse caso, como

um manual um livro de receitas a ser seguido.O padrão americano de

publicações para pais comumente escorrega neste segundo caso. Os

dois livros analisados trazem uma concepção de criança como uma

espécie de sementinha a ser regada para que floreça e brote- as mães

são as jardineiras que as alimentarão, colocarão no sol, protegerão dos

ataques e, nas podas, darão a guia segura.

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Page 44: O Desenho no Gênero - karina prezemolski

Devemos pensar criticamente neste momento em que os pais oferecem

“ajuda” a criança, pois pelo fato de serem adultos teoricamente sujeitos que

sabem mais, tendem a querer o aperfeiçoamento da arte infantil, levando a uma

homogeneização adultocentrica do desenho. Neste momento, o adulto não

valoriza o desenho da criança, que passa a ser percebido como riscos e rabiscos

somente, a valorização acontecerá somente quando a criança apresentar formas

reconhecíveis pelo adulto.

Aroeira, Soares e Emilia (1996, p. 54) nos esclarecem que:

Efetuando inicialmente pelo simples prazer do gesto, o rabisco é antes de tudo um ato motor. Só mais tarde, a criança irá notar que seu gesto produziu um traço e tornará a fazê-lo, dessa vez pelo, dessa vez pelo prazer do efeito. É então que a criança descobre a relação de causalidade que liga a ação de rabiscar e a persistência do traço. Aí situa se o grafismo voluntário.

Quando o professor dá ao aluno um desenho pronto para colorir ou

completar, ele está colocando limites na imaginação da criança. Neste tipo de

trabalho, além de não imaginar, sua atitude é apenas mecanizada, pois além da

ação de pintar ele ainda tem a preocupação de “cuidar para não borrar”.

Vejo folhas A4 sendo usadas para todos os trabalhos, limitando o espaço,

a utilização de outros papéis, pois estes só são usados para colar na folha A4.

Este tipo de trabalho, muito freqüente acaba tirando a percepção do tato com

outros papeis e restringindo o papel a ser colado, geralmente numa folha de

mesmo formato e tamanho.

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Gobbi e Leite nos dizem ainda que para Hein (1973), “Não cabe ao adulto

apresentar-lhe a realidade- ela a vive, a transforma cotidianamente” (p.27). A

organização e a representação infantil pode ser feita pelo desenho, a criação-

como fazer possibilita uma expressão.

Muitos autores varias vertentes, concepções diferentes, de criança,

infância leva a outras tantas concepções dobre desenho infantil. Alem dos autores

temos ainda inovações na educação infantil como o “referencial Curricular

Nacional para a Educação Infantil” que se refere a artes visuais.

O desenho passa a ser uma linguagem a ser desenvolvida com crianças

da escola de educação infantil.

A criança sente um enorme prazer em realizar atividades artísticas e

através de jogos, desenhos, teatro entre outras atividades ela representa as suas

fantasias, seus desejos, seus medos, suas vivências e sua visão de mundo, ao

mesmo tempo em que constrói e reconstrói seus conhecimentos.

Duarte Jr. Contribui-nos dizendo que: (2000, p.112)

Através de seu trabalho ela pode, de certa forma, ver-se “de fora’ já que existe (em maior ou menor grau) uma identificação sua com aquilo que ela produz. É freqüente, inclusive a própria criança aparecer retratada em sua obra quando essa identificação alcança grau mais elevado [...] Em geral ela sente prazer em mostrar aquilo que produz quando isso não ocorre – quando a criança procura esconder a sua arte- é sinal de que se sente insegura em suas relações de que sente medo em se expor.

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Page 46: O Desenho no Gênero - karina prezemolski

Atualmente a maioria dos pais coloca as crianças na escola de Educação

Infantil, por necessidade, pois trabalham e não têm ninguém para cuidá-los.

Muitas crianças, por serem filhos únicos, têm na escola o momento e a

oportunidade de se relacionarem com outras crianças e não ficarem somente no

“mundo adulto”. Relacionar-se com outras crianças é estabelecer trocas, aprender

a conviver com pontos de vista diferente, compartilhar brinquedos e materiais.

Historicamente, a Educação Infantil passou por várias modificações. Há

alguns anos atrás, para crianças com condições financeiras satisfatórias,

freqüentar um “jardim de infância” era um luxo, ao passo que as crianças menos

favorecidas economicamente tinham nas instituições, geralmente em creches, a

oportunidade de serem assistidas nas suas necessidades básicas de alimentação

e higiene.

Atualmente após a Lei de Diretrizes e Bases nº 9.394/96, a Educação

Infantil passa a ter uma função mais completa. Vejamos o que diz a LDB:

Art. 29 A educação infantil, primeira etapa da educação básica, em como finalidade o desenvolvimento integral da criança até cinco anos de idade, em seus aspectos físicos, psicológicos, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.Art. 30 A educação Infantil será oferecida em:I creches ou entidades equivalentes, para crianças até três anos de idade;II pré-escolas, para crianças de quatro a cinco anos.Art. 31 Na educação infantil a avaliação far-se-á mediante acompanhamento e registro do seu desenvolvimento, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental. LDB (1996, p.17)

A Educação Infantil tem um papel fundamental no desenvolvimento

infantil. É muitas vezes na escola que a criança vai entrar em contato com

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Page 47: O Desenho no Gênero - karina prezemolski

imagens, sons, movimentos que podem gerar gostos, jeitos de olhar, de sentir, de

ouvir, enfim de alimentar uma sensibilidade em relação ao mundo, a vida.

Na escola de educação infantil as crianças fazem trabalhos de colagem,

pintura, recortes e etc. O que os pais devem esperar destes trabalhos?

Geralmente os pais cobram da escola uma produtividade das crianças. Ficam

mais tranqüilos quando ao final do mês ou semestre as crianças trazem a pasta

cheia de “trabalhinhos” Segundo Silva (1987, p.35), “[...] nós. adultos, também não

podemos esperar que aquilo que a criança expressa corresponda à nossas

próprias expectativas’".

E quando Silva fala de expressão, não está falando somente do material

enviado para casa, pois a criança deve expressar-se e principalmente expressar-

se livremente, quer dizer, desenvolver-se criativamente, sem limites para sua

imaginação. Para a autora, é “onde emerge simultaneamente o conhecimento de

si e do mundo do próprio sujeito- enquanto ele se afirma como pessoa criativa...”

(p.35).

No entanto, os trabalhinhos recebidos em casa, no final do mês pelos pais

quase sempre são tarefas que a professora impõe ou até faz para seus alunos,

atividades estas que, como já tem o intuito de serem mandadas para casa, são

executados de tal forma para que fiquem bonitos. A arte não deve ser imposta, a

criação surge do próprio aluno enquanto ser pensante que ainda está em

processo de relação e interiorização de seu conhecimento com as coisas e com o

mundo.

Os trabalhinhos dirigidos que ficam “lindos” para serem vistos colocam a

criança em uma situação que inibe sua arte, levando-a ao estereótipo que todos

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Page 48: O Desenho no Gênero - karina prezemolski

fazem. Estes, normalmente, são desenhos impressos para que a criança pinte

sem borrar, recorte sem errar, cole no lugar correto e etc. Não há um processo

individual de criação da criança. Segundo Silva (1987, p.35)

Na cópia não há interação, o que há é uma ação unilateral por parte da autoridade escolar, do saber-poder, onde qualquer desvio de modelo é criticado e abafado como transgressão às normas do bom desenho [...] fazendo do silêncio uma castração da expressão, um de seus imperativos supremos, a escola hipoteticamente ao invés de desenvolver a inteligência, de conscientizar, de ampliar o conhecimento, idiotiza a criança

Logo, cabe ao adulto ficar atento para que seu filho não esteja sendo

inibido ou bloqueado de sua expressão livre; perceber quais os mecanismos está

instalado em escolas que querem mostrar seu serviço para os pais através de

trabalhinhos dos filhos, pequenos clientes das escolinhas de educação infantil.

A escola subestima a capacidade gráfica da criança, fazendo com que o

modelo imposto pelo professor, influenciado por uma determinada cultura, torne-

se verdadeiro, “podando” o poder de imaginação, criação. O uso de materiais e

atividades padronizadas, tais como cópias, desenhos para colorir, exercícios

mecânicos impedem que as crianças descubram suas formas de expressão

genuínas, bem como restringem as trocas entre os colegas. Quando todos

possuem o mesmo desenho, assim não há uma efetiva troca de idéias entre as

crianças. Para Gandini (1999p. 38), “subestimamos seriamente as capacidades de

representação gráfica dos pré-escolares e a qualidade do esforço e do

crescimento intelectual que estas capacidades podem estimular”. As crianças

pequenas conseguem se estimuladas a tal, expuser suas capacidades gráficas,

musicais etc.

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Page 49: O Desenho no Gênero - karina prezemolski

Desejar o que se está estudando favorece o aprendizado, que se torna

agradável e significativo, assim como se utilizar do cotidiano já familiar para as

crianças. Estas características tornam o trabalho realizado pelo professor muito

mais rico em conhecimento para a criança, já que o tema trabalhado não é um

estereótipo de decoração para ser entregue aos pais. Segundo Gandini (1999)

“[...] a familiaridade de objetos e de eventos do cotidiano pode ser profundamente

significativo e interessante para elas” (p.41).

Apesar de não estarem alfabetizadas, as crianças, ao utilizarem a sua

imaginação para a criação de desenvolvimento de um determinado tema, têm

capacidades suficientes de “ler” e “reler” seus desenhos. Mas, quando o professor

dá à criança um desenho pronto, ele tira esta capacidade de criação,

experimentação e de certa forma de pensar e agir. Com isso não quero dizer que

as crianças não devem ser orientadas em suas atividades, mas este orientar é no

sentido de dar instrumentos bem como desafiar, instigar a imaginação para que a

criação da criança não tenha limites.

O professor não deve se anular para a criança ser livre para imaginar, pelo

contrário, o professor deve ter um envolvimento mútuo e verdadeiro com a criança

para que haja um estreitamento desta relação, que será tão significativa para

ambos.

Para Gandini (1999), a mente dos adultos e das crianças deve estar

direcionada a questões de interesse de ambos e tanto o professor como a criança

devem estar “igualmente envolvidos com o progresso do trabalho, com as idéias a

serem exploradas, com as técnicas e materiais a serem explorados e com o

progresso dos próprios projetos” (p. 47). Sendo assim, a criança sente-se

valorizada e não se submete a esperar ordens de execução para trabalhinhos.

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Além de utilizar-se de suas capacidades intelectuais, a criança torna-se mais

autônoma em relação aos seus desejos de experimentação.

Para Iavelberg (2006, p.27),

O educador atualizado não pode prescindir de conhecimentos advindos da arte e da educação, para melhor observar o que se passa no plano da criação na linguagem do desenho executado por crianças e jovens. Suas intervenções podem colaborar ou abafar o desenvolvimento criativo.

Além de estarem em sintonia, professor e aluno, é necessário saber qual a

real finalidade do desenho. Para que ele está sendo proposto? Quando o

professor vai interferir? Tais questões servem para o professor refletir sobre a sua

atuação de não conduzir o trabalho, mas sim orientar e organizar o trabalho.

Segundo Iavelberg, “Isso se alcança mediante observação e conhecimento por

parte dos profissionais que atuam junto à criança que desenha” (p. 47).

Segundo Aroeira, Soares e Rosa (1996, p.51):

Quando o professor propõe atividades do tipo “Copie a figura” ou “Preencha o pontilhado”, está reforçando esse mecanismo. A criança pode se habituar a depender de modelos, perder a confiança em seus próprios meios de expressão, recorrendo a repetições estereotipadas como um mecanismo de evasão.

Ao colocar a criança diante de uma atividade semi-pronta, o professor

opta por uma educação sem sentido que Almeida (1996, p.66) refere: ainda que

“sem fundamento, a educação é uma rasteira, é um fazer o tempo passar, é uma

tarefa sem sentido”. Acredito ainda que, se esta tarefa é sem sentido, logo,

qualquer pessoa poderia estar no lugar deste professor que não acredita na

educação. Quando me refiro a qualquer pessoa, estou dizendo que para tarefas

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Page 51: O Desenho no Gênero - karina prezemolski

sem sentido, existem muitas revistas que trazem atividades que qualquer pessoa

alfabetizada poderá aplicar.

Em se tratando de cultura, Iavelberg (2006 p.43) é categórica em dizer

que:

A produção da criança também reflete o tempo e o lugar onde vive por meio dos padrões vigentes de uma cultura, das técnicas disponíveis das orientações que recebe, bem como dos meios e suportes aos quais tem acesso para se apropriar do criar.

Neste sentido, o professor deverá fazer uma leitura da comunidade na

qual está situada a sua turma dando uma direção para o trabalho a ser realizado,

pois a cultura enraizada nas comunidades será o eixo central da sua ação

educativa, para que meros desenhos se tornem expressivos, construtivos e

individualizados, favorecendo o relacionamento entre professor-criança e com

idéias a serem exploradas.

6. DESENHANDO

A partir dos estudos realizados, sobre o desenho e o gênero, convidei

quatro crianças de cinco anos para desenhar, eles tinham lápis de cor de varias

cores, papel branco, tesoura e cola, poderia usar como quisessem, e desenhar o

que tivessem vontade durante o desenho fui conversando com eles.

Perguntei a eles se gostavam de desenhar e se desenhavam em casa,

todos responderam que gostavam de desenhar, mas alguns não tinham papel e

lápis para desenhar em casa e também tem outras coisas para fazer, como cuidar

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dos irmãos mais velhos. Cox (2010 p. 4) nos diz que: “a maioria das crianças

pequenas mostra interesse para desenhar e, nas creches e nas escolas

professores tiram partido desse entusiasmo, (...)”.

Vitor, (5anos e 10 meses)

Imagem 1: Desenho realizado por Vitor.

Vitor disse logo que iria desenhar um morro.

Perguntei: Tu já subiste em um morro?

Vitor: sim, para ir para minha casa tem que subir um baita morro é uma

lomba muito alta, aqui depois da escola sabe prof.?

Eu: hum! Sei sim.

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Vitor desenha um morro amarelo e o sol roxo, pois o sol já esta baixando e

o chão fica amarelo. Cox (2007, p.126) “as crianças passam realmente a tentar

desenhar apenas o que eles vêem’

O colega Rian disse que gostava de barco e iria desenhar um.

Perguntei a Riam se ele já andara de barco ou conhecia um.

Riam responde que de verdade não só na TV.

Vitor então decide desenhar um barco, Riam fica bravo e diz que não pode

imitar. Vitor se defende dizendo que não iria imitar que ele também gostava de

desenhar barcos.

Todos começam traçando uma linha na base da folha, Cox (2007, p.158)

explica:

As crianças conseguem dar alguma organização de seus desenhos

fazendo uso de uma linha de solo, elas podem usar uma já pronta, como

a beira de uma pagina, ou que esteja implícita, ao longo da qual as

figuras sejam enfileiradas, porém o mais comum e que elas mesmas

desenharem uma linha de solo.

Então Vitor desenha em cima da linha outra linha em ondulações que é o

mar, ele diz que já andou de barco um dia na praia e se desenha em cima do

barco, em seu desenho ele faz nuvens, pássaros a borboleta que Vitor diz que tem

bastante na casa dele.

Vitor: vou fazer um arco Iris igual da casa da minha avó

EU: todas essas cores tu precisa?

Vitor: Sim, para ficar bem colorido.

Eu: e tu gostas mais de uma cor que de outra?

Vitor: Não, uso a que precisa

Rian: - eu gosto de vermelho que é do Inter.

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Rian (5anos e 11 meses)

Imagem 2: Desenho realizado por Rian.

Rian que começou desenhando um barco de lápis de escrever, após

desenha uma arvore e ao pintar o tronco de marrom e a copa de verde.

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Page 55: O Desenho no Gênero - karina prezemolski

Eu:- tu pintas sempre destas cores quando tu desenha arvore?

Rian: - Sim primeiro a gente pinta a parte de baixo de marrom e a de cima

de verde

Após Rian desenha um quadradinho e uma borboleta, pedi que me falasse

sobre o seu desenho.

Rian: - é que a borboleta morava aqui (mostra o quadradinho) antes agora

ela mora no ar.

Louquet chama este estagio de desenho de realismo intelectual, que

ocorre mais ou menos entre quatro ou cinco e nove anos de idade. Isso, não quer

dizer que a criança vá desenhar tudo o que ela conhece ou vivencia. Cox (2007, p.

112) cita Kerscheinteiner (1905)

a criança talvez não desenhe tudo o que conhece por falta de habilidade,

outra hipótese seria que pelo modo que ela desenha não sobra espaço

para colocar tudo, por exemplo no corpo humano, se as pernas forem

desenhadas logo após a cabeça não haveria espaço para o tronco.

Como o colega Vitor desenhou um arco-íris, Rian também disse que já

havia visto um, e desenhou também.

Vitor diz: - Agora tu que vai me imitar, né?!

Rian desenha o sol, pois lembra que para ter arco Iris tem que ter o sol.

Eu: - Rian tu gosta mais de desenhos para pintar ou os que tu faz?

Riam: - Eu gosto que eu faço, quando a prof. da desenho eu só pinto com

uns riscos e deu.

Ingrid (seis anos)

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Imagem 3: Desenho realizado por Ingrid.

Ama desenhar, sempre quando chega a casa anda de bicicleta e depois

vai desenhar, mas também não gosta de pintar desenhos prontos, e gosta de

pintar tudo colorido, em casa sempre desenha casas, borboletas, pássaros e

arvores.

Ingrid começa com o risco verde no chão e faz uma casa na direita da

folha, desenha a arvore e concorda com o amigo que a arvore é sempre marrom

no tronco e verde nas folhas. Logo após, desenha as borboletas e comenta: - sabe

prof. que no muro da minha casa tem um monte de borboleta!

Ao desenhar o pássaro em forma de M, lembra que pássaros têm bico

então resolve colocar um bico roxo para ficar bem colorido, Cox (2007, p.9) na

verdade parece que as crianças estão mais preocupadas em que os objetos que

desenham sejam claramente reconhecíveis do que estejam “corretamente”

desenhados sob determinado ponto de vista” , após Ingrid faz o arco Iris porque

nos “ursinhos carinhosos” também tem arco Iris e é muito lindo. E me diz que

desenho, sempre tem que ter céu, que tapa o sol.

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Cox (2007, p.10) “Suas primeiras tentativas de planejar um desenho

começam frequentemente com a colocação de linha no chão e do céu, com a

‘ação’ acontecendo entre elas.

Desenhou então a árvore e a casa de bonecas, fez as nuvens, o sol.

Ana Paula (5anos e 11meses)

Imagem 4: Desenho realizado por Ana Paula.

Ana Paula: - Vou desenhar minha casa, eu adoro desenhar casa

Faz a linha na folha de verde, e desenha logo três casas.

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Ana Paula: - Na minha casa tem galinha, ovelha, borboleta e passarinho,

mas eu vou desenhar casa!

Desenhou então a arvore e a casa de bonecas, fez as nuvens, o sol e

uma borboleta de lápis de escrever.

Após ouvir o comentário da cor da arvore ela desenha uma árvore roxa,

aponta para árvore e fala que da janela do quarto dela da para ver a árvore que

fica na rua e ela e roxa não é verde.

Observo que, as culturas que formulam as identidades femininas e

masculinas na criança esta sendo produzida nas representações culturais das

mesmas.

Ingrid e Ana Paula desenham com linhas fechadas, seja fechando no

próprio desenho ou utilizando a margem da folha para completar seus desenhos,

aparecem flores colorias e utilizam da pintura mais suavemente, possuem uma

preocupação espacial, já no desenho realizado por Riam, por exemplo, o casulo

da borboleta encontrasse solto na folha e o arco Iris é posicionado logo acima.

Rian e Vitor colocam vários objetos soltos na folha sem muito se preocupar com o

contexto do desenho que inicialmente estavam fazendo.

Ao observar produtos direcionados para meninos e meninas como

roupas, calçados, lençóis entre tantos adereços que existem, vejo uma construção

gráfica com representações de desenhos industrializados que contribuem bastante

para a arte realizada pela criança, é importante conhecer estas construções de

gênero sobre si e sobre os outros através dos objetos visuais que estão a nossa

volta, pois a identidade feminina e masculina está sendo estruturada através de

visualizações além dos diálogos e atos realizados por adultos, dos mais simples

aos mais complexos.

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Page 59: O Desenho no Gênero - karina prezemolski

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao iniciar este trabalho sobre a relação do gênero no desenho, já havia

notado uma diferença, mas me perguntava de onde vinha esta diferença? E esta

questão me incomodava.

Todos os seres humanos iguais, e o desenvolvimento das crianças se

desenvolvem igualmente sendo menino ou menina, claro que cada criança no seu

tempo. De onde surgiria essa diferença? Posso afirmar, por isso, que a realização

deste trabalho foi muito significativa para mim, pois me levou a constatar e buscar

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Page 60: O Desenho no Gênero - karina prezemolski

aspectos que até então haviam passado despercebidos, como no caso as

atividades que são propostas pelos livros didáticos e revistas de sugestões de

atividades para a Educação Infantil, pensar na realidade que cada criança vive e

que essa realidade não é a que eu vivi que tem sim culturas diferentes a minha

volta e a volta das escolas de um mesmo bairro.

O que ficou de mais significativo foi o capítulo sobre o desenho ao qual me

dediquei bastante e pude aprender bastante coisa da teoria, a criatividade que as

crianças têm e nos como adultos sempre achamos que elas não serão capazes de

realizar algumas atividades, e que muitas vezes nos professores acabamos

podando essa imaginação e pior exploramos pouquíssimo do potencial da criança

pequena. Pouco ou nada de significativo é proposto; pelo contrário, a maioria das

atividades elaboradas são mecanicistas, utilizando desenhos prontos e

estereotipados.

Com esta oportunidade de aprimorar conhecimentos nesta área, sinto

melhores condições de participar contribuindo concretamente para que o ensino

de arte na Educação Infantil alcance seus objetivos, tanto na teoria como na

prática. Aprendi que, ao proporcionar à criança vivenciam realmente significativas,

estaremos atingindo objetivos cognitivos, psicomotores e afetivos, pois no

momento em que ela realiza tais atividades, seja qual for a linguagem, estará

colocando o seu pensar, o seu agir, a sua emoção, o seu modo de se relacionar

com a experiência, com a vida. Estará sendo ela mesma e não alguém

instrumentado por outro alguém. Para isso, caberá ao professor esse incentivo à

criatividade, prevendo situações em que a criança aprenda o uso da liberdade

pela experiência.

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Page 61: O Desenho no Gênero - karina prezemolski

Dentro do estudo realizado, constatei que não é a falta de leis ou

diretrizes, mas sim a falta de formação ou acomodação que faz com que se ignore

que o desenho assim como toda a arte é um meio de expressão que desempenha

um papel fundamental no desenvolvimento da criança, e no contato com as

diferentes formas de linguagens, assim a criança vai criando e transformando o

seu mundo.

É indiscutível a influência das construções gráficas estereotipadas e da

televisão direcionada para meninas como cinderela e tudo que é belo, sutil, calmo

alinhado do bem ou homem-aranha para meninos e sua rigidez, voracidade e

força. Com estas imagens fica tematizado o gênero podendo influir na sociedade o

que poderá ocasionar uma repercussão negativa na vida das crianças sendo

homens e mulheres com problemas individuais e familiares, até mesmo de

preconceito.

Percebi que para mudar este quadro é necessário um esforço coletivo

dentro da instituição de Educação Infantil, que se inicia na construção de um

Projeto Político Pedagógico sólido, que analise e detecte o que e como será a

troca entre aluno e professor. Estas questões também permeiam por caminhos

mais estreitos, mas nem por isto menos importantes, como a concepção e a

importância dada pelo professor ao planejamento escolar.

Vivemos numa sociedade que requer um pensamento mais criativo, pois a

complexidade dos problemas requer cada vez mais soluções novas. Isso não

acontece na escola, onde as crianças desde cedo precisam se ajustar às normas

e procedimentos que homogeneízam que tentam fazer com que todas as crianças

pensem e façam as mesmas coisas, ao mesmo tempo. A imaginação, para se

transformar em linguagem que cria e transforma, precisa ser alimentada, cultivada.

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Page 62: O Desenho no Gênero - karina prezemolski

Porém para nos aproximarmos do imaginário infantil a fim de potencializar seu

desenvolvimento, como professores, precisamos desenvolver nossa imaginação,

buscar formas de experimentar novas linguagens, diferentes daquelas que

aprendemos nos bancos escolares. Temos atualmente inúmeros recursos para

potencializar o desenvolvimento de diferentes linguagens, mas precisamos

trabalhar na direção de uma formação estética.

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