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O DESAFIO DA ALFABETIZAÇÃO E DA LEITURA NO CONTEXTO CONTEMPORÂNEO Apresentam-se alguns resultados parciais de uma pesquisa longitudinal realizada no período de 2011 a 2014 em três polos: São Paulo (SP), na Escola de Aplicação da USP (FEUSP); Belém (PA), na Escola de Aplicação da *UFPA-Letras); em Pau dos Ferros- RN (UERN), na Escola Municipal Nila Rego. A pesquisa tomou como tema e objeto uma das maiores demandas brasileiras da atualidade: a entrada na escrita de crianças do Ensino Fundamental I (F1) no contexto contemporâneo das novas tecnologias e do regime de ciclos demanda esta oriunda do edital 38/2010/CAPES/INEP/OBEDUC. O presente painel apresentará de forma panorâmica a pesquisa como um todo, mas centrará seu foco em dois objetivos: (1) estudar o fluxo das turmas e a articulação entre os anos e os ciclos do ensino fundamental; (2) experimentar manejos metodológicos para as situações de heterogeneidade presentes nas salas de aula das escolas públicas brasileiras. A pesquisa, realizada em rede, optou por uma metodologia de ação- participante com intervenções durante as quais os pesquisadores assumiam responsabilidades e aceitavam desafios diante dos resultados obtidos nas avaliações e diagnósticos que se realizavam constantemente ao longo do fluxo escolar. A pesquisa iniciou com as turmas de primeiro ano, ingressantes em 2011, entretanto só assumiu a análise e a responsabilidade pelas intervenções a partir das turmas de 2012, cujo acompanhamento longitudinal foi realizado até 2014. Os três polos apresentam seus resultados, que já estão sendo cotejados com avaliações oficiais do MEC e evidenciam que as intervenções e reelaborações metodológicas propostas pela equipe, sobretudo no que diz respeito aos cuidados com o manejo da heterogeneidade e às possibilidades do trabalho coletivo na escola, reúnem potenciais para instruir políticas públicas diante dessa grande demanda brasileira. Palavras-Chave: Alfabetização, Leitura, Regime de Ciclo XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 2982 ISSN 2177-336X

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O DESAFIO DA ALFABETIZAÇÃO E DA LEITURA NO CONTEXTO

CONTEMPORÂNEO

Apresentam-se alguns resultados parciais de uma pesquisa longitudinal realizada no

período de 2011 a 2014 em três polos: São Paulo (SP), na Escola de Aplicação da USP

(FEUSP); Belém (PA), na Escola de Aplicação da *UFPA-Letras); em Pau dos Ferros-

RN (UERN), na Escola Municipal Nila Rego. A pesquisa tomou como tema e objeto

uma das maiores demandas brasileiras da atualidade: a entrada na escrita de crianças do

Ensino Fundamental I (F1) – no contexto contemporâneo das novas tecnologias e do

regime de ciclos – demanda esta oriunda do edital 38/2010/CAPES/INEP/OBEDUC. O

presente painel apresentará de forma panorâmica a pesquisa como um todo, mas

centrará seu foco em dois objetivos: (1) estudar o fluxo das turmas e a articulação entre

os anos e os ciclos do ensino fundamental; (2) experimentar manejos metodológicos

para as situações de heterogeneidade presentes nas salas de aula das escolas públicas

brasileiras. A pesquisa, realizada em rede, optou por uma metodologia de ação-

participante com intervenções durante as quais os pesquisadores assumiam

responsabilidades e aceitavam desafios diante dos resultados obtidos nas avaliações e

diagnósticos que se realizavam constantemente ao longo do fluxo escolar. A pesquisa

iniciou com as turmas de primeiro ano, ingressantes em 2011, entretanto só assumiu a

análise e a responsabilidade pelas intervenções a partir das turmas de 2012, cujo

acompanhamento longitudinal foi realizado até 2014. Os três polos apresentam seus

resultados, que já estão sendo cotejados com avaliações oficiais do MEC e evidenciam

que as intervenções e reelaborações metodológicas propostas pela equipe, sobretudo no

que diz respeito aos cuidados com o manejo da heterogeneidade e às possibilidades do

trabalho coletivo na escola, reúnem potenciais para instruir políticas públicas diante

dessa grande demanda brasileira.

Palavras-Chave: Alfabetização, Leitura, Regime de Ciclo

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

2982ISSN 2177-336X

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O DESAFIO DO ENSINO DA LEITURA NO CONTEXTO CONTEMPORÂNEO

Claudemir Belintane

Universidade de São Paulo – FEUSP

RESUMO

O objetivo do presente trabalho é apresentar resultados parciais de uma pesquisa

longitudinal (2011-2014), financiada pela CAPES/OBEDUC, cujo tema é a

alfabetização e o ensino da leitura no Fundamental I, levando em conta o regime de

ciclos e suas “dobradiças”. A pesquisa estruturou-se em rede (São Paulo, Belém e Pau

dos Ferros-RN) e contou com a colaboração de três universidades (USP, UFPA,

UERN). Com metodologia de pesquisa-ação, os pesquisadores se inseriram no cotidiano

escolar procurando monitorar turmas durante quatro anos, intervindo sempre que

possível, em função dos resultados de diagnósticos aplicados desde o primeiro ano. Os

resultados mostram três pontos cruciais para a área: (1) a importância do regime de

ciclos e do trabalho coletivo, sobretudo quando se tem como missão trabalhar o

fenômeno da heterogeneidade e das imensas defasagens de nível de leitura ao longo do

fluxo; (2) a relevância de se considerar a oralidade (corporalidade) como um dos eixos

dinâmicos que se relacionam com a escrita e com outras linguagens; (3) a importância

da substituição, no programa escolar, de textos prosaicos do cotidiano por textos

literários e oriundos da cultura oral infantil. O plano executado pelo grupo passou por

discussões e adaptações, mas acabou sendo aceito pelas professoras como concepções e

estratégias mais adequadas a um currículo que leve em conta o regime de ciclo e o

contexto brasileiro. Os resultados aqui apresentados, apesar de parciais, são importantes

para subsidiar políticas sob essa temática do desafio de alfabetizar e formar leitores

proficientes. Dos sessenta alunos acompanhados desde 2012 (primeiro ano), mais de

setenta por cento mostraram-se leitores proficientes em testes de leitura aplicados pelos

pesquisadores em 2015 (quando estavam no quarto ano). Quando essas mesmas turmas

foram submetidas a avaliações do MEC, os resultados mostraram-se ainda melhores.

Palavras-chave: alfabetização, leitura, regime de ciclos.

Apresentamos aqui alguns resultados de uma pesquisa em rede realizada no período de

2011 a 2014 em três polos: São Paulo (SP), na Escola de Aplicação da USP (FEUSP);

Belém (PA), na Escola de Aplicação da UFPA; Escola Municipal Nila Rego, em Pau

dos Ferros (RN) (UERN). Neste texto e em sua apresentação, abordaremos

exclusivamente os resultados obtidos no polo de São Paulo, uma vez que as duas outras

apresentações e respectivos textos deverão abordar os resultados dos outros dois polos.

O projeto da pesquisa teve como ponto de partida três motivações: (1) uma pesquisa

anterior realizada em uma escola pública de São Paulo (Projeto FAPESP/2008), no qual

pretendíamos constatar que, com um manejo didático-pedagógico mais cuidadoso nos

anos iniciais associado a um programa que pusesse em primeiro plano a relação

oralidade-escrita e cujo foco não perdesse de vista a heterogeneidade das turmas,

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poderíamos garantir resultados mais interessantes quanto aos níveis de leitura e de

letramento em geral; (2) O edital CAPES/OBEDUC 038/2010, que abria a possibilidade

de projetos em rede e por um período suficiente para uma pesquisa longitudinal de

longa duração (quatro anos); (3) as parcerias já existentes entre alguns pesquisadores

das três universidades que constituem essa rede.

O novo projeto, intitulado O desafio de ensinar a leitura no contexto do Fundamental

de nove anos (doravante Projeto Desafio), manteve então, entre outras, duas hipóteses

integradas que foram parcialmente constatadas no projeto FAPESP/2008, quais sejam:

(1) o monitoramento criterioso da heterogeneidade, a partir de uma reorganização do

trabalho escolar, pode melhorar muito o rendimento das turmas em leitura e, ao mesmo

tempo, fornecer dados para uma base curricular que leve rigorosamente em conta o

regime de ciclos e suas relações com as singularidades sociais e culturais da escola

pública brasileira; (2) a projeção de novos conceitos de oralidade e de infância pode

permitir maior inclusão dos alunos que apresentam dificuldades em sua entrada na

escrita e, ao mesmo tempo, dinamizar a fluência e a apreensão de sentidos na leitura e

na produção escrita de quase todos os alunos das turmas de fundamental I.

Essas duas hipóteses foram estendidas em três amplos objetivos, entretanto, nesta

apresentação, em razão dos limites da modalidade do evento e dos limites deste texto,

vamos focar apenas o segundo objetivo do projeto, que assim foi formulado: A partir

da inserção de pesquisadores no cotidiano das salas de aula do ano final da Educação

Infantil e das séries iniciais do Ensino Fundamental I, reunir elementos para um

programa de ensino mais adequado à realidade brasileira (diversidade e

heterogeneidade) que leve em conta a possibilidade e as potencialidades de um

trabalho em equipe – ou seja, contribuir para a busca de um modelo de ensino que

atribua a grupos de profissionais com formação direcionada para o ensino de língua

(Pedagogos, licenciados em Letras/Linguística e outros), responsabilidade ética e

capacidade pedagógica para lidar, de forma mais inclusiva possível, com a inserção

da criança brasileira no mundo letrado contemporâneo.

A metodologia pode ser definida como “qualitativa-participante”, com intervenções

consentidas no trabalho escolar sempre que as evidências trazidas pela pesquisa e pelas

reflexões dos pesquisadores fossem acatadas e assumidas pelas professoras da escola

parceira. A estratégia básica para isso foi inserir no cotidiano escolar nossos pós-

graduandos (mestrandos e doutorandos) e alunos bolsistas de graduação, que além de

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colher dados, atuavam como professores auxiliares e como produtores de conteúdos

para as novas estratégias. Todo o trabalho era organizado em uma reunião semanal de

três horas de duração nas quais a participação de todos os envolvidos era obrigatória.

Nessas reuniões, sob a coordenação do pesquisador principal, avaliava-se o trabalho da

semana, projetavam-se novas estratégias e, sempre que possível, os temas passavam por

intensas reflexões e polêmicas. As reuniões eram registradas em atas e socializadas no

encontro seguinte. No andamento desse processo, produziam-se registros para as

pesquisas dos pós-graduandos e, ao mesmo tempo, subsidiavam-se mudanças no

programa e discutia-se a adequação de cada uma delas ao regime de ciclo. A palavra

“desafio” estabeleceu-se nesse cotidiano não apenas como uma meta do projeto, mas

também como um compromisso de todos para superar os problemas que as professoras

elencaram desde o momento em que aceitaram integrar a equipe e se predispuseram a

enfrentar tais problemas. Nesse sentido, estamos diante de uma pesquisa qualitativa,

participante e, mais ainda, mobilizadora/militante.

Tanto em São Paulo como em Belém, os interesses do projeto e o das duas escolas

convergiam para o “desafio” de construir um novo programa para o Fundamental de

nove anos. Essa convergência facilitou consensos e permitiu uma boa mobilização para

manter os quatro anos de trabalho, embora, podemos afirmar que o primeiro ano do

projeto, apesar da boa convivência do grupo, não foi suficiente para que os professores

assumissem os principais conceitos trazidos pelo grupo. Na EA-FEUSP, as professoras

são bem formadas, recebem influências também de outros professores da Universidade,

então, sabíamos que iríamos contar com uma boa resistência e até mesmo com debates

polêmicos, mas bem profícuos. Todos sabemos, os professores têm seus programas e os

sustentam com convicção. As mudanças curriculares ou das estratégias e do modo de

organizar o trabalho estão sempre sujeitas a complexas negociações, com concessões de

ambas as partes.

Na EA-FEUSP, como também nos dois outros polos, o projeto tinha como meta

questionar o conceito de cidadania aplicado à infância e com ele todo o modo de se

pensar o letramento e a alfabetização hegemônico na educação brasileira. Desde as

primeiras discussões encetadas em 2010, quando ainda estávamos elaborando o projeto

Desafio, um confronto foi se delineando.

As professoras organizavam seus programas a partir da concepção de gêneros do

discurso exposta nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Fundamental II (BRASIL,

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1998), que tem como fundamentação teórica geral o artigo de Bakhtin (2000) “Gêneros

do Discurso”, que no campo aplicado ao ensino recebeu também as influências de

inúmeros comentadores desse autor. Essa concepção de gênero, no Ensino Fundamental

I e até mesmo na Educação Infantil, era assumida juntamente com outras influências

teóricas advindas da Psicologia - o construtivismo de Ferreiro y Teberosky (1989) -; da

Linguística (conceitos de variação linguística, de língua enquanto uso; da Educação

(conceitos de letramento e de infância relacionado ao “brincar”, concepção de infância,

de criança etc.). Todas essas influências e até mesmo outras não citadas aqui punham

em jogo uma prática que, na opinião dos coordenadores e dos pós-graduandos do

projeto, contribuía para resultados não tão auspiciosos no final do ciclo, pois segundo as

próprias professoras da EA-FEUSP não eram nada satisfatórios, pois, no quinto ano

(fim do ciclo) havia sempre um número razoável de alunos com sérias dificuldades

tanto na leitura como na escrita. Da teoria dos gêneros do discurso, o programa da

escola tomava como referência a estratégia de assumir um gênero principal em cada ano

(o primeiro e o segundo, por exemplo, ficaram respectivamente com “contos de fada” e

“fábulas”) e uma certa diversidade de gêneros, cujos textos seguiam a orientação de

contemplar o universo de letramento da criança (logomarcas, propagandas, rótulos,

receitas, bilhetes, textos de jornais e revistas e outros) e, claramente, a ideia de usos da

língua e reconhecimento da função social da escrita.

Em Belintane (2013), despendemos todo o capítulo II para analisar esse cruzamento de

teorias e evidenciar que essa dispersão de gêneros e de tipos textuais está presente nos

programas do Ministério da Educação e nos documentos e avaliações das redes

estaduais e municipais de ensino, bem como nos livros didáticos selecionados pelo

Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Como tais teorias vieram se gestando

na segunda metade do século passado e impactando o ensino desde a década de oitenta

(Marinho, 1998) e o entrecruzamento delas não chegou a ser razoavelmente analisado, o

resultado tem sido bem caótico (BELINTANE, 2013; BATTAGLIA, 2013; NANCI,

2013; BORTOLACI, 2015). Na EA-FEUSP, graças ao bom nível das professoras, o

efeito não chegou a ser tão deletério como temos constatado nas escolas públicas da

capital (tanto na rede municipal como na estadual). Sabemos bem que as influências

dessas teorias necessitam de um reposicionamento, sobretudo quanto às faixas etárias -

alguns exemplos, notar que o conceito de cidadania (sempre requerido pela Educação)

para a criança não é o mesmo do que o aplicável ao mundo adulto; os gêneros e textos

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que circundam a criança não podem ser localizados com tanta obviedade, aqueles que

verdadeiramente encantam e entusiasmam as crianças ao ponto de elas desejarem

assumir o posicionamento de leitor, não sãos os textos e fatos prosaicos do cotidiano

(ORTEGA Y GASSET, 1993; BELINTANE, 2013); contemplar a diversidade de

gêneros pode ser consentâneo a criar uma dispersão textual e isso não vai bem com a

infância, que precisa da repetição de padrões – uma criança de seis anos ainda pede para

contar a mesma história várias vezes; língua oral é diferente de oralidade – contemplar a

fala cotidiana pode até ser interessante do ponto de vista dos sociolinguistas, mas na

alfabetização resulta em estratégias pouco eficazes.

Passamos boa parte do período letivo de 2011 discutindo programas e cotidiano da

escola em nossas reuniões. Abaixo, descreveremos os pontos mais importantes dessa

atuação, de forma sintética em razão dos limites de página.

CONSOLIDAÇÃO DA EQUIPE PARA ENFRENTAR OS DESAFIOS DE UM

REGIME DE CICLO

O modelo de atuação do projeto de alguma forma previa também em sua progressão

anual as “dobradiças de entre-anos e de entre-ciclos” – o esquema abaixo ilustra o

modelo do fundamental I e suas articulações com o Educação Infantil (EI) e com o

Fundamental II (6º)

Legenda: DC : Dobradiça de Entre-Ciclos; DA : Dobradiça de Entre-Anos

Como a EA não tem turmas de Educação Infantil (aba verde, EI), a dobradiça (DC1) foi

feita a partir da análise dos port-folios das crianças egressas das diversas escolas infantis

(aqui já temos uma primeira exigência do regime de ciclos, iniciar o fundamental I,

conhecendo os port-folios de cada criança, não fazer tabula rasa de sua

escolarização anterior!) – Essa análise e o aproveitamento dos resultados constituiu a

D1 – Dobradiça 1. Os resultados dos diversos portfólios recolhidos passaram a

EI 1º. a 4º. 3º. 2º. 5º.

6º.

DC1 DA1 DA2 DC 2

c

DA4 DC3

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constituir um arquivo de documentos para professores, pesquisadores e estagiários, que

tomaram o tema como uma demanda emergente para a FEUSP e para a escola pública

em geral.

Essas dobradiças consistiam em uma série de interações programadas ou emergentes ao

longo do ano, nas quais as professoras conheciam a heterogeneidade das turmas e as

estratégias de que as professoras lançavam mão sobretudo para lidar com os casos mais

complexos, alunos que desde o início do ano apresentavam dificuldades para, no campo

da Oralidade, ouvir e recontar histórias, memorizar pequenos textos lúdicos etc. e, no da

Leitura, para reconhecer letras e entender suas funções, ler imagens, decifrar rébus,

palavra-valises1 etc.). Como já experimentado no projeto, as dobradiças implicam uma

série de interações entre professores e até possíveis lidas com re-agrumentos de turmas

ao longo do ano e no seu final, de tal modo que, na passagem de uma série a outra,

fiquem garantidos um amplo conhecimento sobre a situação de cada aluno e um

conjunto de estratégias que contemplem a heterogeneidade de todas as turmas

implicadas. Levando em conta os ciclos da EA, teríamos a primeira dobradiça DC1 no

primeiro ano, depois a DA1 (entre primeiro e segundo) e na sequência, a DA2 (primeiro

e terceiro) e outra de ciclo, DC3 (entre terceiro e quarto anos). De DC1 a DC3, os

objetivos e consolidações do programa devem ser bem claros. Não é preciso dizer que

as capacidades de avaliar, diagnosticar, escutar os alunos, discernir diferenças

constituíam o eixo qualitativo da pesquisa e do trabalho que se implementava com as

professoras.

A atribuição de aula/de turmas em cada ano deveria levar em conta a consolidação dessa

experiência e não seguir apenas a ideia de que os professores simplesmente tenham que

se diversificar em suas atuações. Experiências bem consolidadas em cada dobradiça

ajudam a constituir uma equipe de trabalho com consciência e domínio do fluxo ao

longo dos anos e ciclos. Um regime de ciclo é consentâneo a uma equipe bem

articulada. Seria muito interessante que o grupo de cada ciclo fosse se especializando,

estudando cada vez mais as questões principais de suas dobradiças (ingresso e egresso).

Infelizmente neste ponto não fomos ouvidos, a atribuição das turmas continua sendo

feita a partir de outros critérios.

A partir de 2012, a equipe se efetivou, as professoras começaram a atuar de forma mais

solidária, a responsabilidade antes individualizada, focada na turma, no ano, passou a

1 Não é possível explicar aqui todos os itens curriculares, veja em Belintane, 2013

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ser mais extensa. Chegamos a recombinar turmas de acordo com resultados de

diagnósticos, ou seja, as três turmas do primeiro ano e as duas do segundo, eram

reagrupadas momentaneamente (por dez ou quinze aulas) a partir de objetivos não

efetivados por este ou aquele grupo, por exemplo, os alunos do primeiro ano que ainda

não dominavam a sílaba simples, passaram a constituir um grupo com este objetivo e

este grupo poderia receber até mesmo alunos do segundo ano, que estavam na mesma

situação. Em outras turmas, agrupavam-se até mesmo os alunos que estavam ali para

enfrentar desafios, aprender mais, pois estes em geral tinham cumprido todos os

objetivos para o ano e a idade. Esse trabalho apresentou ótimo rendimento tanto em São

Paulo como em Belém.

O mais relevante dessa experiência é que a ideia de equipe se efetivou de forma

diferente do trabalho de sempre, agora, as responsabilidades se tornaram coletivas, o

esforço deixou de ser solitário, mesmo a ideia de formação continuada mudou, pois

passou-se a enxergar com mais clareza a necessidade de formações pontuais, por

exemplo: aprender a contar história; a praticar leitura em voz alta, reunir acervos de

textos orais; preparar materiais didáticos específicos para esta ou aquela dificuldade;

diagnosticar oralidade-leitura-escrita e não apenas a partira da escrita; exercer uma

escuta mais acurada das singularidades de cada aluno – sobre este último tópico

chegamos a elaborar um capítulo de livro que está no prelo. Essas experiências foram

relatadas com muito sucesso pelas próprias professoras nas aulas de graduação em

Pedagogia também foram por elas apresentados em eventos ocorridos nos três polos do

projeto (Belém em 2012, Pau dos Ferros, em 2013, São Paulo, em 2014).

ALTERAÇÕES NO PROGRAMA E ARTICULAÇÕES CURRICULARES

A partir de 2012, as professoras do primeiro ano fizeram grandes mudanças em seus

programas, deixaram de adotar a concepção de gênero (“um gênero principal e outros de

fundo”) e assumiram a concepção de oralidade-escrita do projeto (BELINTANE,

op.cit). Puseram em primeiro plano a cultura oral brasileira (contos e ludismos orais das

diversas regiões brasileiras) e de imediato perceberam que o rendimento era outro, que

até mesmo era possível manter a proposta de um programa lúdico para o primeiro ano,

mas ao mesmo tempo com tópicos avaliáveis e com controle da aprendizagem. Outra

perspectiva curricular que se efetivou foi a ideia de identificar a infância com o que

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chamávamos “palavra esperta” ou mais precisamente “função poética” e conceber a

entrada na escrita em paralelo e articulada com a oralidade formular – o programa

passou a distinguir oralidade de conversa cotidiana ou roda de conversa, para nós,

oralidade se refere a processos de textualização oriundos da cultura oral, que

lançam mão de recursos estéticos (ritmo, métrica, rima, paralelismos e outros

elementos da função poética, além da função narrativa). A escolha do texto passou a

levar em conta outros elementos que não apenas o gênero: tamanho do texto (fizemos

questão de que os alunos lidassem também com textos de maior volume, tanto orais

como escritos), sua origem (se da oralidade ou da escrita), a qualidade estética da

textualização e outros. No segundo ano de 2013, essas mesmas turmas deram a volta ao

mundo a partir de contos de diversas regiões – as professoras fizeram uma bela

interdisciplinaridade da literatura de origem oral com geografia e história).

Também enfrentamos um desafio a que os professores não estavam habituados em razão

da influência construtivista: lidar com os elementos menores do código (letras, fonemas,

sílabas, dígrafos, rébus etc.). Adotamos aqui algumas estratégias que buscamos na

própria história da escrita, o uso do rébus, da imagem, da palavra valise e dos ludismos

orais para ajudar a criança a dar conta da sílaba oral e escrita. Segundo elas, o resultado

foi bem diferente dos outros anos, o número de alunos que terminou o primeiro ano

lendo foi bem maior. De fato, o desempenho desses alunos na Provinha Brasil mostrou

isso, como se verá adiante. O esquema do programa estabelece um jogo dinâmico da

seguinte forma:

CORPORALIDADE

TRANSIÇÃO

ORALIDADE-

ESCRITA

LEITURA/ESCRITA

Acrofonia oral Acrofonia oral a partir

de imagens.

Acrofonia a partir da escrita.

Palavra-valise oral Palavra-valise oral a

partir de imagens

Palavra-valise a partir da escrita

Cantigas: de ninar, de roda; brincos,

parlendas, mnemonias, fórmulas de

jogar, adivinhas, trava-línguas,

quadrinhas populares etc.

Atuação performática

do professor com seus

alunos (brincadeiras)

Audição de CD de

música e de

brincadeiras;

filmes em DVD ou na

Internet

Reaproveitar os textos da

corporalidade para atividades de

leitura, de compreensão e de

produção de textos.

Homofonias (associar, por meio de

jogos linguísticos, palavras com sons

semelhantes)

Leitura e produção de

Rébus a partir de

imagens

Leitura e produção de rébus a

partir de imagens e de escrita.

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Brincar corporalmente com sílabas

complexas a partir de trava-línguas

Brincar com sílabas

complexas a partir de

imagens

Jogar com sílabas complexas

usando a escrita.

Contos de fada, causos, contos

acumulativos – contação de história,

com oportunidades para recontos feitos

pelos alunos

Leitura de imagens, por

exemplo, as ilustrações

feitas por Gustave Doré

para a obra “Contos de

Perrault” ou de

ilustrações de contos

brasileiros.

Usar esses contos para atividades

de leitura escrita, a paródia pode

ser a atividade principal.

Este esboço inicial permitiu também um planejamento que se expandiu ano a ano. O

resultado deste trabalho está presente na dissertação de mestrado de Natália Bortolaci

(2015), professora da EA, que se tornou mestranda durante o andamento do projeto.

A consolidação progressiva deste programa, feita ano a ano, ainda continua na EA-

FEUSP, as discussões das bases curriculares de Língua Portuguesa e continuam sendo

orientadas pelo coordenador do projeto.

ACOMPANHAMENTO LONGITUDINAL E SEUS RESULTADOS

O acompanhamento de todos os alunos, sobretudo daqueles que apresentam defasagem

ao longo do ano e dos ciclos é um compromisso fundamental da construção deste

currículo. A lida com heterogeneidade é cotidiana e integra a própria dinâmica das

turmas, não é mais relegada aos períodos de “recuperação”. As dificuldades do manejo

cotidiano dos agrupamentos de alunos ou mesmo o atendimento individualizado a esta

ou aquela criança levou-nos a confirmar uma hipótese que já trazíamos desde o projeto

anterior: não é possível praticar o regime de ciclo, garantindo o direito de

aprendizagem de todos os alunos, mantendo apenas um professor por turma. Na EA, a

importância dos bolsistas foi crucial para que todos os alunos pudessem ser

acompanhados e nos mostra que a alfabetização e o ensino das bases da matemática

exigem um trabalho em equipe, com professores de diversas áreas (letras, linguística,

pedagogia e outras) em uma proporção de ao menos 3 x 1, ou seja, para cada três

turmas, um profissional a mais. Na EA esse profissional passou a existir a partir de 2013

com o nome de “professor de ciclo”, cuja função era a de ajudar na lida com a

heterogeneidade.

Para finalizar, apresentaremos os resultados gerais deste acompanhamento seguidos dos

comentários finais.

Dos sessenta alunos ingressantes em 2012, vinte e cinco alunos necessitaram de

acompanhamento. Aparentemente é um número razoavelmente alto, 41%, mas muitos

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deles entram com questões sazonais, mas muitas vezes cruciais. Diante da constatação

de três alunos que apresentavam dificuldades para compreender o funcionamento da

sílaba, cujas situações foram resolvidas rápida e pontualmente a tal ponto de, na

avaliação final no quarto ano, eles aparecerem entre os melhores leitores da classe

(acertam por volta de 90% de nossos testes), isolamos a pergunta: estariam eles nesta

situação se não tivesse passado por intervenções pontuais?

Além das avaliações praticadas ordinariamente pelas professoras, a equipe do projeto

aplicou diversas avaliações de leitura, recobrindo tópicos que vão desde a compreensão

geral do texto, compreensão parcial (parágrafos), compreensão episódicas, inferência de

palavras desconhecidas, função dos dêiticos etc. Diferentemente das avaliações do

SAEB (Provinha Brasil e Prova Brasil), do SARESP e das avaliações da rede municipal

de São Paulo, nossa equipe avalia a compreensão de apenas um texto relativamente

longo (de 1,5 a 2,5) como um todo. Na avaliação final aplicada ao quarto ano (alunos

que foram acompanhados desde 2012), realizada no final de 2015, obtivemos os

seguintes resultados da turma em geral:

Níveis Meninos Meninas Total % Média

De 10 a 15 respostas certas 15 13 28 46,66 76,33

De 07 a 09 09 09 18 30,00

De 05 a 06 01 05 06 10,00 23,33

Abaixo de 5,0 06 02 08 13,33

Total das duas turmas 30 30 60 100 99,66

Quadro 1 – tabela da avaliação final do projeto.

Quando analisamos a produção escrita destes alunos, sobretudo a reescrita de textos

ouvidos, podemos afirmar que, com exceção de dois alunos de inclusão, que escrevem

frases curtas (iniciaram muito tardiamente o processo e aprendem muito devagar com a

ajuda nos atendimentos), notamos que os 58 alunos são capazes de produzir textos, mas

há de fato (comprovado no relatório das professoras destas turmas), um grupo (próximo

deste percentual de 20% que ainda possui dificuldades para enfrentar textos mais longos

e complexos como o da avaliação que fizemos). Este nível, no depoimento das

professoras, nunca foi atingido por turmas anteriores.

Essas duas turmas se submeterão à Prova Brasil neste ano de 2016, nossas expetativas é

que alcancem ótimos resultados. Na “Provinha Brasil” e na ANA – Avaliação Nacional

de Alfabetização” essas turmas mostraram um excelente rendimento. Vejamos

Tabela 2 – Provinha Brasil 2013 (2º ano, turmas de 2012)

Níveis Faixa de acertos %

Nível 5 de 19 a 20 acertos 44,82

Nível 4 de 14 a 18 acertos 48,27

Nível 3 de 9 a 13 acertos 06,89

Nível 2 de 4 a 8 acertos 00,00

Nível 1 até 3 acertos 00,00

Tabela 3 - ANA – 2015 (3º. Ano, turmas de 2012)

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Níveis LEITURA PRODUÇÃO TEXTUAL

Nível 5 35,59%

Nível 4 42,37% 62,71%

Nível 3 42,37% 1,69%

Nível 2 13,56% Zero

Nível 1 1,69% Zero

Obs.: A coluna “LEITURA” é formada por quatro níveis apenas

Como se pode ver, tanto em leitura como em produção de texto, tanto em uma prova

como em outra, os alunos das turmas de 2012 apresentam nítidas diferenças. Somando

os percentuais das faixas que seriam as desejadas pelo Ministério da Educação,

teríamos: Provinha Brasil/2013 = 93,09%; ANA/2014/LEITURA: 84,74%; ANA2014

PRODUÇÃO DE TEXTOS: 98,03%. Apesar desse bom desempenho nas provas

oficiais, acreditamos que a melhor avaliação de leitura é a que realizamos (tabela 1),

pois esta exige uma visão mais integral do texto, pois para a nossa perspectiva, um bom

leitor tem que ser capaz de ler um texto longo (para a sua idade), de forma mais

completa possível e não ler fragmentos e obter o escore final a partir de somas de itens

ou de habilidades parcializadas.

Os dados ainda serão analisados mais detalhadamente, mas o que salta à vista desde já é

que o monitoramento das turmas associado a um currículo que valorize a relação

oralidade escrita tal como acima descrita, não resultam em uma turma homogênea, pois

as diferenças tendem a se manter, mas melhora muito o nível de leitura da escola.

Referências bibliográficas

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Paulo: Martins Fontes, 2000. (pp. 277-326)

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2994ISSN 2177-336X

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REPENSANDO O ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS: DAS

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS À PROPOSTA ESCOLAR

Maria da Conceição Costa

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN

RESUMO

Resultantes de parcerias entre a UERN, a UFPA e a USP, as experiências apresentadas

neste artigo referem-se a práticas pedagógicas desenvolvidas no polo da UERN no

decorrer de quatro anos – 2011 a 2014, que tratam do acompanhamento do processo de

alfabetização de crianças visando inseri-las na leitura e escrita. Serão discutidas

experiências desenvolvidas em uma escola pública da rede municipal de ensino no

estado do Rio Grande do Norte em turmas dos anos iniciais do ensino fundamental – 1º

ao 4º ano. A construção dos dados se deu com base nas ações desenvolvidas no projeto

“O desafio de ensinar a leitura e a escrita no contexto do ensino fundamental de nove

anos”, com foco em três áreas de investigação: Alfabetização, letramento, oralidade,

leitura e escrita; enfrentamento de dificuldades de aprendizagem no campo da

linguagem e novas possibilidades de diagnósticos preventivos e produção de materiais

didáticos. Os resultados revelam que 90% das crianças acompanhadas em suas

aprendizagens ingressaram na leitura e escrita tendo condições de darem

prosseguimento aos seus estudos. Esses dados apontam a alfabetização como um

processo contínuo e permanente que necessita de estratégias assíduas de

acompanhamento e que a aprendizagem da leitura e da escrita perpassa por manejos

pedagógicos transversalizados por traquejos orais que engajam a criança na

alfabetização. Ao final de 2014, essa pesquisa culminou na elaboração de uma proposta

curricular no campo da linguagem nos anos iniciais do ensino fundamental, que atenda

às demandas postas nesse nível de ensino, respeitando-se as heterogeneidades

apresentadas pelos alunos em seu processo de alfabetização.

Palavras-chave: Oralidade. Leitura. Escrita.

Introdução

Neste artigo apresentamos experiências desenvolvidas pelos membros da

Pesquisa "O desafio de ensinar a leitura e a escrita no contexto do ensino fundamental

de nove anos”, 1focando especificamente, o desempenho desta no pólo da Universidade

do Estado do Rio Grande do Norte – UERN, em uma escola pública da rede municipal

de ensino. Nesta escola, acompanhamos turmas de alunos do 1º ao 4º ano investigados

em seus processos de aprendizagem. Nosso foco era a aposta em uma abordagem da

oralidade, leitura e escrita que resultasse em uma proposta curricular que atendesse às

heterogeneidades dos alunos no contexto do ensino fundamental de nove anos. Nessa

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aposta, optamos pela concepção de uma “subjetividade de permeio”, termo forjado por

Claudemir Belintane (2013), assentado nos traquejos e jogos orais e, principalmente, no

uso do texto literário em sala de aula. Essa concepção ajudou-nos a construir estratégias

que inserissem a criança na leitura e escrita, unindo discussões no campo da psicanálise,

linguística e educação. Reforçamos ainda, que nossa opção teórica está atrelada a uma

abordagem de escuta atenta aos pormenores da linguagem, fundamentada teoricamente

na escuta do equívoco, apresentada por Cláudia de Lemos (2002), que propicia

discussões acerca da alfabetização infantil.

O locus desta pesquisa caracteriza-se como uma escola de pequeno porte, com

estrutura para acoplar seis turmas em cada turno, atendendo a crianças da Educação

Infantil ao 5° ano do ensino fundamental, em sua maioria, oriundas de famílias de baixa

renda familiar, participantes de programas sociais como Bolsa Família.

Quanto aos participantes da pesquisa esses eram distribuídos entre alunos de

graduação dos cursos de Pedagogia e Letras do Campus Avançado Professora Maria

Elisa de Albuquerque - CAMEAM/UERN, um coordenador pedagógico da escola locus

de pesquisa e cerca de dois a três professores por ano que lecionavam nas turmas

acompanhadas pelos referidos bolsistas. Esses bolsistas atuavam semanalmente nas

turmas acima citadas realizando diagnósticos de aprendizagem das crianças mediante

observações, registros e atendimentos individuais e/ou coletivos que correspondessem

às demandas específicas de cada criança.

As crianças que também participaram desta pesquisa compunham um grupo

que variava entre 64 (sessenta e quatro) a 84 (oitenta e quatro) alunos por ano

distribuídos entre duas ou três turmas. No entanto, os dados que resultaram na

constatação de práticas exitosas na consolidação da alfabetização dos alunos referem-se

à duas turmas que contabilizavam 75 (setenta e cinco) alunos: Os ingressantes no 1º ano

em 2011 – 34 alunos e os matriculados no 1º ano em 2012 – 41 alunos –, respectivos 4º

e 3º ano em 2014, considerando que esses foram acompanhados interruptamente em

suas aprendizagens. Desse total de alunos, 50 (cinquenta) chegaram a ser acompanhados

até 2014, o equivalente a 66,6% - 22 (vinte e dois) no 4º e 28 (vinte e oito) distribuídos

entre 3º ano A e B. Os 25 (vinte e cinco) alunos que não concluíram se distribuem entre

4 (quatro) evadidos e 21 (vinte e um) transferidos. Do acompanhamento desses alunos

surgiram direcionamentos teórico-práticos acerca do manejo com a heterogeneidade em

sala de aula com impactos na alfabetização infantil, uma vez que cerca de 90% das

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crianças acompanhadas interruptamente em suas aprendizagens ingressaram na leitura e

escrita, possibilitando dessa forma, (re)dimensionamentos na proposta curricular da

escola campo de pesquisa.

1. O manejo com a heterogeneidade em sala de aula

Primamos por um trabalho desenvolvido em sala de aula distribuído entre dois

profissionais − um docente institucionalmente responsável pela turma e um

bolsista/pesquisador, ambos trabalhando na perspectiva de diagnósticos mais precisos e

detalhados acerca das necessidades de cada criança em relação à oralidade, à leitura e à

escrita.

Esses diagnósticos eram elaborados cotidianamente e discutidos pelos

membros da pesquisa, uma vez que não dispúnhamos de módulos previamente

elaborados, todo o trabalho foi construído mediante demandas que surgiam nas próprias

salas de aula em consonância com o planejamento semanal realizado pela escola na

definição de seus propósitos pedagógicos.

De forma comparativa, os diagnósticos eram tabulados e discutidos na

perspectiva de melhor traçarmos um perfil dos alunos que frequentavam cada turma,

identificando suas dificuldades e avanços em relação à oralidade, leitura e escrita. Esses

diagnósticos se desdobravam em sistematizações acerca do desempenho das crianças ao

realizarem atividades com rebus,1 palavras-valise, revestrés, dentre outras possibilidades

que envolviam partículas menores da fala e elaborações textuais mais complexas.

Os bolsistas por sua vez, eram distribuídos por turmas, seja realizando

atendimentos individuais ou coletivos com as crianças. Esses acontecimentos não eram

pensadas como as tão conhecidas aulas de reforço, aconteciam no turno em que as

crianças estavam em sala de aula e partiam de dificuldades reais identificadas na

aprendizagem das mesmas. O fragmento1 abaixo extraído do relatório anual de pesquisa

mostra a sistematização de registros com avanços contínuos na aprendizagem de uma

criança que no ano de 2012 frequentava o segundo ano:

Em março, o aluno parecia conhecer todo o alfabeto pela sequência,

não reconhecendo o R, o S, o T e o V. Quando indagado sobre o

alfabeto alternadamente, ele trocava letras, tais como: P por Q, M por

N e R por S. Não conseguia diferenciar letras maiúsculas de

minúsculas, porém, percebia que chutava um nome para a letra.

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Somente conseguia ler textos curtos com ajuda, soletrava as sílabas,

enrolando-se e perdendo-se quando apareciam sílabas complexas.

Em 21 de junho, a atividade do dia consistia em formar palavras

referentes ao São João da escola, com as sílabas destacadas de outras

palavras, como por exemplo: QUAdro + laDRIlha + moLHA =

quadrilha. O aluno conseguiu ler rapidamente a palavra formada.

Conseguiu ler palavras simples como COCADA, BOLO. Já no 2º

diagnóstico realizado em Agosto, teve dificuldades na leitura de

palavras, silabando em várias palavras, no entanto, apresentava maior

dificuldade nas palavras de sílabas complexas.

No dia 25 de setembro, enquanto a professora recebia a tarefa do dia

anterior, leitura compartilhada do texto informativo TRÂNSITO NAS

RUAS – Livro Didático de Geografia, percebemos que o aluno lia

acompanhando bem a leitura e algumas vezes, respondia algumas

palavras primeiro que a professora, então neste mesmo momento,

fomos analisando se a leitura era de memorização, já que tinha sido a

tarefa de casa. O mesmo foi conduzido para outra sala e solicitamos a

leitura do texto com o qual não sentiu dificuldade. Sua leitura era com

fonética aberta (QUE/QUI), soletrava quando encontrava palavras

maiores e às vezes, voltava às palavras anteriores. Na palavra

ALGUMAS soletrou letra por letra, depois juntou e conseguiu ler.

Colocamos para ler outro texto, Quem está no comando? Do livro

história de Cinco Minutos – Disney, o aluno leu o parágrafo inteiro da

história. Portanto, o aluno vem nos surpreendendo em sua

aprendizagem1 (RELATÓRIO ANUAL DE PESQUISA, 2012).

Esse registro ilustra como se efetivava o processo de acompanhamento da

aprendizagem dos alunos, em uma perspectiva contínua de trabalho, em que os registros

escritos se constituíam uma imprescindível fonte de dados comparativos de desempenho

de uma mesma criança em momentos diferentes. Ressaltamos ainda, que dispomos de

acervos bem mais extensos e pontuados acerca das crianças, em que o foco na

observação e sistematização dos dados realça o trabalho pedagógico e seus

direcionamentos cotidianos, no entanto, nossa escuta está mais voltada à aprendizagem

do que à prática docente em sala de aula.

Esses diagnósticos contínuos fizeram-nos identificar que os registros

elaborados permitiram certa autonomia seja por parte dos bolsistas alunos de graduação

ou pós-graduação, ou em relação ao professor, quanto ao domínio das situações de

aprendizagem em sala de aula, uma vez que diagnosticavam detalhadamente o

desempenho de cada criança. Esse detalhamento está atravessado por uma escuta

aguçada aos pormenores da linguagem, apresentada por De Lemos (2002) e reforçada

por Belintane (2013) caracterizada pelo manuseio com traquejos com a oralidade, que

não atende estritamente aos critérios de uma escuta psicanalítica, embora com esta

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podemos estabelecer pontes teóricas, principalmente quando tentamos acionar

memórias nas crianças acerca de narrativas trabalhadas e quase sempre, ouvimos

repetições expressando não lembrarem das histórias. A respeito do discurso nem sempre

expressar o que o sujeito quer dizer de fato, Lacan (1987, p. 275) reconstruindo a teoria

freudiana afirma: “[...] atrás do que diz um discurso, há o que ele quer dizer e, atrás do

que quer dizer, há ainda outro querer dizer e nada será nunca esgotado.” Nesse sentido,

a fala das crianças pode representar memórias nem sempre acionadas pelo sujeito, como

se o não necessariamente não representasse uma negatividade. Essa escuta por sua vez,

atende a critérios pedagógicos de direcionamentos de atividades, mediante dados que as

próprias crianças fazem surgir em suas falas ou em seu silêncio cotidiano através da

resistência às atividades.

É imprescindível destacarmos que, ao lidarmos com as crianças, diversas

situações instigam-nos a pensar a heterogeneidade como algo a ser manejado

pedagogicamente e implica em estratégias diversificadas de trabalho. Essa

heterogeneidade historicamente debatida em educação, passa a ser vista não somente do

ponto de vista cultural ou de acesso à educação, mas possibilita momentos de

discussões e elaboração de estratégias que possibilitem a inclusão das crianças nas aulas

respeitando-as em seus diferentes processos de entrada na alfabetização.

Realçamos ainda, que o atendimento às demandas de continuidade na

aprendizagem infantil entre etapas de ensino e em um mesmo ano letivo sistematiza um

conjunto de informações sobre as crianças em que são retomadas atividades

desenvolvidas na Educação Infantil, dentre outras formas de registros da aprendizagem

das crianças, considerando-as como parte de um processo contínuo independente das

mudanças entre etapas de escolaridade a que são submetidas. Essa preocupação de

manter a perspectiva contínua da aprendizagem das crianças, perpassa as mudanças

entre os anos iniciais do ensino fundamental, de forma que no início de cada ano letivo,

sejam retomados os registros do ano anterior, em uma perspectiva cíclica de

aprendizagem.

2. Impactos diretos na alfabetização infantil

Dos 50 (cinquenta) alunos acompanhados interruptamente em suas

aprendizagens, apresentados na introdução deste artigo, cerca de 45 ao final de 2014,

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apresentaram condições satisfatórias de darem continuidade a seus estudos, o que

caracteriza aproximadamente, 90% de entrada das crianças na escrita e na leitura. Quase

a totalidade desses alunos lê fluentemente, respeitando a pontuação e interpretando o

texto, independente de lidarem com palavras conhecidas ou desconhecidas. Uma

pequena parcela, equivalente a 10 alunos, ainda encontra dificuldade na leitura de

palavras desconhecidas, embora todos tenham ingressado na escrita. Cerca de 5 alunos

ainda se deparam com entraves na leitura e na escrita, embora todos tenham avançado

em suas aprendizagens, compõem as crianças que caracterizamos como especiais por

necessitarem de acompanhamentos em seus processos de aprendizagem, mesmo

avançando nesses processos.

Para além desses dados significativos que impactam diretamente nos resultados

finais das turmas, consideramos ainda, o amplo repertório que as crianças adquiriram no

decorrer desses anos com narrativas locais, regionais e universais, fortemente enfocadas

na pesquisa. A relação de enamoramento com os contos, principalmente acumulativos, é

visível na expressão da linguagem infantil, o encantamento com as narrativas parece

despertar nas crianças experiências únicas ao deleitarem-se sobre cenários, enredos e

personagens que as embalam em um mundo de encantamento que também envolve os

docentes que conduzem esse processo.

O rebus, ao possibilitar um contínuo jogo entre som, imagem e palavras tem

possibilitado às crianças um esforçoso trabalho mental, porém, prazeroso quando

iniciam seus processos de retroação à sílaba inicial das palavras, acrofonia e

brincadeiras envolvendo palavras, até mesmo em situações que extrapolam as paredes

da sala de aula e invadem momentos como o intervalo. As palavras-valises por sua vez,

se fez presente no cotidiano das salas de aula. Brincadeiras como “a palavra secreta1”

tem entusiasmado as crianças a adivinharem a junção de palavras que constituem outras,

em um contexto de brincadeiras e jogos direcionados pelos professores em salas de aula.

As adivinhas e as rimas também encontraram espaço nos planos de ensino

semanalmente elaborados pelos professores e bolsistas. Propositalmente, apostamos nos

jogos de palavras próprios da linguagem oral que encantam e fazem parte da cultura

local que constitui o entorno escolar. O trabalho com a informática envolvendo

atividades com jogos oriundos de aplicativos instalados nos tablets se consolidou, além

de um recurso instigante para os alunos que se rendem ao trabalho pedagógico, como

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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uma ferramenta que aguça o interesse e motiva os alunos a se inserirem na realidade

escrita, conforme suas diferentes formas de entrada.

Em relação à impactos desta pesquisa nas avaliações externas, provocamos

discussões profícuas acerca dos formatos e do nível de complexidade que estas tem

provocado, de forma a desconsiderar as particularidades locais/regionais que compõem

o entorno das escolas que trabalham com os anos iniciais. Tais discussões

desembocaram na sistematização de testes de leitura, escrita, interpretação e produção

textual por parte dos membros da pesquisa Desafios que revelaram dados acerca do

nível de complexidade das atividades elaboradas para as aulas e a necessidade da

interpretação textual ser explorada desde os primeiros anos de escolaridade das crianças.

Para além dessas discussões, temos como amostra ilustrativa os resultados da Provinha

Brasil, durante os anos de 2012, em que as turmas de 2º ano, com as quais trabalhamos,

garantiu nível 04 em leitura, com números bem próximos do nível 05. Em relação à

matemática, as crianças alcançaram nível 05, esse último, correspondente ao

quantitativo máximo exigido.

Quanto ao resultado de outras avaliações externas como o Índice de

Desenvolvimento da Educação Básica − IDEB, a escola tem atendido à projeção de

metas, mas isso já vinha se consolidando antes mesmo da entrada do projeto na escola

em 2011, conforme dados abaixo. Acreditamos em impactos qualitativos desta pesquisa

no IDEB, porém, outros fatores como a diminuição no índice de evasão e reprovação

nas turmas favoreceu tais resultados, conforme abaixo apresentados:

Tabela 1 – IDEB – Escolas envolvidas no Projeto Desafios

ESCOLA

ANOS

2007 2009 2011 2013

ESCOLA CAMPO DE

PESQUISA

2.6 3.5 3.8 4.9

Fonte: Elaborada pela autora com base em dados disponíveis no site do MEC, conforme Brasil (2013).

Em relação a outros resultados como a Avaliação Nacional da Alfabetização –

ANA, esta aponta índices que oscilam entre os anos 2013 e 2014 em que os alunos não

se mantem em níveis satisfatórios. Averiguando esses resultados, diagnosticamos que

grande parte das crianças avaliadas, em função de um número elevado de fluxo nas

turmas, não era acompanhada pelos membros da pesquisa, algumas turmas chegavam a

ter quase 50% de alunos que não eram acompanhadas desde o 1º ano. Tais dados

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apontam que fatores como o fluxo de alunos nas turmas e na escola afetam a

continuidade da aprendizagem e contribuem para resultados nacionais nem sempre

satisfatórios. Outro fator que diagnosticamos na realização da prova ANA diz respeito à

questões de cunho atitudinal, ou seja, alguns alunos respondem as provas,

apressadamente, na intenção de não se prenderem à atividade ou à sala de aula, de

forma que a motivação do professor para a realização da avaliação torna-se

imprescindível nesse processo.

3. Apontamentos acerca do (re)dimensionamento curricular

No que se refere ao processo de redimensionamento curricular discutimos

coletivamente entre os pesquisadores/bolsistas concepções de subjetividade, oralidade e

escrita pautadas em estudos de Belintane (2008, 2010, 2013), Havelock (1995 e 1996),

Kleiman (1995) e Tfouni (2001) conectados à referências legais para a Educação Básica

e o Ensino Fundamental de Nove Anos.

No intuito de repensarmos propostas conectadas às já existentes na escola

campo de pesquisa, pontuamos ainda, reflexões acerca do Projeto Pedagógico da escola,

a proposta de Educação Infantil, do 1° ao 5° ano e o Regimento Escolar até então

vigentes. Discutimos ainda, sobre os Programas dos quais a escola participava, dentre

eles: o Plano de Desenvolvimento da Educação − PDE; o Pacto Nacional pela

Alfabetização na Idade Certa − PNAIC, além de Projetos como Trilhas Potiguares,

Justiça e Escola e o Projeto Desafios ao qual nos reportamos neste artigo.

Os estudos apontaram a necessidade de redimensionamentos em aspectos, tais

como: O trabalho pedagógico - observações, diagnósticos e estratégias de ensino;

Estrutura, organização e funcionamento dos anos iniciais do ensino fundamental e A

dobradiça entre educação infantil e o 1º ano e os anos posteriores. Essa discussão

culminou na elaboração de objetivos, conteúdos, estratégias de trabalho e avaliação da

aprendizagem inerentes aos anos iniciais do ensino fundamental.

Incorporamos aos objetivos mínimos e de transição, discussões sobre a letra

nos anos iniciais enfocada sob o ponto de vista pedagógico. A acrofonia foi considerada

quando discutida a necessidade de os professores terem clareza acerca de um olhar e

uma escuta aguçada aos desencontros acrofônicos no início do processo de

alfabetização das crianças. As palavras-valises e o revestrés, não constantes nas práticas

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das professoras antes de ingressarem na pesquisa, facilitaram muitos processos de

aquisição da língua escrita por parte das crianças, de jogos de palavras à criação de

histórias fictícias com nomes elaborados pelos alunos no cotidiano escolar. O rébus,

possibilitou um trabalho com imagens, sons e palavras escritas para além das sílabas

iniciais das palavras. No manejo com a oralidade, destacamos ainda, os trabalhos com

as narrativas orais, desde as africanas às regionais. Para além das narrativas, outros

traquejos orais possibilitados pelo uso dos trava-línguas, parlendas, quadrinhas,

adivinhas, provérbios, textos rimados e cantigas de rodas, que compõem a cultura oral,

fizeram-se presentes na dinâmica semanal das crianças. Essa presença materializava-se

na facilitação do processo de alfabetização, seja construindo relações entre as

singularidades infantis e as narrativas orais, seja permitindo um encontro com gerações

e fantasias, propiciado por textos dessa natureza. O reconto foi incorporado à prática das

professoras envolvidas na pesquisa. Nesses recontos, analisamos a compreensão das

etapas presentes na narrativa, incluindo noções de início, meio e fim. Ainda, houve a

troca de palavras por expressões/confusão entre palavras com a mesma sonoridade.

Avaliava-se se os personagens existentes no reconto eram os mesmos que apareciam na

narrativa. Critérios como intertextualidade e criatividade eram acrescidos a análises dos

recontos feitos pelas crianças, fossem transcritos de forma literal ou não. Ressaltamos

ainda que, até então, o diagnóstico não era utilizado pela escola como atividade

diagnóstica.

Em termos de hipótese de escrita, sentimos a necessidade de defini-la desde o

1º ano, na perspectiva de nortear o trabalho docente, sempre reforçando que o

imprescindível ao avaliarmos a aquisição da escrita infantil é a descrição do que a

criança realiza, posto que muitas crianças acabam por sinalizar características que

pertencem a mais de uma fase de hipótese da escrita. Optamos por denominar a leitura

significativa como a ser atingida pelas crianças, compreendida como interpretativa,

inferencial, retroativa e compreensiva. Esse tipo de leitura compreende a leitura para

além da decodificação de códigos linguísticos. Perpassa a leitura de imagens através do

reconhecimento de ilustrações, que representam cenas de histórias conhecidas, a

descrição de personagens, as ações, o cenário até a leitura compreensiva, inferencial,

interpretativa e retroativa. Vai do domínio da sílaba simples à complexa, da leitura de

palavras às frases, aos parágrafos e aos textos

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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Quanto à compreensão textual, esta foi explorada desde o 1º ano, partindo da

análise das respostas emitidas pelas crianças a questões básicas acerca do texto, embora

com desorganização de ideias e fuga da centralidade do conteúdo, bem como com ideias

escritas sob forma textual mais longas e organizadas. Convém ainda ressaltarmos que,

identificamos a necessidade de projetos de demandas que atendessem às lacunas na

aprendizagem das crianças surgindo a partir das dificuldades apresentadas pelas

próprias crianças.

Esses encontros também fizeram emergir alguns fatores que merecem ser

destacados, dentre eles: a insegurança dos profissionais da escola ao elaborar sua

própria proposta. Tal insegurança parece surgir como fruto de uma história da educação

movida por modelos, em que os módulos de trabalho são previamente elaborados e

determinam o que será operacionalizado pelos professores, quando não o são, sentimos

a insegurança dos profissionais, movidos pela vontade, porém revestidos de insegurança

perante o novo elaborado à várias mãos num contexto de dúvidas geradas pelo Ensino

Fundamental de Nove Anos.

Associada à essa insegurança é também diagnosticável, no campo da formação

profissional, a autonomia docente adquirida quando os professores participam de

processos de tomadas de decisões, de elaboração coletiva de propostas curriculares. Os

discursos expressados demonstram maior interesse em se aprofundar de discussões

sobre a aprendizagem infantil e questões políticas da educação.

Algumas considerações

No decorrer deste trabalho investigativo sentimos as dificuldades que as

escolas encontram no seu trabalho cotidiano, bem como, diagnosticamos a urgência de

direcionamentos pedagógicos que partam das demandas reais das escolas como

princípio norteador de uma educação que atenda às heterogeneidades dos alunos em

salas de aula. Trabalhos direcionados às heterogeneidades das turmas atestaram que é

possível atingirmos não somente números satisfatórios na aprendizagem infantil, mas

acima de tudo, contribuirmos diretamente para a inclusão social a partir da escola.

Sempre teremos alunos que denominamos especiais, que necessitam de

acompanhamento em suas aprendizagens, no entanto, é necessário que sejam incluídos

na dinâmica do ensino da oralidade, leitura e escrita, mesmo nem sempre apresentando

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um desempenho satisfatório. Os objetivos, conteúdos e procedimentos de ensino

necessitam abarcá-los em suas diferentes entradas na alfabetização.

Temos diagnosticado inúmeros objetos de estudos que fluem de um trabalho

como esse e necessitaríamos de muitos diários de campo para registrar os desafios que

afloram do cotidiano escolar, porém, as experiências significativas que surgem no calor

das relações estabelecidas em sala de aula merecem ser registradas. O prazer de

presenciarmos o encantamento das crianças quando inseridas na realidade letrada

apresenta-se como algo fantástico para nós pesquisadores. Não é só um excluído

socialmente que a escola passa a ganhar, mas acima de tudo, um ser pensante, com seu

mundo de experiências que passa a nos contagiar e acima de tudo, nos ensinar que

insistir em uma educação que respeite as singularidades em meio às heterogeneidades

vale a pena.

Também temos observado o quanto as experiências formativas dos bolsistas

tem contribuído para seu crescimento acadêmico. A escuta tanto às crianças quanto aos

que com elas se deixam aprender, tem muito nos ensinado sobre a aprendizagem nos

anos iniciais do ensino fundamental e a necessidade de estar atento aos apelos

silenciosos das mesmas. Os próprios registros de aprendizagem elaborados tem, com o

passar do tempo, modificado seu formato: De registros gerais para sistematizações

minuciosas e detalhadas acerca da aprendizagem do aluno.

Nosso discurso não se reveste de sonhos irrealizáveis, nem mesmo, assume

uma perspectiva redentora de educação, mas é aprendendo com as crianças, é

permitindo-nos conhecer seu mundo que nos despimos das grandes discussões teóricas e

deixamos falar as experiências nem sempre notadas ou anotadas, que se perdem em

meio aos IDEBs e morrem sufocadas nas grandes teorias que não deixam falar quem

pode nos ensinar muito: As crianças.

Referências

BELINTANE, Claudemir. Vozes da escrita: em tempos de crianças e menestréis.

Estilos da Clínica, São Paulo, v. 13, n. 25, 2º semestre, 2008.

______. O desafio de ensinar a leitura e a escrita no contexto do ensino fundamental de

nove anos. Projeto de pesquisa. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3005ISSN 2177-336X

25

______. Oralidade e alfabetização: uma nova abordagem da alfabetização e do

letramento. São Paulo: Cortez, 2013.

BRASIL. Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB. Disponível em:

<http://ideb.inep.gov.br/resultado/resultado/resultado.seam?cid=13167>. Acesso em: 11

abr. 2013.

DE LEMOS, Claúdia. Thereza. Guimarães. Das vicissitudes da fala da criança e sua

investigação. Caderno de estudos linguísticos, Campinas, n. 44, p. 41-69, 2002.

HAVELOCK, Eric. A equação oralidade-cultura escrita: uma fórmula para a mente

moderna In: OLSON, D. R.; TORRANCE, N. (Org.). Cultura, escrita e oralidade. São

Paulo: Ática, 1995. (Edição original: 1991).

______. A musa aprende a escrever: reflexões sobre a oralidade e a literacia da

Antiguidade ao presente. Lisboa: Trajectos 33, 1996.

KLEIMAN, Angela Del Carmen Bustos Romero de. Os significados do letramento:

uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado de Letras,

1995.

LACAN, Jacques. A função criativa da palavra. In: LACAN, Jacques. O Seminário,

livro 1: Os escritos técnicos de Freud. São Paulo: Jorge Zahar, 1987.

TFOUNI, Leda. Veridiani. Letramento e alfabetização. 8. ed. São Paulo: Cortez,

2006.

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. Relatório anual da

pesquisa: O desafio de ensinar a leitura e a escrita no contexto do ensino fundamental

de nove anos. Relatório. Pau dos Ferros, 2012.

______________________

1 Projeto financiado pela CAPES, aprovado via Edital n. 038/2010/CAPES/INEP, desenvolvido entre os

anos 2011 e 2014 nas Escolas de Aplicação da USP e da UFPA e em uma escola da rede municipal de

ensino, na UERN. A partir de então, as referências a esse trabalho investigativo se reportarão a este como

Projeto Desafios.

1 Estratégia didática que oportuniza à criança a descoberta das relações quantitativa e qualitativa que

marcam o cotejo entre oralidade e escrita. Seu trabalho necessita ser precedido pelo princípio acrofônico

da leitura de imagens, com foco na primeira sílaba.

1 Jogo criado pelos bolsistas com embalagens e desenhos, em que cada criança ao voltar do

intervalo, terá que descobrir as palavras-valises contidas em cada desenho, sempre relacionadas

às narrativas trabalhadas no turno anterior, ou conforme a necessidade da criança. Caso não

acerte, cada criança irá novamente tentar outras palavras, para que sua entrada na sala seja

garantida.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3006ISSN 2177-336X

26

CONSTRUINDO A PESQUISA NA ESCOLA: RESULTADOS DO PROJETO “O

DESAFIO” (2011-2014) NO POLO BELÉM (UFPA)

Thomas Massao Fairchild (UFPA)

Resumo: Neste trabalho apresentamos parte dos resultados finais do projeto “O desafio

de ensinar a leitura e a escrita no contexto do Ensino Fundamental de 9 anos”

(OBEDUC/2010 – projeto 20) obtidos pela equipe sediada na Universidade Federal do

Pará, em Belém. Levamos em consideração dois dos objetivos do projeto: a) a

coletivização do trabalho pedagógico e b) o manejo das heterogeneidades em sala de

aula. Apresentamos recortes de dados que mostram onde conseguimos e onde não

conseguimos alcançar esses objetivos. Com base nesses recortes procuramos discutir a

pergunta – pode-se construir uma pesquisa a partir de dentro da escola? Os recortes

trazidos para discussão consistem em: a) um fluxograma das turmas atendidas pela

equipe nos anos de 2011 a 2014; b) um fluxograma dos reagrupamentos semanais de

alunos por faixa de desempenho, que realizamos como estratégia pedagógica e

formativa; c) um quadro com resultados de uma avaliação de leitura realizada no ano

final do projeto. Embora esses dados não representem a totalidade das estratégias

adotadas pela equipe, acreditamos que eles sejam suficientes para mostrar o impacto

que o projeto teve na escola-parceira: obteve-se uma melhora sensível no desempenho

dos alunos que foram acompanhados de maneira ininterrupta por três anos, mas não se

conseguiu garantir a integralidade do trabalho com todos os alunos em virtude de

circunstâncias como trocas de professores e coordenadores, remanejamento de alunos

etc. A interferência recorrente de fatores dessa ordem sugere que o conhecimento

produzido pela pesquisa teve efeitos no âmbito didático (em sala de aula), mas não foi

suficiente para modificar as bases de algumas práticas da administração escolar que

poderiam ter levado a resultados melhores.

Palavras-chave: Alfabetização; Trabalho Docente; Formação de Professores

Introdução

O projeto “O desafio de ensinar a leitura e a escrita no contexto do Ensino

Fundamental de 9 anos”, financiado pelo programa Observatório da Educação

(OBEDUC/2010 – projeto 20), foi desenvolvido de 2011 a 2014 em três polos:

Universidade de São Paulo (São Paulo); Universidade do Estado do Rio Grande do

Norte (Pau dos Ferros); e Universidade Federal do Pará (Belém). Neste trabalho

apresentamos uma parte dos resultados do projeto obtidos pela equipe da UFPA,

sediada em Belém.

O projeto teve como problema de pesquisa as dificuldades de transição da

Educação Infantil ao Ensino Fundamental e as causas do desempenho fraco de alunos

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3007ISSN 2177-336X

27

brasileiros nas avaliações de leitura nacionais. Baseando-se no acompanhamento

longitudinal de turmas do Ensino Fundamental nos três polos, o projeto visou à

proposição de modelos de organização do trabalho pedagógico e de ação didática que

levassem a uma melhoria dos resultados de desempenho em leitura e escrita,

especialmente considerando a reorganização desse nível de ensino em regime de ciclos.

Dentre as hipóteses do projeto incluem-se: a) que um investimento na oralidade pode

favorecer uma entrada mais dinâmica e significativa da criança na leitura; b) que parte

dos impasses enfrentados pelas crianças resulta do modo como sua subjetividade se

constrói nas relações com a escola; c) que um trabalho pedagógico em equipe, assumido

coletivamente pela escola, pode dar conta de diagnosticar, acompanhar e fazer o manejo

dos fatores complexos que estão envolvidos na entrada da criança na escrita.

Os resultados que apresentamos aqui foram dois dos objetivos específicos do

projeto: a) a criação de estratégias de coletivização do trabalho pedagógico e de

responsabilização compartilhada sobre as aprendizagens dos alunos; e b) o manejo das

heterogeneidades em sala de aula por meio de diagnósticos amplos e diversificados,

levando em conta tanto a aquisição de conhecimentos objetiváveis quanto as posições

subjetivas dos alunos.

O projeto desenvolveu-se essencialmente como uma pesquisa-ação de cunho

qualitativo e interventivo, que envolveu professores da escola parceira e pesquisadores

de graduação e pós-graduação. A equipe atuou em sala de aula, por meio de um regime

de co-docência (um professor “residente” e um pesquisador externo, assumindo papéis

simétricos) e também se constituiu como espaço de estudo, pesquisa e discussão de

temas variados – incluindo-se a leitura de textos teóricos, a discussão de projetos e

materiais didáticos adotados na escola etc. Para registro de dados, adotou-se uma linha

inspirada na etnografia escolar, coletando-se dados documentais (livros, “apostilas” e

outros materiais escolares; material de programas de formação de professores etc.) e

descrições densas do cotidiano escolar. Os registros diretos de sala de aula, na foram de

diários de campo, originaram diversos outros dados que resultaram da tabulação e

reorganização das informações coletadas dessa forma, como quadros, tabelas e

fluxogramas.

Apresentamos aqui três recortes de dados que consistem em instrumentos de

síntese de informações coletadas por outros meios. Com base neles discutimos como

procuramos cumprir os dois objetivos acima. O primeiro recorte consiste em um

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3008ISSN 2177-336X

28

fluxograma das turmas atendidas pelo projeto, a partir do qual apontamos problemas

que afetaram a continuidade do acompanhamento de parte dos alunos. Esses problemas

mostram que nem sempre houve sintonia entre as propostas vindas da equipe do projeto

e as decisões da coordenação pedagógica da escola. O segundo recorte consiste em um

fluxograma da estratégia que chamamos de “reagrupamentos semanais”, por meio da

qual procuramos contornar alguns dos problemas mencionados acima. Esse fluxograma

mostra alguns critérios utilizados no diagnóstico dos alunos, e também como fizemos o

enfrentamento da tendência à individualização do professor alfabetizador no cotidiano

da escola. O terceiro recorte é em um quadro comparativo do desempenho das turmas

em um teste de leitura realizado em 2014. Embora o resultado se restrinja a um só eixo

de avaliação, utilizamo-lo para ilustrar o desempenho atingido pelos alunos

acompanhados pelo projeto e a diferença de resultado entre as turmas que foram

integralmente acompanhadas e as que tiveram descontinuidades em seu percurso

escolar.

Com esses recortes, além de expor parte das atividades desenvolvidas pela

equipe do projeto sediada em Belém, procuramos responder a uma pergunta que articula

diferentes aspectos de nossa experiência – pode-se construir uma pesquisa a partir de

dentro da escola? Não nos propomos a responder essa pergunta de forma propositiva ou

teórica; apresentamos como esboço de resposta a ela elementos concretos de nossa

própria experiência, tendo passado quatro anos à frente de uma proposta de pesquisa-

ação interventiva dentro da escola.

1. O pedagógico e o administrativo: desencontros na construção da pesquisa

No polo de Belém, o projeto foi desenvolvido em uma escola-parceira de médio

porte, que atende todos os níveis da Educação Básica (do Infantil ao Médio) e funciona

nos três turnos (matutino, vespertino e noturno). O IDEB em 2013 foi de 5,8 – o que a

coloca acima da média estadual (4,0) e nacional (5,2), e entre as mais bem avaliadas do

Pará. A escola recebe costumeiramente pesquisadores universitários, além de possuir

seus próprios projetos e também participar de programas governamentais (como o

PNAIC e o PARFOR). Ela possui uma coordenação de pesquisa e extensão própria, que

é responsável pelo registro e acompanhamento dos projetos desenvolvidos em seu

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3009ISSN 2177-336X

29

âmbito. Os professores escola podem ter parte da carga horária de seu plano semanal de

trabalho alocada para atividades de pesquisa e extensão.

O Ensino Fundamental de 9 anos começou a ser implementado na escola em

2010, de modo que as turmas de 1º e 2º ano acompanhadas pelo projeto em 2011 foram

as primeiras inseridas no novo regime de ciclos. O quadro abaixo mostra as turmas

acompanhadas pelo projeto.

Quadro 1 – Fluxograma das turmas atendidas

Ano 2011 2012 2013 2014

Turmas Alunos Turmas Alunos Turmas Alunos Turmas Alunos

ano

1001 18 1001 20 1001 10 1001 15

1002 18 1002 15 1002 15 1002 15

1003 18 1003 19 1003 15 1003 ?

Total 54 54/34 40/25 ?/30

ano

2001 13 2001 15 2001 18/12 2001 13

2002 15 2002 19 2002 14/20 2002 13

2003 15 2003 18 2003 19 2003 13

2004 15

Total 58 52 51/39 39

ano

3001 14

3002 14

3003 13

3004 10

Total 51

Total geral 112 106/86 91/64 95

Ao longo de quatro anos, em Belém, o projeto acompanhou um total de 22

turmas integralmente e 6 turmas parcialmente; apenas uma turma (1003/2014) não foi

acompanhada. Foram atendidos 404 alunos. Entre as turmas acompanhadas

parcialmente (em amarelo), três (1001/2012, 1003/2013 e 2001/2013) foram turmas que

o projeto deixou de acompanhar devido a problemas com trocas de professores durante

o ano letivo; as outras três (2003/2014, 3002/2014 e 3004/2014) não tinham professor

definido no início do ano letivo e só passaram a ser acompanhadas quando isso

aconteceu. A turma 1003 (em laranja) não foi acompanhada pelo projeto por decisão

nossa, já que a professora responsável não se disponibilizou a participar das reuniões da

equipe.

O quadro 1 indicia algumas dificuldades que encontramos na condução cotidiana

do projeto e que consideramos importante discutir, pois levantam questões sobre a

disponibilidade da escola para incorporar a pesquisa em seu dia-a-dia – especialmente,

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3010ISSN 2177-336X

30

na tomada de decisões em âmbito administrativo que afetam as condições de

desenvolvimento do trabalho pedagógico.

Primeiramente, observamos que a quantidade de alunos atendidos pelo projeto

diminuiu ao longo do tempo – foram 112 em 2011, 86 em 2012, 64 em 2013 e 95 em

2014. A redução reflete tanto os problemas que houve com rotatividade de professores

(células em amarelo) quanto o fato de que a quantidade total de alunos diminuiu

gradualmente. Em particular, nos anos de 2013 e 2014 a entrada de alunos no 1º ano

sofreu uma redução brusca – se até então o ingresso era de mais de 50 alunos, a partir de

2013 passou a ser de cerca de 40. Essa redução nunca foi levada a debate nas reuniões

do projeto – quando detectada por nós, fomos informados de que a escola havia deixado

de fazer sorteio para preenchimento de vagas no 1º ano (os ingressantes no EF/9 seriam

apenas os alunos oriundos das turmas de Educação Infantil da própria escolai). A

redução da entrada responde a um anseio algumas vezes expresso pelas professoras de

trabalhar com turmas menores, mas não tem sustento nos resultados do projeto

(veremos que não há relação entre turmas menores e resultados melhores) e

politicamente nos parece problemática (pois restringe o acesso a uma escola pública).

Embora isso não seja diretamente visível no quadro 1, passaram pela equipe do

projeto em Belém 22 professores da Educação Básica, além de 23 estudantes de

graduação (Letras e Pedagogia) e 3 pós-graduandos. A cifra de 22 professores não nos

parece positiva, pois o número elevado mostra a rotatividade excessiva de docentes

dentro do ciclo. Apenas duas professoras permaneceram no projeto durante os 4 anos;

apenas cinco chegaram a atuar na mesma turma por mais de um ano e outras 4 atuaram

por exatamente um ano; 13 professoras tiveram passagens mais breves – o que significa

que deixaram ou assumiram turmas com o ano letivo em curso. Essa rotatividade esteve

relacionada com aposentadoria de professores efetivos, encerramento de contrato de

professores substitutos e dificuldades para designar professores especialmente para o 1º

ano.

Vale dizer que não encaramos a substituição de professores em si como um

problema, mas o modo como ela se deu concretamente ocasionou situações que

poderiam ser evitadas. Em todos os casos, mesmo quando a saída do professor podia ser

prevista, a escola não tinha uma solução pronta para a reposição do docente – as turmas

eram dispensadas ou ficavam sob responsabilidade de pessoas diferentes ao longo da

semana até que se alocasse um docente fixo (que, às vezes, era substituído semanas

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3011ISSN 2177-336X

31

depois por um novo docente, agora “definitivo”). Situações desse tipo frequentemente

causavam apreensão e ansiedade entre os alunos; também não havia mecanismos – além

da própria equipe do projeto – para garantir que o trabalho iniciado por um professor

fosse continuado pelo seguinte.

Pode-se observar que a série mais atingida por problemas de rotatividade de

professores foi o 1º ano. Isso se deve em parte à dificuldade da coordenação de

encontrar professores para assumir essas turmas – os docentes que já atuavam no

Fundamental mostravam-se reticentes para assumir turmas de alunos mais novos, e os

da Educação Infantil, reticentes para assumir turmas do Fundamental. Por conta disso,

em alguns casos foram designados para essas turmas professores próximos de

aposentar-se ou substitutos. É provável que o projeto tenha ajudado a escola a discutir

internamente o currículo para esse ano inicial; mas a ausência de definições mais claras

da própria escola já mostra um problema. Em qualquer caso, as substituições nunca

foram motivadas por uma decisão pedagógica e não foram feitas tendo em vista a

melhoria das condições da turma, e sim por necessidade de se contornar uma situação

administrativa.

Problemas dessa ordem a nosso ver limitam o alcance das ações pedagógicas

desenvolvidas em sala de aula – razão pela qual passamos a interromper o

acompanhamento das turmas afetadas. Ao menos em parte, eles poderiam ser resolvidos

ou evitados por meio de ações simples. Por exemplo, retomando o quadro 1, se todos os

alunos ingressantes no 1º ano em 2013 e 2014 fossem agrupados em uma única turma,

essa turma ainda seria de um tamanho semelhante às que existem na escola Nila Rêgo,

em Pau dos Ferros; se isso fosse feito, um ou dois docentes ficariam disponíveis para

assumir outras turmas (resolvendo, por exemplo, o problema da contratação de

professores substitutos) ou mesmo para desempenhar funções em dupla docência, por

exemplo, a fim de auxiliar a integração das turmas do ciclo. Problemas desse tipo

mostram que, para além do debate epistemológico sobre o ensino e das ações didáticas

realizadas em sala, a condução concreta de pesquisa no dia-a-dia leva ao enfrentamento

de questões de natureza política (não é outra a natureza do problema) que estão

sustentadas em práticas cotidianas.

2. Do individual ao coletivo: o trabalho com reagrupamentos semanais

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3012ISSN 2177-336X

32

Uma das estratégias mais bem-sucedidas no polo de Belém foi a proposta de

reagrupamentos semanais dos alunos, que visava, dentre outras coisas, instaurar rotinas

de trabalho coletivas, que levassem a um maior compartilhamento das experiências

entre membros da equipe. A proposta dos reagrupamentos consistia em, duas vezes por

semana, dissolver as turmas regulares e reunir alunos de turmas e séries diferentes em

novos grupos compostos conforme faixas de desempenho e dificuldades semelhantes. A

ideia seria a de se criar momentaneamente grupos mais homogêneos. Essa forma de

trabalho buscava cumprir dois objetivos que não vinham sendo facilmente alcançados

nas reuniões semanais: a) coletivizar o trabalho docente e compartilhar a

responsabilidade sobre o avanço dos alunos; e b) garantir a diversidade do trabalho

pedagógico e, ao mesmo tempo, o atendimento específico e direcionado das

dificuldades dos alunos.

Com relação ao primeiro ponto, considerávamos que as reuniões semanais da

equipe não eram suficientes para garantir a circulação de informações entre os

professores e a tomada de decisões coletivas. Com os reagrupamentos, os professores

passariam a trabalhar duas vezes por semana com alunos “de outros professores”; teriam

contato direto com eles em vez de apenas ouvir a respeito nas reuniões; além disso, se

tornariam co-responsáveis por ajuda-los a superar suas dificuldades. Inversamente, cada

professor teria parte de “seus alunos” enviada aos cuidados de outro professor, de modo

que passaria a haver dois olhares sobre eles, possivelmente dissonantes.

Com relação ao segundo objetivo, professores e graduandos vinham levantando

a dificuldade de elaborar semanalmente atividades que contemplassem a

heterogeneidade das turmas (em uma mesma sala podia haver, por exemplo, alunos que

já liam textos com certa autonomia e alunos que ainda não conheciam o alfabeto). A

tendência era que se elegesse um “perfil médio” da turma (ou às vezes dois: um dos

alunos “fortes” e outro dos “fracos”ii) e as atividades fossem elaboradas tendo essa

imagem generalizada em mente. Com isso, uma parte dos alunos corria o risco de ficar à

deriva, sem que suas dificuldades fossem endereçadas com precisão. Também

percebíamos que o trabalho às vezes se centrava em um único aspecto por muito tempo

(por exemplo, apenas atividades de rébus e escrita, mas nenhuma atividade de leitura na

semana etc.). O reagrupamento era uma forma de garantir que os alunos periodicamente

entrassem num grupo em que realizariam atividades voltadas de forma precisa para a

superação de suas dificuldades.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3013ISSN 2177-336X

33

Um último efeito pretendido era o de fazer com que os alunos circulassem,

convivessem com outras crianças além de sua turma e eventualmente também pudessem

reconstruir suas posições subjetivas ao se verem inseridos em grupos diferentes,

inclusive ao conviverem com professores diferentes (sem o improviso das trocas

forçadas pela saída de docentes da escola).

A proposta inicial era que os reagrupamentos reunissem alunos de séries

diferentes (1º e 2º anos); houve certa resistência a essa ideia e também dificuldade de se

conciliar os horários. Por conta disso, os reagrupamentos foram realizados apenas entre

turmas do mesmo ano, no 1º e no 2º anos (em 2014, também no 3º ano). A fim de

distribuir os alunos em grupos relativamente homogêneos do ponto de vista do processo

de entrada na escrita, foram criados “grupos de desempenho” associados a pequenos

conjuntos de descritores. Em sua forma final, o trabalho pressupunha seis “grupos de

desempenho” nomeados, para fins puramente discricionários, de G1 a G5, mais um GX

que não era um grupo em si, mas correspondia a alguns alunos que por diferentes razões

eram acompanhados individualmente. O quadro 2, a seguir, resume a situação dos

reagrupamentos ao longo do ano de 2013.

Quadro 2. Reagrupamentos no ano de 2013

Nível Descrição dos alunos Objetivos Ano Ago

2013

Nov.

2013

Fluxo

G1 Não dominam rébus; ou

Não conhecem perfeitamente o

alfabeto

Têm repertório oral restrito

(lembram só de partes dos textos,

misturam, não querem

dizer/recontar etc.)

Garantir o domínio do rébus

complexo e a expansão do

repertório oral

ano

7 0 6 avançaram G2

1 avançou G3

ano

1 0

G2

Dominaram o rébus, mas

precariamente (só com palavras

curtas, sílabas simples etc.); não

conseguem escrever

alfabeticamente

Garantir a transição do rébus

para a escrita alfabética

ano

9 7

6 avançaram G3

2 avançaram G4

1 permaneceu G2

ano

9 0 6 avançaram G3

3 avançaram G4

G3

Alfabetizaram-se mas têm uma

leitura silabada, mecânica,

subvocalizada ou acompanhada

com o dedo, pouco compreensiva

Garantir a leitura compreensiva e

autônoma

Aumentar o tamanho das

unidades lidas (da leitura palavra

por palavra para leitura de frases

inteiras, depois textos)

ano

4 7 4 avançaram G4

ano

10 6 6 avançaram G4

4 avançaram G5

G4

Leem com fluência e

compreensão; não precisam de

Interpretação de textos (conteúdo

mais explícito): ler histórias mais

ano

4 10 4 permaneceram G4

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3014ISSN 2177-336X

34

alguém do lado para ler um texto

inteiro

longas, com mais personagens,

enredos mais complexos etc.;

desenvolver a produção escrita

(ortografia, organização textual,

reescrita etc.); criar e escrever

histórias, partes de histórias etc.

ano

19 13 4 permaneceram G4

15 avançaram G5

G5 Leem com fluência e

compreensão; dão conta de fazer

inferências, enfrentar textos com

dificuldades de maneira

autônoma.

Trabalhar com a leitura

inferencial: metáforas,

metonímias (deduções lógicas

não explícitas), recursos estéticos

(“climas” das histórias etc.);

desenvolver a produção escrita

(ortografia, organização textual,

reescrita etc.); desenvolver a

produção dos alunos (criar e

escrever histórias, partes de

histórias etc.)

ano

0 19

GX Alunos que consitituem casos

muito particulares, seja por

deficiências diagnosticadas

clinicamente, seja por

dificuldades muito acentuadas ou

posturas muito resistentes.

Ampliar o vocabulário

Aprender de memória alguns

textos curtos e jogos

Ad

1002

??? Mi

1001

No quadro acima, a primeira coluna contém a designação de cada “grupo de

desempenho”; a segunda coluna traz os descritores que funcionavam como parâmetro

para inclusão dos alunos em cada grupo; a terceira coluna mostra os objetivos

estabelecidos para cada faixa de desempenho (o objetivo era sempre, em resumo, atingir

os descritores do nível seguinte); a quinta e a sexta coluna mostram, respectivamente, a

quantidade de alunos em cada grupo em dois momentos do ano letivo (os alunos são

contados separadamente por série, conforme a quarta coluna); a sétima e última coluna

contém anotações sobre o fluxo dos alunos ao longo do ano – quantos passaram de um

nível para outro e quantos permanceram.

Esse instrumento é bastante intuitivo e contém algumas simplificações – seu

objetivo era ser de fácil manejo e consulta no dia-a-dia, por professores, graduandos,

pós-graduandos e coordenação da equipe. Uma rápida leitura mostra, por exemplo, que

em meados do ano letivo (agosto/2013iii

) os alunos do 1º e do 2º estavam distribuídos

em todos os quatro primeiros grupos – no 2º ano ainda havia um aluno no G1, ainda não

alfabetizado, e no 1º ano havia quatro alunos no G4, já lendo de forma compreensiva e

relativamente autônoma. A diferença entre as duas séries estava na distribuição dos

alunos por grupo de desempenho. O quadro também mostra que, entre agosto e

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3015ISSN 2177-336X

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novembro, houve avanços significativos que, de modo geral, acentuaram as diferenças

entre as séries: em novembro, todos os alunos do 1º ano estavam distribuídos entre G2 e

G4, e todos do 2º, entre G3 e G5. Houve alguns alunos que avançaram duas vezes (do

G2 para o G4); uma grande quantidade de alunos do 2º ano foi “re-descrita” como G5

por se perceber, ao longo do ano, que davam conta de leituras muito mais complexas do

que as que tinham sido feitas com eles até então (e que levaram a equipe, em agosto, a

descrevê-los no G4, de forma semelhante aos “leitores” um ano mais novosiv

).

3. Botando as cartas na mesa: resultado de um teste de leitura

Um dos instrumentos de diagnóstico e avaliação utilizados pela equipe foi um

teste de leitura elaborado pela equipe de São Paulo, baseado no texto “O roubo do

fogo”, de Henriqueta Lisboa. O teste consistia em 10 questões de múltipla escolha com

quatro alternativas cada. As questões eram variadas, exigindo a comparação entre

diferentes formas de resumir o texto, a realização de inferências ou a compreensão de

passagens com metáforas, palavras pouco comuns ou expressões idiomáticas. Embora o

teste tenha sido criado tendo em vista o 4º ano, optou-se por aplicá-lo aos alunos do 3º

ano a fim de se ter um parâmetro de comparação com os resultados dos outros polos. O

quadro 3 resume os resultados obtidos pelas turmas do 3º, 4º e 5º anos em 2014.

Quadro 3. Resultados do teste de leitura “O roubo do fogo”

3001 3002 3003 3004 4001 4002 4003 5001 5002 5003 5004

Média acertos 4,2 2,3 4,1 2,6 3,8 3,4 3,75 5,3% 6,4 5,1 5,9

Mais de 5

acertos (%)

4

28%

1

8%

6

50%

2

22%

6

30%

5

27%

7

35%

11

57%

15

83%

8

42%

12

70%

5 ou menos

acertos (%)

10

72%

11

92%

6

50%

7

68%

14

70%

13

63%

13

65%

8

43%

3

17%

11

58%

5

30%

Melhor result. 8 6 7 6 10 8 8 10 10 10 10

Pior result. 2 1 1 1 0 0 1 2 3 3 0

No quadro, mostra-se na primeira linha a média de acertos por turma; a seguir,

indica-se a quantidade e porcentagem de alunos em cada turma que acertaram mais da

metade (segunda linha) ou a metade ou menos (terceira linha); as duas últimas linhas

indicam a maior e a menor quantidade de acertos obtidas por um aluno em cada turma.

Os resultados do quadro são a nosso ver bastante expressivos. Primeiro, eles

mostram que, dentre as turmas acompanhadas pelo projeto em 2014, as turmas 3001 e

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3003 tiveram um desempenho substancialmente melhor que as turmas 3002 e 3004.

Estas duas últimas turmas, conforme visto no quadro 1, foram as turmas que iniciaram o

ano sem ter professor definido e só começaram a ser acompanhadas pela equipe cerca

de um mês após o início das aulas. Elas também são turmas que foram compostas por

alunos oriundos da turma 2001/2013, que no ano anterior passou por uma mudança de

professor e um remanejamento por meio do qual parte dos alunos foi “trocada” com a

turma 2002. Trata-se, portanto, de alunos que tiveram um percurso escolar marcado por

imprevistos e não foram acompanhados continuamente – não participaram, por

exemplo, dos reagrupamentos em 2013.

Observando-se os resultados do 3º ano, pode-se notar que a turma 3001 teve a

melhor média, mas também teve um resultado mais polarizado – a média foi alta porque

um número relativamente pequeno de alunos (apenas 4, ou 28% da turma) teve um

grande número de acertos; a maior nota obtida no 3º ano (8 acertos) também está nessa

turma. Comparativamente, a turma 3003, que também se saiu bem, teve uma

distribuição mais equilibrada dos resultados (50% da turma acertou mais da metade do

teste e 50% acertou metade ou menos). Pode-se observar ainda que, nas turmas 3002 e

3004, a fração dos alunos que conseguiram acertar mais da metade das perguntas foi

muito reduzida e os melhores resultados foram bastante baixos (6 acertos nas duas). O

tamanho das turmas mostrou-se um fator irrelevante para o desempenho – a turma 3004

era a mais reduzida, com apenas 10 alunos, e a turma 3002, com 14 alunos, tinha o

mesmo tamanho da 3001 e apenas um aluno a mais que a 3003. Essa correlação sugere

que um trabalho estável e contínuo é mais importante do que uma turma pouco

numerosa.

Outro resultado interessante é que as duas turmas que tiveram melhor

desempenho no 3º também tiveram médias de acerto maiores do que as das três turmas

do 4º ano (que passaram pelo projeto em 2012, quando estava no 2º ano). O quadro

também mostra que os resultados do 4º ano foram bastante polarizados – nas três

turmas, apenas cerca de um terço dos alunos conseguiram acertar mais da metade do

teste. Houve alunos que acertaram todo o teste em uma das turmas, mas nas outras duas

a quantidade máxima de acertos obtida foi igual à da turma 3001. Os piores resultados

também foram um pouco piores do que no 3º ano – em duas turmas houve alunos que

não acertaram nenhuma pergunta. Apenas no 5º ano é que se pode observar uma

mudança significativa nos resultados, com médias acima de 5 (que em todo caso ainda

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são baixas), porcentagens acima de 50% dos alunos acertando mais da metade do teste

(ainda com uma exceção), alunos “gabaritando” o teste em todas as turmas e resultados

mínimos melhores (embora em uma turma ainda haja alunos que não tiveram acerto

nenhum).

Como não houve um preparo específico para a realização do teste mesmo nas

turmas que estavam sendo acompanhadas pelo projeto (3º ano), esse resultado mostra

que o trabalho da equipe pode ter garantido, nas turmas acompanhadas continuamente,

alguns efeitos bastante positivos: o nível de leitura dos alunos, grosso modo, revelou-se

semelhante ao de alunos um ano mais velhos que não eram acompanhados pela equipe

há cerca de dois anos.

Considerações finais

Retomando a pergunta que orientou esta exposição – pode-se construir a

pesquisa a partir de dentro da escola? –, somos levados a responder com cautela. Os

efeitos obtidos pelo projeto em sala de aula se mostraram positivos – o desempenho em

leitura, como mostrado aqui, e também em outros eixos do ensino, como a oralidade e a

produção escrita, mostrou-se ao fim do projeto melhor do que os resultados que a escola

vinha obtendo. Ao longo de quatro anos obteve-se a adesão de um grupo de docentes e a

consolidação de algumas estratégias elaboradas pela equipe permitiu que elas passassem

a ser realizadas de forma autônoma (os reagrupamentos foram assumidos por esse grupo

de professoras após o término do projeto, por exemplo).

Por outro lado, o fato de uma parte das turmas ter sido acompanhada de forma

intermitente mostra que os efeitos desse trabalho não refluíram da sala de aula para

outros âmbitos da escola. Não nos parece que problemas como os que encontramos

sejam circunstanciais; os desencontros vividos pela equipe nos levam à conclusão de

que, ao longo de quatro anos, não conseguimos superar uma descontinuidade

fundamental entre os processos de produção de conhecimento sustentados pela pesquisa

em sala de aula e os processos que sustentam decisões tomadas no âmbito da

administração escolar (mesmo quando os mesmos indivíduos participam de ambas).

Isso sugere que pesquisas que visem à implantação de modelos de currículo ou

procedimentos metodológicos precisam elaborar estratégias específicas para fazer com

que o conhecimento produzido a partir do trabalho em campo (na sala de aula) circule

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nas esferas administrativas da escola e afete as práticas que se desenvolvem aí, em certa

medida autônomas em relação às práticas de ensino propriamente ditas, mas

fundamentais para o bom resultado destas – especialmente em uma perspectiva

longitudinal.

i Somos levados a crer, de todo modo, que ou aconteceu uma redução na entrada do Infantil, ou aconteceu grande evasão nesse período. ii Sabemos que os termos “forte” e “fraco” têm conotações políticas e epistemológicas delicadas no

campo da alfabetização. Não estamos defendendo o seu uso (por isso as aspas), mas constatando que, cotidianamente, pressentimos que categorias desse tipo começavam a se formar no trabalho da equipe. Toda a discussão seguinte ilustra nosso esforço para superar, definitivamente, uma visão dicotômica da criança em alfabetização. iii Devido à greve dos professores universitários das IFES ocorrida em 2012, o ano letivo de 2013 só

iniciou em abril. No mês de agosto estávamos encerrando o segundo bimestre. iv O nível G5 e sua descrição foram criados depois de agosto, à medida que se incentivou o trabalho com

leituras mais extensas e complexas. O deslocamento dos alunos na tabela provavelmente se deve mais a uma avaliação subestimativa em agosto do que a um avanço tão grande em quatro meses.

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