o complexo portuÁrio de suape e as novas dinÂmicas

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O COMPLEXO PORTUÁRIO DE SUAPE E AS NOVAS DINÂMICAS SÓCIO- TERRITORIAIS NOS MUNICÍPIOS DO CABO DE SANTO AGOSTINHO E IPOJUCA: O INÍCIO DO DESMONTE DO TERRITÓRIO CANAVIEIRO NA ZONA DA MATA PERNAMBUCANA? Maria Rita Ivo de Melo Machado Universidade Federal Rural de Pernambuco [email protected] INTRODUÇÃO Os municípios da Zona da Mata do estado de Pernambuco têm, historicamente, os seus territórios dominados pelo poder dos representantes da produção e comercialização da cana de açúcar e seus derivados. Dentro desta região os municípios do Cabo de Santo Agostinho e Ipojuca foram, durante séculos, os que melhor representavam a simbologia do poder dos senhores de engenho e posteriormente usineiro no estado. A construção e inauguração do complexo portuário de Suape, que se estabelece em áreas de ambos os municípios, veio para a população local, como uma esperança na mudança do perfil socioeconômico, uma vez que, o modo como a cana de açúcar é produzida na região tolhe o surgimento e dinamização de outras atividades econômicas. Apesar de inaugurado em 1983, a importância e atração de indústrias e empresas, em função da centralidade desse Porto, só veio ganhar força na segunda metade da década de 2010. O anúncio da construção da refinaria Abreu e Lima e do estaleiro Atlântico Sul em 2005, foram os dois principais marcos da reestruturação socioeconômica não só dos municípios em questão, mas de toda a Região Metropolitana do Recife. O dinamismo econômico que começou a girar em torno do complexo portuário de Suape, após o anúncio da construção da refinaria e do estaleiro, ganhou tal propulsão que diminuiu, radicalmente, a área destina da até então principal atividade econômica de Pernambuco, a cana de açúcar.

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Page 1: O COMPLEXO PORTUÁRIO DE SUAPE E AS NOVAS DINÂMICAS

O COMPLEXO PORTUÁRIO DE SUAPE E AS NOVAS DINÂMICAS SÓCIO-TERRITORIAIS NOS MUNICÍPIOS DO CABO DE SANTO AGOSTINHO E IPOJUCA: O INÍCIO DO DESMONTE DO TERRITÓRIO CANAVIEIRO NA

ZONA DA MATA PERNAMBUCANA?

Maria Rita Ivo de Melo Machado Universidade Federal Rural de Pernambuco

[email protected]

INTRODUÇÃO

Os municípios da Zona da Mata do estado de Pernambuco têm, historicamente,

os seus territórios dominados pelo poder dos representantes da produção e

comercialização da cana de açúcar e seus derivados. Dentro desta região os municípios

do Cabo de Santo Agostinho e Ipojuca foram, durante séculos, os que melhor

representavam a simbologia do poder dos senhores de engenho e posteriormente

usineiro no estado.

A construção e inauguração do complexo portuário de Suape, que se estabelece

em áreas de ambos os municípios, veio para a população local, como uma esperança na

mudança do perfil socioeconômico, uma vez que, o modo como a cana de açúcar é

produzida na região tolhe o surgimento e dinamização de outras atividades econômicas.

Apesar de inaugurado em 1983, a importância e atração de indústrias e empresas, em

função da centralidade desse Porto, só veio ganhar força na segunda metade da década

de 2010. O anúncio da construção da refinaria Abreu e Lima e do estaleiro Atlântico Sul

em 2005, foram os dois principais marcos da reestruturação socioeconômica não só dos

municípios em questão, mas de toda a Região Metropolitana do Recife.

O dinamismo econômico que começou a girar em torno do complexo portuário

de Suape, após o anúncio da construção da refinaria e do estaleiro, ganhou tal propulsão

que diminuiu, radicalmente, a área destina da até então principal atividade econômica de

Pernambuco, a cana de açúcar.

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Visando possibilitar um panorama dessa mudança de perfil econômico em um

curto espaço de tempo, indica-se os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE/2014). No que se refere ao município do Cabo de Santo Agostinho no

ano de 2004 a área plantada de cana era de 22.000 hectares e passou a ser, em 2012, de

7.000 hectares. No município de Ipojuca a realidade não foi muito diferente, no ano de

2004 a área plantada que era de 21.000 hectares e passou para 8.000 hectares em 2012,

ou seja, em ambos os municípios, houve uma queda de mais de 50% na área plantada de

cana de açúcar num intervalo de tempo de apenas oito anos (IBGE /2014).

Neste sentido, a análise deste artigo visa explicitar as metamorfoses sócio-

econômicas e territoriais ocorridas nesses dois municípios em função da transformação

no perfil da principal atividade econômica. Identificar se há novos representantes do

poder na antiga área de produção de cana de açúcar e como estes (sejam os novos

representantes ou os mesmos, mas agora por meio de novas atividades econômicas)

norteiam as dinâmicas territoriais.

Questionamentos como: Quais as mudanças sócio-territoriais ocorridas nestes

municípios em função da nova dinâmica produtiva? Os moradores locais estão sendo

diretamente beneficiados com essa transformação? Se sim, em qual proporção em

relação ao todo populacional? Quais as transformações ocorridas no território

canavieiro? Efetivamente houve uma mudança no atores representantes do poder com a

inserção de outras atividades econômicas? Qual a nova dinâmica territorial

estabelecida?

O esclarecimento dos questionamentos será respondido por meio do método

dialético, que permite a compreensão e explicação dos problemas e das contradições das

questões sócio-territoriais.

Para a elaboração do artigo foi feito um levantamento de autores, livros e artigos

que abordam a questão da análise territorial. Além disso, foram realizadas entrevistas

com moradores nativos (inseridos e não inseridos na nova dinâmica socioeconômica do

complexo portuário), trabalhadores imigrantes (pertencentes ao contexto da migração

pendular e também da imigração permanente) e trabalhadores inseridos e os excluídos

Page 3: O COMPLEXO PORTUÁRIO DE SUAPE E AS NOVAS DINÂMICAS

do trabalho na lavoura canavieira. Levantamento de dados a partir de órgãos oficiais,

como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) também foram realizados.

Por fim, este artigo busca indicar uma melhor compreensão das metamorfoses

territoriais que envolvem as transformações das áreas tradicionais de produção de cana

de açúcar, em áreas de atividades do setor industrial, ou diretamente ligadas.

A ANÁLISE DO TERRITÓRIO NO CONTEXTO: ELEMENTOS DO PASSADO

E OS ELEMENTOS DO PRESENTE

Os dois municípios tiveram o início da sua ocupação ainda no período colonial.

Duarte Coelho, capitão donatário de Pernambuco, foi o responsável por implementar, na

segunda metade do século XVI, a cultura da cana de açúcar. Desde então, está foi, até o

século XXI, a principal economia de ambos municípios.

A forma de produção dessa cultura se deu, e se dá, da mesma forma do contexto

da produção de cana de açúcar de todo o estado. Pouco emprego de tecnologia que gera,

como conseqüência, uma ampla exploração do trabalhador. O corte da cana ainda é feito

manualmente e em muitos casos quando a cana ainda está queimando, aumentando

ainda mais os riscos de acidentes e piorando as condições insalubres dos canavieiros.

TRABALHADORES CORTANDO A CANA DE AÇÚCAR ENQUANTO ELA AINDA ESTÁ

QUEIMANDO.

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Foto: Maria Rita Machado / 2008.

A importância desta cultura para a economia e a formação social desses dois

municípios se deu de tal forma que a cana de açúcar aparece como principal elemento

tanto dos seus hinos, como das suas bandeiras.

Na história recente o município de Ipojuca foi o que sofreu um maior grau de

transformação no que diz respeito à cultura canavieira e toda a estrutura na qual esses

municípios estavam estruturados. No ano de 1990, aproximadamente 38% da área do

município tinha suas terras cobertas por cana-de-açúcar (IBGE/1990). Mais de duas

décadas depois esse percentual é de apenas 15%, aproximadamente. Ressalta-se que

essa área que era de cana de açúcar não deu lugar a outra cultura, mas sim, a nova

dinâmica socioeconômica que vem se estabelecendo nos municípios.

AS MUDANÇAS SOCIOECONÔMICAS LOCAIS E SUAS IMPLICAÇÕES

A mudança ocorrida no perfil da principal mercadoria dos municípios finda por

gerar uma transformação sócio-territorial. Para melhor explicar essa transformação, faz-

se necessário elucidar os conceitos de sociedade e de território.

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Como sociedade entende-se por um conjunto de seres que convivem de forma

organizada. A palavra vem do Latim societas, que significa "associação amistosa com

outros". É constituída por grupos humanos e classes sociais, organizados sob sistemas

de símbolos, valores e normas diferentes e coexitentes. Este conjunto de sistemas

desempenha posições e papeis distintos em contextos históricos (Fonte:

http://www.significados.com.br/sociedade/ Acesso em 20/06/2014).

Para Adam Smith (2001) a explicação da sociedade passa pela universalidade do

desejo de consumo privado dos indivíduos, desta forma coloca a econômica como eixo

central para a compreensão do conceito de sociedade por meio da mão invisível.

Sobre o conceito de território, temos que a palavra epistemologicamente é

próximo de terra-territorium quanto de terreo-territor (terror, aterrorizar)

(HAESBAERT, 2004), ou seja, tem relação direta com a idéia de dominação de uma

área através do terror, do medo.

Inicialmente na geografia esse conceito estava estritamente ligado à apropriação

do solo pelo Estado. O defensor mais conhecido dessa proposta era o geógrafo alemão

Ratzel, que via a sociedade somente de forma passiva incapaz de gerar transformações

no espaço (RAFFESTIN, 1993). A partir dessa ótica apenas o Estado era capaz de

formar território (SOUZA, 2001). Essa percepção da escola alemã conduzida por Ratzel

foi tão forte e atrelada ao poder político no período, que nem a escola francesa, a priori,

conseguiu desconstruir essa linha de pensamento.

Ressaltamos que a fase em questão era a segunda metade do século XIX, onde

os Estados eram (via de regra) totalitários, justificando, de certa forma, o panorama

teórico e metodológico utilizado nesse período inicial da ciência geográfica.

No entanto, os estudos geográficos recentes mostram que a formação do

território não é feita apenas pelo Estado, mas também pelo domínio do solo através das

relações de poder estabelecidas pela sociedade por meio da produção capitalista do

espaço. Nesta perspectiva alguns territórios coexistem e em alguns casos eles são

interdependentes.

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Apesar do território se caracterizar como uma apropriação do espaço a partir das

relações de poder, é possível coexistir mais de um território no mesmo espaço. Nesta

situação eles não são necessariamente excludentes, podendo existir concomitantemente

no espaço e no tempo, gerando ou não conflitos e se articulando ou não nas relações

capitalistas da produção do espaço.

No bojo da tentativa dessa compreensão, percebe-se que há a existência de

várias escalas territoriais no espaço agrário e que eles se apresentam de diferentes

formas. Nesta direção os agentes produtores dos territórios se mostram compostos pelas

forças e formas diferentes de apropriação que são norteadas pelas relações de trabalho.

A despeito desta colocação Haesbaert (2004, p. 344) complementa alegando que “toda

relação social implica uma intenção territorial”.

Ressalta-se ainda que as relações de poder têm uma escala de produção de

território bastante variada, mas não se concretiza em apenas uma única pessoa,

organização ou grupo social. Mesmo quando a percepção do poder é aparentemente

personificada em um único indivíduo, na verdade ele pertence a um grupo unido por

congruências de interesses.

A formação do pensamento geográfico sobre o conceito de território hoje tem

como principal norte Raffestin e a sua obra Por uma geografia do poder. Autores como

Milton Santos e Rogério Haesbaert entre outros partem dele para explicitar os seus

conceitos de território. Ratificando FABRINI (2011, p. 98) diz que “a interpretação

hegemônica do território foi constituída por diversos autores a partir do pensamento de

Raffestin”.

A concepção central desse conceito que apara este autor é a de que o território:

é um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e informação, e que, por consequência, revela relações marcadas pelo poder. O espaço é a “prisão original”, o território é a prisão que os homens constroem para si (RAFFESTIN, 1993: p 143 - 144).

Page 7: O COMPLEXO PORTUÁRIO DE SUAPE E AS NOVAS DINÂMICAS

Para a elucidação das problemáticas deste artigo, no entanto, vamos entender o

território como uma extensão apropriada através do poder estabelecido via produção

capitalista do espaço realizado através das relações de trabalho.

A priori achamos necessário lembrar que compreender o espaço por meio do

território, é ter como premissa que o espaço é anterior ao território (SOUZA, 2001 e

RAFFESTIN, 1993) e que são as relações sociais estabelecidas nele que o faz objeto de

análise. Raffestin afirma que o território “é a cena do poder e o lugar de todas as

relações, mas sem a população, ele se resume a apenas uma potencialidade”

(RAFFESTIN, 1993, p. 58).

Dessa forma o território não é o espaço simplesmente, mas o espaço construído

pelos agentes sociais através de suas relações de poder, (por meio da realização do

trabalho) considerando ser toda relação um lugar do poder. Como agentes podemos

identificar não só os indivíduos, mas também as organizações, como: Família, Estado,

Empresa, Igreja entre outras que compõe o território a partir da extensão dos seus usos e

dos seus movimentos conjuntos e/ou dissociados. Essas organizações, via de regra:

[...] canalizam, bloqueiam, controlam, ou seja, domesticam as forças sociais. [...] pois exprime de uma só vez o jogo das organizações no espaço e no tempo. Elas “canalizam” quer dizer que obrigam a tomada de linhas de função determinada, quer se trate do espaço concreto, geográfico, quer do espaço abstrato, social; “bloqueiam” significa que agem sobre as disjunções, para isolar e dominar; “controla”, ou seja, têm tudo ou procuram ter tudo sob o olhar, criam um espaço de visibilidade no qual o poder vê, sem ser visto. (RAFFESTIN, 1993. p. 39).

As relações de poder dessas organizações acabam por refletir inúmeros níveis

hierárquicos e diferentes estratégias na produção do território. Na análise da produção

do território na lógica do modo capitalista de produção é essencial considerar as

relações estabelecidas entre as diversas instituições responsáveis pela produção do

espaço.

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AS MUDANÇAS SÓCIO-TERRITORIAIS OCORRIDAS EM FUNÇÃO DA

NOVA DINÂMICA

A parir do anúncio da chegada dos novos empreendimentos no complexo

portuário de Suape, inúmeras mudanças foram identificadas. O aumento da migração, as

transformações no padrão das construções das residências, o aumento no valor da terra,

a diminuição da importância da cana de açúcar como atividade econômica. Esses

elementos reunidos acabaram proporcionando um reordenamento sócio-territorial nos

municípios.

No que tange a questão da migração é válido lembrar que Ipojuca e Cabo de

Santo Agostinho ficam localizados na Região Metropolitana do Recife. Em função do

anúncio e início das obras dos objetos espaciais, esses municípios que repeliam a

população, passaram ser de atração. Essa migração ocorre de duas formas a primeira

(como mostra a tabela abaixo) de forma defenitiva e a segunda por meio da migração

pendular, que acontece entre os mais diversos municípios do entorno, inclusive da

capital, para esses municípios. Na tabela a seguir é possível perceber que dos 15

municípios que compõe a Região Metropolitana do Recife, o Cabo de Santo Agostinho

fica na sexta colocação, no que se refere a quantidade de pessoas não naturais. Segundo

RAMOS DA SILVA (2011):

O grande volume de migrantes, além de ter demandado nova forma de residência em Ponte dos Carvalhos, provocou imenso impacto, no que diz respeito ao preço dos alugueis. O boom no preço dos alugueis se deu no segundo semestre de 2009, dentre outros fatores, pela desesperada procurar das indústrias por casas para abrigar seus trabalhadores, tendo em vista sua grande proximidade ao Complexo localizado em Suape. (RAMOS DA SILVA. O Complexo Industrial Portuário de Suape e seus reflexos na habitação e no comércio do distrito de Ponte dos Carvalhos/Cabo de Santo Agostinho-PE, 2011. P.48)

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POPULAÇÃO RESIDENTE, POR NATURALIDADE EM RELAÇÃO AO MUNICÍPIO E À UNIDADE DA FEDERAÇÃO, SEGUNDO A REGIÃO METROPOLITANA DO RECIFE / 2010

Regiões de Desenvolvimento e

municípios

População residente

Total

Naturalidade em relação ao município

Naturalidade em relação à Unidade da Federação

Natural Não

natural Natural Não

natural Pernambuco 8 796 448 6 141 704 2 654 744 8 205 179 591 269 Região de Desenvolvimento Metropolitana 3.693.177 2.361.827 1.331.350 3.451.557 241.620

Abreu e Lima 94 429 40 075 54 354 88 266 6 163 Araçoiaba 18 156 13 246 4 910 17 830 326 Cabo de Santo

Agostinho 185 025 122 670 62 355 173 658 11 367 Camaragibe 144 466 80 317 64 149 138 118 6 348 Fernando de Noronha

(Distrito Estadual) 2 630 1 242 1 388 2 073 557 Igarassu 102 021 63 598 38 423 97 193 4 828 Ilha de Itamaracá 21 884 10 042 11 842 20 939 945 Ipojuca 80 637 52 460 28 177 76 495 4 142 Itapissuma 23 769 14 989 8 780 23 122 647 Jaboatão dos Guararapes 644 620 345 350 299 270 599 359 45 261 Moreno 56 696 42 213 14 483 55 674 1 022 Olinda 377 779 222 148 155 631 356 868 20 911 Paulista 300 466 129 659 170 807 282 983 17 483 Recife 1 537 704 1 160 929 376 775 1 419 873 117 831 São Lourenço da Mata 102 895 62 889 40 006 99 104 3 791

Fonte: Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010 - Resultados Gerais da Amostra.

A partir de trabalhos de campo nos municípios, foi possível perceber que o Cabo

de Santo Agostinho é que sofreu maiores transformações em função deste fluxo

migratório. Durantes as entrevistas, realizadas em novembro de 2013 e março de 2014,

foi constatado que a população cabense analisa a migração, em especial dos baianos,

como negativas. Todos os entrevistados (de um grupo de 20 em distintos pontos do

município) apontaram esse grupo como sendo o responsável pelo não emprego da

população local na nova dinâmica econômica, como responsáveis pelo aumento da

prostituição e aumento dos valores dos imóveis. Em relação a este último ponto,

constatou-se que, de fato, houve uma série de transformações, inclusive no padrão das

construções.

Page 10: O COMPLEXO PORTUÁRIO DE SUAPE E AS NOVAS DINÂMICAS

Antes do início das obras dos novos empreendimentos, o valor do metro

quadrado era baixo, em relação ao patamar atual. Percebeu-se, também através dos

trabalhos de campo, que residências que antes abrigavam uma família, hoje alojam

inúmeros trabalhadores. Os aluguéis dessas casas são pagos, no caso das residências

coletivas, pela empreiteira empregadora dos trabalhadores.

Quanto a mudança no padrão das construções, percebe-se uma efervescência de

quitinetes, ou seja, aquelas casas de apenas um cômodo e uma pequena quantidade de

metros quadrados.

PERFIL DAS QUITINETES DOS TRABALHADORES DO COMPLEXO INDUSTRIAL PORTUÁRIO DE SUAPE NO MUNICÍPIO DO CABO DE SANTO AGOSTINHO

Fonte: Rafael Ramos, 2011.

Apesar de ser um padrão de residência com pouco espaço e com pouca

ventilação, essas casas são, via de regra, divididas por mais de um trabalhador. Segundo

RAMOS DA SILVA (2011):

Esses pequenos prédios são todos ocupados por trabalhadores homens migrantes, que convivem em coletividade nos apartamentos e nas áreas comuns dos pequenos prédios. Chega-se a perceber uma certa similaridade

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com as antigas vilas operárias, tendo em vista que o próprio aluguel do prédio cabe a indústria, a qual tem os moradores como mão de obra. E esses operários se reúnem todos em salas, cozinhas e áreas de lazer em comum, chegando a provocar incômodos na vizinhança, tendo em vista, o lazer nos finais de semana, acompanhado de bebidas alcoólicas e prostitutas, posto que, a família não acompanha, em sua maioria, os trabalhadores. (RAMOS DA SILVA. O Complexo Industrial Portuário de Suape e seus reflexos na habitação e no comércio do distrito de Ponte dos Carvalhos/Cabo de Santo Agostinho-PE, 2011. P.48)

A diferença cultural e a concorrência pelos postos de trabalho acabam gerando

alguns conflitos entre os nativos e os baianos, que em geral são ex-trabalhadores do

complexo industrial do Camaçari, na Bahia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise do contexto sobre as transformações sócio-territoriais dos municípios

de Ipojuca e do Cabo de Santo Agostinho indicam que a inserção de outras atividades,

que não a cana-de-açúcar, acabou por gerar uma nova realidade nos municípios. Apesar

de tal acontecimento o poder dos usineiros continua forte, mas agora eles se

metaforizaram em empreendedores do ramo imobiliário.

A inserção dessa nova dinâmica de produção e econômica pouco trouxe de

transformações positivas para a população nativa. Entre os entrevistados nativos, não se

encontrou ninguém que tivesse alguém de sua família empregado em alguma empresa

do território de abrangência do Complexo Industrial de Suape. Entre os fatores

percebidos dessa exclusão está o fato de nos municípios as iniciativas, por parte do

Estado, em proporcionar a formação da população local foi tardia.

Ainda de acordo com análise, apesar das grandes transformações positivas nos

indicadores econômicos, os indicadores sociais tiveram uma melhora muito discreta e

em alguns pontos houve até decréscimo, é o caso da violência, por exemplo. Diante

deste contexto, as transformações sócio-territoriais foram muito discretas, não tendo

abalado o poder dos antigos representantes, eles apenas redirecionaram as suas

atividades econômicas.

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REFERÊNCIAS

FABRINI, J. E. Território, classes e movimentos sociais no campo. In: Revista da

ANPEGE. V.7, n. 7, p.97 – 112, jan./jul. 2011.

HAESBAERT, Rogério. Dos múltiplos territórios à multiterritorialidade. Porto

Alegre, 2004. Disponível em: (http://w3.msh.univ-

tlse2.fr/cdp/documents/CONFERENCE %20Rogerio%20HAESBAERT.pdf); Acesso

em: maio de 2010.

HAESBAERT, Rogério. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à

multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.

HAESBAERT, Rogério. Territórios alternativos. São Paulo: CONTEXTO, 2002.

RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993. 269p.

RAMOS DA SILVA. O Complexo Industrial Portuário de Suape e seus reflexos na

habitação e no comércio do distrito de Ponte dos Carvalhos/Cabo de Santo

Agostinho-PE, 2011

SMITH, Adam. Riqueza das nações: ed. condensada. São Paulo, SP: Folha de S.Paulo,

2010. 423 p.

SOUZA, Marcelo José Lopes de. O território: Sobre espaço e poder, autonomia e

desenvolvimento. In: CASTRO, Elias de.; GOMES, Paulo Cesar de Castro.; CORRÊA,

Roberto Lobato,. Geografia: conceitos e temas . 3. ed. -Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,

2001.