o clarão - maitê proença

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Maitê Proença  Revista Época nº 397

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Page 1: O Clarão - Maitê Proença
Page 2: O Clarão - Maitê Proença

Maitê Proença Revista Época nº 397

Page 3: O Clarão - Maitê Proença

 Deus surgiu na minha vida aos 6 anos de idade, e  chegou junto com o pecado.

Filha de pais ateus, até então, eu não havia sido apresentada a uma coisa nem outra.

Page 4: O Clarão - Maitê Proença

Um dia colocaram-me num colégio de freiras no qual

rapidamente fui atualizada sobre essas questões importantes da

vida. Ali aprendi que algumas faltas eram mais graves que outras.

Page 5: O Clarão - Maitê Proença

Matar, por exemplo. Mas eu nunca matei ninguém...Ah, é? E, quando você caminha, o que acontece com todas aquelas formigas

que vão sendo pisoteadas?

Assustada, passei meses andando de cabeça baixa para evitar tamanho pecado.

Page 6: O Clarão - Maitê Proença

Trocaram-me de colégio.

Passou-se um ano, e surgiu o assunto da primeira comunhão.

Você não vai fazer?

Não sei, o que é isso?

É para Deus te perdoar dos pecados.

Ahn...

Page 7: O Clarão - Maitê Proença

Em casa, minha mãe tirava dúvidas a sua maneira: Deus é como Papai

Noel, só existe para quem acredita nele.

E ela sabia que eu já não acreditava.

Assim, pulamos a primeira comunhão.

Page 8: O Clarão - Maitê Proença

Aí minha mãe morreu, meu pai pirou, e por coincidência fui parar numa

hospedaria para filhos de missionários luteranos americanos, espalhados

pelo Brasil.

Ali se rezava antes de cada refeição, e, à noite, por uma hora de fervor,

cantavam-se hinos de louvor a Cristo.

Éramos 30 meninas e meninos, de 5 a18 anos, cuidados por um casal que viera de Minnesota com a missão de

manter a fé daqueles pirralhos custasse o que  custasse.

Meu caso deu certo trabalho.

Page 9: O Clarão - Maitê Proença

Eu não fazia parte da turma, não tinha fé alguma, e era imprescindível integrar-me

às crianças cristãs antes que elas se integrassem a meus modos pagãos.

Acontece que aquela gente era muito boa, e eu andava numa carência infinita.

Então, com o amor que me dedicaram, demorou pouco para que eu me bandeasse de armas e bagagem,

pensamentos e espírito para onde a seta luterana apontava.

Page 10: O Clarão - Maitê Proença

Aos 16, cansei dessa vida, discuti com o responsável da hospedaria e fui bater na

porta de uma igreja Católica.

Você é padre, não é? Pois eu sou órfã, e não tenho onde morar.

Padre Xico me convidou para morar na torre da igreja, e ali me instalei por um par de

anos.

No térreo ficava a sala de estar.

O sacerdote morava no 1º andar, o segundo piso servia para hospedar bispos e

monsenhores, e no terceiro ficava meu quarto.

Page 11: O Clarão - Maitê Proença

Certa vez aconteceu um show do Vinicius e Toquinho na cidade, e eu fui conferir.

Ao final do espetáculo, fui cumprimentar os artistas, e Toquinho se ofereceu para me levar em casa.

Quando pedi que estacionasse na porta da igreja, o moço não entendeu nada.

Você mora com o padre?

Moro.

E você dá para o padre?

Não, o padre é casto, e eu sou virgem - não dou para ninguém.

As segundas intenções que levaram Toquinho a me acompanhar, tão gentilmente, até minha casa morreram ali.

Page 12: O Clarão - Maitê Proença

Anos depois, já atriz, eu contei essa história para ele, e ambos demos boas risadas.

Page 13: O Clarão - Maitê Proença

Quando se viaja pobre, precisa-se das pessoas, da generosidade delas, de suas gentilezas.

Nessa troca diária em que eu também tinha de estar disponível, conheci muita gente boa e simples.

E gente simples tem religião.

Pelas pessoas, e não por interesse em suas crenças, fui novamente levada a Deus.

Page 14: O Clarão - Maitê Proença

A vida foi seguindo. Levou-me para a Europa...

...e dali para a Ásia, numa peregrinação que duraram dois anos.

Eu ia a pé, de carona, como desse - e ia conhecendo bem a gente local.

Page 15: O Clarão - Maitê Proença

Agora Ele ganhava várias faces, e as formas de louvá-Lo eram múltiplas e

sempre muito fervorosas.

Assim, fui percebendo que Deus não dava a mínima se a gente queria

chamá-lo de Buda,

Maomé, Oxalá

ou Jesus.

Deus não cabia numa caixinha, nem na minha compreensão, e

isso de certa forma me confortava.

Page 16: O Clarão - Maitê Proença

Então, quando mais tarde a vida apertou e minhas pessoas começaram a morrer muito pela segunda vez - amigos, meu pai e meu irmão se mataram - e minha

solidão precisava de um amor sobrenatural para sará-la, lembrei de Deus, e fui procurá-lo.

Quando encontrei, Ele era um Deus maduro e generoso, que me curou por inteiro, e, como que para me separar definitivamente de todo mal, ainda me deu

uma filha de presente.

Page 17: O Clarão - Maitê Proença

Eu que tentava havia dez anos, sem nenhum problema físico, só consegui engravidar quando virei uma pessoa completa, ou seja, de

espiritualidade plena.

Não vou contar, porque não cabe aqui, como se deram os milagres de minha vida, mas esse de minha filha aconteceu exatamente nessas

circunstâncias.

Page 18: O Clarão - Maitê Proença

O Deus que hoje reconheço é doce, tolerante, compreensivo e infinitamente bom.

É Ele quem me orienta e me encaminha todos os dias em cada momento.

Page 19: O Clarão - Maitê Proença

Olhando para trás e lembrando de tantas ocasiões em que poderia ter desistido de tudo, mas não o fiz, percebo que sempre houve um clarão no fim de cada túnel, e que essa luz dava sentido a todos os

aspectos e minha caminhada.

Antes, apenas, eu não sabia que a luz tinha um nome.

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